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Mudança

Organizacional

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Thomaz Wood Jr. (Coordenador)

Alberto Borges Brisola, Ana Paula Paes de Paula,


Claudia Costin, Fernando C. Prestes Motta,
Flávio Torres Urdan, Humberto M. de Campos,
Isabela Baleeiro Curado, Isabela F. F. Gouveia de
Vasconcelos, Marcelo Marinho Aidar, Miguel P. Caldas,
Paula Csillag, Thomaz Wood Jr.

Mudança
Organizacional
Liderança
Competitividade
Teoria do Caos
Recursos Humanos
Logística Integrada
Inovações Gerenciais
Cultura Organizacional
Arquitetura Organizacional

5ª Edição

SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2009

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© 1995 by Editora Atlas S.A.

1. ed. 1995; 2. ed. 2000; 3. ed. 2002;


4. ed. 2004; 5. ed. 2009 (4 impressões)

Capa: Aldo Catelli


Composição: Lino-Jato Editoração Gráfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mudança organizacional / Thomaz Wood Jr. (coordenador). – 5. ed. – São Paulo : Atlas, 2009.

Vários autores.
ISBN 978-85-224-5577-5

1. Mudança organizacional 2. Planejamento estratégico I. Wood Junior, Thomaz.

95-3573 CDD-658.4063

Índice para catálogo sistemático:

1. Mudança organizacional : Administração de empresa 658.4063

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forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei nº 9.610/98) é crime
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Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

Impresso no Brasil/Printed in Brazil

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01203-904 São Paulo (SP)
Tel.: (011) 3357-9144
www.EditoraAtlas.com.br

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Sumário

Apresentação, ix

Prefácio à quinta edição, xi

Parte I – Perspectivas e Abordagens, 1

1  Mudança organizacional: uma introdução ao tema, 3


Thomaz Wood Jr.

2  Teoria do caos e administração de empresas, 19


Thomaz Wood Jr.

3  Cultura organizacional brasileira, 35


 arcelo Marinho Aidar, Alberto Borges Brisola, Fernando C. Prestes Motta, Thomaz
M
Wood Jr.

4  Estética organizacional, 59
Thomaz Wood Jr., Paula Csillag

5  O novo sentido da liderança: controle social nas organizações, 72


Fernando C. Prestes Motta, Isabela F. F. Gouveia de Vasconcelos, Thomaz Wood Jr.

6  Pop-management, 104
Ana Paula Paes de Paula, Thomaz Wood Jr.

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vi  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Parte II – Inovações Gerenciais, 123

7  Inovações gerenciais em ambientes turbulentos, 125


Miguel P. Caldas, Thomaz Wood Jr.

8  Inovação gerencial no Brasil: adoção e implantação de expertise importada, 144


Thomaz Wood Jr., Miguel P. Caldas

9  Gerenciamento da qualidade total: uma revisão crítica, 167


Thomaz Wood Jr., Flávio Torres Urdan

10  Logística integrada: a gestão da rede de valores, 186


Thomaz Wood Jr.

Parte III – A Teoria e a Prática, 211

11  Empresas brasileiras e o desafio da competitividade, 213


Thomaz Wood Jr., Miguel P. Caldas

12  Fordismo, toyotismo e volvismo, 226


Thomaz Wood Jr.

13  Configurações organizacionais no Brasil: transições, rupturas e hibridismo, 245


Thomaz Wood Jr.

14  Mudança organizacional e transformação da função recursos humanos, 264


Thomaz Wood Jr.

15  Mudança organizacional na Rhodia Farma, 285


Thomaz Wood Jr., Isabela Baleeiro Curado, Humberto M. de Campos

16  Criando alianças estratégicas entre universidades e empresas: o caso Uniemp, 312
Claudia Costin, Thomaz Wood Jr.

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Notas Sobre os Autores

Alberto Borges Brisola é Administrador Público e Mestre em Administra-


ção Geral e Recursos Humanos pela FGV-EAESP. Atua como Executivo de recursos
humanos.
Ana Paula Paes de Paula é Mestre em Administração Pública pela FGV-
EAESP, Doutora em Ciências Sociais pela Unicamp. Realizou pós-doutourado na
FGV-EAESP e atualmente é professora adjunta da UFMG e consultora do Governo
de Minas Gerais.
Claudia Costin é Administradora Pública e Mestre em Economia de Em-
presas pela FGV-EAESP. Foi Secretária Executiva do Ministério da Administração
Federal e Reforma do Estado e posteriormente Ministra de Estado. Atua como
Secretária Municipal da Educação do Rio de Janeiro.
Fernando C. Prestes Motta (in memoriam) foi Professor Titular do De-
partamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV-EAESP. Deixou
importante obra no campo de estudos organizacionais e influenciou diversas ge-
rações de pesquisadores.
Flávio Torres Urdan é Engenheiro Mecânico pela UFMG e Mestre em Ad-
ministração Geral e Recursos Humanos pela FGV-EAESP. É Professor da FEA-USP,
no campus de Ribeirão Preto, e atua como Consultor de Empresas.
Humberto M. de Campos é Engenheiro Químico pelo Instituto Mauá de
Tecnologia, com especialização em Administração da Produção na FGV-EAESP e
MBA pela FEA-USP. Atua como Executivo na Aventis, nos Estados Unidos.
Isabela Baleeiro Curado é Cientista Social pela USP, Doutora em Admi-
nistração de Empresas pela FGV-EAESP e Professora da FGV-EAESP. Atua como
Pesquisadora na área de Comportamento Organizacional.

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viii  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Isabela F. F. Gouveia de Vasconcelos é Doutora em Administração de


Empresas pela FGV-EAESP e pela HEC-França. Atualmente é professora adjunta
do mestrado acadêmico em administração do Centro Universitário da FEI e pro-
fessora visitante da Université de Pau et du Pays de L Adour, França.
Marcelo Marinho Aidar é Administrador Público e Mestre em Adminis-
tração Geral e Recursos Humanos pela FGV-EAESP. Atua como Professor na ESPM
e na FGV-EAESP, e como Consultor de Empresas em projetos de Qualidade e Cul-
tura Organizacional.
Miguel P. Caldas é Administrador de Empresas pela UNB, Mestre e Doutor
em Administração de Empresas pela FGV-EAESP. Atua como Professor na FGV-
EAESP e é diretor de recursos humanos da Votorantim Celulose e Papel.
Paula Csillag é formada em Artes Plásticas pela ECA-USP, Mestre e Doutora
em Administração de Empresas pela FGV-EAESP. Atua como docente universitária.
Thomaz Wood Jr. é Engenheiro Químico pela UNICAMP, Mestre e Doutor
em Administração de Empresas pela FGV-EAESP. Atua como Professor na FGV-
EAESP e como Consultor de Empresas em projetos de mudança organizacional.

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Apresentação

O convite para apresentar é sempre lisonjeiro e agrada a quem o recebe. O


presente livro, coletânea de artigos e ensaios, sendo vários inéditos, todos envol-
vendo a participação de Thomaz Wood Jr., como autor, coautor e organizador da
edição, é ainda uma oportunidade para que nos deleitemos narcisisticamente.
Todos os autores têm o denominador comum de vínculos com a Escola de Admi-
nistração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, onde cursaram
a graduação ou a pós-graduação.
O esforço realizado tem diversos méritos e procurarei apontar alguns para
não deter o leitor que deve imediatamente passar à leitura do texto. O primeiro é
a preocupação de não separar teoria e prática, particularmente importante para
os profissionais de administração. Sempre é oportuno o refrão de que nada é tão
prático como uma boa teoria, pois, se possuirmos um corpo teórico que nos per-
mita entender e explicar a realidade, a “solução’’ fluirá quase como consequência.
E a oportunidade é ainda mais clara quando assistimos a uma constante tentativa
de profissionais de administração em enfatizar a lacuna entre o prático e o teórico,
adjetivando-se o trabalho reflexivo pejorativamente como acadêmico, com cono-
tações de distante, alienado e desprovido de utilidade do enfrentamento de pro-
blemas concretos, estes, sim, a dura responsabilidade do executivo e do consultor.
Os textos em seu conjunto procuram sustentar a ligação entre a prática e a
teoria, sugerindo que o esforço crítico de teorização procura ser um facilitador da
ação, evitando o tatear de erros e acertos, à medida que o teorizar é um mapea-
mento da realidade e de seus problemas.
Frequentemente afirmamos que a administração enquanto fenômeno indivi-
dual, centrada nas virtudes, talentos e heroísmo do empregador, do presidente,

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x  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

do chefe executivo e do superintendente geral, pertence cada vez mais ao passa-


do e que o administrar daqui em diante será tarefa de grupos constituídos como
equipes de trabalho. O texto como um todo testemunha o reconhecimento desta
realidade por congregar esforços de diversas pessoas, que conheço pessoalmente
em sua maioria, e cujos talentos e qualificações são diversos, e que unidos são
capazes de produzir um resultado superior ao que produziriam enquanto pesqui-
sadores, autores e consultores atuando isoladamente. Assim, o texto em sua intei-
reza se beneficia de pontos de vista, posições teóricas e experiências profissionais
diversas, algumas mais acadêmicas, outras inteiramente voltadas à prática da
consultoria e ao exercício de cargos executivos, umas vivenciadas em empresas
privadas, outras na administração do setor público ou ainda em organizações
universitárias.
Outra característica que torna oportuno o lançamento deste livro é não só a
atualidade do tema, mas também as peculiaridades que a mudança em organiza-
ções pode assumir no contexto brasileiro. A literatura administrativa é marcada
por claro predomínio de autores e experiências norte-americanos, que nos dias
atuais, e por conta da mudança tecnológica que acarretou aumento de velocida-
de de circulação de informações, rapidamente se difunde entre nós, através de
notícias na imprensa, seminários e traduções. O trabalho de Thomaz Wood Jr.
focaliza mudanças em organizações brasileiras e ainda se esforça, no artigo “Cul-
tura Organizacional Brasileira’’, por buscar traços que poderiam singularizar uma
cultura organizacional diversa das que atualmente ocupam posição central nas
discussões sobre o tema, especificamente a japonesa e a norte-americana.
O texto, em seu conjunto, me parece recomendável quanto ao conteúdo e
também pela maneira como foi elaborado. Resultou, em boa medida, do trabalho
de um grupo formado por pessoas que se desdobram em atividades tão diversas
como consultoria, magistério, exercício de cargos executivos, pesquisadores e es-
tudantes de pós-graduação. A maneira de produção dos textos aqui agrupados
reflete o próprio ritmo da mudança no que ele acarreta de descontinuidade, lacu-
nas e dificuldades em poder responder a todas as questões.

Carlos Osmar Bertero


Prof. titular da FGV-EAESP

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Prefácio à Quinta Edição

Este livro encontra-se agora em sua quinta edição, com várias reimpressões.
O lançamento da primeira edição completa 15 anos em 2009. Podemos afirmar
com orgulho que Mudança Organizacional teve uma trajetória de sucesso, tendo
sido adotado em diversos programas de Administração no Brasil.
Ao longo deste caminho recebeu diversas atualizações. Na presente edição,
adicionamos um novo capítulo, focalizando a questão da competitividade, que se
tornou tema central na agenda de pesquisadores e executivos. Tais adições refle-
tem a evolução do campo de estudos organizacionais no Brasil nos últimos anos.
A ideia original para preparação desta coletânea surgiu da necessidade de
professores e pesquisadores, ligados a diversas escolas de Administração de Em-
presas, de ter um material adequado de leitura para utilização em cursos de pós-
graduação e especialização.
O leitmotiv desta obra é Mudança Organizacional, tema que tem chamado a
atenção de acadêmicos e executivos. Procurou-se reunir, em torno desse tema,
um conjunto abrangente de trabalhos, abordando suas diferentes facetas. Com-
põem a coletânea 15 capítulos, muitos deles originalmente publicados em re-
vistas científicas, o que equivale a dizer que passaram por rigoroso processo de
avaliação por pares.
Esta coletânea não tem a pretensão de esgotar o assunto Mudança Organiza-
cional, porém busca retratar os vários focos de interesse dos autores dentro deste
importante tema. Compreende portanto diferentes perspectivas e ontologias.
A leitura pode ser feita saltando-se os capítulos, uma vez que cada um deles
traz uma contribuição própria. Deve-se também a isso a repetição parcial de al-
guns temas, considerados obrigatórios em mais de um capítulo.

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xii  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Nesta edição os capítulos foram agrupados em três partes – (1) Perspectivas


e abordagens, (2) Inovações gerenciais e (3) A teoria e a prática –, o que reflete
uma sugestão de percurso, iniciando com os artigos mais conceituais e finalizan-
do com aqueles que apresentam maior ênfase em aspectos práticos.
O capítulo, Mudança organizacional: uma introdução ao tema
(RAE, v. 32, nº 3, p. 74-87, 1992), procura dar ao leitor uma ideia geral do tema,
explorando algumas dimensões históricas e diversos aspectos conceituais.
O capítulo Teoria do caos e administração de empresas (RAE, v. 33,
nº 4, p. 94-105, 1993) busca traçar um panorama das aplicações e implicações
da Teoria do Caos na Administração de Empresas. O conceito de complexidade,
associado a esta teoria, é fundamental para a compreensão dos fenômenos rela-
cionados à mudança organizacional.
O capítulo Cultura organizacional brasileira (inédito na primeira edi-
ção) busca em autores brasileiros clássicos, como Gilberto Freyre e Sérgio Buar-
que de Holanda, referências para entender alguns componentes da cultura orga-
nizacional brasileira.
O capítulo Estética organizacional (Organização & Sociedade, v. 8, nº 21,
p. 35-44, 2001) apresenta perspectiva relativamente nova em estudos organiza-
cionais, uma abordagem que busca superar fronteiras e percepções e abre novas
possibilidades para a compreensão de fenômenos complexos.
O capítulo O novo sentido da liderança: controle social nas orga-
nizações (RAE, v. 33, nº 5, p. 68-87, 1993) focaliza a organização como sistema
de controle social, destacando o papel simbólico dos líderes nos processos de
mudança.
O capítulo Pop-management (Revista Ciência Empresarial, v. 2, nº 1, p. 17-34,
2002) trata da emergência da cultura do management, com seus valores voltados
para a excelência e empreendedorismo. A partir de uma perspectiva crítica, dis-
cute os impactos sobre o indivíduo.
O capítulo Inovações gerenciais em ambientes turbulentos busca
contribuir para o esclarecimento do fenômeno da introdução de novas tecnolo-
gias de gestão. São analisados os modelos de difusão e evolução de tecnologias
administrativas e é proposto um quadro conceitual.
O capítulo Inovação gerencial no Brasil: a adoção e implantação
de expertise importada parte de diversas pesquisas de campo para gerar um
quadro conceitual explicativo para a reação à adoção e implantação de expertise
gerencial importada.
O capítulo Gerenciamento da qualidade total: uma revisão crítica
(RAE, v. 34, nº 6, p. 46-59, 1994) traz uma análise do movimento da qualidade,
que atualmente passa por um momento particular, mesclando popularidade e
sinais de esgotamento.

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Prefácio à Quinta Edição  xiii

O capítulo Logística integrada: a gestão da rede de valores focaliza


as transformações estruturais que vêm ocorrendo no mundo empresarial e apre-
senta os conceitos de logística integrada e supply chain management como respos-
tas ao avanço da fragmentação e à necessidade de integração.
O capítulo Empresas brasileiras e o desafio da competitividade
(E&G Economia e Gestão, v. 7, nº 14, p. 15-29, 2007) parte de uma questão que
deu título à publicação original: porque as empresas brasileiras não são global-
mente competitivas. Procuramos analisar os aspectos ambientais, os fatores do
ambiente industrial e as questões relacionadas à gestão.
O capítulo Fordismo, toyotismo e volvismo (RAE, v. 32, nº 4, p. 6-18,
1992) traz uma visão geral do processo de transformação da indústria e da or-
ganização do trabalho. Três metáforas – da organização como máquina, como
organismo e como cérebro – são contrapostas a casos conhecidos da indústria
automobilística.
O capítulo Configurações organizacionais no Brasil: transições,
rupturas e hibridismo apresenta a evolução recente das organizações brasi-
leiras em termos de arquitetura organizacional. Propõe, ao final, uma tipologia
para entender essa evolução.
O capítulo Mudança organizacional e transformação da função re-
cursos humanos (Revista da ESPM, v. 1, nº 2, p. 105-118, 1994) trata da evolu-
ção da gestão de recursos humanos e de seu vínculo com o movimento maior de
mudança na organização do trabalho. Um caso prático é analisado.
O capítulo Mudança organizacional na Rhodia Farma (RAE, v. 34, nº
5, p. 62-79, 1994) traz um estudo de caso sobre a superação de uma crise orga-
nizacional e a implementação de mudanças na forma de gestão. A seção inicial
introduz o tema da mudança em seus vários aspectos. Seguem-se a descrição do
caso e uma análise sobre possíveis desdobramentos.
O capítulo Criando alianças estratégicas entre universidades e em-
presas: o caso Uniemp (RAUSP, v. 29, nº 2, p. 95-104, 1994) trata da intera-
ção entre universidades e empresas no Brasil, uma parceria em construção, mas
que tem vínculo claro com a modernização tecnológica e de gestão, crucial nos
processos de mudança organizacional.
Este livro destina-se principalmente a professores e alunos de cursos de pós-
graduação e graduação em Administração de Empresas, assim como professores
envolvidos com programas de educação continuada. Acreditamos que seja útil
também a profissionais de empresas interessados em aprofundar o tema tratado
em suas diversas perspectivas.
Boa leitura!

Thomaz Wood Jr.

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Agradecimentos

Esta coletânea, em suas quatro edições, foi fruto de um trabalho coletivo.


Cabe, portanto, registrar um primeiro agradecimento aos colegas que partilharam
o desafio de refletir sobre a vida organizacional a partir de uma perspectiva local.
Torna-se também oportuno registrar aqui a influência marcante de alguns
pesquisadores da FGV-EAESP sobre a vida acadêmica de grande parte dos auto-
res que contribuíram para esta coletânea. Entre esses professores e orientadores,
gostaria de destacar Fernando C. P. Motta, Maurício Tragtenberg, Ramon Garcia
e Carlos Osmar Bertero. Vieram deles o incentivo e a orientação que nortearam
boa parte da produção aqui publicada.
Na primeira edição, foi fundamental o apoio de Olga Colpo, hoje Sócia
Diretora da PricewaterhouseCoopers, na divulgação da obra junto ao público
executivo.
Na segunda, terceira e quarta edições, foi relevante o suporte do GV-Pesquisa,
no financiamento da pesquisa sobre logística integrada, sobre novas configurações
organizacionais e sobre a evolução do campo da gestão empresarial. Esse órgão
tem sido fundamental para a promoção da pesquisa científica no âmbito da FGV-
EAESP.
Em todas as edições, foi decisivo o apoio de Ailton Brandão, da Editora
Atlas, sempre pronto a nos orientar sobre os complexos meandros do mercado
editorial.
Finalmente, gostaria de agradecer aos leitores das edições anteriores – pro-
fessores, estudantes e executivos –, que contribuíram com suas críticas e suges-
tões para um proveitoso debate em torno dos temas aqui tratados.
Thomaz Wood Jr.

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Parte I

Perspectivas e
Abordagens

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1

Mudança Organizacional:
Uma Introdução ao Tema
Thomaz Wood Jr.

APRESENTAÇÃO
Abordar um assunto como Mudança Organizacional não é tarefa fácil. A pro-
fundidade e a complexidade do tema, assim como a variedade de enfoques exis-
tentes, tornam o trabalho tão árduo quanto desafiador. Ao mesmo tempo, o tema
revela-se apaixonante à medida que nele caminhamos e evoluímos.
O assunto tem sido largamente explorado nos últimos anos, sendo objeto
de uma profusão de artigos e livros de enfoques diversos e qualidade bastante
heterogênea. Encontram-se desde abordagens acadêmicas com vertentes filosó-
ficas e antropológicas, com análises profundas sobre o conceito de mudança, até
receituários de processos de intervenção para gerentes que desejam melhorar a
performance de suas empresas.
A dificuldade maior é construir um corpo coerente de ideias diante de um
universo teórico e prático multifacetado, que evolui de forma turbulenta. Uma
característica do tema é a alta velocidade com que as correntes dominantes se
tornam ultrapassadas e dão lugar a novas abordagens. Por outro lado, existe um
constante movimento de retorno a conceitos antigos, não raro fundamentados
nos clássicos da filosofia ou das ciências econômicas. Como em outros campos de
desenvolvimento das ideias, também neste ocorre um constante fluxo de inova-
ção e renovação e, não raro, rupturas.
Diante desse quadro, uma postura necessária para construir um panorama o
mais amplo possível é a de evitar preconceitos. Informações preciosas eventual-
mente aparecem em livros ou artigos aparentemente superficiais.

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4  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Uma dificuldade de ordem prática que considero importante explicitar é a


do universo da pesquisa realizada. Embora feita para proporcionar a maior am-
plitude possível de visão dentro do tema, ela não escapa de algumas limitações.
A principal delas relaciona-se à própria origem das referências. A quase totalida-
de das publicações pesquisadas é proveniente dos Estados Unidos, com algumas
contribuições vindas do Reino Unido e França, mas infelizmente muito pouco
vindo do Brasil e nada significativo de outros países em desenvolvimento. Em-
bora o Brasil seja uma nação ocidental e caminhe no sentido de uma integração
cada vez maior com a economia mundial, é no mínimo discutível enfocar a Mu-
dança Organizacional que nele ocorre sob o mesmo prisma da que ocorre nos
países desenvolvidos. Assim como a economia se globaliza, as organizações e
sua dinâmica também sofrem fortes impulsos homogeneizadores, mas há de se
respeitarem as diferenças e especificidades locais.
Enfim, caminhar pelo tema da Mudança Organizacional é manter constante-
mente uma janela aberta para o mundo, agir com sensibilidade crítica e manter
a mente aberta.
Após essas considerações iniciais, cabe comentar brevemente a organização
do texto.
Na introdução, será abordado o Fausto de Goethe como imagem da moderni-
dade e do mundo de mudanças em que vivemos.
Em seguida, será traçado um panorama relacionado à visão de futuro que
alguns autores apresentam. Trata-se, na realidade, do que se acredita ser o rumo
ao qual as mudanças conjunturais estejam levando as organizações.
Colocar-se-ão, então, vários conceitos relacionados à investigação da Mudan-
ça Organizacional, com especial destaque para a questão da Mudança Cultural.
Será feito, em seguida, um breve esboço de como as organizações evoluíram
ao longo do século XX. Serão abordados, então, os processos de intervenção or-
ganizacional.
Finalmente, a título de conclusão, será realizada uma síntese das informa-
ções apresentadas.

