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CURSO SOBRE A LEI DE ABUSO DE AUTORIEDADE (LEI 13.

869/19)

Aula 5

Professor: Samer Agi

LEI DE ABUSO DE AUTORIEDADE (LEI 13.869/19)

Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do


ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem
determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Esse tipo penal se assemelha muito a violação de domicilio, mas a diferença na essência
está no sujeito ativo, porque o crime de violação de domicilio é um crime comum, já o delito da lei
de abuso de autoridade é um crime próprio, pois de ele só pode ser praticado por agente público.

Há três núcleos do tipo: invadir, adentrar ou permanecer.

A conduta invadir demanda o emprego de força física para entrar no imóvel, há um


obstáculo que é rompido. Exemplo: quebra de um cadeado para entrar em determinado
automóvel.

A conduta adentrar não exige a superação de um obstáculo, nem o emprego de uma força
física. Exemplo: sujeito que forma clandestina, astuciosa e à revelia da vontade do ocupante entra
na porta da casa que se encontra destrancada.

A conduta permanecer caracteriza um crime permanente, diferente dos outros núcleos do


tipo citados (invadir e adentrar) que caracterizam crimes instantâneos.

Material elaborado por Divina M. Araújo Miranda


O verbo permanecer é permanente, pois a situação de flagrância se protrai no tempo,
enquanto o sujeito estiver dentro do imóvel ele estará em situação de flagrante delito, podendo
ser preso em flagrante.

O art. 22 é classificado como um tipo penal misto alternativo, porque a prática de mais de
um núcleo do tipo não implica pluralidade criminosa quando dentro do mesmo contexto fático.
Exemplo: caso o agente público invada e depois permaneça no imóvel alheio ele pratica crime
único.

A prática de mais de um núcleo do tipo pode ser valorada na primeira fase da dosimetria
da pena, nas circunstâncias judiciais, especialmente nas circunstâncias do crime.

O clandestinamente previsto no art. 22 diz respeito à forma escondida, sem ninguém


perceber, já a forma astuciosa significa de modo ardil, com emprego de engodo e engano.

O tipo penal consagra uma presunção do desejo de não ingresso do agente público, se o
ocupante nada diz, então o agente público não pode entrar em seu imóvel. Portanto, se há revelia
da manifestação de vontade do ocupante do imóvel, presume-se que o ocupante não quer o
ingresso do agente público, tal presunção tem razão de ser, porque prestigia o direito a
propriedade, vida privada e intimidade.

Por vezes há uma determinação judicial, por exemplo, o cumprimento de mandado de


busca e apreensão que exige que o sujeito adentre ao imóvel de alguém a revelia da vontade do
ocupante ou durante a noite para instalar um escuta ambiental autorizada pela policia. Nessa
situação houve determinação judicial, caracterizando o fato como atípico, porque para haver a
subsunção do fato a norma é preciso que a conduta tenha se dado sem determinação judicial ou
fora das condições estabelecidas em lei.

O “fora das condições estabelecidas em lei” previsto no art. 22 trata de uma norma penal
em branco, porque é necessário consultar outro diploma legislativo para descobrir quais são as
condições legais que autorizam o ingresso em imóvel alheio, mesmo contra a vontade do seu
ocupante. A norma nesta etapa final demanda complemento normativo e este complemento se dá

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por meio de lei. Portanto, trata-se de uma norma penal em branco em sentido amplo, imprópria e
homogênea.

A pena é de detenção, o que significa que o regime inicial mais gravoso possível é o
semiaberto, é possível o regime inicial fechado a título de regressão de regime, a pena mínima é
de 1 (ano), desta forma admite-se a suspensão condicional do processo se presentes os requisitos.
Há a previsão da pena de multa, sendo necessário se valer do que dispõe o Código Penal a
respeito do valor mínimo e máximo da multa.

§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:

Na forma prevista no caput, quer dizer que o sujeito não tem determinações judiciais e
está fora das condições legais.

I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou


suas dependências;

O crime se consuma no momento da coação, ainda que o sujeito coagido não franqueie a
entrada no imóvel da pessoa que o coagiu, o coator.

É preciso que o autor do crime coaja alguém, pessoa certa e determinada, e essa coação
seja mediante violência ou grave ameaça contra a pessoa, se for contra a coisa não restará
configurado a infração penal em apreço, salvo se a violência contra a coisa puder ser considerada
como uma grave ameaça à pessoa.

II - (VETADO);

III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes
das 5h (cinco horas).

