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EXCELENTÍSSIMO MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB NACIONAL,


partido político devidamente registrado perante o Tribunal Superior
Eleitoral e com representação no Congresso Nacional, inscrito no CNPJ
sob o n. 01.421.697/0001-37, com sede nacional na SCLN 304, Bloco A,
Sobreloja 01, Entrada 63, Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70.736-510, vem,
por intermédio de seus advogados devidamente constituídos (Doc. 01),
respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com base no art. 102,
§ 1º, da Constituição Federal, e na Lei n. 9.882/1999, ajuizar a presente

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL


com pedido de medida cautelar

em face da Resolução n. 218, de 14 de julho de 2021, do Comitê Executivo


de Gestão da Câmara do Comércio Exterior (GECEX) (Doc. 02), que,
revoga o imposto sobre exportação de armas e munições para a
América do Sul e Central com alíquota de 150%.

I. SÍNTESE DA DEMANDA

Trata-se de arguição de descumprimento de preceito


fundamental que busca a declaração de incompatibilidade com a
Constituição Federal da Resolução n. 218, de 14 de julho de 2021, do
Comitê Executivo de Gestão da Câmara do Comércio Exterior (GECEX).
Eis o teor do ato impugnado (Doc. 02):

O COMITÊ EXECUTIVO DE GESTÃO DA CÂMARA DE


COMÉRCIO EXTERIOR, com base no art. 3º do Decreto-Lei

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nº 1.578, de 1977, tendo em vista a deliberação em sua 184ª
Reunião, realizada em 14 de julho de 2021, no uso da
atribuição que lhe confere o inciso III do art. 7º do Decreto nº
10.044, de 4 de outubro de 2019, resolve:

Art. 1º Ficam revogadas as seguintes Resoluções da Câmara


de Comércio Exterior:

I - 17, de 6 de junho de 2001; e

II - 88, de 14 de dezembro de 2010.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor sete dias após a data


de sua publicação.

Ao revogar as Resoluções n. 17/2001 e 88/2010 da Câmara


de Comércio Exterior (CAMEX), o ato impugnado extingue a previsão da
incidência de imposto à alíquota de 150% sobre a exportação de
armamentos para países da América do Sul e da América Central.
Confiram-se as disposições revogadas (Docs. 04 e 05):

Resolução CAMEX n. 17, de 06 de junho de 2001


Art. 1º - Os produtos classificados no capítulo 93 da
Nomenclatura Comum do MERCOSUL, quando
exportados para a América do Sul e América Central,
inclusive Caribe, ficam sujeitos à incidência do Imposto de
Exportação à alíquota de cento e cinqüenta por cento.

§1º - O disposto no caput deste artigo aplica-se também na


exportação dos produtos objeto de registro de exportação que
já esteja aprovado pelo órgão competente na data da
publicação desta Resolução, no Sistema Integrado de
Comércio Exterior – Siscomex, e que venham a sofrer
alteração, inclusive no que se refere ao prazo de validade para
o embarque.

§2º Excetuam-se das disposições contidas neste artigo:

I – os produtos exportados para Argentina, Chile e Equador;

II – as exportações desses produtos para consumidores


autorizados por certificados de usuário final e desde que
destinados a uso exclusivo das Forças Armadas e
autoridades policiais das localidades mencionadas;

III – as exportações de armas de fogo de uso permitido,


classificadas no código 9302.00.00 e na posição 9303 da
Nomenclatura Comum do MERCOSUL – NCM, e desde que
possuam dispositivo intrínseco de segurança e de
identificação, devendo ser gravado no corpo da arma o país
de origem, nome ou marca do fabricante, calibre, número de

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série impresso na armação, no cano e na culatra quando
móvel e ano de fabricação se não estiver incluído no sistema
de numeração serial;

IV – as exportações de armas de pressão e suas respectivas


munições classificadas nos códigos 9304.00.00 e 9306.29.00
da Nomenclatura Comum do MERCOSUL – NCM; e

V – as exportações de munições e cartuchos de munição de


uso permitido, classificadas nos códigos 9306.21.00,
9306.29.00 e 9306.30.00 da Nomenclatura Comum do
MERCOSUL – NCM, e desde que estejam acondicionados em
embalagens com sistema de código de barras, gravado na
caixa, que possibilite a identificação do fabricante e do
adquirente. (Redação dada pela Resolução CAMEX n. 88,
de 14 de dezembro de 2010)

Art. 2º - A Secretaria da Receita Federal, do Ministério da


Fazenda, e a Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, poderão
editar normas para aplicação do disposto nesta Resolução.

Art. 3º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua


publicação.

O imposto com alíquota de 150% foi adotado em 2001 como


uma medida estatal de limitação do chamado “efeito bumerangue” das
exportações: milhares de armas e munições — inclusive as de venda
proibida para civis em território brasileiro — eram exportadas pela
indústria nacional a países com menor controle sobre o comércio de
armamentos, sobretudo o Paraguai, e depois reintroduzidas no país por
meio do mercado clandestino.

A exportação bumerangue, problema latente na década de


1990, somente se resolveu com a instituição do tributo sobre as
exportações de armas aos países da América Latina, que contribuiu
decisoriamente para a diminuição da circulação de armas ilegais no país
e o abastecimento de organizações criminosas.

Não obstante, em julho de 2021, dando continuidade à


política de facilitação do comércio e acesso da população a armamentos,
foi editada a Resolução impugnada, que simplesmente suprimiu tributo
que há vinte anos tem sido um importante e efetivo instrumento de
segurança pública e de repressão ao crime organizado, o que é
comprovado por estudos técnico-científicos.

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A medida representa patente retrocesso em matéria de
direitos fundamentais, especificamente no que se refere à proteção à
vida e à segurança dos cidadãos, já que apresenta inegável risco de
aumento de circulação de armas ilegais e, consequentemente, da
violência. Nesse contexto, a Resolução n. 218/2021 vulnera gravemente
os preceitos fundamentais do direito à vida (arts. 5º, caput, e 227, CF),
da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e do direito e poder-
dever estatal de segurança pública (art. 144, CF).

O ato impugnado também é flagrantemente desproporcional


e desarrazoado, já que extingue repentinamente e sem qualquer
justificativa medida extremamente bem-sucedida em sua função
extrafiscal de conter o tráfico de armas. Assim, representa violação aos
princípios da supremacia do interesse público, da proporcionalidade,
da razoabilidade e da motivação dos atos administrativos (art. 37,
caput, CF).

Nesse contexto, imperiosa a propositura da presente


arguição de descumprimento de preceito fundamental, de modo a obter
a declaração de inconstitucionalidade da resolução impugnada, pelos
motivos que se passa a demonstrar.

II. DA LEGITIMIDADE ATIVA.

O art. 2º, I, da Lei n. 9.882/19991 combinado com o art. 2º,


VIII, da Lei n. 9.868/19992 dispõe que os partidos políticos que possuem
representação no Congresso Nacional podem propor arguição de
descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal
Federal.

Segundo a orientação jurisprudencial deste e. Tribunal, a


legitimidade ativa de agremiação partidária com representação no
Congresso Nacional “não sofre as restrições decorrentes da exigência
jurisprudencial relativa ao vínculo de pertinência temática nas ações
diretas” (ADI n. 1.407-MC, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, DJ
24.11.2000), razão pela qual os partidos políticos possuem a denominada
legitimidade ativa universal para provocar o controle abstrato de
constitucionalidade.

