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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA

ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

O PAPEL
DO LEGISLATIVO
NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO
CONGRESSO NACIONAL

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

APRESENTAÇÃO

A 56ª Legislatura, iniciada em 1º de fevereiro de 2019, pública. Para permanecer no exemplo da Câmara dos
aponta para a consolidação de tendências legislativas que Deputados, representativa pelo volume de projetos que
já vínhamos identificando desde que o Instituto Sou da Paz discute, tendo em vista suas características constitu-
passou a monitorar a produção legislativa do Congresso cionais, vimos um salto impressionante. Se em 2015
Nacional no campo da segurança pública, em 2014. foram 4.262 projetos de lei (PL) apresentados pelos/
as deputados/as, quantidade superior a todos os anos
A primeira constatação, explícita, é o crescimento ver- subsequentes da legislatura, em 2019 foram 5.103 PLs
tiginoso de candidaturas de profissionais da segurança apresentados, um número recorde em tempos recen-
pública ou militares. Em 2015, primeiro ano da 55ª Le- tes. Segregando apenas PLs que tratam de segurança
gislatura, já havíamos apontado o crescimento expres- pública e justiça criminal, em 2015 foram 731 projetos
sivo de ex-policiais e ex-militares eleitos: 19 deputados identificados, enquanto em 2019, encontramos 1.214,
federais, quando na eleição de 2010 haviam sido apenas um salto significativo.
quatro, ou seja, um crescimento de 375%. Nas eleições
de 2018, um novo salto: foram eleitos 421 policiais e mili- Merece destaque a consolidação da tendência que in-
tares das Forças Armadas para cumprirem um mandato vestigamos, demonstrando o sucesso eleitoral que can-
na Câmara dos Deputados, novo aumento de 121%. No didaturas ligadas a carreiras policiais tiveram no pleito de
Senado Federal, apenas um senador na última legislatu- 2018 e, também, a prioridade que estes parlamentares
ra tinha como profissão de origem as carreiras policiais, tendem a conferir a temas de segurança. A conjuntura
ao passo que em 2018 foram quatro os parlamentares eleitoral certamente tem um peso de relevo, consideran-
eleitos com esta origem profissional e ainda um ex-militar do que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, é um produto
das Forças Armadas. eleitoral desta tendência sobre a qual nos debruçamos.
Em seus 27 anos como deputado federal, apesar de
Outros padrões que identificamos ao longo das análises baixa produtividade legislativa e influência restrita sobre
da 55ª Legislatura (2015-2019), no campo da seguran- bancadas, Bolsonaro foi um dos pioneiros em associar a
ça pública e da justiça criminal, foram (i) a prioridade ao representação parlamentar com origem em polícias ou
endurecimento penal nas alterações legislativas para no Exército a uma “solução” para segurança pública, a
fazer frente ao problema da criminalidade no Brasil; e partir de políticas (e slogans) de tolerância zero e endu-
(ii) a captura do tema por parlamentares com origem recimento penal. Após muitos anos de isolamento políti-
profissional em forças policiais, que figuram entre os co, a aposta se demonstrou acertada e – obviamente em
maiores propositores de projetos legislativos no tema conjunto com diversos fatores – o promoveu ao posto
e também – apesar de serem à época representantes de 38º presidente da República. Numa campanha extre-
de categorias profissionais minoritárias no Parlamen- mamente polarizada, marcada ainda pelo atentado que
to – ocuparam a maioria das vagas na Comissão de sofreu, o sucesso eleitoral de seu campo político foi in-
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado questionável, o que também pode justificar a ampliação
(CSPCCO) na Câmara dos Deputados, etapa regimen- desta bancada de policiais e militares.
tal obrigatória de ampla maioria dos projetos que tratam
de segurança pública. O exercício da presidência por Jair Bolsonaro tam-
bém merece ser abordado. Apesar de, historicamente,
Após acompanharmos toda a legislatura anterior, tam- esta ser uma sequência de pesquisas sobre a produ-
bém observamos que o primeiro ano após a eleição tividade legislativa do Congresso Nacional, o governo
apresenta uma produtividade – em termos de quantidade federal teve seu primeiro ano marcado por embates
de projetos apresentados, o que, insistimos, não significa institucionais relevantes. Além de pautas econômicas
qualidade – superior ao resto da legislatura. Isso possi- reformistas e liberalizantes que também integravam
velmente porque os parlamentares buscam aproveitar sua plataforma eleitoral, a segurança pública e – mais
seu capital eleitoral recente para apresentar pautas de- especificamente – a desregulamentação da política na-
fendidas junto aos/as eleitores/as e também consideran- cional de controle de armas e munições sempre foram
do as dinâmicas das eleições municipais, que ocorrem pautas prioritárias do presidente e seu campo político.
no segundo ano da legislatura e tem grande impacto no No campo da segurança e da justiça, Bolsonaro capita-
Parlamento, especialmente na Câmara dos Deputados, lizou a nomeação de Sérgio Moro ao Ministério da Jus-
em que muitos/as parlamentares saem candidatos/as. tiça e Segurança Pública e, se hoje sabemos que tudo
não passou de um arranjo de ocasião, já desfeito e com
A suspeita de que esta dinâmica represente uma ten- acusações mútuas entre as partes, o fato é que trazer
dência pareceu se confirmar no primeiro ano da nova no tíquete presidencial aquele juiz que representava o
Legislatura, ainda mais considerando o impressionante símbolo nacional de combate à corrupção foi um ativo
aumento de congressistas ligados a carreiras policiais e eleitoral relevante.
militares e sua forte influência no debate da segurança

1. Contrariamente ao apresentado na última edição deste relatório, em 2019, não foram 73 os deputados
federais com origem profissional entre carreiras da segurança pública eleitos em 2018, mas 42.

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Dentre todos os temas caros ao presidente, da desregu- fez, entretanto, que as discussões legislativas em torno
lamentação ambiental à agenda conservadora de cos- da proposta do Executivo fossem reportadas como um
tumes, possivelmente não há nada mais prioritário – em ataque quase que pessoal a Sérgio Moro7. Isto já foi um
sua agenda pessoal – do que a desregulamentação da prenúncio da desvirtuação do modelo montesquiano de
política de controle de armas. São vastos os indícios separação entre os poderes acelerada no último ano.
que corroboram esta suposição2. Primeiramente, ape-
sar de ter capitalizado com sucesso sua defesa de uma Também não se pode deixar de mencionar uma aparen-
“nova política”, Jair Bolsonaro já é conhecido por suas te tendência, recente na Nova República, de um pro-
quase três décadas como deputado. Basicamente, sua tagonismo crescente exercido pelo Poder Legislativo.
estreia à frente do Governo Federal foi o início de uma Desde a crise política de 2016, vimos a Câmara dos
sequência volumosa de atos unilaterais com vistas a Deputados e o Senado Federal apresentarem uma “in-
uma profunda desregulamentação da política de armas subordinação” inédita8, exceto pelo soluço institucional
e munições, com o primeiro decreto sobre o tema publi- do período Collor. São obviamente muitas as razões,
cado em 15 de janeiro. Bolsonaro tem se caracterizado mas o fenômeno é razoavelmente claro. Um exemplo
por imprimir uma inédita tensão na harmonia entre os no Senado Federal foi a aprovação de um Projeto de
poderes, sempre testando limites ao modelo constitu- Decreto Legislativo (PDL) para cassar decreto do pre-
cional de freios e contrapesos. Se alguma de suas pro- sidente que invadia a competência legislativa do Con-
postas não dá certo, sua tendência é recuar3, mas com gresso, justamente no tema de armas de fogo. Com a
o volume de crises que invoca, muitos excessos sobre- “nova política” e o estilo confrontacional da Presidência
vivem. Apesar desta ser uma análise voltada ao Poder da República, proliferaram os PDLs em ambas as ca-
Legislativo, será inescapável dedicar espaço ao mode- sas do Congresso Nacional, o que pode representar um
lo político que Bolsonaro adotou em seu primeiro ano aspecto importante da nova dinâmica instaurada entre
de governo, dado o ineditismo de sua abordagem, que Executivo e Legislativo. Se em 2015 foram apresenta-
exerceu ampla influência sobre o Congresso Nacional dos 144 destes projetos na Câmara, em 2019 foram
e o Supremo Tribunal Federal, ainda que sob a égide 369, um aumento de mais de 156%. Trata-se de um
do confronto. O ano de 2019 inaugura uma era política modelo de alto desgaste e, em 2020, Bolsonaro vem
nova na história nacional, e no campo da segurança pú- dando sinais de que – ao menos um pouco – se dobrará
blica isto é ainda mais marcante. Apesar de – no primei- ao modelo de coalizão, como já mencionamos.
ro ano de seu mandato – Bolsonaro não ter organizado
uma base parlamentar em moldes tradicionais, ao fim e Somado ao estilo do novo governo, o ano também foi mar-
ao cabo sua estratégia revelou surpreendente eficácia4, cado por crises de governabilidade um tanto heterodoxas.
quando observamos os resultados alcançados a partir Além de conflitos no interior do governo, como com os
da contínua tensão institucional que tem caracterizado ex-ministros Gustavo Bebianno e general Santos Cruz, o
seu governo. É verdade que hoje há sinais relevantes presidente, seus filhos e alguns apoiadores mais pró-
de reorganização de suas estratégias5, mas conside- ximos se envolveram numa dura disputa pelo controle
rando os resultados legislativos e as dinâmicas que o do PSL, partido que os elegeram, levando a um racha
unilateralismo do Poder Executivo engendrou sobre o na agremiação e ao primeiro presidente sem partido da
Congresso Nacional ainda em 2019, será inescapável Nova República9. A escolha de um líder de governo na
a este estudo analisar atos legislativos que em tese ca- Câmara que gozava da confiança presidencial, mas se
beriam ao Parlamento, mas que foram inaugurados e demonstrava inábil para assumir a negociação das pau-
realizados pelo Presidente da República. tas governamentais junto às bancadas partidárias tam-
bém representou um desafio suplementar para a gover-
Ao se analisar a produção legislativa do Congresso Na- nabilidade e proporcionou um maior protagonismo do
cional em temas de segurança pública, se destaca a presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/
proposta legislativa que personificou Sergio Moro, seu RJ), que muitas vezes se indispôs publicamente com
projeto “anticrime”, analisado por um grupo de trabalho Bolsonaro e sua equipe. No Senado, as coisas eram
criado pelo Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e far- um pouco diferentes, considerando que o governo ti-
tamente divulgado como descaracterizado6, crítica que nha uma melhor interlocução com seu presidente, Davi
certamente não leva em conta o exato papel do Poder Alcolumbre (DEM/AP), e que nesta casa Bolsonaro in-
Legislativo, que é debater e aprofundar propostas consi- dicou o experiente senador Fernando Bezerra Coelho
derando a pluralidade que rege o país. O PL nº 882/2019 (MDB/PE) como líder de governo, o que estabilizou sua
foi sujeito a críticas e debates, sendo aprovado ao final interlocução no Senado Federal, ainda que com sola-
com alterações relevantes, mas absolutamente comuns vancos.
ao trâmite legislativo. O antigo status de “super-ministro”

2. Disponível em: https://cutt.ly/agEqSkh 6. Disponível em: https://cutt.ly/BgcScZD


3. Disponível em: https://cutt.ly/xgEhVxb 7. Disponível em: https://cutt.ly/5gcSNIN
4. Disponível em: https://cutt.ly/4gEjYRL 8. Disponível em: https://cutt.ly/2gcS0Wj
5. Disponível em: https://cutt.ly/mgEjDez 9. Disponível em: https://cutt.ly/SgcS9vU