Por ordem judicial o agente público só pode entrar na casa de alguém durante o dia, essa é
uma garantia constitucional, se o mandado judicial é cumprido durante a noite ele será ilícito e
inconstitucional, no inciso III o legislador estabelece um critério objetivo que confere segurança

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jurídica ao operador, pois sendo cumprido o mandando de busca e apreensão após as 21h e antes
das 5h do dia seguinte haverá crime.

§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados
indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de
desastre.

O § 2º segue a linha do preceito constitucional que diz que a casa é asilo inviolável nela
ninguém podendo entrar, salvo por determinação judicial durante o dia ou em situação de
flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Ainda que o § 2º nada dissesse nesse sentido
não haveria crime, porque há a previsão constitucional que deve ser respeitada.

Art. 23. Inovar artificiosamente, no curso de diligência, de investigação ou de processo, o estado


de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de eximir-se de responsabilidade ou de
responsabilizar criminalmente alguém ou agravar-lhe a responsabilidade:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O delito do art. 23 se aproxima muito do disposto no Código Penal a respeito do crime de


fraude processual, só que neste artigo ele vai além, no CP a fraude é processual, já no artigo 23 a
fraude não será necessariamente no curso do processo, é possível que haja crime de abuso de
autoridade se a inovação artificiosa se der no curso de uma diligência, investigação ou mesmo de
um processo.

Além disso, o Código Penal distingue processo civil e administrativo de processo penal e diz
que neste último a pena será em dobro, a lei de abuso de autoridade não faz essa distinção, de
maneira que quando a lei não distingue não cabe ao interprete distinguir, então não se pode dizer
que a pena será maior se o processo for penal e não civil.

Inovar artificiosamente o estado de lugar, de coisa ou de pessoa é alterar a verdade dos


fatos. Exemplos: é dizer que uma pessoa estava onde não estava, dizer que uma coisa estava em
um lugar onde não estava ou alterar a dinâmica dos fatos a partir da alteração do lugar, houve um

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crime e a autoridade altera a posição dos objetos, inovando assim o estado do lugar para quem
chegar pensar que foi um suicídio e não um homicídio.

Para existir crime é preciso que o agente público tenha agido com especial fim, é preciso
que o elemento subjetivo se faça presente, só haverá crime quando a inovação artificiosa se der
com o fim de eximir o agente público de sua responsabilidade, de responsabilizar criminalmente
alguém que não deveria ou responsabilizar alguém que seria responsabilizado pelo crime, mas o
agente público altera o estado de lugar, de coisa ou de pessoa para agravar a responsabilidade
desse individuo.

Não é preciso para fins de consumação que a finalidade que animou o agente se cumpra na
vida real, o delito é de intenção, é um crime formal.

A pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, cabe suspensão condicional do


processo, se estiverem presentes os requisitos.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem pratica a conduta com o intuito de:

A conduta é a mesma do caput, o que o parágrafo único faz é trazer outros elementos
subjetivos do tipo. Na verdade os três incisos previstos no caput se somam as duas previstas no
parágrafo único. Portanto, há cinco situações que caracterizam o mesmo crime.

I - eximir-se de responsabilidade civil ou administrativa por excesso praticado no curso de


diligência;

O agente público praticou a diligência que era devida, mas houve excesso e para que o
agente público não fosse responsabilizado administrativamente e civilmente ele inova
artificiosamente, ainda que ele não consiga se eximir da responsabilidade há crime.

II - omitir dados ou informações ou divulgar dados ou informações incompletos para desviar o


curso da investigação, da diligência ou do processo.

Material elaborado por Divina M. Araújo Miranda


O agente público nesse inciso quer fornecer uma informação falsa ou omitir uma
informação que não poderia ser omitida com a finalidade de desviar o curso da investigação.

De todas as condutas do art. 23 a mais grave é a que imputa a alguém a prática de um


crime que não foi praticado, pois o agente público que deveria procurar a verdade sobre os fatos
constrói uma mentira para punir quem não praticou crime algum, nesse caso há um abuso
evidente.

Art. 24. Constranger, sob violência ou grave ameaça, funcionário ou empregado de instituição
hospitalar pública ou privada a admitir para tratamento pessoa cujo óbito já tenha ocorrido,
com o fim de alterar local ou momento de crime, prejudicando sua apuração:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Exemplo: o agente público chega até o hospital de urgências na madrugada e há um individuo que
já morreu, mas esse agente constrange um funcionário ou empregado do hospital a admitir para
tratamento o individuo morto, o objetivo é dizer que essa pessoa foi submetida a uma cirurgia e
morreu no hospital, o animo do agente público é alterar o local ou o momento de crime para
prejudicar a apuração da infração penal.