1 Art. 2o Podem propor arguição de descumprimento de preceito fundamental: I - os


legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
2 Art. 2o Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade: [...] VIII - partido político

com representação no Congresso Nacional;

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Dessa forma, nos termos da documentação anexa (Doc. 03),
está solidamente demonstrada a legitimidade do Partido Socialista
Brasileiro para o ajuizamento da presente arguição de descumprimento
de preceito fundamental.

III. DO CABIMENTO. ATOS DO PODER PÚBLICO DOTADOS DE


PATENTE INCONSTITUCIONALIDADE. PREENCHIMENTO DO
REQUISITO DE SUBSIDIARIEDADE.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental


encontra fundamento no art. 102, § 1º, da Constituição Federal e na Lei
n. 9.882/1999, tendo por finalidade evitar ou reparar lesão a preceito
fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Na presente hipótese, impugna-se a Resolução GECEX n.


218/2021, que, ao revogar, as Resoluções n. 17/2001 e 88/2010 da
Câmara de Comércio Exterior (CAMEX), extingue a previsão da incidência
de imposto à alíquota de 150% sobre a exportação de armamentos para
a América do Sul e a América Central.

Está-se diante de ato com contornos normativos autônomos


e abstratos, cuja inconstitucionalidade busca-se ver reconhecida por
este e. Supremo Tribunal Federal. Ademais, as violações constitucionais
extraídas da Resolução são diretas, não dependendo de anterior juízo de
legalidade.

Destaque-se que a presente demanda atende plenamente ao


requisito da subsidiariedade. Como bem conceitua o e. Min. Celso de
Mello, tal exigência assenta que “não será ela [ADPF] admitida, sempre
que houver qualquer outro meio juridicamente idôneo apto a sanar, com
efetividade real, o estado de lesividade emergente do ato impugnado”
(ADPF 237-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 30.10.2014).

Diante de tal cenário, a ADPF se mostra como o único meio


apto a sanar de forma eficaz e definitiva a lesividade aos preceitos
fundamentais elencados – o direito social à segurança pública, o direito
fundamental à vida e a dignidade da pessoa humana –, frontalmente
atacados pelo ato ora impugnado.

Ademais, diga-se que este e. STF tem admitido ações de


descumprimento de preceito fundamental contra atos normativos

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editados por colegiados da administração direta federal. Confira-se, a
título exemplificativo:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO


FUNDAMENTAL CONTRA A RESOLUÇÃO N. 3/2007 DO
CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA –
CNPE. DETERMINAÇÃO PARA A CONDUÇÃO E RETOMADA
DA CONSTRUÇÃO DA USINA DE ANGRA 3, PELA
ELETROBRÁS-ELETRONUCLEAR. AUSÊNCIA DE AFRONTA
A PRECEITOS FUNDAMENTAIS CONSIDERADAS AS
LEGISLAÇÕES CONSTITUCIONAIS E
INFRACONSTITUCIONAIS DE REGÊNCIA. ARGUIÇÃO
JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Impugnação de atos normativos de efeitos concretos com
implicações de direito intertemporal alcançado diplomas
normativos anteriores à Constituição de 1988. Cabimento da
ação. Conhecimento. [...]
(ADPF 204, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado
em 16/06/2020).

Dessa forma, amplamente demonstrado o preenchimento


dos requisitos legais e cabimento da presente demanda, passa-se às
razões que levam à procedência do pedido.

IV. MÉRITO. DAS VIOLAÇÕES A PRECEITOS FUNDAMENTAIS.

IV.1. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO


SOBRE ARMAS E MUNIÇÕES.

Sabe-se que o imposto de exportação é um tributo de função


extrafiscal, não se voltando precipuamente à arrecadação de recursos
financeiros para os cofres públicos, mas funcionando, por outro lado,
como instrumento de política econômica ou social.

No caso das armas e munições, o objetivo almejado com a


instituição de imposto de exportação, com a previsão de alíquota de
150%, encontra-se no combate ao contrabando de armas e ao crime
organizado.

É necessário destacar que, notadamente a partir da década


de 1990, países latino-americanos – sobretudo o Paraguai, mas também
Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela3 – passaram

3 Relatório “Seguindo a Rota das Armas: Desvio, Comércio e Tráfico Ilícitos de


Armamento Pequeno e Leve no Brasil”. Setembro de 2010. OSCIP Viva Comunidade.

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a ser utilizados como ponto de desvio para o mercado ilícito de armas
que eram legalmente importadas e depois contrabandeadas para o
restante da região.

Conforme indica o “Vecindario Bajo Observación”,


produzido pelos coordenadores de investigação do projeto de controle de
armas de fogo da Organização Viva Rio, acerca dessas “transferências
cinzentas”4:

“[...] durante la década pasada, Paraguay, era utilizado como


punto de desvío hacia mercados criminales de armas que eran
legalmente importadas por ese país (principalmente desde
Brasil) y luego contrabandeadas hacia el resto de la región,
principalmente Brasil y Colombia. Estas transacciones ilegales
en Paraguay se daban debido a la débil legislación de control
en ese país así como también a ineficientes y escasos controles
policiales relacionados con problemas de corrupción”.

Na mesma linha, de acordo com o relatório “Seguindo a Rota


das Armas: Desvio, Comércio e Tráfico Ilícitos de Armamento Pequeno e
Leve no Brasil”, produzido pela Organização Viva Comunidade5:

[...] a falta de harmonização das legislações nacionais sobre


armas de fogo, a fragilidade de algumas instituições e
fronteiras mal controladas, favorecem os desvios de armas de
fogo, legalmente importadas por um país para outro [...]. O
que pode ser exemplificado através dos rastreamentos de
importações de armas de fogo realizadas pelo Paraguai,
durante a década de 1990, que posteriormente foram
apreendidas em delitos no Brasil.

Com efeito, estudos e rastreamentos conduzidos na década


de 1990 e início dos anos 2000 indicaram que boa parte das armas ilegais
apreendidas em território brasileiro era de produtos fabricados
legalmente no Brasil e que, depois de exportados, eram reintroduzidos no
país por meio de contrabando, o que se denominou de “efeito
bumerangue”.

4 DREYFUS, P.; BANDEIRA, A. R. Vecindario Bajo Observación: Un estudio sobre las


“Transferencias Grises” de armas de fuego y municiones en las fronteras de Brasil
con Paraguay, Bolivia, Uruguay y Argentina. Viva Rio. Rio de Janeiro. 2006.
(Documento de Trabajo No 2 del Proyecto de Control de Armas de Fuego de Viva Rio).
5 Relatório “Seguindo a Rota das Armas: Desvio, Comércio e Tráfico Ilícitos de

Armamento Pequeno e Leve no Brasil”. Setembro de 2010. OSCIP Viva Comunidade.

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Assim, com o intuito de impedir que a exportação de armas
brasileiras a países vizinhos fomentasse o contrabando e a criminalidade,
o Governo Federal, por meio da Câmara de Comércio Exterior, editou a
Resolução n. 17/2001, que atribuiu ao imposto de exportação de armas
a alíquota de 150% – a máxima para esse tipo de imposto.

A seguir, confiram-se extratos de notícias jornalísticas


publicadas à época:

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A Resolução n. 17/2001 previu a incidência do tributo sobre
as armas e as munições exportadas para países da América do Sul e da
América Central, inclusive Caribe — com exceção de Argentina, Chile
e Equador e de produtos “para consumidores autorizados por certificados
de usuário final e desde que destinadas a uso exclusivo das forças
armadas e autoridades policiais das localidades mencionadas”.