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

A 56ª Legislatura decorre de um processo eleitoral iné- No Senado Federal, também concentramos as buscas
dito sob diversos aspectos desde a nova Constituição. para os Projetos de Lei do Senado (PLs) e PECs propos-
A influência de redes sociais, um grande descrédito da tas originalmente nesta casa legislativa. Foram selecio-
classe política atingida amplamente pela Operação La- nadas as categorias “Direito Penal e Processual Penal”;
va-Jato, a estratégia de disseminação massiva de fake “Segurança Pública”; “Família, proteção a crianças, ado-
news e o surgimento de movimentos políticos apartidá- lescentes, mulheres e idosos”; “militares dos Estados,
rios, como MBL, Agora!, RAPS, entre outros, promove- DF e Territórios”; e “Direitos humanos e minorias”.
ram uma ampla renovação parlamentar, cuja taxa foi
uma das maiores registradas desde a redemocratiza- Não foram classificados os projetos retirados ou devol-
ção, tanto na Câmara dos Deputados (52%) como no vidos ao autor, os arquivados e aqueles que se transfor-
Senado Federal (mais de 85%), numa eleição com 2/3 maram em norma jurídica.
das vagas em disputa e em que caciques partidários
como Eunício Oliveira (MDB/CE) e Rogério Jucá (MDB/ Nesta edição, pela primeira vez classificamos os Proje-
RR) não foram reeleitos. tos de Decreto Legislativo (PDL) de ambas as casas do
Congresso Federal. Como dissemos acima, tomamos
Assim, a análise que se apresenta é sobre este novo esta decisão considerando as caraterísticas da relação
Parlamento, eleito em 2018, com um aumento expres- institucional entre o Poder Executivo e o Legislativo
sivo na representação parlamentar de profissionais da no primeiro ano do governo Bolsonaro. Os PDL, são
segurança pública e carreiras militares, onde o governo propostas legislativas que visam a regulamentar atos
não contou com uma base política nos moldes tradicio- cuja competência de origem seria do Poder Executivo,
nais e em que – ao menos em temas de segurança pú- numa avocação de competência pelo Congresso Na-
blica – o Poder Executivo buscou conduzir a agenda, cional11. Estes atos legislativos têm a capacidade de
com algum sucesso. cassar atos do Poder Executivo que encontrem discor-
dância no Congresso Nacional, sendo mais um dos me-
canismos de freios e contrapesos da relação entre os
poderes na República.
METODOLOGIA
A classificação das propostas legislativas ganhou uma
nova categoria nesta edição: ao categorizar os projetos
A metodologia aplicada para realizar a presente análise
que tratavam de vítimas, percebemos que uma parcela
permanece praticamente inalterada. As palavras-chave
significativa tratava especificamente da violência contra a
utilizadas para realizar a busca foram as mesmas que
mulher e, considerando a relevância do tema, decidimos
utilizamos nas edições anteriores: “segurança”; “polícia”;
por identifica-los numa nova categoria. Assim, as propos-
“armas”; “penal”; “criminal”; “crime”; “explosivos”; “peni-
tas legislativas foram classificadas da seguinte forma:
tenciária”; “violência”; “drogas”; “homicídios”, “vítima”, “de-
sarmamento”, “infracional”, “prisão”, “detento” e “presídio”
(I) polícia, para projetos que tratam tanto da carreira
sendo acrescentadas nesta edição as palavras-chave:
policial quanto os que regulam suas atividades, e tam-
“guarda municipal”; “militar”; “legítima defesa”; “bombei-
bém buscam reformar o modelo de atuação das polí-
ros” e “direitos humanos”, inseridas no campo “qualquer
cias. Nesta categoria estão incluídas propostas que tra-
uma destas palavras/assunto” da ferramenta de busca
tam dos demais órgãos integrantes do Sistema Único
avançada no website da Câmara dos Deputados.
de Segurança Pública (SUSP).
A busca foi limitada para Projetos de Lei (PLs) e Pro-
(II) aumento de pena, para projetos que buscam au-
postas de Emenda à Constituição (PECs) apresentadas
mentar penas para crimes já tipificados;
em 2019. Para se obter a totalidade de PLs e PECs
apresentados na Câmara em 2019, utilizou-se o campo
(III) processo penal, que agrupa projetos que tratam
“identificação – data de apresentação”, inserindo como
do rito da persecução criminal;
data inicial “01/01/2019” e como data final “31/12/2019”.
Para a busca das leis sancionadas ao longo do ano, utili-
(IV) criminalização de condutas, para projetos de lei
zou-se a seção “atividade legislativa” na página principal
que propõem criar novos crimes;
e depois a aba “legislação”.
(V) políticas criminais e programas de gestão e fi-
Para a análise dos projetos apreciados pela Comissão de
nanciamento da segurança pública, que organiza
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da
projetos que alteram mais substancialmente a legisla-
Câmara dos Deputados (CSPCCO), utilizamos o relatório
ção penal, assim como aqueles que abordam normas
de atividades disponibilizado no site da Comissão10.

10. Disponível em: https://cutt.ly/QgcS4fK


11. Disponível em: https://cutt.ly/fgcS6aU

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
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de finanças públicas voltadas aos investimentos em PROJETOS DE LEI APRESENTADOS EM


segurança além de propostas que tratam da gestão de 2019 NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
programas e ações na área;

(VI) política de drogas, sobre propostas referentes à Ao longo das diferentes edições desta pesquisa, perce-
implantação e financiamento de políticas de prevenção, be-se que cada período da legislatura assume caracte-
proibição ou permissão do uso de drogas, além do aten- rísticas próprias. O ano inaugural geralmente apresenta
dimento a dependentes químicos; uma intensa produção legislativa, em termos quantita-
tivos, quando comparado com os anos subsequentes
(VII) política de armas, em que constam projetos que da legislatura. Possíveis explicações são a motivação
dizem respeito ao uso de armas de fogo e de armas de novos parlamentares, que inauguram sua represen-
menos letais e das condições necessárias para a posse tação legislativa e também a proximidade com o pleito,
e porte de armas; em que as promessas eleitorais e o capital político dos
parlamentares, conferido pelo voto, ainda são recentes.
(VIII) vítimas, para os projetos que tratam sobre as víti-
mas da violência, e que nesta edição foi desmembrado
para incluir propostas que tratam de

(IX) violência contra a mulher, que representavam


uma quantidade significativa das propostas que tratam
de vítimas da violência;

(X) segurança privada, vigilância eletrônica e videomo-


De fato, em 2019 identificamos a quantidade
nitoramento, projetos a respeito da atuação das empre-
recorde de PLs apresentados ao longo da sé-
sas de segurança privada e também sobre novas tecno-
rie histórica desta pesquisa: foram apresen-
logias de vigilância;
tados – ao todo – 5.103 PLs por deputados/
as federais na Câmara dos Deputados. Em
(XI) execução penal, que agrupa projetos que tratam de
2015, ano inaugural da última legislatura e o
direitos dos presos, do sistema prisional e seus egres-
mais produtivo dela, foram 4.262.
sos, mas também englobam propostas que tratam do
cumprimento de medidas socioeducativas para crianças
e adolescentes; e

(XII) outros, para englobar os temas que não dispu-


nham de ocorrências significativas a ponto de serem
apresentados em categorias específicas, ainda que tra- Ao se separar os projetos que tratam de segu-
tem de assuntos relevantes. rança pública e justiça criminal, temos outro
recorde de 1.214 projetos, o que representa
23,8% do total de projetos. Em 2015, eram
731 PLs sobre o tema ou 17,1% do total.

Este aumento na proporção de projetos que


tratam de segurança pública pode estar re-
lacionado ao sucesso eleitoral de candidatos
policiais e o aumento da sua representação
no Parlamento, embora ainda precisemos
acompanhar os próximos anos para ver como
evoluem estas dinâmicas.

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Observando a metodologia utilizada, excluímos aquelas que foram transformadas em norma jurídica. Disto, re-
propostas que foram arquivadas, devolvidas ou retira- sultam 1.130 que foram classificadas desta forma:
das pelo autor ao longo de 2019, assim como aquelas

TIPIFICAÇÃO PROJETOS PORCENTAGEM TIPIFICAÇÃO PROJETOS PORCENTAGEM

POLÍTICA DE DROGAS 16 1,4% EXECUÇÃO PENAL 87 7,7%


SEGURANÇA PRIVADA,
VIOLÊNCIA
VIGILÂNCIA ELETRÔNICA
E VIDEOMONITORAMENTO
31 2,7% CONTRA A MULHER
95 8,4%

VÍTIMAS 42 3,7% PROCESSO PENAL 141 12,5%


POLÍTICAS CRIMINAIS E
PROGRAMAS DE GESTÃO
E FINANCIAMENTO DA
44 3,9% OUTROS 146 12,9%
SEGURANÇA PÚBLICA

CRIMINALIZAÇÃO
POLÍTICA DE ARMAS 59 5,2% DE CONDUTA 162 14,4%

POLÍCIA 69 6,1% AUMENTO


238 21%
DE PENA

De pronto, confirmamos mais uma vez que o endureci- de fogo e produziu um caos normativo sem preceden-
mento penal se mantém como a principal solução para o tes num tema cujo impacto na segurança pública é tão
problema da violência na perspectiva dos/as deputados/ evidente. A regra para a compra de armas por civis foi
as federais. Juntos, PLs que tratam da criminalização alterada de forma substancial por três vezes só em
de novas condutas (14,4%) com aqueles que buscam 2019 e há normas divergentes em vigência: os decretos
aumentar penas para condutas já criminalizadas (21%) 9.845/2019 e 9.847/2019 têm requisitos diferentes para
somam 35,4% do total dos projetos classificados, núme- o registro de armas por cidadãos comuns12.
ro muito próximo à média da legislatura anterior: 36%.
A postura do Governo Federal neste tema gerou ten-
Projetos que tratam da atividade policial e de profissio- sões institucionais relevantes, com diversas ações judi-
nais da segurança pública (69) representam 6,1% do ciais sendo apresentadas no Supremo Tribunal Federal
total de projetos de segurança pública apresentados em e na Justiça Federal e com uma grande quantidade de
2019 e os que tratam de política de armas (59) somam PDLs apresentados em ambas as casas do Congres-
5,2% do total de projetos analisados. Como já observa- so Nacional acusando o Poder Executivo de abuso de
do nas edições anteriores desta pesquisa, a maior par- competência, usurpação do poder legislativo e extra-
te dos PLs que tratam destes temas criam ou ampliam polação do poder regulamentar13. Como dissemos na
benefícios aos integrantes de determinada corporação apresentação, estes embates institucionais, que são
policial (representando 60,9% daqueles que tratam de bem representados pela busca da alteração da política
polícias) ou flexibilizam a política nacional de controle de controle de armas, justificaram a análise da reação
de armas de fogo (que representam 84,7% dos PLs que do Congresso Nacional a partir dos Projetos de Decreto
tratam de armas). Legislativo apresentados na Câmara dos Deputados e
no Senado Federal na presente edição, o que será rea-
Em 2019, o debate sobre armas de fogo foi intenso no lizado mais à frente.
Congresso Nacional, ainda que a maior parte das pro-
postas legislativas tenham tido como origem o Palácio Também foram dois projetos de lei encaminhados
do Planalto. Foram 10 decretos, 6 portarias do Exérci- pelo Poder Executivo em 2019 que buscam ampliar o
to Brasileiro e 2 PLs gestados pelo governo Bolsonaro acesso a armas de fogo e descaracterizar a política de
para aumentar o acesso a armas e munições à popula- controle. O presidente fez uso de sua prerrogativa de
ção, assim como para enfraquecer mecanismos de con- declarar urgência constitucional, o que ampliou a pres-
trole e investigação do uso de armas. são sobre a Câmara para apreciar o PL nº 3.723/2019.
Originado no vai-e-vem dos decretos sobre armas da
Esta profusão legislativa do Poder Executivo pautou Presidência da República, o PL nº 3.723/2019 foi objeto
parte significativa do debate congressual sobre armas de um acordo com o relator da proposta, o deputado

