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transplan te renal
Colaboraram nesta edição:
Conteúdo produzido por:
Portal Anestesia
Diretor Médico:
Dr. Eduardo Piccinini
CRM: 91189 - SP
Responsável pelo tema:
Dr. Luciano Costa
CRM: 34388 - MG
Não se esqueça que todas as suas dúvidas poderão ser sanadas no e-mail
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das ao professor responsável pela sua aula.
Com carinho,
Equipe Portal Anestesia
Bons estudos!
PR I NCI PA IS CONCE I TOS
• A resposta fisiológica ao estresse cirúrgico invoca mecanismos
intrínsecos de sódio e conservação de água.
• Não há estudos comparativos conclusivos que demonstrem
proteção renal superior com anestesia geral ou regional.
• Manutenção adequada do volume intravascular e da estabilida-
de hemodinâmica com manejo agressivo da hipoperfusão renal
é um princípio básico do cuidado anestésico para prevenir insu-
ficiência renal aguda.
• Os pacientes urológicos são, frequentemente, idosos com co-
morbidades e requerem avaliação detalhada antes de qualquer
procedimento urológico.
• A anestesia para a ressecção transuretral de próstata é questio-
nada frequentemente nas provas.
• Atualmente com o incremento das técnicas laparoscópicas e
robóticas, a anestesia para esses procedimentos vem ganhando
maior destaque.
• As particularidades do paciente renal terminal candidato a trans-
plante devem ser conhecidas.
transplante renal
Transplante Renal
Existe indicação de transplan-
te para pacientes com insufi-
ciência renal terminal causa-
da por doenças glomerulares,
diabetes, hipertensão arterial,
rim policístico, entre outros.
O transplante renal, entre os
transplantes de órgãos sólidos,
é o mais realizado no mundo
todo e tem importância ím-
par por tratar, de forma eficaz
relativamente a baixos custos
Transplantes no Brasil, entre janeiro a setembro de 2014. hospitalares, a insuficiência
renal terminal, além de confe-
rir de 40 a 60% de decréscimo na mortalidade dos pacientes com IRC quando comparado
à diálise. A sobrevivência do paciente que recebe rim de doador cadáver é maior que 88% e
aproximadamente 93% nos transplantes de doador vivo.
O teste inicial de compatibilidade é de grupo sanguíneo ABO e sistema Rh, seguido de perfil
HLA e finalmente pela prova cruzada para saber se há presença de anticorpos contra o doa-
dor.
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nipulação do sódio e alteração nos níveis de substâncias vasoativas que provocam vasocons-
trição arterial. O aumento da renina pode agravar esse quadro. Hipertensão grave causa
danos ao endotélio e aos rins, piorando, ainda mais, a hipertensão e entrando em um ciclo
deletério. Esse aumento crônico e progressivo da pós-carga pode induzir uma hipertrofia
ventricular esquerda e aumento do consumo de oxigênio pelo miocárdio.
A doença renal acelera a aterosclerose, especialmente em coronárias. A uremia altera o me-
tabolismo lipídico e causa aumento de triglicérides e redução de HDL. Também pode haver
derrame pericárdico associado e arritmias.
Diabetes é a causa de doença renal terminal em 30 – 40% dos pacientes. A nefropatia se
desenvolve em quase 60% dos pacientes diabéticos insulinodependentes que, por sua vez,
também possuem mais prevalência de aterosclerose e doença coronariana.
A uremia provoca atraso no esvaziamento gástrico e todos os pacientes com esse quadro
clínico devem ser considerados como “estômago cheio” na indução anestésica, independen-
temente do tempo de jejum. Mesmo os pacientes não urêmicos, mas que já apresentem sinais
e sintomas de neuropatia autonômica, têm atraso no esvaziamento gástrico e também devem
ser encarados como estômago cheio. Volumes gástricos maiores que 0,4 mL/kg são encontra-
dos em mais de 50% dos diabéticos urêmicos.
Devido à ausência da produção renal de eritropoetina, ocorre anemia normocrômica e nor-
mocítica. O uso de eritropoetina recombinante pode garantir melhores níveis de hemoglobi-
na nesses pacientes, melhorando a sintomatologia de cansaço e promovendo melhor função
cardiovascular e cerebral. No entanto, os níveis de hemoglobina não devem ser corrigidos
para valores considerados normais pelo risco de complicações associadas à maior viscosida-
de sanguínea (p.ex. eventos trombóticos, AVC, IAM, ICC e HAS descompensada).
