Você está na página 1de 12

A negação de Pedro

Como esse drama da Paixã o ajuda a comprovar a historicidade dos


Evangelhos

Por Vittorio Messori


A curiosa questã o do “galo”

Os quatro evangelistas trazem a célebre prediçã o, mas aqui


escolhemos a versã o de Marcos que, logo depois da Ú ltima Ceia,
continua assim:

Depois de cantarem os Salmos, saíram para o Monte das Oliveiras, Jesus


lhes disse:
Vocês ficarão desorientados, porque está escrito:
Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão.
Mas, depois da minha ressurreição, eu irei antes de vocês para a Galileia.
Pedro lhe disse então:
Ainda que todos fiquem desorientados, eu não ficarei!
Disse-lhe Jesus:
Eu lhe afirmo com todo certeza: hoje mesmo, nesta noite ainda, antes
que o galo cante duas vezes, você me terá negado três vezes.
Mas ele dizia com muita insistência:
Mesmo que eu tenha que morrer contigo, não te negarei!
E todos diziam o mesmo.
Chegaram eles a um lugar chamado Getsêmani…(Mc 14, 26–32).
Há uma razã o precisa para termos trazido o fato na versã o do segundo
evangelista: só ele menciona a “muita insistência” (em grego:
ekperissós, literalmente de modo superabundante, excessivo) de Pedro
em negar a possibilidade mesma de trair o Mestre.
E Marcos, sabemos, espelha a pró pria pregaçã o de Pedro:
“portanto, é como se o pró prio interessado — por humildade, quase
como expiaçã o — quisesse mostrar como tinha sido grave seu
comportamento posterior, sua vileza no renegar Jesus depois de ter
protestado fidelidade mesmo à custa da vida”.
Os outros três evangelistas, por amor à verdade, trazem também as
palavras do Nazareno e a resposta de Pedro, sem porém — como que
por escrú pulo de caridade — insistir, relatando a repetiçã o indignada
da impossibilidade de uma traiçã o.
Como todos os evangelistas (na palavra de Jesus) anunciam o seu
canto, assim também todos relatam a realizaçã o da profecia quando
Pedro é questionado, no pá tio do Sumo Sacerdote, se pertencia ou nã o
aos discípulos do acusado galileu.
Marcelo Craveri:
“O episódio tem um significado puramente simbólico, tanto mais que
teria sido impossível, em Jerusalém, ouvir um galo cantar: era
definitivamente proibido ter na cidade essas aves, consideradas impuras,
com medo que contaminassem os objetos sagrados”.
Assim escreve esse “crítico” recente, fazendo eco aos seus colegas que
tacharam o episó dio de inverossímil.
Na realidade, podemos ver claramente que há um espécie de corrente:
cada estudioso aceita como vá lido o que foi afirmado por especialistas
anteriores, e raramente alguém se dá o trabalho de fazer uma
verificaçã o,

Nem seria preciso fazer longas verificaçõ es; bastaria folhear a clá ssica
reconstruçã o de Jerusalém, nos tempos de Jesus, feita pelo
conhecidíssimo exegeta Joachim Jeremias, um dos poucos biblistas
cristã os que viveram por muitos anos na pró pria Cidade Santa.
Jeremias, pois, lembra aos esquecidos ou aos ignorantes que em
Jerusalém havia sem dú vida pelo menos algum galo.
A Mishná (coleçã o da tradiçã o rabínica oral, fixada em grande parte no
segundo século depois de Cristo, mas tendo por base informaçõ es
anteriores à destruiçã o de Jerusalém no ano 70), descrevendo o
Templo antes da catá strofe e os ritos que ali se realizavam, escreve:
“Ao canto do galo soavam as trombetas”.
A mesma Mishná traz um pequeno fato de crô nica que parece ser
mesmo dos tempos de Jesus:
“Em Jerusalém foi lapidado um galo que tinha matado um menino”
(quem sabe, uma criança de colo, cujo crâ nio ainda nã o consolidado
teria sido perfurado pelo bico do animal).
Há , sim, sinais de uma proibiçà o contra galos e galinhas porque se
temia que, ciscando, trouxessem à luz coisas impuras, principalmente
vermes; a proibiçã o porém, cessava se as aves eram alimentadas com
grã os.
Por outros autores sabemos que a pró pria proibiçã o já nã o valia se os
galiná ceos fossem mantidos presos num horto e nã o andassem pelas
ruas.
Portanto, nã o é de modo algum verdade que fosse impossível ouvir o
canto de um galo nas noites de Jerusalém.
(Outro exegeta, o Pe. dominicano Marie-Joseph Lagrange, que como
Jeremias passou boa parte da vida em Jerusalém, muitas vezes ficou
acordado no mês de abril, o da Paixã o de Jesus, para anotar as horas
em que os galos cantavam na cidade; nessa época o primeiro canto é
em torno das duas e meia. O que, aliá s, combina com a sequência dos
acontecimentos segundo os evangelistas.)