12. Disponível em: https://cutt.ly/cgcDwA4


13. Disponível em: https://cutt.ly/EgcDrhh

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ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Alexandre Leite (DEM/SP), para que o texto, que trazia


O PACOTE ANTICRIME
alterações ainda mais profundas à política de controle
de armas, fosse limitado às regras para caçadores, ati-
radores desportivos e colecionadores, conhecidos pela Na Câmara, o projeto foi analisado por um Grupo de
sigla CACs. O texto do relator, ele próprio um CAC, não Trabalho criado por ato do presidente da Câmara, Ro-
tramitou por nenhuma comissão parlamentar, teve di- drigo Maia18. Este grupo esteve ativo por sete meses e
versas versões que não foram publicadas nos canais foi coordenado pela deputada Margarete Coelho (PP/PI)
oficiais da Câmara dos Deputados, tendo sido apenas e relatado pelo deputado Cap. Augusto (PL/SP). A partir
enviadas por mensagem instantânea entre parlamenta- da decisão de Maia, o projeto proposto pelo ex-ministro
res, por vezes poucas horas antes de entrar em pauta, Moro foi analisado em conjunto com outra proposta, se-
sem debate público, transparência ou publicidade. Ao melhante em partes, redigida por outro grupo de trabalho,
fim, o projeto acabou aprovado no início de novembro este da legislatura anterior, e que havia sido coordenado
pela Câmara dos Deputados e traz consigo uma enorme pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Deste grupo
facilitação de posse e porte de armas para CACs, o que surgiu o PL nº 10.3720/2018, que foi apreciado em con-
pode acarretar em desvios de armas para a ilegalidade, junto com o PL nº 882/2019. Ambas as propostas adota-
ou ainda um uso indevido, e também ilegal, do registro vam a alteração difusa da legislação penal e processual
de CAC como forma de acesso facilitado às armas de penal como premissa principal para a melhoria da segu-
fogo14; e alterações nas penas para crimes associados rança pública, sem considerar incrementos gerenciais, o
ao uso e comércio de armas. Atualmente, o projeto é aumento e a racionalização do financiamento da segu-
analisado pelo Senado Federal. O projeto também au- rança pública ou tampouco os impactos orçamentários e
menta sem justificativa plausível a quantidade de armas sociais das medidas propostas, que em geral decorriam
que pode ser adquirida pelos CACs e por profissionais da para o aumento no encarceramento. Ao fim dos trabalhos,
segurança pública, inclusive armas de calibre restrito.15 os textos originais dos projetos e o relatório apresentado
pelo deputado Capitão Augusto não prevaleceram.
Outras tendências também se mantiveram, como a
baixa prevalência de projetos que tratam de políticas
criminais e programas de gestão e financiamento da
segurança pública (3,9%) que, em geral, têm maior po- ASPECTOS POLÊMICOS DO PACOTE
tencial de promover alterações estruturais na política de ANTICRIME: O QUE ENTROU E O QUE SAIU
segurança, em contraposição às propostas que operam
na lógica do endurecimento penal; ou política de drogas
(1,4%). Ainda que poucos projetos tratem do tema, é As propostas foram alteradas, com a rejeição de temas
verdade que dentre as propostas que tratam de políticas polêmicos como a proposta de ampliação de hipóteses
criminais, com alterações mais substanciais à legisla- que configuram a excludente de ilicitude “se o excesso
ção penal, um dos projetos que mais ocupou espaço no decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emo-
debate parlamentar foi o PL nº 882/2019, enviado em ção” – proposta abertamente defendida pelo presidente,
19 de fevereiro à Câmara dos Deputados pelo Poder inclusive tendo constado do seu plano de governo - e
Executivo e que foi batizado como projeto anticrime do o “plea bargain”, que é a possibilidade de transação da
ex-ministro Sérgio Moro. Muito criticado desde o início, admissão de culpa em troca de uma redução da pena,
o projeto se arrogava justamente o adjetivo “anticrime”, instituto importado do direito anglo-saxão e estranho ao
organizado num mosaico de medidas de endurecimen- modelo processual penal brasileiro, que considera abso-
to penal, algumas inconstitucionais ou passíveis de al- luta a presunção de inocência, salvo se provado em con-
teração apenas por emenda à Constituição, conforme trário, cujo ônus recai a quem faz a acusação.
denunciado por juristas e pela sociedade civil organi-
zada1617. Propostas não previstas inicialmente foram incluídas,
como o juiz de garantias, que separa a atuação juris-
dicional em duas: uma que acompanha a investigação
e determina medidas durante a fase de produção de
provas, e outra que é o juízo de instrução e julgamento,
que emite a sentença com base nas provas produzidas
e validadas pelo juízo de garantias. O texto produzido
pelo grupo de trabalho na Câmara dos Deputados foi
rapidamente aprovado pelo plenário da Casa e pelo
Senado Federal, onde não foi modificado. O projeto foi
sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na véspera
do Natal de 2019, 24 de dezembro.

14. Disponível em: https://cutt.ly/9gcDtRv


15. Id. 14
16. Disponível em: https://cutt.ly/agcDy45
17. Disponível em: https://cutt.ly/vgcDu7v
18. Disponível em: https://cutt.ly/VgcDoAg

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Algumas das propostas presentes no PL nº 882/2019 e lário ou outras situações nem sempre são reconhecidos
que foram rejeitadas pelo Grupo de Trabalho, foram re- por elas como violência.”
apresentadas como projeto de lei por parlamentares em
ambas as casas legislativas. Neste sentido, observamos Nesse sentido, vale destacar o PL nº 17/2019, de au-
na Câmara e no Senado projetos que tentam recuperar toria do deputado Alessandro Molon (PSB/RJ) e parla-
o “plea bargain”, e projetos relacionados à excludente de mentares da bancada do PSB, relatado pela deputada
ilicitude, que modificam o Código Penal para alterar a de- Christiane de Souza Yared (PR-PR) e que foi aprovado
finição de legítima defesa. O próprio presidente enviou ao em tempo recorde graças a uma articulação da bancada
Congresso o PL nº 6125/2019, que estabelece normas feminina da Câmara dos Deputados20 que resultou na
aplicáveis aos militares em operações de Garantia da Lei aprovação em ambas as casas do Congresso Nacional.
e da Ordem (GLO) e aos policiais militares ou civis que a O projeto altera a Lei Maria da Penha para determinar
elas prestem apoio. Agentes de segurança seriam isen- à autoridade policial que identifique eventual registro de
tos de punição ou teriam as suas penas abrandadas em arma de fogo em nome do agressor acusado e comu-
casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agres- nique imediatamente à instituição emissora do registro,
são” mesmo que façam o uso da força preventivamente. juntando aos autos do processo esta informação. Este
O governo define “injusta agressão” como atos de ter- projeto foi sancionado na Lei nº 13.880/2019 e, além de
rorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte buscar aprimorar as medidas protetivas à mulher vítima
ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, me- da violência, também representa um avanço para a polí-
diante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar tica responsável de controle de armas de fogo.
ostensivamente arma de fogo.

VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Por fim, outra novidade da presente edição é a classifi-


cação dos 95 projetos que tratam de violência contra a
mulher. Percebeu-se que no primeiro ano da 56ª Legisla-
tura houve um acréscimo significativo de propostas que
tratam da violência de gênero. Destes projetos, 40 fo-
ram apresentados por deputadas federais, embora ape-
nas 15% dos parlamentares eleitos para a Câmara dos
Deputados sejam mulheres (77), e vemos uma atuação
relevante destas deputadas em projetos que tratam do
tema. Em comparação à legislatura anterior, que contava
com 65 deputadas federais, o aumento na representa-
ção parlamentar feminina não é expressivo a ponto de
justificar, por si só, o aumento na quantidade de projetos
que tratam da violência contra a mulher. No último ano
analisado, em 2018, apenas seis PLs apresentados tra-
tavam da violência contra a mulher, ao menos enquanto
tema principal. É preciso considerar que, como último
ano da legislatura e por ser ano de eleições federais e
de renovação do Congresso Nacional, o número total de
propostas apresentados foi baixo. Ainda assim o aumen-
to é muito significativo para não ser apontado, ainda mais
considerando a dimensão deste problema na sociedade
brasileira. A 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre Vio-
lência Doméstica e Familiar contra a Mulher, realizada
pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com
o Observatório da Mulher contra a Violência19, aponta
que 27% das mulheres entrevistadas relataram já terem
sido vítimas de agressão, proporção que sobre para 36%
quando a entrevistada é apresentada a 12 situações es-
pecíficas e perguntas se já havia passado por experiên-
cias como “humilhar a mulher em público, tomar seu sa-

