Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÃO PAULO
2011
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Programa de pós-graduação em Comunicação e Semiótica
SÃO PAULO
2011
Banca Examinadora
_____________________________
_____________________________
_____________________________
Às famílias Biasotto, Araujo e Silva
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Leda Tenório da Motta por sua orientação e pela sua paciência ao
perceber minhas dificuldades primárias na área escolhida. Às Professoras Doutoras
Flávia Cesarino Costa, Sheila Schvarzman e ao Prof. Dr. Arlindo Machado pelas
indicações bibliográficas e pelas críticas que proporcionaram material valioso que
tornou esta pesquisa possível. À Profa. Dra. Lucia Santaella, que me acolheu ainda na
graduação e acreditou no meu esforço intelectual como pesquisadora.
Aos meus amigos historiadores, Camila Caldas Petroni, Diego Galiza, Giuliana
Gasparroni, Marcelo Continelli e Milena Alves Lopes de Oliveira por me apoiarem nos
momentos mais delicados que também fizeram parte deste trabalho, pela sua fé em meu
conhecimento e por me lembrarem sempre da maneira pelo qual ele foi adquirido.
Aos amigos e colegas que porventura não tenha citado nominalmente, mas que
colaboraram para que este trabalho se concretizasse.
RESUMO
Esta pesquisa busca compreender os 20 anos iniciais do cinema nos Estados Unidos no
que diz respeito às mudanças na forma de produzir e exibir os filmes, e também àquelas
que se fizeram presentes na indústria cinematográfica. O período aqui abordado
corresponde aos anos entre 1895 e 1915; ele é subdividido em Primeiro Cinema ou
Cinema de Atrações (1895 a 1907) e Período de Transição (1907 a 1915).
Durante o primeiro cinema, ou cinema de atrações, a linguagem fílmica estabelecida
não visava necessariamente à narração e à linearização. Sua intenção não era tanto
contar histórias, e focava-se mais em exibir imagens filmadas, atraindo a atenção do
público. Nesta fase, há o destaque para recursos como a trucagem e close-up, mas os
recursos de câmera, a edição, a produção e a atuação não eram dirigidos para uma
história narrativa. A indústria, neste primeiro período, ainda se desenvolvia. Entre os
empreendedores variavam desde mágicos e amadores da tecnologia e da ciência até
grandes empresas, com a Cia. Edison. O cinema não era atração principal e era
apresentava junto aos números de vaudevile.
A partir de 1907, o cinema se tornou a atração principal, recebendo um espaço próprio
para sua exibição, os chamados nickelodeons. Seu baixo custo atraiu um grande público
e os empreendedores perceberam o potencial que o cinema tinha em gerar lucros. Houve
um esforço para nacionalizar ao máximo a produção de filmes e monopolizar seus
meios de produção. Estes esforços resultaram na formação de um truste que dominou o
sistema de produção e exibição no período de transição nos Estados Unidos, a Motion
Picture Patents Company. Os filmes também adquiriram novas características: com a
influência do cinema estrangeiro que traziam histórias mais narrativas, novos
movimentos de câmera e utilização de diversos planos, os produtores norte-americanos
se viram impelidos a adotar estas características e aperfeiçoá-las até atingir um cinema
com linguagem mais narrativa e linear.
Por meio da decupagem dos filmes que compõem o corpus de análise, percebeu-se que
alguns recursos estilísticos do primeiro cinema foram mantidos no período de transição
e mesmo posteriormente, no cinema clássico, embora sua função fosse alterada.
Importante ressaltar também que no período abordado, ou seja, entre 1895 e 1915
também ocorreram mudanças sociais, científicas e tecnológicas cruciais na sociedade
norte-americana que colaboraram para o grande sucesso do cinema. Desta forma,
buscou-se nesta pesquisa explicitar as características fílmicas e industriais do primeiro
cinema e do cinema de transição, correlacionando-as, e contextualizar este período
historicamente, a fim de analisar em que medida estes períodos do cinema puderam se
configurar dentro de sua época histórica.
ABSTRACT
This research seeks to understand the primordial 20 years of the cinema in the United
States in which concerns about the changes in the way mode of films were produced
and exhibited, and also those presented in the cinematographic industry. The period
analyzed here corresponds to the years between 1895 and 1915; and it is subdivided
between Early Cinema or Cinema of Attractions (1895-1907) and Period of Transition
(1907-1915).
During the Early Cinema, or Cinema of Attractions, the filmic language established did
not seek necessarily to narration and linearization. It aimed at images exhibition,
attracting the audience attention rather than telling stories. In this phase, it is notability
resources such as trucage and close-up, but camera resources, edition, production and
performance were not directed to a narrative story. The industry, in this first period, was
not completely developed. Among the enterpriser alternated magician, non-professional
scientists and even big companies, as Edison Co. The cinema was not the main
attraction and was showed with vaudeville numbers.
From 1907, cinema became the main attraction and earned its own space to its
projection, called nickelodeons. Its low cost attracted a big public and the enterpriser
realized the potential of film to generate profit. There were efforts to nationalize at most
the production of film and monopolize its means of production. The efforts resulted on a
Trust that dominated the system of production and exhibition in the period of transition
in the United States, the Motion Picture Patents Company. The films also obtained new
characteristics: influenced by foreign films that brought more narrative stories, new
camera movements, and various planes utilization, the American producers were
impelled to adopt those characteristics and improve them until reach a cinema with a
more narrative and linear language.
By decoupage of films which constitute the corpus, we realize that some stylistic
resources form the Early Cinema were maintained on the period of transition and even
after, in the classic cinema, although their function were transformed. We give
prominence to crucial social, scientific and technologic changes in the American society
between 1895 and 1915 that collaborated to the great success of cinema. Hence, we
sought to make explicit the filmic and industrial characteristics of the Early Movies and
the Cinema of Transition, connecting each of them, and compose this period
historically, in order to analyze how those periods of cinema were able to configure
themselves inside their historical age.
Introdução.............................................................................................................................. 9
2. MODOS DE REPRESENTAÇÃO.......................................................................... 40
2.1 O cinema de atrações (1895-1907)...................................................................... 40
2.2 O período de transição (1907-1915).................................................................... 50
6. REFERÊNCIAS......................................................................................................... 108
6.1 Bibliografia........................................................................................................... 108
6.2 Sites....................................................................................................................... 112
6.3 Periódicos.............................................................................................................. 112
6.4 Filmografia ........................................................................................................... 112
7. ANEXOS .....................................................................................................................114
7.1 Anexo 1: Tabela de filmes do cinema de atrações separados por características.. 114
7.2 Anexo 2: Tabela de características do período de transição...................................118
7.3 Anexo 3: Imagens dos filmes do primeiro cinema e do cinema de transição.........121
Introdução
1
GUNNING, Tom. The cinema of attractions: early film, its spectator and the avant-garde. In
ELSAESSER, Thomas&BARKER, Adam(org.). Early cinema: space, frame, narrative. Londres: BFI
Publishing, 1990. Passim.
2
KEIL, Charlie. Early American cinema in transition: story, style and filmmaking, 1907-1913.
Winscosin: The Universtity of Winscosin Press, 2001. Passim.
9
narrativo, filmagens de paisagens cotidianas, truques de mágica e encenações de
vaudeville, pouca mobilidade da câmera, e pouca alternância entre planos.3 Estes filmes
mostram, portanto, diversas situações gravadas, e não histórias com começo, meio e
fim, pois seu principal objetivo é chamar a atenção do espectador para o que ocorre na
tela, para o instante, para o agora, “evocando mais surpresa do que suspense” 4. O
público do cinema de atrações tem sua atenção chamada a todo instante pelas imagens
projetadas e, segundo Tom Gunning, o filme atrai o espectador como se dissesse: “Aqui
está uma vista incomum e divertida – veja!” 5.
3
Estas características serão melhor analisadas no capítulo terceiro.
4
GAUDREAULT, André (ed.). American cinema, 1890-1909: themes and variations. New Brunswick,
New Jersey, and London: Rutgers University Press, 2009. Pág. 116.
5
Idem.
6
COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração e domesticação. Rio de Janeiro:
Azougue Editorial, 2005.
10
primitivo7 nos períodos entre 1895 e 1908 (subdividindo-se em 1895-1905 e 1894-
1906-8), enquanto que a segunda compreende o modo de representação institucional
entre 1906 a 1915 (subdividindo-se entre 1906-1908 e 1913-1915). O termo modo de
representação primitivo não será utilizado para designar o período do primeiro cinema,
pois Noël Burch se utiliza do termo “primitivo”, que traz as dificuldades de
interpretação mencionadas acima. Mas, para que se possa explanar de uma maneira
mais clara a questão do primeiro cinema e o seu desenvolvimento, Burch afirma que:
7
BURCH. A primitive mode of representation? in ELSAESSER&BARKER (orgs.). Op. Cit., 1992.
8
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 87.
9
BORDWELL, David. On the history of film style. Cambridge, Massachusetts e Londres, Inglaterra:
Harvard University Press, 1997. Pág. 97.
10
GAUDREAULT, André [et alii.]. A narrativa cinematográfica. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 2009. Pág. 39
11
que deveria direcionar o olhar do espectador através de movimentos de câmera, por
exemplo, encontra-se implícito na mostração: ele é o “meganarrador”11, uma instância
superior que se preocuparia com a fluidez do filme.
De acordo com André Gaudreault, Charles Musser, Noël Burch, Tom Gunning,
entre outros pesquisadores, os filmes do primeiro cinema, que compreende os períodos
entre 1895 e 1906/8, foram, por muito tempo, negligenciados pelos estudiosos de
cinema, dispostos a considerá-los uma tentativa atrapalhada de um modo clássico, de
narração consolidada, de representação, que ainda não podia ser aquele que a maioria
das pessoas atualmente reconhece e assimila. No entanto, nos anos de 1977 e 1978, em
Brighton, ocorreu a reunião de teóricos do cinema dispostos a rever os filmes
produzidos e a discutir a pertinência dos paradigmas que foram estabelecidos sobre eles
até então. O resultado das discussões pode ser encontrado detalhadamente em “Cinema
1900-1906: an analytical study by the National Film Archive (London) and the
International Federation of Film Archives”12 e estabelecia que “os primeiros filmes só
poderiam ser entendidos a partir de seu contexto específico (...) e não em relação a um
ideal de continuidade que lhe é posterior.” 13. Analisar os filmes de acordo com o seu
contexto específico prevenia os pesquisadores de compará-los com formas posteriores
da linguagem clássica.
11
Ibid, Pág. 40.
12
HOLMAN, Roger (org.). Cinema 1900 – 1906: An analytical study by the National Film Archive
(London) and The International Federation of Film Archives (FIAF), 2 volumes, Bruxelas, Bélgica; FIAF,
1982. [Volume 1: Brighton Symposium, 1978; Volume 2: Analytical Filmography (Fiction Films), 1900-
1906, editado por André Gaudreaul]
13
COSTA, Flávia Cesarino. O Primeiro cinema: algumas considerações. In BENTES, Ivana (org.). Ecos
do cinema: dos Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. Pág. 18
14
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 93-97.
12
A partir de Brighton, estabeleceu-se que os filmes deste período não eram
menores, uma vez que sua intenção inicial não era contar uma história utilizando os
recursos clássicos, sendo assim, as chamadas “anomalias”, na verdade, parte de um
processo de constituição de uma linguagem própria do primeiro cinema. Nas palavras
de Flávia Cesarino Costa,
É a partir desta linha não-evolutiva que tem se estabelecido desde Brighton que
tentaremos analisar o primeiro cinema e o cinema de transição. No capítulo primeiro
será feita uma análise da indústria de cinema norte-americana nestes 20 anos, para que
se compreenda em que medida o cinema se estabeleceu enquanto instituição econômica
nesta sociedade. No capítulo segundo, serão estudados os modos de representação que
predominaram nestes 20 anos de cinema. A saber, entre 1895 a 1906/8, denominado
como “primeiro cinema” ou “cinema de atrações” e entre 1906/8 a 1915, como “período
de transição”. O capítulo terceiro haverá a decupagem, ou seja, a análise das cenas
divididas em planos, de um corpus já previamente selecionado que ilustrará e fará
refletir sobre a maneira como o cinema era produzido, assistido e recepcionado; de
modo a tornar mais clara a relação entre os filmes e os indivíduos daquela época, e que
elucidará os dois capítulos anteriores, principalmente o capítulo segundo que diz
respeito aos modos de representação. No capítulo quarto, o cinema de atrações e o
período de transição serão contextualizados historicamente, inserindo-se no contexto
norte-americano do início do século 20. Esta contextualização tem o objetivo de
elucidar em que medida a relação com a realidade moderna pode ser sentida pelo
público destes dois períodos do cinema, na medida em que os filmes e o cinema eram
resultado da construção da modernidade, dos desdobramentos da revolução científico-
tecnológica que se realizava desde a metade do século 19. De acordo com Nicolau
Sevcenko,
15
COSTA. Op. cit. 2007. Pág. 16-17.
13
“(...) foram desenvolvidos novos meios de transporte, como os
transatlânticos, carros, caminhões, motocicletas, trens
expressos e aviões, além de novos meios de comunicação, como
o telégrafo com e sem fio, o rádio, os gramofones, a fotografia,
o cinema.” 16
16
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001. Pág. 15.
14
Capítulo Primeiro
1
COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: algumas considerações. In BENTES, Ivana (org.).
Ecos do cinema: dos Lumière ao digital. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2007. Pág. 15.
2
MORIN, Edgar. O cinema ou o homem imaginário. Lisboa: Relógio d’Água, 1997. Pág. 28.
15
globo e ao mesmo tempo. Com o cinema não foi diferente. Georges Sadoul já afirmava
que “o cinema não surgiu, em um só noite, de um cérebro de um genial inventor. Para
que pudesse nascer, foi preciso o trabalho de centenas de investigadores de países
distintos, durante mais de meio século” 3. No caso do cinema, seu surgimento está
inserido em um contexto social de intenso desenvolvimento industrial e tecnológico do
final do século 19 e início do século 20, desenvolvimento este que afetou também a vida
dos habitantes de cidades que cresciam em países como Estados Unidos e França. Ainda
de acordo com Ismail Xavier, em “O Cinema no Século”, era preciso “traçar as origens
do cinema leva não a um ‘pedigree’ garantido, mas à caótica loja de curiosidades do
começo da vida moderna” 4.
3
SADOUL, George. El cine: su história y su técnica. México: Fundo de Cultura Econômica,
1950. Pág. 9.
4
XAVIER, Ismail: O cinema no século. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1996. Pág. 26.
5
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 36-38.
16
vida anterior, ‘subjetividade do homem’” 6. Pesquisadores como Marey e Muybridge,
que se empenharam na construção de um reprodutor de imagens animadas, não
possuíam praticamente interesse além da serventia científica que sua invenção poderia
ter. De acordo com Edgar Morin,“para Muybridge, Marey e Dèmeny, o cinematógrado
ou os seus imediatos predecessores, tais como o cronofotógrafo, são instrumentos de
observação ‘para estudar os fenômenos da natureza’” 7.
Ao fotografar um homem de roupa preta com tiras brancas fazendo com que ele
corresse na frente de um fundo preto, Marey pode distinguir e desconstruir os
movimentos das chapas posteriormente. Edward Muybridge, fotógrafo inglês, foi
contratado pelo ex-governador da Califórnia, Leland Stanford, para solucionar uma
curiosidade que tinha: saber se, ao galopar, o cavalo suspendia as quatro patas do chão
ao mesmo tempo. Deste modo, em 1877 foi construída uma pista especial com marcas
onde deveriam ser postas doze câmeras operadas eletricamente para que pudessem
fotografar os movimentos do animal. De acordo com Robert Sklar,
6
VALENTE, Telma Elita Juliano. Cinema e magia: efeitos especiais – de Méliès à Fantasia
2000. Dissertação (Doutorado em Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo: São Paulo, 2005. Pág. 20.
7
MORIN. Op. cit. 1997. Pág. 24.
8
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 16.
17
dessarte, a tomada de uma sucessão de fotografias. Desta
forma, os resultados foram espetaculares.” 9
9
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 17.
10
VALENTE. Op. cit. 2005. Pág. 23.
11
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 19.
12
Ibid. Pág. 17.
18
como precisar qual das invenções foi a pioneira uma vez que já se data do século 15 o
princípio da câmera escura de Leonardo da Vinci; do século 16 a construção da câmera
de Giambattista Della Porta; do século 18 o fantascópio pelo físico belga Étienee-
Gaspard (Robertson) Robert13. O cinematógrafo que projetou os filmes em 28 de
dezembro em Paris representava o paradoxo da separação que a modernidade acreditava
ter realizado, pois parte da sua produção tinha como princípio o potencial humano de
sonhar, da vontade de manipular o tempo e o espaço, de representar o mundo. A
separação entre imaginação e razão não é natural, e como expõe Tom Gunning,
13
VALENTE. Op. cit. 2005. Pág. 20-25.
14
Ibid. Pág. 21.
15
XAVIER. Op. cit. 1996. Pág. 38.
19
espectador, mexer com os seus fantasmas e interpelá-lo como sujeito”
16
.
16
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 18.
17
XAVIER. Op. cit. 1996. Pág. 27.
18
DESLANDES, Jacques. Histoire comparée du cinema. Tome I: De la cinematique au
cinematographe 1826-1896. Tournai: Casterman, 1996. Pág 213-214. In COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 39.
19
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 39.
20
Idem.
20
grande parte influenciada pelo tipo de atração pelo qual os filmes eram inspirados e pelo
ambiente em que se passavam.
23
Este tipo de diversão popular é chamado de “realismo grotesco” e nela eram
administrados eventos onde a exposição de situações materiais, corporais e fisiológicas
eram o espetáculo, sendo que escrúpulos nem sempre ditavam a sua regra. Na análise de
Arlindo Machado:
21
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 43.
22
Ibid. Pág. 78.
23
Ibid. Pág. 76-77.
24
Ibid. Pág. 76-79.
21
“Os vaudeviles tinham surgido a partir de teatros de variedades –
com conotações exclusivamente eróticas – que em geral funcionavam
anexos aos ‘salões de curiosidades’. (...) Mas nas últimas décadas do
século 19 o vaudevile já estava deixando de ser um espaço
pervertido.” 25
Em 1895 o cinematógrafo Lumière chegou aos Estados Unidos 28. Não apenas o
aparelho, mas o modo de produção e industrialização dos irmãos franceses se tornou
sucesso. Na descrição de Flavia Cesarino Costa,
25
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 40-41.
26
Ibid. Pág. 41.
27
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 80.
28
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 41.
22
nos EUA, pois mantinha a autonomia dos exibidores de filmes em
relação à produção” 29.
29
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 44.
30
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 44.
31
SINGER, Ben. Manhattan nickelodeons: New data on audiences and exhibitorns. In
GRIEVESON, Lee & KRÄMER, Peter (orgs.): Op. cit. 2004. Pág. 120.
32
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 59.
23
“o negócio do nickelodeon era de fato extremamente arriscado e
instável. (...) Vários exibidores saíam do negócio todo ano, enquanto
ao mesmo tempo dúzias de outros se aventuravam no jogo” 33
33
SINGE. Op. cit. 2004. Pág. 129.
34
Ibid. Pág. 130.
35
MAYNE, Judith. The woman at the keyhole: feminism and women’s cinema. Bloomington e
Indianópolis: Indiana University Press, 1990. Pág. 355-359.
36
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 60.
37
MAYNE. Op. cit. 1990. Pág. 355.
38
SINGER. Op. cit.. 2004. Pág. 119-134.
24
compreenda as controvérsias que ainda existem acerca da constituição do público dos
nickelodeons.
39
Ibid. Pág. 122.
40
Ibid. Pág. 124.
41
SINGER. Op. cit.. 2004. Pág. 125.
42
Idem.
25
Por outro lado, ele investiga o motivo pelo qual os nickelodeons se concentraram
em determinados locais. Ele enumera uma série de fatores:
43
SINGER. Op. cit. 2004. Pág. 126
44
Idem.
45
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 61.
46
GUNNING, Tom. From the opium den to the theatre of morality: Moral discourse and the film
process in early American cinema In In GRIEVESON, Lee & KRÄMER, Peter (orgs.): Op. cit. 2004.
Pág. 146.
47
MACHADO. Op. cit.. Campinas: Papirus Editora, 1997. Pág 82.
26
assim estabelecer sua economia em “sólidas bases econômicas” 48. Na visão de Robert
Sklar e Arlindo Machado,
Ben Singer contabiliza que, em 1908, nada menos que 300 nickelodeons foram
transformados em grandes teatros que exibiam filmes em tempo integral. No entanto, o
que realmente impulsionou esta mudança nos nickelodeons foram os órgãos de censura
da própria indústria cinematográfica que lutava para se estabelecer enquanto uma
indústria de arte, e que classificava moralmente os filmes e os seus locais de exibição.
48
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 61.
49
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 46 e 59.
50
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág 83.