A negação

Somente o evangelista Joã o fala do comparecimento de Jesus, preso,


diante do velho Aná s, sogro de Caifá s, sumo sacerdote oficialmente no
cargo.
Joã o dá a entender que acompanhou Pedro, o qual seguia Jesus,
permitindo-lhe acesso ao pá tio do palá cio graças a seu conhecimento
da encarregada da porta.
Paidíske e thurorós, escreve o quarto evangelista, “a mocinha que
cuidava da porta” (18, 17).
Por que essa referência à pouca idade da mulher, se nã o como sinal de
uma recordaçã o direta, de um conhecimento pessoal?
(Aliá s, por curiosidade e para sermos completos, vamos dizer que,
segundo uma antiquíssima tradiçã o de textos apó crifos, o nome da
moça era “Balila”).
Mas, no relato de Joã o, há outros indícios de “coisa vista”, de “história-
verdade”, como o fogo aceso no pá tio pelos servos e guardas que se
aqueciam (18, 18).
E também aquele outro pormenor, só de Joã o, do servo “parente
daquele a quem Pedro cortara a orelha”, e que o reconhece como
seguidor do Galileu (18, 26).
Há também aquele káto en té aulé, aquele “Pedro estava embaixo, no
pátio”, esta vez de Marcos (14, 66), discípulo de Cefas, de quem,
portanto, pessoalmente ouvira contar tantas vezes os fatos; a
expressã o registra com precisã o que o encontro entre Jesus e Aná s se
deu em uma sala do andar de cima, andar reservado aos donos da casa;
o que, aliá s, corresponde exatamente à estrutura das casas nobres em
Jerusalém.
Esses pormenores sã o importantes, mas no fundo sã o marginais no
contexto do verdadeiro drama:
“o da negaçã o do Mestre por parte daquele que, nã o apenas era o chefe
dos discípulos, mas reagira escandalizado diante da prediçã o de sua
traiçã o”.

Em primeiro lugar será bom reapresentar os seis versículos que


Marcos dedica ao fato:
“Quando Pedro estava embaixo, no pátio, chegou uma das empregadas
do Sumo Sacerdote e vendo Pedro que se aquecia, encarou-o e disse:
‘Você também estava com o Nazareno, com Jesus!’ Mas ele negou,
dizendo:
‘Não sei, não compreendo o que você quer dizer’.
Saiu em seguida para a entrada.
A empregada, vendo-o, começou a dizer de novo aos presentes:
‘Esse é um deles!’
Mas ele negou outra vez.
Pouco depois, os que ali se achavam disseram a Pedro:
‘Realmente, você é um deles.
Pois também é galileu!’
Começou, então, ele a jurar e praguejar:
‘Eu não conheço esse homem de quem vocês estão falando!’
E logo, pela segunda vez, um galo cantou.
Recordou-se então Pedro do que Jesus lhe tinha dito:
‘Antes que o galo cante duas vezes, você me terá negado três vezes’.
E prorrompeu em lágrimas” (Mc 14, 66–72).
Como sabemos, o episó dio é narrado por todos os evangelistas, mas
com algumas variantes, ainda que a estrutura fique fundamentalmente
a mesma:
“o primeiro reconhecimento é atribuído por todos à criada da portaria
(a “mocinha da portaria” de Joã o); Mateus, porém, faz intervir uma
segunda criada”.
Joã o tem a mais aqueles particulares que já conhecemos e que, com
precisã o, indicam o testemunho de quem viveu os fatos.
Lucas acrescenta algo que é somente seu:

Nisso, enquanto ele ainda estava falando, o galo cantou.


