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experiência da pena, do peso, do sofrimento. No sentido judicial a pena é o “castigo” que o
culpado deverá cumprir proferida pela sentença do juiz. A vida humana tem a sua natural
“pena”. A penitência em termos religiosos é o compromisso que o fiel assume em cumprir
em vista da restauração da sua comunhão com Deus e com a comunidade, por causa de
um mal cometido.
A penitência não é um mal, mas sim uma atitude de livre responsabilidade pessoal diante
do compromisso com o Bem. A experiência da ambiguidade humana é uma pena, mas a
penitência é experiência do ser portador da consciência e limitação e fragilidade natural,
que lhe exige responsabilidade contínua sobre si mesmo e sobre os outros. Da experiência
de penitência, sem a qual não se dá sem o sofrimento e luta, a pessoa humana aprofunda
o que é possível para si; ou ele reconhece o seu potencial e se mete a caminho, ou
“suicida-se”!
A penitência, em sentido religioso, é a experiência que faz o fiel do reconhecimento de ter
errado, contrariado a Deus, de ter falhado em suas escolhas e daí perceber sua insuficiência
apesar da relativa lucidez de seus atos. Reconhecer o erro, refazer critérios, considerar seus
limites e voltar atrás é a sua mais dura pena. Seu orgulho é natural e gostaria sempre de
ser intocável.
Por fim, o terceiro tema é a conversão; retrata a possibilidade de agir diferente, de voltar
a sonhar, de viver em harmonia; não é a experiência frígida da conservação de um estado
estático, mas dinamismo de amor, fé e esperança. Penitência e conversão caminham
juntas! O ser humano é profundamente transcendente! Não obstante a grandeza de seus
erros e o peso que sente após suas faltas, traz consigo a possibilidade de um futuro mais
brilhante que seu passado: eis a esperança, a conversão, a mudança de vida, o retorno á
harmonia consigo mesmo e com os outros.
Se grande é o investimento que o homem faz em vista de uma escolha, muito mais
brilhante é o seu esforço de retomada de quanto sua escolha foi frustrante. Como bem dizia
Santo Agostinho o homem é por natureza - “homo viator” - um contínuo peregrino,
inquieto, sempre em busca de algo que dê respostas às suas perguntas e satisfaça seus
mais profundos apetites existenciais.
Para Santo Tomás de Aquino a relação do homem com Deus se dá no nível ontológico: o
homem vive uma contínua peregrinação entre “um exitus” (vindo de Deus) e um “reditus”
(retorno a Deus).
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6.1. A “perda do sentido do pecado”
“É possível que o maior pecado no mundo de hoje consista em que os homens tenham
começado a perder o sentido do pecado”1. Com esta célebre frase, o Papa Pio XII, já em
1946, denunciava o desaparecimento da consciência do pecado. 2 Porém, afirmar que o
homem moderno não possui mais nenhum senso sobre a realidade do pecado seria,
indubitavelmente, um juízo apressado e generalizado. Entretanto, é certo que muitos
momentos que antes conferiam ao pecado um perfil concreto, hoje vão desaparecendo aos
poucos. Muitas coisas hoje são vistas como “normais” e não pecaminosas.
São duas as principais causas da perda do sentido do pecado: a perda do sentido de Deus e
a liberdade questionada. Em profunda sintonia com aquilo que colhemos no nosso dia a dia,
Pierre Gaudette afirma que estamos diante de “um discurso fora de moda”3. Muito mais que
um parecer pessoal é, na realidade, uma constatação que podemos observar em nossa
sociedade. Uma vez que para as nossas sociedades pós-modernas as realidades sociais não
têm uma configuração definida, encontramos também a indiferença, o descrédito, o
aprofundamento4 e também a “pecadofobia”.5
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estimulado ao encontro, à aproximação, à vivência da liberdade, da subjetividade, da
serenidade de vida. Esta segunda visão divina não elimina a questão do pecado, mas pode
colaborar para que ele não seja tão evidenciado.