Percebe-se que, ao tornar proibitiva a venda de armas a


países que serviam como ponto de desvio para o tráfico internacional e
limitando o efeito bumerangue das exportações, a adoção do imposto de
exportação à alíquota de 150% ultrapassa a perspectiva de mera
regulação mercantil, revelando verdadeira política pública de controle
de armas.

Conforme explicaram os Institutos Sou da Paz e Igarapé,


em nota pública a respeito do ato ora impugnado6 (Doc. 06):

A alíquota de 150% foi imposta em 2001 após rastreamentos


indicarem que milhares de armas brasileiras eram
exportadas a países vizinhos, especialmente Paraguai, e
depois apreendidas em crimes violentos no Brasil. Este
fenômeno, que ficou conhecido como “exportação
bumerangue”, praticamente foi extinto após a imposição da
alíquota. Por sua efetividade, outros países, como os EUA,
seguiram o exemplo brasileiro e impuseram em 2018
moratória voluntária à exportação de armas para o Paraguai,
sabendo do risco de desvio e impacto na violência armada.

Destaca-se que, alguns anos depois da edição da Resolução


n. 17, foi instituída Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a
investigar as organizações criminosas do tráfico de armas. O relatório
da Comissão, divulgado em 2006, traz diversos esclarecimentos sobre o
contexto da implementação do imposto de exportação e identifica
consequências positivas decorrentes da medida.

A Comissão solicitou o rastreamento de 34.448 armas


brasileiras apreendidas em situação ilegal no Estado do Rio de Janeiro
no período de 1998 a 2003, tendo apurado que 14% dessas armas haviam

6 Disponível em: http://soudapaz.org/noticias/institutos-sou-da-paz-e-igarape-


repudiam-resolucao-do-governo-que-reduz-imposto-de-exportacao-de-armas-
brasileiras/; e https://igarape.org.br/nota-publica-institutos-sou-da-paz-e-igarape-
repudiam-resolucao-do-governo-federal-que-reduz-imposto-de-exportacao-de-armas-
brasileiras-para-america-latina/

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sido vendidas para o exterior e voltaram como contrabando, a maior parte
delas do Paraguai7.

Identificou-se uma retração no contrabando nas fronteiras


brasileiras em relação à década anterior, o que se associou
principalmente aos efeitos da Resolução n. 17/2001. Confira-se:

O cenário traçado pelos depoentes nesta Comissão de


Inquérito, sobre a realidade do contrabando em nossas
fronteiras, melhorou em relação à década passada.
Pesquisadores do Viva Rio percorreram boa parte dessas
fronteiras no início do ano, comparando com o que viram em
2000, e notaram uma grande redução na venda legal de
armas e munições nas regiões sudoeste e sul. Em agosto de
2000, as lojas de fronteira, principalmente no Paraguai, mas
também na Argentina e Uruguai, estavam abarrotadas de
armas e munições brasileiras, em geral armamento de venda
proibida no Brasil para civis. Vendia-se abertamente para
falsos “turistas”, na verdade agentes do crime organizado
brasileiro. Chegou-se ao ponto de, em 25.09.1996, a pedido
do então ministro da Justiça Nelson Jobim, o governo norte-
americano suspender a licença para a exportação de armas
pequenas para o Paraguai, com a justificativa de que elas
“atravessam as fronteiras paraguaias ilegalmente e
abastecendo criminosos no Brasil”.
A situação encontrada pelos mencionados pesquisadores
este ano foi diferente. Continua o contrabando ilegal, mas
caiu muito a venda de armas e munições para “turistas”, e
sumiram do mercado os produtos brasileiros. As razões são
várias. O Paraguai, por pressão da comunidade
internacional, decretou uma moratória na importação de
armas e munições brasileiras, mudou sua legislação em 2002
e a DIMABEL, órgão de controle de armas, passou a combater
o tráfico desses produtos. No Brasil, a implementação
gradual, mesmo tímida, do Estatuto do Desarmamento,
coibiu o porte de armas na região de fronteira, e o risco de
ser preso com armamento ilegal fez com que diminuísse a sua
procura. Mas de todas as medidas, aquela que, segundo
apuraram os pesquisadores junto aos lojistas, mais
influiu nesta retração, foi o encarecimento das armas e
munições brasileiras. Isto ocorreu pela elevação em 150%
da alíquota de exportação desses produtos para os países
da América Latina e Caribe, através da Resolução 17, da
CACEX, de junho de 2001. O denominado “efeito
bumerangue” dos anos 90, em que enormes quantidades
de armamento brasileiro, de venda proibida aqui para

7 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-


legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/52-
legislatura/cpiarmas/Relatorio%20Final%20Aprovado.pdf

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civis, iam para o Paraguai e reentrava pelo mercado
clandestino, praticamente desapareceu8.

As pesquisas conduzidas pela CPI, assim, constataram que a


Resolução n. 17/2001 contribuiu de forma determinante para o declínio
da reentrada ilegal dos produtos no Brasil, tendo limitado o contrabando
de efeito “bumerangue” nas fronteiras.

É de se destacar que, já naquela época, existia forte pressão


da indústria bélica para a revogação da medida, ao que a Comissão se
posicionou de forma veementemente contrária, mediante o envio de
indicação ao Poder Executivo “sugerindo a permanência em vigor da
Resolução n.º 17-CAMEX”:

Foram constatados fortes indícios de que as mercadorias


exportadas pelas indústrias bélicas nacionais eram
transportadas por via terrestre para o Paraguai e aí
adquiridas, no comércio varejista, por cidadãos brasileiros
que os levavam, em pequenos lotes, para as mãos da
criminalidade no Rio de Janeiro em São Paulo. Esta foi a
razão que determinou a edição da Resolução n.º 17-CAMEX,
que veda a exportação de armas e munições brasileiras a
países da América do Sul e Caribe. Graças a essa feliz
iniciativa, secou-se uma das mais importantes fontes de
armas para o crime organizado[...]
Entendemos a revogação da Resolução n.º 17-CAMEX
como extremamente danosa aos interesses nacionais,
pois seria mais uma contribuição para o agravamento do
atual quadro de insegurança que assola a sociedade
brasileira. Mais de 40.000 brasileiros morrem a cada ano,
vítimas de homicídios cometidos com arma de fogo. A
análise estatística das apreensões de armas em operações
policiais apontam para uma incidência de quase 80% de
produtos de origem nacional, o que atesta a permanência
dos efeitos decorrentes do descontrole vigente
anteriormente à vigência daquela norma legal. Revogá-la
seria um retrocesso inominável. Seria um escárnio aos
esforços institucionais os quais, ainda que requerendo
aperfeiçoamentos, vêm alcançando vitórias
significativas contra o poder armado do crime
organizado9.

8 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-


legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/52-
legislatura/cpiarmas/Relatorio%20Final%20Aprovado.pdf
9 Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/parlamentar-de-inquerito/52-
legislatura/cpiarmas/Relatorio%20Final%20Aprovado.pdf

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Apesar de a revogação não ter ocorrido, em dezembro de
2010, a Camex editou a Resolução n. 88/2010, que, alterando a
Resolução n. 17/2001, ampliou as exceções à incidência do imposto
de exportação, sobretudo quanto a armas de uso permitido, como
revólveres e pistolas.

É certo, portanto, que já houve flexibilização da incidência


do imposto de exportação, que há mais de uma década não se aplica a
armas consideradas de menor potencial lesivo, alcançando tão somente
as de maior potencial lesivo.