51
ABEL, Richard. Os perigos da Pathé ou a americanização dos primórdios. In CHARNEY, Leo
& SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo:
Cosac&Naify, 2004.Pág. 82.
27
Em 1909, instituições que zelavam pelos costumes americanos formaram a Diretoria de
Censura que, embora não obtivesse o poder legal de censurar, recebia os filmes
produzidos para atestar sua pureza moral.
Em 1908 foi fundada a Motion Picture Patents Company52 liderada por Edison,
que era
52
A Motion Picture Patents Company também será aqui representada pela sigla MPPC. Sua
atuação na indústria será aprofundada mais adiante.
53
GUNNING. Op. cit. 2004. Pág. 146.
54
ABEL. Op. cit. 2004. Pág. 215.
55
Ibid. Pág. 217.
28
imigração durante os últimos anos e seu crescimento constante se
referiram principalmente aos países do sul da Europa” 56
56
The New York Daily Tribune. 7 de janeiro de 1907.
57
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department of Commerce: Bureau of the Census.
Thirteenth census of the United States taken in the year 1910: Population General Report and
Analysis. V.1, 1913. Disponível em <http://www.census.gov/prod/www/abs/decennial/1910.html>
Acessado em janeiro de 2011.
58
HOBSBAWM, Eric J. A era do capital: 1848-1875. São Paulo: Paz e Terra, 2005. Pág. 277.
29
prático. Em busca de oportunidades, eles inundaram os Estados Unidos na primeira
década do século 20. Os relatos de jornais apontam os números: “A imigração total para
o ano de 1907, que foi de 285. 346 excederam o de 1906 estabelecido em 258. 850, ou
59
um crescimento de mais de 17% sobre 1906 e 25% sobre 1905.” Medidas de
contenção foram impingidas pelo governo para a contenção da imigração,
principalmente quando se tratava do grupo dos indesejáveis: os japoneses. O jornal The
New York Daily Tribune reportou, em 5 de maio de 1907, que “foi autorizado na última
sessão do Congresso um auxílio nos esforços que restringem futuras chegadas de
imigrantes indesejáveis” 60
59
The New York Daily Tribune, 15 de dezembro de 1907.
60
The New York Daily Tribune. 5 de maio de 1907.
61
The Washington Herald (Washington D.C.). 2 de janeiro de 1908.
62
The Washington Herald (Washington D.C.). 5 de janeiro de 1908.
30
como a maioria dos imigrantes, mas vem aqui apenas para uma
estada curta e então partem” 63
63
The Washington Herald (Washington D.C.). 11 de janeiro de 1908.
64
ABEL. Op. cit. 2004. Pág. 233.
65
Ibid. Pág. 238.
31
66
em um “sistema colaborativo” . Assim, o cinematógrafo era o produto inicialmente
comercializado na indústria do cinema, sendo o projetor e os filmes vendidos
basicamente ou pelos irmãos Lumière ou pela Companhia Edison, que detinham grande
parte dos direitos e recursos da reprodução visual. No entanto, o aparelho dos irmãos
Lumière era muito mais fácil de ser transportado e manuseado, o que o tornava um forte
concorrente do vitascópio de Edison.
66
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 61.
67
MUSSER, Charles. The Nickelodeon era begins: establishing the framework for Hollywood’s
mode of representation. In ELSAESSER, Thomas & BARKER, Adam (orgs.). Op. cit. 1990. Pág. 256.
68
Idem.
32
necessidade de uma licença para a utilização dos equipamentos de projeção e dos
filmes, licença esta adquirida por meio do royalty pago ao detentor da patente. A patente
também foi decisiva no que dizia respeito à produção dos filmes, pois só poderiam
utilizar as câmeras quem também pagasse o royalty por ela.
69
JACOBS, Lewis. The Rise of American Film: A critical history with an essay experimental
cinema in America – 1921-1947. Nova York: Teacher Colleges Press, 1975. Pág. 82.
70
Ibid. Pág. 81.
71
STAIGER, Janet. Combination and litigation structures of US film distribution, 1896-1917. In In
ELSAESSER, Thomas & BARKER, Adam (org.). Op. cit. 1990. Pág. 190.
33
firma de Latham seguiu uma capitulação comum: vendeu suas
patentes, obtendo alguma restituição.” 72
A Motion Picture Patents Company foi um consórcio que se realizou graças aos
esforços de Thomas Alva Edison, em 1908, em busca de homogeneizar a indústria e
eliminar possíveis concorrentes nacionais e internacionais.
74
O ‘Truste’ , como também é chamada a Motion Picture Patents Company,
contava com nove companhias produtoras: “Edison, Biograph, Vitagraph, Essanay,
Kalem, Selig, Pathé Frerès e Meliés”, além do “importador de filmes, George Kleine”
75
. Durante o cinema de transição, praticamente grande parte da patente do design das
câmeras se encontrava registrada como propriedade do Truste, que exigia o pagamento
do direito autoral de sua propriedade sobre o seu uso. Aos exibidores que tinham seus
locais de exibição em bairros mais próximos ao centro ou mais bem vistos, era dada
uma atenção maior na concessão de filmes e eram prometidos “contratos preferenciais a
cinemas que mantivessem os filmes por mais tempo em cartaz e cobrassem dez
76
centavos por entrada” . Assim, os ‘poeiras’ que ainda remanesciam se encontravam
numa situação difícil por conta da restrição no fornecimento de filmes. No entanto,
havia empresários, produtores e exibidores da indústria cinematográfica que por
permanecerem fora da MPPC aprenderam a lutar com seus próprios meios para
continuarem com o seu negócio e com sua produção.
72
Idem.
73
STAIGER. Op. cit. 1990. Pág. 193.
74
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág 48.
75
Ibid. Pág. 50.
76
Ibid. Pág. 52.
77
Ibid. Pág 193.
78
STAIGER. Op. cit.. 1990. Pág. 193.
34
organizações para fazer frente ao Truste de Edison: a Independent Film Protective
Association, que oferecia suporte financeiro e legal a todos aqueles que lutassem contra
a MPPC79, a National Indepentent Motion Picture Alliance, e a Associated Independent
Film Manufacturers 80. Por outro lado, a MPPC investiu na General Film, especializada
na distribuição de filmes. Em dezembro de 1909, os esforços dos independentes se
reafirmaram com a criação de uma aliança de distribuição de filmes, a Motion Picture
Distributing and Sales Co., que começou a operar oficialmente em 1910, tendo Carl
Laemmle como presidente, e apontada como a mais importante por Lewis Jacobs81 .
79
Ibid. Pág. 194.
80
JACOBS. Op. cit.. 1975. Pág. 82-83.
81
Ibid. Pág. 73
82
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 53-54.
35
[Os Independentes] frequentemente repartiam os custo da defesa do
que deixar o fardo cair sobre apenas uma companhia” 83
Além dos problemas enfrentados pela Motion Picture Patents Company contra
os Independentes, em 1912 o Estado moveu uma ação contra a MPPC com base na Lei
Sherman Antitruste, que combatia os trustes no território americano em favor da livre
concorrência. A Patents Company foi surpreendida pelo plano de governo do
progressista Woodrow Wilson, que combateria os gigantescos monopólios a favor da
“justiça pelos direitos do homem pequeno” 84. O processo fora movido sob a acusação
de Fox, também opositor do Truste, contra a Patents Company, alegando que ela agira
fora da lei “aterrorizando distribuidores e exibidores” e obrigando outros
empreendedores a permanecerem “fora dos negócios por meio de métodos despóticos,
arbitrários e opressivos” (processo contra a Patents Company em Janet Staiger)85. Em
1913, a MPPC foi levada à Corte em um processo (Estados Unidos contra Motion
Picture Patents Co.) que se arrastou até 1915, em que se deu o veredicto que o Truste
foi além do necessário para garantir sua autoria e, portanto, infringia a Lei Antitruste, e
86
foi determinado que a combinação, mas não os filmes, fosse dissolvida . A Corte
deliberou que a lei de patentes “não é para criar fortunas privadas, mas para promover o
progresso da ciência e de artes úteis” 87
83
STAIGER. Op. cit.. 1990. Pág. 197.
84
JACOBS. Op. cit. 1975. Pág. 82.
Ibid, Pág. 84.
85
STAIGER. Op. cit.. 1990. Pág. 200.
86
Ibid. Pág. 202.
87
Ibid. Pág. 203.
88
JACOBS. Op. cit., 1975. Pág. 84-85.
36
Também houve uma migração para um novo centro produtivo na Califórnia e,
embora alguns autores aleguem que ela tenha sido decorrente da perseguição e
fiscalização do Truste, aqui adotaremos a visão de Janet Staiger, que indica que “Ao
contrário de algumas histórias, uma coisa que eles [os Independentes] não fizeram foi se
esconder na Califórnia; a Patents Company precedeu os independentes lá” 89
D.W. Griffith foi um nasceu no Kentucky em 1875. Era filho de Jacob “Roaring
Jake” Griffith, um herói do exército Confederado durante a Guerra Civil Americana
(1861-1865). Griffith cresceu ouvindo de seu pai os relatos da Guerra e a versão sulista
conservadora pela qual ele lutara, e que fora, no entanto derrotada. Sua “família era
91
requintada, mas pobre, com senso de um passado melhor” . Devido à sua formação,
“quis sempre ser útil aos valores dominantes em seu país e seus aliados” 92.
89
STAIGER. Op. cit. 1990. Pág. 197.
90
Ibid. Pág 88.
91
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 68.
92
XAVIER, Ismail. D.W. Griffith. São Paulo: Brasiliense, 1984. Pág. 10.
37
dramaturgo. Em busca deste sonho, ele sai do campo e ruma à cidade, mas após um
fugidio sucesso na área, em 1907 ele se vê obrigado a adentrar na indústria
cinematográfica como ator da Cia Edison, e, em 1908, vai para a Biograph onde
permaneceria até 1913. Griffith atuava mediocremente e, quando o diretor costumeiro
da Biograph, onde ele trabalhou, caiu doente, ele foi convidado a substituí-lo, pois era
conhecido pelas contribuições que dava durante as filmagens. D.W. Griffith aceitou a
proposta, com a condição de que continuaria a usar o pseudônimo de Lawrence Griffith,
ao invés de seu nome mais conhecido, para não expor seu vexame de se encontrar nesta
indústria “menor, sem dignidade, dirigindo filmes curtos e fabricados em série” 93 e não
na dramaturgia do teatro ou da literatura. No entanto, ele “aliou o constrangimento à
força de vontade, à disciplina, e levou tudo tão a sério que contribuiu decisivamente
para que, em poucos anos, toda a sociedade dirigisse um outro olhar para o cinema” 94.
93
Ibid. Pág. 12.
94
Idem.
95
SKLAR. Op. cit. 1975. Pág. 72.
38
empresa. Quem lhe ofereceu uma oportunidade para realizar suas pretensões foi o
Independente Harry E. Aitken, chefe da distribuidora Mutual 96.
96
Ibid. Pág. 74.
97
Ibid. Pág. 99.
39
Capítulo Segundo
Modos de Representação
98
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 18 e 33.
40
Desta estranheza podem decorrer veredictos equivocados sobre estes filmes, e se
pode imaginar que eles tenham por alvo a ausência de capacidade, ou ainda de uma
tentativa desastrada desses primeiros filmes de contarem uma história claramente
narrativa e linear, quando, no entanto, eles não tinham esta intenção. Desse modo, é
importante incluir aqui as diferentes versões apresentadas por pesquisadores
concernentes ao cinema de atrações apresemtadas por Tom Gunning, para que se torne
mais evidente a maneira como ele foi analisado anteriormente, e como se convencionou
compreende-lo, principalmente após o encontro em Brighton nos anos de 1977 e 1978,
que trouxe um novo paradigma para a historiografia.
101
Uma segunda visão, a qual o autor classifica como “modelo cinemático” ,
percebe o desenvolvimento da linguagem fílmica como conseqüência da percepção de
102
sua essência cinemática de contar histórias. De fato, de acordo com Metz , o cinema
descobre essa essência no momento em que percebe estar destinado a contar histórias
por meio da sua função narrativa. De acordo com Flávia Cesarino Costa, em relação a
esta visão, “a historiografia tradicional entendeu os primeiros filmes como tentativas
divertidas, porém desajeitadas de expressão da linguagem cinematográfica [clássica].”
103
. Tendo em vista estas duas perspectivas, Tom Gunning propõe uma terceira, que
104
classifica como “cinema de atrações” , na qual o cinema de atrações é uma fase do
cinema que não tem por objetivo maior contar histórias, e, portanto, não é uma tentativa
99
Ibid. Pág. 41
100
Idem.
101
GUNNING. Op. cit. 2004. Pág. 42.
102
Ibid. Passim.
103
COSTA. Op. cit. 2007. Pág. 17.
104
Idem.
41
desastrosa de se chegar a uma narrativa bem amarrada, como é a narrativa clássica. Ao
invés de se ater a essa visão evolucionista, Tom Gunning propõe compreender a
linguagem desenvolvida durante o primeiro cinema e o período de transição através de
seus próprios parâmetros e influências.
42
chamadas anomalias são estranhas ao espectador contemporâneo pelo fato de eles estar
habituado com a narração clássica, e os cenários artificiais, as elipses e as histórias que
parecem confusas se encontram em seu contexto histórico um público capaz de
compreendê-los. Desse modo, só seria possível compreender a dinâmica desses filmes
dentro de seu próprio contexto, e não por um padrão estabelecido posteriormente.
111
André Gaudreault cunha o termo “cinema de mostração” para os filmes do
período do primeiro cinema. Assim como Tom Gunning, André Gaudreault vê o cinema
de atrações mais voltado à ambição de mostrar algo do que de contar uma história. Ele
“entende por mostração ‘uma história que consiste em mostrar personagens que agem
mais do que em dizer suas peripécias.112” Aquele que produz o filme, ou seja, o
mostrador, não tem a capacidade de manipular o tempo, pois como já foi exposto acima,
a mostração dá-se no tempo presente. Apenas posteriormente, quando o narrador entra
em cena, torna-se possível lidar com o tempo com a manipulação do tempo pelo
narrador. No entanto, é importante ressaltar que para Gaudreault tanto a narração
113
quanto a mostração são regidos pelo “mega-narrador” , “já que todo relato é sempre
114
construído por alguém e nunca se produz automaticamente” . Embora exista a
montagem no cinema de atrações, ela não é feita em função de narrar uma história.
110
GAUDREAULT, André&GUNNING, Tom. Le cinema des premiers temps: um défi a l’histoire
du cinema? In COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 82.
111
GAUDREAULT, André. Du litteraire ai filmique: système du récit. Paris: Méridiens
Klincksieck, 1989. In COSTA,. Op. cit. 2005. Pág. 115.
112
Idem.
113
GAUDREAULT, André. Du litteraire ai filmique: système du récit. Paris: Méridiens
Klincksieck, 1989. In COSTA, Flávia Cesarino. Primeiro cinema (versão estendida). In MASCARELLO,
Fernando (org.) História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006. Pág. 23.
114
COSTA. Op. cit. 2006. Pág. 23.
43
Sendo assim, a filmagem não é feita em função de uma possível montagem posterior.
“Vê-se que para Gunning, a presença da montagem não é garantia de narratividade”.115
Mesmo que o filme apresentasse diversos planos, pois o cinema de atrações não
é o oposto do cinema narrativo, eles não eram contínuos, e por isso que a filmagem
ainda não era feita em função da montagem. Ainda para Tom Gunning, havia uma
preocupação em isolar as partes do filme ao invés de fundi-las “numa corrente narrativa
contínua” 120. Noël Burch também trabalha essa questão e explicita que “a autonomia do
121
plano é um dos principais traços daquilo que ele chama de ‘quadro primitivo’” . As
Paixões de Cristo compõem um tipo de filme que mantém quadros independentes e
ligados por uma temática. A autonomia do plano ainda caracteriza o “estilo não-
115
Idem. 2005. Pág. 122.
116
In HOLMAN. Op. cit. Pág. 46.
117
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 46.
118
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 92.
119
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 83.
120
Ibid. Pág. 126.
121
BURCH. Op. cit., 1987. Pág. 194-195.
44
contínuo” de Tom Gunning, que ele define como “unidades discretas mais do que uma
tendência a combiná-las numa narrativa fluida” 122
122
In HOLMAN. Op. cit.. Pág. 46.
123
BURCH. Op. cit. 1987. Pág. 16.
124
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 93.
45
Havia, também, uma enorme liberdade de criação, pois este período ainda não se
encontrava tão condicionado à moral norte-americana que, mais tarde, se tornariam
exigências dos estúdios. Exibia-se tudo aquilo que era possível mostrar: truques de
mágicas, como os de Georges Méliès, imagens feitas em meios de transporte, como
trens, barcos e bondes e representações de canções populares. Este último tipo era muito
recorrente, pois, uma vez que a imagem não era editada de uma maneira clássica,
tornava-se mais viável mostrar uma história ou conto já conhecidos do que inventar algo
para tentar reproduzi-lo ficcionalmente e sem um conhecimento prévio. Assim, pode-se
dizer que uma das características do cinema de atrações era o conhecimento prévio da
história em questão, o fato de o público conhecer a história antecipadamente. Ou ainda,
recorria-se a um conferencista que fazia um resumo do enredo antes do filme começar
para interar o espectador.
“Atirei o pau no gato/ Mas o gato/ Não morreu/ Dona Chica /Admirou-se/ Do berro
que o gato deu”
Plano 1/ Quintal de Dona Chica/Plano Geral: Dona Chica Lava a roupa. Gato se
lambe. Menino observa o gato.
46
Plano 5/ Quintal de Dona Chica/Primeiro Plano: Gato olha para o menino.
Plano 10/ Quintal de Dona Chica/Primeiro Plano: pedaço de pau atinge cabeça
do gato. Gato mia.
Plano 11/ Quintal de Dona Chica/Plano Americano: Dona Chica olha admirada
para o gato.
Isso se deve, para começar, ao fato de que não era ainda costume, nesse
momento, direcionar o olhar para uma narrativa precisa. Para Burch, no cinema de
125
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 88.
47
atrações ocorre uma “imagem acentral, ‘não-dirigida’, que deixa o olhar mais ou menos
‘livre’ para percorrer o ambiente”, e uma vez que a história já é conhecida e que o
conferencista ou os intertítulos antecipavam a ação, a noção de suspense é irrelevante
126
. Há que se assinalar, em segundo lugar, que os recursos de aproximação e
afastamento de câmera, como o primeiro plano não eram ainda utilizados largamente,
pelo menos não com a intenção narrativa127, prevalecendo o plano geral, ou seja, uma
imagem mais aberta da cena onde se vêem todos os seus componentes de uma só vez.
Em um esforço similar ao realizado para que se formalizasse o argumento no modelo
clássico, também é possível imaginá-lo no cinema de atrações.
126
In HOLMAN. Op. cit. Pág. 40-43.
127
O primeiro plano e o primeiríssimo plano já eram empregados como pontos de vistas subjetivos,
como o olhar pela fechadura, pelo telescópio, algum detalhe de parte do corpo e etc.
48
sistema, entre 1895 e 1906 sobretudo, isso significa que havia um
público capaz de decodificá-la” 128.
128
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 89.
129
GUNNING. Op. cit. 1990. Pág. 58.
130
Idem.
131
COSTA. Op. cit. 2007. Pág 23.
132
MUSSER, Charles. The cinema of attractions: early film, its spectator and the avant-garde. In
ELSAESSER, Thomas&BARKER, Adam (orgs.). Op. cit. 1990. Pág. 57-59.
133
MACHADO. Op. cit. Pág. 94.
49
134
não ser o do espectador” . Mesmo em reconstituições, os atores faziam gestos
afetados para a câmera, e eles se eram necessários se considerarmos que o plano geral,
afastado, dificultava identificar o desenrolar da mostração na tela. “Seu rosto [dos
atores] ainda é dificilmente visíveis, sua presença na tela é apenas corporal, eles tem a
135
sua disposição apenas uma ‘linguagem de gestos’” , uma vez que a construção de
uma persona era dificultada.
134
Ibid. Pág. 133.
135
BURCH. Op. cit. 1990. Pág. 224.
136
GUNNING, Tom. “Fotografias animadas”, contos do esquecido futuro do cinema. In XAVIER.
Op. cit. 1996. Pág. 40.
137
MACHADO. Op. cit. Pág.1997. Pág. 99
50
Estados Unidos e na Inglaterra, ele já se possa considerar acabado”
138
.
O cinema de transição foi um período iniciado por volta de 1906 e não se caracterizou
por ser homogêneo ou determinista. Seu término, em 1915, consolida e inicia as
diretrizes narrativas e lineares do cinema clássico. Sendo assim, o período de mudança
entre 1906 e 1915 será chamado aqui de período de transição, por conter características
do cinema de atrações e por tentar inovar a linguagem cinematográfica rumo à narração.