8 Cf. ADAM. Michel. Le sentiment du péché. Etude de psychologie. Ed. du Centurion. Paris. 1967; CENCINI,
A., Viver a Reconciliação. Aspectos Psicológicos, São Paulo, Paulinas, 1989.
9 Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Reconciliação e Penitência, 1984. N.18.
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situação de total indiferença religiosa? Também ele peca? A pergunta nos leva a retomar o
discurso da dignidade do ser pessoa humana a partir de dados da antropologia teológica e
filosófica. Somos todos concordes que a dignidade da pessoa humana reside na sua
condição de consciente, livre, responsável e soberano em relação à qualidade dos seus
atos.
A resposta à pergunta acima é “sim” pelo simples fato de que a ofensa a Deus explicita
para quem tem uma clara opção religiosa é também um atentado à harmonia da própria
dignidade. Dessa forma o “pecado” para quem não tem opção religiosa se configura como
uma desobediência à própria consciência10, portanto a si mesmo11, gerando como
consequência uma culpa. Sobre isso, em 1960 o Santo Ofício já havia se pronunciado. 12
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6.1. Os diversos sentidos bíblicos do termo “pecado”
Biblicamente temos vários termos usados para descrever o significado de “pecado”; cada
um deles quer acentuar aspectos específicos da mesma realidade.17 O que mais nos
interessa aqui é reconhecer que do ponto de vista bíblico encontramos uma diversidade de
modos de como o pecado é entendido.
a) HATTÁT: quer dizer, falhar, desviar, não acertar o seu fim; o pecado é concebido
como uma falha dos homens na sua relação a Deus; trata-se aspecto material. O ATO de
não correspondência a Deus. Exemplos: Ex 9,27; 10,16; Js 7,20; 1Sam 15,24.
b) AWON: estar curvo sob o peso do pecado, torcido; arruinado. Trata-se do aspecto
moral subjetivo do pecador; é culpa, é o estado da alma após ter cometido o pecado,
revela o peso e a grandeza do pecado; A CULPA nos curva. Exemplos: Gn 4, 13-14; Is
59,2,12; Sl 50.
c) PESHÁ: termo que manifesta o aspecto religioso; o pecado como revolta, rebelião
ou subtração do domínio Divino. Exemplos: Ex 23,21; Is 1,2.
d) HAMARTÍA: é o termo mais usado no NT. Significa mais especificamente o
falimento de uma expectativa; é a rejeição de Jesus diante do anúncio da Nova Aliança
(amor). È a atitude dos fariseus; é uma atitude de dureza, frieza, desprezo pela pessoa de
Jesus.
e) ANOMIA: significa a negação da lei divina no sentido histórico salvífico; é o rechaço
da revelação da vontade de Deus por seu Filho, Jesus Cristo. Anomia é a recusa da lei do
amor, recusa, indiferença, negação; é querer viver sem referência normativa interior. O
pecado é a negação da lei do amor. Pecadores são aqueles que não querem acolher o
advento de Deus em Jesus; pecado é um ato voluntário, de cegueira, de surdez, mudez e
paralisia diante da vontade de Deus e nem reconhece os sinais da sua presença na
história.18 Exemplos: Lc 14,15-24; 17,26-31.
17 Cf. BORN, A. Van Den (ORG.), Pecado, In Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Vozes, Petrópolis, 1985, p.
1150-1151; HIDBER, Bruno. Aspetti Dogmatici-morali Del Sacramento della Penitenza, Accademia Alfonsiana,
Roma, Ano 1997-98. Appunti per gli studenti.
18 Cf. HIDBER, Bruno. Aspetti Dogmatici-morali..., Início do III Capítulo. S/p..
19 “A árvore da vida é um antigo símbolo mítico da imortalidade, conhecido no Oriente Médio (Pr 3,18). O
autor sagrado identifica “a árvore do conhecimento do bem e do mal” (2,17), que “está no meio do jardim”
(3,3) e cujos frutos são proibidos (3,11), com a árvore da vida ou da juventude perene (2,9; 3,22-24. 3,5.
Conhecer o bem e o mal significa a totalidade do conhecimento. Mas ao tentar obtê-los o homem entra em
conflito com Deus”. - A Bíblia Sagrada em CD – Vozes, nota explicativa do texto bíblico.