19. Disponível em: https://cutt.ly/dgcDp0A


20. Disponível em: https://cutt.ly/fgcDsGN

9
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

PROJETOS DE DECRETO LEGISLATIVO


APRESENTADAS EM 2019 NA CÂMARA
DOS DEPUTADOS
TIPIFICAÇÃO PROJETOS PORCENTAGEM

Como informado acima, ao se analisar a produção le- POLÍTICA DE ARMAS 01 14,3%


gislativa da Câmara dos Deputados, identificamos uma
grande quantidade de PDLs apresentados, em número PROCESSO PENAL
01 14,3%
superior ao que se costuma observar. Foram 369 PDLs
protocolados durante o 1º ano da atual legislatura, nú- OUTROS
02 28,5%
mero 156% superior ao observado em 2015, 1º ano da
legislatura anterior. Entre estes projetos, 86 se referem POLÍCIA 03 42,8%
a temas de segurança pública ou direitos humanos,
representando praticamente ¼ da totalidade dessas
propostas. Ao se segregar os projetos que tratam das
Chama a atenção a proposta do Dep. Peninha que foi
investidas do Poder Executivo sobre a política de con-
reapresentada após ter sanado seu vício de origem.
trole de armas e munições, identificamos 45 PDLs que
A PEC nº 100/2019 buscar inserir na Constituição da
reagem aos 10 decretos do presidente e às seis porta-
República, enquanto direito fundamental e, portanto,
rias publicadas pelo Exército, demonstrando a dimen-
cláusula pétrea, inciso que parafraseia a 2ª Emenda da
são dos atos do Executivo sobre armas de fogo sobre a
Constituição Norte Americana, segundo a qual “o direito
pauta de segurança pública na Câmara dos Deputados.
do povo a possuir e portar armas não poderá ser vio-
lado”. Na adaptação do deputado catarinense, históri-
co defensor de propostas para promover o armamento
PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
generalizado da população, a versão nacional seria a
APRESENTADAS EM 2019 NA CÂMARA seguinte:
DOS DEPUTADOS
“Art. 5º ..............................................................
LXXIX – a lei assegurará ao cidadão o exercí-
Em 2019, foram apresentadas 97 PECs na Câmara dos
cio da legítima defesa e o direito de possuir e
Deputados, sendo que destas oito tratam de segurança
portar os meios necessários para a garantia da
pública e justiça criminal. Em relação às Propostas de
inviolabilidade dos direitos previstos no caput.”
Emenda à Constituição, o primeiro ano da 56ª Legisla-
tura registrou menos propostas do que o ano inaugu-
Surpreende a intenção do parlamentar, ainda que seja
ral da legislatura anterior, quando foram apresentadas
notório defensor do mercado de armas de fogo, de tra-
185 PECs, sendo 30 sobre temas de segurança pública
zer ao sistema jurídico nacional fórmula tão disputada
e justiça criminal. Vemos claramente que a proporção
no direito norte-americano, introduzida no contexto
de PECs que tratam do tema desta pesquisa caiu de
histórico da formação dos Estados Unidos e criada em
16,2% para 8,2%. Esta tendência chama a atenção por
1791, momento em que os Estados Unidos consolidava
ser contrária ao aumento expressivo na quantidade de
sua libertação da Coroa Britânica e ainda não dispunha
propostas legislativas que temos identificado em 2019
de um Exército para proteger as colônias independen-
em comparação com a série histórica. Será necessá-
tes e a aquela época ainda confederadas no embrião
rio acompanhar esses números ao longo da legislatura
do que conhecemos hoje por Estados Unidos da Améri-
para compreender se há algum fator que explique esta
ca. A ideia de transpor este “direito” à República do Bra-
inversão quantitativa.
sil no final da segunda década do séc. XXI, emendando
o artigo mais importante de toda a Constituição, aquele
Das oito propostas, classificamos sete, pois uma foi de-
concede os direitos básicos aos cidadãos brasileiros,
volvida ao autor, o deputado Rogério Peninha (MDB/SC),
simboliza a dimensão que os ataques a uma política
por vício formal na sua propositura. As PECs que tratam
responsável de controle de armas e de defesa da vida
de segurança pública apresentadas em 2019 na Câmara
humana atingiram no atual momento histórico e político.
dos Deputados estão divididas da seguinte forma:
Quanto às três PECs que tratam de polícia, temos a
PEC nº 168/2019 do deputado federal Aluísio Mendes
(PSC/MA), que prevê a carreira única para a Polícia Fe-
deral, além de tratar do contingenciamento de recursos
para a instituição; a PEC nº 181/2019 do deputado Pro-
fessor Alcides (PP/GO), que dispõe sobre a criação de
guardas municipais em municípios com mais de 20 mil

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

habitantes e, por fim, a PEC nº 38/2019, do deputado


Pastor Sargento Isidoro, o deputado campeão de votos TIPIFICAÇÃO PROJETOS PORCENTAGEM
na Bahia durante as eleições de 2018, que trata de um
tema central para a relação entre segurança pública e POLÍTICA DE DROGAS 02 0,9%
política eleitoral na atualidade: o afastamento do serviço
para policiais e militares que desejam se candidatar. As VÍTIMAS 02 0,9%
candidaturas de profissionais ligados às forças de se-
SEGURANÇA PRIVADA,
gurança são uma questão recorrente no estudo da pro- VIGILÂNCIA ELETRÔNICA 03 1,4%
E VIDEOMONITORAMENTO
dução legislativa do Congresso Nacional em temas de
segurança pública e que se anunciam como uma das
POLÍCIA 05 2,2%
grandes tendências das eleições municipais de 202021.
O tema é relevantíssimo considerando a tendência que
POLÍTICAS CRIMINAIS
temos observado ao longo das diferentes edições des- E PROGRAMAS DE
GESTÃO E FINANCIA- 12 5,4%
te estudo, em que percebemos o aumento contínuo de MENTO DA SEGURANÇA
candidaturas de policiais e a captura da pauta de segu- PÚBLICA

rança pública por estes candidatos quando eleitos, que


VIOLÊNCIA CONTRA
investem majoritariamente em propostas de endureci- A MULHER 16 7,2%
mento penal e com um forte componente corporativista
em relação a suas forças de origem. O projeto do poli-
POLÍTICA DE ARMAS 17 7,6%
cial-pastor busca aprofundar ainda mais a porta-giratória
entre a atividade policial e os mandatos políticos, permi-
tindo o retorno de militares à ativa após o término do
EXECUÇÃO PENAL 17 7,6%
mandato eletivo, o que é vedado hoje pela legislação e
que poderia aprofundar ainda mais riscos associados à
politização das polícias, como greves ilegais de policiais OUTROS 18 8%
militares22 e a instrumentalização da atividade policial
para se obter benefícios políticos23.
CRIMINALIZAÇÃO 17,5%
DE CONDUTA 39

PROJETOS DE LEI APRESENTADOS EM 17,5%


PROCESSO PENAL
2019 NO SENADO FEDERAL
39

AUMENTA PENA 53 23,7%


No primeiro ano da 56ª Legislatura, 1.149 projetos de lei
foram apresentados por senadores, sendo que destes
232 que tratam de segurança pública e justiça criminal,
o que representa 20,2% do total. Na inauguração da Mais uma vez identificamos a prevalência dos projetos
legislatura anterior, em 2015, foram apresentados 798 de endurecimento penal como a estratégia prioritária
PLs no Senado Federal, sendo 123 relacionados à se- dos/as parlamentares em endereçar o problema da se-
gurança pública, representando uma proporção inferior, gurança pública. As propostas que buscam criminalizar
de 15,5%, de projetos que tratam do tema objeto des- uma nova conduta ainda não tipificada pelo Direito Penal
ta análise frente à totalidade de projetos apresentados. (39 PLs) ou aumentar a pena para um crime já existente
Mais uma vez observamos aqui um aumento expressivo (53 PLs) somam 41,2% do total de projetos apresenta-
na quantidade de projetos legislativos no início da atual dos sobre segurança pública e justiça criminal, pouco
legislatura quando comparado com o mesmo período da superior à média histórica de toda a 55ª Legislatura, que
legislatura anterior. somou 39% dos projetos de segurança pública vincula-
dos a estas duas categorias.
Dos 232 projetos identificados no tema de interesse,
classificamos 223 que efetivamente tramitaram, pois Outra diferença em relação à Câmara dos Deputados é
oito foram retirados pelos autores e um foi transformado a menor prevalência de projetos que tratam da ativida-
em norma jurídica, sendo analisado em seção especí- de policial, que representam apenas 2,2% do total de
fica, o PL nº 3.715/2019, que trata da posse de armas projetos sobre segurança pública (na Câmara são, pro-
em propriedades rurais. Estes projetos se dividem da porcionalmente, três vezes superiores), mas estão pró-
seguinte forma: ximos à média de 3% registrada ao longo da legislatura
anterior. É curioso como estas proporções têm se man-
tido apesar da alteração na representação parlamentar
e na conjuntura em geral. Esta menor prevalência tal-

21. Disponível em: https://cutt.ly/BgcDfLT


22. DIsponível em: https://cutt.ly/BgcDgVP
23. Disponível em: https://cutt.ly/RgcDjqS

11
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

vez seja explicada pelas características constitucionais O PDL 233/2019 representou uma das maiores de-
do Senado Federal e sua representação parlamentar monstrações recentes do emprego do modelo de freios
federativa, ao contrário da representação direta que e contrapesos previstos na Constituição Federal com
pressupõe a Câmara Federal. vistas à proteção do equilíbrio entre poderes. Ele se
contrapunha ao Decreto nº 9.785, de 7 de maio de
Em relação a projetos que tratam da política de armas, 2019, em que o Governo Federal buscava, contra legis,
estes representam 7,6% do total de projetos no tema, su- autorizar o porte de armas de fogo para segmentos so-
perior à média de 5% observada ao longo da legislatura ciais e profissionais, moradores de área rural, todos os
anterior e muito acima dos 2% de PLs que tratavam de políticos com mandatos eletivos, caminhoneiros, jorna-
armas no conjunto de propostas para a segurança públi- listas, atiradores ou colecionadores de armas, entre ou-
ca do Senado Federal em 2015. Ao contrário da Câmara tros. Este decreto também previa a ampliação do rol de
dos Deputados, os PLs que tratam sobre armas de fogo armas de uso permitido aos cidadãos comuns e o enfra-
no Senado se equilibram entre aqueles que buscam flexi- quecimento dos já insuficientes meios de controle sobre
bilizar a política de controle de armas (8) e os que propõe a comercialização de munições. O Estatuto do Desar-
alguma melhoria (9). Assim como na Câmara, a política mamento (Lei nº 10.826/2003) estabeleceu, como regra
de armas de fogo apresentada pelo Poder Executivo geral, a proibição do porte de armas de fogo no território
teve grande impacto nos trabalhos legislativos do Sena- nacional. Segundo seu artigo 6º, “É proibido o porte de
do Federal e também para esta Casa realizaremos pela arma de fogo em todo o território nacional, salvo para
primeira vez uma análise sobre os PDLs apresentados os casos previstos em legislação própria”. A proibição
para fazer frente as decisões monocráticas do Palácio do do porte, como regra, é mitigada apenas pelo conceito
Planalto neste tema. de “efetiva necessidade”, que pode autorizar – extra-
ordinariamente – que a Polícia Federal permita o porte
Por fim, da mesma maneira que na Câmara dos Depu- de arma para além das categorias profissionais que a
tados, chama a atenção o número de propostas classifi- própria lei listou, exaustivamente, como exceção (incs. I
cadas na nova categoria observada nesta edição, “vio- a XI do art. 6º da Lei 10.826/2003). A aprovação do PDL
lência contra a mulher”. Entre os projetos relacionados 233 pelo plenário do Senado Federal em 18 de junho
às vítimas da violência, que somam 18, apenas dois não de 2019 foi um dos mais marcantes posicionamentos
versam sobre a violência contra a mulher. No Senado Fe- do Poder Legislativo contra atos do Governo Federal.
deral, os PLs que tratam de vítimas foram orientados em Para se ter noção da excepcionalidade do fato, durante
sua quase integralidade para a violência contra a mulher. toda a legislatura passada apenas um PDL havia sido
decretado pelo Congresso Nacional24.

PROJETOS DE DECRETO LEGISLATIVO Após sua aprovação, o PDL 233/2019 foi remetido à
Câmara dos Deputados na mesma semana em que as
APRESENTADOS EM 2019 NO SENADO ações protocoladas por partidos políticos junto ao STF
FEDERAL (ADPF nº 581/2019 e a ADI 6139/2019,), para fazer
frente à investida do Poder Executivo contra as com-
A exemplo da Câmara dos Deputados, o primeiro ano petências legislativas do Congresso Nacional quanto
da 56ª Legislatura registrou uma quantidade inédita de à política de armas, foram agendadas para julgamento
PDLs apresentados pelos senadores. Foram 54 no to- em 26 de junho. Ocorre que, menos de 24 horas antes
tal, frente a 34 no primeiro ano da legislatura anterior. do julgamento, e com fortes sinais de que a Câmara
Entre aqueles Projetos de Decreto Legislativo apresen- seguiria o mesmo caminho do Senado e cassaria seu
tados no Senado Federal em 2019, identificamos que ato25, o presidente da República publicou outros três de-
16 tratam dos temas objeto desta análise ou outros te- cretos de nºs (9.844, 9.845 e 9.846), que reeditaram,
mas de direitos humanos, o que representa 29,6% do em sua quase totalidade, os dispositivos impugnados
total, ainda superior à proporção identificada na Câmara do Decreto 9.785/2019. Isto frustrou o julgamento, já
dos Deputados. Destes, a exemplo do que se observou que a Procuradoria Geral da União (PGR) se manifes-
na Câmara, a maior parte – ou nove PDLs – buscam tou junto ao Supremo no sentido da perda de objeto
reagir à política armamentista do governo federal. É o das ações, já que o decreto disputado havia sido re-
caso do PDL 233/2019, de autoria do senador Randolfe vogado26, apesar de ser vasta a jurisprudência do STF
Rodrigues (REDE/AP), que questiona a constituciona- que considera fraude à jurisdição a alteração de ato do
lidade do Decreto 9.785, conhecido como o “Decreto Executivo apenas para frustrar a apreciação da matéria
do Porte”, pois nele o presidente autorizou o porte de pela Corte27. Em outras palavras, para evitar o controle
armas para instrutores de tiro, colecionadores, atirado- que seria feito pelo STF e, em último caso, pela Câma-
res e caçadores (CACs) e outras categorias. A constitu- ra, que apreciaria o PDL 233, o governo federal revogou
cionalidade do decreto também estava sendo avaliada seus atos na véspera do julgamento para publicar con-
pelo Supremo Tribunal Federal. teúdo semelhante no dia seguinte.