O período de transição representa o meio comunicativo pelo qual os espectadores
atualmente estão acostumados, ou seja, com a narração clássica do cinema
Hollywoodiano. O que se pretende agora, portanto, é analisar como ocorreu a transição
do cinema de atrações para o período de transição engendrado ao longo destes oito anos.
Não houve, em 1907, um rompimento drástico com o cinema de atrações, e nem uma
intenção imediata de transformação das técnicas de linguagem cinematográfica;
tampouco havia uma consciência clara da função dos recursos estilísticos como um
meio para contar uma história narrativa e linear. Nas palavras de Flávia Cesarino Costa,
neste período
138
Idem.
139
COSTA. Op. cit. 2006. Pág. 24.
51
Já foi colocado que um dos motivos que levou ao desenvolvimento do período
de transição foi o problema da metragem dos rolos e da complexidade das histórias, que
já não poderiam ser mostradas em filmes de curta duração. Quando o cinema se
encontrou com a perspectiva de contar histórias por meio da narração, ao invés de
apenas mostrá-las, ficou evidente que a sua complexidade não cabia mais em filmes de
apenas um ou dois rolos. Os filmes europeus que chegavam aos Estados Unidos já
possuíam mais de um rolo e histórias mais complexas e em 1911 seus filmes chegavam
a ter até cinco rolos, com mais de uma hora de duração. “Durante a guerra pelo
monopólio outra inovação afetou vitalmente a indústria: os filmes de múltiplos rolos.
(...) De repente, dois, três, e mesmo quadro rolos começaram a vir da Europa.” 140
E eram esses filmes de longa duração que atraíam cada vez mais as classes
médias para os cinemas. De acordo com Flávia Cesarino Costa, este período “representa
a verdadeira narrativização do cinema, culminando coma aparição dos longas
141
metragens, que reformulam radicalmente o formato das variedades” . Os filmes
franceses e italianos, especialmente, exerceram grande influência na condução dos
filmes que tendiam á narração, principalmente no que concernia aos movimentos de
câmera. Havia um recurso intitulado pelos americanos de “primeiro plano francês”142,
quando a câmera era colocada certa de três metros e meio dos atores, e o que era
mostrado a esta distância eram os atores da canela para cima. Nos Estados Unidos
também houve tentativas de aproximação de câmera. A Vitagraph, por exemplo, tentou
colocá-la a 3 metros dos atores, deixando-lhes à mostra da cintura para cima. Na França,
este recurso ficou conhecido como plano americano. Desta forma, percebe-se que
apesar dos filmes europeus exercerem grande influência dos Estados Unidos, este país
também exportou parte de seu modus operandi na produção fílmica.
140
JACOBS. Op. cit. 1975. Pág. 90.
141
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 63.
142
BORDWELL. Op. cit. 1997. Pág. 184.
52
período de transição. O desafio que se apresentava, portanto, era dar forma a um enredo
de modo que ele pudesse se tornar uma história linear e narrativa e que fosse, ao mesmo
tempo, de fácil entendimento para o público; além de incluir neste enredo conflitos
psicológicos de personagens que não deveriam mais ser ambíguos. Havia a necessidade
de lidar com as emoções dos espectadores, do seu saber sobre o que era conhecido da
história pelo que a imagem mostrava, e não pelo que ele já conhecia previamente por
experiência própria e, acima de tudo, criar uma retórica fílmica capaz de gerar dramas
morais que induzissem a uma leitura correta de uma ideologia.
Mais uma vez, período de transição foi marcado por permanências do cinema de
atrações, pois muitas das suas técnicas da linguagem foram experimentadas
posteriormente com a intenção de causar efeitos psicológicos e temporais. Os filmes de
perseguição, que se tornaram um sucesso durante o cinema de atrações, apresentam
recursos linguísticos que foram reaproveitados posteriormente. “Em 1906-7, sequências
143
de perseguição eram frequentemente integradas em longas narrativas” . Estes filmes
não tinham ainda a intenção de contar uma história narrativa, sua atração se concentrava
mais nos desafios apresentados aos personagens de superarem obstáculos, como saltar
uma cerca, do que no desfecho da perseguição. Apresentavam um problema estrutural
no posicionamento frontal da câmera do cinema de atrações, ainda mais quando se
tratava do desenrolar de toda a ação dentro de um mesmo quadro confuso:
principalmente para aqueles acostumados à literatura ao teatro, que encontra sua
percepção em um modelo linear e narrativo da cultura letrada.
143
MUSSER. Op. cit. 1990. Pág. 259-260.
53
trocá-los de ordem, como de fato o faziam. “Se é certo que a perseguição liga entre si os
quadros, é também certo que esses quadros continuam guardando sua relativa
autonomia, sua qualidade de ‘mundo em si’” 144.
Utilizando os dois últimos planos (11 e 12) da mesma canção “Atirei o Pau no
Gato”, temos:
Plano 11/ Quintal de Dona Chica/Plano Americano: Dona Chica olha admirada
para o gato.
São duas ações que ocorrem simultaneamente – Dona Chica olhar e gato correr –
mas que não dividem o mesmo espaço, pois cada ação ocorre em determinado quadro.
Quando temos o movimento que vai do olhar de Dona Chica (campo) ao fugir do gato
(contracampo), temos o recurso campo/contracampo construído. Nas palavras de
Machado, é a linearização do símbolo icônico que contrapõe “dois planos contíguos
(representando o sujeito que mira e a coisa visada pelo seu olhar)” 145. Para que isso seja
possível, desenvolvem-se recursos estilísticos tais como o primeiro plano (close-up), o
144
BURCH, Noël. Passion, poursuite: La linearization. Communications 38. 1983. In
MACHADO. Op. cit.1997. Pág. 121.
145
MACHADO. Op. cit. 1997. Pág. 144.
54
plano americano (metade dos personagens é mostrada) com o intuito narrativo e
explicativo. O recurso do primeiro plano já era utilizado durante o cinema de atrações,
geralmente para mostrar algum detalhe, ou para mostrar um ponto de vista subjetivo, ou
seja, quando o espectador assume o ponto de vista de determinado personagem. É o
caso das cenas de buracos de fechadura, telescópios e etc.
55
Sendo assim, o espectador entrou no espaço diegético sem participar dele, ele via sem
ser visto, estava protegido.
146
MUSSER. Op. cit. 1990. Pág. 265.
147
GAUDREAULT(et alii.). Op. cit. 2009. Pág. 88.
56
148
das salas de exibição. Os intertítulos, contudo, não obtiveram tanta popularidade e
sucesso como os comentadores. Primeiro porque os intertítulos eliminam o suspense da
ação porvir, suspense esse indispensável para que a trama adquirisse um alto grau de
dramaticidade. Segundo, mesmo com a ida da classe média ao cinema, seus antigos
espectadores continuavam freqüentadores e a sua maioria era analfabeta. Ainda assim,
em 1914-15 ainda é possível encontrar o intertítulo como recurso para a compreensão
da narrativa.
Os finais agora importavam, pois os filmes eram uma mensagem finalizada sem
espaço para mais de uma interpretação: é o conflito resolvido, da predominância do bem
151
sobre o mal, é um “desfecho redentor” . Os personagens não poderiam mais ser
ambíguos ou apresentar desvio de caráter como uma característica engraçada: os maus
tinham que ser punidos para que reinasse o senso comum e os valores tradicionais
norte-americanos. Nas palavras de Maria Rita Kehl, “o cinema de massas americano
trata da rebeldia e do temor à lei. De rompimento com uma ordem pré-estabelecida
148
GUNNING. Op. cit. 2004. Pág. 150.
149
“Our shows are Fresh, Clean and Entertaining”. In The movies begin: A treasury of early
cinema (1894-1913) - Edweard Muybridge, Edwin S. Porter, Thomas Edison V.1. P&B. Nova York:
Kino International corp..
150
COSTA. Op. cit. 2005. Pág. 68.
151
MACHADO. Pré Op. cit. 1997. Pág. 149.
57
(européia?) e da reconstituição da ordem”152. Em 1909, instituições zelosas pelos
valores tradicionais morais norte-americanos formaram o Conselho de Censura153, que
tinha o objetivo de analisar os filmes antes de sua exibição e garantir que ele fosse
moral, saudável e são, “sugerindo” a eliminação de cenas, e alterações, além de apontar
as ambiguidades. O Conselho era independente, mas logo se atrelou ao MPPC. De
acordo com Tom Gunning, os filmes eróticos que eram populares durante o período de
transição foram eliminados das seções mais morais ou transformados em 1909 154.
152
KEHL, Maria Rita. Cinema e imaginário. In XAVIER. Op. cit. 1996. Pág. 107.
153
Board of Censorship.
154
GUNNING. Op. cit. 2004. Pág 149.
155
XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo. Cosac& Naify, 2003. Pág. 66.
58
almofadas e portas; segundo, rejeitaram a perspectiva puramente
frontal quando filmavam ou construíam os sets” 156.
156
KEIL. Op. cit. 2001. Pág. 130.
59
Capítulo Terceiro
60
as mãos atrás da cabeça e vira novamente para frente se exibindo. Continua a se exibir
até o rolo acabar.
Genroy Brothers: Comic Boxing (Edison Co. 1894. 20s)
Há um banco do lado esquerdo, na lateral, e outro nos fundos do lado direito.
Cinco homens estão presentes na luta. Há um corte e os dois lutadores voltam a se
enfrentar. Um deles cai do lado esquerdo do ringue. Logo se levante e se dirige ao
centro. O Juiz ri da luta, enquanto os outros 2 homens que assistem não esboçam
reação.
Serpentine Dances (Edison Co. 1896. 30s)
Uma mulher dança no centro do quadro fantasiada de borboleta. No meio do filme é
outra mulher que aparece. Não há transição ou interação com a atriz anterior, a nova
mulher simplesmente aparece na tela no lugar da antiga, e a roupa da mulher muda de
cor: de vermelho e preto para branco e preto por repetidas vezes.
Ela mexe muito os braços para mostrar sua ação, seus movimentos são amplos,
circulares, ela rodopia em seu próprio eixo.
Baignade en Mer (Lumière, 1895. 40s)
Meninos brincam de subir no deque para pular no mar, e neste movimento entram e
saem do quadro. As crianças também foram instruídas quanto aos seus movimentos
porque se organizam em filas e não alteram a ordem de chegada e saída do deque.
L’arroseur arrosé (Lumière, 1895. 50s)
O jardineiro rega as plantas que estão próximas a ele e o menino se aproxima pelas suas
costas. Pisa na mangueira, obstruindo o canal de passagem da água. Quando o jardineiro
aproxima a mangueira do rosto, o garoto tira o pé e molha o jardineiro. O jardineiro
corre atrás do garoto e lhe aplica algumas palmadas.
Grandma’s Reading Glass (G.A. Smith, 1900. 80s)
Obseva-se o close-up de uma notícia de jornal circunscrita. Após o primeiro corte
observamos uma senhora sentada e um menino com uma lupa na mão – este é o motivo
pelo qual a figura do jornal estava circunscrita: o menino a observava através da lupa.
Esta técnica segue ao longo do filme: ele pega outro objeto e vemos pela lupa a
engrenagem de um relógio de bolso. Em seguida, em Plano Americano a cena volta para
o menino e para a avó, e ele aponta a lupa para uma gaiola. O próximo a ser observado é
o gato, que tem seu rosto em Primeiro Plano. Em seguida é o olho da avó e o menino
segue observando com a lupa os objetos do pequeno cômodo.
The Countryman and the Cinematograph (R.W. Paul, 1901. 28s)
61
Trata-se, portanto, de um filme metalinguístico. No cinematógrafo à direita está a
imagem de uma dançarina e o ator caracterizado como caipira, à esquerda dança como
ela. O caipira se apavora quando vê um trem, tenta para-lo, mas não obtém sucesso:
quando o trem passa para fora do quadro do cinematógrafo o ator corre para o espaço
off, e quando a imagem do trem é substituída pela imagem de um casal o ator volta e
assiste à projeção.
Skyscrapers of New York: City from North River(Edison Co, 1903. 6 min)
Rio Hudson, Manhattam. Uma câmera em um barco filma a margem. Além dos arranha-
céus, é possível ver casas, pessoas na margem do rio, galpões de empresas e outros
barcos ancorados ou navegando.
The Georgetown Loop: Colorado (1903. 3 min)
Câmera em um trem. Conforme a locomotiva se movimenta, os vagões dianteiros são
mostrados. Dentro deles, as pessoas se debruçam sobre as janelas. O cenário mostrado
varia de acordo com a movimentação do trem. Quando ele faz uma curva, os vagões são
mostrados, em linha reta, o vale é mostrado. Se o trem trepida, a câmera trepida
igualmente. Sendo assim, a sensação que o espectador tem é de estar dentro do trem
fazendo aquela viagem.
Le Tripot Clandistin (Méliès. Star Film-Paris/NY, 1906. 3 min)
Todos os personagens estão jogando animadamente quando entra pelo espaço off direito
um homem correndo. Ele para diante da mesa e gesticula freneticamente, logo em
seguida sai de quadro. Ocorre, então, uma transformação no cenário e no
comportamento das pessoas. As mulheres fingem que estão costurando e
experimentando roupas e o homem que restou em quadro finge ser segurança do local.
Aparece então uma patrulha, que olha o lugar e conversa com as mulheres, mas após
não constatarem nenhuma irregularidade, vão embora.
As pessoas que estavam escondidas se revelam e voltam a jogar quando a patrulha se
retira, mas novamente são avisados sobre a aproximação dos guardas e, dessa vez, todos
saem de quadro pelo lado esquerdo á exceção de um indivíduo que permanece na sala,
apaga a luz e se deita o chão à frente da mesa do lado direito. Quando os guardas
entram, tropeçam na figura deitada por causa da escuridão, e começam a brigar entre si.
O homem que restou foge da cena também.
O chefe da patrulha, diferenciado do resto pelo uso de um chapéu mais alto, sobe na
mesa e acende a luz. Desce da mesa e controla a confusão aplica um sermão e olha para
62
a câmera. Em seguida, os oficiais vão jogar e os homens que se esconderam na
prateleira ressurgirem.
Tchin-Chao: Le thaumaturge chinois (Méliès. Star Film-Paris/NY, 1906. 4 min)
Este filme de Méliès também tem enquadramento frontal. Com sua sombrinha, o
mágico faz surgir do lado direito e do lado esquerdo um banco, que se mantêm
simétricos durante todo o filme. Após conjura-los, dança entre os bancos para chamar a
atenção do espectador. O chinês fecha a sombrinha, joga para o espaço off e pega um
leque que está no chão para transformá-lo em sombrinha.
O chinês mostra a parte interna da sombrinha, a armação, para a câmera para mostrar
que não há nada escondido lá. Vira a armação para si e retira dela três lamparinas
chinesas, que pendura no portal do cenário. Depois, coloca as lamparinas no banco que
está na esquerda, cobre-as com a sombrinha e quando a sombrinha é retirada vemos um
cachorro no lugar das lamparinas, O cachorro vai para o centro do quadro, o chinês o
carrega no colo até o banco esquerdo, onde se senta virado para a câmera com o
cachorro e lhe afaga. O cachorro se transforma em uma mulher caracterizada como
chinesa, que vai se apresentar no centro do quadro com uma dança; o mágico se une a
ela para dançar. A chinesa então se dirige para o banco à esquerda e se senta. O mágico
pega a sombrinha atrás do banco, cobre o banco direito e quando ela é retirada surge
outro homem caracterizado com chinês. A partir deste momento, ocorrem duas ações ao
mesmo tempo: o mágico se move de um lado para o outro ao fundo do quadro enquanto
o homem conjurado dança ao centro. O homem retorna para o banco direito e o mágico
mexe com os dois fazendo graça.
O homem se levanta do banco e segue o chinês pelo espaço off da direita. Entram em
cena novamente carregando um caixote grande, vazado no fundo. Levam-no ao centro e
viram o caixote para que o espectador veja que a parte de trás é vazada. Colocam sobre
o caixote sobre o banco direito. Saem novamente para espaço off, desta vez esquerdo, e
trazem outra caixa semelhante. Mostram-na no centro do quadro e em seguida cobrem a
mulher com este caixote. O mágico se dirige ao centro, entre as duas caixas, e move-se
como se estivesse enfeitiçando-as. O chinês, então, atravessa a caixa da esquerda em
que a mulher estava para mostrar que não há mais ninguém ali, dirige-se para a caixa
direita e rasga sua frente, e a mulher está lá. A mulher sai do caixote rasgado e vai para
o centro da ação onde senta no chão, enquanto os dois homens terminam de rasgar as
faces da caixa, deixando apenas sua armação.
63
A mulher se dirige para o banco direito enquanto o mágico coloca o caixote vazado em
volta da mulher. Ele caminha para o centro do quadro e pede para os espectadores
observarem os dois espaços: o do banco direito, onde a mulher está sentada dentro da
armação caixote, e do banco esquerdo, onde há apenas a armação do caixote. Ele se
coloca no centro, agachado e virado para o caixote de madeira com a mulher, apontando
com um leque em sua direção. A mulher desaparece da caixa direita e reaparece na
caixa esquerda, e o mágico chinês mostra sua mágica para o público através da câmera.
O mágico encaminha a mulher para o centro da cena, pega um pano no espaço off
esquerdo e o estende sobre o banco direito. Então deita a mulher sobre o pano e começa
a embrulhá-la até formar um pacote. Ele pega o pacote nos braços, arrasta o banco até o
centro e sobe nele. Ao abrir o pacote saem varias galinhas voando. O mágico sacode o
pano mais uma vez e o homem que o ajudava reaparece.
Os dois descem do banco e ficam no centro da cena para cumprimentarem o público,
curvando-se para a câmera diversas vezes. Enquanto os dois estão e costas, a chinesa
reaparece por trás, da um nó nas tranças dos chineses e sai discretamente, rindo do que
acabara de fazer. O chinês e o homem tentam sair por lados opostos, mas são puxados
de volta, um contra o outro, pelo nó nas tranças.
1) Gravações em estúdio
2) Enquadramento frontal
3) (3.1) Plano geral (3.2) Plano americano
4) Números de mágica ou vaudeville
5) Olhar para a câmera
6) Ação no centro do quadro
7) Simetria
8) Encenação
9) Atualidades
10) Interpelação
11) Espaço off
12) Efeitos especiais: (a) trucagem, (b) cores
13) Final indefinido
14) Final definido
64
15) Gravações externas
16) Enquadramento lateral
17) Close-up
18) Câmera subjetiva
19) Panorâmica
20) Travelling
21) Meios de transporte
22) Cenário vivo
23) Atividades ilegais
24) Autoridades pervertidas
25) Profundidade de campo (a) limitada, (b) tridimensional
26) Cenário pintado
27) Figurino elaborado
28) Artificialidade do cenário
65
cenário é desenvolvido. The Countryman... traz um cenário desenvolvido, e o ator
consegue dividi-lo com outra ação além de sua própria atuação, que é o funcionamento
do cinematógrafo que ele assiste; o mesmo ocorre em Tchin-Chao..., onde há três atores
em cena que tem liberdade para percorrer o espaço dentro do quadro. Em Le Tripot o
espaço cênico é bastante avantajado. Há mais de uma dúzia de atores em cena e espaço
para a decoração e interação com o cenário. As filmagens externas também ocorriam
neste período, como podemos observar em Baignade en mer, que ocorre na praia,
L’arroseur arrosé onde as gravações foram feitas em uma horta, Skycrapers of New
York, filmado de dentro de um barco mostrando a margem do Rio Hudson e em The
Georgtown Loop: Colorado, onde as imagens foram projetadas de dentro de um trem
em movimento. É interessante notar algumas características referentes à profundidade
de campo quando se tratam de filmagens internas – em estúdio – e externas.
Geralmente, quando a gravação é externa, a profundidade de campo é mais
intensa: percebe-se o seu efeito tridimensional. Quando a gravação é feita em estúdio, a
profundidade de campo fica limitada, e a imagem é quase sempre chapada. No entanto,
para driblar esta limitação, alguns recursos foram empregados nos cenários de forma a
causar uma impressão tridimensional da imagem. Dois exemplos de um mesmo
produtor/diretor/ator, Georges Méliès, podem ser úteis para ilustrar a questão da
profundidade de campo. Em Le Tripot... profundidade de campo é limitada à parede, ao
cenário do fundo. Já em Tchin-Chao, o cenário ao fundo é elaborado para causar a
impressão tridimensional: através do vão do portal chinês, observa-se outro portal logo
atrás e menor. Se combinados, os pilares do portal maior e do portal menor ao fundo
formam um cubo, o que causa a sensação de profundidade do campo. No corrimão da
escada que leva à ponte há dois pilares na base e dois no topo, que também formam a
figura de um cubo e aumentam a sensação de tridimensionalidade.
Para compreender melhor a função do enquadramento é importante destacar que
ele enfatizava e direcionava o olhar do espectador para o ponto central do quadro, onde
a ação principal se desenvolvia, e enquadramento frontal é uma constante nos filmes do
primeiro cinema. Em alguns casos, ele varia para enquadramento lateral, como veremos
mais adiante, mas a intenção do enquadramento lateral e do enquadramento frontal é a
mesma: focalizar e manter a atenção no centro do quadro.
