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O que determina a cena e quais são os elementos permanentes do teatro? O que mudou
desde as tragédias gregas Dionisíacas e o que permaneceu? Desde a redescoberta da Poética
de Aristóteles no período humanista e na tomada desta obra como “lei” pelos franceses no
período clássico, inúmeros filósofos e artistas procuram nas linhas de pensamento filosófico
elementos sobre as mutações e permanências do e no teatro, verdades e ilusões e as funções
da arte através do acontecimento cênico.
No livro Nascimento da Tragédia, Nietzsche, define arte como a esperança jubilosa de
que possa ser rompido o feitiço da individuação, como pressentimento de uma unidade
restabelecida. (1992). Isto é, na tragédia a união de Apolo e Dionísio. Apolo apresenta o
estado de individuação, de belo, sonho e imagem; Dionísio a ressaca que atormenta o estado
puro do belo e joga o ser individual para o turbilhão da coletividade restabelecendo a unidade
entre homem e natureza. Na tragédia Apolo não surge mais como uma efígie imóvel a ser
contemplada, mas sim como imagem a ser movimentada e este movimento é impulsionado
pela força dionisíaca até sua total destruição ou, como nos textos gregos, o retorno do homem
ao convívio dos deuses. É através de Dionísio que o homem rompe seus limites e atinge o
êxtase. Junito de Souza Brandão em seu livro, Teatro Grego, Tragédia e Comédia, define o
homem grego como influenciado pelas correntes religiosas que confluem para uma bacia
comum. Tal homem tinha:
Era através das forças dionisíacas que o homem grego alcançava estes estados, e desta
forma rompia sua “medida” e passava pela “désmesure” através da purificação de suas
vontades, atingia o divino rompendo com os limites de vida e morte. O Homem não era mais
regido por leis e assim atingia um estado subversivo odiado pela religião e estado. Segundo
Brandão era comum os avisos de moderação na Grécia Antiga. Desta forma o homem mortal
num estado de êxtase tornava-se um herói ultrapassado as medidas, o “métron”. Poderíamos
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Aluno de graduação no Curso de Artes Cênicas com habilitação em Direção da Faculdade de Artes do Paraná –
FAP; membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Artes.
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O Palco é teológico enquanto for dominado pela palavra, por uma vontade de palavra,
pelo objeto de um logos primeiro que, não pertencendo ao lugar teatral, governa-o a
distancia. O palco é teológico enquanto sua estrutura comportar, segunda toda a
tradição, os seguintes elementos: um autor-criador que, ausente e distante, armado de
um texto, vigia, reúne, e comando o tempo ou o sentido da representação, deixando
esta representá-lo no que se chama o conteúdo de seus pensamentos, das suas
intenções, das suas idéias. (DERRIDA, 2002, p. 154).
Quando Derrida fala de um Palco Teológico está falando do estado contemplativo que
o teatro se encontrava nas primeiras décadas do século XX, do fato da cena ser criada pela
autoridade de um autor que cria à distância, como um deus onipresente que se revela num
texto. Porém, este Deus que Artaud critica e que Derrida vê numa criação subordinada ao
pensamento de um dramaturgo, é um Deus cristão, criador incontestável e supremo. Desta
forma vemos o afastamento de Dionísio e de Apolo para a soberania de um deus Cristão.
Segundo Thomas Bulfinch, literato americano, em seu livro O Livro de Ouro da Mitologia –
Historia de Deuses e Heróis, com o nascimento de Cristo os deuses do Olímpio foram
banidos e passaram a perambular sem destino (2001). É desta forma que a Poética de
Aristóteles inserida no contexto cristão da França força o surgimento de um teatro regrado
preso as convenções regidas pelo estado. Pavis, em seu Dicionário de Teatro , define Poética
da seguinte maneira:
Foi com influência destas regras que o teatro, no início do século XX, se realizou e é
deste ponto que Artaud busca um teatro ritualístico com forças modificadoras. Rompendo,
assim, os limites do homem moderno alienado das representações, sobretudo da palavra. É na
palavra que Artaud encontra o mal dominante que aniquila o homem e, para este mal, Artaud
dá um nome: Deus. Em sua proposta, exposta no texto “O Teatro da Crueldade (Primeiro
manifesto)”, no livro, O Teatro e seu Duplo, Artaud declara que, não se trata de suprimir o
discurso articulado, mas de dar às palavras mais ou menos a importância que elas têm no
sonho (...) elevadas à dignidade de signos (...) para compor em cena símbolos precisos e
legíveis diretamente (2006). Desta forma o teatro não estaria mais submetido a um autor-
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criador que, ausente, domine a cena através de seus pensamentos gerando assim uma obra
atemporal arraigada de essêncialismo. Segundo o encenador francês, o teatro deve utilizar de
uma linguagem espacial e física.
Consiste em tudo que ocupa a cena, em tudo aquilo que pode se manifestar e exprimir
materialmente numa cena, e que se dirige antes de mais nada aos sentidos em vez de
se dirigir em primeiro lugar ao espírito, como a linguagem da palavra. (ARTAUD,
2006, p.37)
Suprimos o palco e a sala, substituídos por uma espécie de lugar único, sem divisões
nem barreiras de qualquer tipo, e que se tornará o próprio teatro da ação. Será
restabelecida uma comunicação direta entre o espectador e o espetáculo, entre ator e
espectador, pelo fato de o espectador, colocado no meio da ação, estar envolvido e
marcado por ela. (ARTAUD, 2006, p.110)
No modelo Mítico a separação entre os dois topos definidos (...) será flexível e
dinâmica. Esse “teatro mítico” geralmente não acontece em edifício-teatral. Ele se dá
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em praças, galpões, campanários etc., como os espaços sugeridos por Artaud para seu
“teatro sagrado”. (COHEN, 2004, p.128)
REFERÊNCIAS
ARTAUD, Antonin. O Teatro e Seu Duplo. Tradução Teixeira Coelho. 3 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro Grego: Tragédia e Comédia. 2 ed. Petrópolis: Vozes,
1984.
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Este foi o nome dado ao trabalho mais conhecido de Yves Klein, onde ele mesmo se fotografou no instante que
saltava de um edifício para a rua. (GLUSBERG, 2005, p. 11)
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COHEN, Renato. Performance Como Linguagem. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.
GLUSBERG, Jorge. A Arte da Performance; Trad. Renato Cohen. São Paulo: Perspectiva,
2005.