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ARTIGO ARTICLE
Cuidados paliativos: a comunicação como estratégia de cuidado
para o paciente em fase terminal

Palliative care:
communication as a strategy of care for the terminal patient

Cristiani Garrido de Andrade 1


Solange Fátima Geraldo da Costa 1
Maria Emília Limeira Lopes 1

Abstract Palliative care involves an approach in Resumo Os cuidados paliativos compreendem


the field of care for terminal patients and their uma abordagem de assistência ao paciente sem
families that seeks to assure them better quality of possibilidades de cura e sua família, com o objeti-
life by establishing good communication. The scope vo de proporcionar-lhes uma melhor qualidade
of this study was to verify how nurses use commu- de vida, a partir, essencialmente, de uma boa co-
nication in the field of palliative care when assist- municação, sobretudo no campo do cuidado ao
ing patients in the terminal phase. This is explor- paciente terminal. O estudo teve como objetivo
atory research of a qualitative nature in which 28 averiguar como enfermeiros utilizam a comuni-
nurses working in wards of a hospital in the city of cação, no âmbito dos cuidados paliativos, ao as-
Joao Pessoa in the State of Paraíba participated in sistir o paciente em fase terminal. Trata-se de uma
the period from August to October 2012. A form pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, na
was used for data collection that was then ana- qual participaram 28 enfermeiros atuantes em
lyzed using the content analysis technique. Three unidades de internação de um hospital da cidade
categories emerged from the analysis of the mate- de João Pessoa (PB), no período de agosto a outu-
rial: “palliative care and communication – inter- bro de 2012. Para a coleta dos dados utilizou-se
personal relationship between the nurse and the um formulário. Os dados foram analisados medi-
terminal patient”; “communication in palliative ante a técnica de análise de conteúdo. Da análise
care as a strategy for strengthening the bond be- do material, emergiram três categorias: “cuida-
tween the nurse and the terminal patient”; and dos paliativos e comunicação – relação interpes-
“the importance of communication between the soal do enfermeiro com o paciente terminal”; “co-
nurse and the family of the terminal patient un- municação em cuidados paliativos como estraté-
der palliative care.” The conclusion reached was gia para fortalecimento do vínculo entre enfer-
that communication is seen to be an effective ele- meiro e paciente terminal”; e “importância da
ment of care for the patient in the terminal phase comunicação entre enfermeiro e família do pacien-
1
Departamento de and it is extremely important for the promotion of te terminal sob cuidados paliativos.” Conclui-se
Enfermagem, Centro de
palliative care. que a comunicação se configura como um ele-
Ciências da Saúde, Campus
I, Universidade Federal da Key words Communication, Palliative care, mento eficaz do cuidado com o paciente em fase
Paraíba. Cidade Nursing terminal e é de suma importância para a promo-
Universitária - Campus I,
Castelo Branco. 58.059-900
ção dos cuidados paliativos.
João Pessoa PB. Palavras-chave Comunicação, Cuidados palia-
cristiani_garrido@hotmail.com tivos, Enfermagem
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Andrade CG et al.