A relação entre anemia e doença cardiovascular é bem estabelecida e resulta de alterações
na estrutura do ventrículo es-
querdo e sua função. A anemia,
por si, pode induzir significante
morbidade cardíaca na ausên-
cia de doença renal e é um fa-
tor de risco independente para
complicações cardíacas em pa-
cientes com insuficiência renal.
As inter-relações entre anemia,
insuficiência cardíaca e doença
renal constituem o quadro clí-
nico conhecido como Síndro- Síndrome Cardiorrenal e seus tipos
me Cardiorrenal.
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Ciclo anemia/agravamento da
ICC na doença renal crônica
Sabe-se que a uremia pode provocar plaquetopenia ou disfunção plaquetária com contagem
plaquetária normal (mais comum). Atualmente, tem sido descrita uma tendência maior para
hipercoagulabilidade devido a uma diminuição na fibrinólise.
Sintomas de confusão mental, perda de memória, mioclonias, convulsões e coma podem ser
encontrados em alguns pacientes com doença terminal.
A insuficiência renal, que tanto pode ser aguda quanto crônica, é determinada de acordo com
a classificação de AKIN (Acute Kidney Injury Network) que leva em conta os níveis séricos
de creatinina e o débito urinário no caso da IRA, ou de acordo com os estágios baseados no
ritmo de filtração glomerular, no caso da IRC.
Classificação de
AKIN para a IRA
Estágios da IRC
segundo o ritmo
de filtração glo-
merular
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O ritmo de filtração glomerular deve ser cal-
culado usando-se a fórmula de Cockroft-Gault
(mais fácil, porém menos precisa) ou o cálculo
MDRD (muito difícil, mais preciso).
Destaca-se que, no caso da equação de Cockrof-
t-Gault, deve-se multiplicar o resultado por 0,85
se o paciente for do sexo feminino.
No cálculo MDRD, multiplica-se o resultado
por 1,212 no caso de pacientes negros e por 0,742 no caso de pacientes do sexo feminino.
O clearance de creatinina, que também pode ser
calculado, continua sendo o método mais preci-
so para se determinar a função renal e também
serve como um guia para as alterações da fun-
ção renal, bem como um fator determinante de
prognóstico.
Apenas para efeitos de provas, o “padrão ouro”
para determinação do ritmo de filtração glo-
merular e da função renal é o “Clearance de Inu-
lina”. Seu cálculo é tecnicamente complicado e
pouco usado na prática diária dos centros cirúrgicos.
No quadro a seguir, temos um resumo das alterações induzidas pela doença renal nos diver-
sos sistemas.
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Por fim, na doença terminal renal antes de um eventual transplante, há a possibilidade de
diálise, visando a limpeza de escórias não mais filtradas, além de ajuste hidroeletrolítico e
ácido-base.
As indicações para a diálise são:
• TFG < 10 ml/dl ou < 15 ml/dl em diabéticos
• Sintomas de uremia
• Hipervolemia
• Hiperpotassemia persistente > 6 meq/L ou com alterações no ECG
• ICC mal controlada com medicamentos
• Acidose metabólica de difícil controle
A correção da hiperpotassemia pode ser feita de acordo com o esquema abaixo:
A acidose metabólica crônica normalmente ocorre por perda de massa muscular, redução
da produção de albumina (um dos sistemas tampão extracelular), prejuízo da função da
medula óssea (a hemoglobina também é um importante sistema tampão) e por diminuição
da sensibilidade à insulina (o que pode, em última análise, levar à formação de cetoácidos).
Trata-se de uma acidose de difícil controle, de caráter crônico e que, por isso, geralmente não
se corrige. Quando se faz necessária esta correção, normalmente é feita com bicarbonato ou
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com diálise, nos casos refratários.
Anestesia do Receptor
Os transplantes intervivos são cirurgias eletivas e há tempo para um longo preparo clínico
do receptor. Já os transplantes com doador cadáver são sempre urgências e este tempo hábil
para compensação clínica é muito pequeno.
O receptor deve estar em condições clínicas aceitáveis para receber o rim. Recomenda-se a
diálise no dia anterior ao transplante para melhor controle volêmico e, principalmente, dos
níveis séricos de potássio. A diálise pré-operatória previne o risco de hiperpotassemia intra-
operatória.