INTRODUÇÃO

Em seu livro Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade,


Berman (1990) traça um pano de fundo ideal para a compreensão do universo
da Mudança Organizacional.
Berman cita o Fausto de Goethe como grande herói da cultura moderna. A
obra, criada num dos períodos mais turbulentos e revolucionários da história
mundial, retrata mudanças sociais e econômicas radicais, descontínuas.

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  5

O Fausto de Goethe passa por três metamorfoses: na primeira – O Sonhador


– ele luta para encontrar um meio de expressar a grandeza de sua vida interior
através de ações no mundo exterior. Na segunda – O Amador – Fausto aprende
a amar. Ele sucessivamente encontra Gretchen, apaixona-se por ela e abandona-
a, num processo que simboliza a superação do mundo feudal, suas formas de
vida e seu padrão de existência. Na terceira e última metamorfose – O Fomenta-
dor – Fausto aprende a construir e a destruir, conectando sua existência pessoal
às forças sociais, políticas e econômicas. Fausto transcende a existência privada
rumo à pública, à organização.
Berman considera que o Fausto de Goethe supera todos os outros, reprodu-
zindo a transformação e as vertigens dos amplos movimentos de toda a socieda-
de. A força vital que gera sua riqueza, dinamismo e ímpeto transformador é seu
desejo de desenvolvimento, um processo dinâmico que funde autodesenvolvi-
mento e desenvolvimento econômico e une todas as experiências humanas.

VISÕES DO FUTURO

A quase totalidade dos artigos e livros sobre Mudança Organizacional é ini-


ciada por comentários sobre a velocidade fantástica das mudanças sociais, eco-
nômicas, políticas e tecnológicas neste começo de século, e sobre como as organi-
zações precisam adaptar-se para fazer frente a essas mudanças (Harari, Herzog,
Land & Jarman, Handy, Want, Peters, Schonberger, Helfgott, Naisbitt & Aburde-
ne, Basil & Cook). Os consumidores tornam-se mais exigentes, um número cada
vez maior de competidores chega a cada dia ao mercado, o ciclo de vida dos
produtos reduz-se, a força de trabalho requer novo tipo de tratamento, a veloci-
dade torna-se fundamental. A cada dia, ouvimos falar de novas empresas que se
reestruturam ou passam por profundas mudanças.
A diferença entre as publicações situadas entre o final dos anos 60 e o iní-
cio dos anos 70 e as mais recentes é que essas últimas, ao discurso rotineiro,
acrescentam o “desafio japonês’’; ou, como as empresas e instituições japonesas
transformaram-se em organizações de alta performance e como isto tem afetado
o mundo ocidental.
Naisbitt e Aburdene (1986) mostram a iminência de uma nova era corpora-
tiva, para a qual a sobrevivência das organizações depende de sua capacidade
de adaptação. Segundo os autores, nessa nova era a sociedade de informações
substituirá a sociedade industrial, mudando radicalmente as estruturas sociais;
o capital humano será o recurso mais importante e, pela relativa escassez, mais
valorizado; a introdução da tecnologia de informação fará desaparecer a buro-
cracia, os controles e os níveis intermediários das organizações, e o trabalho será
encarado como uma forma de desenvolvimento humano.

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6  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Para Peter Drucker, a empresa moderna nasceu da guerra franco-prussiana,


a partir de conceitos militares. Os grandes marcos em sua evolução seriam a
separação entre propriedade e gerenciamento – surgida entre 1895 e 1905 – e
a criação da organização de comando e controle – 20 anos após. Segundo o autor,
estaríamos hoje presenciando a substituição desta última pela “organização de
especialistas’’, baseada em informações.
Quinn Mills (1991) acredita que a maior barreira para o renascimento das
organizações seja justamente a superação deste modelo hierárquico, baseado no
comando e controle. Mills propõe o modelo de clusters, grupos de pessoas orga-
nizadas de forma natural, de formação multidisciplinar, trabalhando em base
semipermanente, unidas por uma visão comum e fortemente orientadas para
clientes e para resultados.
Tanto Mills quanto Hall afirmam que o modelo de SBU’s – Unidades Estra-
tégicas de Negócios – deve prevalecer, por suas características de flexibilidade,
agilidade e foco no mercado.
Waterman (1987) destaca a compreensão do fator renovação como central
para a sobrevivência das empresas. As organizações, segundo ele, devem buscar
uma convivência “feliz’’ com a mudança. A mudança deve fazer parte de seu
quotidiano.
Em termos gerais, acredita-se que a organização do futuro estará mais vol-
tada para os clientes, colocando no plano central a questão da qualidade de
seus produtos e serviços; terá uma relação mais próxima com a comunidade,
assumindo uma postura de maior responsabilidade para com o meio ambiente;
internamente, possuirá menor número de níveis hierárquicos, e a própria hie-
rarquia, no sentido atual, desaparecerá, dando espaço à figura do líder como
treinador e motivador. As organizações dependerão muito mais do nível de
motivação de sua força de trabalho, que deverá ter um nível de especialização
maior que o atual.
Finalmente, Peters (1989) menciona duas estratégias conhecidas para en-
frentar um meio ambiente turbulento: a primeira é a da compra e venda de em-
presas (exemplo da General Electric); a segunda é enfrentar as incertezas através
de uma qualidade de classe universal, inovações de curto prazo e flexibilidade.
Para Peters, que é obviamente apóstolo da segunda estratégia, as melhores em-
presas não acreditam em excelência, mas apenas em melhoria contínua. “O caos
e a incerteza são oportunidades para o sábio.’’
Concluindo, vale mencionar que, embora algumas das colocações feitas se-
jam especialmente válidas para as condições socioeconômicas dos países de Pri-
meiro Mundo nos quais foram geradas, não deixam de ser aproveitáveis dentro
dos limites impostos pela realidade brasileira.

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  7

MUDANÇA ORGANIZACIONAL: PANORAMA CONCEITUAL

A seguir, será apresentada uma série de abordagens e conceitos encontrados


na pesquisa. Não existe aqui nenhuma intenção de determinar a complementari-
dade ou mútua exclusividade das ideias, mas apenas traçar um quadro geral.
Basil e Cook (1974) consideram que os principais elementos da Mudança
Organizacional são a tecnologia, o comportamento social e as instituições e estru-
turas. Para esses autores, a maioria das organizações muda em resposta às crises,
sendo limitado o número de casos de atitudes proativas.
Brown (1991) explora o impacto das inovações tecnológicas na Mudança Or-
ganizacional. Um Centro de Pesquisas da Xerox é citado como exemplo de como
a geração contínua de produtos inovadores leva a empresa a adotar novas formas
de trabalho, renovando as práticas administrativas.
Harari (1991) critica a adoção de planos que se apóiam em modas passagei-
ras. Para ele, Mudança Organizacional deve ser encarada como processo e carac-
terizada pelo princípio de melhoria contínua.
Para Herzog (1991), mudança no contexto organizacional engloba alterações
fundamentais no comportamento humano, nos padrões de trabalho e nos valores
em resposta a modificações ou antecipando alterações estratégicas, de recursos
ou de tecnologia.
Uma pesquisa da Coopers & Lybrand, realizada nos Estados Unidos, mostrou
que as empresas mudavam principalmente em virtude de novas tecnologias, res-
trição de recursos e adequação a novas legislações. Herzog considera que a chave
para enfrentar com sucesso o processo de mudança é o gerenciamento das pes-
soas, mantendo alto nível de motivação e evitando desapontamentos. Para ele, o
grande desafio não é a mudança tecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura
organizacional, renovando os valores para ganhar vantagem competitiva.
Kelly e Amburgey (1991) realizaram trabalho empírico sobre o Princípio da
Inércia Organizacional de Hannan & Freeman. Segundo esse princípio, a habili-
dade das organizações formais de agregar confiabilidade e racionalidade a suas
ações requer a existência de estruturas estáveis, reprodutibilidade e padrões. E
tudo isto implica resistência a mudanças. Essa resistência seria essencialmente
função do porte e idade da organização. Kelly e Amburgey propõem a inclusão do
conceito de Momentum ao Princípio da Inércia. Segundo esse conceito, as organi-
zações tendem a repetir as experiências do passado. Por isso, os autores indicam
a necessidade de se considerar uma perspectiva histórica na análise.
Huey (1991) apropria-se do conceito desenvolvido por Thomas Kuhn sobre
paradigmas na ciência para mostrar como as mudanças são necessariamente
acompanhadas por quebras de paradigmas, e a necessidade de que isto ocorra
para que a inércia organizacional seja vencida e dê lugar a novos padrões. Esse

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8  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

conceito tem ganho popularidade em virtude das turbulências do ambiente eco-


nômico e da necessidade de mudanças rápidas dentro das organizações.
Ginsberg e Buchholtz (1990) analisam duas linhas de pensamento sobre a
natureza das mudanças. Os teóricos da adaptação racional vêem as organizações
como entidades prontas a mudar em função das alterações exógenas. Já os teóri-
cos da seleção natural visualizam complexas redes de comprometimento e forças
institucionais que restringem severamente a capacidade de mudança das organi-
zações. Ginsberg e Buchholtz consideram que as duas teorias tendem a enfatizar
pressupostos mutuamente exclusivos e que a resposta mais adequada ao estudo
da natureza das mudanças seria justamente o caminho inverso, a prática de uma
abordagem integradora que incorporasse as várias correntes de pensamento.
Land e Jarman (1981) desenvolvem uma tipologia para os ciclos de mu-
dança. Para eles, existem três fases de crescimento e mudança: na primeira fase
– formação – o sistema descobre a si próprio e a seu mundo, organiza-se e cria
um padrão de comportamento. Na segunda fase – regulamentação – dá-se o cres-
cimento por repetição do padrão e negação da diferença. Finalmente, na terceira
fase – integração – o sistema ultrapassa a eficiência de seu padrão repetitivo. Para
continuar a crescer, reduz a rigidez do padrão e a força de seus vínculos internos.
Passa por uma fase de inovação, abertura e ruptura.
Kanter (1984) e March (1981) exploram a questão das bases para a mudança.
Os conceitos e visões que dirigem as mudanças devem basear-se nas tradições e
pontos fortes da organização. Não existe alquimia; o trabalho tem de se adequar
ao estágio de vida da empresa. Além disso, há de se considerarem no processo
todos os aspectos conceituais, culturais e intelectuais envolvidos.
March (1981) considera que as organizações estão continuamente mudando,
mas que essas mudanças não podem ser arbitrariamente controladas. Em reali-
dade, a maior parte das mudanças ocorre simplesmente como resposta a altera-
ções do meio ambiente. Mas, apesar de esse processo adaptativo ser rotineiro,
algumas vezes surpresas podem ocorrer. Isto advém do fato de o processo de
mudança não ser uma estratégia estritamente racional e consciente. Ele envolve
incentivos, ações simbólicas e ambiguidades. March acredita que não é possí-
vel levar uma organização numa direção pretendida, mas é possível influenciar
cursos de eventos, gerenciando o processo de mudança através da compreensão
entre o aparentemente prosaico e o poético na organização.
Elliott (1990) compactua com March a ideia de condução do processo de mu-
dança. Para ele, Mudança Organizacional é um evento psicológico complexo, um
verdadeiro choque, cujo efeito pode e deve ser minimizado se convenientemente
gerenciado.
Want (1990) categoriza cinco tipos de mudança: por opção, quando a orga-
nização não está sujeita a nenhuma pressão; operacional, para fazer frente a de-
ficiências específicas; direcional, quando uma alteração estratégica é necessária;

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  9

fundamental, quando a própria missão é alterada; e total, nos casos mais críticos,
como uma iminência de falência.
Gareth Morgan (1986), em seu livro Images of organization (há tradução
brasileira pela Atlas), desenvolve uma série de imagens, ou metáforas, para au-
xiliar na compreensão dos fenômenos organizacionais. O Capítulo 8 trata das
organizações como fluxo e transformação. Morgan utiliza os termos holofluxo e
holomovimento e os conceitos de autopoiese e dialética para decifrar as relações
interativas entre a organização e seu ambiente e, assim, elucidar os mecanismos
de mudança.
Também trabalhando com os mecanismos de mudança, Prigogine e Stengers
(1984) argumentam contra o paradigma newtoniano de um mundo mecânico do
qual a mudança não faz parte. Os autores demonstram como esse modelo limita-
do, que enfatiza ordem, estabilidade e equilíbrio, deve-se adequar a uma imagem
mais abrangente da realidade, que englobe as características atuais de mudan-
ça acelerada, desordem, instabilidade e não equilíbrio. Prigogine, que ganhou o
Prêmio Nobel de Química por seus trabalhos relacionados à termodinâmica de
sistemas afastados do equilíbrio, descobriu que esses sistemas, que interagem de
forma não linear tanto internamente quanto com o ambiente, alternam períodos
de comportamento previsível com períodos de flutuações randômicas. Essas flu-
tuações, ou perturbações, amplificam as interações não lineares e podem levar o
sistema além da fronteira de estabilidade e, posteriormente, se novas perturba-
ções ocorrerem, ao chamado ponto de bifurcação, quando a simetria da estrutura
se rompe, iniciando um período de randomicidade e imprevisibilidade. Estarão,
então, criadas as condições para que um novo estado de equilíbrio, num nível
mais complexo de organização, seja atingido.
Kiel (1989), partindo do trabalho de Prigogine e Stengers, comenta como as
características citadas são fatores centrais no desenvolvimento de formas com-
plexas de organização. Segundo o autor, muitas organizações têm caráter não
linear e encaram a estabilidade como prejudicial à evolução. Para Kiel, embora
essa abordagem ainda não constitua uma teoria organizacional pronta, existe
mais do que analogia entre a teoria do não equilíbrio de Prigogine e as mudanças
organizacionais descontínuas.

ANOS 80: A CULTURA ENTRA EM CENA


Se nos decidirmos a ser simples e esquemáticos em relação ao tema da Mu-
dança Organizacional, poderemos categorizar duas formas: as mudanças estrutu-
rais – mais ligadas aos princípios da Escola de Administração Clássica – e as mu-
danças comportamentais – mais características da Escola de Relações Humanas.
A vertente da Cultura Organizacional nasce ligada à segunda categoria e é
resultante de contribuições de várias correntes sociológicas, antropológicas, filo-
sóficas e das ciências políticas para o estudo das organizações.

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Embora haja menções às questões culturais em referências mais antigas, é


nos anos 80 que essa abordagem vai ganhar corpo e fama. Artigos sobre Mudança
Cultural foram inclusive publicados em revistas como Fortune e The Economist.
Como citado no artigo da Fortune, grande parte do interesse pelo tema se
deve ao fato de que, após operar todo tipo de mudança em suas empresas, mui-
tos administradores começaram a perceber que não tinham feito o suficiente,
que ainda era necessário mudar os valores comuns, os símbolos e as crenças do
grupo, para que os resultados positivos aparecessem.
Uma visão mais ampla do tema pode ser encontrada no trabalho de Ester de
Freitas: Cultura Organizacional: grandes temas em debate, 1989.
Schein (1988) considera que o conceito de cultura é estruturalmente com-
plexo e envolve grande conjunto de pressupostos, implicitamente assumidos,
que definem como os membros de um grupo veem suas relações internas e ex-
ternas. Se esse grupo tiver uma história compartilhada, esses pressupostos, ali-
nhados entre si, gerarão paradigmas comportamentais de alta ordem sobre a
natureza do espaço, realidade, tempo, pessoas e relações. A cultura, segundo
Schein, afeta todos os aspectos da organização: estrutura, estratégia, processos
e sistemas de controle.
Deal e Kennedy (1982) afirmam que a mudança se tornou a tal ponto um
modo de vida para as organizações que elas não mudam mais apenas para ade-
quar-se ao ambiente ou à tecnologia, mas simplesmente porque se espera que elas
mudem. Os autores consideram que, em geral, se subestima o tempo necessário
para operar Mudanças Organizacionais, por não se levarem em conta os laços das
pessoas com os elementos culturais: heróis, lendas, valores, rituais do dia-a-dia
etc. Ao mesmo tempo em que causa inércia, a cultura protege a organização dos
modismos e flutuações de curto termo. Deal e Kennedy acreditam que a mudança
é necessária quando ocorrem grandes perturbações ambientais e mudar torna-
se uma questão de sobrevivência. Os fatores de sucesso necessários à mudança
seriam os seguintes: reconhecimento da importância de se ter consenso sobre a
mudança; comunicação clara dos objetivos e alterações a serem implementadas;
esforço especial no treinamento; dar tempo ao tempo e, finalmente, encorajar a
ideia da mudança como fator de adequação ao meio. Embora os autores admitam
que a Cultura Organizacional ainda é uma “caixa preta’’, eles acreditam que inter-
venções de sucesso possam ser realizadas, desde que haja suficiente sensibilidade
para com os atributos culturais-chaves.
O’Toole (1985) considera que os fatores-chaves numa mudança cultural são
os seguintes: que a mudança seja construída sobre as forças e valores da organi-
zação; que haja participação em todos os níveis; que a mudança se dê de forma
holística, relacionando-se com a estrutura, estratégia, sistemas de recompensa,
sistemas de controle etc.; que seja planejada a longo prazo e executada em etapas;
que a alta gerência lhe dê todo o apoio e que se torne um processo contínuo.

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  11

Delisi (1990), Linder (1985), Koch (1983) e Steinhauser exploram a relação


entre tecnologia de informação e mudança cultural e o profundo potencial de
impacto que a variável tecnológica tem sobre as organizações.

MUDANÇAS NAS ORGANIZAÇÕES: O LADO PRÁTICO


DA TEORIA

Além da imagem da organização como fluxo e transformação, citada ante-


riormente, Gareth Morgan (1986) desenvolve três outras metáforas úteis para
se compreender de forma simplificada como as organizações têm mudado. São
elas: organizações como máquinas, organizações como organismos e organiza-
ções como cérebros. A essas imagens serão, a seguir, contrapostos três casos prá-
ticos de empresas: a Ford do início do século, a Toyota e a Volvo de nossos dias
(Sakai, Hounshell e Pollert).

ORGANIZAÇÕES COMO MÁQUINAS. Max Weber observou o paralelo entre a


mecanização da indústria e a proliferação das formas burocráticas de organiza-
ção. Segundo ele, a burocracia rotiniza a administração como as máquinas roti-
nizam a produção. A organização burocrática enfatiza a precisão, a velocidade,
a clareza, a confiabilidade e a eficiência atingidas através da divisão rígida de
tarefas, supervisão hierárquica e regras e regulamentos detalhados.
No final do século XIX, a indústria estava atingindo um patamar científico e
tecnológico quando Henry Ford introduziu novos conceitos de produção, conse-
guindo reduzir substancialmente custos e melhorar a qualidade. Abriu-se, então,
toda uma nova era de produção e consumo em massa.
O paradigma taylorista-fordista influenciou rápida e profundamente todo tipo
de organização e ainda hoje é praticado em larga escala. É também comumente
apontado como um dos responsáveis pela decadência industrial ocidental. Seus
princípios administrativos e visão organizacional se teriam tornado anacrônicos e
impraticáveis diante do quadro de mudanças em que hoje vivemos.

ORGANIZAÇÕES COMO ORGANISMOS. Essa imagem está ligada à Escola de


Relações Humanas, à Teoria dos Sistemas, à Teoria da Contingência e à visão da
Ecologia Organizacional. Todas essas correntes ajudam a elucidar a compreen-
são das relações entre a organização e seu meio, a importância da inovação e a
questão da sobrevivência como objetivo central. Permitem, igualmente, entender
a necessidade da busca da harmonia entre a estratégia, a estrutura, a tecnologia
e as dimensões humanas.
Um bom exemplo dessa imagem são os princípios de organização do trabalho,
desenvolvidos por Eiji Toyoda e Taiichi Ohno a partir dos anos 50, e aplicados na
Toyota. Toyoda e Ohno, trabalhando num ambiente socioeconômico significativa-

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12  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

mente diferente do enfrentado por Ford no início do século, implementaram uma


série de profundas alterações na organização da empresa: flexibilizaram a linha
de montagem, organizaram-se internamente e aos fornecedores como centros de
lucro, e passaram a interagir num grau mais elevado com os consumidores.
Os princípios administrativos adotados têm sido largamente estudados e co-
piados por organizações ocidentais. O impacto das mudanças empreendidas na
Toyota e, por extensão, em outras empresas japonesas é conhecido de todos.