Introdução contempla a escuta atenta, o olhar e a postura,


porquanto o emprego eficaz desse recurso é uma
A filosofia dos cuidados paliativos iniciou-se na medida terapêutica comprovadamente eficiente
Inglaterra, em 1967, a partir da iniciativa de Cice- para pacientes que dele necessitam, sobretudo os
ly Mary Strode Saunders (assistente social, enfer- que se apresentam em fase terminal6.
meira e médica) que disseminou essa nova ma- Nessa perspectiva, a comunicação adequada
neira de cuidar aos pacientes que vivenciavam a é considerada um método fundamental para o
terminalidade e a proximidade com a morte1. Tais cuidado integral e humanizado porque, por meio
cuidados visam a compreender todas as necessi- dela, é possível reconhecer e acolher, empatica-
dades do paciente (dentro dos limites possíveis), mente, as necessidades do paciente, bem como
contemplando-o como um ser integral2. de seus familiares. Quando o enfermeiro utiliza
É notório destacar que o vocábulo paliativo esse recurso de forma verbal e não verbal, per-
deriva do latim pallium, que significa manto. Tal mite que o paciente possa participar nas decisões
terminologia denota a ideia principal dessa filo- e cuidados específicos relacionados com a sua
sofia: de proteger, amparar, cobrir, abrigar, quan- doença e, dessa forma, obtenha um tratamento
do a cura de determinada doença não é mais digno5.
possível. Além disso, no latim, pallium são vesti- Trata-se, pois, de um aspecto fundamental
mentas usadas pelo Papa, portanto, há uma for- para intermediar as relações humanas, promo-
te ligação desse termo histórico com o sagrado e ver a sustentabilidade e a consolidação da auto-
com a espiritualidade1,3. nomia, diante das perspectivas individuais, e tra-
Dessa forma, os cuidados paliativos consti- duz-se como um elemento diagnóstico e tera-
tuem um campo interdisciplinar de cuidados to- pêutico, capaz de identificar demandas assisten-
tais, ativos e integrais, destinados a melhorar a ciais e acolher terapeuticamente, proporcionan-
qualidade de vida do paciente sem possibilidades do fortes vínculos dos enfermeiros com os
de cura e dos seus familiares, por meio de avali- pacientes na finitude de vida e com sua família7.
ação correta e de tratamento adequados para o Diante do exposto, considerando a relevân-
alívio da dor e dos sintomas decorrentes da fase cia da temática na área e o quantitativo ínfimo de
avançada de uma doença, além de proporcionar estudos acerca dos cuidados paliativos e da co-
suporte psicossocial e espiritual, em todos os es- municação em relação ao cuidado com o pacien-
tágios, desde o diagnóstico de uma doença incu- te terminal na literatura nacional, emergiu o in-
rável até o período de luto da família4. teresse em desenvolver este estudo que teve como
Assim sendo, é inegável a valorização dos cui- fio condutor o seguinte questionamento, tam-
dados paliativos direcionados ao paciente na ter- bém seu objetivo: como enfermeiros utilizam a
minalidade de vida, bem como de diversas estra- comunicação, no âmbito dos cuidados paliati-
tégias de cuidar utilizadas nesta modalidade, den- vos, ao assistir o paciente em fase terminal?
tre as quais destaca-se a comunicação.
A comunicação é intrínseca ao comportamen-
to humano e permeia todas as suas ações no de- Métodos
sempenho de suas funções. Etimologicamente, a
palavra comunicar origina-se do latim commu- Trata-se de uma pesquisa exploratória, de natu-
nicare, que significa pôr em comum. Assim, a reza qualitativa. O cenário da investigação fo-
comunicação pode ser compreendida como uma ram as unidades de internação de um hospital
técnica de trocas e de compreensão de mensa- público, localizado na cidade de João Pessoa (PB),
gens, emitidas e recebidas, mediante as quais as considerado como de referência nesse Estado.
pessoas se percebem e partilham o significado de Os participantes da pesquisa foram 28 enfer-
ideias, pensamentos e propósitos3. meiros assistenciais da instituição selecionada para