Os filmes que apresentam enquadramento frontal são: Sandow, Genroy Brothers,
Serpentine Dances, The Countryman..., Skycrapers of New York, Le Tripot Clandistin e
66
Tchin-Chao...; e os que apresentam enquadramento lateral são: L’arroseur arrosé e
Baignade en mer.
Em Genroy Brothers, o juiz aparta a luta por algumas vezes e conduz os
combatentes para o centro. O fundo é preto e a iluminação recai sobre a ação principal
que ocorre no centro do quadro onde está montado um ringue. Em Serpentine Dances, a
personagens está no centro do quadro, e apenas lá é que apresentam seu número de
dança. Toda a ação principal de Le tripot... também ocorre no centro do quadro: a briga
entre os policiais, o comandante da mesa de jogos, o diálogo entre a suposta cozinheira
e o chefe de polícia e etc. No filme Tchin-Chao..., o mágico chinês procura ocupar dos
os espaços dentro do quadro, dançando e se movimentando frequentemente, mas
quando realiza algum truque, ele se posiciona no centro; quando os personagens vão se
apresentar para o público/espectador, eles também vão até o centro do quadro.
L’arroseur arrosé tem o enquadramento lateral, mas, o que amplia o espaço da
ação para o fundo lateral do quadro. No entanto, quando o jardineiro traz o menino
travesso para apanhar, ele o faz no centro do quadro. Baignade en mer apresenta o
mesmo enquadramento lateral, mas a ação principal – os meninos pulando do deque
para o mar – está no centro do quadro também. Geralmente, os planos utilizados são o
plano geral ou o plano americano. Temos, em plano geral, Genroy Brothers, L’arroseur
arrosé e Skyscrapers of New York. A cena mostrada neste tipo de plano não mostra ao
espectador muitos detalhes de sua constituição. O plano geral pode ser utilizado tanto
em atualidades, como no caso de Skycrapers..., ou nas encenações, como observado em
Genroy Brothers ou L’arroseur arrosé. O plano americano aproxima o espectador da
ação, apresentando mais detalhes da cena que se desenrola. Dado o afastamento da
câmera, os atores também costumam gesticular exageradamente, o que torna a atuação
pouco natural.
Em alguns casos especiais, também é utilizado o primeiro plano ou o
Primeiríssimo Plano, que propicia um detalhamento em alto grau da imagem formada.
Em Grandma’s Reading Glass podemos observar alguns recursos de câmera. O filme
começa com um primeiro plano, ou um close-up, de uma notícia de jornal. Mas não
vemos a forma fixa quadrangular do enquadramento convencional: o que se apresenta é
a figura de jornal dentro de um círculo, cuja extremidade é um fundo preto. Quando o
plano americano, mais aberto, é mostrado, percebemos que a imagem inicial é a notícia
de jornal vista através de uma lupa que está na mão de um menino. Assim, o que
67
assistimos inicialmente não é o que querem nossos olhos, mas o que querem os olhos da
criança: é uma visão subjetiva – vemos o que ele vê e pelo seu ponto de vista. Observa-
se, então, o close-up de um pássaro.
A seguir, o menino aponta a lupa para o rosto da avó: pela subjetiva, vemos a
avó olhar de volta para o menino, ou para o espectador, ou para a câmera. Se este
recurso era utilizado é porque os espectadores já eram capazes de associar este tipo de
linguagem subjetiva. Ela também pode ser contemplada em As Seen Trough a Telescope
(G. A. Smith, 1903), onde um homem observa a perna de uma mulher a distância pelo
seu telescópio: a perna aparece da mesma maneira que os objetos aqui enquadrados pela
lupa, ou seja, circunscrita. No entanto, o primeiro plano não é utilizado ainda como um
recurso narrativo sobre um detalhe que seria de conhecimento apenas do espectador e
ignorado pelas personagens, pelo contrário, ele enaltece a figura observada
subjetivamente; ao invés de manter segredo, o close-up expõe.
À época do primeiro cinema, alguns recursos de câmera foram mostrados, o que
significa dizer que a câmera não era tão estática quanto se convenciona afirmar. Ainda
em Grandma’s Reading Glass, há uma panorâmica na primeira imagem quando é
mostrada uma notícia de jornal: a câmera desliza sobre ela. Já em Skycrapers... e The
Georgtown Loop, há o travelling: a câmera está fixa no barco e no trem, acompanhando
seu movimento. Nestes dois últimos filmes, constata-se também a presença de meios de
transporte e de outros elementos da modernidade: arranha-céus, ferrovias, galpões de
grandes empresas e os próprios meios de transporte: o trem e o barco. Eles também se
enquadram no gênero “atualidades” (actualités), mostram vistas gerais de um local,
como Colorado e Nova York, embora exista uma pequena encenação em The
Georgtown Loop, quando os passageiros acenam para a câmera. Isto significa que as
atualidades e as encenações não eram dois gêneros que se excluíam, podendo haver uma
integração entre ambos. Além de The Georgtown Loop, a simbiose é bastante evidente
em The Countryman and the Cinematograph. Há um ator caracterizado de caipira e ao
seu lado uma projeção de cinematógrafo que ele assiste. Nesta projeção, há filmes de
atualidades, como a chegada de um trem. A encenação encontra-se, além disso, em
Genroy Brothers: é uma luta de boxe ensaiada, os lutadores não se agridem com força e
se posicionam de acordo com o centro do quadro. Também ocorre a exibição de mágica,
para sintetizar a exemplificação basta citar Georges Méliès, e números de vaudevile,
como em Serpentine Dances e Sandow.
68
A ação, cinema de atrações, se desenvolve não apenas no centro do quadro, mas
também apenas em seu espaço visível. O espaço off ainda não é utilizado como um
espaço de continuidade da ação. Em L’arroseur arrosé, o menino corre para a esquerda
até o limite do quadro, onde é capturado pelo jardineiro. As dançarinas de Serpentine
Dances por diversas vezes olham para o espaço off, onde devem estar os assistentes e
outros atores. No entanto, ação se limita ao espaço do enquadramento e nada que
ultrapasse este limite faz parte do filme. O movimento circular deque-salto-retorno ao
deque em Baignade en mer constitui uma característica pouco presente durante este
período, que é imaginar o espaço off como continuação da ação, pois não vemos o início
do deque, ou seja, o local de subida dos garotos. Mas este espaço off não está fora dos
padrões deste cinema pois o foco continua uma característica importante para o que é
mostrado, ou seja, na ação principal, os saltos, que estão centralizados no quadro. Por
fim, em The Countryman and the Cinematograph, o ator corre para o espaço off à
esquerda fugindo do trem que se aproxima no cinematógrafo que ele assiste e só volta
depois, onde continua a interagir com as imagens e com o público.
A interpelação ao público era comum, seja que uma personagem olhasse para a
câmera desavisadamente, seja que esboçassem algum gesto proposital em direção a ela.
Em Serpentine dances, a mulher sorri para a câmera, chamando a atenção do
espectador. Os passageiros do trem em The Georgtown Loop acenam para a
câmera/espectadores com lenços brancos. O caipira que assiste ao cinematógrafo em
The Countryman and the cinematograph dança, olha para o público mostrando-lhe suas
emoções quando as imagens surgem e o mágico Tchin-Chao e seus ajudantes por
diversas vezes olham para a câmera e apontam para as direções em que o público deve
olhar. Eles também se apresentam para o público, fazendo reverências ou dançando. O
espectador, portanto, não está protegido da ação que assiste, pois os atores mostram
saber que são observados. O olhar indiscreto e livre o público não pode ocorrer, uma
vez que ele é vigiado pelo próprio ator, ou por seu espectro. Como afirma Flávia
Cesarino Costa, “é um cinema que não esconde o trabalho para a câmera” em que “o
observador é repetidamente chamado a participar da cena, responder aos acenos e
piscadelas dos atores
157
.
157
69
Outra característica presente é o final “indefinido” de alguns filmes, como no
caso de Genroy Brothers e Serpentine Dances. Os lutadores combatem sem que um
deles seja nocauteado, ou sem que um deles vença pela pontuação dada pelos juízes.
Eles simplesmente lutam ad infinutum, assim como as dançarinas de Serpentine Dances
bailam sem encerrar a sua coreografia. Já os filmes que contem um final definido pode-
se citar L’arroseur arrosé: após levar algumas palmadas, o garoto sai da ação pelo
espaço off direito e o jardineiro continua a regar suas plantas. No entanto, em
L’arroseur arrosé o final só é definido se for considerada como ação principal a lição
de moral dada ao garoto travesso por meio das palmadas, e não o ato de regar a planta.
Mas a lição de moral não era uma constante nestes filmes, que mostravam
costumeiramente atividades ilegais, jogatinas, pernas de mulheres, filmes eróticos e
outros tipos de perversões. Em Le tripot..., por exemplo, há tanto a jogatina quanto a
corrupção das autoridades, que acabam entrando no esquema de jogo também sendo que
o chefe dos policiais assume o papel de mandante das apostas.
O que Le tripot... também informa sobre este período é a preocupação com o
cenário e com o figurino. Uma boa parte não apresenta uma aparência muito natural: em
Le tripot... ele é pintado, nos extremos do quadro de Tchin-Chao estão duas árvores, e a
divisão entre o cenário pintado e o chão é evidente. Há um portal pintado e ganchos ao
fundo do cenário, que são utilizados posteriormente pelo ator para pendurar luminárias
no decorrer do filme. Embora a artificialidade seja evidente, existe uma grande
preocupação com a simetria dos corpos, objetos, pinturas e o que mais estiver em
quadro. A centralização já foi bastante citada, e ela é a base para a disposição dos outros
objetos e/ou pessoas. L’arroseur arrosé divide o quadro em três espaços: no esquerdo
frontal está o jardineiro com a mangueira, no direito frontal está o menino. Em The
Countryman and the Cinematograph a cena se divide em duas: do lado esquerdo, está o
ator caracterizado como caipira e do lado direito, uma tela simulando a tela do cinema.
Em Le tripot... a disposição das pessoas na mesa está baseada em sua divisão por três
partes: no centro, um homem comanda o jogo, e número de pessoas do século
masculino e feminino é o mesmo em ambos os lados da figura central. Sendo assim, ao
seu lado estão uma mulher e um homem, atrás de pé estão duas mulheres seguidas por
dois homens e nas extremidades da mesa, onde estão os bancos, estão sentados dois
homens. Os móveis possuem um estilo clássico, assim como a decoração nas paredes e
nas molduras do espelho e o do quadro.
70
Os filmes podem ter cenários-vivos quando o ator interage diretamente com eles.
Quando os policiais chegam à sala de jogatina em Le tripot..., os infratores fogem e
então ocorre uma transformação no cenário. Do lado esquerdo do quadro, as mulheres
viram a parede do fundo do cenário para dentro pela moldura do quadro, fazendo com
que ela se transforme em uma prateleira com caixas. Onde antes estava um quadro,
surge uma fachada onde se lê “Manteaux” (casacos). Na parede lateral esquerda uma
parede se fecha como uma porta, e surge em seu lugar mais um armário com prateleiras
e caixas. Um dos homens que estava jogando salta para dentro de espelho (falso) e se
esconde. Outro homem sai pelo espelho falso na parede esquerda ao fundo e um terceiro
ainda entra pela prateleira e se esconde em um compartimento secreto. Do lado direito
uma cortina sobe e aparece uma janela grandiosa e na parede direita lateral surge outra
prateleira. Os homens que estavam sentados nos bancos na ponta das mesas os
escondem debaixo da mesa e reviram a tampa da mesa, onde aparecem gavetas
desenhadas. Reviram também a madeira da parte superior da mesa e surgem máquinas e
suportes de costura. O mágico chinês Tchin-Chao também interage com o cenário
pendurando luminárias em ganchos presos à pintura do cenário ao fundo.
O figurino elaborado está presente em quase todas as projeções. Os atores de Le
tripot... estão bem vestidos, em um estilo burguês com chapéus e vestidos pomposos.
Os boxeadores de Genroy Brothers utilizam calções, os atores de Tchin-Chao... também
estão todos caracterizados ou, melhor dizendo, caricaturando o estilo chinês: Tchin-
Chao é o mágico principal: o rosto está pintado de branco, os bigodes são pretos e
alongados, a peruca tem uma trança fina e comprida na parte de trás da cabeça. Ele
também veste um quimono, chapéu, e carrega uma sombrinha florida de bambu e papel
de arroz. A atriz que representa a chinesa também é caricaturada: está de quimono, rosto
pintado de branco, peruca com coque alto e enfeites florais e um leque florido. Sua
atuação em cena também remete a um comportamento oriental: senta-se com pernas
cruzadas, move-se com os pés pouco afastados e se abana com o leque. O homem que
atua como chinês assistente é outra caricatura: usa camiseta e calças orientais, chapéu
triangular, trança fina na parte de trás da peruca, rosto pintado de branco e bigode
comprido e preto. Um dos casos mais interessantes é o figurino de Serpentine Dances.
Aparecem em cena duas mulheres. A primeira está fantasiada de borboleta: vestido
longo, branco, esvoaçante, asas postiças na altura dos ombros e tiara enfeitada. As
roupas da segunda mulher são mais esvoaçantes e mudam de cor: de vermelho e preto
para branco e preto por repetidas vezes. De fato, encontramos tentativas de coloração
71
dos filmes feitas à mão, como observado aqui ou ainda em filmes posteriores, como nas
explosões em The Great Train Robbery de Edwin S. Porter.
Por fim, além do efeito especial das cores, também se destaca a trucagem, muito
utilizada por Georges Méliès, como se sabe. Nos filmes de Méliès é difícil separar o
truque real do truque proveniente da montagem, e isto ocorre porque sua intenção era
realmente potencializar os efeitos da magia por meio do cinema e dos recursos que se
desenvolviam. Ao contrário da maneira como a trucagem é geralmente explicada, ela
não consiste na parada de substituição para a alteração do cenário: ela envolve um
processo mais amplo de edição e colagem durante a pós-produção do filme. Em Tchin-
Chao: le thaumaturge chinois, destacam-se onze truques feitos por trucagem, e quem
quer que olhe os truques com um pouco de atenção, percebe o momento em que os
cortes são feitos:
O aparecimento dos bancos.
O momento em que o mágico pega o
leque do chão e o transforma em sombrinha chinesa.
A retirada das lâmpadas do interior da
sombrinha.
A transformação das lâmpadas em
cachorro.
A transformação do cachorro em mulher.
O aparecimento do outro homem chinês.
A passagem da mulher do caixote fechado
esquerdo para o direito.
A passagem da mulher do caixote vazado
direito para o esquerdo.
A mulher transformada em pacote.
O homem surgindo do pano.
Mulher dando nó nas tranças.
72
3.6 Características observadas nos filmes do período de transição
1) Intertítulos
2) Planos
3)Profundidade de campo
4) Figurino elaborado
5) Cenário elaborado
6)Enquadramento frontal
7) Enquadramento lateral
8) Olhar para a câmera
9) Ação no centro do quadro
10) Confronto entre protagonistas e antagonistas
11) Regeneração do vilão
12) Final redentor
13) Atuação
14) Espaço off
15) Efeitos especiais
16) Símbolos da modernidade
17) Campo/contracampo
18) Quebra de eixo
19) Montagem paralela
20) Encavalamento espaço-temporal
21) Movimento de câmera
73
Ivan Orloff e sua infeliz esposa encontram alguns emigrantes. O casal é
convidado a compartilhar sua jornada para a América.
O tema, inicialmente, é a emigração do russo, Ivan Orloff, e de sua esposa,
classificada previamente como infeliz. A seguir, vem a primeira cena. Vemos em plano
geral e enquadramento lateral a imagem de uma estrada em algum lugar da Rússia. Há
profundidade de campo, ou seja, a vista alcança um ponto equidistante à objetiva
bastante amplo, diferente da imagem chapada dos primeiros tempos. Em um extremo,
uma carroça puxada por um animal e pela mulher de Ivan. Ele é o cocheiro. No outro
extremo da estrada, várias pessoas a pé. Ivan desce da carroça, sorridente, e
cumprimenta a todos. As mulheres que estão carregando as bagagens. Eles conversam e
se despedem. Ivan volta a subir na carroça e açoita a mulher e o animal para que eles
andem.
O figurino já faz perceber que Ivan não se veste como um americano típico, o
que nos leva a crer, reforçado pelo seu sobrenome, que se trata de um estrangeiro. Os
homens, no geral, vestem uma ushanka – chapéu russo –, calças bufantes por dentro das
botas, cinturão envolvendo a blusa, sobretudo rodado, barba e cabelos desgrenhados. As
mulheres trazem um pano na cabeça e roupas escuras e pesadas.
Após a primeira cena, o intertítulo
Na terra da liberdade. Sua primeira lição em americanismo.
Sabemos, então, da intenção do filme: Ivan, o imigrante, não possui ainda os
hábitos e o senso cívico de um cidadão americano e, chegando ao país, as diferenças
começam a surgir. Segue-se a cena dois, com enquadramento lateral e plano geral, da
chegada co casal à América. Há um aglomerado de pessoas e o casal passa da esquerda
para a direita pelo quadro. A esposa caminha à frente, carregando a bagagem e Ivan
vem logo atrás, cutucando a mulher com uma vareta. O casal atravessa o quadro de um
extremo a outro até que temos a cena 3, que corrobora o intertítulo.
A cena 3 é o enquadramento frontal e geral no Battery Park, com a Estátua da
Liberdade ao fundo. A imagem da estátua destoa do tratamento que Ivan dispensa à sua
esposa. O casal entra em quadro e caminha até o meio, onde ocorrerá a ação. O seu
desenrolar no centro do quadro é uma característica do cinema de atrações, mas que no
modo de representação institucional continua a ser adotada como forma de direcionar o
olhar do espectador para a ação central. A mulher está cansada, com expressão sofrida,
coloca a bagagem no chão e se debruça sobre ela. O homem a cutuca com a vareta e
74
briga com ela. Chega um cidadão americano e intervém na ação. Ele afasta a mulher da
bagagem e entrega as coisas ao marido. O cidadão americano mostra à mulher que o
marido quem deve carregar as malas. A distinção entre personagem americana e
imigrante pode ser verificada nas roupas e no porte daquele em contraposição aos de
Ivan Orloff: o americano está de: chapéu coco, terno, gravata, bengala, sapatos, sem
baba, postura firme. Ivan destoa com suas roupas rudimentares.
Na cena seguinte, há um plano americano que mostra a fachada da casa de um
enquadramento lateral. Duas crianças estão no pé da escada. Uma delas olha para a
câmera e muda de posição (recebeu ordens do diretor?). O olhar para a câmera é uma
característica do Primeiro Cinema. Neste caso, não é para interpelar o espectador, pois o
menino parece esperar que comandos lhe sejam dados. Assim, olhar para a câmera seria
olhar para o diretor, em busca de instruções. Há também uma mulher sentada na escada
com um pano amarrado na cabeça igual à esposa de Ivan, o que leva a deduzir que
aquele local seja um bairro imigrante, o East Side talvez. O casal chega. Ivan traz a
bagagem e briga com a esposa. Entram pela porta e saem de quadro, mas esta saída
pressupõe uma continuação quadro a quadro. Imagina-se que após a porta (fim do
quadro) haja uma continuação (interior da casa). É o espaço off sendo utilizado como
parte da narrativa. Este último movimento ainda pode ser compreendido como uma falta
de traquejo deste cinema, pois demoram para cortar a ação, fazendo com que ela se
desenrole por inteiro e não lhe cortando no meio, como se convencionou no cinema
clássico
No interior da casa se desenrola a cena cinco. Tem-se um plano geral de um
cômodo da casa, em enquadramento frontal. A casa é singela. Há uma cadeira no canto
direito frontal onde Ivan está sentado, uma cama pequena no canto esquerdo ao fundo,
uma prateleira centralizada ao fundo com algumas louças, panelas penduradas na parede
ao fundo e um varal que atravessa o quarto da esquerda para a direita. Ivan briga com a
mulher. Ordena que ela lhe tire as botas. Como ela não consegue, Ivan se levanta e a
agride até que ela cai no chão desacordada. Neste instante, entra na casa outro homem.
O homem encara Ivan e o interroga. Ele obriga Ivan a carregar a mulher até a cama que
está à esquerda ao fundo do quadro. O homem chama Ivan de volta para o centro da
ação, para que ela possa se desenrolar neste espaço – novamente, a questão da
referencia: a ação se desenrola no centro do quadro, não há um movimento de câmera
que implique em um outro plano, em um outro ponto de vista da ação apresentada. Ivan
volta e é agredido pelo homem. A mulher se levanta e presencia a cena. O homem dá
75
outro sermão em Ivan e depois fala com a mulher. O homem sai do quarto. Embora as
roupas do estranho não sejam exatamente iguais às do americano da cena no Baterry
Park, ele também se distingue de Ivan por se vestir com camiseta branca, colete, sapato
e ter a barba feita. Por estar no mesmo local/bairro que Ivan, imagina-se que ele também
seja imigrante, mas já adaptado à cultura norte americana.