ORGANIZAÇÕES COMO CÉREBROS. Morgan menciona duas imagens para as


organizações como cérebros. A primeira é a das organizações como sistemas de
processamento de informações, que ajuda a elucidar o impacto da informatização.
A questão central colocada é a da cibernética e da capacidade de aprendizado. A
segunda imagem é a das organizações como hologramas. Segundo o autor, num
projeto organizacional holográfico, os seguintes princípios devem ser adotados:
fazer o todo em cada parte, criar conectividade e redundância, gerar simultanea-
mente especialização e generalização e criar capacidade de auto-organização.
A Volvo da Suécia poderia ser citada como uma das empresas que mais
pesquisam e desenvolvem novas formas administrativas, trilhando o caminho
da chamada flexibilidade criativa. Operando num mercado de trabalho com ca-
racterísticas específicas, a Volvo foi introduzindo gradativamente inovações tec-
nológicas e conceituais em suas fábricas. A mais recente delas, em Uddevalla,
combina flexibilidade funcional na organização do trabalho com alto grau de
automação e informatização aliados a conceitos de produção diversificada. Sua
estratégia de produção combina os requisitos de mercado, os aspectos tecnoló-
gicos, os imperativos do dinâmico processo de transformação da organização do
trabalho e as instáveis condições da reestruturação da indústria. Por tudo isto,
pode ser considerada uma excelente realização prática da imagem da organiza-
ção como cérebro.

MUDANÇA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

Apesar da pequena quantidade de títulos pesquisados, a questão da Moder-


nização Administrativa, como as Mudanças Organizacionais na administração
pública brasileira são chamadas, não poderia deixar de ser tratada.
Para Araújo (1982), modernização é o processo pelo qual a sociedade incor-
pora novas formas organizacionais e tecnologias físicas e sociais que permitam
atingir de maneira mais adequada novos objetivos. O autor cita que Mudança
Organizacional é qualquer alteração significativa, articulada, planejada e opera-
cionalizada por pessoal interno ou externo à organização, que tenha o apoio e a
supervisão da administração superior e atinja, integradamente, os componentes
de cunho comportamental, tecnológico e estratégico.

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  13

Araújo e Vasconcelos traçam um histórico de como o tema tem sido tratado


no Brasil ao longo do tempo. A abordagem dominante tem sido mecanicista,
com foco na mudança estrutural e de procedimentos administrativos, geralmen-
te criando, acrescentando ou suprimindo cargos, órgãos e procedimentos. Esse
enfoque explica, em grande parte, os fracassos das mudanças em relação aos
objetivos pretendidos.
Os autores prescrevem maior foco comportamental nas mudanças e a adoção
de princípios de gradualismo e seletivismo.
Araújo aponta que o modelo, emergente a partir da década de 70, considera
como imperativos o atendimento às demandas ambientais (ver também Metodo-
logia de diagnóstico e mudança organizacional ) e a integração da racionalidade
interna à externa na formulação dos objetivos e na estruturação da própria or-
ganização.

PROCESSOS DE INTERVENÇÃO ORGANIZACIONAL


Até este ponto foram abordados vários conceitos de Mudança Organizacio-
nal; foi visto por que as organizações estão mudando e em qual direção estão
seguindo. Resta, agora, analisar que processos estão sendo propostos e adotados
para realizar essas mudanças.
De forma geral, estes processos respondem à necessidade ou desejo de as
organizações implementarem mudanças planejadas ou alocarem recursos para
resolverem questões estratégicas de natureza ambiental, estrutural, de recursos
humanos ou tecnológica. Em realidade, a dificuldade é tanto ou mais implemen-
tar as estratégias de mudança que desenvolvê-las.
A origem dos processos de intervenção organizacional pode ser creditada
aos trabalhos realizados pelo Instituto Tavistock de Relações Humanas que, a
partir dos anos 50, desenvolveu o que se convencionou chamar Abordagem So-
ciotécnica.
O trabalho pioneiro sobre a Glacier Metal Company foi documentado por
Elliott Jaques, membro do Instituto.
Segundo Ramon Garcia (1980), a Abordagem Sociotécnica é uma síntese
original e complexa, cujo objetivo é desvendar os requisitos principais de um
sistema tecnológico. Assim, a eficácia do sistema produtivo dependeria do grau
de adequação do sistema social no atendimento dos requisitos do sistema técni-
co. Através dos processos de intervenção desenvolvidos a partir deste enfoque,
foi possível estabelecer análises críticas de cargos, tarefas e papéis sociais que
compõem o aparato produtivo e, assim, introduzir valores humanísticos no deli-
neamento dos sistemas de produção. Ainda de acordo com o autor, a abordagem
permitiu colocar em termos visíveis e práticos uma série de ideias e conceitos que
são abstratamente tratados pela teoria das organizações.

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14  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

McKay e Lashutka (1983) propõem um modelo geral, unificador, baseado


na Teoria Sistêmica, segundo a qual a performance organizacional seria função
da adequação entre meio ambiente, estrutura, pessoas e processos. Diagnosticar
essa adequação e determinar cursos de ação devem ser o objetivo da intervenção
organizacional. Os passos fundamentais seriam os seguintes: compreensão de
cada variável do sistema organizacional, determinação do grau de adequação
entre essas variáveis, promoção dos ajustes necessários e movimento da organi-
zação no sentido desejado.
Nicholas (1982) e Rothwell (1981) comentam aspectos dos processos de De-
senvolvimento Organizacional. O primeiro analisa as diferenças entre as inter-
venções técnico-estruturais, processuais-humanas e multifacetadas, concluindo
que o grau de eficácia de cada uma delas é função da variável a que é aplicada.
Rothwell, por outro lado, classifica as estratégias de mudança em normativas/
reeducativas, racionais e coercitivas e conclui que o primeiro tipo é o mais ade-
quado a um esforço de melhoria dos processos organizacionais.
Tutle e Sink (1989), Adizes (1988), Dalziel e Schoonover (1988) e Costa
Moura (1978), entre muitos outros, propõem processos estruturados de interven-
ção organizacional. Como as semelhanças metodológicas são muito maiores que
as diferenças, pode-se dizer que todos os processos adotam a seguinte sequência
lógica: estudo dos fundamentos conceituais, criação do grupo de intervenção,
análise do sistema organizacional, diagnóstico do problema ou formulação dos
objetivos, estruturação do plano de ação e implementação.
Uma visão alternativa é colocada por Ramon Garcia (1980). O autor reali-
za uma crítica das abordagens corriqueiras praticadas pelas teorias organizacio-
nais, permeadas pelo funcionalismo, pela racionalidade instrumental e pela falta
de valores éticos. Propõe, como opção preferencial, um processo de intervenção
centrado na rejeição da adaptação passiva dos indivíduos, do reducionismo e do
psicologismo. Indica, como princípios, a valorização da autogestão e da autodiag-
nose e a prática da autocrítica permanente.

CONCLUSÃO

Vivemos uma era fáustica. Assistimos continuamente a mudanças estruturais


e conjunturais impressionantes. Mesmo no Brasil, que vive há mais de uma dé-
cada um período de estagnação econômica e deterioração social, a turbulência
das mudanças é sentida. Talvez, até mais que em outros países, percebamos os
contrastes na convivência entre o antigo e o moderno.
Organizações de todos os tipos têm deparado com cenários substancialmente
modificados e significativamente mais dinâmicos que os anteriores. Essas mes-
mas organizações têm buscado firmemente a adaptação a esses novos cenários.

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Mudança Organizacional: Uma Introdução ao Tema  15

Não há opção à mudança. Além disso, elas têm, gradativamente, abandonado


uma atitude reativa para assumir uma postura proativa em relação às mudanças.
Desenvolver um agudo senso de percepção do ambiente e da conjuntura e
conhecer e compreender os mecanismos de mudança são os fatores fundamentais
para seguir esse novo caminho.
Além disso, o paradigma mecanicista das mudanças puramente estruturais
deve ser abandonado e os administradores devem incorporar novos valores ético-
humanistas e dominar conceitos filosóficos, sociais e políticos para a condução
das Mudanças Organizacionais.
Por outro lado, cada vez mais os princípios de intervenção estão sendo es-
tudados. E, embora seja leviano afirmar que já se detém um confortável grau de
controle do processo, não há como negar que, aceleradamente, aumenta-se o
grau de conhecimento e domínio das variáveis de mudança.
Vivendo uma era de ruptura, segundo a definição de Prigogine, as empresas
e instituições talvez estejam próximas do ponto de bifurcação, o que as coloca
potencialmente aptas a atingir graus mais elevados de organização. A configu-
ração que elas irão tomar e as consequências disto serão fruto da habilidade
dos administradores em criar uma visão adequada para o futuro e transformar
essa visão em realidade, desenvolvendo e gerenciando os recursos estratégicos
necessários.

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5577.indb 18 20/06/2011 15:51:45


2

Teoria do Caos e
Administração de Empresas
Thomaz Wood Jr.

APRESENTAÇÃO
Na Administração, quando defrontamos com temas da moda – e não têm
sido poucos os casos –, somos em geral tomados por sentimentos ambíguos: de
um lado, nossos preconceitos, gerados e sedimentados ao longo de anos de ex-
posição à exploração e vulgarização de temas científicos; de outro, certa atração
pelo frescor das novidades e a possibilidade de conseguir com elas novos insights
sobre nosso objeto de estudo. Este é o caso da Teoria do Caos.
Em grande escala, a partir dos anos 80, a indústria editorial foi acometida – e
cometeu – por, dois booms quase simultâneos. Ao mesmo tempo em que a lite-
ratura de divulgação das conquistas científicas tomava novo impulso, certo filão
voltado para a questão organizacional surgiu com grande força. O primeiro fe-
nômeno refletia o avanço das ciências básicas e aplicadas e a afetação produzida
por estes avanços sobre o dia-a-dia das pessoas. Já o segundo fenômeno foi fruto
da transformação da organização como objeto de estudo. Enquanto, nos anos 30,
organizar tinha o sentido de segmentar, planejar, ordenar e controlar, nos anos
60 e 70 a organização já era vista como uma força-motriz da modernidade e
transformava-se, para desespero dos deterministas, num “baú complexo’’ e pouco
compreendido. Os gerentes, por sua vez, passaram a sentir-se como os habitan-
tes de Tebas diante da Esfinge. Feliz, ou infelizmente, não faltaram candidatos a
Édipo escrevendo livros.
A Teoria do Caos passa por estes dois fenômenos e é significativa de um ter-
ceiro. Surge, inicialmente, em estudos e modelações matemáticas ligados à me-
teorologia, à biologia, à física e à química. Ganha espaço e popularidade através

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20  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

da literatura de divulgação científica, principalmente por sua característica de


transdisciplinaridade, sua capacidade de explicar eventos tão distintos quanto a
variação da temperatura ambiente, o crescimento de populações de insetos ou o
batimento cardíaco. Um de seus desenvolvimentos paralelos, de belo efeito plás-
tico e forte apelo popular, as superfícies fractais, foi, há algum tempo, inclusive
objeto de uma exposição fotográfica no Museu de Arte de São Paulo, o Masp. De
outro lado, no mundo organizacional, Caos passou a ser uma palavra muito em-
pregada e gerou pelo menos um grande best-seller – Prosperando no caos, de Tom
Peters. Transformações e instabilidades sem precedentes sacudiam as organiza-
ções e seus administradores. Surge, então, o terceiro fenômeno, que é a crescente
utilização de imagens, metáforas e ideias ligadas às ciências naturais para melhor
compreender os fenômenos organizacionais.
Bem, já é hora de definir minimamente o que é a Teoria do Caos. Em con-
traposição à ideia de ausência de ordem que intuímos, a Teoria do Caos está
justamente ligada à descoberta de padrões e leis razoavelmente simples que
governam uma série de fenômenos complexos. Não se confunda, porém, esta
existência de padrões com a possibilidade de previsão. Uma característica dos
sistemas caóticos é que qualquer mínima alteração em uma das suas condições
iniciais pode provocar profundas mudanças de trajetória ou comportamento. Daí
a imprevisibilidade.
Por suas características, a Teoria do Caos complementa e é complementada
por outras ideias, como o Paradigma da Complexidade e a Teoria Sistêmica. As
três compõem uma nova forma de olhar os sistemas complexos. Longe de serem
campos estanques, têm fronteiras mal definidas e grandes interfaces, que com-
põem um novo arcabouço de ideias para o estudo de sistemas e organizações.
Surgida no início dos anos 60, a Teoria do Caos conheceu altos e baixos. “Fe-
lizmente as ideias não obedecem a um toque de recolher... a natureza do fenômeno
emergente força um retorno para recuperar fragmentos de ideias aparentemente
esquecidas ou cujos significados não fossem perceptíveis à época de sua concepção’’
(Spink, 1991). O próprio corpo central da Teoria, no conjunto de suas aplicações
nas ciências naturais, só se popularizou com o desenvolvimento dos computado-
res. Paralelamente, a globalização da economia, as instabilidades nos mercados
financeiros e o “parto forçado’’ de novas maneiras de conceber a ação gerencial
vieram a interagir com a Teoria e produzir novos frutos.
Longe de ser suficiente para a compreensão da Teoria, a definição anterior é
apenas um ponto de partida para o entendimento deste novo campo da ciência.
O princípio norteador desta pesquisa é tentar montar um retrato a partir de dife-
rentes possibilidades de aplicação em áreas ligadas à administração. O trabalho
está estruturado da seguinte forma: na introdução será feita uma breve discussão
sobre a evolução do conhecimento científico a partir das ideias de Thomas Kuhn
(1990). Em seguida, será traçado um histórico do surgimento da Teoria do Caos
e discutida a questão da modelação; as seções seguintes tratarão das diversas

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  21

possibilidades de aplicação dos conceitos e ideias da Teoria a temas relacionados


a Finanças, Economia e Teorias Gerenciais. Finalmente, como conclusão, será
feita uma síntese.
Cabe também mencionar algumas limitações e dificuldades desta pesquisa.
A primeira é a novidade do tema em sua associação a assuntos relacionados a
Administração. Isto não se reflete propriamente na quantidade de referências
disponíveis, em número até razoável, mas no tipo de tratamento. A grande maio-
ria destas referências tem caráter exploratório, terminando frequentemente com
questões em aberto e indicações de novos rumos de trabalho. Não existem, em
geral, conclusões fechadas. Por outro lado, são quase regra as visões críticas dos
modos interpretativos e cognitivos atuais. Todas estas características, antes de
serem vistas como virtudes ou defeitos, devem ser consideradas próprias de um
campo ainda em gestação. A novidade do tema também dificulta o estabeleci-
mento de visões contrapostas, que sempre podem enriquecer o leitor com pos-
sibilidades alternativas de interpretação. A regra, nesta pesquisa, foi a simples
contraposição da “visão caótica’’ à “visão determinista’’ usual.

INTRODUÇÃO

Na apresentação, foi citado este “princípio de Lavoisier’’ das ideias que é


o constante aflorar e submergir de conceitos em função de momentos e con-
junturas. Além da Teoria do Caos, outro excelente exemplo desta desobediência
ao toque de recolher são as ideias do físico Thomas Kuhn, expressas no livro A
estrutura das revoluções científicas (1990). Editado pela primeira vez há mais de
20 anos, ele foi (re)descoberto recentemente por consultores e administradores
preocupados com as mudanças nas organizações. A razão, porém, de sua inclu-
são nesta introdução não é este paralelismo mas seu conteúdo, voltado para a
compreensão dos movimentos impulsionadores e restritivos à adoção de novos
conceitos e ideias.
Kuhn utiliza o conceito de paradigma para questionar o enfoque tradicional de
progresso científico. Dentro deste enfoque, a ciência está em estado de evolução
contínua, gradual e linear. Cada cientista supõe implícita ou explicitamente que o
paradigma no qual desenvolve seu trabalho é válido e correto. Este lhe fornece um
marco de referência e a justificação para o que crê, diz e faz. A própria definição
do que seja progresso científico faz parte do paradigma. Por isso, discrepâncias
entre paradigmas não podem ser resolvidas racionalmente, requerem perspectiva
divina. Kuhn vê a pesquisa formal como uma tentativa de impor à natureza esque-
mas lógicos de interpretação. Parte-se do pressuposto de que uma comunidade
científica sabe como é o mundo. Para ele, ao contrário, o verdadeiro progresso
científico é descontínuo e só se produz quando um paradigma é substituído por
outro sem ligação com o primeiro. É a revolução. O processo de substituição de

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paradigma tem início quando já não se conseguem explicações satisfatórias para


os fenômenos. Este sentimento de disfunção é essencial à crise. Então novas teorias
surgem e vão influenciar trabalhos e competências já estabelecidos. Vale lembrar
que estas novas teorias são um conjunto de obras inacabadas mescladas com boas
ideias e, não raro, uma boa dose de ingenuidade e até oportunismo. Estas novas
ideias vão proporcionar aos cientistas uma nova visão de mundo. O processo de
substituição se dá na mente de um ou poucos indivíduos, que geralmente estão
pouco comprometidos com as práticas anteriores e concentrados em problemas
que provocam crises. A continuidade deste processo e a consolidação do novo pa-
radigma requerem certa dose de fé, pois, além da resistência natural apresentada
pela visão vigente, o novo paradigma é, no nascedouro, ainda pouco consistente e
incapaz de dar resposta a muitas questões.
As ideias de Kuhn constituem um pano de fundo ideal para entender o cho-
que e o salto proporcionados pela Teoria do Caos sobre áreas tão díspares quanto
a meteorologia e o mercado de ações, a neurologia e as taxas de câmbio.

BORBOLETAS E SUPERCOMPUTADORES – UMA BREVE


HISTÓRIA DO CAOS
Borman (1991) define sistemas caóticos como aqueles que apresentam irre-
gularidades e extrema sensibilidade às condições iniciais. Parecem completamen-
te randômicos, mas são essencialmente deterministas. Isto é, podem ser descritos
por equações matemáticas normalmente simples. Entretanto, se não se conhecem
as condições iniciais, é inviável prever o que vai acontecer. E conhecer as condi-
ções iniciais é geralmente impossível.
Alguns autores classificam o nome Teoria do Caos de infeliz, pois caos sig-
nifica justamente a ausência de ordem. Na verdade, poderíamos melhor qualifi-
cá-lo de provocativo, uma resposta a uma tendência determinista da ciência. Ao
mesmo tempo em que a Teoria do Caos desvenda os mistérios do comportamen-
to de certos sistemas gerados por equações simples e, por isso, intrinsecamente
deterministas, destrói o mito da previsibilidade e controlabilidade que nutre os
pressupostos e norteia os esforços da ciência tradicional.
O mesmo Borman aponta a primeira referência histórica do tema ao ma-
temático francês Jules-Henri Poincaré (1854-1942), que notou a existência de
comportamentos mais complexos que os simples movimentos periódicos. Isto em
pleno reinado da dinâmica newtoniana.
Um referencial importante na literatura de divulgação da Teoria do Caos
é sem dúvida o trabalho de James Gleick. Jornalista do New York Times, Gleick
publicou em 1987 um livro que viria a tornar-se best-seller em todo o mundo. O
autor conta a história do surgimento da Teoria do Caos simultaneamente nos
vários campos científicos, ressaltando esta sua característica de interdisciplina-

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  23

ridade espontânea. Ele descreve os primeiros passos da Teoria como um misto


de poesia e encantamento. Explora de forma simpática o estereótipo do cientista
louco procurando respostas para questões impossíveis como a dinâmica das que-
das d’água e da formação de nuvens.
O primeiro e mais famoso marco da Teoria está nos estudos do meteorologis-
ta Edward Lorenz, do MIT. Trabalhando, no início da década de 60, sobre simu-
lações, em computadores, de modelos de previsão de tempo, Lorenz, ao repetir
uma série de cálculos, inadvertidamente modificou o número de casas decimais
no programa. Após alguns instantes, os gráficos gerados tomaram comportamen-
tos completamente diferentes dos anteriores. Comprovou-se, assim, a enorme
sensibilidade do sistema às condições iniciais. Esta descoberta colocou em xeque
o princípio de causa e efeito, pelo qual estes dois eventos seriam dependentes em
magnitude. Como o sistema montado por Lorenz era não linear, pequenas causas
poderiam gerar grandes efeitos. Surgiu daí a popular frase de que uma borboleta
batendo asas no Brasil poderia provocar um tornado no Texas, em realidade títu-
lo de um trabalho de Lorenz.
Robert May, um biólogo da Princeton University, descobriu, nos anos 70, um
modelo matemático simples para a dinâmica da população de insetos, usando
apenas duas variáveis: taxa de reprodução e suprimento de alimento. O modelo,
comprovado na prática, revelava comportamentos complexos e ciclos regulares.
Mitchell Feigenbaum, um físico do Laboratório Nacional de Los Alamos, con-
seguiu demonstrar que a fórmula de May era genérica e poderia ser aplicada a
muitos fenômenos na natureza.
Outro nome importante no desenvolvimento da Teoria do Caos é o do pesqui-
sador Benoit Mandelbrot, da IBM. Seu trabalho foi voltado para a geometria frac-
tal – vide glossário –, que lida com objetos que têm como característica comum
a propriedade de, não importa quão ampliadas sejam suas imagens, os novos
detalhes aparecerem na mesma escala da figura anterior. O que chama a atenção
nestas figuras, geradas em computador a partir de fórmulas matemáticas, é sua
semelhança com imagens encontradas na natureza como folhas de árvores, cris-
tais, vales e montanhas.
Todas estas descobertas colocaram em xeque a ciência baseada em relações
simples de causalidade, que ignorava as regiões turbulentas do mundo real, dan-
do origem a um novo campo científico. A Teoria do Caos, desde então, vem rom-
pendo fronteiras entre disciplinas, reunindo pensadores de campos separados e
revertendo a tendência de dissecação e compartimentagem da ciência.

MODELAR OU NÃO MODELAR, EIS A QUESTÃO


Uma ideia central na Teoria do Caos é a da modelagem, a capacidade de um
corpo de ideias servir de ferramenta para a simulação e o estudo de sistemas.