Todavia, o atual Executivo Federal entendeu por eliminar de


vez o imposto de exportação de armas. A medida não é isolada,
inserindo-se no contexto mais amplo do desmonte das políticas
desarmamentistas outrora implementadas e de incentivo à circulação de
armas, como se verá a seguir.

IV.2. O CONTEXTO QUE PERMEIA A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO N.


218/2021. SUCESSIVAS REGULAMENTAÇÕES SOBRE A POLÍTICA
NACIONAL DE ARMAMENTOS. FACILITAÇÃO DA AQUISIÇÃO E DA
CIRCULAÇÃO DE ARMAS E MUNIÇÕES NO BRASIL.

Não obstante as evidências de que a restrição à


comercialização e à circulação de armas de fogo têm impactos concretos
positivos na redução da mortalidade no país, a atual gestão federal tem
devotado inúmeros esforços no sentido de minar o arcabouço normativo
pertinente à política de desarmamento.

A exemplo disso, apenas no ano de 2019, o Poder Executivo


editou sete decretos num intervalo de seis meses10, destinados a
garantir a posse, porte e aquisição de armas de fogo pela população civil,
por integrantes das Forças Armadas e pelos CACs.

Entre esses atos normativos, destaca-se o Decreto n.


9.785/201911, que permite a aquisição de fuzis de alto poder bélico por

10 Decretos 9.685; 9.785 e 9.797; e 9.844, 9.845, 9.846 e 9.847, todos em junho de
2019.
11 Art. 2º Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:

I - arma de fogo de uso permitido - armas de fogo semiautomáticas ou de repetição que


sejam:
a) de porte que, com a utilização de munição comum, não atinjam, na saída do cano,
energia cinética superior a mil e duzentas libras-pé e mil seiscentos e vintejoules;

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12
civis12, na medida em que considera arma de uso permitido aquelas de
energia cinética de até 1.620 joules, tais como carabinas
semiautomáticas, fuzis e pistolas calibres 45.

Diante da manifesta inconstitucionalidade do referido


decreto, foi proposta a ADPF n. 581, sob a relatoria da Minª. Rosa Weber,
na qual questiona-se a concessão ampla e generalizada para a aquisição
de armas de fogo pela população e integrantes das Forças Armadas.
Embora o julgamento da cautelar se encontre suspenso, já votaram a
favor da concessão da liminar a Minª. Relatora e o Min. Edson Fachin.

Mas não é só. Diante dos índices alarmantes de aumento no


número de homicídios por arma de fogo, o Comando Logístico do Exército
Brasileiro havia editado as Portarias n. 46, 60 e 61 de março de 2020,
que estabeleciam o sistema de rastreamento, identificação e marcação
das armas, munições e demais Produtos Controlados pelo Exército,
através do qual os fabricantes estariam obrigados a encaminhar
informações ao Exército Brasileiro para a efetiva fiscalização da produção
de armamento no país.

No entanto, por expressa determinação do Presidente da


República, foi editada a Portaria n. 62/2020 que revogou todas as
Portarias anteriores, de maneira a impedir o rastreamento eficiente das
armas de fogo perante a população civil13.

Não fosse isso suficiente, o Governo Federal, por meio do


GECEX, editou, em dezembro de 2020, a Resolução n. 126/2020, que
facilita o acesso a armas de fogo ao zerar a alíquota de importação de
revólveres e pistolas.

Contra essa medida flagrantemente inconstitucional, foi


proposta pelo PSB a ADPF n. 772, distribuída ao Min. Edson Fachin,
que suspendeu liminarmente os efeitos da referida Resolução,
entendendo pela verossimilhança dos argumentos de que a redução da
alíquota do imposto de importação sobre pistolas e revólveres opõe-se ao
direito à vida e à segurança, e pelo seu imediato potencial lesivo.

12 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/20/decreto-de-


bolsonaro-que-regulamenta-uso-e-porte-de-armas-no-pais-libera-compra-de-fuzil-por-
qualquer-cidadao.ghtml.
13 Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2020-
04/portarias-sobre-armas-sao-revogadas-apos-determinacao-de-bolsonaro.

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13
Mais recentemente, o Presidente da República editou os
Decretos n. 10.627/2021, 10.628/2021, 10.630/2021 e
10.629/2021, que estabeleceram: (i) aumento do limite para 6 (seis)
armas de fogo para a população civil, (ii) permissão do porte simultâneo
para duas armas de fogo, (iii) facilitação do registro de caçadores,
atiradores e colecionadores (CACs), além de permitir maior acesso as
munições para esse segmento, (iv) incentivo à prática de tiro desportivo,
inclusive por menores de idade, em escolas de treinamento, (v)
diminuição significativa da fiscalização de armamentos promovida pelos
órgãos federais e pelo Comando do Exército, dentre diversas outras
inovações inconstitucionais.

Da mesma forma, esses decretos tiveram sua


constitucionalidade questionada perante este e. STF, por meio das ADIs
n. 6.675, 6.676, 6.677, 6.680 e 6.695, também sob relatoria da Minª.
Rosa Weber, que deferiu liminar para suspender a eficácia de diversos
dispositivos. O referendo encontra-se suspenso, em conjunto com o
julgamento do pedido liminar na ADPF n. 851, com vista ao Ministro
Alexandre de Moraes desde 16.04.2021. A Minª Relatora e o Min. Edson
Fachin já votaram pelo referendo da cautelar.

Diante desse preocupante cenário, o ex-ministro Raul


Jungmann, da Segurança Pública e da Defesa, atentou para a
necessidade de reação “ao nefasto processo de armamento da população,
em curso no Brasil”, que evocaria “o terrível flagelo da guerra civil, e do
massacre de brasileiros por brasileiros”. Segundo ele “no plano da
segurança pública, mais armas invariavelmente movem para cima as
estatísticas de homicídios, feminicídios, sequestros, impulsionam o crime
organizado e as milícias, estando sempre associadas ao tráfico de
drogas”14.

O que tem se notado é que as insistentes flexibilizações para


o acesso e o porte de armas de fogo contrariam as políticas de pacificação
social e de segurança pública, haja vista o crescimento do índice de
mortes violentas no país desde 2019, ano no qual tais medidas
começaram a ser implementadas.

Em verdade, no ano de 2020, após dois anos consecutivos


de queda do índice mortalidade por armas de fogo, o país apresentou um
aumento de 5% de assassinatos. Conforme evidencia o monitor da

14Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-21/armamentismo-bolsonaro-


gerar-guerra-civil-ex-ministro

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14
violência do Portal G115, de acordo com bases de dados oficiais de 26
estados e do Distrito Federal, mesmo durante a pandemia da COVID-19,
foram registradas 43.892 mortes violentas, contra 41.730 em 2019.

O mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública,


publicado em 2021, dá conta do quadro, apontando que 78% das mortes
violentas intencionais em 2020 empregaram de arma de fogo. Também
pôde-se observar um aumento expressivo nos registros de armas de
fogo, conforme indica o infográfico16 abaixo:

No entanto, se de um lado cresce a quantidade de


armamentos em circulação, de outro lado, há uma queda na apreensão
de armas de fogo. O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, diminuiu
em 24% o número de apreensões. Entre 2019 e 2020, houve ainda uma
diminuição de 50,4% no número total de armas destruídas no país17.