Voltando-se, o Senhor olhou para Pedro.
Lembrou-se então Pedro da palavra que o Senhor lhe dissera (Lc 22, 60).

Para o terceiro evangelista, portanto, a negaçã o e depois o


arrependimento acontecem na presença do Mestre, pelo menos na sua
fase final.
Acréscimos e variantes que levam Giuseppe Ricciotti a escrever com a
costumeira decisã o:

Este episódio é argumento predileto de estudiosos, ou mal-intencionados


ou que têm tempo a perder:
“os primeiros gostariam de demonstrar que as narrativas dos quatro
evangelistas são contraditórias, enquanto que os segundos gostariam de
especificar as mínimas particularidades de cada negação”.
“A uns e outros, porém, bastará lembrar que nenhuma das quatro
redações pretende ser completa nem exclui as outras”.
Aliá s, essa é uma situaçã o que se repete em muitos outros lugares dos
evangelhos, onde os quatro apresentam variantes ou acréscimos.
Aqui, porém, mais do que nunca, esses pormenores sã o realmente
secundá rios, e varridos por uma pergunta que nã o tem resposta a nã o
ser que se aceite a historicidade do episó dio:
“por que, por qual masoquismo da comunidade primitiva tudo isso
seria contado, senã o porque de fato aconteceu, e, mesmo doendo, era
melhor contar, em vez de esperar que os adversá rios o fizessem”?
Se a negaçã o do pró prio chefe dos apó stolos acontecera publicamente,
deveria parecer melhor admiti-lo e nã o negar.
A desvantagem de comunicá -lo aos ouvintes pareceu menor que o
perigo de alguém se apresentar para recordá -lo.
Os que tinham ouvido Pedro negar que fosse seguidor do acusado
eram exatamente os servos do Sumo Sacerdote, o principal inimigo de
Jesus, e por certo lhe tinham contado.
Esta hipó tese (que se refere nã o apenas à negaçã o de Pedro mas a
todos os outros episó dios em que os discípulos sã o apresentados como
obtusos ou covardes) encontra uma ulterior comprovaçã o no fato de os
episó dios mais embaraçosos para os apó stolos estarem nos três
primeiros evangelhos.
Isto é, naqueles que refletem a pregaçã o mais antiga, feitas nos lugares
mais perigosos em caso de mentira ou de reticências:
“na pró pria Palestina ou nas comunidades hebraicas do Mediterrâ neo,
em contínua ligaçã o com Jerusalém”.
De qualquer modo, quando a situaçã o político-social ainda nã o tinha
mudado, quando o templo ainda nã o tinha sido destruído, quando
muitas testemunhas oculares ainda viviam.
As circunstâ ncias em que aconteceu a primeira pregaçã o, depois
recolhida nos sinó ticos (Jesus é logo anunciado como o Cristo, pois em
torno do ano 50 — como o atestam as cartas de Paulo — já se formava
em torno dele um primeiro esboço de teologia e principalmente de
liturgia com hinos e preces) estã o bem sintetizadas por Alfred Lä pple:

Se os apóstolos e as primeiras comunidades, no seu ensinamento e nos


seus escritos, se tivessem afastado por pouco que fosse da verdade,
teriam cavado a sepultura para a Igreja nascente.
Na Palestina de então ainda estavam vivos muitos que tinham visto
Jesus, prontos a desmascarar qualquer falsificação.
Mas, o que os obrigava a não se afastarem dos fatos, como realmente
tinham acontecido, era a hostilidade dos opositores.
O próprio Pilatos continua governando a província por mais ou menos
seis anos depois da condenação do Galileu.
Os saduceus da família sacerdotal de Anás conservam um temível poder
por quarenta anos depois da crucifixão, até a destruição de Jerusalém.