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24  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Simon (1990) realizou uma interessante síntese sobre esta questão a par-
tir das possibilidades abertas pela Teoria do Caos. O autor parte do princípio
de que o mundo é mais complexo que qualquer modelo e de que a natureza
é capaz de gerar comportamento e dinâmicas mais ricas que a capacidade de
apreensão de conjuntos de equações. Contudo, isto, por si só, não inviabiliza o
uso de modelos. Quando os utilizamos, precisamos separar o essencial do dis-
pensável para, assim, capturar um quadro simplificado que permita inferências
razoavelmente seguras. A ideia é balancear a possibilidade de simplificação
com a utilidade relativa de um sistema simplificado. Mesmo um sistema muito
complexo pode ser modelado de forma que algumas conclusões importantes
possam ser tiradas. Simon crê que, se a linearidade domina a cena da mode-
lação, a razão não é que a realidade dos sistemas possa ser representada por
equações lineares, mas possa ser limitada a capacidade de tratamento de siste-
mas não lineares. Em realidade, poucos casos de sistemas não lineares podem
ser tratados por computador, mas, com condições de contorno apropriadas, elas
podem cobrir grande parte das situações.
Quando modelamos, se estamos interessados no comportamento dinâmico,
existem três hipóteses: queremos ou prever o futuro a partir de condições iniciais,
ou saber se existem posições estáveis de equilíbrio, ou verificar os resultados de
intervenções voluntárias.
Ao modelarmos um sistema, as seguintes questões precisam ser analisadas:

1. analisar em que grau precisamos de detalhes temporais;


2. verificar em que nível o conhecimento dos passos temporais pode ser
substituído por informações do estado estacionário;
3. averiguar a possibilidade de uso de propriedades hierárquicas dos sis-
temas para simplificar o modelo;
4. analisar a adequação de substituição de modelos numéricos por mode-
los simbólicos e vice-versa.

Duas questões essenciais na modelação são a predição e a prescrição. Elas re-


fletem nosso grande fascínio pela possibilidade de prever o futuro ou nele inter-
ferir conscientemente. A Teoria do Caos não apresenta soluções para o problema
da previsão, mas mostra os limites para sua tratabilidade. Por outro lado, embora
não auxilie o conhecimento dos passos de um sistema em detalhe, ajuda a sepa-
rar os períodos de equilíbrio estável e instável. Já quando os modelos servem a
uma estratégia de intervenção, a questão desloca-se da previsão para a prescri-
ção. Também neste caso, nem sempre interessa a evolução contínua do sistema,
e sim ordens de grandeza relacionadas a seu macrocomportamento. Isto pode
simplificar bastante os cálculos.
A Teoria do Caos tem demonstrado que sistemas de grande interesse e tão
díspares como a economia ou o cérebro humano são caóticos em sua essência.

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  25

Esclarecendo os mecanismos que existem por trás destes comportamentos, ela


ilumina a compreensão de suas dinâmicas. A Teoria traz novas perspectivas para
a modelação de sistemas não lineares, que constituem regra no mundo real. Em-
bora por ora esta luz seja apenas uma nova maneira de olhar a realidade, este
salto não pode ser menosprezado. O trabalho que se coloca é o da redefinição das
perguntas, para que os esforços sejam orientados para a procura das respostas
certas. Resta ainda um longo caminho a ser trilhado.

POR UM PUNHADO DE DÓLARES – AS APLICAÇÕES


FINANCEIRAS
O número de artigos sobre aplicações financeiras baseadas na Teoria do Caos
supera em muito o de todos os outros temas. Os profissionais da área, não por
acaso, estão sempre à procura da pedra de toque da fortuna e do sucesso. Também
não por acaso, é nesta área que se encontram as utilizações mais “pretensiosas’’
ou “otimistas’’ da Teoria. Um bom número de consultores e analistas se encantou
com as ideias relacionadas à Teoria do Caos. Eles criaram e passaram a vender
pacotes de análise de ações e outros títulos capazes de nada mais nada menos
que prever o futuro. Mas julgar o campo por estas distorções não seria justo.
O ponto central nos trabalhos relacionando Teoria do Caos e Finanças é o
seguinte: o evangelho segundo o qual o mercado de ações segue padrões randô-
micos deve ser questionado. Vale a pena fazer um breve retrospecto. Na década
de 60, acadêmicos ligados à área de Finanças, após árduas discussões, chegaram
à conclusão de que as flutuações no mercado eram comandadas por processos
puramente randômicos. A partir daí, foi gerado um grande número de modelos
baseados na chamada “Hipótese de Mercado Eficiente’’, que se firma no acesso ni-
velado de informações aos agentes financeiros. O crash da bolsa de 1987 e outras
instabilidades lançaram dúvidas sobre este paradigma. Estudos recentes têm le-
vado em conta as relações não lineares entre as variáveis financeiras e os comple-
xos mecanismos de retroalimentação do sistema. Segundo estes estudos, as séries
temporais de valores de ações têm componentes tanto deterministas – gerados por
leis caóticas vindas da infraestrutura do mercado – quanto componentes randômi-
cos, ligados à constante chegada de informações aos agentes.
Hsieh (1991) realizou estudo sobre a presença de Caos e elementos de dinâ-
mica não linear nos mercados financeiros. O autor utilizou um rol de ferramentas
estatísticas concluindo que a hipótese de comportamento randômico deve ser
rejeitada. Por outro lado, não se comprovou a existência de leis de Caos, embora
fossem identificados elementos de não linearidade.
Peters (1991) estudou a existência de um atrator caótico – vide glossário –
para o índice S&P 500, utilizado nos Estados Unidos. O autor descobriu que o
índice tem ciclos não periódicos governados por estes atratores. As conclusões são

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26  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

as seguintes: primeiro, o mercado de ações tem ciclos e tendências; segundo, uma


pequena mudança num indicador pode levar a grandes impactos no mercado no
futuro; e, terceiro, quanto mais se avança no tempo, menos confiáveis se tornam
as previsões.
Analisando o mercado de ações e, em particular, também o índice S&P 500,
Laing (1991) conclui que o valor da Teoria do Caos não é a capacidade de previsão,
mas a possibilidade de melhor entender a complexidade do sistema. Savit (1991),
contrapondo-se parcialmente a esta posição, acredita que muitas sequências de
dados financeiros podem ser mais bem compreendidas com técnicas de análise não
linear, inclusive Teoria do Caos, e que estas técnicas podem melhorar as previsões
de curto prazo e as estratégias de análise de investimento.
Larrain (1991) analisa a evolução dos preços de ações, ora contínua, ora ex-
plosiva, e advoga que a questão maior para os teóricos e matemáticos do Caos é
determinar se há um modelo particular pelo qual os sistemas se dirigem à desor-
dem e à turbulência. Ele considera que a dinâmica não linear em geral e a Teoria
do Caos, especificamente, são importantes para a análise financeira. As razões
são as seguintes: primeiro, mostram que os preços futuros dependem tanto dos
preços passados como de fatores econômicos; segundo, colocam em xeque as
premissas de comportamento randômico do mercado; terceiro, a não lineari-
dade praticamente descarta as previsões de longo prazo, embora admita as de
curto prazo; e quarto, demonstram que, paradoxalmente, o mercado segue para
a desordem de forma ordenada. O autor estudou o comportamento de títulos
do tesouro norte-americano, concluindo que a ideia de Caos não é a única res-
posta para a volatilidade dos mercados financeiros, mas também não pode ser
descartada. O trabalho sugere que, na prática, coexistem estruturas não lineares
– capazes de bifurcações periódicas e comportamento violento – com estruturas
macroeconômicas bem comportadas.
Blank (1991) realizou estudo semelhante sobre o mercado de commodities.
Para ele, os modelos lineares não funcionam bem por não capturar a realidade das
interações e a natureza dos processos envolvidos. A dinâmica não linear e a Teoria
do Caos agregam valor à compreensão destes processos. Com base no pressupos-
to de que ao menos parte do processo é não linear, analistas poderiam avaliar se
existe determinismo ou não. Na prática, porém, é difícil separar processos deter-
ministas e estocásticos devido à própria natureza dos dados econômicos.
O campo financeiro, com seus pesquisadores sérios, mas também com seus
oportunistas e céticos, tem-se mostrado um receptáculo amigável à Teoria do
Caos. Muitos desenvolvimentos matemáticos da Teoria podem ser creditados aos
estudos voltados para o comportamento de ações e outros títulos financeiros.
Mas, embora este desenvolvimento tenha sido considerável, as respostas deseja-
das pelos analistas financeiros não foram ainda geradas. A Teoria do Caos, quan-
do aplicada a este campo, revela-se muito mais uma forma de colocar em xeque
as teorias existentes e lançar um novo olhar sobre a realidade que uma ferramen-
ta de previsão. Os esforços nesta direção, entretanto, continuam.

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  27

CAOS, KEYNESIANISMO E MONETARISMO


Ao contrário do campo financeiro, em que as tentativas de aplicação da ma-
temática do Caos são a regra, as referências relacionadas às Ciências Econômicas
são mais voltadas aos aspectos conceituais e à questão da nova forma de olhar
para os sistemas complexos. Mirowski (1990) e Routh (1989) fazem uma análise
bastante crítica dos rumos atuais das Ciências Econômicas, utilizando algumas
ideias básicas da Teoria do Caos como alternativa válida para uma reformulação
conceitual. Curiosamente, Meller (1987) segue a mesma trilha, ainda que não
mencione a Teoria do Caos. A conclusão é de que o aparente movimento de re-
conceitualização e reformulação do papel da Economia e o campo representado
pela Teoria do Caos são fenômenos paralelos, que se alimentam da mesma fonte
e, potencialmente, um do outro.
Comecemos por Meller. Para o autor, num período recente, muitos países
têm enfrentado variada gama de problemas econômicos. Soluções diferentes,
marcadas ora pelo monetarismo, ora pelo keynesianismo, têm sido tentadas sem
sucesso. O surgimento de modas e bruxos terminou por configurar uma situação
de crise e, por consequência, um convite à reflexão. Meller crê que a Economia
não é um sistema unificado e coerente de ideias, mas uma coleção de teorias e
modelos. Ocorre que as correntes hoje dominantes são fruto do conhecimento
científico do século XIX, da lógica cartesiana, do racionalismo, da física newto-
niana e do operacionalismo. Os modelos econômicos existentes são abstratos e
em geral marcados por uma matemática sofisticada. É difícil, porém, representar
algebricamente o comportamento dos homens e de suas instituições. Meller pen-
sa que o verdadeiro economista deve ser também político, historiador e filósofo.
Ele considera absolutamente natural que existam diferenças entre diagnósticos
e estratégias de ação entre economistas. O objeto da análise econômica são a
sociedade e os agentes econômicos, que estão em constante mutação. Princípios
válidos num dado momento podem tornar-se anacrônicos no momento seguinte.
O autor posta-se contra o uso das Ciências Econômicas para predição e controle
e advoga que sua real função é entender e avaliar o contexto histórico e atual e
apenas orientar previsões. Nada mais próximo da Teoria do Caos.
Mirowski segue a mesma trilha de Meller, agregando informações sobre o
trabalho de cientistas do Caos como Mandelbrot, Grandmont e Brook. Também
para ele a Economia ainda guarda influências da física do século XIX, influências
que ajudaram a legitimar seu discurso científico, mas que a tornaram tão limitada
quanto a própria física newtoniana. Contudo, enquanto a física sofreu mudan-
ças profundas, a Economia continuou evoluindo dentro do mesmo paradigma. O
autor considera que os economistas tendem a ver a Teoria do Caos apenas como
uma matemática sofisticada, sem atentar para a quebra de paradigma que ela
representa. O Caos torna a teoria neoclássica sem sentido. A teoria neoclássica
existe para retratar o determinismo. A Teoria do Caos, por outro lado, revela uma
simbiose entre fenômenos deterministas e aleatórios.

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28  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Routh, também seguindo o caminho dos anteriores, condena o determinismo


inconcludente das Ciências Econômicas por não considerar elementos essenciais
como comportamentos e história. Como Mirowski, Routh crê que os economis-
tas procuravam a “verdade científica’’ e a certeza por que estas eram requisito
da ciência do século XIX. O autor também critica o conceito de equilíbrio e cita
Stuart Mill: “No lugar de ordem, igualdade, perfeita organização com postulados
ortodoxos, o mundo comercial é (...) de obscuridade, confusão, com perdas e des-
truição, e nem sempre o mais adequado sobrevive.’’ Problemas econômicos são
marcados por mudanças, crescimento, retrocesso e flutuação. Routh crê que o
grande passo para a Economia é abandonar os modelos baseados no equilíbrio e
tentar avançar a compreensão sobre as descontinuidades e as turbulências.
Completando o ciclo crítico, Fusfeld (1990) considera a Economia moderna
como uma grande teologia naturalista que, ao mesmo tempo, explica o que é o
mundo social e prova por que ele é bom; uma síntese de ciência positivista com
valores normativos. Para ele, a visão de mundo racional e ordenado não pode
mais ser sustentada. O pressuposto de homem como otimizador racional desmo-
rona, levando uma insustentável microrracionalidade a uma macroirracionalida-
de. Consequência: o equilíbrio Walrasiano cede vez ao Caos.
Butler (1990) segue uma linha parcialmente similar à de Routh. Ele acredita
nas possibilidades da Teoria do Caos para explicar comportamentos cíclicos e
erráticos na Economia. Seu foco de atenção é voltado para as possibilidades de
uso da modelação dinâmica na identificação de não linearidades e Caos. O autor
discorre sobre as várias maneiras de modelar eventos econômicos e suas limita-
ções. Para ele, os economistas estão caminhando no sentido de incluir o Caos em
seus modelos, mas há ainda pouca discussão sobre a utilidade e realismo destes
conceitos quando aplicados aos fenômenos econômicos.
Aczel e Josephy (1991) estudaram as variações das taxas de câmbio de cinco
países, utilizando elementos da matemática do Caos. Eles procuraram caracteri-
zar, através de correlações de dimensão – que são parte da geometria fractal – o
grau em que estas taxas têm comportamento caótico. O estudo atestou a utilida-
de prática deste recurso como detector de mudanças em séries de tempo sem que
se precise recorrer ao uso de ferramentas econométricas.
Trabalhando sobre um modelo macroeconômico com dois setores, Sterman
(1989) mostra como o processo decisório pode produzir Caos. Sua intenção últi-
ma, entretanto, é demonstrar a viabilidade, utilidade e até necessidade da incor-
poração dos conceitos de Caos à Teoria Econômica, especialmente nos processos
de otimização. Num mundo cujo espaço de adequação contém muitos ótimos
locais, uma regra decisória que produz Caos e que explore constantemente novos
caminhos pode levar um sistema a evoluir mais rápido que uma estratégia deci-
sória estável e incremental.
Pode-se dizer que, por várias vias, muitos economistas têm-se aberto às ideias
da Teoria do Caos. Os modelos econômicos tradicionais retratam a economia

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  29

como essencialmente estável, somente flutuando em torno de alguns pontos de


equilíbrio por causa de eventos externos. Os novos modelos, entretanto, mos-
tram a Economia como inerentemente variável, sensível a mudanças e difícil de
controlar. Na análise econômica, nem sempre as variáveis apresentam a mesma
identidade ao longo do período considerado. Isto torna a análise complicadíssi-
ma. De qualquer forma, a possibilidade de compreensão dos ciclos econômicos
através dos conceitos de Caos pode vir a ser um grande vetor de contribuição na
superação dos impasses hoje vividos.

UM NOVO GERENCIAMENTO CIENTÍFICO?


Vivemos, no campo dos modelos administrativos e gerenciais, um período de
ruptura. E a maneira mais usual de caracterizar esta ruptura tem sido explorar
o esgotamento do modelo taylorista-fordista e o aparecimento de modelos de
especialização flexível, baseados em conceitos de sistemas abertos e cibernética.
Neste contexto de transformação permeada por crises de impacto econômico e
social e por mudanças geopolíticas globais, a Teoria do Caos também encontrou
um campo fértil. A ideia de complexidade e caos ambiental, impondo configura-
ções internas igualmente instáveis e caóticas, tem um apelo irresistível para as
organizações assoladas por crises que procuram decifrá-las para sobreviver.
Até o momento não é possível avaliar se seria este um casamento de con-
veniência entre teoria e prática e se teria ele seus dias contados. Pode-se dizer,
entretanto, que esta união tem ajudado a superar a herança do Modelo do Geren-
ciamento Científico e a ilusão de equilíbrio e estabilidade como estado natural.
Para Nonaka (1988) o Gerenciamento Científico – com o ordenamento do
trabalho via estudos de tempos e movimentos, divisão de tarefas e existência de
hierarquias e cargos claros e bem definidos – é alicerçado na premissa do limi-
te da capacidade humana para processar informações. Os novos modelos, por
outro lado, enfatizam o papel do caos e da ambiguidade. “Só um sistema caótico
pode adequar-se a um meio caótico (...). Para uma organização se renovar, ela deve
se considerar em não equilíbrio o tempo todo.’’ O autor explica como, num siste-
ma, os elementos flutuam, interagindo entre si e sofrendo ciclos de feedback. Os
sistemas auto-organizados criam ordem, reagindo seletivamente às informações
do meio ambiente. Nonaka estabelece algumas regras ou princípios de como
uma organização pode criar, amplificar e administrar o caos. A mensagem é cla-
ra: a renovação é uma questão de sobrevivência e exige dissolução da ordem. É
preciso, portanto, negar modelos de equilíbrio e advogar o novo paradigma da
auto-organização.
Freedman (1992) propõe um Novo Gerenciamento Científico, o Gerencia-
mento do Caos. Na mesma linha de Nonaka, ele cita exemplos de sistemas bioló-
gicos auto-organizados explicando seu funcionamento. A analogia com sistemas

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30  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

organizacionais é óbvia. Na prática, estes sistemas têm uma capacidade tal de


mudança que não é mais possível falar em otimização ou em agentes de otimi-
zação. Eles são, em verdade, caracterizados por uma novidade perpétua. Para o
autor, os gerentes acham que entendem as relações causa-efeito na organização,
mas, de fato, as ligações entre causa e efeito são muito complicadas e nem sem-
pre possíveis de se demonstrar. Freedman crê que as chaves de sucesso das novas
organizações são a capacidade de aprendizado e o pensamento sistêmico – a
arte de ver, através da complexidade, as estruturas e os mecanismos que geram
mudanças. Assim como a Teoria do Caos ensina que pequenas mudanças podem
causar grandes efeitos, a Teoria Sistêmica mostra que uma pequena ação num
ponto ótimo pode produzir melhorias significativas.
Kiel (1989), tomando por base o trabalho de Prigogine e Stengers (1992),
decreta a falência do paradigma newtoniano, de um mundo de ordem e estabi-
lidade, do qual a mudança não faz parte. Propõe, em seu lugar, um novo para-
digma, que englobe as características do mundo atual de mudança acelerada,
desordem, instabilidade e não equilíbrio. Prigogine, prêmio Nobel de Química
pelo estudo da termodinâmica de sistemas afastados do equilíbrio, descobriu
que estes sistemas alternam períodos de comportamento previsível com outros
de instabilidade. Nestes últimos, perturbações e flutuações, num contexto de
relações não lineares, levam ao rompimento de simetrias e estados de equilí-
brio, potencialmente conduzindo o sistema a patamares de organização mais
elevados. Reafirma-se, mais uma vez, a premissa de que instabilidade e caos são
essenciais à evolução.
Bygrave (1989) mostra como o Caos fornece uma metáfora útil para a com-
preensão dos processos de criação de novos empreendimentos. O autor disseca
estes processos, concluindo que eles são marcados por turbulências e instabi-
lidades. Ele aconselha que os estudantes de administração sejam acostumados
a equações não lineares para desenvolver a intuição e fazer um contraponto ao
pensamento reducionista, linear e incremental que permeia a maioria dos cursos
de negócios.
Priesmeyer e Baik focaram sua atenção na observação de variáveis de perfor-
mance de algumas empresas e na possibilidade de identificação de ciclos caóticos
fundados em não linearidades. Os autores contrapõem estes ciclos, próprios das
organizações e seu meio ambiente, aos ciclos temporais – mês, trimestre, ano –
normalmente utilizados nos sistemas de planejamento, concluindo que o processo
decisório pode ser enriquecido com esta nova visão.
No conjunto, os autores que se aventuraram a estudar as implicações da Teo-
ria do Caos nos modelos gerenciais consideram que esta representa uma nova luz
sobre fenômenos já de algum tempo observados, mas não se constitui, de forma
alguma, numa teoria pronta. Muito pelo contrário, trata-se de um campo ainda
em aberto e ávido por novas explorações.