20 Cf. O significado bíblico do verbo “comer”.
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Por não aceitar sua condição de limitada, “Eva” aumenta o limite – coisa que Deus não
disse: “nele não tocareis, sob pena de morte” (cf. Gn 3,3 com Gn 2,17). A dramatização faz
parte do dinamismo psicológico de quem não aceita viver em uma determinada
consideração não aceitando os limites naturais. Quando Eva imputa a Deus a vingança da
“pena de morte” está jogando para o criador a acusação de punidor com uma medida
extrínseca, que vem de fora, ela será a vítima. Na realidade muito mais “pena de morte”
(ser vítima), o texto nos sugere o suicídio: “terás que morrer” (Gn 2,17).
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O pecado é um ato de egoísmo, tantas vezes, marcado pelo império dos nossos sentidos; o
pecado é um ato que visa o benefício pessoal, negando a verdade, e por isso, é um ato
suicida e autodestrutivo23.
23 Cf. LANFRANCONI, D., Pecado. In Dizionario di Teologia Morale. Milano: Edizione Paoline, 1990, p. 904.
24 Cf. HAERING, Bernhard. Il peccato in una epoca di secolarizzazione. Bari: Edizione Paoline, 1973, p. 8-91.
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pecado tem uma dimensão afetivo-moral: aparece a dor... Não se trata de uma questão
puramente física; o pecado tem uma dimensão social: as relações de harmonia se
convertem em relações de dominação; o pecado tem uma dimensão ecológica: ação
humana se reflete no solo; o pecado tem uma dimensão econômica: luta pela
sobrevivência, fadiga...; o pecado tem uma dimensão mortificante: pecado conduz a
morte... “Pois tu es pó e ao pó tornarás!”...
25 Cf. VIDAL, Marciano. Moral de Atitudes, Vol. I. Moral fundamental. Aparecida: Santuário, 1983, 570-572.
26 Cf. HAERING, Bernhard. Livres e fiéis em Cristo - Vol. 1. São Paulo: Edições Paulinas, 1979, 360.
27Cf. JOÃO PAULO II. Carta encíclica Dominum et Vivificantem. Sobre o Espírito Santo na vida da Igreja e do
mundo. Roma, 1986.
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violenta. No endurecimento do próprio coração, está a recusa da salvação. Em termos
práticos isso significa:
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se como Jesus se comportou. Caríssimos, não lhes comunico um mandamento
novo, mas o mandamento antigo, esse mesmo que vocês receberam desde o
princípio. O mandamento antigo é a palavra que vocês ouviram E, no entanto, o
mandamento que lhes comunico é novo - pois ele é verdadeiro em Jesus e em
vocês - porque as trevas já estão se afastando, e a verdadeira luz já está brilhando.
Quem afirma que está na luz, mas odeia o seu irmão, ainda está nas trevas. Quem
ama o seu irmão permanece na luz, e nele não há ocasião de tropeço. Ao contrário,
quem odeia o seu irmão está nas trevas: caminha nas trevas e não sabe aonde vai,
porque as trevas lhe cegaram os olhos” (1Jo 2,3-11).
5º – A obstinação no pecado:
Trata-se da negação da Conversão. É a dureza de coração que manifesta a negação do
amor a Deus e do amor aos irmãos. A palavra obstinação nos leva a pensar no exagerado
apego às próprias ideias e propósitos maléficos; trata se de uma atitude de fechamento à
verdade e pertinácia no erro rejeitando toda e qualquer interferência que vem de fora;
nessa lógica também Deus é descartado; a obstinação no pecado é a atitude de teimosia
naquilo que é contrário à vontade de Deus. Diz o Salmista:
“O pecado do ímpio sussurra ao seu coração; ele não tem o menor temor de Deus.
Em sua cega presunção, não percebe quão grande é sua perversidade. Tudo que
diz é distorcido e enganoso; não quer agir com prudência nem fazer o bem. Mesmo
à noite, trama maldades; suas ações nunca são boas, e não se esforça para fugir do
mal” (Sl 35,1-4).