No âmbito da Enfermagem, a comunicação o estudo, que prestam cuidados direcionados ao
representa uma estratégia de suma relevância para paciente em fase terminal, selecionados mediante
a prática dos cuidados paliativos. E quando sub- os seguintes critérios: que o profissional atuasse
sidiada por uma relação de atitude, cooperação, há pelo menos um ano na referida unidade, esti-
sentimento e sensibilidade, este instrumento é um vesse em atividade profissional durante o perío-
importante impulsionador da relação entre o do de coleta de dados e tivesse disponibilidade e
enfermeiro e o paciente em fase terminal5. interesse para participar da pesquisa, confirman-
Vale salientar que a comunicação vai muito do sua concordância com a assinatura do Termo
além das palavras e do conteúdo, uma vez que de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de
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dados ocorreu durante o período de agosto a Resultados e Discussão
outubro de 2012 e somente foi iniciada após a
aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Neste estudo foram contempladas três categori-
Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lau- as temáticas cujo conteúdo desvela como os en-
ro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba fermeiros utilizam a comunicação para humani-
(HULW/UFPB). Dessa forma, ressalte-se que o zar o cuidar em enfermagem para o paciente em
estudo foi realizado considerando-se as obser- fase terminal e sua família, com ênfase na valori-
vâncias éticas contempladas na Resolução 196/ zação da comunicação verbal e não verbal, pau-
968 do Conselho Nacional de Saúde, no que con- tadas nos cuidados paliativos.
cerne às normas e às diretrizes regulamentadoras
da pesquisa com seres humanos. Cuidados paliativos e comunicação:
Para a obtenção do material empírico, foi uti- relação interpessoal do enfermeiro
lizado um formulário com questões pertinentes com o paciente terminal
ao objetivo proposto: Qual a importância da
comunicação na prática dos cuidados paliativos No que diz respeito a essa categoria, os parti-
no que concerne à assistência de enfermagem di- cipantes resgatam a importância da relação hu-
recionada ao paciente em fase terminal? Como mana, mostrando que a comunicação com o
você utiliza a comunicação na prática dos cuida- paciente que vivencia o processo de terminalida-
dos paliativos para assistir o paciente em fase de é considerada o alicerce para um bom relacio-
terminal? Convém mencionar que, para manter namento interpessoal, como mostram estes dis-
o anonimato dos enfermeiros inseridos no estu- cursos:
do, os depoimentos oriundos do referido for- A comunicação é uma ferramenta extrema-
mulário foram identificados pela sigla “Enf.”, se- mente relevante no processo de cuidar, principal-
guido de números de um a vinte e oito. Exemplo: mente quando se trata de paciente terminal, no
o primeiro enfermeiro entrevistado foi codifica- sentido de fortalecer o vínculo entre paciente/pro-
do da seguinte maneira: “Enf.1”; o segundo pro- fissional, estimular o paciente a verbalizar ansei-
fissional, “Enf.2” e assim por diante. os, preocupações e dúvidas acerca da situação clí-
Os dados obtidos através dos instrumentos nica, dar oportunidade ao paciente/familiar de
propostos foram analisados qualitativamente, verbalizar preferências no atendimento e ajudá-
mediante a análise de conteúdo proposta por los na tomada de decisões. (Enf.3)
Bardin9, definida como conjunto de técnicas de [...] a comunicação traz tranquilidade e con-
análise das comunicações visando obter, por pro- fiança com a equipe que o está acompanhando,
cedimentos sistemáticos e objetivos de descrição fazendo com que o paciente se sinta a vontade em
do conteúdo das mensagens, indicadores que falar e expressar suas angústias, medos e ansieda-
permitam a inferência de conhecimentos relati- des, ajudando no fortalecimento do vínculo. (Enf.8)