24. Disponível em: https://cutt.ly/ygcDkdc


25. Disponível em: https://cutt.ly/QgcDlPi
26. Disponível em: https://cutt.ly/sgcDxkz
27. Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº1080, 3306 e 3232

12
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Em síntese, toda essa movimentação indica que Bolso- da manifestação de importantes organismos de defesa
naro estava apenas lançando mão de uma estratégia dos direitos das crianças e dos adolescentes apontarem
para seguir avançando em suas pautas prioritárias e po- para os riscos dessa medida.29 Mais uma vez vemos os
lêmicas, estratégia que foi promovida às custas de um parlamentares insistirem na dimensão penal do ordena-
desgaste institucional entre os poderes bastante preju- mento jurídico sem considerar os custos econômicos e
dicial à democracia. Assim, esse é um episódio bastan- sociais ligados ao aumento do aprisionamento, além do
te emblemático do estilo do presidente, que tensiona o risco da expansão e difusão de dezenas de facções cri-
pacto constitucional de 1988 e gera indesejável desgas- minosas por todo o território e que, como temos denun-
te institucional28. Desde então, os repaginados decretos ciado há alguns anos, se beneficiam e se fortalecem a
da Presidência permanecem em vigor. partir da política penal brasileira. Entre as três PECs
identificadas, chama a atenção a PEC nº 15/2019, que
busca considerar o adolescente como imputável
PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO criminalmente já aos 15 anos, caso ele cometa al-
APRESENTADAS EM 2019 NO SENADO guns crimes mais graves como homicídio qualificado ou
FEDERAL estupro. Ainda que medidas como esta tenham apelo
junto a parcela significativa da população, temos tam-
bém insistido que o conceito de imputabilidade penal se
Curiosamente, percebemos uma tendência divergente
refere a características psico-sócio-fisiológicas do ado-
quanto às PECs – tanto no Senado quanto na Câmara
lescente e, portanto, não pode ser orientado a partir do
– do que observamos em relação aos projetos de lei de
ato infracional cometido.
ambas as casas legislativas, neste ano inaugural da 56ª
Legislatura. Assim como a Câmara dos Deputados, vi-
O endurecimento penal também é a premissa de ou-
mos uma redução de Propostas de Emenda à Constitui-
tras emendas. Das seis PECs que tratam de processo
ção quando comparado ao mesmo período da legislatu-
penal, três buscam autorizar a prisão após sentença
ra anterior. Se em 2015 foram apresentadas 167 PECs,
condenatória exaurida em 2ª instância processual. Este
com apenas quatro delas relacionadas à segurança pú-
debate tem mobilizado as instituições brasileiras desde
blica ou justiça criminal, em 2019 foram 121 Propostas
2016, quando no auge da operação Lava a Jato, com
de Emenda à Constituição, ainda que 17 tratem do tema
a população mobilizada a favor da punição à corrupção
objeto desta pesquisa.
que se percebia generalizada pela sociedade, o STF
havia permitido a execução da pena ainda que a sen-
Seguindo a metodologia definida, classificamos 16 pro-
tença penal condenatória não tenha transitado em jul-
jetos, pois um foi retirado pelo autor. A classificação se
gado, como manda o art. 5º, inc. LVII, da Constituição
dá da seguinte maneira:
Federal. Em novembro do ano passado, o STF muda
novamente seu entendimento e decidiu que réus con-
TIPIFICAÇÃO PROJETOS PORCENTAGEM denados só poderão ser presos após o trânsito em jul-
gado da decisão, isto é, depois de esgotados todos os
POLÍTICAS CRIMINAIS recursos, exceto nas hipóteses das prisões preventivas
E PROGRAMAS DE GESTÃO
E FINANCIAMENTO DA
01 6,2% ou temporárias30.
SEGURANÇA PÚBLICA

Entre as propostas que tratam da execução da pena


EXECUÇÃO PENAL 03 18,7% (3), vemos que todas também visam ao endurecimen-
to penal. Duas PECs tratam da limitação do direito de
POLÍCIA 03 18,7% indulto presidencial e a outra sobre o cumprimento de
pena em regime integralmente fechado para crimes he-
REDUÇÃO DA
03 18,7% diondos cometidos com violência.
MAIORIDADE PENAL

O único projeto identificado como mais estruturante é a


PROCESSO PENAL 06 37,5% PEC nº 44/2019, que busca criar um piso orçamentário
para o investimento anual no SUSP. Ainda que o en-
gessamento setorial do orçamento seja tema comple-
Chama a atenção o escopo punitivista das Propostas xo, ainda mais em tempos de crise fiscal, é fundamental
de Emenda à Constituição do Senado. Dentre as 16 que se preveja modelos para o investimento real num
proposições classificadas, temos três PECs que ver- tema tão prioritário à população.
sam sobre a redução da maioridade penal. Esse é um
tema há tempos presente no debate legislativo, apesar

28. Disponível em: https://cutt.ly/vgEbKuw


29. Disponível em: https://cutt.ly/kgcDvfg e https://cutt.ly/igcDbkb
30. Disponível em: https://cutt.ly/9gcDn07

13
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

MAIORES PROPOSITORES NA ÁREA DE


SEGURANÇA PÚBLICA E JUSTIÇA CRIMINAL

Câmara dos Deputados

Foram 28 deputados/as federais que apresentaram ao menos dez projetos de lei que tratam de segurança pública e
justiça criminal ao longo de 2019. Este grupo representa apenas 5,4% de todos os deputados, mas foi responsável, em
2019, pela apresentação de 481 PLs, o que corresponde a 39,6% de todos os projetos de lei foco do presente estudo,
proporção bastante semelhante à observada em 2018. Desta forma, mesmo que a chegada de novos parlamentares
no Congresso Nacional tenha diversificado os proponentes da área de segurança pública, mais uma vez identificamos
alta concentração parlamentar sobre o tema.

Nº DE PROPOSIÇÕES
PARLAMENTAR PARTIDO UF APRESENTADAS PROFISSÃO

SANDERSON PSL RS 42 POLICIAL FEDERAL


CÉLIO STUDART PV CE 37 ADVOGADO
JOSÉ MEDEIROS PODE MT 37 FORMADO EM DIREITO, APOSENTADO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL
ROBERTO DE LUCENA PODE SP 24 PASTOR E ESCRITOR
RODRIGO AGOSTINHO PSB SP 23 ADVOGADO
GUILHERME DERRITE PP SP 21 POLICIAL MLITAR
EDNA HENRIQUE PSDB PB 20 SERVIDORA PÚBLICA
RENATA ABREU PODE SP 18 EMPRESÁRIA E ADVOGADA
LINCOLN PORTELA PL MG 18 COMUNICADOR
CORONEL TADEU PSL SP 18 CORONEL DA PM
HELIO LOPES PSL RJ 17 MILITAR DO EXÉRCITO, PRÓXIMO A BOLSONARO
DANIEL SILVEIRA PSL RJ 16 EX POLICIAL MILITAR
JOSÉ NELTO PODE GO 14 ADVOGADO
LUIS FLÁVIO GOMES PSB SP 14 JURISTA E PROFESSOR
CAPITÃO AUGUSTO PL SP 13 POLICIAL, PRESIDENTE DA CSPCCO
CAPITÃO WAGNER PROS CE 13 MILITAR
JUNINHO DO PNEU DEM RJ 13 EMPRESÁRIO
RUBENS BUENO CIDADANIA PR 12 PROFESSOR
JULIAN LEMOS PSL PB 12 EMPRESÁRIO
ALUISIO MENDES PSC MA 12 SERVIDOR PÚBLICO
BOSCO COSTA PL SE 12 ADMINISTRADOR
CABO JUNIO AMARAL PSL MG 12 POLICIAL
NEREU CRISPIM PSL RS 11 AUDITOR
IGOR TIMO PODE MG 11 EMPRESÁRIO
RUBENS OTONI PT GO 11 CONSULTOR
JÚNIOR BOZZELLA PSL SP 10 ADVOGADO
HEITOR FREIRE PSL CE 10 ADMINISTRADOR
REJANE DIAS PT PI 10 ADMINISTRADORA

Entre os 28 maiores propositores da Câmara em 2019, apenas dois deputados também figuraram como os principais
propositores em 2018: Capitão Augusto (PL/SP), que foi também o presidente da Comissão de Segurança Pública
e Combate ao Crime Organizado, e Roberto de Lucena (PODE/SP), pastor evangélico. Chama atenção a presença
significativa de parlamentares ligados às forças policiais nessa lista. Dos 28 maiores propositores, são nove deputados
que representam essa categoria. Se consideramos apenas os 10 maiores propositores, a proporção é ainda maior,
com quatro deputados ligados às forças de segurança. Ao longo das edições desta pesquisa, temos apontado o im-
pacto da representação de policiais na produção legislativa, fenômeno que também deve ser observado com cuidado
nas eleições para os executivos e legislativos municipais de 2020.

Vale destacar, ainda, que dos 28 parlamentares que figuraram como os maiores propositores em 2019, 18 são deputa-
dos/as exercendo o seu primeiro mandato eletivo e, destes, 12 exercendo um cargo político pela primeira vez.

14
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Senado Federal

No Senado Federal, 10 parlamentares apresentaram ao menos 10 propostas sobre segurança pública e justiça crimi-
nal. Juntos, esses/as senadores/as foram responsáveis por 71,1% de todos os projetos de lei apresentados no campo
da segurança pública em 2019, mais uma vez consolidando a tendência de concentração parlamentar na propositura
de projetos de segurança pública e justiça criminal nas mãos de poucos/as senadores/as.

Nº DE PROPOSIÇÕES
PARLAMENTAR PARTIDO UF APRESENTADAS PROFISSÃO

FABIANO CONTARATO REDE ES 31 POLICIAL


JORGE KAJURU CIDADANIA GO 23 RADIALISTA E APRESENTADOR DE TV
MARCOS DO VAL PODEMOS ES 19 INSTRUTOR DE TIRO
STYVENSON VALENTIM PODEMOS RN 17 POLICIAL
MAJOR OLÍMPIO PSL SP 15 POLICIAL
MARA GABRILI PSDB SP 15 PSICÓLOGA
ROSE DE FREITAS PODEMOS ES 12 JORNALISTA E RADIALISTA
WEVERTON PDT MA 12 FORMADO EM ADMINISTRAÇÃO
FLÁVIO BOLSONARO PSL RJ 11 EMPRESÁRIO E ADVOGADO
LEILA BARROS PSB DF 10 ESPORTISTA

Da mesma maneira que surpreende a quantidade de parlamentares ligados às carreiras policiais dentre os maiores
propositores na Câmara, no Senado Federal isso também é observado. Entre os 10 principais propositores, quatro
deles estão associados às forças policiais. São eles os senadores Fabiano Contarato (REDE/ES), Marcos do Val (CI-
DADANIA/ES) que, embora não seja policial, apresenta-se em trajes semelhantes a fardas e é instrutor de tiro para
policiais, Styvenson Valentim (PODEMOS/RN) e Major Olímpio (PSL/SP). Em relação ao ano anterior, apenas a sena-
dora Rose de Freitas (PODE/ES) permanece entre os principais propositores da Casa.