Analisando esses dados, os especialistas Isabel Figueiredo e


Ivan Valente, membros do Fórum de Segurança Pública, pontuam que
“enquanto alguns segmentos da população brasileira se armam de modo

15 Disponível em: https://g1.globo.com/monitor-da-


violencia/noticia/2021/02/12/brasil-tem-aumento-de-5percent-nos-assassinatos-em-
2020-ano-marcado-pela-pandemia-do-novo-coronavirus-alta-e-puxada-pela-regiao-
nordeste.ghtml.
16 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2021/07/infografico-2020-v6.pdf
17 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-
content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf

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15
acelerado, o Estado vem diminuindo sua capacidade de mitigar os efeitos
nocivos destas mesmas armas gerando toda sorte de violências”18.

A verdade é que o Executivo Federal tem atuado em sentido


diametralmente oposto aos dados e ao cenário fático apresentado, dando
continuidade e intensificando o projeto declarado de armar a
população, incompatível com os preceitos mais caros da nossa
Constituição Federal.

Por esse motivo é que, como visto, este e. Tribunal tem sido
continuadamente chamado a conter, à luz das disposições
constitucionais, a escalada armamentista em curso no país. A resposta
judicial tem sido à altura da ameaça à vida e à segurança da população
brasileira, o que deve se repetir diante da Resolução n. 218/2021.

Assim, feita esta breve contextualização da demanda, passa-


se à demonstração das flagrantes inconstitucionalidades que maculam a
Resolução n. 218/2021 do GECEX.

4.3. VIOLAÇÃO AOS PRECEITOS FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO À


VIDA (ART. 5º, CAPUT, 227 E 230), DE GARANTIA DA SEGURANÇA
PÚBLICA (ART. 144) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART.
1º, III).

A Constituição Federal é inequívoca quanto à proteção da


vida como o valor supremo no Estado Democrático de Direito, na medida
em que consiste no primeiro direito tutelado pelo Constituinte Originário
no rol dos direitos fundamentais do art. 5, caput, da Magna Carta, veja-
se:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de


qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,
nos termos seguintes [...]

Por sua vez, o art. 227 do texto constitucional é expresso em


determinar a obrigação do Estado, compartilhada com a família e
sociedade na garantia do direito à vida aos mais vulneráveis, confira-se:

18 Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-


content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf

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16
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.

Os Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário


também estabelecem o dever do Estado em garantir o direito à vida. Nesse
sentido, o Pacto São José da Costa Rica declara no seu art. 4º que “toda
pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser
protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém
pode ser privado da vida arbitrariamente”.

Já o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos,


recepcionado pelo Decreto n. 592/1992, dispõe que “o direito à vida é
inerente à pessoa humana. Esse direito deverá ser protegido pela lei.
Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

Nesse sentido, a fim de consagrar a tutela do direito à vida,


a Constituição estabelece o dever do Estado de garantir a incolumidade
das pessoas e do patrimônio, de modo a permitir o ambiente seguro ao
desenvolvimento nacional19, nos termos do art. 144, caput, da Magna
Carta, veja-se:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e


responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos.

Desse modo, nota-se que a proteção à segurança pública é


instrumento para operacionalizar a garantia dos direitos fundamentais à
vida e à dignidade da pessoa humana, prevista no art. 1º, III, da
Constituição20.

19 Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


II - garantir o desenvolvimento nacional.
20 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados

e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem


como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana.

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17
Nesse sentido, valiosas são as considerações de José Afonso
da Silva sobre a tutela do direito a segurança pública e a sua relação com
os demais direitos fundamentais:

“no entanto, não impede que ele seja considerado um


conjunto de garantias – natureza que, aliás, se acha ínsita no
termo ‘segurança’. Efetivamente, esse conjunto de direitos
aparelha situações, proibições, limitações e procedimentos
destinados a assegurar o exercício e o gozo de algum direito
individual fundamental (intimidade, liberdade pessoal ou
incolumidade física ou moral): segurança das relações
jurídicas (art. 5º, XXXVI), segurança do domicílio (art. 5º, XI),
segurança das comunicações pessoais (art. 5º, IV) e
segurança em matéria penal e processual penal (art. 5º,
XXXVII-XLVII)”21.

Cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal já se


manifestou a respeito da densidade do direito fundamental à segurança
pública, ante a política desarmamentista que vinha sendo desenvolvida
pelo Brasil nas últimas décadas (e que, atualmente, vem sendo
paulatinamente desmontada). Veja-se, por oportuno, trecho do voto do
Min. Ricardo Lewandowski na ADI n. 3.112/DF, transcrito abaixo:

“o dever estatal concernente à segurança pública não é


exercido de forma aleatória, mas através de instituições
permanentes e, idealmente, segundo uma política criminal,
com objetivos de curto, médio e longo prazo, suficientemente
flexível para responder às circunstâncias cambiantes de cada
momento histórico.
Nesse sentido, observo que a edição do Estatuto do
Desarmamento, que resultou da conjugação da vontade
política do Executivo com a do Legislativo, representou uma
resposta do Estado e da sociedade civil à situação de extrema
gravidade pela qual passava – e ainda passa - o País, no
tocante ao assustador aumento da violência e da
criminalidade, notadamente em relação ao dramático
incremento do número de mortes por armas de fogo entre os
jovens.
A preocupação com tema tão importante encontra
repercussão também no âmbito da comunidade
internacional, cumprindo destacar que a Organização das
Nações Unidas, após conferência realizada em Nova Iorque,
entre 9 e 20 de julho de 2001, lançou o “Programa de Ação
para Prevenir, Combater e Erradicar o Comércio Ilícito de
Armas de Pequeno Porte e Armamentos Leves em todos os
seus Aspectos” (UN Document A/CONF, 192/15). [...]

21SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed., atual. até a
EC 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 72.

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18
Como se nota, as ações diretas de inconstitucionalidade ora
ajuizadas trazem ao escrutínio desta Suprema Corte tema da
maior transcendência e atualidade, seja porque envolve o
direito dos cidadãos à segurança pública e o
correspondente dever estatal de promovê-la eficazmente,
seja porque diz respeito às obrigações internacionais do
País na esfera do combate ao crime organizado e ao
comércio ilegal de armas” (ADI 3.112/DF, DJ 26.10.2007).

Na ocasião do julgamento da ADI n. 3.112, quando apreciado


o Estatuto do Desarmamento, colocaram-se em evidência os valores
constitucionais da vida e da segurança pública para afirmar a
necessidade do controle do acesso a armas de fogo, linha de
fundamentação que tem reverberado na jurisprudência deste e. STF.

Recentemente, ao deferir o pedido liminar na ADI n. 6.675


para suspender diversos dispositivos da série de decretos presidenciais
editados em fevereiro de 2021 que fragilizava o programa normativo do
Estatuto do Desarmamento, a Minª. Rosa Weber observou:

“Impõe-se [...] a todos os Poderes Públicos, por força de


imposição constitucional e dos compromissos firmados pelo
Brasil no plano internacional, o dever de proteger a vida das
pessoas e de preservar a segurança pública contra o risco
gerado pelas armas de fogo, mediante a implementação de
políticas públicas efetivas que atendam a essa finalidade,
criando condições materiais favoráveis ao desenvolvimento da
vida livre da insegurança e do medo.”

Também o Min. Edson Fachin, concedendo a cautelar na


ADPF n. 772 – na qual impugnada a constitucionalidade da Resolução
n. 126/2020 do GECEX, que reduziu a zero a alíquota do imposto de
importação de revólveres e pistolas – destacou que a premência do
controle de acesso a armas de fogo está enraizada “no próprio projeto
comum de sociedade que se inaugura em 1988, e que se expande por
um sem número de compromissos da comunidade internacional”.