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  31

CONCLUSÃO
Cabe agora realizar uma pequena síntese dos aspectos principais vistos ao
longo deste texto. Na introdução, procurou-se mostrar como a Teoria do Caos
pode significar uma importante quebra de paradigma na evolução do pensamen-
to científico. Em seguida, foi abordada a questão da modelação. Enfocaram-se
as limitações dos modelos lineares estáticos – os mais comuns e utilizados – e
as possibilidades de uso de modelos não lineares dinâmicos – mais próximos da
realidade – com condições de contorno apropriadas.
A seção seguinte tratou das tentativas de aplicação de princípios da Teoria do
Caos em Finanças. Viu-se como a matemática do Caos tem atraído a atenção de
analistas e acadêmicos sem, entretanto, ter ainda gerado respostas à altura das
expectativas existentes. Por outro lado, pode-se verificar a utilidade da Teoria no
questionamento dos modelos vigentes e na compreensão da intrincada lógica dos
mercados.
Em seguida, foram vistas as aplicações em Economia. Notamos como esta
passa por uma crise, resultante do choque de seus pressupostos básicos com sua
capacidade instrumental. A Teoria do Caos pode ser usada como rota para o re-
questionamento destes pressupostos.
A última seção foi dedicada aos Modelos Gerenciais. Mostrou-se como vive-
mos num período de transição turbulenta, marcado pela superação das premissas
básicas do Modelo de Gerenciamento Científico. Neste contexto, a Teoria do Caos
corre em paralelo com outras correntes de ideias na construção de novos modelos
para entender e gerenciar as organizações.
Foi construído, assim, um retrato, ainda parcial e propositadamente sem reto-
ques, das aplicações e possibilidades da Teoria do Caos relacionadas aos campos
ligados à Administração. Ao olhar este retrato, a primeira imagem que notamos é
a da negação de toda a pesada herança determinista e sua influência sobre nos-
sas vidas e maneira de ver o mundo. E não é pouco. A Teoria do Caos coloca em
cheque a própria possibilidade de a ciência identificar ou formular leis, a ilusão
de um mundo racional e controlável.
Não deve ser surpreendente que o conceito de Caos e suas ideias associadas
estejam ganhando contorno e status de campo científico. O surpreendente é que
isto só agora esteja acontecendo. Especialmente a partir do século XIX, a ciência
tem sido marcada pela busca da compreensão algorítmica e da possibilidade de
generalização, pela compartimentagem e pela superespecialização. Nem sempre,
porém, foi assim. A racionalidade já foi outra, refletindo uma visão de mundo
muito diferente. A Teogonia de Hesíodo, por exemplo, revela um mundo onde os
eventos são percebidos como manifestações divinas. Foram os pioneiros da revo-
lução científica que desejaram eliminar os componentes teológicos e religiosos
que a ciência medieval havia colocado como centrais alguns séculos antes. Onde
a ciência medieval acoplava à explicação dos fenômenos ideias de propósito e

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32  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

valores morais, a nova ciência procurou desenvolver explicações observáveis e


verificáveis via causa e efeito.
Entretanto, muitos domínios, especialmente aqueles ligados à pesquisa so-
cial, vivem hoje uma era de introspecção epistemológica, principalmente pela
frustração causada pelo até então válido positivismo aplicado à pesquisa. Embora
este processo ainda não tenha gerado um paradigma alternativo definitivo, uma
crescente ênfase em ideias sistêmicas – e conceitos de Caos – é constatada implí-
cita ou explicitamente.
Para Prigogine e Stengers, a metáfora usual para a evolução da ciência é a da
evolução das espécies, uma arborescência de disciplinas cada vez mais diversas e
especializadas, um progresso irreversível e unidirecional. Eles propõem no lugar
desta imagem uma metáfora geológica, na qual a ordem das coisas é marcada
mais por deslizamentos que por mutação. Questões abandonadas ou negadas por
uma disciplina passam silenciosamente a outras ou reaparecem em outros con-
textos teóricos. O percurso às vezes é superficial, às vezes subterrâneo. Da inter-
secção de disciplinas surgem e ressurgem questões antes compartimentadas pela
divisão entre disciplinas. A história do conhecimento é uma história dramática de
ambições frustradas, ideias que malogram, realizações desviadas do sentido que
deveriam perseguir, é também uma história de sucessos inesperados, descobertas
surpreendentes e casamentos felizes. É, enfim, uma história de CAOS.

Glossário1
Atrator: é o ponto ou nível ao qual um sistema retorna quando os efeitos de perturba-
ções externas cessam.
Atrator Caótico: um sistema caótico converge para um conjunto de possíveis valores.
Este conjunto é infinito em número, mas limitado em amplitudes. Atratores caóticos são
não periódicos.
Caos, Sistemas Caóticos: termo relacionado a comportamentos irregulares e com-
plexos que aparentam ser randômicos, mas na verdade possuem uma ordem matemática
subjacente. Suas características essenciais são as seguintes: comportamentos parcialmen-
te traduzidos por equações não lineares; possibilidades de pequenos inputs gerarem gran-
des efeitos; existência de ciclos e padrões; e imprevisibilidade, principalmente a médio e
longo prazos.
Fractais: medem a irregularidade de linhas ou curvas, planos e volumes. Uma linha
reta tem dimensão 1,00, um quadrado, 2,00 e um cubo, 3,00. A linha costeira pode ter
dimensões entre 1,15 e 1,25; índices do mercado de ações podem ter dimensões entre
1,30 e 1,40. A Geometria Fractal tem aplicações práticas na identificação de padrões de-
terministas em sistemas.

1 
Adaptado de Larrain e Peters.

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Teoria do Caos e Administração de Empresas  33

Sistemas Deterministas: sistemas nos quais o comportamento é determinado por


uma equação ou um conjunto de equações, que envolvem um pequeno grupo de variá-
veis. Sistemas deterministas são previsíveis.
Sistemas Não Lineares Dinâmicos: sistemas nos quais o comportamento pode ser
traduzido por relações exponenciais. Eles podem evoluir de comportamentos determi-
nistas bem definidos para resultados crescentemente complexos e irregulares. O adjetivo
dinâmico vem do fato de o valor presente do sistema ser uma transformação do valor pas-
sado. Sistemas Caóticos são sempre não lineares dinâmicos. O inverso não é verdadeiro.

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5577.indb 33 20/06/2011 15:51:46


34  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

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3

Cultura
Organizacional Brasileira
Marcelo Marinho Aidar, Alberto Borges Brisola,
Fernando C. Prestes Motta, Thomaz Wood Jr.

APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos, a cultura vem se tornando um tema central em diversos
debates na área de Estudos Organizacionais.1 O interesse pelo assunto surgiu
principalmente em razão da conexão estabelecida entre cultura e desempenho
organizacional. Entretanto, poucos são os estudos que têm pesquisado a fundo
a relação entre cultura organizacional e cultura nacional. Negligenciando esta
relação, muitos estudos acabam tratando a organização como algo isolado do
contexto nacional e social no qual ela está inserida.
Desconsiderar as diferenças de culturas nacionais e regionais, em qualquer
análise, significa deixar de lado toda esta esfera cultural mais ampla, que con-
diciona a teoria e a prática administrativas. Por outro lado, admitir a existência
destas diferenças, e compreendê-las em toda a sua magnitude, possibilita discri-
minar se determinadas técnicas, teorias ou princípios empresariais são ou não
aplicáveis a determinada realidade.2
No Brasil, os trabalhos que envolvem cultura organizacional, tanto em ní-
vel teórico como em nível de aplicação, têm sido muito influenciados pela cor-

1
  Como observou a Professora Maria Ester de Freitas, cultura organizacional foi o discurso forte
dos anos 80.
2
  Steers observa que a cultura influencia a pesquisa e a prática da gestão de recursos humanos
de três maneiras: (i) ajuda a definir o problema que se pretende estudar, (ii) influencia as abor-
dagens ou métodos usados para estudar e resolver problemas, e (iii) ajuda a definir soluções
aceitáveis para os problemas em questão. STEERS, Richard M. The cultural imperative in HRM
researh. Research in Personnel and Human Resources Management, Suppl. 1, 1989.

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36  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

rente gerencialista americana. Consultores e executivos, envolvidos em processos


de mudança organizacional, têm concentrado atenção e energia na importação
de valores culturais e na tentativa de modificação de traços de cultura e com-
portamento. Busca-se com isto garantir às empresas condições para enfrentar os
chamados desafios de competitividade que a concorrência em nível mundial e a
abertura de mercados trouxeram. A dificuldade de se estabelecerem parâmetros
culturais que sejam válidos para toda e qualquer sociedade explica, em parte,
a escassez de estudos dentro desta vertente. Além disso, o estudioso de cultura
organizacional deve estar sempre atento para não cair na armadilha do etnocen-
trismo; isto é, de utilizar como referencial teórico seu próprio ponto de vista, de
considerar seu modo de viver, de fazer as coisas e de perceber o mundo como
sendo a forma correta.
A proposta deste capítulo é analisar cultura organizacional a partir de alguns
autores brasileiros – hoje clássicos – que estudaram a formação do povo brasi-
leiro. Cabe ressaltar que esta não é uma ponte fácil. Em alguns casos, décadas
separam as contribuições desses autores da realidade atual. Mais que isto, séculos
separaram os eventos históricos por eles analisados e a realidade atual das orga-
nizações brasileiras.3
De qualquer forma, a questão a ser colocada não é a busca da definição de
um estilo gerencial brasileiro ou a completa compreensão do comportamento das
organizações no Brasil. Trata-se, antes, de analisar historicamente a formação da
cultura brasileira e como esta se relaciona com alguns valores e padrões de com-
portamento encontrados em nossas organizações.
O trabalho está estruturado da seguinte forma:

• na “Introdução’’ abordam-se os riscos do etnocentrismo e a questão da


alteridade no estudo da cultura organizacional. Discutem-se, ainda, os
conceitos de convergência versus divergência cultural e a ideia de admi-
nistração intercultural;
• na seção seguinte – “Raízes do Brasil: de Freyre a DaMatta’’ – é feito um
apanhado de ideias tomadas de referências obrigatórias na compreen-
são da formação do Brasil;
• na seção posterior – “Hofstede visita Casa Grande e Senzala’’ – alguns
elementos da metodologia desenvolvida pelo estudioso da cultura or-
ganizacional, Geert Hofstede, são utilizados para analisar traços do que
poderia ser uma cultura organizacional brasileira;
• finalmente, na “Conclusão’’, é apresentada uma síntese do trabalho e
são discutidos seus possíveis desdobramentos.

3
  Também não se pode ignorar que suas metodologias de investigação são distintas e, em alguns
casos, conflitantes.

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Cultura Organizacional Brasileira  37

O objetivo dos autores é trilhar um caminho de análise que parece ainda pou-
co explorado, levando em conta traços culturais básicos no estudo de sistemas
organizacionais e contribuindo, assim, para uma maior compreensão do tema
cultura organizacional dentro do contexto brasileiro.

INTRODUÇÃO

Dos riscos do etnocentrismo à experiência da alteridade


Para Hofstede4 estamos programados, desde cedo, a pensar de determinada
forma, forma esta gerada dentro do meio social em que vivemos. Embora haja
dificuldade para escapar completamente desta tendência do etnocentrismo, o
reconhecimento de alguns desses programas mentais ajuda-nos a superar para-
digmas e barreiras. O método antropológico, que serve de base para o estudo da
cultura organizacional, requer uma ruptura radical com a crença de que existe
um centro do mundo, ou de que algumas culturas são mais avançadas ou evo-
luídas que outras.
Para Berger e Luckmann,5 toda atividade está sujeita ao hábito. Qualquer
ação frequentemente repetida torna-se um padrão que pode ser reproduzido,
com economia de esforço e tempo. As ações habituais conservam seu caráter
significativo para o indivíduo; tornam-se parte de seu acervo de conhecimentos
e, gradativamente, passam a ser admitidas por ele como certas. Tudo isso permi-
te ao indivíduo libertar-se da carga de decisões minuciosas, proporcionando-lhe
tempo para outras atividades, sem ter que refletir sobre as operações mais ele-
mentares e habituais todas as vezes que as executa.
Dizer que um segmento da atividade humana foi institucionalizado corres-
ponde a afirmar que este segmento foi submetido a controle social. Uma das
principais vantagens da institucionalização é a de tornar a ação do outro previ-
sível, libertando o indivíduo de uma considerável quantidade de tensão. A partir
do momento que a vida em grupo é institucionalizada, define-se uma esfera de
rotinas supostamente naturais para todos seus membros.
Toda cultura possui uma lógica própria, que deve ser compreendida a par-
tir dela mesma. O antropólogo social ou organizacional, ao observar qualquer
agrupamento humano, deve mergulhar profundamente em sua vida quotidiana,
para compreender efetivamente o significado das percepções e ações de seus
membros. Por outro lado, deve também estar provido de um elevado grau de re-
lativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por seu

4
  HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work-related values. Be-
verly Hills: Sage, 1980.
5
  BERGER, P.; LUCKMANN, T. The social construction of reality. New York: Anchor Books, 1967.

5577.indb 37 20/06/2011 15:51:46


38  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

contexto cultural de origem. Laplantine reforça a ideia de que, apenas através do


contato com uma cultura estranha, somos capazes de reconhecer efetivamente
nossa própria cultura e compreender como ela condiciona nossa percepção de
mundo. Em suas palavras:

“De fato, presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos ou-
tros, mas míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteridade (e a
elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conse-
guido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos
é habitual, familiar, quotidiano, e que consideramos evidente.’’6

A experiência da alteridade ocupa então uma posição central no método antro-


pológico, uma vez que permite perceber que aquilo que tomávamos como natural
em nós mesmos – comportamentos, pequenos gestos, posturas, reações etc. – nada
realmente tem de natural, mas são essencialmente construções sociais e culturais.

Convergência versus divergência cultural


À medida que a internacionalização nos negócios avança, intensifica-se o de-
bate sobre a influência das culturas nacionais na teoria e prática organizacionais.
Se, há pouco atrás, ainda se acreditava que a administração fosse algo universal,
hoje parece haver uma crença crescentemente consolidada sobre a correlação
entre cultura nacional e formas de gestão empresarial.7
A primeira concepção, conhecida como a hipótese da convergência, advogava
a existência de princípios de administração a serem seguidos independentemen-
te do contexto cultural. Se algum país se desviasse destes princípios, a atitude
correta seria operar um trabalho de conformação. Assim, teríamos, no futuro,
práticas administrativas cada vez mais próximas umas das outras, o que tornaria
as organizações e as sociedades cada vez mais parecidas.
Na década de 70, a hipótese da convergência foi-se enfraquecendo, à me-
dida que as diferenças nacionais e regionais não diminuíam, mas tornavam-se,
ao contrário, cada vez mais acentuadas. Algumas instituições supranacionais –
como o Mercado Comum Europeu – que se formaram baseadas, em grande me-
dida, na premissa da convergência cultural, tiveram que reconhecer a questão
da diversidade.8

6
  LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
7
  HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Journal of International Busi-
ness Studies, v. 14, n. 2, p. 75-90, 1983.
8
  Como mostra Key, nas vésperas da unificação europeia criou-se um mito em torno de seu signifi-
cado real. Analisando o problema do ponto de vista de estratégias de marketing, o autor critica algumas
afirmações do tipo: “criação de um mercado único de 320 milhões de pessoas“, que levavam a crer
que o mercado europeu seria, a partir de 1992, mais homogêneo do que era antes da unificação.

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Cultura Organizacional Brasileira  39

Hofstede sustenta que a crescente internacionalização nos negócios faz com


que as diferenças nacionais se tornem um dos problemas mais importantes para
a administração. Ainda que alguns defendam a ideia da formação de uma cultura
gerencial internacional, parece claro que as diferenças entre as pessoas que tra-
balham nas organizações de diferentes países continuarão existindo.9

Administração Intercultural

A internacionalização nos negócios tem de fato provocado crescente interes-


se pelo cross-cultural management. As grandes corporações têm buscado conquis-
tar a chamada competência intercultural, definida por Gertsen como “a habilidade
de funcionar efetivamente em outras culturas’’.10 De fato, diversas organizações
multinacionais, à medida que se tornam maduras e expandem seus negócios para
países com culturas contrastantes, acabam tendo que lidar com problemas rela-
cionados a aculturação, domínio cultural ou sinergia cultural.
Dentro dessa perspectiva, Moran11 observa que, apesar das dificuldades que
a prática deste conceito apresenta, a efetividade de uma organização multinacio-
nal será dada pela capacidade de gerenciamento da diversidade. Assim, um dos
maiores desafios do executivo transnacional seria o de criar sinergias entre as
diferentes culturas, de modo a aproveitar o que cada uma apresenta de melhor.
O debate sobre domínio cultural entre nações é antigo como o colonialismo
ou o imperialismo. Tradicionalmente, as organizações ou nações detentoras do
poder econômico, uma vez que fornecem tecnologia, capital e outros recursos,
acabam impondo também seus estilos e sistemas gerenciais às demais. Entretan-
to, estudos sobre estratégias internacionais têm revelado que conhecer melhor
e respeitar a cultura onde se pretende operar pode representar uma vantagem
significativa para a corporação. Alguns autores identificam três posturas possíveis

Segundo ele, a liberação do comércio tem efeito apenas do lado do fornecimento, mas não do lado
da demanda. A demanda pelos diversos produtos varia de acordo com as diferenças nas preferên-
cias, hábitos, clima, cultura etc., e tais diferenças permaneceram inalteradas na Europa após 1992.
Segundo o autor, portanto, a crença de que a simples abertura dos mercados ou a internacionaliza-
ção nos negócios sejam capazes de provocar uma homogeneização cultural é uma falácia. KEY, J. A.
Myths & realities. Centre for Business Strategy, London Business School, 1992.
9
  HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Op. cit.
10
  GERTSEN, Martine. Intercultural competence and expatriate. International Journal of Human
Resources Management, 1990. Nesse trabalho, a autora mostra como o processo de seleção e treina-
mento de expatriados desempenha um papel fundamental para se atingir a competência intercul-
tural. Segundo ela, treinar adequadamente executivos para desempenhar suas funções no exterior
não significa apenas informar-lhes a respeito da cultura específica onde irão atuar, mas também
mostrar-lhes quais as repercussões de se trabalhar numa cultura diferente.
  MORAN, Robert T. A formula for success in multicultural organizations. Review of international
11

Management, Dec. 1988. Esse assunto também é aprofundado por MORAN, Robert e HARRIS,
Phillip. Managing cultural synergy. Houston: Gulf, 1982.

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40  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

quando da entrada de uma organização multinacional em um novo ambiente:


etnocêntrica, policêntrica e geocêntrica.

Postura etnocêntrica
O etnocentrismo compreende a crença, de uma pessoa ou de um grupo, de
sua superioridade em relação aos demais. O termo é geralmente usado para de-
signar uma empresa que acredita que a maneira como ela trabalha em seu país de
origem é superior à de outros países. Assim, muitas vezes, ela adota uma postura
que ignora as diferenças culturais.

Postura policêntrica
O policentrismo implica uma postura oposta à do etnocentrismo. Parte da
ideia de que o país que hospeda a multinacional conhece melhor os procedimen-
tos e métodos mais adequados a seu ambiente. A subsidiária de uma organização
multinacional com esta postura, ao vir operar no Brasil, por exemplo, passaria a
funcionar de maneira tipicamente brasileira. Esta tendência, levada ao extremo,
poderia fazer com que o indivíduo ou a organização fossem esmagados pelas
diferenças culturais, reais e imaginárias (estereotipadas), ao irem trabalhar no
exterior. Uma empresa excessivamente preocupada com a adaptação a culturas
locais pode perder sua identidade e seus valores de origem.

Postura geocêntrica
Pode-se dizer que organizações que operam de forma semelhante nos di-
versos países onde possuem subsidiárias adotam uma postura geocêntrica. São
organizações que já atingiram alto grau de maturidade e liderança e que, apesar
de manterem seus princípios e valores básicos, buscam adaptar-se às diferenças
nacionais. A postura geocêntrica está relacionada à hipótese da convergência cul-
tural. Ela reconhece o fenômeno da globalização como algo irreversível, mas não
ignora a influência das diferenças culturais sobre os estilos de gestão.
Uma vez concluídas estas considerações iniciais, passaremos a examinar al-
gumas contribuições seminais para a construção de um sentido para o povo bra-
sileiro e, por decorrência, para as organizações brasileiras.

AS RAÍZES DO BRASIL: DE FREYRE A DAMATTA

Ao se analisarem os traços originais da cultura brasileira, os principais grupos


étnicos que a compuseram e sua miscigenação cultural, é possível compreender
muitas das características atuais das organizações no Brasil. Nesse sentido, pare-

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Cultura Organizacional Brasileira  41

ce indiscutível a importância da forma de colonização e as implicações da econo-


mia escravocrata, latifundiária e monocultora na formação da cultura brasileira.
Também a análise do mito da democracia racial, que oculta os distanciamentos
sociais originários na composição étnica, é um dado fundamental das relações
sociais e culturais presentes na sociedade e nas organizações brasileiras.

A descoberta: sexo e aventura


Para se compreender o especial caráter da colonização no Brasil é preciso
analisar as origens culturais do próprio colonizador. Nesse sentido, como des-
tacou Freyre, foi a miscibilidade um dos segredos da conquista portuguesa, que
“emprenhando mulheres e fazendo filhos, numa atividade genésica que tanto tinha
de violentamente instintiva da parte do indivíduo quanto de política, de calculada,
de estimulada por evidentes razões econômicas e políticas da parte do Estado’’,12 fez
com que Portugal dominasse enormes espaços territoriais sem a perda do desejo
original: fazer riqueza e voltar à terra natal. Como escreveu Buarque de Holanda:
“o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousa-
dia, não riqueza que custa trabalho’’.13
Ao contrário dos povos do norte europeu, o português apresentava extraor-
dinária plasticidade social e uma ausência completa, ou praticamente completa,
de qualquer orgulho de raça. Já no tempo do descobrimento do Brasil, os portu-
gueses constituíam-se num povo de mestiços. Na composição étnica portuguesa
era possível encontrar contribuições nos planos físico e cultural de cristãos novos,
mouros, árabes, berberes e africanos.
Dada a enorme dimensão territorial, o colonizador português não agiu de
forma exclusivista na exploração das terras, mas se permitiu o acréscimo do san-
gue de outros europeus, como ingleses, franceses, espanhóis, alemães, flamengos
e genoveses. Esta visão cosmopolita justifica parte da falta de base geográfica do
nacionalismo português, com exceção da terra natal, que sempre aguardava as
riquezas vindas das colônias.
Freyre analisa, como um dos elementos essenciais para se compreender o
caráter português, sua vitória cristã na África, que submeteu à escravidão mouros
e moçárabes. Assim, a tese de que a catequese jesuítica teria recebido a influên-
cia amolecedora da África pode explicar a formação de uma das mais salientes
raízes brasileiras: o princípio de que os antagonismos convivem dentro de um
equilíbrio próximo da harmonia. O rígido e o padronizado constituem dramas
sociais que por aqui não têm lugar. É algo que ficou na Europa. Como observado
por Freyre:

  FREYRE, Gilberto de Melo. Casa grande e senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
12

p. 11.
13
  HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 18.