Dentre os 10 senadores que foram os maiores propositores em 2019, apenas a senadora Rose de Freitas já ocupava
uma vaga no Senado Federal. Os/as outros/as nove senadores/as exercem seu mandato pela primeira vez e, destes
nove, três são os parlamentares exercendo pela primeira vez um cargo político.

15
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

LEIS PROMULGADAS EM 2019

Ao final do primeiro ano da 56ª Legislatura, foram promulgadas 185 leis, uma diminuição de aproximadamente 8% em
relação ao ano anterior. Em 2015, também ano de início de legislatura, foram 167 novas leis, número bem próximo ao
observado em 2019. No entanto, naquele ano foram apenas 11% de leis relacionadas à segurança pública e justiça
criminal, enquanto entre as 185 novas leis que entraram em vigor em 2019, 44 eram sobre os temas de análise deste
estudo, o que representa uma proporção de 23,8% do total de leis, a maior proporção desde que começamos a analisar
a produção legislativa do Congresso Nacional em temas de segurança pública e justiça criminal, o que aponta para a
centralidade que o tema ocupa na agenda no atual Governo Federal.

Não obstante, uma quantidade relevante entre as 44 novas leis refere-se à criação de créditos suplementares para finan-
ciamento da segurança pública (são 17 no total). Assim, excluindo as propostas sobre créditos suplementares, ficamos
com 27 leis aprovadas - sendo 19 originárias do Legislativo e oito do Poder Executivo - apresentadas no quadro abaixo:

Nº da Lei Ementa Matéria Origem

Lei nº 13.968, de 26 de dezembro de Altera o Decreto-Lei nº 2.848, Criminalização de conduta/ insti- Legislativo
2019 de 7 de dezembro de 1940 gação ao suicídio
(Código Penal), para modificar
o crime de incitação ao suicí-
dio e incluir as condutas de
induzir ou instigar a automuti-
lação, bem como a de prestar
auxílio a quem a pratique.

Lei nº 13.967, de 26 de dezembro de Altera o art. 18 do Decre- Polícia/ Militares/ Prisão Disci- Legislativo
2019 to-Lei nº 667, de 2 de julho de plinar
1969, para extinguir a pena
de prisão disciplinar para as
polícias militares e os corpos
de bombeiros militares dos
Estados, dos Territórios e do
Distrito Federal, e dá outras
providências.
Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de Aperfeiçoa a legislação penal Lei Anticrime Executivo
2019 (Lei Anticrime) e processual penal.

Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de Altera a Lei nº 6.880, de 9 de Polícia/ Reestruturação da Carrei- Legislativo
2019 dezembro de 1980 (Estatuto ra Militar e Reforma da Previdên-
dos Militares), a Lei nº 3.765, cia dos militares
de 4 de maio de 1960, a Lei nº
4.375, de 17 de agosto de 1964
(Lei do Serviço Militar), a Lei nº
5.821, de 10 de novembro de
1972, a Lei nº 12.705, de 8 de
agosto de 2012, e o Decreto-Lei
nº 667, de 2 de (...)
Lei nº 13.931, de 10 de dezembro de Altera a Lei nº 10.778, de 24 Violência contra a mulher Executivo
2019 de novembro de 2003, para
dispor sobre a notificação
compulsória dos casos de
suspeita de violência contra a
mulher.
Lei nº 13.923, de 4 de dezembro de Outorga o título de Patrono do Outros/ título a tenente coronel da Legislativo
2019 Quadro de Oficiais Especial- aeronáutica
istas em Controle de Tráfego
Aéreo da Aeronáutica ao
Tenente-Coronel Especialista
em Controle de Tráfego Aéreo
Aldo Augusto Voigt.

16
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Nº da Lei Ementa Matéria Origem

Lei nº 13.912, de 25 de novembro de Altera a Lei nº 10.671, de 15 Outros/ violência nos estádios Legislativo
2019 de maio de 2003 (Estatuto de
Defesa do Torcedor), para
ampliar o prazo de impedi-
mento de que trata o art. 39-A,
estender sua incidência a atos
praticados em datas e locais
distintos dos eventos esporti-
vos e instituir novas hipóteses
de responsabilidade civil (...)
Lei nº 13.903, de 19 de novembro de Autoriza a criação da empresa Outros/ Cria empresa pública Executivo
2019 pública NAV Brasil Serviços de NAV/ segurança nacional
Navegação Aérea S.A. (NAV
Brasil) e altera as Leis nºs
7.783, de 28 de junho de 1989,
e 6.009, de 26 de dezembro
de 1973.
Lei nº 13.894, de 29 de outubro de Altera a Lei nº 11.340, de 7 Violência contra a mulher Legislativo
2019 de agosto de 2006 (Lei Ma-
ria da Penha), para prever a
competência dos Juizados de
Violência Doméstica e Fa-
miliar contra a Mulher para a
ação de divórcio, separação,
anulação de casamento ou
dissolução de união estável
nos casos de violência e para
tornar obrigatória (...)
Lei nº 13.886, de 17 de outubro de Altera as Leis nºs 7.560, de 19 Outros/ destinação de bens Executivo
2019 de dezembro de 1986, 10.826, apreendidos
de 22 de dezembro de 2003,
11.343, de 23 de agosto de
2006, 9.503, de 23 de setembro
de 1997 (Código de Trânsi-
to Brasileiro), 8.745, de 9 de
dezembro de 1993, e 13.756, de
12 de dezembro de 2018, para
acelerar a destinação de (...)
Lei nº 13.884, de 16 de outubro de Autoriza a prorrogação de Outros/ contrato ministério da Executivo
2019 contratos por tempo determi- defesa
nado do Instituto de Fomento
e Coordenação Industrial,
no âmbito do Comando da
Aeronáutica do Ministério da
Defesa.
Lei nº 13.882, de 8 de outubro de Altera a Lei nº 11.340, de 7 Violência contra a mulher Legislativo
2019 de agosto de 2006 (Lei Maria
da Penha), para garantir a
matrícula dos dependentes
da mulher vítima de violência
doméstica e familiar em institu-
ição de educação básica mais
próxima de seu domicílio.
Lei nº 13.880, de 8 de outubro de Altera a Lei nº 11.340, de 7 Política de armas/ Violência contra Legislativo
2019 de agosto de 2006 (Lei Ma- a mulher
ria da Penha), para prever a
apreensão de arma de fogo
sob posse de agressor em
casos de violência doméstica,
na forma em que especifica.

17
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Nº da Lei Ementa Matéria Origem

Lei nº 13.871, de 17 de setembro de Altera a Lei nº 11.340, de 7 de Violência contra a mulher/ Ressar- Legislativo
2019 agosto de 2006 (Lei Maria da cimento dos custos da violência
Penha), para dispor sobre a
responsabilidade do agressor
pelo ressarcimento dos custos
relacionados aos serviços de
saúde prestados pelo Sistema
Único de Saúde (SUS) às víti-
mas de violência doméstica e
familiar e aos dispositivos (...)
Lei nº 13.870, de 17 de setembro de Altera a Lei nº 10.826, de 22 Política de armas/ Posse rural Legislativo
2019 de dezembro de 2003, para
determinar que, em área rural,
para fins de posse de arma de
fogo, considera-se residência
ou domicílio toda a extensão
do respectivo imóvel.
Lei nº 13.869, de 5 de setembro de Dispõe sobre os crimes de Lei de Abuso de Autoridade Legislativo
2019 (Lei de Abuso de Autoridade abuso de autoridade; altera a
(2019)) Lei nº 7.960, de 21 de dezem-
bro de 1989, a Lei nº 9.296,
de 24 de julho de 1996, a Lei
nº 8.069, de 13 de julho de
1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de
julho de 1994; e revoga a Lei
nº 4.898, de 9 de dezembro de
1965, e dispositivos do (...)
Lei nº 13.842, de 17 de junho de 2019 Altera a Lei nº 7.565, de 19 de Outros Executivo
dezembro de 1986 (Código
Brasileiro de Aeronáutica).
Lei nº 13.841, de 5 de junho de 2019 Altera a Lei nº 10.480, de 2 de Outros Executivo
julho de 2002, para prorrogar
o prazo de recebimento de
gratificações pelos servidores
ou empregados requisitados
pela Advocacia-Geral da
União, e a Lei nº 11.473, de 10
de maio de 2007, que dispõe
sobre cooperação federativa
no âmbito da segurança (...)
Lei nº 13.840, de 5 de junho de 2019 Altera as Leis nºs 11.343, de Política de drogas/ internação Legislativo
(Lei da Internação Compulsória) 23 de agosto de 2006, 7.560, compulsória
de 19 de dezembro de 1986,
9.250, de 26 de dezembro de
1995, 9.532, de 10 de dezem-
bro de 1997, 8.981, de 20 de
janeiro de 1995, 8.315, de 23
de dezembro de 1991, 8.706,
de 14 de setembro de 1993,
8.069, de 13 de julho de 1990,
9.394, de (...)
Lei nº 13.836, de 4 de junho de 2019 Acrescenta dispositivo ao art. Violência contra a mulher Legislativo
12 da Lei nº 11.340, de 7 de
agosto de 2006, para tornar
obrigatória a informação sobre
a condição de pessoa com
deficiência da mulher vítima
de agressão doméstica ou
familiar.
Lei nº 13.834, de 4 de junho de 2019 Altera a Lei nº 4.737, de 15 de Criminalização de conduta/ de- Legislativo
julho de 1965 - Código Eleito- nunciação caluniosa
ral, para tipificar o crime de
denunciação caluniosa com
finalidade eleitoral.

18
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Nº da Lei Ementa Matéria Origem

Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019 Altera a Lei nº 11.340, de 7 Violência contra a mulher Legislativo
de agosto de 2006 (Lei Maria
da Penha), para autorizar, nas
hipóteses que especifica, a
aplicação de medida protetiva
de urgência, pela autoridade
judicial ou policial, aÌ mulher
em situação de violência
doméstica e familiar, ou a seus
dependentes, e para determi-
nar (...)
Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019 Institui a Política Nacional de Outros/ prevenção ao suicídio Legislativo
Prevenção da Automutilação e
do Suicídio, a ser implementa-
da pela União, em cooperação
com os Estados, o Distrito Fed-
eral e os Municípios; e altera
a Lei nº 9.656, de 3 de junho
de 1998.
Lei nº 13.817, de 24 de abril de 2019 Outorga o título de Patrono da Outros/ título a major da aeronáu- Legislativo
Tecnologia da Informação da tica
Aeronáutica ao Major-Briga-
deiro Engenheiro Tércio Pacitti.
Lei nº 13.812, de 16 de março de Institui a Política Nacional de Outros/ Cadastro nacional de Legislativo
2019 Busca de Pessoas Desapare- pessoas desaparecidas
cidas, cria o Cadastro Nacion-
al de Pessoas Desaparecidas
e altera a Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 (Estatuto da
Criança e do Adolescente).
Lei nº 13.810, de 8 de março de 2019 Dispõe sobre o cumprimento Outros Executivo
de sanções impostas por res-
oluções do Conselho de Se-
gurança das Nações Unidas,
incluída a indisponibilidade
de ativos de pessoas naturais
e jurídicas e de entidades,
e a designação nacional de
pessoas investigadas ou acu-
sadas de terrorismo, de seu
financiamento ou de (...)
Lei nº 13.804, de 10 de janeiro de Dispõe sobre medidas de pre- Outros/ Prevenção do crime de Legislativo
2019 venção e repressão ao con- contrabando e outros que se
trabando, ao descaminho, ao utilizam veículos
furto, ao roubo e à receptação;
altera as Leis nºs 9.503, de 23
de setembro de 1997 (Código
de Trânsito Brasileiro), e 6.437,
de 20 de agosto de 1977.