O Ministro indicou o alcance amplo e aberto do direito à


segurança, a compreender, conforme o arcabouço internacional de
direitos humanos, o dever de due dilligence do Estado, ou seja, de
adotar medidas legislativas adequadas de restrição do uso da força e da
violência por agentes estatais e privados. Isso significa que a segurança
dos cidadãos deve primeiramente ser garantida pelo Estado, concebendo-

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19
se, naquela hipótese, o imposto de importação como “instrumento de
uma política pública constitucionalmente orientada”.

A mesma ratio aplica-se ao caso presente, em que se está


diante de imposto de exportação cujo objetivo é também o controle do
acesso a armas, no que se torna indubitável a vulneração a direitos
fundamentais promovida pela Resolução ora impugnada.

Como já destacado, o imposto de exportação sobre armas e


munições à alíquota de 150% tem por intuito evitar o efeito bumerangue
das exportações, ou seja, impedir que as armas exportadas pelo Brasil
para países da América do Sul e Central sejam reintroduzidas no
território nacional por meio do comércio ilegal e assim fomentem a
criminalidade.

Trata-se, portanto, de uma política pública de controle de


armas que vem sendo adotada há duas décadas e que
comprovadamente tem sido eficaz na limitação da exportação
bumerangue. Como visto, as pesquisas conduzidas pela CPI do tráfico
de armas, publicadas no relatório de 2006, indicaram que o problema foi
praticamente extinto em relação ao Paraguai com o auxílio da
Resolução n. 17/2001.

Assim, é certo que não se pode prescindir do imposto de


exportação sobre armas e munições, que há anos tem reprimido a
exportação bumerangue de armas de alta letalidade.

Isso considerando-se que o tráfico de armas de fogo ainda


é um dos grandes problemas globais, já que se relaciona
intrinsecamente à atuação de organizações e redes criminosas nacionais
e transnacionais, além de contribuir para armar grupos criminosos
urbanos e promover a violência nos mais diversos países22.

Com efeito, o tráfico de armas não só equipa organizações


criminosas que necessitam de armamento pesado para o cometimento
de crimes (como roubos a bancos, a caixas eletrônicos e a carros fortes),
como também fomenta o tráfico de drogas, na medida em que a
militarização dos grupos de narcotraficantes se faz necessária na disputa
pelo domínio de áreas23.

22 Disponível em: https://www.unodc.org/e4j/pt/secondary/firearms.html


23 Disponível: em: https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cspcco/apresentacoes-em-
eventos/pastaeventos.html/ApresentaoPolciaFederalPainel3.pdf

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20
Ademais, o tráfico tem como uma de suas consequências o
aumento da circulação e do comércio de armas de forma geral, dando
azo à banalização da posse de armas, à intensificação da violência urbana
e ao incremento das mortes causadas por armas de fogo24.

Assim, é certo que a atuação das instituições no combate ao


tráfico de armas de fogo representa imperativo de segurança nacional,
sobretudo no Brasil, que permanece sendo um dos países com os maiores
índices de mortalidade por arma de fogo25.

Como já indicado, o 14º Anuário Brasileiro de Segurança


Pública indicou que 78% das mortes violentas intencionais em 2020
empregaram arma de fogo, tendo havido um relevante crescimento em
comparação com o índice de 72,5% registrado em 2019.

Ao prontamente eliminar o imposto de exportação sobre


armas, a Resolução impugnada facilita e favorece a entrada de
armamentos ilegais no Brasil, o que indiscutivelmente impactará os
níveis de criminalidade e de mortalidade no país. Trata-se, portanto, de
iniciativa incompatível com o direito à vida e à segurança pública.

Veja-se que medida não só é irresponsável e descuidada,


como também tem alto potencial danoso, na medida em que impõe ao
combate ao tráfico internacional de armas um retrocesso de vinte anos,
com a perspectiva do retorno de um problema que já se encontra em parte
solucionado e do agravamento do tráfico de modo geral.

Sabe-se que a maior parte das armas que circulam


ilegalmente no Brasil é de origem brasileira. O Mapa do Tráfico Ilícito
de Armas no Brasil, em 2010, identificou que, de cada dez armas
apreendidas no país, oito são de fabricação nacional26. Nessa linha,
pesquisa do Instituto Sou da Paz apurou que 60,9% das armas
apreendidas no Sudeste em 2014 tinham origem brasileira27.

24 Disponível: em: https://www2.camara.leg.br/atividade-


legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cspcco/apresentacoes-em-
eventos/pastaeventos.html/ApresentaoPolciaFederalPainel3.pdf
25 Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2018/08/28/interna-
brasil,702432/brasil-lidera-ranking-de-mortes-por-arma-de-fogo-no-mundo.shtml
26 Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2021/04/comercio-

ilegal-de-armas-segue-um-problema-na-america-do-sul-apesar-da-pandemia.html
27 Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Criminal/Material_coordenacao/Noticia
s/pesquisa_an_lise_de_armas_do_sudeste_online_1.pdf

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21
Ou seja, a maioria das armas que circulam no mercado ilegal
brasileiro foram fabricadas em território nacional e desviadas em algum
momento da sua comercialização ou utilização – não apenas no Brasil,
mas também nos países estrangeiros que recebem as exportações.
Portanto, extinguir o imposto de exportação implicará um incremento
da fonte estrangeira de armas nacionais para o comércio ilegal.

Acrescente-se que, segundo relatório da Divisão de


Repressão a Crimes contra o Patrimônio e ao Tráfico de Armas da Polícia
Federal, realizado em 2018, 99% das armas de origem estrangeira
apreendidas no país entram por fronteiras terrestres, sendo pontos
de grande movimentação Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre Brasil,
Paraguai e Argentina; Ponta Porã e Guaíra, na fronteira com o Paraguai;
Corumbá, na fronteira com a Bolívia; e Santana do Livramento, na
fronteira com o Uruguai28.

Se essas fronteiras já são pontos de preferência para o tráfico


nas condições atuais, é evidente que o retorno das exportações
bumerangue de armas nacionais trará ainda mais complicações para
o combate ao contrabando nessas áreas sensíveis.

Também não se pode perder de vista que o tráfico de armas


não é um problema meramente interno, sendo a triangulação uma praxe
comum da atividade, na qual as exportações são legalmente feitas para
“países de trânsito”, que redirecionam as mercadorias para países
terceiros por meio do mercado ilegal.

Estando as cadeias do tráfico internacional intimamente


interligadas, não se pode encarar a extinção do imposto de exportação
apenas como uma medida de incentivo à indústria bélica nacional, que
já é terceira maior exportadora de armas pequenas e leves do
mundo29.

Diga-se que o Brasil é signatário do Tratado de Comércio


de Armas, pelo qual se obriga a implementar medidas de controle
transparentes e de mitigação de riscos na venda internacional de armas,
e a se abster de exportar para Estados onde as armas poderão ser
utilizadas para cometer violações graves de direitos humanos.

28 Disponível em: https://www.reuters.com/article/geral-armas-pf-eua-


idBRKBN1EZ2MT-OBRTP
29 Disponível em: https://exame.com/economia/brasil-e-o-3o-maior-exportador-de-

armas-pequenas-diz-relatorio/

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22
Às vésperas da 7ª Conferência dos Estados partes do referido
tratado, a ser realizada entre os dias 30 de agosto e 3 de setembro, é um
contrassenso que o governo brasileiro tome medida que tem potencial
para facilitar o tráfico de armas.

Não é sem razão que a revogação do imposto de exportação


foi veementemente repudiada por diversas instituições da sociedade civil
voltadas a defesa de direitos humanos. Em nota, os Institutos Sou da
Paz e Igarapé afirmaram que a iniciativa “trará enorme impacto
negativo à segurança pública, tornando mais vantajoso e barato o
tráfico de armas brasileiras”30 (Doc. 06).