Outro intertítulo é apresentado:
No campo, sua terceira lição.
A cena 6 é composta por 9 planos editados em campo/contracampo sobre a vida
do casal no campo. A ação campo/contracampo começa a ser muito explorada durante o
Modo de Representação Institucional. Esta montagem permite que sejam apresentados
dois momentos que ocorrem ao mesmo tempo, mas em espaços diferentes, e dá mais
dinamicidade e coerência à narrativa, ainda mais se ela for complexa. No primeiro
cinema, por conta de as histórias serem mais curtas e com menos personagens, este
recurso não foi amplamente explorado. Quando ele começou a ser empregado, havia
muitos encavalamentos temporais, com a mesma ação sendo mostrada duas vezes de
pontos de vista diferentes, ou seja, ação é mostrada inteira, e o movimento final de uma
cena coincide de ser o mesmo do início da próxima cena.
O primeiro plano da cena é um plano geral e o enquadramento frontal. Há uma
plantação à frente e ao fundo uma casa com varanda. A mulher está capinando com
gestos de cansaço.
No segundo plano, vemos Ivan sentado na varanda da casa em uma cadeira de
balanço fumando cachimbo e observando a mulher trabalhar.
No terceiro plano, novamente, plantação à frente e ao fundo um casa com
varanda. A mulher está capinando com gestos de cansaço. Senta-se no chão e para de
trabalhar.
No quarto plano, Ivan se levanta da cadeira com expressão irritada e grita com a
mulher.
No quinto plano a mulher se levanta e briga com o marido. Joga a enxada no
chão.
No sexto plano Ivan grita e gesticula. Sai da varanda em direção ao campo.
O que vemos, então, é a alternância de planos contribuir com a narrativa em dois
momentos: no primeiro, ela simboliza o enquanto. Assim sendo, enquanto a mulher
trabalha, o marido descansa; ou enquanto o marido descansa, a mulher trabalha. No
76
segundo momento, a montagem paralela dinamiza a briga do casal: a mulher grita de
um lado, o marido do outro; a mulher joga a enxada no chão, o marido se levanta e vai
em direção à mulher, saindo do quadro da varanda. Na troca de olhares entre Ivan e a
esposa ocorre uma quebra de eixo, pois ambos olham para a mesma direção, o que não
causa a impressão de estarem trocando olhares.
No sétimo plano, quando Ivan entra no quadro no campo em que a esposa
trabalha, também ocorre uma quebra de eixo. O marido sai pelo quadro pelo lado
esquerdo e, ao invés de ingressar no seguinte pelo direito, ele entra pelo esquerdo. A
quebra de eixo era muito recorrente no período de transição, e neste filme ela ocorrera
nos dois planos seguintes. Ainda neste plano, Ivan se aproxima da mulher e os dois
discutem. Passa uma carroça ao fundo e um homem desce ao ver a discussão. Os trajes
do cocheiro também destoam dos trajes estrangeiros de Ivan: suspensório, camisa, calça,
botina, terno, chapéu, barba aparada.
O cocheiro vê Ivan agredir a esposa com a enxada até ela cair desacordada. O cocheiro
agride Ivan e o obriga a carregar a mulher desacordada.
No plano 8, Ivan coloca a mulher desacordada na cadeira. O cocheiro ordena a
Ivan que busque água e um pano. Ivan coloca o pano molhado na testa da esposa, que
acorda. O cocheiro diz a Ivan que é sua obrigação trabalhar, e o ameaça com o chicote.
No último plano dessa cena, o cocheiro leva Ivan ao campo e o obriga a trabalhar. O
cocheiro vai embora e Ivan reclama para a câmera. Novamente, há a interação do ator
com a câmera, mas ao contrário do que ocorreu com o menino na cena em que o casal
chega em casa, aqui o ator interage com o espectador diretamente, como num desabafo.
Interpelar o espectador era um recurso muito recorrente durante o Modo de
Representação Primitivo e persistiu durante um longo tempo no Modo de Representação
institucional. Foi abolido posteriormente para tornar a interpretação mais natural, assim
como também foram abolidos os gestos exagerados, pois elementos narrativos como as
ações trabalhadas no roteiro e na montagem, que com o seu melhor conhecimento como
formulador de significados fizeram as vezes da atuação.
A cena 7 ocorre na cozinha e na varanda da casa e aqui encontramos a
montagem paralela intercalando 3 planos:
O primeiro plano é geral e se passa na cozinha da casa. O enquadramento é o
frontal. No centro do quadro, está uma mesa com xícaras e comida. Ivan está sentado no
extremo esquerdo da mesa. O fogão está ao fundo e a esposa cozinha. Ivan, insatisfeito,
77
quebra um prato e a esposa vai até ele ver o que ocorreu. Ivan se levanta para brigar e
discutem entre si. A esposa lhe entrega a vassoura para que ele limpe a sujeira e eles
começam a brigar.
O segundo plano é americano, onde a câmera se aproxima do corpo dos atores
de modo a mostrá-los do joelho para cima. Este enquadramento permite que seus rostos
sejam vistos com mais clareza. Os movimentos de aproximação e afastamento de
câmera também foram explorados para uma melhor compreensão da narrativa. Durante
o MRP, o plano geral dificultava o reconhecimento dos atores e, conseqüentemente, a
construção de uma persona era muito difícil. A aproximação da câmera trouxe
individualidade aos rostos dos atores, e seus personagens puderam ser construídos com
maior profundidade psicológica. Neste plano, dois homens na varanda ouvem a
discussão no interior da casa. Um deles é tipicamente do campo, vestido com um
macacão, e o outro da cidade, de terno e gravata. Ambos decidem entrar na casa. Ao sair
de quadro pela porta que dá acesso à casa, há, novamente, a noção de espaço off.
No terceiro e ultimo plano desta cena, a esposa de Ivan o acusa de agressão, e os
dois homens o levam da casa.
Um intertítulo prenuncia o que aconteceu:
Como quarta lição, Ivan é sentenciado a seis meses de trabalho forçado.
A cena 8 nos mostra o julgamento de Ivan. O enquadramento do tribunal é
lateral, o plano é geral. O enquadramento lateral permite acomodar mais personagens
dentro da cena. O juiz está no fundo à esquerda do quadro, sentado em um local mais
alto. Ivan está ao seu lado. Três homens estão sentados a frente do juiz, em posição mais
baixa, e dois deles, os advogados, discutem entre si. À frente dos três homens estão os
jurados e a esposa de Ivan, todos sentados. Pelas roupas, o júri é formado por homens e
mulheres do campo e da cidade. Um homem é chamado a depor e em seguida a esposa
acusa Ivan. O juiz o condena a 6 meses de prisão. Ivan é algemado e levado do tribunal.
Outro intertítuo apresenta Ivan durante o tempo de trabalhos forçados:
Ivan começa a se beneficiar de todos os bons conselhos que recebeu.
Na cena seguinte vemos em plano geral Ivan cumprindo sua pena. É um local ao
ar livre com pedras no chão para serem quebradas. Prisioneiros tem bolas de ferro
amarradas aos pés. Ivan, posição central, volta-se para a câmera e se lamenta.
Novamente a ação ocorre no centro da cena e o espectador é interpelado.
O último intertítulo traz a conclusão da história:
78
Americanizado!
Na cena que segue, vemos Ivan e o delegado que estão frente a frente, mais
próximos à câmera. A esposa e um oficial estão ao fundo. Ivan conversa com o
delegado e recebe seus pertences. Ele abraça e beija sua esposa.
Na última cena vemos a harmonia restabelecida em casa em uma sequência de 3
planos paralelos.
O primeiro é um plano geral da varanda. A esposa sai de casa com um sino na
mão e chama Ivan. Ela já está com roupas mais claras e leves, com o cabelo arrumado
em um coque mais leve e moderno.
O segundo plano é geral da colheita, com Ivan centralizado no quadro,
trabalhando. Manda um beijo para a mulher e leva frutas e hortaliças para casa. Ivan já
está se vestindo como um americano, abandonou seu chapéu que o acompanhou desde a
Rússia, assim como as calças bufantes por dentro da bota. Agora ele veste um chapéu
americano de palha, camiseta e calça comprida. Seu cabelo e sua barba estão aparados.
O último plano é geral do interior da cozinha, com enquadramento frontal. A
mesa está posta com comida e flores. Ivan entra e mostra a colheita para a mulher. O
casal conversa, sorrindo. A mulher o ajuda a colocar o casaco. Ficam lado a lado para
rezar. Ivan a ajuda a se sentar e depois se senta ao seu lado. Comem juntos em
harmonia, como uma família de imigrantes que aderiram aos costumes americanos.
The Girl and her Trust
Este filme também apresenta intertítulos, sendo nove no total. No intertítulo que
abre o filme, lê-se:
Grace, a operadora de telégrafo, é admirada por todos
Inicia-se, então, a primeira cena do filme ambientada no escritório do telégrafo.
Ele possui dois ambientes: uma ante-sala, que faz conexão com o mundo exterior, e a
sala do telégrafo, ligada à ante-sala. Em enquadramento frontal e plano geral aparece
Grace aparece sentada na sala do telégrafo. Entra um homem no quadro e caminha em
sua direção, ou seja, em direção ao centro. O homem oferece corteja a telegrafista
oferecendo-lhe uma garrafa e um canudo. Eles conversam, mas Grace não lhe concede
muita atenção. O homem sai pelo espaço off à direita, aqui utilizado como parte da cena,
pois o plano seguinte mostra o homem entrando pelo quadro da ante-sala à esquerda,
dando continuidade ao plano anterior.
79
Em plano americano, o homem rejeitado conversa com o funcionário do
telegrafo na ante-sala e em seguida se retira. O funcionário ri sozinho da história do
rejeitado e vai em direção à sala do telégrafo onde Grace se encontra. O funcionário sai
do quadro por uma porta à direita e entra na sala do telégrafo pela porta esquerda,
continuando a ação sem quebra de eixo e dando função de cena ao espaço off. O
funcionário observa Grace, ela caminha até ele e os dois conversam. Ele lhe rouba um
beijo e ela briga com ele. O funcionário tenta argumenta, mas não obtém sucesso, então
sai da sala pela porta à esquerda. Novamente na ante-sala, o funcionário observa a porta
que dá para o espaço off à direita, ou, imageticamente, para a sala onde Grace se
encontra. Em seguida olha para a câmera, triste, mas sem recorrer a gestos exagerados
para expressar seus sentimentos. Grace, sozinha, olha para a câmera. Nesta sequencia é
possível perceber, portanto, que a interpelação não fora totalmente eliminada no período
de transição, embora os gestos e as expressões tenham sido atenuados graças à
proximidade da câmera em plano americano, que permite mostrar mais detalhes dos
personagens e de suas ações. Ao relembrar o beijo roubado, Grace suspira e faz do
espectador uma testemunha de seu interesse pelo funcionário, embora ela não o tenha
admitido para ele diretamente. Após o momento sentimental, Grace senta-se e começa a
trabalhar. Ela recebe uma mensagem e a anota em um papel.
Na ante-sala, o funcionário move-se até o canto direito ao fundo do quadro e
mexe em alguns papeis. O que está evidente aqui é que, apesar de a gravação ser
interna, em estúdio, existe uma profundidade de campo relativamente convincente, um
espaço cênico onde o ator se move aproximando-se ou afastando-se da câmera. O
cenário, bem trabalhado, permite tal realismo e movimentação. Há um corte que traz de
volta a cena de Grace telegrafando. Após concluir a comunicação, ela vai até a porta e
olha através dela, da mesma maneira como o homem havia feito anteriormente, e chama
o funcionário. Ele, então, é mostrado enquanto se encaminha para a sala do telégrafo.
Grace lhe entrega o papel com a mensagem e se senta. Ele lê a mensagem que é
apresentada ao público através do intertítulo:
Banco Nacional enviando $2000 no número 7 para a Companhia Simpson de
Construção
Após ler, o pretendente entrega a Grace a mensagem e conversam. Ele vai até a
escrivaninha ao fundo e pega uma arma. Grace se esquiva. O funcionário retorna à
escrivaninha, desta vez para pegar a munição, que coloca na arma na frente de Grace.
80
Tem início a cena dois, alternando entre plano geral, plano médio e plano
americano, tomadas externas e internas, quando a entrega do dinheiro é feita e ocorre
uma tentativa de assalto. Há a imagem externa de um trem chegando e um homem
parado do lado direito do trilho. Um corte é feito e retorna-se ao escritório do telégrafo,
onde Grace e o funcionário ouvem a chegada do trem e olham pela janela. Ele guarda a
arma na cintura e sai de quadro pela porta à esquerda. Na ante-sala, o pretendente pega
uma saco e sai pela porta que dá para o exterior do escritório. Em plano médio, há a
redundância da cena anterior, pois mostra o funcionário do lado de fora do escritório
fechando a porta e saindo de quadro.
Em plano geral há novamente a imagem do trem e as pessoas que estavam nos
vagões saltam para a plataforma. O funcionário do telegrafo recebe um bilhete de outra
pessoa de dentro do vagão. Há um corte e observa-se outro vagão do trem em plano
americano, onde alguém se movimenta. Em plano médio, esta pessoa é mostrada tirando
metade de seu corpo do vagão, olhando em volta, quando avista a ação que ocorre a sua
direita se surpreende. Percebemos por suas roupas que se trata não apenas de um
forasteiro, mas acima de tudo de um ladrão que não está sozinho: ele tem um comparsa.
O espectador testemunha, mais uma vez, o ponto de vista do personagem, no caso o
ladrão: o que ele viu à direita é o funcionário do telégrafo recebendo a quantia de 2000
dólares, que guarda em uma maleta. Os ladrões apontam para a direção do funcionário e
descem do trem. Começa, então, a elaboração do suspense do filme: o espectador
conhece o perigo, o risco; mas a vítima não se percebe a situação. O recurso do
campo/contracampo, utilizado anteriormente para mostrar as ações principalmente na
sala do telégrafo e na ante-sala agora serão empregados para mostrar as ações dos
bandidos e dos outros personagens, que são vigiados por eles. Em plano geral, vêem-se
os ladrões saltarem do trem e se esconderem atrás de barris. Enquanto o trem parte, os
ladrões correm e se escondem em uma fresta no chão. Ao fundo do quadro, vêem-se
dois homens se despedindo do mensageiro do trem e saindo do quadro pela direita.
O pretendente de Grace novamente é mostrado em plano médio, desta vez
abrindo a porta do escritório para entrar nele. Quando entra na ante-sala, já em plano
americano, o funcionário vai até um baú que está no chão, se agacha e mexe nele.
Volta-se para os ladrões, um deles que sai da fresta e corre para a mesma direção que foi
o funcionário. Ao chegar ao escritório, o bandido ronda a varanda. Senta-se em um
banco, olha ao redor e espia a situação dentro do escritório de telégrafo através da
janela. O que o bandido vê e o espectador testemunha, é o funcionário guardando o
81
dinheiro dentro do baú. O espectador sabe que o ladrão tem essa mesma visão porque é
possível ver seu rosto do lado de fora da janela ao fundo do quadro, observando o
homem. O ladrão olha, maliciosamente, para a câmera, olhar este que já deixa evidente
suas más intenções. O funcionário, sem nada perceber, vai até a sala de Grace. Ele ainda
olha pela janela, mas o ladrão já havia desaparecido. Quando o funcionário desvia o
olhar, o espectador vê o ladrão reaparecer. No escritório, ele o pretendente entrega a
chave do baú a Grace. O ladrão que observava a cena pela janela olha para os lados e
em seguida para a câmera, o espectador sente que se tornara, involuntariamente,
cúmplice de um ato criminoso e que nada pode fazer para impedir. O ladrão corre para o
off direito em busca de seu comparsa. Ele entra em quadro novamente pelo lado direito,
ocorrendo uma quebra de eixo na sequencia, voltando para a plataforma de trem onde o
comparsa ainda está escondido na fresta do chão. Ela toma conhecimento do que
ocorreu no escritório.
Enquanto isso, o funcionário do telégrafo chama Grace até a ante-sala, mostra-
lhe o baú e lhe dá a chave. Também lhe oferece a arma, que ela recusa. O intertítulo que
se segue traz ideia de Grace em relação aos perigos que a rondam:
Perigo? Nada nunca acontece aqui.
O espectador, por ter acompanhado as cenas anteriores, sabe do risco que corre
Grace, mas nada pode fazer em relação à sua atitude de não aceitar a arma, ele não pode
alertá-la. O desenvolvimento do espaço diegético, embora mais fluido, ainda conta com
a participação de quem assiste ao filme, uma vez que o público segue interpelado pelos
atores/personagens. Sendo assim, o espectador não está completamente protegido da
ação que se desdobra, ele sabe que ela é inverossímil, mas não possui ainda
distanciamento suficiente dela. Os personagens o trazem para seu interior, os bandidos o
tornam cúmplice, por saberem que são observados, virando o observar contra o
observador, encarcerando-o em sua cumplicidade. Ainda na plataforma, os ladrões
conversam. O funcionário do telégrafo aparece ao fundo de passagem, e sai do quadro
pela esquerda. Para o espectador, está claro que Grace ficou sozinha no escritório. Em
plano americano, vemos o funcionário caminhar sozinho. Ele para no centro do quadro,
lança um olhar triste para fora do quadro, como se observasse Grace, e segue seu
caminho saindo do quadro.
Aparece a imagem de Grace no escritório. Ela abre a porta da ante-sala e olha
para a rua, provavelmente observando o funcionário que acabara de sair. Fecha a porta,
82
vai até o centro do quadro e sorri para a câmera. O espectador se depara com o próximo
intertítulo:
A oportunidade dos ladrões itinerantes.
Novamente observam-se os ladrões. O que estava na fresta sai. Eles olham ao
redor e saem correndo pelo espaço off direito, ou seja, em direção ao escritório onde
está Grace. Enquanto isso, o trem para na estação e alguns homens embarcam. Ao
chegarem ao escritório, os bandidos são mostrados em plano médio, agachados e
olhando através da janela. No contracampo, observa-se Grace. Ela está sentada de frente
para a câmera e de costas para a janela. O espectador vê o bandido atrás da janela e
pressente a vulnerabilidade de Grace. Ela tem um pressentimento e olha para a direção
da janela. Volta-se aos bandidos, que se abaixam, saindo do campo de vista da
telegrafista. Contracampo novamente com Grace que suspira aliviada ao não ver os
bandidos. Mais uma vez, os bandidos são mostrados desta vez se levantando para olhar
pela janela e Grace, contracampo, olha ao redor do novo e finalmente vê o ladrão. Ela se
vira para a câmera e grita. Apesar de mudo, a atmosfera que envolve a cena, a
construção do suspense neste jogo de campo/contracampo, torna claramente audível o
clamor de Grace, mesmo sem o recurso do som. A montagem consegue leva o
espectador a participar tão ativamente da cena, fazendo-o testemunha e cúmplice, que
ele pode ouvi-la tão claramente se estivesse em carne e osso no cinema, e não dentro da
tela. Grace levanta da cadeira de onde estava sentada, cambaleia e quase desmaia. Os
ladrões somem da janela e Grace corre para a ante-sala.
Na ante-sala, Grace corre para a porta na tentativa de trancá-la, enquanto os
bandidos a empurram pelo lado de fora. Ocorre, novamente, a alternância entre
campo/contracampo, com Grace do lado de dentro e os assaltantes do lado de fora, até
que ela desiste e corre para a sala do telégrafo, onde tranca a porta. Os ladrões
empurram a porta, mas não conseguem entrar. Vê-se Grace aflita no escritório, até que
ela decide pedir ajuda telegrafando uma mensagem. O jogo de campo/contracampo
agora ocorre entre Grace, o outro telegrafista, e os bandidos. O espectador é apresentado
a outro escritório de telégrafo, mas o telegrafista do local está lendo um livro para o
mensageiro que lhe faz companhia, e quando percebe a mensagem se aborrece e não lhe
da atenção. Novamente, vê-se Grace tentando o contato e o outro telegrafista em
seguida, que finalmente vê a mensagem. Ao perceber a gravidade, ele larga o livro e se
83
comunica com Grace. Ela responde as mensagens enquanto olha para a porta. O
espectador é apresentado ao conteúdo da mensagem de Grace pelo intertítulo:
Os ladrões querem a chave da encomenda
Enquanto Grace telegrafa, em outro campo vemos os bandidos agirem na ante-
sala, vasculhando o ambiente. Novamente a sequencia Grace telegrafa/telegrafista anota
o recado/ ladrões na ante-sala, um deles sai e o outro mexe na porta do escritório de
Grace/ Grace telegrafando desesperada. Em plano médio, o espectador vê o bandido que
saiu observar Grace pela janela e cerrar suas grades, na tentativa de abri-la. Grace, de
dentro do escritório, vê o ladrão e chora. O ladrão, do lado de fora, desiste de cerrar a
janela. Grace, no escritório, lamenta a sua sorte. Enquanto isso, o outro telegrafista e o
mensageiro saem correndo do escritório com a mensagem. Na estação de trem, ressurge
o pretendente de Grace, mas ele não é encontrado pelo telegrafista e pelo mensageiro.