6º – A impenitência final:
A experiência de conversão é consequência de um processo de reconhecimento dos
próprios pecados e a decisão de viver uma vida diferente de acordo com a vontade de
Deus; o impenitente é aquele que não assume o caminho da própria conversão, sendo
incapaz de se dobrar e reconhecer suas faltas. O impenitente, qual viciado, se acomoda se
no próprio erro. Mas essa não é vontade de Deus: “Não quero a morte do ímpio, mas que
se desvie de seu caminho e viva” (Ez 33,14-16). A salvação pressupõe um caminho de
conversão, por isso de São Paulo: “Deus quer que todos os homens se salvem e atinjam o
conhecimento da verdade” (Tim 2,4). A impenitência leva o sujeito a viver uma situação de
total relativismo não se importando para o bem e o mal verdade mentira. isso foi percebido
pelo profeta Isaías dizendo: 'Infelizes daqueles que chamam bem ao mal e mal ao bem,
que fazem das trevas luz e da luz, trevas; que tornam amargo o que é doce e doce o que é
amargo! Infelizes daqueles que são sábios aos seus próprios olhos e inteligentes em sua
própria opinião” (Is 5,20-21). Por isso Jesus advertiu a seus interlocutores dizendo-lhes:
“Se vocês não se converterem, vão morrer todos do mesmo modo' (Lc 13,5).
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falando) que atentam contra o dom a sacralidade da contra o seu criador. A vida é
dom de Deus e em todas as circunstâncias deve ser preservada e defendida. O
apóstolo Paulo diz que “ninguém vive para si, nem morre para si. Se vivemos,
vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos quer
morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,7-8). No que diz respeito ao suicídio,
trata-se de um mal para o qual concorrem muitas causas; na maioria das vezes o
suicida vive graves transtornos mentais.
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Cf. Catecismo da Igreja Católica, N. 1854-1864.
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é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas é levada também em
consideração. A Violência exercida contra os pais é em mais grave que contra um estranho”
(CIC, 1857).
Para concluir recordemos o que nos diz São João:
“Se alguém vê o seu irmão cometer um pecado que não leva à morte, que ele
reze, e Deus dará a vida a esse irmão. Isso quando o pecado cometido não
leva para a morte. Existe um pecado que leva para a morte, mas não é a
respeito desse que eu digo para e rezar. Toda injustiça é pecado, mas existe
pecado que não leva para a morte” (1Jo 5,16-17).
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MAZZAROLO, Isidoro. O pecado o que é? Pecado Original, Individual, social, mortal, contra o Espírito Santo,
pecados Capitais. São Paulo: Paulus, 2019. Pag. 271-438.
31
MAZZAROLO, Isidoro. Obra citada. Pag. 157-164; PONTIFÍCIO CONSELHO «JUSTIÇA E PAZ ». Compêndio
de Doutrina Social da Igreja, N. 117-118.
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A expressão pecado social diz respeito às consequências da solidariedade no mal entre os
indivíduos. Tanto o mal quanto o bem, tem um dinamismo contagiante, envolvente,
gerando corresponsabilidade, formando rede.
O pecado social diz respeito a uma realidade coletiva que se opõe radicalmente à vontade
de Deus e que, por isso, nega o dinamismo do coletivo do Reino de Deus. O pecado social
atinge diretamente o bem comum, que o degenera e, dessa forma, ofende radicalmente a
dignidade da pessoa humana, nega a vida, atenta contra a justiça, despreza os valores
éticos, nega a ordem divina.
Na Sagrada Escritura encontramos diversas situações de pecado coletivo, como realidade
marcada pelo mal, generalizada decadência moral, opondo-se radicalmente à vontade de
Deus e envolvendo os mais variados sujeitos, por isso, tantas vezes se fala da cidade
pecaminosa, depravada, sanguinária. etc.
Revejamos alguns exemplos dramáticos:
“Javé viu que a maldade do homem crescia na terra e que todo projeto do coração
humano era sempre mau... A terra se corrompera diante de Deus e estava cheia de
violência. Deus viu a terra corrompida, porque todo homem da terra tinha se
corrompido em seu comportamento” (Gn 6,6.12).