Uma vez que os pacientes são propensos a doença coronariana silenciosa (um grande núme-
ro de pacientes é diabético), os Guidelines da AHA/ACC e da ASA para avaliação pre-ope-
ratória não se aplica a esses doentes, já que testes funcionais podem ser inconclusivos nessa
população. A ecocardiografia torna-se bastante indicada para a triagem de coronarioapatias
nesses doentes.
Apesar do uso da anestesia espinhal ter sido usada no passado, a maioria dos centros utiliza a
anestesia geral. As técnicas balanceada ou venosa total podem ser utilizadas, sem haver nada
que demonstre superioridade de uma sobre a outra.
A monitorização básica no intraoperatório é recomendada, mas alguns pacientes necessitam
de uma abordagem mais invasiva, como PAM e PVC. Pacientes com doença coronariana e
insuficiência cardíaca devem ser monitorizados com um monitor de débito cardíaco (p.ex.
cateter de artéria pulmonar, VigileoR) ou ecocardiografia transesofágica. As fístulas arterio-
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venosas devem ser protegidas no posicionamento, prevenindo colabamento e trombose. A
manutenção de PVC entre 10 a 15 mmHg permite uma otimização do débito cardíaco e do
fluxo sanguíneo renal, proporcionando maiores possibilidades de funcionamento precoce
do órgão transplantado. O uso de grandes volumes de solução salina parece predispor a uma
maior chance de acidose e hiperpotassemia quando comparados à solução de ringer lactato.
O PlasmalyteR vem sendo usado com sucesso e tem apresentado melhores resultados em
comparação com o ringer lactato e o soro fisiológico.
O controle glicêmico do diabético é muito importante e deve ser mantido na faixa normal
de 80 – 110 mg/dL. Pacientes que estão sob controle rígido de glicemia apresentam melhores
taxas de sucesso de transplante.
O risco de regurgitação e aspiração do conteúdo gástrico está aumentado devido ao atraso
do esvaziamento e ao maior volume residual do estômago. Dessa forma, o uso de citrato de
sódio ou outros antiácidos e pró-cinéticos estão indicados. A indução em sequência rápida
está indicada com manobra de Sellick. O uso de succinilcolina não está contraindicado se os
níveis de potássio não forem superiores a 5,0 mEq/L. Apesar da atividade 20% diminuída da
pseudocolinesterase, não se nota prolongamento importante da duração da succinilcolina.
Apesar de trabalhos suportarem a necessidade aumentada de propofol para a indução, suas
doses devem ser tituladas cuidadosamente para evitar depressão cardiovascular nesses pa-
cientes.
A indução anestésica deve ser cuidadosa devido ao estado cardiovascular debilitado e à gran-
de chance de eventos coronarianos nessa população. O uso de fentanil no renal crônico é in-
teressante, mas sua titulação deve ser cuidadosa e os seus efeitos hemodinâmicos devem ser
tratados. O remifentanil e o beta bloqueador esmolol têm sido usados para evitar o aumento
da frequência cardíaca durante a intubação orotraqueal.
Relaxantes musculares, como o pancurônio, que apresentem eliminação renal são contrain-
dicados em pacientes renais crônicos. O vecurônio apresenta aumento na duração de ação,
assim como o rocurônio. A escolha recai sobre os relaxantes musculares que não dependam
da função renal, como o atracúrio e o cisatracúrio. Claro que devido à ausência de liberação
de histamina, o cisatracúrio é o bloqueador neuromuscular de escolha.
Anestésicos inalatórios como o sevoflurano, o desflurano e o isoflurano podem ser usados.
O enflurano tem toxicidade renal e deve ser evitado. O halotano não tem contraindicação
no contexto renal, mas apresenta potencial depressor direto no miocárdio, se tornando uma
escolha ruim nesses pacientes que já apresentam algum risco cardiovascular. O sevoflurano
tem sido questionado quanto à possibilidade de causar toxicidade renal, devido a produção
de íons fluoreto e à possibilidade de formação do “composto A”. As teorias parecem não con-
dizer com a prática, pois o sevoflurano vem sendo utilizado sem problemas em transplantes
renais e em pacientes transplantados. O uso de fluxo de gases frescos de 2 litros previne a
formação de composto A, que só demonstrou toxicidade renal em modelos animais com
níveis séricos muito elevados desta substância. Em humanos o composto A é metabolizado
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preferencialmente pelo citocromo P450 em um composto não-nefrotóxico, ao contrário da
metabolização preferencial pela enzima b-liase em um composto nefrotóxico que ocorre em
ratos, o que suscitou a dúvida sobre a segurança do sevoflurano quanto à nefrotoxicidade.