Isso ajuda a explicar a desarmante mas também incompreensível


sinceridade dos apó stolos: “esses pregadores de um “escândalo e
loucura” que era a divindade de um crucificado, necessitados de
credibilidade e de confiança, talvez mais do que ninguém na histó ria,
apresentam-se como gente no meio da qual, nos tempos do Mestre,
havia intrigas, ciú mes, rivalidades, invejas, incredulidades, covardias”.
Humanamente, é preciso uma fé incrível para aceitar o testemunho de
discípulos que fazem questã o de lembrar que nã o tinham podido ficar
acordados nem uma hora com seu Mestre; que tinham fugido quando
ele estava em perigo; que o tinham deixado morrer nã o apenas no
abandono mas também renegado por aquele que deveria ser a “pedra”,
a rocha da fé.
Alguém observou — parece-nos que com muita razã o — que bastaria
examinar o comportamento dos discípulos tal como é narrado pelos
evangelhos, para termos certeza que estes nã o sã o textos criados, ou
pelo menos manipulados pela comunidade conforme suas
necessidades.
Sã o, pelo contrá rio, textos “obrigados” a referir também o que poderia
prejudicar o apostolado.
Quanto à negaçã o de Pedro, observe-se como se mostra
particularmente desprezível, pois nã o é o resultado de um
interrogató rio cerrado feito pelo Sinédrio de Israel, nem é arrancada
com torturas ou ameaças: nã o, nada mais é do que a rendiçã o de um
pobre homem diante da pergunta suspeitosa de uma criadinha e de
outros domésticos.
O evangelho de Marcos (eco da pregaçã o do pescador da Galileia) nã o
só traz também a negaçã o, mas é o que a apresenta da forma mais
pesada. Já vimos como Lucas — eco da pregaçã o de Paulo — parece nã o
querer tripudiar sobre Pedro no momento da prediçã o da negaçã o e da
sua reaçã o indignada.
O mesmo acontece quando da prediçã o ele passa para o seu
cumprimento. Como foi notado:

Em Lucas, Pedro não jura com imprecações ou maldições quando o


querem reconhecer como discípulo do Galileu.
Assim o evangelista poupa o apóstolo, também porque — sempre no seu
evangelho — a tríplice negação vai diminuindo de intensidade, em vez de
ir aumentando como em Marcos.