Em verdade, a Resolução n. 218/2021 é responsável por


minar política pública de combate ao tráfico de armas, o que
invariavelmente terá efeitos sobre a criminalidade e a violência no país.

Por todos esses motivos, torna-se dever dessa Suprema Corte


declarar a inconstitucionalidade de ato normativo que coloca em risco
a segurança da coletividade ao facilitar o tráfico de armas, por
manifesta violação dos direitos à vida e à segurança e do valor da
dignidade humana.

IV.4. DA VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, DA


PROPORCIONALIDADE, DA PRIMAZIA DO INTERESSE PÚBLICO E DA
MOTIVAÇÃO.

Como visto, a Resolução GECEX n. 218/2021 extirpou do


ordenamento o imposto sobre a exportação de armas e munições a países
da América do Sul e Central, que constitui importante instrumento de
combate ao tráfico de armas.

Para além de ferir os preceitos constitucionais da segurança


pública, da vida e da dignidade da pessoa humana, a medida viola
frontalmente os princípios constitucionais da supremacia do interesse
público, da razoabilidade, da proporcionalidade e da motivação.

30 Disponível em: http://soudapaz.org/noticias/institutos-sou-da-paz-e-igarape-


repudiam-resolucao-do-governo-que-reduz-imposto-de-exportacao-de-armas-
brasileiras/; e https://igarape.org.br/nota-publica-institutos-sou-da-paz-e-igarape-
repudiam-resolucao-do-governo-federal-que-reduz-imposto-de-exportacao-de-armas-
brasileiras-para-america-latina/

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O princípio da razoabilidade pode ser destrinchado em uma
série de elementos ou subprincípios, que se revelam como instrumentos
de limitação da discricionariedade administrativa.

Ainda que a lei permita formalmente que uma medida seja


tomada, é necessário que a Administração Pública pondere a respeito da
sua pertinência, adequação e necessidade, considerados os meios a
serem adotados e os fins almejados. Esse juízo é feito tanto de forma
interna quanto externa, conforme lição doutrinária do Exmo. Min. Luís
Roberto Barroso31:

“O princípio da razoabilidade é um parâmetro de


valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles
estão informados pelo valor superior inerente a todo o
ordenamento jurídico: a justiça. [...]
Esta razoabilidade deve ser aferida, em primeiro lugar, dentro
da lei. É a chamada razoabilidade interna, que diz com a
existência de uma relação racional e proporcional entre
motivos, meios e fins. [...] De outra parte, havendo
razoabilidade interna é preciso verificar sua razoabilidade
externa, isto é: sua adequação aos meios e fins admitidos
e preconizados pelo texto constitucional, não será legítima
nem razoável à luz da Constituição, ainda que o fosse
internamente”. (pgs. 69-71).

Portanto, os atos do Poder Público devem se submeter ao


crivo da razoabilidade, de modo aferir se os meios e fins da medida são
compatíveis entre si e se a sua existência no ordenamento jurídico
respeita a ratio da Constituição.

Uma outra faceta da razoabilidade está no princípio da


proporcionalidade, que traduz a ideia, nas palavras de Celso Antônio
Bandeira de Mello, de que “as competências administrativas só podem ser
exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente
demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que
estão atreladas”32.

Daí é que os juízos de razoabilidade/proporcionalidade estão


diretamente atrelados ao interesse público, cuja primazia se manifesta
como princípio implícito por todo o texto constitucional, enquanto

31 BARROSO, Luís Roberto. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade


no direito constitucional. Caderno de Direito Constitucional e Ciência Política. Revista
dos Tribunais. 23 ed. 1998.
32 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2007, p. 107.

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pressuposto lógico do convívio e fundamento da existência do próprio
Estado, e impõe à Administração Pública atuar obrigatoriamente em prol
da coletividade, e não de interesses particulares.

Feitas essas considerações, é evidente que o ato impugnado


não ultrapassa a barreira da razoabilidade e da proporcionalidade, além
de ser veementemente contrário ao interesse público.

Como visto, o imposto sobre exportação de armas foi adotado


não como uma medida econômica, mas como verdadeira política pública
de controle de armas, de modo a combater à “exportação bumerangue” e
assim impedir o abastecimento da criminalidade interna com
armamentos capturados pelo tráfico internacional de armas.

Portanto, o objetivo final do tributo em questão não é outro


senão a garantia da segurança e da vida de milhões de brasileiros e
brasileiras. Tratam-se de direitos que, conforme observou o Min. Edson
Fachin ao conceder a medida cautelar na ADPF n. 772, têm peso “prima
facie”, aportando “imenso ônus argumentativo às medidas que tendem a
minorá-lo[s]”.

Ou seja, em se tratando de medidas relacionadas ao controle


de armas de fogo, tem-se que o direito à vida e à segurança, em regra,
prevalecem diante de outros que possam eventualmente vir a ser
protegidos pelo ordenamento jurídico. A relativização dos primeiros se dá
somente por exceção e deve ser amplamente embasada e justificada.
Ainda nas palavras do Min. Edson Fachin:

“Ante o peso prima facie dos princípios do direito à vida e à


segurança, e da significativa intensidade de interferência
sobre eles exercida pela referida redução de alíquota, naquilo
em que estimula a aquisição de armas de fogo e reduz a
capacidade estatal de controle, seria necessário que os
princípios concorrentes (fossem eles o direito de autodefesa,
ou as prerrogativas de regulação estatal da ordem econômica)
estivessem acompanhados de circunstâncias excepcionais
que os justificassem. Em termos técnicos, estes direitos
deveriam ser complementados por extraordinariamente altas
premissas fáticas e normativas. [...] Ademais, estas
premissas deveriam estar plasmadas em planos e estudos
que garantissem racionalmente, a partir das melhores teorias
e práticas científicas a nós disponíveis, que os efeitos da
norma não violariam o dever de controle das armas de fogo
pelo Estado brasileiro.”

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Ressalta-se que, diante da má repercussão da Resolução n.
218, o Ministério da Economia, órgão do Executivo ao qual vinculados o
GECEX e a CAMEX, emitiu nota informando o seguinte:

“[...] A medida está alinhada à agenda governamental de


redução dos custos de comércio e elimina uma distorção,
pois, como regra, o Brasil evita a utilização do Imposto de
Exportação, em razão de seus efeitos usualmente negativos
sobre a eficiência econômica, entre outros pontos. O Imposto
de Exportação é aplicado somente em casos
excepcionais. Assim, a decisão se alinha à prática do
universo tarifário”.

A nota deixa claro que a edição da Resolução impugnada


desconsiderou completamente a função política e social do tributo
especificado e os inquestionáveis impactos negativos que a sua extinção
terá para a segurança pública.

Ainda que se pudesse justificar a extinção ou a redução da


alíquota de imposto de exportação no incentivo ao comércio, é certo que
a eliminação total e repentina de uma política que há vinte anos vem
sendo comprovadamente efetiva no combate ao tráfico internacional de
drogas não é uma medida adequada, proporcional e muito menos
necessária, representando desarrazoada ameaça aos direitos à vida e à
segurança.

Veja-se que a edição da Resolução, ao prescindir de dados e


estudos que abordem o impacto da extinção do imposto para o controle
de armas e a criminalidade, viola também o princípio da motivação dos
atos administrativos. Não se pode conceber, em um Estado Democrático
de Direito, a prática e a edição de atos com o condão de modificar, reduzir,
ou até extinguir direitos sem a devida explicitação dos motivos para tanto.