“Assim diz o Senhor Javé: Ai da cidade que derrama sangue dentro de si mesma e
faz chegar a sua própria hora! Que fabrica seus ídolos, para com eles se contaminar!
O sangue que você derramou é a condenação para você. Ao fabricar ídolos, você se
contaminou, e assim apressou a sua hora e fez chegar o fim de sua existência. Por
isso, eu farei você passar vergonha entre as nações e ser objeto de caçoada entre os
outros países. Tanto os de perto como os de longe, todos vão rir de você, cidade
mal-afamada e cheia de desordens. Todos os chefes de Israel usam o poder para
derramar sangue. Aí são desprezados o pai e a mãe, o imigrante é oprimido, a viúva
e o órfão são explorados” (Ez 22,3-8).
“Não há um só fiel em nosso país, não sobrou um único homem correto; está todo
mundo de tocaia, cada um caça um irmão para matar! Essa gente tem mãos
habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande
mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o
mais correto deles parece uma cerca de espinhos!” (Mq 7,2-4);
“Cada um se cuide do seu próximo e não confie em nenhum dos irmãos, pois todo
irmão engana o seu irmão, e todo amigo espalha calúnias. Todo mundo logra o seu
próximo, e ninguém fala a verdade; treinam a língua para falar mentiras, e praticam
a injustiça até se cansar. Vivem no meio da falsidade e, por causa da falsidade,
recusam conhecer-me - oráculo de Javé” (Jr 9,3-5).
“Jerusalém está desmoronando e Judá desmonta, pois o que eles dizem e fazem a
Javé, não passa de insulto à sua majestade. A expressão do rosto os condena: como
Sodoma, eles fazem propaganda do seu pecado e nem sequer o escondem.
Desgraçados! Preparam o mal para si mesmos” (Is 3,8-10).
“Ai de Jerusalém, a rebelde, a contaminada, a cidade opressora! Cidade que não
escutou o chamado, que não aprendeu a lição. Ela não confiou em Javé, nem se
aproximou do seu Deus. Seus chefes são leões que rugem; seus juízes são lobos à
tarde, que não comeram nada desde a manhã; seus profetas são uns fanfarrões,
mestres de traição; seus sacerdotes profanam as coisas santas e violentam a lei de
Deus. Mas no meio dela está Javé, que é o justo, que não pratica a injustiça. Todo
dia ele dá a sua sentença; não há uma só manhã em que ele deixe de comparecer.
O criminoso, porém, não reconhece a sua culpa” (Sf 3,1-5).
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6.3.6. Estrutura de pecado
O pecado social, por seu caráter coletivo, tem um dinamismo que tende a gerar estruturas
injustas, políticas opressoras, sistemas corruptos e imorais que atentam contra a dignidade
da pessoa humana, os valores éticos e o dinamismo do Reino de Deus.
Não há estruturas de pecado sem participação coletiva que tem na base a contribuição de
cada individuo. As estruturas de pecado, com seus mais variados sistemas, podem estar
presentes em todas áreas da vida da sociedade: na política, na economia, nas ciências, na
tecnologia, na religião32.
“Deve-se dizer que vivem em condições menos humanas, primeiramente os que são
privados do mínimo vital pelas carências materiais ou que por carências morais são
mutilados pelo egoísmo. E depois os que são oprimidos por estruturas opressivas, quer
provenham dos abusos da posse ou do poder, da exploração dos trabalhadores ou da
injustiça das transações” (PP,21)
“As decisões, graças às quais se constitui um ambiente humano, podem criar estruturas
específicas de pecado, impedindo a plena realização daqueles que vivem de diversos
modos oprimidos por elas. Destruir tais estruturas, substituindo-as por formas de
convivência mais autênticas é uma tarefa que exige coragem e paciência” (Centesimus
annus, 38).