vos às condições de produção/recepção destas A comunicação é um elemento essencial na re-
mensagens. lação humana, através dela podemos detectar pro-
Esta seguiu as seguintes etapas: pré-análise, blemas, facilitar o alívio dos sintomas, estimular e
que consistiu em organizar os dados coletados melhorar a autoestima do paciente, conhecer va-
por meio dos formulários; exploração do mate- lores, favorecer o bem-estar e detectar as necessi-
rial, identificando-se os pontos relevantes de cada dades dos pacientes. (Enf.17)
questão, com seus respectivos pontos convergen- Mesmo que não seja um paciente que verbali-
tes de acordo com o seu foco comum para, de- za, é importante proporcionar confiança, fazer com
pois, agrupá-los em categorias e tratar os resul- que ele saiba que tem um profissional que demons-
tados, momento em que foram abordadas as tra atenção, afeto e compromisso com o doente.
inferências e as interpretações9. (Enf.23)
Da análise, emergiram as seguintes categori- O paciente só permite ser cuidado quando ele
as: “Cuidados paliativos e comunicação – rela- sente segurança no profissional que está lhe assis-
ção interpessoal do enfermeiro com o paciente tindo, e essa segurança só se dar através da comu-
terminal”; “Comunicação em cuidados paliati- nicação, conversando com ele. (Enf.20)
vos como estratégia para fortalecimento do vín- Diante dos trechos dos depoimentos supra-
culo entre enfermeiro e paciente terminal”; e “Im- citados, os enfermeiros destacam a relevância da
portância da comunicação entre enfermeiro e comunicação entre o enfermeiro e o paciente na
família do paciente terminal sob cuidados palia- terminalidade, visto que a condição em que ele se
tivos”. encontra coloca-o em situações que, às vezes, são
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difíceis de compreender, por serem caracteriza- base na confiança, o enfermeiro favorece um vín-
das pela dor e pelo sofrimento, que geram an- culo de cuidado com ele, que embasa o relacio-
gústia e depressão. Portanto, a comunicação é namento interpessoal, tem a sensação de missão
uma das habilidades que devem ser empregadas desempenhada e sente-se realizado e satisfeito14.
pelo enfermeiro, para que ele possa expandir a Destarte, é primordial que o enfermeiro de-
habilidade de apreender as mensagens – implíci- senvolva conhecimento, habilidades e sensibili-
tas ou explícitas – que permeiam sua relação com dade no relacionamento interpessoal, com base
o paciente e os familiares. em suas próprias ações, constituindo uma inte-
No âmbito dos cuidados paliativos, a comu- ração pautada no encontro verdadeiro com os
nicação realizada de forma adequada é considera- pacientes na finitude da vida, em que a intencio-
da como um pilar fundamental para a implemen- nalidade do agir e a compreensão de cada profis-
tação de tal prática. Trata-se de um suporte que o sional no processo de cuidar sejam manifestos15.
paciente pode empregar para expressar seus an-
seios. Para isso, precisa de um cuidado integral e Comunicação em cuidados paliativos como
humanizado, que só é possível quando o profissi- estratégia para fortalecimento do vínculo
onal recorre às suas habilidades de comunicação, entre enfermeiro e paciente terminal
essencialmente, com o paciente em fase terminal,
para estabelecer uma relação efetiva com ele10. A comunicação é um processo de envolvi-
Verifica-se que o paciente em fase terminal, mento que deve ser constituir com o estabeleci-
deseja ser compreendido como um ser humano mento de vínculo entre o enfermeiro e o paciente
que sofre, porque, além da dor física, passa por terminal, de maneira verbal e não verbal. Logo,
conflitos existenciais e necessidades que os fár- trata-se de um processo ativo, de atenção e de
macos ou os aparelhos de alta tecnologia não escuta ativa. Esse aspecto é referenciado pelos
podem prover. Assim, além de compartilhar seus enfermeiros, conforme os relatos, a seguir:
medos e anseios relacionando-se com seus pa- Utilizo tanto a verbal, através da fala, como a
res, através da comunicação, ele necessita sentir- não verbal por meio do olhar, de gestos, do toque,
se cuidado, amparado, confortado e compreen- do carinho e do conforto. (Enf.21)
dido pelos enfermeiros. Expressões de compai- [...] sempre é importante verbalizar todas as
xão e de afeto na relação com o paciente trazem a ações realizadas previamente, transmitindo segu-
certeza de que ele é parte importante de um con- rança, com empatia e otimismo. Comunicando
junto, o que ocasiona sensação de proteção, de procedimentos, elogiando a sua contribuição.
consolo e de paz interior11. (Enf.13)
No momento em que o profissional se co- Chegando perto do mesmo, muitas vezes segu-
munica com o paciente que vivencia a terminali- rando sua mão, conversando, olhando em seus
dade de maneira adequada, fortalece o vínculo, olhos e deixando que ele fique a vontade para ex-
adquire confiança e quase sempre, consegue de- pressar seus sentimentos. (Enf.28)
cifrar informações essenciais e amenizar-lhe a [...] podendo-se estabelecer uma comunicação
ansiedade e a aflição12. Ressalta-se, então, que a verbal ou não verbal, no intuito de atender a ne-
comunicação se for explanada de maneira com- cessidade do paciente em todas as suas dimensões.
preensível, ao paciente em fase terminal, contri- (Enf.26)
bui para que ele tenha consciência de sua digni- Nas falas desses enfermeiros, é nítida a preo-
dade durante toda a assistência prestada e lhe cupação em atender às necessidades dos pacien-
proporciona autonomia, quando precisa tomar tes por meio da comunicação verbal e da não
decisões sobre sua vida e seu tratamento13. verbal. Eles destacam a importância do olhar, do
A literatura esclarece13 que o enfermeiro ao toque, do carinho e do conforto, inseridos no
prestar assistência ao paciente de forma holísti- universo do modo não verbal de se comunicar,
ca, fazendo o uso da comunicação como uma na relação direta com o paciente terminal.
ferramenta para o estabelecimento de uma rela- Assim sendo, a participação no cuidado de
ção de confiança, atende as suas necessidades e se maneira verbal e não verbal, depende da abertu-
fortalece diante do enfrentamento de perdas, de ra estabelecida entre as pessoas envolvidas, de
doença, de incapacidades e de morte. Esse forta- forma que isso permita a sua proximidade no
lecimento incide do resultado do cuidado, pela relacionamento existencial, e elas apresentem sua
promoção do conforto, do alívio da dor e da própria singularidade16.
preservação da autoestima do paciente. Portan- Convém ressaltar que o emprego apropria-
to, ao estabelecer relação com o paciente, com do da comunicação verbal e não verbal é uma
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medida terapêutica eficaz para os pacientes ter- [...] a questão de ouvir o outro é de suma rele-
minais. É considerado um componente essencial vância para entender as necessidades e anseios do
do cuidado no fim da vida, uma vez que minimi- paciente/cliente. (Enf.7)
za o estresse psicológico dos mesmos e lhe per- Procuro ser empático, interagindo, acolhendo,
mite compartilhar o sofrimento. Assim, indepen- ouvindo com calma e prudência, respeitando a
dentemente da capacidade de comunicação ver- vontade do paciente. (Enf.12)
bal do paciente, é dever do enfermeiro ouvi-lo e [...] é importante acolher o paciente e seus fa-
percebê-lo, identificando qual o estágio do pro- miliares e fazer a escuta com qualidade, para assim
cesso de morrer em que se encontra e quais são fornecer segurança para eles. (Enf.27)
suas necessidades, para orientar e capacitar sua Os relatos mostraram que os enfermeiros, a
equipe a suprir as demandas, possibilitando-lhes partir de uma comunicação eficaz, demonstram
uma interação terapêutica, por meio da empatia preocupação e interesse pelos pacientes terminais
e da criação de um ambiente saudável, humani- e por sua família, escutando-os, buscando escla-