A prestação de contas pelo poder público é pressuposto de


uma atuação republicana, sendo obrigatório ao administrador justificar
suas escolhas com base em dados e estudos, além de examinar diferentes
alternativas para a solução dos problemas concertos, especialmente
quando em jogo políticas públicas com objetivos constitucionais tão
claramente delineados.

Ainda na linha do dever de motivação, mas em seu aspecto


tributário, frisa-se que, embora o Poder Executivo possa alterar as
alíquotas dos impostos de exportação em função dos objetivos da política
cambial e do comércio exterior (cf. o art. 26 do CTN), essa alteração há

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de ser devidamente justificada. Conforme assevera Hugo de Britto
Machado:

“A rigor, cada redução, ou aumento, tem de ser justificado.


Não basta que o ato do Poder Executivo diga que a
redução, ou o aumento, se faz para atender aos objetivos
da política cambial e do comércio exterior. Tal
justificação, feita nesses termos, nada justifica. Serve para
toda e qualquer situação e, por isso mesmo, para nada serve,
a não ser para evidenciar o exercício arbitrário do poder de
tributar”33.

Vê-se que a justificativa do Ministério da Economia para a


Resolução n. 218, fundada na excepcionalidade do imposto de exportação
no universo tarifário, é absolutamente inócua, já que poderia ser
utilizada para toda e qualquer situação de modificação desse tipo de
imposto. Se a adoção desse imposto excepcional se deu a fim de limitar o
avanço do tráfico internacional de armas, a sua alteração ou extinção
haveria de ser justificada na demonstração de uma mudança nesse
contexto fático a dispensar a medida.

Resta claro que a edição da Resolução privilegia, sem


qualquer justificativa, a eficiência econômica em detrimento dos preceitos
constitucionais da vida, da segurança e da dignidade, violando também
os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da primazia do
interesse público e da motivação dos atos administrativos.

V. DA MEDIDA CAUTELAR. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO


IMEDIATA DOS EFEITOS DO ATO IMPUGNADO.

No presente caso, impõe-se o deferimento de medida cautelar


para que sejam imediatamente suspensos os efeitos da Resolução
GECEX n. 218/2021, uma vez que presentes os requisitos da
probabilidade do direito e do perigo na demora.

A probabilidade do direito está suficientemente evidenciada


nas razões aduzidas no decorrer da presente inicial.

Como se destacou, a revogação do imposto sobre a


exportação de armamento para países da América do Sul e da América

33MACHADO, Hugo de Britto. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 291.

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Central viola frontalmente a garantia da segurança pública (art. 144, CF),
o direito fundamental à vida (arts. 5º, caput, 227 e 230, CF) e a dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III, CF).

Isso porque o imposto de exportação consubstancia política


de combate ao tráfico de armas, notadamente às “exportações
bumerangue”, de modo que a sua extinção facilita e favorece a entrada
de armamentos ilegais no Brasil, o que indiscutivelmente impactará a
criminalidade e a mortalidade por armas de fogo no país.

Conforme observam os Institutos Sou da Paz e Igarapé, o ato


impugnado “trata de mais uma medida que vai contra manifestações de
órgãos de segurança e traz lucros a poucos enquanto distribui
insegurança a milhões”34 (Doc. 06).

A Resolução n. 218 também contraria os princípios da


razoabilidade, da proporcionalidade, da primazia do interesse público e
da motivação (art. 37, caput, CF), porquanto o Poder Público, ao editar o
ato, privilegiou a eficiência econômica em detrimento dos preceitos
constitucionais da vida e da segurança, sem justificar ou embasar a
revogação do imposto em dados e estudos que permitissem a relativização
desses valores na hipótese.

O perigo na demora, por sua vez, também é manifesto, uma


vez que o ato impugnado já se encontra produzindo plenos efeitos, tendo
entrado em vigor no último dia 02.08.2021. Sendo assim, é imediato o
risco de aumento da circulação de armas ilegais no território nacional, e
consequentemente, da criminalidade e da violência.

Cabe ressaltar, ainda, que o comércio ilegal de armas não só


segue sendo um problema na América do Sul, como também tem sido
agravado pela pandemia. Após a realização da operação Trigger VI, que
resultou na apreensão de milhares de armas ilegais em 13 países latino-
americanos, entre os quais o Brasil, o secretário-geral da Interpol, Jürgen
Stock, observou que os traficantes têm se aproveitado rapidamente das
mudanças socioeconômicas causas pela pandemia e afirmou que “a

34 Disponível em: http://soudapaz.org/noticias/institutos-sou-da-paz-e-igarape-


repudiam-resolucao-do-governo-que-reduz-imposto-de-exportacao-de-armas-
brasileiras/; e https://igarape.org.br/nota-publica-institutos-sou-da-paz-e-igarape-
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proliferação de armas de fogo é uma ameaça muito séria à
segurança e estabilidade da América do Sul”35.

Assim, cumpre a este Supremo Tribunal suprimir os efeitos


nefastos e irreversíveis da Resolução aprovada pelo Comitê Executivo de
Gestão da Câmara do Comércio Exterior, por consequência invalidando
todos os possíveis procedimentos e/ou processos que tenham por
fundamento a inconstitucional disciplina questionada na presente ADPF.

Caso não se entenda devida a concessão monocrática da


medida cautelar, requer-se a adoção do rito abreviado para análise da
liminar previsto no art. 5º, caput e § 2º, da Lei n. 9.882/1999, a fim de
que o processo seja diretamente submetido a julgamento definitivo por
esta Corte.

VI. DOS PEDIDOS.

Diante do exposto, requer-se seja conhecida a presente ação


de descumprimento de preceito fundamental, tendo em vista o
preenchimento de seus pressupostos de admissibilidade, para que:

a) Preliminarmente, seja concedida medida cautelar


para determinar a suspensão imediata da eficácia da
Resolução GECEX n. 218/2020, uma vez que
presentes os requisitos da probabilidade do direito e do
perigo na demora;

b) No mérito, seja julgada procedente a presente ação de


descumprimento de preceito fundamental, ratificando-
se a liminar eventualmente concedida e declarando-se a
inconstitucionalidade da Resolução n. 218/2021 do
Comitê Executivo de Gestão da Câmara do Comércio
Exterior (GECEX), que revoga a alíquota de 150% do
imposto sobre exportação de armas e munições para a
América do Sul e Central.

Por fim, requer-se sejam as publicações realizadas em nome


do advogado Rafael de Alencar Araripe Carneiro, inscrito na OAB/DF
sob o n. 25.120, sob pena de nulidade. Informa-se, para os efeitos do

35 Disponível em: https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/frontpage/2021/04/comercio-


ilegal-de-armas-segue-um-problema-na-america-do-sul-apesar-da-pandemia.html

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disposto pelo artigo 39, I, do Código de Processo Civil, que o signatário
tem escritório em Brasília, no endereço SGAN Quadra 601 Bloco H L2
Norte - Edifício ION - Sala 1035, Brasília/DF - CEP 70.830-018.

É atribuído à causa, para meros efeitos contábeis, o valor de


R$ 100,00 (cem reais).

Nesses termos, pede deferimento.


Brasília, 11 de agosto de 2021.

Rafael de Alencar Araripe Carneiro Felipe Santos Correa


OAB/DF 25.120 OAB/DF 53.078

Ana Luísa Gonçalves Rocha


OAB/DF 64.379

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