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Sendas & Veredas propée-e 4 atuat em és fentes distinc: presntanda tulos expresivor da produgio brasileira sabre a filorfisnietchiana, po Dlicando trades comentadas de escrito do filsofo ainda inexitentes em portugues editando textos de pensadarescontempo: ines seus de srtea esiae a atoafera eu tural da epaca em que vives, ‘Coordenadora: Scarlett Marton. Conselho Editorial: Bento Prado Jinior, Emildo Stein, Geemén Melénder José Ja, Lis Enrique de Santiago Guervés, Ménica Czagnolini, Paulo Edsatdo Aranese Rubens Rodrigues Torres Filho, Marcio José Silveira Lima AS MASCARAS DE DIONISO FILOSOFIA £ TRAGEDIA EM NIETZSCHE pity cen? ‘0 Paulo, 2006 2 meu pal, Pompilio Jn memoriam, Este ive reproduz com aguas modifiayies «dsr ‘so de mestado imtiulada Filosofia e nage: um erm do dion biaco na obs de Niece, defend junto 20 Deparameno de Filosofia da Universidade de So Paulo (USP) em agosto de 2005, sol a orientagio da Prof. Dra Seas Zerbeto Marton Pati. param da banca examninadorao Prof Dr. Mitcio Suruki (USP) ¢ 19 Prof, Dr Clademir Luis Aldi (UFPeD, AGRADECIMENTOS A Scales, pela orentago,confians,esimulo,incen- tivo eamizade ‘hos professores Métcio Sanuk Clademir Luis Aral los comentérios valiosos a0 texto Peveao GEN (Adriana, Alrandre, Andé, Cals Eda do, Fetnando, Ivo, Luis Rubira, Marcia, Sandro, Vania © Wilson), companhciros de estado e amigos sempre. ‘Aos meus amigos Bite, Elton, Bruno, Cldbet, Frio ¢ lamarion, plas longs jornadas noite adeno. ‘A minha fanaa (minha mie, Maria do Rositio; meus lnmios Mézcia e Matheus; a0 Edibon ¢ a0 Pedro), presenga fundamental em todos 0s dias. 'AVVal, por estar sempre comigo nese camino. 'AEAPESR, pelo apoio financeiro& pesquisa SUMARIO NOTAGAO BIBLIOGRAFICA INTRODUGAO. captruto 1 METARISICA B TRAGEDIA 1.1. 0 ENIGMA Do MUNDO 1.2. A METAFISICA DE ARTISTA 13. A TMceDIa creca 14. 0 racionauiswo socrsrico caPITULO HL (© COMBATE A METAFISICA: ROMPIMENTO E AUTOCRITICA, TL. ENsslo 0¢ avrocetnica 11.2. ritosoFae tistoRico TL3. Geneatocts & rsicotocia CcaPfTULO It INCIPIT TRAGOEDIA TILL. A rsicoLocia po TRAcIco IIL.2. © que £0 pioxssiaco? HIL3. Dioxiso conraa 0 Caucitieavo, conctusio BIBLIOGRAFIA 37 37 35 66 81 89 89 100 117 139) 139) 155 174 195 207 NOTAGAO BIBLIOGRAFICA Adotamos, patna ctagio das obras de Nictasche, a con- -vensio proposta pela edigho ColliMontinari das Obras Com- _letas do fldsofo. As sigas em alemsso sio acompankadas das siglas em porcugués para failitar a leitura das referencias. Listo-as a seguir GTINT Die Gebure der Tragidi (O nascimento da raga) CVICP ~ Funf Vorreden 2u fin ungerhriebenen Buchern (Cinco prefitcis para cinco livros nao exrito) MAI/HEI — Menschliches,Aliumensclices 1 (Humane, de- ‘maziado humana (|) EWIGC ~ Die filiche Wissenschaft (A gaia ciéncia) ‘ZaILA— Alo sprach Zarathustra (Asim faleva Zaratusta) JGBIBM — fensits v0 Gut und Base Para além de bem e mal GMIGM ~ Zur Gencalogie der Moral (Genealogia da moral) WAICY ~ Der Fall Wizgner (O caso Wagner) GDICI ~ Gorzen-Diimmerng (O erepscuo dos idole) EHJEH ~ Bice Homo (Ezce Flom) Nas ciagSes, algarismo arsbico indicari aforismo ‘ou segio. No caso de GTINT, indicaré o parigrafo; quando se refrir 20 “Ensaio de aucocritica’ este se seguir 4 sigla do liveo, que teri um algarismo aribico indicando o parigrafo; no caso de CVCE 0 nome do preficio se seguirs 3 sighs: em GMIGM, o algarismo romano anterior a arsbico remeteré a dissertgio do lio; em GD/Cle EH/EH, o algarismo ari- bico que se seguirs ao titulo do capitulo indicard a segios em ZAIZA indicatéo cculo do capiculo, 10 Mancio Jost Suveins Lins ra os fagmencos péstumos, 0 algarismo aribico