É o mesmo autor das linhas precedentes, Leopold Sabourin, que


adianta uma hipó tese plausível, explicando por que só o terceiro
evangelista tenha aquele:
“Voltando-se, o Senhor olhou para Pedro…”.
Na realidade, “o particular permite que Lucas demonstre mais uma vez
como Jesus vela sobre Pedro, como este está em seu coração; assim os
fatos confirmam o que o mesmo evangelista tinha relatado logo antes do
anúncio da negação”:
‘Simão, Simão, eis que Satanás requereu vocês para os peneirar como o
trigo; mas eu roguei por você, para a sua fé não desfalecer; e você,
quando se converter, confirme seus irmãos’ (Lc 22, 31)”.
Com Pedro, e somente com ele, Jesus nã o age como ele pró prio tinha
dito no mesmo terceiro evangelho:
“o que me renegar diante dos homens, será renegado diante dos anjos de
Deus” (Lc 12, 9).
Ainda há mais; e o encontramos no evangelho de Joã o, também ele à s
vezes considerado como uma espécie de antagonista de Pedro, sendo
este ú ltimo visto como representante do aspecto “hierárquico”,
enquanto o primeiro seria o campeã o da ala “carismática”,
“espiritualista” da comunidade primitiva.
Pois bem, Joã o — e só ele — tem uma outra particularidade: a tríplice
pergunta do Cristo ressuscitado (“Simão, você me ama?”) com o tríplice
mandamento (“Apascenta as minhas ovelhas”, 21,15) que parecem
remeter-nos diretamente para a tríplice negaçã o naquela noite trá gica
do processo.
É , pois, esse pretenso “adversário” de Pedro e do seu primado
hierá rquico que nos conta como o Ressuscitado lhe reconfirmou nã o só
o perdã o pela negaçã o, mas também uma investidura como “pastor das
ovelhas” da comunidade por ele fundada.
Na realidade, a cena descrita principalmente por Marcos é espantosa:
“à terceira indagaçã o (se conhecia aquele homem), Pedro começou “a
jurar e praguejar”, para dizê-lo com nossas traduçõ es”.
Por baixo, porém, está o original grego com o verbo anathematízein
que, como diz um filó logo, “é usado na Bíblia como o termo mais forte
para designar a maldição direta contra homens ou cidades condenados
a serem aniquilados”.
Pedro amaldiçoa Jesus ou a si mesmo?
De qualquer modo é uma linguagem de excomunhã o, de “anátema”,
pois que soa horrível nos lá bios de um piedoso hebreu.
Notemos também que aquela negaçã o, acompanhada de maldiçõ es,
chegava ao má ximo da gravidade porque — feita solenemente,
publicamente, diante da presença de um grupo de testemunhas
masculinas — atendia a todas as condiçõ es legais entre judeus para
uma abjuraçã o completa e definitiva.
Que por detrá s da narraçã o de Marcos esteja, quase estenografado, o
eco do que o pró prio protagonista contava, isso o mostram outras
particularidades linguisticas que quase sempre escapam a quem nã o
examine atentamente o texto grego.
Ou a quem dessa língua nã o tenha um conhecimento adequado.
Olhemos a primeira negaçã o:
“Não sei, não compreendo o que você quer dizer”.
Note-se antes de mais nada que o interpelado tenta responder sem
dizer nada, com um medíocre truque dialético: nem negar, nem
afirmar, mas fazer de conta que nã o entende.
Seja como for, aqueles dois “nãos” revelam um erro sintá tico:
“em grego oúte-oúte (nã o-nã o) jamais podem ser usados com dois
verbos praticamente sinô nimos como “não sei” e “não compreendo”.
Ora, a língua dos evangelhos é popular, simples, mas raramente
incorreta, com erros evidentes.
Aqui, pois, temos evidentemente sinais de um sufoco, de uma
atrapalhaçã o, de um dizer qualquer coisa que afaste o perigo.
Um clima, afinal, que parece refletir perfeitamente a realidade
histó rica.
Evidentemente Pedro falava em sua língua, isto é, na versã o galileia do
aramaico ocidental; mas até na sua transcriçã o para o grego — feita por
ele mesmo ou por Marcos, seu discípulo — parece ter ficado o som e o
sabor do apavoramento, se nã o do pâ nico, daqueles momentos.
Pedro, o pescador da Galileia, sobre os ombros do qual recaiu um
encargo especial de Jesus:
“E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na
terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será
desligado nos céus”.
Já que falamos da língua:
“só Mateus tem, de modo explícito, o particular do reconhecimento do
discípulo por causa do sotaque galileu”.
Pouco depois, os que lá estavam disseram a Pedro:
‘De fato, você também é um deles, pois o seu sotaque não nega!’(Mt 26,
73).
Dissemos “de modo explícito”, porque Marcos e Lucas parecem acenar a
isso indiretamente: “pois é galileu” (Lc 22, 59); “realmente você é um
deles, pois também é galileu” (Mc 14, 70).
Também aqui, talvez, esteja um daqueles sinais discretos de
confirmaçã o da tradiçã o que frequentemente encontramos entre as
dobras das perícopes evangélicas.
Com efeito, de acordo com aquela tradiçã o, Mateus reflete
particularmente a pregaçã o aos hebreus.
E só esses — diferentemente dos pagã os, dos helenistas e dos romanos
aos quais se dirigem os outros evangelistas — só eles podiam
compreender como em Jerusalém um galileu pudesse ser
imediatamente reconhecido.
No Talmudee da Babilô nia há vá rias historietas a respeito.
Como aquela de um “estúpido galileu” (como é apostrofado por um
judeu) que a gente nã o sabe se quer hamor (jumento), hamar (vinho),
amaz (lã ) ou immar (cordeiro), por causa da sua pronú ncia incorreta
das guturais.
Tanto que na Judeia era proibido que os galileus lessem a Escritura nas
sinagogas, para evitar equívocos.
É perfeitamente crível, pois, a referência que o hebreu Mateus faz aos
seus ouvintes hebreus: “o seu sotaque não nega”.

(Texto extraído do livro “Padeceu Sob Pôncio Pilatos?”)

(Veja também os demais artigos da Coleção Igreja Hoje.)

(Curta a pá gina Vittorio Messori em português.)

Você também pode gostar