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42  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

“... híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que


se constitui mais harmoniosamente quanto às relações de raça dentro de um
ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo de apro-
veitamento dos valores e experiência dos povos atrasados pelo adiantado; no
máximo de contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do
conquistador com a do conquistado’’.14

Este trecho de Casa grande e senzala, quase idílico, induz-nos a acreditar


que a convivência inicial teria sido tão enriquecedora para os povos em ques-
tão, que deveríamos lamentar o encontro não ter ocorrido há mais tempo.

O Estado de ultramar: nenhuma tradição, famílias poderosas


e imensas propriedades
Outro traço específico da colonização portuguesa é que ela se caracterizou
pela exploração das riquezas naturais e não pelo povoamento das terras des-
cobertas com o intuito de permanência e construção de uma nova nação. Ao
contrário do colonizador inglês na América do Norte, que trouxe a família para
nela se fixar, o português a esqueceu, pois via na ocupação das novas terras uma
missão de guerra e de conquista, adequada somente ao homem solteiro. Como
observado por Faoro: “... o inglês fundou na América uma pátria, o português um
prolongamento do estado’’.15 O português nada mais parecia pretender que parti-
cipar de uma grande aventura para tornar-se rico e nobre. Os recrutados para a
aventura foram viajantes de toda a espécie, “homens cansados de perseguições’’.16
que vinham apenas em busca de fortunas improváveis, sem imaginar criar raízes
no novo território.
Se é verdade que alguns portugueses tiveram o objetivo de aqui se fixar, de
modo geral não o fizeram com suas próprias mãos, mas a custa da exploração do
trabalho do índio e do negro. O resultado foi a sangria de riquezas do território
brasileiro: o pau-brasil, a cana-de-açúcar e o ouro. E esta riqueza, ao contrário de
gerar benefícios para os aqui residentes, quando muito alimentava a fortuna de
algumas poucas famílias poderosas.
A família patriarcal foi predominante no desenvolvimento da sociedade bra-
sileira. Sua existência relacionou-se, desde o início, ao domínio das grandes pro-
priedades, tanto na zona rural como, posteriormente, no meio urbano. O patriar-
ca era o senhor dos destinos de seus membros. O trabalho, neste contexto, era
uma atividade aviltante à dignidade e à honra. Segundo Buarque de Holanda:

14
  FREYRE, Gilberto de Melo. Op. cit. p. 128.
15
  FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1975. p. 122.
16
  HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. cit. p. 32.

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Cultura Organizacional Brasileira  43

“... a ‘inteireza’, o ‘ser’, a ‘gravidade’, o ‘termo honrado’, o ‘proceder sisudo’,


esses atributos que ornam e engrandecem o nobre escudo, na expressão do
poeta português Francisco Rodrigues Lobo, representam virtudes essencial-
mente inativas, pelas quais o indivíduo se reflete sobre si mesmo e renuncia a
modificar a face do mundo (...) o trabalho manual e mecânico visa a um fim
exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele
(...) o certo é que entre espanhóis e portugueses, a moral do trabalho sempre
representou fruto exótico (...) não admira que sempre fossem precárias, nessa
gente, as ideias de solidariedade’’.17

A independência: “mudar para que tudo fique


exatamente como é’’
Mesmo com a independência, a fisionomia geral do país manteve-se intacta.
A única alteração mais visível durante a fase imperial, sob o governo de D. Pedro
II, foi a mudança do eixo econômico, que se deslocou do Nordeste para o Sul, dos
engenhos de açúcar para as lavouras de café. Como analisou Coibisier:

“Manteve-se a discriminação entre a aristrocracia rural, a burguesia la-


tifundiária, senhora absoluta do poder econômico e político, e a escravaria
anônima, condenada ao trabalho servil. Conservou-se a estrutrura econô-
mica na base da monocultura latifundiária e escravocrata, exportadora de
matérias-primas e importadora de produtos acabados (...) Nem mesmo a
Abolição, que deveria provocar a queda do trono e a proclamação da Repúbli-
ca, alteraria essa estrutura.’’18

Raros foram os momentos nos quais os patriarcas se propuseram a aqui cons-


truir uma verdadeira nação. Bastava que seus filhos e netos tivessem vida digna
e abastada. Aos demais brasileiros, muito trabalho. Os miseráveis, no Brasil, não
surgiram repentinamente, mas aqui foram plantados e cultivados para prestarem
serventia aos proprietários.
Ribeiro fez importante comparação entre traços dos colonizadores portu-
gueses e espanhóis na América, mostrando que nem mesmo a educação básica
era permitida ao povo brasileiro até o período que antecedeu à Independência.
Quanto à formação de bacharéis, a quantidade que possuíamos era irrisória, se
comparada aos países colonizados pelos espanhóis:

“O Brasil, como colônia submetida ao mais estrito monopólio, cresceu


isolado do mundo, apenas convivendo com aquele Portugal pobre e retrógra-

17
  HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. cit. p. 10.
  COIBISIER, Roland Cavalcanti de Albuquerque. Formação e problema da cultura brasileira. Rio
18

de Janeiro: Instituto Superior de Estudos Brasileiros – Ministério da Educação e Cultura, 1960. v. 3,


p. 38 (Textos Brasileiros de Filosofia).

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44  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

do. Tão retrógrado que proibia expressamente a importação e venda de livros


e punia severamente a instalação de qualquer tipografia. Tão obscurantista
que não permitiu a criação de um sistema popular de ensino no Brasil e, me-
nos ainda, de escolas superiores, ao tempo que a Espanha mantinha cerca de
duas dezenas de universidades em suas colônias. Assim, o Brasil emerge para
a independência sem nenhuma universidade, com sua população analfabeta
e iletradas também suas classes dominantes. Em face dos 150 mil graduados
pelas universidades hispano-americanas durante o período colonial, o Brasil
contou com cerca de 2.500 graduados em Coimbra.’’19

Além de dificultar o desenvolvimento cultural da colônia, Portugal não con-


seguiu desenvolver um parque industrial próprio, mesmo tendo recolhido tantas
riquezas das terras brasileiras. Ao contrário do puritanismo inglês, que fomentou
a Revolução Industrial, a influência do catolicismo sobre o povo português pa-
rece ter construído um tipo de individualismo marcado pela negação do espírito
empreendedor.20

Colonizadores e colonizados: a busca do (des)equilíbrio


Para os diferentes grupos tribais que aqui viviam, à época do descobrimento,
o Brasil não existia. Existia somente muita terra, animais e homens livres. Os
donos originais da terra receberam, inicialmente, a denominação de índios, pois
os europeus ao chegarem à América, pensavam estar pisando as terras das Ín-
dias.21 Um dia nasceram os brasileiros, comerciantes da primeira riqueza que o
europeu levou: o pau-brasil.22
A relação entre portugueses e indígenas, de início, não foi tão conflituosa.
Os índios recebiam machados e outros instrumentos de metal em troca de seu

19
  RIBEIRO, Darcy. Teoria do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 149.
20
  Azevedo advoga a seguinte tese: “Nessa mistura singular de qualidades e defeitos que entram, em
proporções diversas, na composição do caráter brasileiro, e em que os rudes comandos da vida intervêm
como princípios de ordem, um dos elementos mais ativos é, sem dúvida, o individualismo. Ele provém
dos povos ibéricos; expandiu-se até a agressividade nas condições favoráveis que lhe oferecera a vida nos
sertões e, mais tarde, nas fronteiras do sul. Não é porém, esse individualismo de origem ibérica, criador
como o individualismo anglo-saxônico, nem possui o seu sentido e o seu conteúdo social.” AZEVEDO,
Fernando de. A cultura brasileira. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1958. p. 206.
  MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de Brasília,
21

1987. p. 19.
22
  Como descreve Francisco Alencar: “O primeiro contrato do pau-brasil foi realizado com mercado-
res portugueses e italianos, liderados pelo cristão novo Fernão de Noronha. O Estado português se com-
prometia a não mais importar o similar do Oriente, enquanto os arrendatários assumiam a exploração
anual de 300 léguas do litoral, o envio de navios às costas brasileiras e a manutenção de uma fortaleza,
além do pagamento de direitos à Coroa.” ALENCAR, Francisco et alii. História da sociedade brasileira.
3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. p. 12.

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Cultura Organizacional Brasileira  45

trabalho no corte e no transporte da madeira, o que caracterizou o escambo. O


contato sexual entre o colonizador e as mulheres nativas não tardou a crescer.
Segundo Freyre:

“O ambiente em que começou a vida brasileira foi de quase intoxicação


sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios
padres da Companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé
em carne. Muitos clérigos (...) deixaram-se contaminar pela devassidão. As
mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes
indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao euro-
peu por um pente ou um caco de espelho.’’23

Ao contrário do trabalho sedentário e regular trazido pelas culturas europeia


e africana, o índio brasileiro era nômade e arisco, acostumado ao ócio e ao lazer,
com o mínimo de esforços para a caça ou, no máximo, para a guerra. Para Freyre,
a maior contribuição indígena foi, sem dúvida, a mulher gentia,24 que possibilitou
a colonização de terra tão vasta, fazendo-se mãe, esposa e doméstica, tornando-
se a base da famíla brasileira. O homem brasileiro traz de sua origem os dramas
de uma sociedade primitiva em contato com outra civilizada que a reprimiu e
usou, mas traz também, da primeira, o totemismo e o animismo.
Durante o período colonial, o governo português, no que se refere à legisla-
ção sobre os indígenas, oscilou entre atender aos interesses dos colonos que de-
sejavam escravizar os índios e ocupar suas terras e aos esforços de missionários,
que intencionavam convertê-los ao cristianismo e fazê-los adotar os costumes dos
civilizados. Se, por um lado, os indígenas deveriam participar do povoamento
do Brasil e, por isso, serem adequadamente tratados, por outro era permitido o
combate aos índios que agissem como inimigos. Esta hipótese serviu de desculpa,
em muitos casos, para o extermínio da população indígena.25
Foi com o uso da força militar que se reduziram as resistências dos índios ao
colonizador. O português não queria compor com os indígenas uma nova civili-
zação. Como observou Faoro, “o mito edênico do selvagem não durara um século,
em seu lugar, apareceu o índio feroz, o senhor da terra, traiçoeiro e impiedoso’’.26 Os
jesuítas cumpriram o papel de catequizar o índio e convertê-lo, mais por temor
do que por amor.

23
  FREYRE, Gilberto de Melo. Op. cit. p. 60.
24
  Segundo Gilberto Freyre, isto foi possível graças a uma moral lasciva que o português havia
encontrado durante o contato que havia tido nos anos anteriores com os africanos: “Já aperfeiçoados
à poligamia pelo contato com os mouros, os portugueses encontraram na moral sexual dos ameríndios
o campo fácil para onde expandir-se aquela sua tendência, de moçárabes, nos últimos dois séculos um
tanto recalcada e agora de repente solta, para viverem com muitas mulheres.’’
25
  MELATTI, Julio Cezar. Op. cit. p. 186.
26
  FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 154.

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46  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

A intenção de tornar o nativo dócil tinha por base uma razão de fundo eco-
nômico, pois o índio constituía-se em mão de obra barata e, escravizado, seria
um dos sustentáculos da exploração inicial. O apoio da catequese jesuítica fez
do índio um “escravo com os sentimentos humildes do bom cristão, modelado pelo
missionário’’.27 A relação entre o português e o indígena foi uma relação desigual,
de dominação.
Os brasileiros conservam traços linguísticos e culturais resultantes da heran-
ça indígena.28 Por outro lado, o homem branco parece sofrer com a vida serena
e contemplativa dos indígenas que ainda não foram dizimados. Ainda hoje, a
relação entre povos indígenas e civilizados continua marcada por conflitos e
violências.
O colonizador, porém, não queria apenas homens dóceis e cristianizados,
queria escravos. O negro trazido da África, com aquiescência dos jesuítas, desem-
penharia este papel. A influência da cultura negra é outra pedra fundamental da
formação do povo brasileiro. Segundo Freyre:

“... o Brasil não se limitou a recolher a lama da gente preta que lhe fecundou
os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca (...) vieram-lhe da
África ‘donas de casa’ para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as
minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria
pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres; sacerdotes e tiradores de
reza maometanos’’.29

O negro trouxe extroversão, alegria e sociabilidade cativantes, em contraponto


ao índio, mais introvertido e ensimesmado. Contudo, como comentado anterior-
mente, a vinda do negro foi marcada pelo interesse comercial. Sendo mercadoria,
objeto de uso e meio de trabalho, o negro foi violentamente cerceado em seu po-
tencial desenvolvimento e influência. É possível distinguir a atuação do negro no
Brasil e na África, pois em seu continente de origem ele exercia plenamente sua
capacidade cultural e psíquica; era agricultor, era artífice, era criador de gado, era
técnico de mineração. Aqui, o homem da África foi trazido principalmente como
mão de obra capaz de substituir o indígena, que relutava a adaptar-se ao trabalho
sedentário e de rotina da lavoura.
Tomando por base Casa grande e senzala, Leite denuncia as péssimas con-
dições de vida do escravo negro, afirmando que o mito da democracia racial, da
intimidade da relação entre senhor de engenho e escravo, tinha nítidos limites:
“A obra de Gilberto Freyre revela uma profunda ternura pelo negro. Mas pelo negro
escravo, aquele que ‘conhecia a sua posição’ como o moleque da casa-grande, como

27
  FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 199.
  RIBEIRO, Darcy. Configurações histórico-culturais dos povos americanos. Rio de Janeiro: Civilização
28

Brasileira, 1975. p. 35.


29
  FREYRE, Gilberto. Op. cit. p. 430.

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Cultura Organizacional Brasileira  47

o saco de pancadas do menino rico, como cozinheira, como ama de leite ou mucama
da senhora moça. Nesses casos, o branco realmente não tinha preconceito contra o
negro, podia até estimá-lo.’’30
A mistura de raças aqui ocorrida não esconde a sociedade hierarquizada que
foi imposta pelo colonizador às outras etnias. Pensar um colonizador português
sem preconceitos em relação a índios e negros pode levar a ocultar a realidade.
Criou-se no Brasil o mito perverso da democracia racial, em que as pessoas se-
riam, em tese, iguais. A realidade, entretanto, revela um preconceito não assu-
mido, velado, uma forma eficiente de discriminar pessoas.31 Na verdade, a prática
discriminatória já havia sido utilizada pelos portugueses brancos e aristocráticos.
Antes mesmo de terem chegado ao Brasil, os portugueses já haviam construído
uma legislação discriminatória na qual foram vítimas mouros, judeus e negros.
Nas terras brasileiras isto apenas se ampliou. Mesmo após a Abolição da Escrava-
tura, a discriminação racial não deixou de existir, como analisou Mota:

“O colapso da Primeira República, dominada pelos estamentos senho-


riais, permitiu o início do desvendamento das relações raciais – um dos pi-
lares da organização estamental. A ‘estirpe’, o ‘sangue’, a hereditariedade
mascararam as regras de ordenação social e constituíram o ponto de partida
para o estabelecimento de critérios nas relações de dominação.’’32

O descompasso existente entre as normas e a prática social é notável, deno-


tando o tremendo formalismo jurídico brasileiro. Nossa igualdade legal esconde
ou tenta esconder nossa profunda desigualdade social e moral. Por isso mesmo,
no Brasil, todos somos iguais, mas cada um deve saber bem qual o seu lugar e não
deve atrever-se a dele sair. O que restou da escravidão não foi uma democracia
racial, apenas uma tolerância racial.
Analisando o final do Império e a Abolição da Escravatura, Prado Jr. obser-
va que:

“O último decênio do Império é de completa decomposição. Arrastado


malgré soi, ia cedendo em doses homeopáticas; mas com isto desgostava gre-
gos e troianos: uns, porque fazia de menos; outros, porque fazia de mais. A
Abolição, afinal decretada em 1888, em nada contribuiu para reforçar as
instituições vacilantes: confiança perdida dificilmente se recupera, e por isso
serviu a Abolição apenas para alienar do trono as últimas simpatias com que
ainda contava. Quando Ouro Preto pensou galvanizar o Império moribundo
com seu imenso programa de reformas, era tarde: ele já agonizava. Uma
simples passeata militar foi suficiente para lhe arrancar o último suspiro...”33

30
  LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1983. p. 311.
31
  DAMATTA, Roberto Augusto. O que faz o Brasil, Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. p. 46.
32
  MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1977. p. 61.
  PRADO JR., Caio. Evolução política no Brasil colônia e império. 16. ed. São Paulo: Brasiliense,
33

1987.

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48  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

“Você sabe com quem está falando?’’


Três formas de apresentação e representação ritual da sociedade são o Carna-
val, a Semana da Pátria e as procissões religiosas católicas. Um rito, que guarda
com os mencionados uma relação simétrica e inversa, é o “Você sabe com quem
está falando?’’, que implica sempre a separação radical entre duas posições so-
ciais. Essa maneira, pela qual uma pessoa se dirige a outra, é bastante popular
no Brasil.
O “Você sabe com quem está falando?’’ coloca-nos muito próximos das hierar-
quias sociais rígidas e muito distantes das associações espontâneas do carnaval,
do samba, da cerveja e do futebol. Todos os brasileiros sabem que esta expressão
é a negação da cordialidade, da flexibilidade. O “Você sabe com quem está falan-
do?’’ deve ser estudado em seus dois traços principais:

• o primeiro é o uso latente do termo, quase sempre percebido como re-


curso escuso à disposição da sociedade brasileira. Isto significa que o
“Você sabe com quem está falando?’’ deve ficar escondido de estrangeiros
e crianças, ao contrário da cerveja, da cordialidade e do futebol. Trata-se
de um recurso da rua, que guardamos do mundo da casa;
• o segundo refere-se a uma característica indesejável da cultura brasilei-
ra. A sociedade brasileira, como toda sociedade periférica e dependente,
tem um alto nível de conflitos. Aqui, porém, o conflito parece ser algo
indesejável e este rito autoritário parece sempre trazer uma situação
conflitiva. Simplesmente deixar de falar do “Você sabe com quem está
falando?’’ não elimina o conflito. De qualquer forma, entre a crise e o
reconhecimento da crise há um longo caminho a ser percorrido.

O “Você sabe com quem está falando?’’ remete a um debate entre a moldura
igualitária da sociedade brasileira e o sistema hierarquizante e aristocrático que
deu forma e orientou, durante séculos, as relações de senhor e escravos em nosso
país. Parece, então, que ficamos a meio caminho entre a hierarquia e a igualdade.34
Quando se distingue o mundo da casa do mundo da rua muito se pretende
dizer. Muitas metáforas e símbolos são usados para contrastar a casa com a rua.
Por exemplo, quando se diz: “Fiquei na rua da amargura’’, fala-se da solidão e da
ausência de solidariedade. A casa não é apenas um espaço que abriga iguais; a
casa é uma área espacial, onde todos que habitam estão relacionados por laços
diversos, sejam de sangue, idade, sexo, hospitalidade ou simpatia. Desta forma, é
possível fazer da casa uma metáfora da própria sociedade brasileira. Entretanto,
aqui a sociedade é concebida de forma muito específica, que nada tem de um
local de lutas e discórdias, mas que está próxima de uma espécie de santuário.

34
  DAMATTA, Roberto Augusto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.

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Cultura Organizacional Brasileira  49

Empresas pequenas e médias, estabelecimentos de ensino e outras institui-


ções são chamadas de casas. Se o local de trabalho ou até mesmo o país é chama-
do de casa, então os patrões são vistos como pais e os empregados como filhos. O
simbolismo da casa é muito amplo em nossa sociedade.35
Existe, sem dúvida, uma relação forte e permanente entre casa e rua. Festas,
cerimônias e solenidades são modos de relacionar conjuntos separados. Rituais
servem sempre à unificação geral do sistema e têm caráter inclusivo. O sistema
ético pode ser duplo ou mesmo triplo, mas os rituais servem para criar uma ética
única numa sociedade dividida.36
Para o psicanalista Contardo Calligaris,37 o modo brasileiro de lidar com toda
instância simbólica é o cinismo. Isto se deve, segundo ele, à decepção do colono
para com a autoridade, que poderia ter dado legitimidade a seu sonho. A busca
de uma filiação é contínua, e chama a atenção que esta função paterna seja me-
dida pelo gozo que promete e permite e não pelo prazer que limita ou proíbe. O
pai que não consegue se enriquecer, como era de se esperar, por não ter aprovei-
tado todas as suas oportunidades, parece ser desconsiderado por toda a família.
Respeito, dignidade e honestidade parecem não contar muito.

A ambiguidade do jeitinho brasileiro


Outro aspecto das relações sociais brasileiras é o jeitinho, uma estratégia para
suavizar as formas impessoais que regem as relações pessoais. O jeitinho vai além
das formas abstratas e universais, tornando as pessoas mais iguais. O conceito
pode adquirir dois significados básicos, em função de seu emprego:

• primeiro, o jeitinho pode significar favorecimento ou apadrinhamento


por parte de governantes, políticos, proprietários ou dirigentes de em-
presa, causando a ira daqueles que não conseguiram obter o mesmo
privilégio. Neste sentido, o jeitinho é sempre visto como exemplo vergo-
nhoso de uma exceção incabível. A corrupção é sempre o pior exemplo
de jeitinho, como forma de espoliação do patrimônio público ou privado
pelas mãos de aproveitadores;
• segundo, porém, o jeitinho pode ser visto como uma espécie de símbolo
de esperança num mundo onde a rigidez é a norma. O jeitinho pode ser
considerado, assim, uma forma de sobreviver ao quotidiano, um verda-
deiro recurso de resistência cultural. Desta forma, leis, regras e normas
que parecem absurdas e distâncias sociais enormes podem ser superadas
pelo jeitinho.

  É interessante notar que dois dos mais importantes livros sobre a cultura brasileira são Casa
35

grande e senzala e Sobrados e mocambos, ambos de Gilberto Freyre.


36
  DAMATTA, Roberto Augusto. A casa e a rua. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
37
  CALLIGARIS, Contardo. Hello Brasil. São Paulo: Escura, 1991.