in- dicaré 0 niimero do fragmento ¢ ei seguida o ano em que foi escrito, de acordo com a edigio Knssche Studienansgabe (KSA), cuja compilagdo esté asim distribu Vol. VII ~ Fragmentos péstumos de 1869 a 1874 Vol. VIII ~ Fragmentos péscumos de 1875 2 1879 Vol. IX ~ Fragmentos pdstumos de 1880 3 1882 Vol. X ~ Fragmentos péstumos de 1882.2 1884 ‘Vol. XI Fragmentos péstumos de 1884 2 1885 Vol. XII — Fragmentos péscumos de 1885 a 1887 ‘Vol. XIII — Fragments péstumos de 1887 2 1889 Para as correspondéncia de Nierasche, adoramos 0 cxi- tétio adotado por Collie Montinari em sua edigio critica das caras, Apésa citagio, segue-sea data de claboragio eo dest- anatirio das missvas Nas citagées, adotamos as uadugies para © portugues feitas por Rubens Rodrigues Torres Filho para o volume de Nietsche da colegio Os Pensadorese as de Paulo César de Souza, editadas pela Companhia das Letras, Blas sero idl cadas junto & citagio , caso 0 texto nao tenha sido traduzido por nenhum deles, 2 cradugio & de nossa autor, A cic rg tom par nso mem valor erases pars vcaes Niersche INTRODUGAO A compreensio do dionisaco na obra de Nicesche depende em grande medida do enrendimento que 0 préprio fof por! sobre a questi. Tendo comoyado nat prim clas de ua lbsofisinvetigndo a imporeinca que o deus Dionis eve ma visio de mundo dos anrgos egos 0 fisso- fo retornria esas tess no perio final des obra, Asim a eposiia nial de O naimento da raga, ja meta era “a tunsporgio do donisiaco em patos Hlosio™ surgi ri nas variadasinterpreages que cle fax do veo no periodo tao de seu pensumento; eas eect io a expresso do procedimento de Nietzsche ao analsaras prépras obras, cu onto de pata sto os "Pris" de 1886, culminando em Ese Homo, su dertadcito cstv © no qual les prope & incerpreca oda ese publiagbes, ‘Nos preficios que escreveu em 1886 para grande parte de sus veo até mt publiados, Nirah buscou enon ttarum io condor que confers wnidade is obras. Commo afrma no wato de Huonane, demasiado human, seta a tee tacva de inverio das habitus estimativas de valor que soca sua losis, Todavia, O maxon da rage nese momento ainda no é visto por ese prisms: tanto qu, de todavas inerpretages feias naguee ano, €somente opti 4 Mazcto Jose Shveins Lina cio exci pata oliveo que 0 flésof nomeaté de “Ensaio de aucocritcd’. Ao contetio do que acontece nos outros, ai 0 seu tom é mais de cris do que de clogo, ‘Masse quando se vole para sua obra Nicusche no integra o seu primero live noexprito geal dela, com as ani. lises de Ecce Home esa postu se modifica, pois ao fildsalo passa da autocrtics de outeora pars os elgios, ca maxima ‘expresso se encontra em O cepa des door lito coe: tanco 3 “autobiogeafa’-, quando afiema que O naximento de rgedia foo primero momento de sia tranvaloragi de todos 0s valores. Pde-se, portanto, compreender as andlizes feias por Nieasche de eu vos como um modo deexposi- Gao de sua prépriaflosofa,cujo objetivo ¢ justamente en Conta aguilo que dara corso eserviria de io eondutor pata toda sua obra, Em seu dkimo vo, Nieasche revel acondigio prc- cipua para o just entendimento desa met. Tendo declara- do anceriormente qual seria oalvo de sua ilosofa, expica por que analisar seus ivos€ fundamental para o esclarecimento do alvo que persegue: tenho um medo pavoroso de que um dia me decarem sont: prceberSo por que publio ese Livro ante, ele deve evita que se cometam abusos comigo” (EH! EH, Por que sou um destino, §1).! Embora esa airmagio se reir sua autobiograia, ceramente pademos etendé- para todas as suas ours interpretagies. Estas, poranto, tn tatiam nio apenas deixar claro para onde mia sua filosai, como também revelaiam a sua intengfo de no ser