Ao invés disso, eles mostram o recado a outro homem na estação de trem, onde um
intertítulo indica o que o telegrafista captou da mensagem inicial de Grace:
Ajuda... Ladrões... Rápido...
Os homens na estação discutem e o telegrafista e o mensageiro correm de volta
para seu escritório. Ao mesmo tempo, os bandidos tentam arrombar a porta da sala de
Grace, mas ela pega uma bala de revolver e coloca na fechadura. Há um close-up na
fechadura enquanto ela encaixa a bala no buraco da chave. Volta-se para o plano
americano, a telegrafista agacha com um martelo e uma tesoura na mão e coloca a ponta
da tesoura na fechadura. Em primeiro plano, vê-se o martelo bater na tesoura e em plano
americano, uma pequena explosão, que seria da bala sendo atirada. Percebe-se que neste
momento Grace não espera pela ajuda externa e decide agir por si mesma para tentar
espantar os bandidos. Ela não é uma personagem feminina passiva que apenas espera
pelo auxílio de terceiros, mas age com violência quando preciso. Com a explosão, os
ladrões se afastam assustados e discutem. Em primeiro plano, vê-se Grace olhar pela
fechadura e se levantar. O telegrafista, em plano americano, continua a correr com a
mensagem de Grace na mão, até que chega à estação e a entrega para os homens que lá
estão. É uma nova mensagem que o intertítulo apresenta:
Com os trens aqui
Os homens da estação retomam a discussão entre si e o trem chega. Outro
intertítulo surge, mas não se trata de nenhuma mensagem telegrafada, e sim de uma
84
explicação para o que ocorrerá em seguida, introduzindo o espectador à cena 3, quando
os bandidos fogem com o baú e ocorre o resgate.
Eles decidem levar o baú para explodi-lo
Em plano americano, observam-se os ladrões arrastarem o baú para o lado de
fora com a finalidade de explodi-lo. Em plano médio, novamente a redundância que se
apresenta toda vez que alguém entra ou sai do escritório do telégrafo: aparecem os
bandidos perto da porta do lado de fora. No plano geral, retorna-se à plataforma do
trem. Apontam para o espaço off esquerdo e saem correndo para fora do quadro nesta
direção. De volta ao escritório, Grace percebe que os bandidos saíram. Ela olha pela
janela e fica aflita. Provavelmente, ela está vendo os ladrões no na plataforma com o
baú. Na plataforma, do ponto de vista de Grace, está o baú abandonado enquanto os
ladrões estão no espaço off, invisíveis para o espectador, mas visíveis para Grace. Ela
tenta sair do escritório, mas está presa, então martela a maçaneta para destrancar a porta.
O funcionário do telégrafo, pretendente de Grace, retorna ao filme, mas ele ainda não
sabe o que ocorre. Os ladrões retornam ao quadro em uma vagonete, pegam o baú e a
colocam sobre ela. Outro intertítulo é apresentado:
Ela arrisca sua vida pelo seu credo
Grace sai da ante-sala para a rua enquanto os ladrões ajeitam o baú na vagonete.
Grace surge em quadro e tenta impedi-los. Ela sobe na carriola e briga com os bandidos,
mas apanha e acaba desmaiando. Os bandidos movem a carriola com o baú e Grace.
Ocorre uma sucessão de planos e enquadramentos diferentes que dinamizam a fuga dos
bandidos e o resgate. Em plano americano e frontal, a carriola é movida pelos bandidos,
e um deles olha para a câmera. O pretendente de Grace olha espantado para os trilhos: o
espectador percebe que ele avista os bandidos fugindo com Grace e com o baú. Ele grita
e corre para o off direito até chegar, pela esquerda, na beira do trilho. Os ladrões
continuam a fugir.
Ocorre então uma montagem paralela, quando duas ações – a perseguição do
pretendente de Grace e a fuga dos bandidos – acabará convergindo no final para seu
confronto. O pretendente, em plano geral, pede carona ao trem que está passando. Na
cabine, ele explica aos operadores a sua situação. Enquanto isso, os ladrões continuam a
fugir. Grace desperta e discute com os bandidos. O trem se aproxima da vagonete. Em
plano geral e enquadramento lateral e utilizando o travelling, é mostrada a vagonete, e
Grace acena para o trem. O trem também é enquadrado lateralmente e é utilizado o
85
travelling para mostrar seu movimento de longe. Os ladrões são mostrados frontalmente
brigando com Grace, e em seguida o travelling lateral da vagonete, do trem e finalmente
da vagonete, em enquadramento frontal. Em seguida, há um plano americano da cabine
do trem, um plano geral do trem, um plano geral de um ponto alto mostrando a
vagonete mais abaixo do quadro e em seguida, o mesmo enquadramento para o trem.
Todos os cortes e diferentes enquadramentos contribuem para que seja criado um
clímax, para que haja dinamicidade e expectativa durante a perseguição.
Finalmente, a vagonete para e os ladrões descem. Grace e o baú ainda estão na
vagonete, mas os ladrões, exaustos de moverem a vagonete, caem no chão na tentativa
de fuga. O trem se aproxima, Grace acena e salta. Seu pretendente sai da cabine do trem
e eles se abraçam. Os maquinistas correm até os ladrões e dão coronhadas até que eles
desmaiem. Um plano americano mostra Grace e seu pretendente sentados na frente do
trem, com o baú entre eles. O último plano, médio, mostra Grace contando o que
ocorreu. O funcionário desembrulha um lenço em cima do baú e revela que lhe trouxe
biscoitos. Grace come e eles se beijam.
Sendo assim, Grace mostra-se uma heroína por sua determinação, e o seu
pretendente um herói por conseguir salva-la dos bandidos. Seu final feliz representa,
dessa forma, a atitude que se deve tomar para defender seus próprios ideais e, ao mesmo
tempo, os indivíduos mais vulneráveis da sociedade, em um lugar onde a impunidade e
a injustiça não tem espaço, é preciso apenas lutar com a arma que melhor lhe provier.
Tecnicamente, também são observadas características remanescentes dos MRP, o olhar
para a câmera e a quebra de eixo, por exemplo, mas também há uma nova linguagem
baseada na montagem, na moderação dos gestos e na tentativa da linearidade e da
narração e que, neste caso, tem raízes nos filmes de perseguição do MRP, que de certa
forma estabeleceram uma base narrativa para as tentativas conscientes posteriores de
narração.
O trem anda em sentido oposto ao casal, de modo que eles estão em sua traseira,
e solta vapor ao longo do caminho, encobrindo o casal até o trem finalmente sumir na
curva.
Com a análise das características, possível verificar alguns recursos
remanescentes do cinema de atrações, como a centralidade da ação, a utilização do
plano geral em grande medida, o enquadramento frontal, o olhar para a câmera com ou
86
sem interpelação do espectador, o encavalamento espaço-temporal, os figurinos e
cenários elaborados e a pouca ou nenhuma movimentação de câmera.
Por outro lado, também são percebidas mudanças no que se refere a uma
tentativa de narração e detalhamento de ações. As utilizações do plano médio e do plano
americano permitem um maior reconhecimento dos atores/personagens, possibilitando a
construção da persona. A partir do reconhecimento, é possível criar protagonistas e
antagonistas, vilões e mocinhos que entram em conflito, mas ao invés dos finais
engraçados ou indefinidos do cinema de atrações, há agora uma redenção do vilão: ou
ele se regenera, ou é punido pela lei. A aproximação da câmera auxilia em uma atuação
mais natural na medida em que os atores não precisam gesticular tanto para se fazerem
entender. O plano médio, o primeiro plano e o close-up mostram os detalhes de seus
gestos, por mais sutis que sejam. A movimentação de câmera já começa a ser utilizada
como recurso narrativo, como no caso do travelling durante a perseguição do trem à
vagonete, sugerindo rapidez durante a ação.
Os intertítulos, embora se limitem aos falantes da língua inglesa e prejudiquem o
suspense, já que enunciam o que vai acontecer em seguida, procuram contribuir com a
explicação da história do filme. Os cenários elaborados, principalmente em filmagens
em estúdio, contribuem para que haja uma maior verossimilhança entre a história e o
que o espectador conhece por espaço, além de auxiliar na profundidade de campo, que
também é um atributo importante em termos de espacialidade.
O espaço off finalmente passa a ser compreendido como espaço cênico,
continuação de um quadro para onde o personagem se encaminha sem ser engolido pelo
nada, ou para onde lança um olhar sem que este se perca. Sair e entrar do espaço off não
significa mais sair de cena, e sim se ambientar em um novo espaço de locação, que
também está ao alcance do ponto de vista, do olhar e da voz. Por outro lado, o recurso
da continuação do quadro, assim como o campo/contracampo e a montagem paralela
ainda eram testados, o que significa dizer que ocorriam erros em sua execução, assim
como ocorria no primeiro cinema: encavalamentos espaços-temporais e quebras de eixo.
No primeiro, a ação é mostrada duas vezes sob duas perspectivas diferentes e no
segundo, supondo-se que o personagem sai de quadro pelo lado direito, ele deveria
entrar no próximo quadro do lado esquerdo para que haja sentido no movimento.
87
A quebra de eixo ocorre quando o personagem sai de quadro pelo lado esquerdo
e entra no próximo também pelo lado esquerdo, o que não dá sentido lógico ao
movimento, conforme a ilustração abaixo:
Liberdade, que representa uma oposição ao comportamento tirano de Ivan Orloff.
No capítulo seguinte, segue a análise do contexto histórico relacionada ao
período do primeiro cinema e do cinema de transição norte-americanos, que buscará
esclarecer a relação entre cinema e modernidade.
88
Capítulo Quarto
158
89
todos os escravos nos estados rebeldes, mas a questão escravagista continuou em
discussão ainda por um longo período. A Guerra de Secessão ainda uniu o país, e os
combates passaram a ser utilizados como uma bandeira unificadora com o passar dos
anos. As cidades, que começaram a se desenvolver, também foram um meio para que
houvesse uma integração forçada entre os diversos grupos que se encontravam no país.
Para Antônio Pedro Tota,
“O espaço exíguo da cidade forçava uma convivência
entre brancos – italianos, alemães e irlandeses – e negros,
muitos vindos das ilhas do Caribe e do interior dos
Estados Unidos. Era uma integração forçada que os
obrigava a dialogar”159.
A Ferrovia Transcontinental uniu o país fisicamente entre oceano Atlântico e
Pacífico em uma viagem de seis dias aproximadamente, e sua imagem aludia à chegada
do progresso. Esta união física estava em consonância com o ideal metafórico de união
entre os americanos, e em sua luta pela supremacia.
“Na primeira metade do século XIX, fortalecia-se a ideia de que
os norte-americanos eram um povo eleito com uma missão a
cumprir. E tão forte quanto a ideia de construírem uma historia
a partir do zero, era a do ‘Destino Manifesto’, concepção
nacionalista que se apoiava na ideia do Direito Natural,
concedido pela divina providencia, àquele país, de tomar para
si a arte continental da América do Norte”160.
Mas o Destino Manifesto não se limitou ao território americano do decorrer do
século 19, o direito natural dos americanos de levar a civilização se estendeu para as
demais nações que se formavam. A Doutrina Monroe, cujo lema era “A América para
os americanos”, mais do que colaborar com a independência dos países latino-
americanos, avançou na medida em que as negociações econômico-culturais tinham a
clara intenção de lhes abraçar por meio de sua missão civilizadora. “Lutas contra raças
159
90
bárbaras estrangeiras poderiam substituir a luta contra os índios selvagens em casa e
então manter os americanos racialmente unidos”.161
A automação chegou no mesmo período que o crescimento das cidades, da
população e da vertiginosa “invasão” imigrante na América, que, de acordo com
Antonio Pedro Tota, era “em sua maioria de origem camponesa e da Europa Meridional
e Leste”162. Evidentemente, o imigrante entrou em conflito com os americanos anglo-
saxões, que dele exigia um processo de americanização. De acordo com o censo do
período entre 1821 e 1900163, a população dos Estados Unidos “(...) do décimo segundo
censo é mais do que dezenove vezes maior do que quando o primeiro censo foi feito em
164
1790” . Muitos jornais da década de 1910 também noticiavam estas mudanças. Em
janeiro de 1907, uma das principais notícias do New York Daily Tribune trazia como
165
manchete: “Mais imigrantes desembarcam. Total do último ano fiscal: 1. 166. 353” .
Outros problemas apontados pelos jornais na época diziam respeito à qualidade da mão
de obra oferecida pelos estrangeiros. O jornal The Washington Herald 166 já alertava que
“se há algum perigo social ou industrial na imigração, ele não vem tanto da qualidade
como da qualidade”.
A imigração, portanto, era (apenas) um dos fatores da sociedade de transição
americana no começo do século. Havia também, por exemplo, as mudanças políticas de
cunho Progressista até pelo menos a Primeira Guerra Mundial. A base do pensamento
progressista era o Nacionalismo Cívico, bastante cultivado por Roosevelt. A nação, para
os progressistas, seria uma comunidade de cidadãos iguais, patrióticos, que
161
GERSTLE, Gary. American crucible: race and nation in the twentieth century. Princeton:
Princeton University Press, 2001. Pág. 26.
162
Statistics of population:
<www2.census.gov/prod2/decennial/documents/33405927v1ch01.pdf>. Acessado em abril de 2010.
164
Idem.
165
91
compartilhariam os mesmos valores e práticas culturais. Esta nação estaria aberta a
todos os americanos e àqueles que pudessem recorrer às suas raízes europeias, desde
que não pertencessem à “Europa primitiva”, ou católica, ou judia167. Mas, na visão
progressista, mesmo que o indivíduo não dispusesse do “privilégio” de pertencer
genealogicamente ao ramo anglo-saxão, ele teria algo pelo qual lutar, que seria a sua
inclusão nesta sociedade, tornar-se um cidadão.
A automação que acompanhou o período da imigração devia-se ao rápido
processo de industrialização que ocorria nos Estados Unidos. A união no período de
reconstrução pós Guerra Civil baseava-se na ideia de que agora o país devia tornar-se
uma super potência, capaz de competir com as potências europeias. Os americanos
perceberam que precisavam se organizar, e o governo, com um poder inicialmente mais
centralizado e forte, começou a regular os investimentos no mercado e nas finanças.
“(...) Os subsídios foram adequadamente usados na reconstrução da malha ferroviária,
de cidades destruídas, das pontes e das estradas” 168. Além da expansão para o Oeste e a
consolidação das ferrovias como o meio de transporte representante do progresso, as
cidades também começaram a se consolidar e a estabelecer um novo modo de vida. De
acordo com Robert Sklar, sobre a constituição da vida nas cidades:
“A estrutura social emergente das cidades do século XX
acabou com a proximidade e o contato. (...) A velha
cidade (...) converteu-se na nova cidade norte-
americana de muitas comunidades separadas umas das
outras por barreiras sociais” 169.
Com a diversidade étnica e racial entre os trabalhadores, os patrões encontraram
uma via fácil de evitar greves, organizações sindicais, pregações anarquistas, e
reivindicações de qualquer natureza trabalhista. A mão-de-obra barata com a
contratação de mulheres e crianças também foi usada como uma maneira de assegurar a
ordem dos trabalhadores. As condições de trabalho eram difíceis para a maioria dos
167
92
trabalhadores, a jornada era longa, o local insalubre e os salários eram baixos. O novo
nacionalismo foi o programa de governo adotado por Roosevelt, mas foi cunhado pelo
jornalista Herbert Croly em 1909.
“Croly via a América com desalento. A industrialização
aumentou o abismo entre ricos e pobres e ofuscou a promessa
histórica da América de e para todos dentro de suas fronteiras a
oportunidade de fazer algo de si mesmo” 170.
Era proposto um Estado forte capaz de regular a vida e a finança do americano,
de modo que a promessa americana de oportunidades se cumprisse. Era uma proposta
de “regulamentação do capitalismo e do estabelecimento do estado de bem estar
social”171. Roosevelt utilizou da ideia de Croly para regulamentar as corporações,
cartéis e trustes que haviam invadido a economia americana, regulamentação esta que
atingiu a Motion Picture Patents Company172, mas, socialmente, os objetivos de
redução da desigualdade não foram atendidos de imediato. Dentre estes objetivos
encontrava-se a necessidade da
“regulamentação das horas de trabalho, ganhar um salário
decente, receberem reparação para danos relacionados ao
trabalho, e assegurar a si mesmos e a suas famílias contra
doença, velhice, e morte.” 173
A fundação do Partido Progressista em 1912 por Theodore Roosevelt foi
concomitante a uma nova época que se iniciava na história dos Estados Unidos. Neste
período, acreditava-se que era possível recorrer ao Estado para resolverem-se questões
de pobreza ou crise. Movimentos pela ampliação dos direitos civis, como o voto para as
mulheres, o combate à pobreza por grupos de intelectuais e voluntários, começava a
tomar fôlego. A identidade nacional americana, apesar de suas controvérsias e seus
paradoxos, já estava formulada.
170
Idem.
172
Ver capítulo 2
173
93
A industrialização impulsionou a criação de mitos e heróis nacionais, inventores
que servem de exemplo até hoje, como Benjamin Franklin, Samuel F. B. Morse,
Alexander Graham Bell e Henry Ford e Thomas Alva Edison que, como já visto nos
capítulos anteriores, estava intimamente ligado ao processo de industrialização do
cinema nos Estados Unidos no início do século 20.
4.1 Imaginário moderno: ação e instante
De acordo com Edgar Morin, “o imaginário é a prática mágica espontânea do
174
espírito que sonha” . Tão espontânea e intensa quanto fugaz, escapando ao presente
consciente e se tornando parte do passado assim que percebida. O segredo dessa mágica
é, justamente, correr na velocidade do momento, é ser o instante.
Mas, o que é o instante que compõe o imaginário moderno? De acordo com Leo
Charney,
“O instante existe na medida em que o indivíduo experimenta
uma sensação imediata e tangível. Essa sensação é tão intensa,
tão fortemente sentida, que esvaece assim que é sentida pela
primeira vez” 175.
Ao filme só se assiste uma vez. Não importa quantas repetidas vezes ele possa se
desenrolar diante da vista, mas as primeiras impressões são, justamente, apenas
primeiras. O que se discute não é o sentimento causado pelo filme do qual se toma
consciência de tê-lo sentido no momento posterior, por justamente não ser
compreendido no momento exato de sua captura, ou o quanto este sentimento posterior
pode mudar ao longo de outras exibições do mesmo filme. Este sentimento posterior é
racional, é pensado e ponderado. O que importa é o momento em que esta afeição se
encontra pela primeira vez com a alma do indivíduo, ou ainda, se ocorre uma mudança
posterior, então se trata do momento em que a segunda afeição se encontrou, pela
primeira vez, naquele exato instante, com a alma do indivíduo.
Pensar o instante é deixá-lo passar, mas é só isso o que se tem. A respeito da
função da imagem fotográfica e cinematográfica, Edgar Morin afirma que “é como se a
necessidade que o homem tem de lutar contra a erosão do tempo se fixasse,
174
CHARNEY, Leo. Num instante: o cinema e a filosofia da modernidade. In CHARNEY, Leo &
SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). Op. cit. 2004. Pág. 319.
94
176
privilegiadamente, na imagem” . O susto pode-se perceber após seu instante: o
coração dispara, a boca fica seca, a pupila se dilata. Pode-se perceber o seu contexto,
sua situação, as pessoas, objetos, animais e tudo o mais que esteve presente em sua
ocorrência; exceto ele mesmo. Pode-se raciocinar sobre seus efeitos, suas consequências
e seus rumos, mas nunca no momento de sua existência. É este um dos legados
temporais do cinema: o presente sempre esteve – nunca está, quando está para chegar já
passou. O outro legado do tempo cinematográfico, contudo, é produzir o instante
visualmente, potencializar seu encontro com a alma, fazê-lo render ao máximo para que
seu esvaziamento também seja sentido ao máximo. À produção do instante e do seu
encontro com o indivíduo imaginário, Leo Charney atribui a seguinte caracterização: “A
combinação de intensidade imediata e diminuição imediata foi sentida como choque”
177
.