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alça e manitol está indicado para aumento do fluxo sanguíneo renal e produção urinária, en-
quanto o uso de dopamina parece não ser efetivo. O controle do débito urinário é importante
para predizer o funcionamento das anastomoses.
O manitol (0,5 mg/kg) deve ser usado no doador antes da captação e no receptor justamente
antes do desclampeamento das artérias. Ele pode prevenir da lesão isquêmica no rim doado e
induzir diurese osmótica. A furosemida vem sendo usada para aumentar o débito urinário e
pode ajudar a prevenir oligúria. A dopamina vem caindo em desuso e os trabalhos mostram
que não há aumento do fluxo sanguíneo renal, nem mesmo vasodilatação renal. O fenoldo-
pam é um agonista dopaminérgico que mantém fluxo sanguíneo renal durante a CEC, mas
seu uso no transplante renal deve ser melhor estudado.
Não existe contraindicação de associação de anestesia geral com bloqueios periféricos, mas
algumas considerações são importantes. O paciente deve ter boas condições clínicas para
evitar a hipotensão arterial, além de estar com o coagulograma normal. O uso de cateter
peridural e bomba de analgesia controlada pelo paciente pode ser uma alternativa para o
controle de dor pos-transplante renal.
Pós-operatório
Os pacientes devem ser antagonizados com os anticolinesterásicos e preferencialmente extu-
bados ao final do procedimento. A necessidade de UTI deve ser muito criteriosa, pois esses
pacientes devem ser mantidos o mais afastados de fontes de infecção, o que pode inviabilizar
o sucesso do enxerto.
O uso de sugamadex está contraindicado no paciente com doença terminal renal porque o
complexo formado pelo sugammadex com o rocurônio é excretado por via renal. A reco-
mendação da bula do sugamadex o contraindica nos casos de doença renal terminal por falta
de estudos, mas já existem publicações demonstrando sua segurança e, provavelmente no
futuro próximo, a recomendação seja o uso de rocurônio no receptor de transplante renal,
que permite a intubação em sequência rápida, com posterior reversão com sugamadex.
Débito urinário deve ser muito bem monitorizado e qualquer queda deve ser avaliada quanto
aos possíveis mecanismos de obstrução das anastomoses.
A dor é bem tolerada com analgésicos sistêmicos, mas o uso de anti-inflamatórios está for-
malmente contraindicado. O uso de bloqueio intercostal não foi efetivo para reduzir a dor
nesses pacientes.
Complicações que podem acontecer no pós-operatório são a temida rejeição ao enxerto (que
pode ser hiperaguda, aguda acelerada, aguda e crônica), a eritrocitose pós-transplante (Ht
acima de 51% persistente que pode ocorrer de 8 a 24 meses após o enxerto; responde bem a
IECA) e o linfoma associado ao transplante renal.
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Anestesia no Transplantado
Pacientes que tiveram boa resposta do enxerto, determinados por exames laboratoriais (só-
dio, potássio, ureia e creatinina) e débito urinário normal, devem ser considerados como
tendo função renal adequada.
Apesar da melhora da função renal, os pacientes transplantados não apresentam melhora no
desenvolvimento de aterosclerose e nos índices de contratilidade miocárdica. Dessa forma,
devem ser manipulados como cardiopatas em uma próxima cirurgia. Cardiomiopatia, hi-
pertrofia ventricular esquerda e coronariopatia são importantes complicações em pacientes
transplantados.
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Bibliografia Recomendada
• Barash PG, Culler BF, Stoelting RK, Calahan MK, Stock MC – Clinical Anesthesia, 6a Ed,
Philadelphia, Lippincott Williams, 2009. - Stoelting RK, Hillier SC – Pharmacology &
Physiology in Anesthetic, 4th Ed, Philadelphia, 2006.
• Miller RD Eriksson LI, Fleisher LA, Wiener-Kronish JP, Young WL – Miller’s Anesthesia
7th Ed, Philadelphia, 2010.
• Cangiani LM, Slullitel A, Potério GMB et al. – Tratado de Anestesiologia SAESP. 7a Ed.
São Paulo, Atheneu, 2011
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