eal in- rexpretado quanco 8 sigificagio dessa mirada "NIETZSCHE, Fredsich. Eve Hon, Trad, Palo Céad Soura. S50 aul: Cia. ds Leus, 1999: Doravante ed inicad apenas 0 nome do exdutr por men dail: PCS, istromegio 1s 01, no que tangs cipciicomente a O naiment de imag, exe propia de Nicasche reels ambigitlades Iso pore at atocriics do preficio de 1886 rain 3 ona um lque de problemas vstor por seu ator, os quis deno tariam que a obra tem como pano de fundo justaente oF prssupostos que so um dos aor de ataque no projco de tranwaoragio de rodo or valores. A despeto dis, 0 filxo- Fo ambém envende que a investiga sobre a agin ee gut comm or clementos que podem sr vncuados ee $femativa dese projet, Portano,é ea ambancia que oe textos deicador 4 anise do primero lv tentam ditimit, datas intrpreagies fits polo priprio Niche comeys rem com um eariter eco muito acirado pata depois t- trinarem com os eogit (© que temos em mente quando pensamos na agit stnica de O naciment da aged Provavelmente pensamos nos deuses Apolo Dioiso, ou eno nos impos 2 cles Comtespondents, 0 apolinco © o dionisao. Ds perpeciva dsrranwalorigio,¢ pose pensar ese dois conceitoscapi- tas o lado daquees da ultina flosoianicaschiana, tis Como o eterno ftom, 0 além do homem, 0 amor fi ea vontade de porencia? A primeira vita, nso, Devido 3 inde Inica aque obedecem obra inaugural, cles 38 podem ser pensador i de modo esanqc; por aut ado, quando se dé Filo de Nictche a denominasio de dionsaca~ tl como cle mesmo fa iximera venes~ to pensar nela fem nos remerermos a O natcimento da magi? Novarnen- tesa resposta€ npatv, Poreanto, ce a questo: dada essa mbiguidade, que lugar ocupa cs vo ao conju da ilo ‘ofa niceschians? Como entero partie das pris e- turas qu seu ator he fx? E da resolu, pois, dees dl inas que depende a intgragio do lvo a0 corpo da flosofa de Nictsche. 6 Mancio Jose Suvetsa Liss Em duas carts de épocas extremas de seu percurs in tclectual,o filgsofo alemdo apresenta posigbes sobre a obra aque, em nosso entender, So paradigmiticas para a compre: ensio dessa dificuldade. Numa missiva a seu amigo Rohde, cle excreve em feverero de 1870: "Cineia, arte ¢ Florofia crescem dentro de mim to estritamente ligadas que vou ace bar parindo um centauzo, Esse centauro seré meu live sobre fo nascimeato da tragédi”. Jem 21 de junho de 1888, cle emete a Kael Knorez, um professor dos Estados Unidos, uma foucra em que cta¢ faz breves comencirios sobre diversas de suas obras. Neles 6 se refere is Considers extempordneas quando fala de suas obras de juventude. Como fil6sofo que ‘eivindica sero dscipulo do deus Dioniso, por que Nicesche omitiiajustamente O nascimonta da tragéia para alguém que se mostrou interessado em escrever um ensaio sobre 0 Seu pensamento? Quem sabe ele estivesse preocupado ai com aguela just interpretario de sua filosofia,e para alguém que tomava apenas um primeito contato com a obra, talvez se gerassem mal-entendidos, Guardemo-nos, todavia, de que- rer adivinhar as razdes que motivaram 0 idsofo; antes épre- iso estar arento Aquela imagem do centauro utlizada por ele, pois éela que nos oferece as eausas dessa dificuldade em pen- aro livra no conjunto da Blosofianieteschian, ‘Como o prépro ttulo de sua obra inaugural ja indica, Nierasche respond nels & sua inquieragio do fildlogo que era em 1871, ano em que publicou O nascimento da eragédis. Mas seguindo um caminho diverso daquele que a filologiatilha- vano século XIX, ele vai elaborate dar resposta 20 problema dla eragélia sem abrir mio de radas as inquictagbes que ha: bitavam o seu espirite. Assim, valendo-se néo somente da filologia, procura desenvolver seu estudo de modo a situé-lo