Dentre as novas normas que entraram em vigor, merece Ainda sobre mudanças na política de controle de armas
destaque o chamado “Pacote Anticrime”, proposta apre- e munições, foi aprovada a Lei nº 13.870/2019, que am-
sentada ao Congresso Nacional pelo ex Ministro da pliou a posse de armas para toda a extensão de proprie-
Justiça Sérgio Moro. Como dissemos acima, o Pacote dades rurais. Temos alertado que as mudanças que flex-
Anticrime, como ficou conhecido o conjunto de propos- ibilizam o Estatuto do Desarmamento corroboram para o
tas que alteram a legislação penal e processual penal aumento da circulação de armas de fogo e, consequen-
foi objeto de análise do Grupo de Trabalho instituído temente, a violência armada. Não obstante os pequenos
na Câmara dos Deputados para tratar da matéria. Da proprietários de terra estarem em condições mais vul-
mesma forma, a já mencionada Lei nº 13.880/2019, que neráveis, a ampliação da posse de arma nas grandes
prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agres- propriedades aumenta a chance de conflitos armados,
sor em casos de violência doméstica. que já são uma realidade crescente no campo.

19
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Também vale destacar a promulgação da Lei nº e do dinamismo do colegiado, observamos ainda uma
13.840/2019, que ficou conhecida como “Lei da Inter- grande concentração de parlamentares que foram re-
nação Compulsória”, pois permite internação invol- latores das propostas apreciadas pela comissão no
untária de usuários abusivos de drogas. A medida san- ano passado. Apenas 32 deputados/as - menos que a
cionada pelo presidente vai na contramão de políticas metade do total de membros - relataram ao menos uma
públicas recentes sobre o tema e da opinião de espe- proposta ao longo do ano.
cialistas sobre o assunto.31 A norma também prevê o
atendimento pelas comunidades terapêuticas, que não Foram 73 propostas apreciadas pela comissão em
se caracterizam como unidades de saúde, e sim esta- 2019 (não contabilizamos as proposições apensadas),
belecimentos filantrópicos, e que também são alvo de ante as 18 apreciadas no ano anterior, em que observa-
críticas de especialistas.32 mos queda da produtividade legislativa.

Por fim, merece destaque a Lei nº 13.954/2019, que As propostas apreciadas estão divididas de acordo com
dispõe sobre a reestruturação da carreira militar e institui as categorias adotadas em nossa metodologia, con-
a reforma da previdência dos militares, e a Lei de Abu- forme definida acima:
so de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), associada a uma
reação à Lava Jato, sancionada após grande tensão en-
tre o Poder Executivo e o Congresso Nacional.
NÚMERO DE
MATÉRIA
PROJETOS
A ATUAÇÃO DA COMISSÃO DE SEGURANÇA
PÚBLICA E COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
DA CÂMARA DOS DEPUTADOS OUTROS 24

Conforme as edições anteriores desta pesquisa, POLÍCIA 09


vimos demonstrando a centralidade da Comissão de
Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado EXECUÇÃO PENAL 08
(CSPCCO) na análise das proposições que guardam
relação com o tema da segurança pública e justiça crim-
POLÍTICAS CRIMINAIS E
inal, ao mesmo tempo em que apontamos significativa
PROGRAMAS DE GESTÃO 07
concentração do debate em torno de alguns parlam-
E FINANCIAMENTO DA
entares, alimentando um quadro de baixa rotatividade SEGURANÇA PÚBLICA
entre os membros deste colegiado. O ano de 2019,
entretanto, representa um ano em que uma nova leg-
islatura se inicia e, com isso, percebemos também uma AUMENTA PENA 06
renovação entre os membros que compõem a CSPC-
CO. A despeito desta renovação, o deputado Capitão
Augusto foi o presidente da comissão em 2019, posição POLÍTICA DE ARMAS 04
que já havia ocupado em 2017. O parlamentar também
participou do colegiado ao longo de toda a 55ª Legis- SEGURANÇA PRIVADA,
latura (2015-2019). Em 2019, a composição inicial da VIGILÂNCIA ELETRÔNICA 04
comissão era formada por 75 parlamentares. Destes, 54 E VIDEOMONITORAMENTO
são parlamentares que ocuparam pela primeira vez uma
vaga no colegiado. Outro importante fator de destaque CRIMINALIZAÇÃO
e que temos chamado atenção ao longo das edições da DE CONDUTA 03
pesquisa é a forte presença de parlamentares ligados
às forças de segurança nesta comissão. Dentre os 75
parlamentares que compunham a formação inicial do VÍTIMAS /VIOLÊNCIA
CONTRA A MULHER
03
colegiado, 23 deles são deputados com essa origem
profissional.
PROCESSO PENAL 03
Ainda que a chegada de parlamentares que ocupam
pela primeira vez uma cadeira na comissão e exercem,
na maioria dos casos, o seu primeiro mandato legislati- POLÍTICA DE DROGAS 02
vo, seja algo positivo do ponto de vista da renovação

31. Disponível em: https://cutt.ly/agcDQEP


32. Disponível em: https://cutt.ly/FgcDW5R

20
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Seguido da categoria “outros” - projetos que não se en- penhor aos mecanismos de controle de atividades
quadram em nenhuma categoria de análise específica financeiras e,
deste estudo - o tema que mais aparece nas propostas
apreciadas está relacionado à atividade policial, dado • Projeto de Lei nº 4.223/2019 - Estabelece a obrig-
que reforça a tendência apresentada nas edições an- atoriedade de instalação de câmeras de vigilância e
teriores. Em toda a 55ª legislatura (2015-2019), o tema GPS no interior dos veículos da Polícia Civil e Mili-
“polícia” foi o que mais prevaleceu entre as propos- tar em âmbito nacional.
tas apreciadas pela comissão, independentemente do
número de propostas apreciadas serem bastante diver- O PDL nº 1.055/2018 visava sustar decreto do ex-presiden-
gentes em cada ano. Em 2015, 41% das 17 principais te Michel Temer, muito criticado à época por organizações
propostas apreciadas pela comissão tratavam de temas da sociedade civil,34 pois representava uma ameaça de
relacionados à categoria polícia; em 2016 essa pro- criminalização da atuação de movimentos sociais. O PL nº
porção era de 33% dos 97 projetos apreciados; em 2017 225/2019 representava uma importante iniciativa para apri-
eram 28% projetos de “polícia” entre os 79 analisados morar a gestão da informação dos órgãos de segurança e
e, por fim, no último ano da 55ª legislatura a proporção justiça, através da elaboração e divulgação de estatísticas
de projetos de polícia apreciados pela comissão repre- criminais, fundamentais para o diagnóstico de dinâmicas
sentava também 28% do total de 18 apreciados naquele criminais e o desenho eficaz de políticas públicas de redução
ano. Entre as nove propostas do tema no ano passa- de criminalidade. A terceira edição do relatório “Onde Mora a
do, seis versavam sobre a concessão de benefícios
Impunidade - Porque o Brasil precisa de um Indicador Na-
para representantes de forças policiais, ou integrantes
cional de Esclarecimento de Homicídios”, do Instituto Sou
de órgãos de segurança pública, demonstrando que a
comissão vem atuando de acordo com interesses de um da Paz35, também mostra a necessidade de investirmos na
grupo específico, também representativo entre os parla- construção de informações sólidas que aprimorem a inves-
mentares que ocupavam uma vaga no colegiado. tigação e o esclarecimento de crimes, sobretudo do crime
contra a vida, sendo fundamental, para tanto, a disponibili-
Entre as propostas apreciadas pela comissão no ano zação de estatísticas criminais pelos órgãos responsáveis
passado, vale destacar quatro projetos com natureza nos estados. Nesse sentido, o PL nº 225/2019 tinha como
inconstitucional, pois criam uma espécie de pena de objetivo justamente instituir a obrigatoriedade da produção e
caráter perpétuo ao instituírem cadastros/bancos de da- publicização de tais informações. Por fim, o PL 4.223/2019,
dos de pessoas condenadas pela justiça. São eles os que previa instalação de câmeras de vigilância no interior
PLs 483/2019, 3.705/2019, 1.969/2019 e 1.490/2019. dos veículos das Polícias Civil e Militar em âmbito nacional
Merece destaque, ainda, projeto que disciplina o for- foi rejeitado pelo colegiado, mesmo representando uma ini-
necimento de dados captados por circuito fechado de
ciativa com potencial de contribuir para o fortalecimento do
televisão a policiais, sem autorização judicial. O forne-
controle da atividade policial, num país com taxas elevadas
cimento de dados particulares às autoridades policiais,
sem prévia autorização judicial, extrapola direitos funda- de letalidade e violência policial e também demonstrando o
mentais previstos na Constituição Federal como a pri- componente corporativista da comissão.
vacidade e intimidade33 e violam a recém aprovada Lei
Como dito anteriormente, a CSPCCO exerce papel
Geral de Proteção de Dados (LGPD).
regimental fundamental na análise de projetos de se-
Dentre as 73 propostas apreciadas, apenas cinco ti- gurança pública e justiça criminal, sendo capaz de se
veram como parecer a rejeição pelo relator. São elas: configurar enquanto importante colegiado para o apri-
moramento do debate legislativo. No entanto, a série
• Projeto de Decreto Legislativo nº 1.055/2018 - Sus- histórica desta pesquisa aponta a um debate pouco
ta o Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018,
atento a medidas estruturais e que impactem signifi-
que cria a Força-Tarefa de Inteligência para o en-
frentamento ao crime organizado no Brasil; cativamente na melhoria de vida das pessoas no que
tange à segurança. Apenas sete propostas, dentre as
• Projeto de Lei nº 225/2019 - Altera a Lei n° 13.675, 73 apreciadas em 2019 pelo colegiado, tratam de de-
de 11 de junho de 2018 (Sistema Único de Segu-
bates mais estruturantes, muito embora o próprio pres-
rança Pública), para implementar medidas voltadas
a elaboração e divulgação de estatísticas criminais; idente afirme o compromisso desta comissão com a
“formulação de um novo paradigma para a segurança
• Projeto de Lei nº 5.292/2019 - Dispõe sobre a pública, fundamentado na política de resultados e me-
proteção e segurança dos consumidores nas agên-
didas concretas para o aprimoramento do ordenamento
cias e postos bancários;
jurídico”36. O que se observa, ao contrário, é uma es-
• Projeto de Lei nº 156/2019 - Altera a Lei nº 9.613, colha por pautar projetos que não mudam substancial-
de 3 de março de 1998, para submeter os bens em mente esse quadro, o que nos demonstra mais uma
vez a tendência já observada nos anos anteriores, ain-
33. Art. 5º, inc. X, CF/1988 da em tratando-se de um novo ano legislativo.
34. Disponível em: https://cutt.ly/SgcDE5x
35. Disponível em: https://cutt.ly/GgcDTou
36. Disponível em: https://cutt.ly/Chi565E