Mesmo que o instante seja fugaz e mais rápido do que o conhecimento cognitivo
na função de apreender o tempo presente, o cinema é capaz, através do choque, de
colocar o indivíduo e o instante em apenas um momento da existência graças ao único
meio com o qual o encontro é possibilitado: o meio sensorial. A respeito do assunto,
Jean Epstein afirma que “(...) a essência do cinema derivava da forma do momento
sensorial [...] que forneciam prazer de um modo que o espectador não conseguia
178
descrever ou racionalizar cognitivamente” . Quando a cognição age, conhecemos o
instante e suas características, mas para o cinema não importa o conhecer, e sim aquela
sensação primeira. O Cinema de Atrações, já explorado acima, foi um grande produtor
de instantes. Atrações, no caso, consistiam na capacidade do cinema de promover o
surpreendente, o choque, o encontro do instante com a alma. O tempo da atração, como
foi postulado, é o presente, é sempre o agora seguido do agora; ele não é o recurso,
como o ocorre no cinema narrativo posterior, e sim o conteúdo. É “uma explosão
repentina da presença [...] ao tempo do presente puro de seu aparecimento” 179. Se ainda
176
95
se tratar do Primeiro Cinema, então há uma consideração a fazer sobre a questão
temporal: o tempo do filme era o tempo real transcorrido durante a filmagem, sem
cortes nem digressões, nem metáforas de edição que remetiam ao passado ou ao futuro.
A fotografia também é capaz de capturar o instante, mas a sensação de realidade
do encontro é mais forte no cinema por causa do movimento da cena. A fotografia
remete a uma sensação mórbida: é um estado estático, sem mudanças, sem desculpas. O
cinema traz a sensação vital, justamente porque existe o pré-instante, o instante e o pós-
instante. Há uma expectativa, o momento e a esperança futura. “O tempo do [pós-
primeiro] cinema, não é apenas um tempo comprimível ou dilatável: é também
reversível” 180. O que se pode afirmar quanto à efemeridade humana é que o homem é,
ao menos corporalmente, mortal. Ele expira em determinado momento da história do
mundo e em pouco tempo as evidencias físicas de sua existência são enterradas e
desintegradas. Pode-se buscar uma gama de argumentos que consolem este fato
inalienável a qualquer indivíduo vivo: vida após a morte, reencarnação, a sobrevivência
de sua obra além de si mesmo, sua herança monetária. Mas, subjetivamente, existe a
aflição da finitude de si próprio, dos mais próximos e mesmo daqueles que já partiram
da vida de alguém mesmo antes de morrer de fato. A imagem cinematográfica e
fotográfica garante, por um instante, tornar-se infinito, pois, à exceção do som,
“concentra todos os poderes que o homem, desde sempre, atribuiu à imagem” 181.
A vida nunca para como uma fotografia, ela anda como um filme
cinematográfico, quadro após quadro, cena após cena, onde o indivíduo enquadra os
instantes de sua existência à sua maneira, coloca em primeiríssimo plano o encontro do
instante com a alma que mais lhe marcou – e sobre a profundidade do encontro ele
apenas conhecerá depois, mas o sentirá no momento em que ele ocorre – relegará um
plano geral aos encontros mais brandos – e não desagradáveis, pois os desagradáveis
também podem ser grandes.
GUNNING. Now you see, now you don’t: the temporality of the cinema of attractions. In.
CHARNEY. Op. cit. 2004. Pág. 328.
180
96
4.2 Identificação, participação e realidade
Mas questão da identidade e do grau de realidade do mecanismo
cinematográfico não se reduz ao instante ou ao movimento. O que se pode afirmar,
contudo, é que não se trata de uma identificação passiva. Eles também estão
relacionados ao grau de preparo que o espectador de cinema tem para recepcionar estas
imagens.
O espectador americano do início do século 20 presenciou a transformação das
pequenas comunidades em que viviam em cidades industriais e segregadas. Ao mesmo
tempo em que se tornaram isoladas afetivamente, a proximidade entre estas cidades foi
possível com o desenvolvimento de meios de transportes velozes, como o trem. A alta
velocidade e a fragmentação vida urbana também eram trazidas aos seus habitantes e
forçavam sua participação pro meio dos bondes, cartazes espalhados pelos muros com
anúncios, dos carros, e da quantidade de pessoas que aumentou substancialmente. De
acordo com o censo de 1900, o décimo segundo na história do país, houve um aumento
de quase 20 vezes no número de habitantes do país nos últimos 110 anos e “sua
população do décimo segundo censo é mais do que dezenove vezes maior do que quanto
182
o primeiro censo foi feito em 1790” . O historiador Eric Hobsbawm também aponta
que o processo de imigração foi intenso nos Estados Unidos no final do século 19. Em A
Era do Capital, ele afirma que “entre 1846-75, uma quantidade bem superior – 9
milhões de pessoas – deixou a Europa, e a grande maioria seguiu para os Estados
Unidos”.183
As reportagens da época começaram a ser sensacionalistas, relatando os perigos
trazidos pela vida na cidade, como atropelamentos por bondes, quedas de edifícios e
acidentes de carro. Para Walter Benjamin, “surgiam experiências óticas, como a
184
produzida por anúncios em jornais e também pelo trânsito em grandes cidades” . As
182
97
185
energias de movimento, fugacidade e multidão constituíam “ameaça de choques” .
Ao expor os indivíduos a estes choques constantes, a modernidade os assaltava com
186
“hiperestímulos” , ou seja, a constante incitação à participação dos movimentos e da
velocidade. Além da lembrança, que daria a este público das cidades “o tempo para
187
organizar a recepção do estímulo” , o cinema também auxiliaria na recepção dos
estímulos e a combater a ameaça do choque. Os filmes do cinema de atrações se
identificam com este cenário urbano na medida em que também retratam esta realidade
moderna. São apresentadas cenas do cotidiano na vistas gerais, o estímulo à velocidade
em filmagens feitas dentro dos trens, como em The Georgtown loop, analisado no
capítulo anterior, as trucagens nos filmes de Georges Méliès, que trabalham com a
percepção da fugacidade.
Assim, “chegou o dia em que o filme correspondeu a uma nova e urgente
necessidade de estímulos. No filme, a percepção por choques confirma-se como
188
princípio formal. ” Portanto, o cinema não possuía apenas a função normativa de
americanizar os imigrantes ou servir “bons exemplos” a serem seguidos, mas auxiliou
na concepção e adaptação à vida moderna no início do século 20, pois o indivíduo neste
momento é “um homem que mergulha na multidão como em um tanque de energia
189
elétrica” . Com o auxílio do cinema, com a preparação para o choque e a sua
repetição voluntaria, os indivíduos do início do 20 puderam se acostumar aos
hiperestímulos, pois a ansiedade trazida pelo treinamento o deixava alerta para receber o
choque. De acordo com Benjamin, conclui-se que “o cinema é a forma de arte que
acompanha a ameaça crescente à vida que o homem moderno tem que enfrentar. A
185
DAVIS, Michael M. The exploitation of pleasure . Nova York: Modern Library, 1931. A
pesquisa de Davis foi conduzida em 1910. In CHARNEY&SCHWARZ (orgs.). Op. cit. 2004. Pág. 98.
187
98
necessidade do homem de se expor aos efeitos do choque é o seu ajustamento aos
perigos que o ameaçam.”190
Dentro do espaço cinemático, a identidade e a realidade dependem de sua
construção e da fruição da cena. Nas palavras de Noël Burch,
“Para entender o espaço cinemático, pode revelar-se útil
considerá-lo como de fato constituído por dois tipos diferentes
de espaço: aquele inscrito no interior do enquadramento e
aquele exterior ao enquadramento” 191.
Considerando-se, aqui, não apenas o espaço off, mas a carga emocional e
empírica do espectador, a sala de projeção, a disposição dos lugares, a tela e o próprio
projetor. No período entre 1906 e 1912, no momento em que os filmes se tornam
onarrativos, os processos de montagem começam a ser utilizados, ou, ao menos,
experimentados. Dentro destes processos de montagem, estavam aqueles que
possibilitavam a mobilidade temporal dentro do filme: um flashback, um pensamento
sobre o futuro. “O que não passaria de um ato mental, projeta-se na fotografia, nos
192
próprios quadros” . Ou ainda, a fragmentação espacial: montagens paralelas,
campo/contracampo, plano geral, plano americano, primeiro plano, câmera objetiva.
Hugo Munsterberg já afirma que “a vida não avança numa única direção. [...] O
elemento temporal deixou de existir, a ação única irradia em todas as direções” 193.
A sucessão de cenas no cinema não é tão real, visto que altamente fragmentada,
mas é capaz de convencer sobre seu realismo. Ora, se isto ocorre não é apenas por
habilidade do editor, mas por um processo que é familiar ao espectador, embora não
seja natural. “Uma interação entre o ilusionismo construído e as disposições do
194
espectador [...] marca a chamada ‘participação afetiva’” . Para funcionar, o
190
In XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. Pág. 13.
192
99
espectador precisa aceitar participar do jogo. O cinema é “um sistema que tende a
integrar o espectador no fluxo do filme. Um sistema que tente a integrar o fluxo do
195
filme no fluxo psíquico do espectador” . Por este motivo apresentado por Edgar
Morin, que é possível estabelecer o cinema como um auxiliar na percepção da vida
moderna. A identificação entre o espectador, a imagem na tela e sua vida cotidiana se
convergem no momento em que ele assiste aos filmes, pois
“a plateia se reconhece (...) na pura exterioridade. Sua própria
realidade é revelada na sequencia fragmentada de esplêndidas
impressões... os espetáculos que visam a distração são
compostos da mesma combinação de dados exteriores que
caracteriza o mundo das massas urbanas” 196.
Este jogo de imagens tem em si um mecanismo de difícil aceitação, porque
participar implica em acreditar apenas nos fantasmas, na ausência da imagem. O ser
humano, o objeto, o animal ou o qualquer outro elemento que tenha sido filmado
simplesmente não está mais lá. Resta a imagem que foi permitida capturar197, o duplo
do objeto que pode ser identificado como uma nova forma de espelho que permite ao
espectador ser onisciente e onipercepcionante. Mas se não é a própria imagem do
espectador que está sendo projetada, como ele compreende e aceita participar de um
processo fantasmagórico? – afinal, o écran é um espelho que não reflete quem se coloca
diante dele. Como se identificar? Para Metz, o espectador já é capaz de compreender e
construir um mundo onde ele não está visualmente representado por já ter conhecido a
experiência do espelho (verdadeiro), e não precisa se reconstituir dentro de um mundo
em que está ausente como condição para reconhecer a existência do outro.198
KRACAUER, Siegfried. The Cult of distractions: on Berlin’s picture palaces. (orig. pub. em
1926.) trad. para o inglês de Thomas Y. Levin, em New German Critique, v.40. In
CHARNEY&SCHWARZ (orgs.). Op. cit. 2004. Pág. 115.
197
Expor-se à própria ausência pode ter levado algumas pessoas a sentirem medo de serem
fotografadas: se não é mais meu corpo que está na imagem, então só pode ser a alma, ou o observador não
tomaria minha imagem como importante.
198
METZ, Christian. História/discurso (nota sobre dois voyeurismos). In XAVIER. Op. cit. 1983.
100
Há também que se assinalar a imaginação despertada pela imagem em
movimento e pela codificação, que são exploradas por teóricos que vão desde a caverna
de Platão até a exibição dos Lumière em 1895. Como já explicitou Arlindo Machado:
“O mundo de sombras que os prisioneiros contemplam na parede da caverna não é um
mero ‘reflexo’ do mundo de luzes que brilha lá fora; antes, é um mundo à parte,
construído, codificado, forjado pela vontade de seus maquinadores (...) ”199. O que se
percebe com esta afirmação é que existe uma interação entre os “espectadores” que
acompanham as cenas das sombras projetadas na caverna, que as interpretam de acordo
com sua vivência de mundo e o modo como o compreendem, e aqueles que projetam as
sombras na parede, que também o fazem com certa intencionalidade para aqueles que
irão assisti-las.
O processo de participação das imagens animadas não teve como cinema seu
estimulador primeiro. Antes dele, destacam-se aqui os panoramas, muito populares a
partir da segunda metade do século 19, e a lanterna mágica. Nos panoramas, o público
era convidado a participar de simulações de viagens de navio, trem e etc. Mesmo
aqueles que nunca haviam adentrado em um desses meios de transporte, em especial em
um navio para uma viagem luxuosa, podiam desfrutar da experiência por meio da
imagem e seu preço bastante modesto permitia o acesso do público menos abastado
“que incluía camponeses, trabalhadores (...), homens e mulheres da burguesia,
comerciantes e diplomatas” 200. A ação também se traduzia nos divertimentos populares
que traziam emoções táteis, como no caso da montanha-russa. Para Sevcenko, “esse foi
o momento no qual surgiram os parques de diversões e sua mais espetacular atração, a
montanha russa”201
Já lanterna mágica tem uma relação antiga com seu público, relação esta tão
antiga quando o adjetivo – mágica – que caracteriza o meio – lanterna, ou ainda, tão
antiga quanto a necessidade humana de criar imagens para vivê-las em sua realidade.
199
HANSEN, Miriam. Estados Unidos, Paris, Alpes: Kracauer (e Benjamin) sobre o cinema e a
modernidade. In CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, Vanessa R. (orgs.). Op. cit. 2002. Pág. 433.
201
101
Como já exposto anteriormente, não cabe aqui reavaliar toda a relação entre a
humanidade e o fenômeno visual, pois seria necessário voltar pelo menos até Platão. A
relação que importa aqui é a carga trazida pelo indivíduo quando ele se encontra com a
lanterna mágica: sua imaginação ainda está envolta de obscurantismo, de fenômenos
desconhecidos, em última instância, de medos fantasmagóricos de figuras refletidas pela
luz e escondidas pelas sombras. Não adianta presenciar as maravilhas modernas, pois
ainda está enraizado em tradições escuras de tempos passados, muito menos se pode
tentar enobrecer a lanterna mágica atribuindo-lhe um caráter mecanicista, que
teoricamente retiraria o seu caráter mágico.
“[...] atribuir seus truques a processos científicos explicáveis
não os fazia menos impressionantes, pois a ilusão visual ainda
se punha diante do espectador, por mais desmitificada que fosse
pelo conhecimento racional” 202.
Deste modo, o convencimento científico de uma verdade comprovada sem
obstáculos da fantasmagoria não era de fácil penetração. Só era permitida a presença
objetiva da imagem se o espectador lhe imprimisse uma participação subjetiva 203. Não
era toda e qualquer afirmação racional aceita, mesmo porque nem todos os indivíduos
eram capazes de desvendar os ditames científicos ou ainda porque em um universo
mental que possui suas orientações e interpretações próprias do mundo que o cerca, ou
ainda, do mundo que ainda não fora revelado, o convencimento explicável pode não ser
o mais sensato ou o mais agradável. Não fosse assim, o cinema não poderia encontrar
um terreno fértil imaginário onde se apoiar – se os espectadores simplesmente
refutassem suas referencias fantasmagóricas, então o que ocorreria com Méliès? “Tanto
esses truques como esses espetáculos são da mesma família da feitiçaria e do ocultismo.
(...)[e] A participação é a fonte permanente do imaginário”, já escrevia Edgar Morin 204.
As ideias que acompanham o público de cinema, quando encontram em um filme sua
identificação, permitem-no abraçar sua alma – o instante –, permitem o seu sentido fora
202
102
do racional. Como se permitir ver profundidade em um cenário pintado de Méliès se o
espectador são se permitisse ligar, misturar, fato e símbolo? “[o espectador] é alguém
que usa de suas faculdades mentais para participar ativamente do jogo” 205. E é devido a
essas faculdades mentais de identificação que alguns filmes são inteligíveis para
determinado público, enquanto para outro ele permanece uma incógnita – o filme
também é um produto social.
Porém, a participação recebe um estímulo da montagem, dos atores e do meio,
que desempenham sua função de chamar a atenção do espectador para o filme e para o
que desejam que seja visto dentro do filme, mobilizando o máximo possível a
imaginação e a sensibilidade de seu público. Uma das imagens do cinema sobre o teatro
consiste em sua capacidade de direcionamento. No teatro, o ponto de vista varia de
acordo com o local onde se está sentado, com a intenção do próprio olhar, capaz de
percorrer toda a cena e todos os atores – enquanto um deles fala pode-se olhar para o
outro que ouve, ou ainda para a cortina, ou para algum detalhe perdido do cenário. No
cinema, esta liberdade não é dada. Não há, visualmente, pontos de vistas diferentes e a
câmera é capaz de mostrar um detalhe que não seria percebido a olho nu ou em um
momento de distração, quando se compara a um espetáculo teatral por exemplo. “(...)
junto-me ao olhar do cineasta (...) mas meu consciente não o sabe lá muito bem”206. A
principal consideração a ser feita quanto às funções do enquadramento e da câmera é
que, no primeiro cinema, são reveladas suas causas e efeitos, enquanto no período de
transição e no cinema clássico vêem-se os efeitos, mas a transformação não é percebida:
o continuum da edição fragmentada permite uma visão global dos eventos.
O primeiro plano em Grandma’s reading glass não permite outra visão senão
aquela mostrada através da lente: o olho da avó, o pássaro, o gato e etc. O mesmo ocorre
com o primeiro plano em The girl and her trust, desta vez com a função narrativa, de
mostrar a tesoura sendo colocada na fechadura para detonar a munição que lá estava.
“As ideias, os sentimentos e os impulsos agrupam-se em torno do objeto privilegiado”
207
. Estes objetos recebem uma alma e “obrigam-nos a amá-los”208. É importante uma
205
103
breve observação sobre a caracterização dos objetos: eles devem conter sua objetividade
intrínseca – uma tesoura deve ser uma tesoura – apenas seu uso, sua relevância e a
atribuição de sua alma são permitidos, ou seja, “(...) o cinema pode e deve deformar
nossa maneira de ver as coisas, não as próprias coisas”.209
Não era possível, enquanto a garota colocava seu plano em ação, observar o que
faziam os ladrões, a não ser quando havia o corte para o contracampo, mas isto
independe da vontade do público, “obriga o meu olhar a acabar por momentos com a
divagação livre pelo écran e a atravessá-lo segundo linhas de força mais precisas que me
210
são impostas” . Os atores também cumprem sua função, ou ao menos tentam fazê-lo
de acordo com os recursos que possuem. Fisicamente, não há som. Ouvem-se as
reclamações de Orloff quando cumpre sua pena, e o grito de Grace, a bagunça em Le
tripot clandistin, mas o mérito é menos nosso do que deles. A câmera afastada dos
primeiros tempos deixou ainda alguns legados para o período posterior: a gesticulação,
a expressão exagerada e a interpelação; o contato direto era uma maneira de assegurar a
atenção do público.
Mas o cinema possui o trunfo de se ambientar em um espaço semelhante ao
espaço do sono e do sonho, é o trunfo onírico. Para Ehrenburg&Powdermaker, “(...)
Vou ao cinema como quem se entrega ao sono”211. Ambos tem como pré-requisito a
escuridão e a fuga da realidade e a capacidade de romper a noção espaço-temporal.
Contudo, sua diferença se baseia na crença de quem presencia o sonho e o filme: o
sonho torna o sonhador impotente, ele crê a realidade do sonho como verdadeira;
enquanto a realidade fílmica, embora imutável, é acreditada fictícia – o espectador está
protegido. Ir ao cinema significa refugiar-se, mesmo quando se busca esclarecimento
para um problema atual do mundo. Quando o cinema passa a se regular em salas de
exibições adaptadas e construídas para seu uso exclusivo, este esclarecimento é rodeado
208
104
de cadeiras e de uma atmosfera escura e estranha, dadas as pessoas desconhecidas que
compartilham desta experiência e porque, como dito anteriormente, só se assiste ao
filme uma vez e a sala de cinema também é única toda vez que esta única vez da
exibição ocorre.
O que elucida o assistir ao filme são apenas dois mecanismos: o do projetor atrás
da cabeça do espectador e da projeção à sua frente. Uma vez na penumbra, as poltronas
somem, os desconhecidos somem e só restam os dois mecanismos que simulam nossos
olhos em dois momentos diferentes: o momento em que capturam uma imagem e o
momento em que lhe significam. É a relação entre os olhos e o mundo externo e os
olhos e a mente física, entre a íris e as sinapses cerebrais. O mundo externo real é
engolido pelo mundo externo imagético que se faz presente na tela e isola o indivíduo
das percepções externas reais, na definição de Hugo Mauerhofer, é a “situação
cinema”212. Mas, o filme é um espetáculo que também é coletivo, embora a imagem do
espectador ao lado esteja praticamente perdida. Esclarece Morin que “estar, ao mesmo
tempo, isolado e em grupo: duas condições contraditórias e complementares, favoráveis
à sugestão.” 213
O isolamento quase total do exterior real se aliou à imaginação, uma vez que a
carência de visão e audição externas propicia a criação de situações hipotéticas e
imaginárias. O que se vê, ou melhor, o que se pensa ter visto, é mais um registro do
subjetivo do que de uma imagem objetiva. Para Morin, “(...) no encontro alucinatório da
máxima subjetividade com a máxima objetividade (...) encontra-se o duplo214, imagem-
espectro do homem que pode lhe revelar uma perspectiva para além do negativo do
filme que captou e materializou a ausência do objeto de um mundo exterior que também
poderia ser, para o indivíduo, negativo. O refúgio buscado no cinema contra o tédio ou
contra qualquer fator da realidade externa se aloja neste rompimento de barreira entre o
objetivo e o subjetivo, acalentando quem o procura, pois
212
105
“O filme na tela vem de encontro tanto ao tédio incipiente como
à imaginação exaltada, servindo de alívio para o espectador,
que adentra uma realidade diferente, a do filme. (...) [o cinema]
Alivia o fardo da vida cotidiana e serve de alimento à nossa
imaginação empobrecida” 215.