O constrangimento previsto no art. 23 tem que se dar com violência ou grave ameaça
contra a pessoa, não basta violência contra a coisa.

O crime é bipróprio, pois exige-se uma especial qualidade do sujeito ativo que deve ser o
agente público e exige-se também uma especial qualidade do sujeito passivo que deve ser
funcionário ou empregado de instituição hospitalar, não pode ser qualquer pessoa, em razão da
tipicidade e legalidade estrita não se pode admitir o crime se o constrangimento é exercido sobre
o dono ou sócio do hospital particular ou público.

Caso o agente público não saiba que a vítima já morreu não haverá dolo e crime.

Não estando caracterizado o especial fim de agir do agente público não haverá a infração
penal do art. 24, a finalidade deve ser de alterar o local ou momento do crime, se for o caso de
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uma contravenção penal não haverá a infração penal em apreço. Em regra, não é possível uma
interpretação em desfavor do réu, a lei fala em crime e não em contravenção penal, a infração
penal é gênero da qual são espécies os crimes e contravenções penais.

O crime do art. 24 só é caracterizado quando há a admissão do individuo em razão do


constrangimento, caso não haja admissão, mesmo se houver constrangimento o crime restará
tentado.

A pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente


à violência. O regime inicial mais gravoso é o semiaberto, a pena mínima é de 1 (um) ano, sendo
cabível a suspensão condicional do processo.

A parte final que prevê a pena disciplina o cúmulo material, isto é, haverá a soma da pena
de violência com a pena do crime da lei de abuso de autoridade. Exemplo: houve uma lesão
corporal leve exercida sobre o empregado da instituição hospitalar, a pena da lesão corporal leve
é somada com a pena do delito abusivo funcional.

Art. 25. Proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por


meio manifestamente ilícito:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

A inadmissibilidade das provas ilícitas é consagrada na Constituição e reproduzida no


Código de Processo Penal que excepciona a fonte independente, o nexo causal atenuado, a
chamada mancha expurgada e a descoberta inevitável, no Brasil adota-se a teoria dos frutos da
árvore envenenada, essa é uma matéria processual penal.

É necessário se atentar para alguns fatos, como a obtenção de prova ilícita que é criminosa
e pode ocorrer em processo de investigação ou fiscalização, esse crime não se limita a seara penal.
Exemplo: em um procedimento de fiscalização de um imóvel rural o agente do IBAMA procede à
obtenção de prova manifestamente ilícita, nesse caso haverá crime, ainda que essa prova seja
utilizada em um processo administrativo e não penal.

Material elaborado por Divina M. Araújo Miranda


O procedimento de investigação previsto no art. 25 trata também do inquérito policial e da
investigação presidida pelo MP em fase pré-processual, só que a atividade administrativa não se
encerra quando a denúncia é oferecida, mesmo no curso do processo a atividade investigativa
prossegue. Exemplo: o MP na audiência de instrução e julgamento investiga os fatos, procura
saber efetivamente o que ocorreu, se a testemunha faz referência a um documento na fase do art.
402 do CPP o MP requer a juntada do documento e requer que seja oficiado determinado órgão
para que remeta cópia do procedimento, a atividade investigativa não se encerra na atividade pré-
processual, de maneira que se o membro do Parquet procede à obtenção de prova no curso de
um processo penal por meio manifestamente ilícito é praticado o crime de abuso de autoridade.

A pena é de detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, é uma infração de médio


potencial ofensivo, cabe suspensão condicional do processo.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem faz uso de prova, em desfavor do investigado ou
fiscalizado, com prévio conhecimento de sua ilicitude.

O parágrafo único trata da situação em que o agente público não foi quem produziu a
prova, mas tendo conhecimento prévio da sua ilicitude a emprega em desfavor do investigado ou
do fiscalizado.

O conhecimento da ilicitude da prova deve ser prévio, caso o agente público tenha
conhecimento da ilicitude após ou concomitantemente ao emprego da prova não haverá crime,
porque a lei penal exige para fins de subsunção do fato a norma que esse conhecimento se prévio.

O parágrafo púnico não se limita ao processo penal, mesmo em infrações administrativas e


ambientais pode haver a prática da infração penal em apreço.

A pena é a mesma prevista no caput, detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.


Portanto, é uma infração de médio potencial ofensivo, a pena mínima permite a suspensão
condicional do processo, a pena é de detenção, de modo que o regime inicial mais gravoso é o
semiaberto, mesmo em caso de reincidência, a título de regressão de regime é possível à fixação
do regime fechado.

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