21
O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

CONSIDERAÇÕES FINAIS As coincidências são notáveis, o que aponta para um


modo de fazer política legislativa muito característica do
Parlamento Federal em segurança pública na segunda
A análise da produção legislativa do Congresso Nacion-
década do século 21.
al em temas de segurança pública e justiça criminal ao
longo do ano inaugural da 56ª Legislatura permite iden-
Tanto é assim que talvez o projeto de maior relevân-
tificar a consolidação de tendências observadas ao lon-
cia no tema que foi debatido no Congresso, e ao fim
go das diversas edições deste estudo, ao mesmo tempo
aprovado em 2019, seja justamente o dito projeto “anti-
em que foi possível diferenciar particularidades que se
crime” do ex-ministro Sérgio Moro. Um grande mais do
anunciaram nas atividades dos parlamentares em 2019,
mesmo, em geral, que elege a privação de liberdade
especialmente na relação (e tensões) entre os Poderes
e a atuação da justiça criminal com a grande solução,
Executivo e Legislativo, o que pode ser percebido a par-
digamos, “anticrime”.
tir do aumento significativo de PDLs apresentados no
Congresso Nacional.
O direito penal não pode ser orientado para ser o
remédio-padrão para os conflitos sociais e só deve ser
De pronto, vemos se consolidar a hipótese de que o
empregado nas situações em que os valores de con-
primeiro ano da legislatura é precipuamente propício a
vivência republicanos foram maculados por um nível de
apresentar um maior número de propostas legislativas
violência que justifique a segregação física do indivíduo,
frente aos anos subsequentes. As possíveis explicações
respeitados os direitos constitucionais de presunção da
para isso seriam a proximidade com as eleições, em que
inocência e do devido processo legal, assim como – ob-
os/as parlamentares chegam ao Congresso com capi-
viamente – da dignidade da pessoa humana.
tal político adquirido no pleito recente e cujas promes-
sas de campanha ainda estão frescas na memória do
No entanto, não se trata aqui, em absoluto, da crítica
eleitorado e dos/as parlamentares. Ainda mais, como
rasteira de que o que se busca é defender bandidos.
dissemos acima, numa Legislatura que apresentou ex-
O fato é que a aplicação da restrição da liberdade se
pressiva renovação na representação parlamentar. É
faz de forma desproporcional e a imensa população
razoável supor que estes/as novos/as parlamentares,
prisional brasileira, em franca expansão há décadas, é
muitos/as eleitos/as a partir da mobilização do eleito-
comprovadamente mais geradora de prejuízos do que
rado em redes sociais37, se apresentem motivados no
benefícios. A totalidade de facções criminosas hoje em
início da legislatura e busquem se posicionar no Con-
atividade no país nasceram nos cárceres, e sabemos
gresso ao apresentar propostas que dialoguem com as
muito bem que de lá continuam a coordenar os crimes
pautas que defenderam na eleição. De toda forma, tam-
nas ruas. Não é justificável que entre os mais de 740 mil
bém chama a atenção que embora a quantidade de PLs
detentos no Brasil em 2018, segundo dados do Depar-
apresentados em ambas as casas do Congresso Na-
tamento Penitenciário Nacional (Depen), 44% estejam
cional em 2019 tenha sido a maior que identificamos ao
encarcerados por crimes patrimoniais, muitos dos quais
longo das diferentes edições desta pesquisa, o quadro
sem emprego de violência, e que outros quase 1/3 se-
se inverte para as PECs, também em ambas as casas.
jam relacionados a crimes de drogas, em sua absoluta
Será necessário continuar a observar esta Legislatura
maioria cometidos sem violência e que envolviam baixa
quanto à proposição de emendas à Constituição para
quantidade de drogas38. O crime mais grave, aquele
tentar buscar alguma hipótese para esta aparente con-
cometido contra a vida, é objeto de apenas 10% das
tradição.
pessoas presas no país, demonstrando onde reside a
verdadeira impunidade.
Em relação à classificação das propostas legislativas
em temas de segurança pública, é surpreendente como
Nosso modelo de segurança pública, orientado à ativi-
os padrões observados ao longo de toda a 55ª Legisla-
dade policial ostensiva, com a primazia das polícias mili-
tura se consolidam. As proporções de PLs que tratam de
tares em detrimento de procedimentos investigativos e de
segurança pública e justiça criminal frente à totalidade
polícia técnico-científica, gera como resultado uma “pro-
de PLs apresentados, na Câmara e no Senado, assim
dutividade” policial super-representada por flagrantes, que
como a proporção dos que tratam de endurecimento
em geral se confirmam em ocorrências dos “crimes de
penal, aqui caracterizados por propostas que buscam
rua”, justamente assaltos e o varejo de drogas, atingindo
aumentar as penas para crimes já previstos no ordena-
desproporcionalmente jovens, negros e periféricos. Este
mento, ou que buscam criminalizar condutas ainda não
modelo de policiamento, orientado ao confronto, coloca
tipificadas pelo direito penal, são impressionantemente
comunidades inteiras em meio a um fogo-cruzado que
constantes. O fenômeno não é intuitivo, considerando
só encontra paralelo em zonas de guerra, trazendo como
que o contexto político tem grande influência sobre a
consequência a inaceitável quantidade de pessoas mor-
atividade parlamentar e também a grande renovação da
tas pela polícia que se observa no país.
representação congressual após as últimas eleições.

37. Disponível em: https://cutt.ly/NgcDYcr


38. Disponível em: https://cutt.ly/dgcDU5f

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

Os crimes graves e complexos, que exigem uma investi- Como já dissemos em outras oportunidades, não se tra-
gação técnica e robusta produção de provas, são marginais ta de forma alguma de criticar a busca legítima por rep-
nas condenações do Poder Judiciário, numa ineficiência resentação parlamentar de qualquer categoria profis-
que perpassa todo o sistema de persecução criminal, da sional que seja. Mas, carreiras de Estado nunca podem
investigação policial à sentença, passando pelo Ministério se confundir com a política partidária, com a finalidade
Público. Conforme já mencionamos, o Instituto Sou da Paz de proteger essas funções essenciais de qualquer tipo
tem se dedicado em profundidade a este tema, e obser- de instrumentalização política, ainda mais aquelas que
vamos que nem ao certo se sabe quantos homicídios são conduzem a uma dimensão punitiva do Estado, como
esclarecidos no país, demonstrando a fragilidade e a inefi- no caso das polícias, magistratura e Ministério Público.
ciência do sistema39. Essas carreiras devem contar com regras específicas
de afastamento prévio para autorizar a participação
Duas novidades metodológicas surgem na presente eleitoral de seus quadros sob o risco de, caso contrário,
edição. Primeiro, dado o significativo incremento quanti- colocar em risco sua legitimidade institucional.
tativo identificado e à absoluta relevância do tema, este
ano classificamos pela primeira vez as propostas que tra- Temos observado policiais que usam suas atribuições
tam da violência contra a mulher. Mais do que isto, identi- institucionais para fins políticos, num desvio de finali-
ficamos também o protagonismo da bancada feminina da dade que fragiliza nossa recente democracia414243. Os
Câmara na propositura de projetos que tratam da violência movimentos grevistas que têm se intensificado nas
contra a mulher assim como a efetividade da articulação polícias militares, que não dispõem de direito de greve
que esta bancada promoveu com vistas à aprovação em segundo a Constituição Federal, são um exemplo do
tempo recorde do PL nº 17/2019, sancionado na Lei nº fenômeno, e é importante observar que esta bancada
13.880/2019, que destacamos aqui e que – num ano tão policial que se consolida apresenta projetos de anistia
caracterizado por retrocessos na política de controle de aos policiais grevistas a cada paralização que se produz.
armas e munições – representou uma importante medida
positiva no tema, concretizada por parlamentares e que A última década foi pródiga, politicamente, num descrédito
não teria sido possível sem a coordenação das deputadas sem precedentes da sociedade em relação à classe políti-
federais. ca. A operação Lava Jato, que sacudiu o establishment
político de maneira única em nossa história recente, inde-
Por fim, talvez aquilo que seja a maior característica po- pendentemente de qualquer juízo de valor que se possa
lítica que identificamos ao longo desta série de análi- fazer quanto à condução desta operação pelos órgãos
ses, o notável aumento na representação parlamentar do sistema de justiça criminal (o que também remete à
de ex-policiais e militares. Trata-se de um claro fenôme- discussão sobre a politização de carreiras de Estado),
no político-eleitoral da segunda década do século 21. fomentou uma desilusão popular em relação à classe
Ao longo deste período, a representação parlamentar política cujas consequências ainda não conhecemos intei-
destas categorias profissionais saltou 1.725% e as elei- ramente. Entre tantos elementos, um recado político ori-
ções municipais de 2020 consagram o fenômeno, com undo das urnas em 2018 é claramente a ideia de que tem
participação recorde profissionais da segurança con- que se mudar “tudo isso daí”. O político eleito, de forma
correndo a cargos executivos e legislativos nos 5.570 generalizada, é muitas vezes observado como um mar-
municípios brasileiros40. ginal que deve ser proscrito. Talvez a decepção tenha sido
tamanha que o povo, sem suportar mais sentir-se tungado
As diferentes edições deste trabalho, que desde as por seus representantes eleitos, resolveu chamar a polí-
eleições de 2014 vêm apontando o salto nas candidaturas cia e colocá-la no sistema político. Estes candidatos foram
e no razoável sucesso eleitoral dos policiais-candidatos, sensíveis em perceberem o espírito do tempo e colheram
apontam para a captura do debate parlamentar sobre se- os resultados eleitorais dessa conjunção de fatores.
gurança pública por estes parlamentares, especialmente
na Câmara dos Deputados, onde o fenômeno é evidente. Chamamos a polícia para botar ordem na casa. Mas
Temos observado a associação desses parlamentares que ordem eles defendem? E qual polícia restará após
a um espectro político determinado, caracterizado pelos essa politização? Estas são as perguntas mais rele-
discursos de lei e ordem, de endurecimento penal e de vantes do atual estágio da democracia brasileira.
promoção do armamentismo como solução aos legítimos
problemas da segurança pública nacional. Mais uma vez,
nesta edição, esta tendência se confirma. Não se pode
omitir que a própria eleição do presidente da República
em 2018 foi, em alguma medida, mais uma manifestação
deste fenômeno.

39. Disponível em: https://cutt.ly/XgcDOar


40. Disponível em: https://cutt.ly/ygcDAOr
41. Disponível em: https://cutt.ly/9gcDSCt
42. Disponível em: https://cutt.ly/YgcDD8s
43. Disponível em: https://cutt.ly/igcDGkE

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

CAROLINA RICARDO
Diretora-Executiva

FELIPPE ANGELI
Gerente de Advocacy

JANAINA BALADEZ
Gerente de Engajamento Cívico

O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA: ANÁLISE


DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL EM 2019

CAROLINA SOUTO E FELIPPE ANGELI


Análise e Redação

CAROLINA RICARDO, CAROLINA SOUTO, FELIPPE


ANGELI, IZABELLE MUNDIM E NATÁLIA POLLACHI
Revisão

TIAGO CABRAL
Projeto Gráfico, Diagramação, Gráficos e Tabelas

SOFTWARE DE MONITORAMENTO LEGISLATIVO


InteliGov

Dezembro/2020

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

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O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA O PAPEL DO LEGISLATIVO NA SEGURANÇA PÚBLICA
ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL 2019

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