215
106
Considerações Finais
216
GUNNING, Tom. D.W. Griffith and the origins of American narrative film: the early years
at Biograph. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1994.
217
METZ, Christian. The imaginary signifier: psychoanalysis and the cinema. Bloomington:
Indiana University Press, 1992. Pág. 7. In GUNNING. Op. cit. 1994. Pág. 12.
107
Para que a análise fosse realizada de forma mais rigorosa, o período estudado foi
subdividido entre primeiro cinema ou cinema de atrações (1895-1906) e período de
transição (1906-1915). No primeiro período, verificou-se que os filmes possuíam uma
linguagem próxima às atrações do vaudevile, com suas bases populares. Neste contexto,
o enquadramento dos filmes geralmente era frontal, os personagens em cena
costumavam ocupar todo o espaço cênico ou então permaneciam no centro do quadro e
os filmes tinham uma duração curta. A movimentação de câmera também não era
utilizada largamente, assim como a alternância entre diferentes de planos. Sobre
recursos empregados predominava a preocupação em mostrar as imagens filmadas,
fossem elas encenações ou cenas cotidianas; construir uma narrativa linear, uma história
com começo, meio e fim, não era o objetivo principal durante o primeiro cinema. Os
personagens eram interpretados por atores amadores, mágicos e pessoas de fora do meio
artístico, como amigos e parentes. A atuação era afetada com gestos exagerados e a
distância da câmera não permitia um reconhecimento imediato dos atores.
No primeiro cinema, percebeu-se que os filmes refletiam uma ordenação mental
que não estava totalmente integrada à modernidade. No chamado “quadro confuso”,
onde ocorriam diversas ações ao mesmo tempo, sem que o olhar do espectador fosse
direcionado, as cenas eram inteligíveis para os primeiros espectadores do cinema, que
estavam acostumados às canções populares, à fragmentação dos espetáculos de
vaudevile e às vistas da cidade. Os espectadores vislumbravam as grandes
transformações como a velocidade e a eletricidade, mas ainda com espanto. Os locais
de exibição eram improvisados e os filmes misturavam-se às outras atrações teatrais,
não sendo a atração principal. O cinema não era, portanto, domesticado e disciplinado,
ou seja, não possuía duas características importantes da modernidade. Mesmo a
indústria cinematográfica não se encontrava nestes moldes organizacionais capitalistas
daquele tempo. Persistia, no primeiro cinema, um modelo de colaboração entre
produtores e exibidores de filmes. Muitos filmes eram copiados e os autores não
recebiam os royalties correspondentes. Os empreendedores do primeiro cinema estavam
interessados no lucro, mas também em explorar tecnicamente a nova máquina da
modernidade: daí também participarem deste processo amadores da tecnologia e do
ilusionismo.
108
Durante o período de transição (1906-1915), a indústria cinematográfica procura
se adequar ao molde capitalista. Empreendedores como Thomas Alva Edison buscam
controlar os meios de produção e exibição dos filmes, eliminando antes os pequenos
concorrentes e, posteriormente, os grandes. Neste processo, formou-se em 1908 a
Motion Picture Patents Company, um truste organizado pela Cia Edison que passou a
controlar a indústria cinematográfica. Primeiro, veio a cobrança de royalties sobre o uso
dos equipamentos de filmagem; segundo, a cobrança pela exibição dos filmes alugados
e que antes eram comprados pelos exibidores e, finalmente, através de violentas
disputas pelas patentes de filmes e equipamentos contra as outras empresas. Quem fazia
frente à MPPC eram, principalmente, os assim chamados “independentes”, que ou se
recusaram a integrar o grupo de Edison, ou foram excluídos por ele. Os independentes
tiveram a oportunidade de combater o truste porque ele selecionava os locais de
exibição em que seus filmes seriam exibidos. Muitas salas dependiam apenas dos filmes
dos independentes para se sustentarem e eles faziam relativo sucesso, pois enquanto os
filmes da MPPC possuíam regras rigorosas a serem seguidas quanto à duração e
composição da história a ser rodada, os independentes possuíam maior liberdade de
criação.
A criação da MPPC e dos independentes intensificou o processo de exploração
da linguagem fílmica em uma direção mais próxima à narração. Surgiram tentativas de
contar histórias mais complexas que fugissem ao repertório popular, e exploravam-se
mais recursos de câmera, de movimentação em espaço cênico, de planos e efeitos
especiais. Muitos destes recursos já existam no primeiro cinema, mas no período de
transição sua utilização foi alterada na medida em que a intenção dos produtores não era
apenas mostrar as imagens. As histórias se tornaram mais complexas, baseavam-se
ainda em contos populares, mas, sobretudo, em narrativas literárias. A mudança na
linguagem fílmica trouxe, e também foi influenciada, pela expectativa de atrair um novo
público às salas de cinema, público este capaz de fornecer um suporte financeiro mais
sólido para a indústria cinematográfica. O “quadro confuso” não se mostrava mais
satisfatório porque o público que agora se desejava atrair estava mais acostumado a um
tipo de narração semelhante ao da literatura, já não o aceitava mais. Em suma, esperava-
se do cinema a construção de histórias que pudessem ser compreendidas por todos.
A transformação do cinema em espetáculo, em atração principal, também
acarretou mudança nos próprios locais de exibição. Dos vaudeviles, o cinema passou a
ser exibido nos nickelodeons, locais especializados unicamente na exibição dos filmes.
109
Com a atração de novos espectadores e o aumento na duração dos filmes, construíram-
se locais mais amplos e confortáveis para acomodação dos espectadores. Autoridades
oficiais, representantes das prefeituras e membros de igrejas fiscalizavam as salas de
exibição e também os conteúdos dos filmes. As gags, os pastelões e os conteúdos
considerados pornográficos ou imorais eram relegados a um circuito próprio de
exibição. A pressão era para que houvesse histórias com um final redentor capaz de
expressar um valor moral para que as assistisse. Os valores americanos eram os mais
exigidos dos produtores, uma vez que os Estados Unidos deparava-se com a chegada
massiva de imigrantes, e considerava o cinema como uma forma de americanizá-los. Os
produtores, por sua vez, utilizavam-se deste pretexto para excluir indústrias estrangeiras
da concorrência, como vimos que ocorreu com a Pathé Frères.
Os principal concorrentes da MPPC eram os produtores de filmes estrangeiros
que traziam histórias mais complexas e de duração mais longa, além do emprego de
recursos de câmera, iluminação e direção que estava contido nestes filmes, tornado-os
mais inteligíveis. A Motion Picture Patents Company, assim como os independentes,
trabalhou para construírem histórias que pudessem concorrer com os estrangeiros. Suas
tentativas, no período de transição, encontraram-se muitas vezes com falhas na
montagem dos planos, nas elipses temporais e descontinuidades; o processo não foi
homogêneo ou linear. Em meio a estas transformações na linguagem fílmica, tornou-se
conveniente também atribuir funções específicas para os profissionais do ramo, como se
operassem em uma linha de produção. Os atores não teriam mais que cuidar de seus
figurinos, o diretor ficaria incumbido de instruir os atores em cena, auxiliado pelo
câmera e pelo diretor de fotografia, por exemplo. Esta nova caracterização incluiu o
cinema na linha de montagem que caracterizaria a indústria norte-americana no início
do século 20. A MPPC teve um tempo de vida de cinco anos, quando por lei fora
considerada em 1913 ilegal, pois impedia a livre concorrência. A esta altura, os filmes
já adotavam novas tendências linguísticas, principalmente devido à influência das
produções europeias, até obterem considerável sucesso no ano de 1914 e 1915 nos
Estados Unidos.
A linguagem clássica, tal como a convencionou o cinema hollywoodiano,
encontrava nestas tentativas de narração e linearização do período de transição suas
bases. Em 1914, esta linguagem já estava praticamente consolidada. O cinema, em
termos narrativos, linguísticos e industriais, alcançara seu tempo, entrara na belle
époque, na modernidade. Ironicamente, o ponto de chegada da produção
110
cinematográfica às exigências de seu tempo ocorreu no mesmo momento em que a
modernidade encontrava um novo ponto de partida que traria uma série de
questionamentos de seus paradigmas estabelecidos: o início na Primeira Guerra
Mundial. A partir de então, percebeu-se que o cinema deveria se encontrar novamente
com a história da mudança e dos desafios humanos e retribuir este encontro com
propostas que só uma máquina capaz de propagar sua obra em dimensões imagéticas
nunca vistas até então poderia fazer.
111
Referências
Bibliografia
ALLEN, H.C. História dos Estados Unidos da América. Rio de Janeiro: Forense, 1968.
__________. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e política. Volume 1. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
BENTES, Ivana (org.). Ecos do cinema. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 2007.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
BRESCIANI, Maria Stella Martins. Metrópoles: as faces do monstro urbano (as cidades
no século XIX). Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPUH/Editora Marco Zero,
1984/85. Volume 5.
BREWSTER, Ben & JACOBS, Lea. Theatre to cinema: stage pictorialism and the early
feature film. Oxford: Oxford University Press, 2003.
112
CAPELATO, Maria Helena; MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos &
SAHBA, Elias Thomé (orgs.). História e cinema: dimensões históricas do audiovisual.
São Paulo: Alameda, 2011.
DEUTELBAUM, Marshall (org.). “Image” on the art and evolution of the film:
photographs and articles from the magazine of the International Museum of Photography.
Nova York: Dover Publications, 1977.
ELSAESSER, Thomas & BARKER, Adam (orgs.). Early cinema: space, frame,
narrative. Londres: British Film Institut Publishing, 1990.
GAUDREAULT, André (ed.). American cinema, 1890-1909: themes and variations. New
Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press, 2009.
__________. From Plato to Lumière: narration and monstration in literature and cinema.
Toronto: University of Toronto Press, 2009.
GERSTLE, Gary. American crucible: race and nation in the twentieth century. Princeton:
Princeton University Press, 2001.
113
GRIEVESON, Lee & KRÄMER, Peter (orgs.): The silent cinema reader. Londres:
Routledge, 2004.
GUNNING, Tom. D.W. Griffith and the origins of American narrative film: the early
years at Biograph. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1994.
HIGHAM, John. Strangers in the land: patter of American nativism. New Brunswick:
Rutgers University Press, 1955.
HOBSBAWM, Eric J. A era das revoluções (1789-1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2007.
__________. A era do capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
__________. A era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
HOLMAN, Roger (org.). Cinema 1900 – 1906: An analytical study by the National Film
Archive (London) and The International Federation of Film Archives (FIAF), 2 volumes,
Bruxelas, Bélgica; FIAF, 1982. [Volume 1: Brighton Symposium, 1978; Volume 2:
Analytical Filmography (Fiction Films), 1900-1906, editado por André Gaudreaul]
JACOBS, Lewis. The rise of american film: a critical history with an essay experimental
cinema in America – 1921-1947. Nova York: Teacher Colleges Press. 5ª edição, 1975.
KARNAL, Leandro [et alii]. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI.
São Paulo: Contexto, 2008.
KEIL, Charlie. Early American cinema in transition: story, style and filmmaking, 1907-
1913. Winscosin: The Universtity of Winscosin Press, 2001
KRACAUER, Siegfried. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema
alemão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
LE GOFF, Pierre & NORA, Pierre (orgs.). História: novos objetos. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1976.
114
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas&pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.
MAYNE, Judith. The woman at the keyhole: feminism and women’s cinema.
Bloomington e Indianópolis: Indiana University Press, 1990.
ROSENBERG, Bernard. Cultura de Massa: as Artes Populares. São Paulo: Cultri, 1975.
SALGUEIRO, Heliana (org.). Cidades e capitais do século XIX. São Paulo: Edusp, 2001.
SKLAR, Robert. História social do cinema americano. São Paulo: Cultrix, 1975.
115
VELHO, Otávio (org.) O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
Sites
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department
of Commerce: Bureau of the Census. Twentieth Census of the United States taken in the
year 1900: Population General Report and Analysis. V.1, 1900. Disponível em
<www2.census.gov/prod2/decennial/documents/33405927v1ch01.pdf>
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Department of Commerce: Bureau of the Census.
Thirteenth census of the United States taken in the year 1910: Population General Report
and Analysis. V.1, 1913. Disponível em:
<http://www.census.gov/prod/www/abs/decennial/1910.html>.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA: Library of Congress:
<http://www.loc.gov/index.html>.
Periódicos
The New York Daily Tribune: (1905-1909)
The Washington Herald (Washington D.C.): (1905-1909)
Filmografia
The movies begin: a treasury of early cinema (1894-1914). 1994. DVDs Volumes 1 a 5
(414 min), P&B. Nova York: Kino International corp.
116
Selected Biograph short films: 1912-1913. 1994. 1 VHS (118 min.), Colorido. Nova
York: Kino International corp, 1994.
1. Período entre 1894-1906
GENROY brothers: comic boxing. Edison Co, 1894. 20s. P&B. Estados Unidos.
THE COUNTRYMAN and the cinematograph. R.W. Paul, 1901. 28s. P&B. Inglaterra.
SKYCRAPERS of New York: city from North River. Edison Co, 1903. 6 min. P&B.
Estados Unidos.
THE GEORGTOWN loop: Colorado. Edison Co., 1903. 3 min. P&B. Estados Unidos.
LE TRIPOT clandistin. Méliès. Star Film, 1906. 3 min. P&B. França/Estados Unidos.
THE GIRL and her trust. D.W. Griffith. Biograph, 1912. 15 min. Estados Unidos.
MAKING an American citizen. Solax Film. Co. 1912. 15 min. Estados Unidos.
117
2) 6) Ação no
1) Gravações 4) Mágica e 5) Olhar para a 10)
Enquadramento 3) Planos centro do 7) Simetria 8) Encenação 9) Atualidades
em estúdio Vaudeville câmera Interpelação
Frontal quadro
The
countryman
Sandow Sandow Serpentine
Sandow (1894) Sandow (1894) 3.1 Plano geral Sandow (1894) Sandow (1894) Sandow (1894) and the
(1894) (1894) dances (1896)
cinematograph
(1901)
Genroy The
Genroy Genroy Genroy Skycrapers of
Genroy Genroy Serpentine Grandma's brothers: countryman
brothers: brothers: brothers: New York: city
brothers: comic brothers:comic dances reading glass comic and the
comic boxing comic boxing comic boxing from North
boxing (1894) boxing (1894) (1896) (1900) boxing cinematograph
(1894) (1894) (1894) River (1903)
(1894) (1901)
The
The
Le tripot countryman Serpentine Tchin-chao: le
Serpentine Serpentine Serpentine L'arroseur Serpentine Georgtown
clandistin and the dances thaumaturge
dances (1896) dances (1896) dances (1896) arrose (1895) dances (1896) loop: Colorado
(1906) cinematograph (1896) chinois (1906)
(1903)
(1901)
Tchin-chao: The
Grandma's le Le tripot countryman
L'arrosseur Baignade en Baignade en Baignade en
reading glass thaumaturge clandistin and the
arrose (1895) mer (1895) mer (1895) mer (1895)
(1900) chinois (1906) cinematograph
(1906) (1901)
The
countryman Grandma's Tchin-chao: le L'arroseur Le tripot
L'arroseur L'arroseur
and the reading glass thaumaturge arrose clandistin
arrose (1895) arrose (1895)
cinematograph (1900) chinois (1906) (1895) (1906)
(1901)
The The
Le tripot countryman countryman Grandma's Tchin-chao: le Grandma's
clandistin and the and the reading thaumaturge reading glass
(1906) cinematograph cinematograph glass (1900) chinois (1906) (1900)
(1901) (1901)
118
The
Skycrapers of Skycrapers of
Tchin-chao: le Le tripot countryman
New York: city New York: city Baignade en
thaumaturge clandistin and the
from North from North mer (1895)
chinois (1906) (1906) cinematograph
River (1903) River (1903)
(1901)
Tchin-chao:
Le tripot Le tripot le The Georgtown
clandistin clandistin thaumaturge loop: Colorado
(1906) (1906) chinois (1903)
(1906)
The Georgtown Tchin-chao: le Le tripot
loop: Colorado thaumaturge clandistin
(1903) chinois (1906) (1906)
Tchin-chao: le Tchin-chao: le
3.2 Plano
thaumaturge thaumaturge
Americano
chinois (1906) chinois (1906)
Sandow (1894)
Grandma's
reading glass
(1900)
119
Genroy
Tchin-chao: le Tchin-chao: le
L'arroseur Serpentine brothers: Le tripot
b) Cores thaumaturge 17) Close-up thaumaturge
Arrose (1895) Dances (1896) comic boxing clandistin (1906)
chinois (1906) chinois (1906)
(1894)
The
Countryman Grandma's Tchin-chao: le
Serpentine Baignade en mer 22) Cenário Serpentine
and the reading glass thaumaturge
Dances (1896) (1895) vivo dances (1896)
Cinematograph (1900) chinois (1906)
(1901)
The
Le tripot Grandma's countryman Grandma's
15) Gravações 27) Figurino
clandistin Reading Glass and the reading glass
externas elaborado
(1906) (1900) cinematograph (1900)
(1901)
The The
Tchin-chao: le Countryman and Le tripot countryman
Baignade en
thaumaturge the 18) Subjetiva clandistin and the Sandow (1894)
mer (1895)
chinois (1906) Cinematograph (1906) cinematograph
(1901) (1901)
Skycrapers of Genroy
Grandma's Tchin-chao: le Le tripot
New York: City L'arroseur brothers:
reading glass thaumaturge clandistin
from North arrose (1895) comic boxing
(1900) chinois (1906) (1906)
River (1903) (1894)
Skycrapers of
The Georgtown New York: The Georgtown
b) Serpentine
Loop: Colorado city from loop: Colorado
Tridimensional dances (1896)
(1903) North River (1903)
(1903)
The The
Georgtown countryman
23) Atividades Baignade en
loop: and the
ilegais mer (1895)
Colorado cinematograph
(1903) (1901)
Le tripot Le tripot
L'arroseur
19) Panorâmica clandistin clandistin
arrose (1895)
(1906) (1906)
120
Skycrapers of
Grandma's Tchin-chao: le
New York: city
reading glass thaumaturge
from North
(1900) chinois (1906)
River (1903)
The Georgtown
24) Autoridade
loop: Colorado
debochada
(1903)
Le tripot Tchin-chao: le
20) Travelling clandistin thaumaturge
(1906) chinois (1906)
Skycrapers of
New York: city
from North
River (1903)
The Georgtown
loop: Colorado
(1903)
121
Anexo 2: Tabela de características do período de transição
119
Ocorre com e sem interpelação Ocorre e com interpelação ao
8) Olhar para a câmera
do espectador. espectador
Modernidade representada
pela Estátua da liberdade, pela Modernidade representada
16) Símbolos da
multidão na chegada ao porto, pela ferrovia, pelo trem e pelo
modernidade
pelas roupas utilizadas pelos telégrafo.
personagens americanos.
Existe quando há um
Frequentemente utilizado para
confronto entre personagens
17) Campo/contracampo dinamicizar a perseguição e
que realizam atividades em
criar suspense.
espaços diferentes e interagem.
Ocorre frequentemente, tanto
em entradas e saídas de Ocorre poucas vezes em
18) Quebra de eixo
quadros quanto em troca de entradas e saídas de quadros.
olhares.
120
Existe em apenas uma cena, Ocorre e é fundamental para
quando Ivan agride a mulher e criar o clímax que culmina na
19) Montagem paralela
ela é socorrida por dois salvação de Grace pelo
indivíduos. mocinho.
Ocorre quando um indivíduo
20) Encavalamento espaço- entra na casa de Ivan. A cena é
Não ocorre
temporal mostrada duas vezes de dois
pontos de vistas distintos.
121
Anexo 3: Imagens dos filmes do primeiro cinema e do cinema de transição
Sandow (EUA. Edison Co. 1894) Genroy brothers: comic boxing (EUA. Edison Co.1894)
Serpentine dances (EUA. Edison Co. 1896) Baignade en mer (França. Lumière. 1895)
122
L’Arroseur arose (França. Lumière. 1895) Grandma’s reading glass (Inglaterra. G.A. Smith. 1900)
The Countryman and the Cinematograph Skycrapers of New York: city from North River (EUA. Edison Co. 1903)
123
The Georgtown Loop: Colorado (EUA. Edison Co. 1903)
124
Tchin-Chao: le thaumaturge chinois (França/EUA. Méliès/Star Film. 1906)
125
The girl and her trust (EUA. D.W. Griffith. Biograph. 1912)
126
127
128
Making an American citizen (EUA. Solax Film Co. 1912)
129
130
131