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50  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Taxas e impostos abusivos podem ser impostos pela lei aos contribuintes. To-
davia, com frequência, a lei não leva em conta a desigualdade do universo social
destes contribuintes. Daí muitos cidadãos procurarem as autoridades e pergun-
tarem: “o senhor não pode dar um jeitinho?’’. Este pedido é geralmente feito com
voz suave, visando reduzir a gravidade do conteúdo e arrebatar a simpatia do
interlocutor para a causa do solicitante.
De um lado, o jeitinho é uma busca de conciliação, de saída amistosa. Por
outro pode ser um sintoma de que não temos leis, regras e normas adequadas a
nossa sociedade. Assim, como coloca DaMatta, no Brasil não há simplesmente o
pode e o não pode, há também o jeito ou jeitinho.38 Lívia Barbosa contribui para
o tema, afirmando que:

“... ele (o jeitinho) promove, dependendo de onde o utilizo, homogeneizações


positivas e negativas de nosso universo social, sem nunca impor escolhas ex-
cludentes e definitivas. Muito pelo contrário ele sempre promove opções par-
ciais, definições específicas. Usamo-lo tanto como símbolo de nossa desordem
institucional, incompetência, ineficiência e da pouca presença do cidadão no
nosso universo social, louvando, assim, o nosso ‘atual, moderno e irreversí-
vel’ compromisso com a ideologia individualista, ou como emblema de nossa
cordialidade, espírito matreiro, conciliador, criativo, caloroso, reafirmando o
nosso eterno casamento com uma visão de mundo relacional’’.39

A palavra jeitinho é usada no diminutivo para revelar intimidade e simpatia.


Do ponto de vista cultural, o jeitinho é considerado legítimo para resolver situa-
ções aparentemente insolúveis. O jeitinho, com frequência, envolve um lado flexí-
vel, engenhoso e criativo do povo brasileiro.
Uma vez examinadas as contribuições destes autores clássicos, procurare-
mos, na seção seguinte, construir as ligações entre estas contribuições e alguns
traços culturais comuns em organizações brasileiras. Isto se dará a partir da me-
todologia desenvolvida pelo estudioso de cultura organizacional Geert Hofstede.

HOFSTEDE VISITA CASA GRANDE E SENZALA

Entre os trabalhos que buscaram caracterizar traços de cultura de acordo


com as nacionalidades e compreender como tais traços influenciam a cultura das
organizações, a pesquisa conduzida por Hofstede40 permanece uma referência

38
  DAMATTA, Roberto Augusto. Op. cit. p. 100.
39
  BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 137.
  HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work-related values.
40

Op. cit.

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Cultura Organizacional Brasileira  51

obrigatória. Num estudo de quase 15 anos, o autor levantou características cul-


turais em 40 subsidiárias, espalhadas pelo mundo, de uma mesma corporação.
Hofstede partiu do pressuposto de que as características nacionais e regio-
nais não tendem a convergir para um mesmo ponto e que, por isso, elas devem
ser consideradas relevantes em qualquer estudo ou prática organizacional. Seu
trabalho busca analisar as diferenças culturais a partir de parâmetros compara-
tivos comuns.41

O modelo das quatro dimensões de Hofstede


Para melhor compreensão e padronização das diferenças culturais, Hofstede
propôs um esquema que classifica as culturas em função de quatro dimensões:

• distância do poder;
• precaução contra incertezas;
• individualismo versus coletivismo; e
• masculinidade versus feminilidade.

No presente trabalho, utilizaremos as três primeiras dimensões na discussão


dos traços de uma possível cultura organizacional brasileira.42

Distância do poder
Define-se distância do poder a partir das desigualdades que ocorrem em ter-
mos de prestígio social, riqueza e poder. As desigualdades dentro de qualquer or-
ganização são inevitáveis e, muitas vezes, funcionais – explicitadas em parte pela
hierarquia organizacional. O que varia é o grau e a forma como o poder é distri-
buído. Essas diferenças podem ser identificadas a partir da análise dos estilos de
liderança, dos processos decisórios e da relação entre chefes e subordinados.
Em países que apresentam baixa distância do poder, os processos decisórios
tendem a ser mais participativos e existe maior nível de cooperação entre chefes
e subordinados. Em países que apresentam alta distância do poder, atitudes au-

41
  HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Op. cit. O levantamento
feito por Hofstede é passível de críticas. O próprio autor coloca que afirmações sobre culturas ou
características nacionais podem soar como superficialidades e falsas generalizações principalmente
por não haver uma linguagem geralmente aceita para descrever uma coisa tão complexa como cul-
tura. Acreditamos, porém, que estas colocações não sejam críticas para o atendimento dos objetivos
deste trabalho.
  A dimensão masculinidade versus feminilidade não será discutida em função da redundância
42

dos traços que a compõem dentro do foco explorado por este trabalho.

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52  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

toritárias são norma, dirigentes tendem a tomar decisões de forma autocrática e


paternalista e existe menor percepção da ética do trabalho, havendo crença gene-
ralizada de que as pessoas desgostam de suas atividades profissionais.
A Figura 3.1 mostra alguns resultados do estudo conduzido por Hofstede:

+ Dinamarca + Suécia + Estados Unidos           + Japão + Brasil + Índia


baixa                              alta

Figura 3.1  Distância do poder.

Os resultados indicam, por exemplo, que o ambiente dinamarquês apresenta


condições claramente mais propícias para lideranças mais democráticas e maior
participação nos processos decisórios que o contexto brasileiro.
A questão que devemos, então, colocar é a seguinte: que elementos his-
tóricos de nossa formação como povo estariam ligados à origem destes traços
culturais? Um dos fatores mais importantes foi, sem dúvida, o modelo colonial
aqui utilizado. A monocultura apoiada na escravidão, em que o proprietário
era, além de senhor das terras, também o senhor de todos os homens residentes
em seus domínios, deu origem a uma estrutura social baseada na desigualdade
e na grande distância do poder. Esta estrutura, de fato, nunca sofreu ruptura.
O senhor de engenho deu lugar ao cafeicultor que, por sua vez, deu lugar ao
grande industrial.
Em muitas organizações brasileiras parece haver mesmo acomodação a um
status quo baseado em grandes diferenças sociais. Enquanto, no ambiente or-
ganizacional dinamarquês ou sueco, participar em processos decisórios é, para
os operários, um direito e um dever, no contexto brasileiro a possibilidade de
participar aparece como um ato de benevolência por parte do chefe ou patrão.
Não raro, a possibilidade de ter de trabalhar com maior nível de responsabilida-
de e autonomia constitui-se um incômodo ou estorvo para o operário brasileiro.
Mesmo empresas que recentemente passaram por processos de modernização do
modelo de gestão, fundamentados em princípios de racionalidade administrati-
va, continuam apresentando forte apartamento entre grupos hierárquicos.
No Brasil, o mito da igualdade encobre enormes diferenças sociais e ajuda a
perpetuá-las. Uma expressão reveladora do traço de alta distância do poder entre
nós é: “Você sabe com quem está falando?’’, analisada na seção anterior. Própria do
mundo da rua, é geralmente empregada para tornar clara uma diferença de nível
ou status social. Parece significativo que, nos Estados Unidos, país caracterizado
como de baixa distância do poder, uma expressão popular seja. “Quem você pensa
que é?’’ Ao contrário da frase anterior, esta última recoloca o interlocutor que
ultrapassou o sinal vermelho de volta a sua condição de igual.

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Cultura Organizacional Brasileira  53

Prevenção à incerteza
Situações de incerteza tendem a gerar ansiedade nas pessoas. Diante da pers-
pectiva de que o futuro é, em maior ou menor grau, incerto, as sociedades hu-
manas têm desenvolvido variadas formas de lidar com a incerteza. Essas formas
pertencem às heranças culturais das sociedades e são transferidas e reforçadas
por instituições como a família, a escola e o Estado.
O conceito de incerteza é de grande importância para o estudo do comporta-
mento das organizações. Um reflexo disso é a atenção recebida nos últimos anos,
dentro dos Estudos Organizacionais, pelas chamadas variáveis ambientais. Essas
variáveis representam, afinal, o que está, por pressuposto, fora do controle das
organizações.
Organizações empregam tecnologia, normas, cerimônias e rituais para, su-
postamente, aumentar a previsibilidade do futuro. Maior o desejo de controlar
as influências externas, maior a tendência de gerar regulamentos e normas para
garantir o controle.43 Estes artefatos não tornam a realidade mais previsível, mas
ajudam a aliviar pressões, criando pseudocertezas. É o caso de parte considerável
dos sistemas de planejamento e controle.
Países com baixa prevenção à incerteza são caracterizados por baixos níveis
de ansiedade da população, menos stress no trabalho, menor resistência a mu-
danças e maior capacidade para assumir riscos nos negócios. Países com alta
prevenção à incerteza, por sua vez, apresentam alto nível de preocupação com o
futuro, mais stress no trabalho, forte resistência a mudanças e medo do fracasso
nos negócios.
A Figura 3.2 inclui o Brasil entre as nações com alta prevenção à incerteza.
Esta característica, combinada com alta distância do poder, parece relacionar-se
a sociedades onde as relações pessoais e os processos de trabalho são fortemente
guiados por estruturas burocráticas, por tradições, por normas e leis.

+ Dinamarca + Índia + Estados Unidos            + Alemanha + Brasil + Japão


baixa                                    alta

Figura 3.2  Prevenção à incerteza.

No caso brasileiro, porém, a burocracia convive com um ritual de nosso quo-


tidiano, o já mencionado jeitinho brasileiro.44 No Brasil – um país onde as relações

43
  PERROW, C. Complex organizations: a critical essay. Glenview: Foresman, 1972.
44
  DaMatta examina como a burocracia (do tipo puro, patrimonial ou tropicalizada) interage com o
país do carnaval. DAMATTA, Roberto Augusto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia
do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. Ver também VIEIRA, C. A.; COSTA, F. L.;
BARBOSA, L. O. O jeitinho brasileiro como um recurso de poder. Revista de Administração Pública,
v. 16, n. 2, abr./jul. 1982.

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54  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

pessoais são extremamente valorizadas – a burocracia – um sistema fundado na


impessoalidade – acaba assumindo as cores locais. O sistema é permeado por am-
biguidades: de um lado, existe o conjunto de relações pessoais estruturais, sem as
quais ninguém pode existir como ser humano completo; de outro, há um sistema
legal formal moldado no direito individual e sustentado na ideologia burguesa.
Aqui, novamente, devemos colocar a questão: que elementos históricos de
nossa formação como povo estariam ligados à origem deste traço cultural? Não
é difícil verificar que, na História do Brasil, as instâncias formais precederam à
formação social. Como observou DaMatta, aqui tivemos o Estado antes do povo,
a Fazenda Pública antes da receita ou fato gerador e o Judiciário antes das cau-
sas que justificassem sua existência. O existir de direito parece sempre vir antes e
ser superior ao existir de fato. E o trânsito entre o país de fato e o país de direito
não é feito livremente. Com o tempo, demos origem a toda sorte de mediadores.
Tornamo-nos um país dos intermediários e despachantes.
Outro traço interessante de se analisar sob o prisma histórico é a pouca pro-
pensão a mudanças e a falta de espírito empreendedor. A ousadia do colonizador
parece ter sido diluída ou anulada pela convivência com os demais grupos étnicos
ao ritmo ditado pelo ambiente tropical. Uma herança marcante é a atitude con-
templativa e introspectiva dos índios, um ficar alheio do meio, ensimesmado num
mundo impenetrável. É claro que alguns surtos desenvolvimentistas ocorreram,
mas sempre ligados a setores específicos da sociedade, como a burguesia urba-
na emergente dos anos 50 e 60 ou os militares dos anos 70. Estes surtos nunca
atingiram parte significativa da população, a não ser empregando-a como mão de
obra mal remunerada. Outro fator a ser considerado é a influência da educação
católica, marcada pela pregação da obediência e da conformidade.

Individualismo versus coletivismo


Essa terceira dimensão de cultura procura descrever o relacionamento entre
o indivíduo e a coletividade. O nível de individualismo – ou, inversamente, de
coletivismo – é reflexo de como as pessoas vivem juntas (tribos clãs, núcleos fa-
miliares etc.). Mesmo considerando que, na maioria das sociedades modernas, as
pessoas ainda se agregam em grupos familiares, o grau de ligação que o indiví-
duo mantém com sua família varia amplamente de uma cultura para outra.45
Países com alto grau de individualismo são caracterizados por maior indepen-
dência emocional do empregado em relação à empresa, preferência por processos
decisórios focados no indivíduo e estímulo à iniciativa dos membros da organi-
zação. Países com alto grau de coletivismo, por sua vez, são caracterizados por

  Há algumas sociedades nas quais se consideram todos os parentes (avós, tios, primos etc.) como
45

pertencentes à família; em outras, o critério restringe-se apenas aos elementos do núcleo familiar
(pai, mãe e filhos).

5577.indb 54 20/06/2011 15:51:48


Cultura Organizacional Brasileira  55

maior dependência moral dos empregados em relação à empresa, maior preocu-


pação – por parte dos dirigentes – com a regularidade e a conformidade, pouco
estímulo a iniciativas inovadoras e valorização de processos decisórios grupais.46
Em qualquer sociedade, o grau de individualismo ou coletivismo de seus
membros afeta fortemente o relacionamento entre o indivíduo e a organização
à qual ele pertence. Uma das questões perenes na teoria administrativa é a con-
vergência entre os interesses individuais e os objetivos organizacionais. Enquanto
que nas sociedades mais coletivistas o indivíduo considera seu objetivo o objetivo
do grupo, nas sociedades mais individualistas os objetivos individuais e organiza-
cionais tendem a ser conflitantes.
+ Estados Unidos + Itália + Alemanha            + J apão + Brasil + México
baixa                             alta

Figura 3.3  Individualismo versus coletivismo.

A Figura 3.3 mostra o Brasil como um país com alto grau de coletivismo.
Aqui devemos uma vez mais colocar a questão: que elementos históricos de
nossa formação como povo estariam ligados à origem destes traços culturais?
Quanto à dependência moral dos empregados em relação à empresa, não parece
haver dúvida de que se origina do modelo colonial, das casas grandes e senzalas
dos engenhos de açúcar. Aqui, a empresa seria, de alguma forma, uma extensão,
uma síntese destas duas. Conteria, ao mesmo tempo, a camaradagem entre os
colegas – própria da relação entre iguais – e a relação de subordinação com o
chefe ou patrão – a mão que alimenta, provém sustento e, ao mesmo tempo,
subordina e castiga. De qualquer forma, as mudanças contemporâneas parecem
estar abalando consideravelmente este vínculo, tendendo a transformá-lo numa
relação mais profissional, ainda que a forte herança anterior deva permanecer
um traço importante.
Outro traço a analisar é a preferência por processos consensuais. Numa socie-
dade avessa ao conflito e ao enfrentamento explícito, o estar bem com os demais
é essencial à manutenção do equilíbrio. No Brasil, os processos decisórios são
intrincados e coletivos, ainda que este coletivismo se dê entre membros de uma
mesma classe e seja marcado por ambiguidades. Nossa noção de solidariedade é
precária e parece envolver somente os muito próximos. Não chegamos a concluir
o caminho que leva à noção de cidadania e bem comum.
É importante observar que os pontos aqui vistos obviamente não esgotam as
possibilidades de análise ou mesmo os traços culturais mais importantes. Na se-
ção seguinte, revisaremos o percurso trilhado e discutiremos limitações do estudo
e possibilidades de desdobramentos.

  Hofstede observa que, apesar de não se constituir regra geral, países com alta distância de
46

poder tendem a também apresentar altos níveis de coletivismo. HOFSTEDE, Geert. Culture’s conse-
quences: international differences in work-related values. Op. cit.

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56  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

CONCLUSÃO
Síntese
No início do capítulo, vimos como o tema da cultura organizacional ganhou
as luzes da fama a partir do vínculo estabelecido entre certos traços culturais e
sucesso empresarial. Discutimos, então, como a tentativa de transposição destes
traços – apoiada numa superada visão etnocêntrica – poderia constituir-se numa
solução simplista. Como alternativa, propusemos o conceito de alteridade, ou
seja, que o estudioso da cultura organizacional deve alimentar-se de um forte
relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por
seu contexto de origem.
Em seguida, discutimos os conceitos de convergência versus divergência cul-
tural e de administração intercultural. O ponto a ressaltar é que a gestão de
organizações hoje passa obrigatoriamente pela compreensão dos contextos so-
ciais e culturais. O meio ambiente não pode mais ser considerado algo externo
às organizações. Sua influência é nítida nos valores, atitudes e comportamentos
das pessoas que as compõem e tem reflexos nos processos decisórios e nas for-
mas de gestão.
Visando explorar a contribuição de alguns autores obrigatórios para a com-
preensão da formação social e cultural brasileira, na seção seguinte detivemo-nos
em algumas de suas obras mais importantes, delas retirando as formulações que
mais nos auxiliassem a entender o universo organizacional de nosso país. Num
percurso que não obedeceu a uma cronologia histórica rígida, buscamos recupe-
rar questões relacionadas à forma de colonização, à formação da sociedade e à
herança cultural de várias etnias que compuseram o povo brasileiro. Encerramos
a seção analisando duas importantes entidades do universo social brasileiro: o
“você sabe com quem está falando?’’ e o jeitinho.
O passo seguinte foi tentar elaborar, a partir de elementos tomados do trabalho
de Geert Hofstede, alguns conceitos acerca de traços culturais comuns a organiza-
ções brasileiras. Tomamos, então, três dimensões elaboradas pelo autor – distância
do poder, prevenção à incerteza e individualismo versus coletivismo – e as utiliza-
mos para buscar melhor elucidar o que seria uma cultura organizacional brasileira.
Neste trajeto, procuramos dar um passo além, propondo-nos estabelecer vínculos
entre elementos da formação do povo brasileiro, vistos na seção anterior, e traços
da cultura organizacional brasileira.
Cabe, agora, fazer alguns comentários de ordem geral sobre o percurso. Algo
que nos parece central é que qualquer tentativa de compreensão do universo
organizacional brasileiro, por este estar relacionado ao contexto atual e histórico
do país, deve considerar os seguintes aspectos:

• primeiro, que o sistema social brasileiro é dividido e equilibrado por


entidades e instâncias peculiares – como o jeitinho – aqui criadas e que,

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Cultura Organizacional Brasileira  57

ao mesmo tempo que tornam o convívio com paradoxos suportável tam-


bém impede, ou dificulta, transformações mais profundas;
• segundo, que a pluralidade é um dos aspectos mais essenciais da cultura
brasileira e, portanto, do universo das organizações aqui presentes. Qual-
quer abordagem que não leve em conta as importantes diferenças e pe-
culiaridades dentro deste universo pode cair em perigoso reducionismo;
• terceiro, que ambiguidade e paradoxos marcam nossa sociedade e or-
ganizações. Como nação, não chegamos a sofrer a influência homoge-
neizadora do racionalismo na profundidade que os europeus e norte-
americanos sofreram. Nossa história é marcada pela multiplicidade e
amálgama de influências de diferentes fontes, num constante movimen-
to geológico que se dá, simultaneamente, na superfície e nos níveis mais
profundos, numa dinâmica de múltiplas interações;
• quarto, que somente uma leitura complexa pode gerar análises consis-
tentes desta realidade. Relações de causalidade simples devem ser des-
cartadas.

Limitações do trabalho
Não temos dúvidas de que a tarefa que nos propusemos neste trabalho, de
estabelecer ligações entre traços culturais básicos e características de uma cultura
organizacional brasileira, supera em muito as possibilidades de um artigo ou um
capítulo de livro. De fato, uma análise sistemática destas complexas correlações
exigiria considerável esforço de pesquisa para o qual, esperamos, alguns leitores
se motivem a contribuir.
Outra limitação a ser considerada, de caráter metodológico, é a própria ca-
racterística das categorias propostas por Hofstede, aqui adotadas. Embora, sem
dúvida, as dimensões propostas por aquele autor propiciem valiosas elaborações
conceituais, não há como negar que as formulações mais amplas, empreendidas
pelos autores brasileiros, possam resultar em análises mais ricas sobre a realidade
de nossas organizações.

Possibilidades para futuros estudos


Neste ponto do trabalho, gostaríamos de mencionar algumas alternativas
para desdobramentos deste estudo:

• a primeira possibilidade seria aprofundar algumas das dimensões estu-


dadas, procurando explorar em maior nível de detalhe as ligações entre
referencial histórico, cultura nacional e cultura organizacional;

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58  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• outra possibilidade seria a análise de casos práticos de organizações bra-


sileiras, utilizando a bibliografia aqui proposta como referencial teórico;
• uma terceira alternativa seria analisar a enorme diversidade de com-
portamentos entre organizações brasileiras, procurando enfocar como
cada sistema organizacional reflete de forma diferente as diversas e, por
vezes, contraditórias, influências do meio social;
• finalmente, uma quarta possibilidade seria analisar o conflito entre nos-
sos traços culturais mais marcantes e as tentativas de implantar meto-
dologias mais modernas de gestão, cuja premissa geralmente está numa
visão etnocêntrica.

Concluindo, consideramos oportuno reafirmar nossa crença na importância


desta via de análise da cultura organizacional e nossa expectativa de que novos
trabalhos sejam realizados com o objetivo de aprofundar o nível de compreensão
do universo organizacional brasileiro.