na tradigio de diversos pensadores alemies que também bus- caram compreender 0 espirito grego, tais como Goethe, Schiller, Winckelmann e August Schlegel. Essa investigagio niereschians, por fim, seri completada com ain entusiistico clogio 3 misica de Wagner, quem era aribuido o merito de fazer revivera época rigica da Gricia,e sobretudo pela filo sofia da vontade de Schopenhauer, a maior inspicadora das ese ilosficas defendidas no liv Nao obstante, Niewsche afrma, em Bice Homo, que a influgncia de Hegel em O nascimento da ragédia & mais importante do que a de Schopenhauer (CE. EH/EH, O nas ime ragcdia, § 1}. Certamemt, ee esta querendo a1 minimizar a influéncia que seu mestre teve na época da pu Dilicagio: ademais, se ele usou aquela imagem do Centauso quando se refer 20 lio € porque nelerewerberavam as ce ses filos6ficas schopenhauerianas.E antes de reavaliare con= denar o entrelagamento de suas intuigdes prdprias com a fix lesofia da vontade, Nietsche ji havia sido combatide com ingente veeméncia por Wilamowit-Modlendo,justamen- ‘e por subordinar a ilologia a concepgies filoséficas, De res to, acerto de contas posterior seri sempre com Schopen- hauer e nunca com Hegel. Afinal, O mundo como vontade ¢ represenagio foi de Lixo o grande lvro que motivou Nietsche 4 pensar 0 surgimento da tragéia a partir de fundamyentos meafisicos Quando escreveu O nascimente da ragédia, Nietsche, 40 apropriat-se tanto das questoes que os alemies ji haviam formulado antes sobre os gregos quanto da filosofia de Schopenhauer, pretendia que sua obra tepreseneasse uma es Pécie de coroamento dessa tradigio germinica, Que coroa mento seria ese? Para responder, é preciso trazer8 ona tam: bbém seu contato com Wagner. Muito do que ele defendew & Epoca reflee a proximidade de seu pensamenca com a visio dde mundo do compositor. Basta citar como exemplo a idgia que compartilhasam de que era preciso fizerviver outra vez 18 ane Jose Sustins Lassa oexpirto da tragéia groga, sendo a obra wagneriana um pre rnc desse ressurgimento ‘Ona, se Nieasche se imeressou vivamente por aquces poetas ¢ pensadores alemes antes aludidos, € porque eles também estiveram sempre atentos 3 questio da Antighidade regs, dedicando expecial atengio A teagédia. De fto, cles foram os primeiros a tena estabelecer uma relagio entre as culturas alema e grega. Assim, nessa mesma estera ¢ 2 seu modo, Nietsche concebe que a tradigio musical germanica de Bach e Beethoven e litera cestética de Goethe, Schiller ce Winckelmann se uniriam na musica wagneriana e consubs- ‘anciasiam uen novo género artstico ~ 0 drama lirco -, que represcntaria nada menos do que o renascimento da tagédia grega. Todavia, eo remate dessa tradigao & obra de Wagner, ‘Nietzsche julga que sem a fundamentagio de Kant e de Schopenhauer, a5 reflexses que permitirm esa realizagio nio seriam possveis. Os dois fildsofos, portanto, que ergueram a peda fundamental que tornaria possvel a Niewsche unit Grécia ¢ Alemanba, A audicia e sabedoria descomunais de Kant ¢ “Schapenhauerconqtaran a mais dif das irae, tsa sobre o oximismo que esti escondido na esr cia da gia eque, por ua ver, 60 fundamento de nor sa cultura [Cal] Sees, spoiado na aetemae veritas, para cle indivi, havi acreditad que todos os eng ‘mas do mundo podem scr conbecidos sondados, © Inn eratado 0 tempo, o epago ea causalidade como leis totalmente incondicionadas, dotadas das mas un vera das validades, Kane revelou como estes propria- mente serviam apenas pata ergir o mero fendmeno [Bncheinung| a obra de Maia, em unica e suprema ra Tidade,pi-la no lugar da exci fvima e verdadieat trove 19

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