7. A necessidade da penitência
Partindo da experiência bíblica podemos dizer que a verdadeira penitência 33 deve ser
interior (cf. Is 58,5-7; Jr 4,4; 9,24s; Rm 2,29; Cl 2,11; Gl 5,6; 6,15), mas manifesta-se
também em ritos exteriores (cf. Lv 4–5; 16,1-19; Nm 29,7-11; Lc 5,8; 18,9).
A penitência é também uma virtude (cf. Dt 4,9; Jó 42,6; Sl 51,10; Eclo 2,18; 1Cor 11,31;
Cl 3,9). Como já vimos a palavra penitência tem uma certa relação com palavra «pena» e
«peso». Trata-se moralmente do peso da responsabilidade que o fiel assume no processo
de mudança pelo simples fato de que nenhum processo de mudança é gratuito; ela tem um
«peso», um «preço».
Muito mais que um ato a ser executado, a penitência deve ser uma experiência de
compromisso «reparativo», ou seja, um empenho que o fiel assume no sentido de ajuda-lo
a não mais voltar ao que era antes ou fazer tudo melhor. Há perdas que são irreparáveis,
por exemplo, um homicídio.
Acima de tudo a penitência é uma experiência, ou compromisso de vigilância e
responsabilidade de um exercício de uma vida melhor. Vale dizer: e agora qual será o meu
compromisso, em que devo me exercitar... De nada serve, portanto, a tradicional penitência
pedida por muitos confessores: «filho reze 3 ave-marias e dois pai nossos!»
Do ponto de vista ético-existencial podemos dizer que a vida é uma «penitência», ou seja,
o bem viver e ser feliz, sadiamente feliz, requer de cada um de nós uma continua
predisposição para pensar o bem, programar o bem, sentir o bem, fazer o bem. Tudo isso
requer o exercício de virtudes e tem um peso, essa suave penitência é preço do Amor:
«aprendei de mim que sou manso e humilde coração, pois o meu jugo é suave e meu peso
é leve» (Mt 11,30).
8. A possibilidade da conversão
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Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium Vitae. Sobre o valor e a inviolabilidade da vida
humana. Roma, 1995. N. 12; JOÃO PAULO II. Centesimus Annus, 38; PAULO VI. Populorum
progressio, 21.
33 Cf. MOLINARO, A, Penitenza, In Dizionario di Teologia Morale, Paoline. 1990, 922-932.
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A penitência tem como meta a conversão. Esta é uma das mais evidentes manifestações da
grandeza do ser humano; ele, movido pela Graça de Deus, é capaz de “regenerar-se”, de
voltar atrás, refazer sua vida, reconsiderar seus pensamentos, seus projetos, redirecionar
seus planos. Enfim, isso é a capacidade de conversão. O ser humano é único capaz de
conversão. A conversão é um fenômeno que tem uma natureza profundamente moral e é
justamente por isso que essa experiência só cabe, de fato, ao ser humano, pois exige,
consciência, liberdade, escolha, ação.
Na realidade não existe o homem puramente convertido existencialmente falando; o fiel
está sempre em processo de mudança; veremos a seguir alguns motivos. Neste capítulo
queremos aprofundar essa esperança que brota para o pecador. Iniciaremos refletindo
sobre a conversão, a experiência da penitência e passaremos pela consciência moral e
chegaremos ao desafio da educação moral.
Conversão é a mudança moral pela qual o homem renuncia à sua conduta anterior negativa
para si, para outros e volta-se para Deus cumprindo sua vontade deixando para trás um
modo de pensar e agir. Na pregação dos profetas a conversão é o ato de abandono o
serviço aos ídolos que leva o fiel a descuidar do serviço a Deus e a observância de seus
preceitos (cf. Jr 7; cf. 1Ts 1,9). Conversão é, portanto, o retorno ao Bem!
Conforme a perspectiva bíblica esta conversão, porém, não é pura obra humana, mas é
fruto da intervenção de Deus na vida do homem (cf. Jr 24,7; 31,31-34; Ez 11,18-21; Os
14,2-10). Mas, uma vez que o homem dela participa com sua liberdade aceitando um
retorno (claro no caso do Filho pródigo – cf. Lc 15), a conversão se dá mediante um
processo e dessa forma, se configura como uma ação conjunta entre a iniciativa divina (que
toca a pessoa por dentro, a sensibiliza!) e a liberdade humana (que decide tomar um rumo
diferente). Com espírito de fé podemos dizer que ninguém converte e ninguém e também
ninguém se converte sozinho.