zado e sistematizado11,17. recer dúvidas a respeito do estado de saúde e pro-
Observa-se que um dos aspetos da comuni- porcionando-lhes segurança.
cação que influencia as estratégias da linguagem Vale salientar que uma das principais habili-
verbal pelos enfermeiros é o tom de voz, que deve dades de comunicação necessária aos profissio-
ser firme e seguro quando necessário, como, por nais da Saúde é a escuta, que deve ser atenta e
exemplo, para dar um diagnóstico, e doce o sufi- reflexiva, para que o profissional possa identifi-
ciente para se expressar numa situação de apoio car as reais necessidades dos pacientes. Mostrar-
psicológico ou um gesto de afeto. Portanto, a se disponível para ouvi-lo e compreendê-lo é uma
comunicação verbal é estabelecida por meio de maneira eficaz de ajudá-lo emocional e espiritu-
palavras que expressam um pensamento, clarifi- almente19. Escutar os pacientes terminais signifi-
cam um fato ou validam a compreensão de algo, ca concentrar-se no paciente e em suas reais
porém não é suficiente para caracterizar a com- neces-sidades, em diferentes aspectos. Quando o
plexa interação do que ocorre no relacionamen- profissional está preparado para a escuta, o pa-
to humano6. Destarte, é essencial ser acompa- ciente e seus familiares se sentem atendidos e sa-
nhada por emoções e sentimentos para que se tisfeitos em seus anseios e preocupações20.
possa compreender não só o significado próprio Para tanto, é imprescindível que o enfermei-
da palavra, mas também os sentimentos que vêm ro transforme sua forma de assistir, passando
implícitos na mensagem. Tais fatos são realiza- do fazer para o escutar, perceber, compreender,
dos através da comunicação não verbal, por meio identificar necessidades, para somente então, pla-
da qual é possível compreender os senti-mentos nejar ações. Nesse sentido, o escutar não é ape-
nos relacionamentos interpessoais11. nas ouvir, mas permanecer em silêncio, empre-
Por sua vez, a noção de que a comunicação gar gestos de afeto e sorriso que expressem acei-
não verbal permeia toda emissão verbal deve es- tação e estimulem a expressão de sentimentos12.
tar presente, uma vez que revela sentimentos e Nessa perspectiva, os enfermeiros que traba-
intenções, razão por que os sinais devem ser cla- lham em cuidados paliativos com pacientes em
rificados e questionados a fim se se compreender iminência de morte e com sua família devem va-
bem mais o momento vivido18. lorizar o uso da comunicação verbal e da não
Nesse sentido, ressalta-se que o estabelecimen- verbal, bem como da escuta qualificada como
to de vínculo que é o objetivo do relacionamento instrumentos terapêuticos efetivos para promo-
interpessoal, requer a comunicação não verbal, ção dessa modalidade de cuidar, embora, nem
imprescindível na relação entre o cuidador e o ser sempre, façam o uso delas. Tal fato corrobora os
que é cuidado, que passam a confiar um no outro discursos de dois participantes do estudo: [...]
a partir da demonstração de empatia e de trans- apesar da importância da comunicação verbal e
missão de segurança, por meio do olhar, do toque, não verbal, estas são pouco praticadas no ambien-
dos gestos, das posturas corporais e do ouvir11. te hospitalar. (Enf.19), [...] eu sei que é importan-
A grandeza da escuta ativa, na prática dos te utilizar a verbalização com o paciente, utilizar
cuidados paliativos, também foi considerada nos o toque. Mas, é muito difícil eu fazer o uso dessas
trechos dos depoentes: práticas, pois a rotina não permite. (Enf.16).
É importante que o profissional sempre escute Desse modo, o serviço de educação continua-
as preocupações dos pacientes e de sua família, seus da mostra-se de extrema relevância e indispen-
anseios, suas dúvidas, seus desabafos, promovendo sável para o treinamento e o constante aperfei-
um cuidado com qualidade. (Enf.5) çoamento dos profissionais, mesmo os que já
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Andrade CG et al.

exercem atividades em instituições hospitalares enfermeiro-paciente-família é sobremaneira re-


com pacientes na finitude de vida. levante, para se conhecer bem mais o paciente e
suas necessidades, com habilidade e compreen-
Importância da comunicação entre são, e proporcionar-lhe uma assistência terapêu-
enfermeiro e família do paciente terminal tica singular. Neste prisma, o diálogo entre o pro-
sob cuidados paliativos fissional da Saúde e a família do paciente termi-
nal pode desvendar muitos anseios, medos e dú-
Nesta categoria, os trechos dos depoimentos vidas presentes nessa dimensão e, de tal modo,
dos enfermeiros inseridos no estudo menciona- promover a criação de vínculo, importante e ne-
ram a importância da comunicação como estra- cessário nessa etapa da vida18.
tégia, no campo dos cuidados paliativos, direci- A questão da segurança e da confiança é ex-
onada aos familiares de pacientes em fase termi- planada nos relatos dos profissionais (Enf. 16 e
nal, conforme evidenciado nos relatos a seguir: Enf. 18), que referem os seus cuidados consubs-
A comunicação é um importante canal entre o tanciados em uma abordagem humanizada, que
paciente/família e a equipe, [...] é essencial para é permeada por uma relação legítima com os fa-
que haja um respeito mútuo e assim promover uma miliares, mais próximos deles. Essa relação ocorre
melhor qualidade de vida ao paciente e um melhor pelo fato de os enfermeiros passarem a maior
processo de luto aos familiares. (Enf.9) parte do tempo dispensando sua assistência ao
A comunicação é fundamental para que todos paciente e a sua família, estabelecendo uma rela-
da equipe de enfermagem assistam de maneira ho- ção de amizade e, consequentemente, desenvol-
lística e com maior sensibilidade. O carinho e o vendo um vínculo maior22.
amor ao paciente e aos seus familiares são essen- Ante o exposto, ressalta-se que a comunica-
ciais, pois os familiares fazem parte do processo da ção (verbal e não verbal) foi compreendida pelos
terminalidade. (Enf.14) enfermeiros envolvidos no estudo como parte
Durante a visita, sempre comunico ao famili- essencial do cuidado com o paciente terminal e
ar acerca da assistência de enfermagem prestada e aos seus familiares. A relevância do tipo de lin-
do estado geral do paciente, dou um abraço no fa- guagem utilizada depende do grau de compro-
miliar e acolho da melhor maneira possível, pas- metimento do paciente, porém é possível se co-
sando segurança e confiança para ele, procuro ter municar passando informações que confortam,
uma assistência humanizada (Enf.16) esclarecem e dignificam a finitude humana. Logo,
[...] faz com que o paciente e o familiar ao se o relacionamento interpessoal que ocorre entre
comunicar com a equipe tenha segurança e confi- o enfermeiro e o paciente/familiar, no processo
ança acerca do serviço prestado, essa segurança deve do cuidar, tem sua essência nas habilidades de
ser passada para nós profissionais de enfermagem, comunicação, e isso é fundamental para que a
que acabamos por manter um vínculo maior com assistência de enfermagem seja humanizada.
o paciente. (Enf.18)
Os discursos desses enfermeiros ressaltam,
de modo enfático, a importância da comunica- Considerações Finais
ção verbal e não verbal utilizada com a família
do paciente em fase terminal. Esclareceram, ain- O presente estudo, por meio do qual se abor-
da, que a família é o elo fundamental no proces- dou, com base na filosofia dos cuidados paliati-
so de cuidado com o paciente e que, para se ad- vos, a comunicação entre os enfermeiros e o pa-
quirir a confiança destes, é imprescindível uma ciente terminal, ressalta a importância de um
boa interação entre os profissionais, pacientes e cuidar centrado no paciente em sua totalidade, e
familiares. não, apenas, em sua doença.
Observa-se que a comunicação com o paci- Ficou evidente, por meio dos depoimentos
ente e com os membros da família é primordial dos enfermeiros participantes do estudo, que es-
para que os profissionais da saúde, em essencial tes consideram o relacionamento interpessoal
o enfermeiros, possam oferecer um serviço de com o paciente em fase terminal e com seus fa-
qualidade, pois somente através de uma comu- miliares como uma ferramenta imprescindível
nicação efetiva com todos os membros é que ele para a promoção dos cuidados paliativos nessa
estará apto a incluí-la adequadamente na tera- etapa de vida, haja vista que lhes permite esclare-
pêutica dos cuidados paliativos21. cer dúvidas, através de uma linguagem verbal e
Com base em tal entendimento, o estabeleci- não verbal que seja simples e acessível, de forma
mento de uma comunicação efetiva entre a tríade que os pacientes exteriorizem suas angústias e
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seus medos. Outro ponto que merece destaque
diz respeito ao reconhecimento, por alguns en-
fermeiros envolvidos na pesquisa, quanto à par-
ticipação da família no processo de cuidar do
paciente em fase terminal.
Nesse sentido, a pesquisa evidenciou a rele-
vância da comunicação como uma estratégia fun-
damental para respaldar a prática clínica do en-
fermeiro direcionada ao paciente em fase termi-
nal. Entretanto, acredita-se ser necessária a rea-
plicação deste estudo com os pacientes na termi-
nalidade e sua família para confirmarem a rele-
vância da comunicação como uma estratégia fun-
damental para respaldar a prática dos cuidados
paliativos direcionada ao paciente na finitude da
vida.

Colaboradores

CG Andrade trabalhou na análise e interpreta-


ção dos dados e na redação do artigo. SFG Costa
trabalhou na revisão crítica e na aprovação da
versão a ser publicada. MEL Lopes trabalhou na
revisão crítica e na aprovação da versão a ser
publicada.
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Andrade CG et al.

Referências

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