Tanto João Batista, como Jesus, começaram sua pregação exortando à conversão, em vista
da proximidade do Reino de Deus (cf. Mt 3,2; 4,17; Mc 1,15). Depois de Pentecostes os
apóstolos convidam seus ouvintes à conversão para serem batizados (cf. At 2,38; 20,21).
Isso nos que quer revelar que para poder abraçar a vida cristã é necessário renunciar a
tudo aquilo se opõe a Cristo.
Essa experiência de retorno, de mudança de perspectiva, de troca de direção que o fiel faz
em relação a Deus, não acontece automaticamente; ela se caracteriza por ser:
Gradual, lenta, progressiva... Daqui o “princípio da gradualidade” 34
Integral... tende a assumir a totalidade da pessoa, todas as suas dimensões, em vista
da sua saúde total...
Livre e responsável, não existe processo de conversão forçado... Quem muda, deve
mudar por consciência própria, por amor, porque chegou a uma conclusão pessoal
dos rumos da própria vida!
Contínua... abraça a totalidade da nossa existência... “ser perfeito como Pai, ser santo
como o Pai... é um caminho que jamais se encerra”.
É assim que todo fiel faz o seu caminho rumo a sua santidade. É uma obra conjunta entre
o sujeito e o Espírito Santo. A plenitude é o paraíso!
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teimosos ainda que seus antepassados, que não tinham acreditado em Javé seu Deus.
Desprezaram os estatutos dele e a aliança que ele havia feito com seus antepassados,
bem como as advertências que lhes havia feito. Correram atrás de ídolos vazios, e se
esvaziaram, imitando as nações vizinhas, coisa que Javé lhes tinha proibido” (1Re
17,13-15);
“Converta-se ao Senhor e abandone o pecado. Suplique diante dele e reduza a ofensa
que você lhe fez. Volte para o Altíssimo, vire as costas para a injustiça e deteste
profundamente aquilo que ele abomina” (Eclo 17,20-21).
“Se o injusto se arrepende de todos os erros que praticou e passa a guardar os meus
estatutos e a praticar o direito e a justiça, então ele permanecerá vivo, não morrerá.
Tudo de mau que ele praticou não será mais lembrado, e ele permanecerá vivo, por
causa da justiça que praticou. Por acaso, eu sinto prazer com a morte do injusto? -
oráculo do Senhor Javé. O que eu quero é que ele se converta dos seus maus caminhos,
e viva” (Ez 18,21-23).
“Juro por minha vida - oráculo do Senhor Javé: Não sinto nenhum prazer com a morte
do injusto. O que eu quero, é que ele mude de comportamento e viva. Convertam-se,
convertam-se do seu mau comportamento. Por que vocês querem morrer, israelitas?”
(Ez 33,11)..
“E eu lhes declaro: assim, haverá no céu mais alegria por um só pecador que se
converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão» (Lc 15,7).
“O rapaz queria matar a fome com a lavagem que os porcos comiam, mas nem isso lhe
davam. Então, caindo em si, disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com
fartura, e eu aqui, morrendo de fome... Vou me levantar, e vou encontrar meu pai, e
dizer a ele: - Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço que me chamem teu
filho. Trata-me como um dos teus empregados’. Então se levantou, e foi ao encontro do
pai”. (Lc 15,16-20).
“Portanto, arrependam-se e convertam-se para que os pecados de vocês sejam
perdoados. 20 Assim vocês poderão alcançar o tempo do repouso que vem do Senhor”
(At 3,19).
“Filhos de Israel, convertam-se a ele desde o fundo da rebeldia de vocês” (Is 31,5).
"Portanto, despojai-vos de toda maldade, mentira e hipocrisia, e de toda a inveja e
calúnia" (1Pd 2,1).
“Renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo” (Ef 4,23-24).
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