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4

Estética Organizacional
Thomaz Wood Jr., Paula Csillag
   “Nossos olhos foram reduzidos a instrumentos para iden-
tificar e para medir; daí nós sofremos de uma carência de
ideias traduzíveis em imagens e de uma capacidade de desco-
brir significado no que vemos.”
    (Rudolf Arnheim)

APRESENTAÇÃO
Empresas vivem sob a égide da racionalidade. Se pedirmos a um executivo
que descreva a organização na qual trabalha, boa chance há de sermos brindados
com cifras, números, diagramas e organogramas. Ainda que o ideal burocrático
weberiano somente seja observado na prática em formas incompletas ou perver-
tidas, tal modelo e suas evoluções (ditas pós-burocráticas) constituem loci privi-
legiados da instrumentalidade.
Essa condição encontra um espelho de pouca distorção no campo de estudos
organizacionais, onde a corrente funcionalista-positivista ainda é dominante. Por
isso, quem apresentar conceitos de estética a acadêmicos e empresários correrá
o risco de ser mal compreendido ou de não ser levado a sério. De fato, apesar de
iniciativas para trazer o termo estética ao mundo empresarial, permanece uma
aura de exotismo e hermetismo.
Por outro lado, alguns pesquisadores vêm-se apropriando de conceitos re-
lacionados a estética e aplicando-os à compreensão de fenômenos organizacio-
nais (eg. Gagliardi, 1990; 1996, 1999; Gherardi, 1999; Ottonsmeyer, 1996; Pelzer,
1995; Strati, 1992; 1999). Nesse ensaio introdutório, afiliamo-nos a essa cor-
rente e propomos a percepção estético-visual como recurso para a apreensão e
compreensão de fenômenos organizacionais.

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60  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Este capítulo está organizado da seguinte forma: na próxima seção, introdu-


zimos o conceito de estética e de experiência visual; na seção seguinte, apresenta-
mos os argumentos de autores do campo de estudos organizacionais para a apre-
ciação estética das organizações; na seção posterior, assinalamos três exemplos
de apreciação estética do mundo da organização e do trabalho; e na última seção,
concluímos nosso trabalho apresentando a proposta da ensaísta norte-americana
Susan Sontag sobre a unificação das sensibilidades estética e científica.

ESTÉTICA E PENSAMENTO VISUAL


Origens do conceito

Estética é usualmente definida como o ramo da filosofia que estuda a arte


e os valores artísticos, relacionando-se com a essência e a percepção da beleza.
De fato, a estética é usualmente associada à percepção do belo, mas não lhe é
exclusiva.
Além da filosofia, o conceito de estética estende-se hoje a múltiplos campos
de conhecimento, como as artes, a psicologia, a arquitetura e o design. Críticos
de arte geralmente utilizam o conceito para analisar determinadas manifestações
artísticas – peças de teatro, pinturas ou instalações –, enquanto que psicólogos es-
tudam como as emoções humanas são condicionadas ou condicionam as reações
às obras (ver Sanderlands e Buckner, 1989).
Mas o conceito pode ser aplicado de outras formas. Quando um corpo de
ideias constitui uma abordagem a determinado fenômeno artístico, pode ser de-
nominada como “uma estética”. Glauber Rocha, na década de sessenta, cunhou o
termo “estética da fome”. A fome em questão relaciona-se tanto ao sentido literal
da palavra, referindo à situação social catastrófica do País, quanto a uma outra
fome: de saber, de viver e de experimentar (Wood, 1999).
A origem do conceito estética vem da Grécia Antiga e relacionava-se às ma-
nifestações artísticas. Para Platão, a realidade era formada por arquétipos que
moldavam as experiências humanas, que se constituíam em imitações dessas for-
mas fundamentais. Enquanto o filósofo buscava compreender a relação entre a
imitação e a realidade, os artistas procuravam reproduzir a experiência humana.
Seu trabalho era, aos olhos de Platão, uma imitação da imitação (Danto, 1993).
Embora Aristóteles também visse a arte como uma forma de imitação, ele
acreditava que a arte complementava a natureza, constituindo uma representa-
ção particular do todo universal. Para Aristóteles, a arte afetava a formação do
caráter humano e a própria ordem política. Tanto para Platão quanto para Aris-
tóteles, a estética era inseparável da moral e da política.

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Estética Organizacional  61

Para os filósofos antigos, os momentos mais nobres da existência eram mís-


ticos e transcendentes, relacionando-se à união do indivíduo com o todo, do hu-
mano com o divino. Nesse sentido, a experiência estética era mística, pois o indi-
víduo transcende a si mesmo quando contempla o objeto estético.

A estética secularizada

Até a Idade Média, a arte permaneceu como uma expressão da religião. A


partir da Renascença, porém, a arte foi tornando-se mais secular. Na Era Moder-
na, o conceito é marcado pela formulação de Kant, que ligou a ideia de beleza à
satisfação de um desejo desinteressado, não ligado a usos, necessidades ou inte-
resses específicos. O pressuposto definido pelo filósofo alemão é que a beleza é
universal e existe na estrutura da mente de cada um (Danto, 1993).
Para Hegel, a arte, a religião e a filosofia eram as bases do desenvolvimento
do espírito humano. A beleza natural seria tudo que o espírito humano necessita
para o exercício da liberdade espiritual e intelectual. Assim, o objetivo da arte é
reorganizar os objetos naturais para satisfazer às demandas estéticas.
Schopenhauer, como Platão, acreditava que as formas fundamentais do uni-
verso existem além do mundo da experiência e que a satisfação estética é atendi-
da pela sua contemplação. Tal exercício seria o caminho para escapar da tragédia
do dia a dia. Também para Nietzsche, somente a arte é capaz de confrontar a
tragédia da existência, podendo transformar qualquer experiência em beleza.
Durante o século XIX, as artes foram dominadas pela ideia de imitação da na-
tureza. As obras de arte eram vistas tanto como expressão da beleza como objetos
úteis, capazes de encorajar a moralidade e inspirar sentimentos superiores. Uma
reversão dessa tendência pode ser observada a partir do final século XIX, quando
movimentos de avant-garde passaram a questionar essa visão. Isso se manifesta
claramente na pintura dos impressionistas e pós-impressionistas, e remete à no-
ção kantiana da arte como um fenômeno em si mesmo, que viria a caracterizar os
movimentos artísticos do século XX.
Contemporaneamente, a arte e a ciência se dissociaram e se institucionaliza-
ram. O francês Henri Bergson definiu a ciência como o uso da inteligência para
criar um sistema de símbolos que supostamente descreveria a realidade, mas que
na verdade a falsifica. A arte, por outro lado, é baseada na apreensão da realida-
de sem intermediação do pensamento.
Dewey, o influente pensador americano, via a experiência humana como es-
sencialmente fragmentada e regida para o atendimento de determinados fins. A
experiência estética, entretanto, completa e autocontida, não teria esse caráter
instrumental, e representaria um prazer em si mesma.

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62  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Pensamento visual
Ao falarmos em contemplação de um objeto, em percepção e na tensão que
traz vida ao processo perceptivo, remetemo-nos invariavelmente ao conceito de
linguagem visual e percepção visual.
Segundo Arnheim (1997 [1954]), longe de ser um registro mecânico de ele-
mentos sensórios, a visão constitui uma apreensão verdadeiramente criadora da
realidade: imaginativa, inventiva e perspicaz. Os mesmos princípios atuam nas
várias capacidades mentais porque a mente sempre funciona como um todo. Toda
percepção é também pensamento, todo raciocínio é também intuição e toda a ob-
servação é também invenção. A capacidade de relacionar-se artisticamente com a
vida é uma possibilidade que têm todas as pessoas que possuem um par de olhos.
Arnheim argumenta que os seres humanos, ao longo de seu desenvolvimento
histórico, têm negligenciado o dom de compreender as coisas através de seus
sentidos. Por isso, o autor defende a ideia da riqueza interpretativa proveniente
de fontes sensoriais e perceptivas, presentes nos fatos visuais.
Para Kepes (1995 [1944]), a linguagem da visão determina a estrutura da
nossa consciência de forma mais sutil e ampla do que a linguagem verbal. O autor
apresenta uma gramática e uma sintaxe da visão; ou seja: as inter-relações de
quais forças do sistema nervoso humano e do mundo exterior produzem quais
tensões visuais e soluções para tensões; quais combinações de elementos visuais
resultam em quais novas organizações de sentimentos; e quais afirmações vi-
suais podem ser feitas com linhas, cores, formas, texturas e arranjos.
Bonowski (1978) descreve a experiência estética como uma jornada de desco-
berta – como um ato da mente no qual uma pessoa passa a conhecer de maneira
mais rica ou profunda algum aspecto ou essência da vida. Maslow (1971), por
sua vez, chama a atenção ao aspecto peculiar e quase paradoxal da “anti-auto-
consciência”, notando que a experiência estética desaparece com qualquer tenta-
tiva de enquadrá-la para inspeção.
Urmson (1962) e Sandelands e Buckner (1989) buscam caracterizar a expe-
riência estética. Urmson (1962) identifica a experiência estética de acordo com
alguns critérios de valores, tais como harmonia, equilíbrio e integridade. San-
delands e Buckner (1989) descrevem quatro características que contemplam a
experiência estética: fronteiras que separam o objeto das demandas do mundo
real, permitindo a percepção navegar à beira da consciência: tensão que traz vida
ao processo perceptivo demandando uma solução do observador; uma maneira
de proceder em direção a uma solução; e uma possibilidade não resolvida que
desafia o observador a encontrar uma solução, talvez uma nova solução a cada
vez que contempla o objeto. Os autores defendem ainda que as propriedades das
obras de arte não causam a experiência estética, mas apresentam as condições
para sua aparição. É necessário que o observador esteja interessado em ver o
objeto dessa maneira.

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Estética Organizacional  63

ESTÉTICA COMO METÁFORA EPISTEMOLÓGICA


Nas publicações que procuram associar estética e vida organizacional ou es-
tética e estudos organizacionais, geralmente o conceito estética é tomado como
uma metáfora epistemológica, uma forma de apreensão da realidade diferente
daquelas baseadas em métodos analíticos, que constituem a base do que acostu-
mamo-nos a denominar conhecimento científico.
Falar sobre estética organizacional poderia, portanto, levar a um certo estra-
nhamento, pois as organizações seriam, como observado no início deste texto, o
coroamento da racionalidade instrumental: sistemas sociais utilitários, baseados
na interação racional entre os atores envolvidos.
Ocorre que esse “mundo perfeito” só existe nos discursos reducionistas e sim-
plistas. Resta o mundo real, povoado por formas, sentimentos, cores e cheiros,
impenetrável pela estatística e por modelos matemáticos. Daí surge a estética,
como recurso poderoso para perceber alguns “mistérios” da vida organizacional.
Apesar de constituir corrente minoritária em estudos organizacionais, os si-
nais do vigor dessa abordagem podem ser observados pela promoção de eventos
e por edições especiais de periódicos acadêmicos. O terceiro encontro da Stan-
ding Conference on Organizational Symbolism (SCOS), promovida em Milão,
em 1987, teve como tema “The Symbolics of Corporate Artifacts” e atraiu diver-
sos trabalhos permeados pelo conceito de estética (ver coletânea coordenada
por Gagliardi, 1990). Em 1992, uma edição especial da Academy of Management
Review foi totalmente dedicada ao tema estética, o que é surpreendente, em fun-
ção de sua orientação funcionalista e sua associação com a corrente dominan-
te norte-americana. Três anos mais tarde, em 1995, um encontro com o título
de “The Aesthetics of Organization”, promovido pelo Bolton Institute no Reino
Unido, reuniu pesquisadores interessados no tema. Finalmente, em 1999, a pu-
blicação em inglês de Organization and Aesthetics, pelo italiano Antonio Strati
(1999), um membro fundador da SCOS, voltou a promover a percepção estética
como poderosa lente para a compreensão de organizações complexas.
Como mencionamos no início desta seção, autores que associam estética e
organizações ou estética e estudos organizacionais geralmente tomam estética
como uma metáfora epistemológica (ver Peltzer, 1995; Strati, 1992; 1999).
O pressuposto da maioria dos autores – implícito ou explícito – é que o avan-
ço do “projeto modernista”, a crescente especialização e fragmentação na esfera
social e a institucionalização das ciências e das artes levaram à destruição de uma
unidade original das ciências, da ética e da estética. Cumpre aos pensadores e
pesquisadores recuperar essa unidade perdida.
Segundo Strati (1999:2-3):

“A estética na vida organizacional (...), relaciona-se a uma forma de co-


nhecimento humano; e especificamente o conhecimento representado pelas

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faculdades da audição, visão, toque, olfato e paladar, e pela capacidade de


julgamento estético. A última é a faculdade utilizada para avaliar se algo
é prazeiroso ou, alternativamente, se é adequado ao nosso gosto ou, ainda,
se nos ‘envolve’ ou nos é indiferente ou mesmo repelente. Entender a estética
no dia a dia da vida organizacional requer que se considerem os elementos
não humanos (...), junto com os elementos humanos (...) O tema de ligação
do livro (Organization and Aesthetics), de fato, é que é possível ter-se uma
compreensão estética, e não lógico-racional, da vida organizacional, e que
esta compreensão relaciona-se à cultura e aos símbolos organizacionais tanto
quanto à estética criada, reconstruída ou destruída no dia a dia das organi-
zações. O conhecimento ‘estético’ da vida organizacional é, portanto, uma
‘metáfora epistemológica’.”

Ainda segundo esse sociólogo italiano, a estética abre as paredes da orga-


nização, isto é, constrói janelas que intermedeiam os materiais organizacionais
estéticos que constituem um espelho dos fatos organizacionais. Para Strati, o
espaço organizacional pode ser ocupado de acordo com critérios organizacionais
que trazem à tona as estratégias visuais dos sujeitos e os símbolos organizacio-
nais que expressam a escolha ambiental da organização.
Outro italiano, Gagliardi (1990), complementa Strati, argumentando que a
forma como apreendemos a realidade é fundamentalmente moldada por expe-
riências sensoriais. Seu maior interesse é desenvolver abordagens adequadas à
compreensão da cultura organizacional e, para isso, a análise dos artefatos por
ela produzidos torna-se caminho privilegiado.
A estética constitui, para esse autor, simultaneamente: (a) uma forma de
conhecimento sensorial, em contraposição ao conhecimento intelectual; (b) uma
forma expressiva de ação, desinteressada e sem uma finalidade instrumental es-
pecífica; e (c) uma forma de comunicação diferente da comunicação oral e carac-
terizada pela possibilidade de partilhar sentimentos e conhecimento tácito, que
não pode ser explicado ou codificado.

RETRATOS DA VIDA ORGANIZACIONAL


Se o conceito não é exatamente simples de explicar (falar em metáfora epis-
temológica a primeira leitura confunde mais que ilustra), alguns exemplos talvez
tornem o conceito mais palpável.

Estética e a burocracia
Tome-se primeiramente o trecho que abre o belíssimo romance Êxtase da
transformação. Em poucos parágrafos, o escritor austríaco Stefan Zweig coloca sua

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aguda percepção estética a serviço da literatura, construindo uma descrição pri-


morosa da burocracia. No primeiro parágrafo ele fala do espaço. No segundo, fala
do tempo. A figura humana, uma jovem funcionária, será introduzida logo a se-
guir no romance, oprimida pelo espaço e pelo tempo controlados, burocratizados.

“Uma agência dos correios de uma aldeia austríaca pouco se diferencia


das outras: quem viu uma conhece-as todas. Provenientes da mesma época
de Francisco José, da mesma verba, guarnecidas, ou melhor, uniformizadas,
com as mesmas modestas peças de mobiliário, em toda parte elas externam a
mesma tristonha impressão de enfado burocrático, e até mesmo sob o alento
das geleiras, nas mais afastadas aldeias montanhesas do Tirol, elas obsti-
nadamente conservam aquele inconfundível cheiro de repartição pública da
velha Áustria, de madeira antiga e papéis mofados. Em toda parte a divisão
do espaço é a mesma: numa proporção rigorosamente prescrita, uma pare-
de vertical de madeira com vidraças intercaladas divide a sala: na parte de
cá e na parte de lá, uma acessível ao público, a outra para os funcionários.
Logo se torna evidente que o Estado não se interessa por uma permanência
prolongada de seus cidadãos na parte a eles acessível. O único móvel da sala
pública é uma trêmula escrivaninha, das altas, timidamente encostada na
parede, coberta por um encerado roto, escurecido por inúmeros pingos de
tinta, embora ninguém possa se lembrar de jamais ter encontrado dentro do
tinteiro outra coisa a não ser uma pasta grossa e bolorenta, imprópria para
escrever e, quando por acaso existe uma pena na canelura, pode-se confiar
que está lascada e não serve para escrever. Não é só ao conforto que o frugal
erário não dá valor, também à beleza: desde que, com a república, foi retirado
o retrato de Francisco José, a única coisa que se pode considerar como deco-
ração artística são os cartazes de cores berrantes nas paredes caiadas e sujas,
que convidam para exposições há muito tempo encerradas, para a compra de
bilhetes de loteria e, em algumas agências distraídas, até mesmo para a aqui-
sição de apólices de guerra. Com essa barata decoração na parede, e sempre
com o aviso de não fumar, que ninguém observa, esgota-se a generosidade do
Estado na sala para o público. (...) Diante da barreira erguida pelo erário
se esboroa a eterna lei da criação e destruição; enquanto lá fora, ao redor
do prédio, árvores florescem e depois perdem as folhas, crianças crescem e
anciões morrem, casas se arruínam e depois ressurgem sob outras formas, a
repartição demonstra seu poder reconhecidamente sobrenatural através de
uma imutabilidade atemporal. Pois cada objeto dentro dessa esfera que se
desgasta ou desaparece, que se transforma ou se arruina, é substituído por
outro exemplar do tipo exatamente igual, por requerimento e atendimento
da autoridade competente, e assim é dado à mutabilidade do resto do mundo
um exemplo da superioridade do poder público. O conteúdo evapora, a forma
permanece. Na parede há um calendário. Todos os dias é arrancada uma fo-

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lha, sete vezes por semana, trinta por mês. Quando, no dia 31 de dezembro,
o calendário está magro e acabado, é requisitado outro do mesmo formato,
do mesmo tamanho, com a mesma impressão. O ano é outro, o calendário é
o mesmo” (Zweig, 1987: 7-9).

Aos estudiosos da vida empresarial, Zweig insinua – e talvez ensine – que as


organizações possuem uma dimensão estética, como também que sua exploração
pelas lentes da sensibilidade artística e da emoção podem revelar facetas não
percebidas por métodos científicos comuns às correntes dominantes.
No trecho apresentado percebemos, na descrição do autor austríaco, a bu-
rocracia revelada, com sua fria racionalidade instrumental. O retrato ressalta a
rigidez – “Em toda parte a divisão do espaço é a mesma: numa proporção rigorosa-
mente prescrita” ... “Na parede há um calendário ... Quando, no dia 31 de dezem-
bro, o calendário está magro e acabado, é requisitado outro do mesmo formato, do
mesmo tamanho, com a mesma impressão” – a reprodutibilidade – “Uma agência
dos correios de uma aldeia austríaca pouco se diferencia das outras: quem viu uma
conhece-as todas” ... “cada objeto dentro dessa esfera que se desgasta ou desaparece,
que se transforma ou se arruína, é substituído por outro exemplar do tipo exata-
mente igual” – e a e imutabilidade – “enquanto lá fora, ao redor do prédio, árvores
florescem e depois perdem as folhas, crianças crescem e anciões morrem, casas se
arruínam e depois ressurgem sob outras formas, a repartição demonstra seu poder
reconhecidamente sobrenatural através de uma imutabilidade atemporal”.
Seria possível perceber a brutalidade, falta de humanidade e frieza desse
ambiente fora de um texto literário? Provavelmente não, há menos talvez que
se tratasse de trabalho etnográfico, que partilha pontos comuns com trabalhos
literários.

Estética e traços culturais


Se um seleto grupo de acadêmicos advoga o uso da percepção estética, per-
cebem-se ecos até mesmo nas revistas de negócios. Tome-se como exemplo “Blue
is the color” (1998), publicado pela revista britânica The Economist. Nesse texto,
o autor procura associar arquitetura e imagem corporativa quando descreve al-
gumas empresas norte-americanas de alta tecnologia: a fortaleza azul da Intel
em San Jose é retratada como um símbolo de poder e controle; as torres resplan-
decentes da Oracle em Redwood Shore estão para o fundador da empresa Larry
Ellison, como as pirâmides para os faraós: um testemunho de sua grandeza; por
sua vez, os prédios baixos da Microsoft em Redmond lembram um campus uni-
versitário e sua informalidade, embora o trânsito de pessoas sempre apressadas
confiram ao lugar uma atmosfera de instabilidade e insegurança.
Nesse caso, a percepção estética revela, pela observação de artefatos arquite-
tônicos, traços culturais das organizações. Esses traços incluem, entre outros, os

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Estética Organizacional  67

valores e as crenças de seus membros. Artefatos organizacionais são os elementos


mais visíveis da cultura organizacional, porém os mais difíceis de serem decifra-
dos. A percepção estética constitui meio privilegiado para decifrar o significado
dos artefatos, revelando os valores da cultura organizacional.
Outro exemplo de interesse é dado por Thomaz J. Reese, um jesuíta cali-
forniano com formação em teoria política, que dedicou energia e tempo a uma
difícil tarefa: desvendar a burocracia que movimenta a Igreja Católica Romana.
A partir de sua pesquisa de campo, Reese construiu um retrato exaustivo da
máquina que assiste o Papa na administração da Igreja. O pesquisador escreve
com o cuidado de um cientista social, porém adorna a narrativa com sua sensi-
bilidade artística, que permite perceber e transmitir as facetas estéticas de seu
objeto de estudo.
No trecho a seguir, Reese (1999:223-224) revela algumas características da
cultura organizacional da Cúria Romana:

“(...) Não é apenas a antiga Roma, mas a Itália moderna que afeta as atitu-
des da Cúria... ‘Os italianos estão acostumados às coisas não funcionarem’,
explica um americano que mora em Roma... A eficiência não é uma priori-
dade nesta cidade. A bella figura – a maneira como você faz as coisas – é
mais importante do que o que você conseguiu realizar. A beleza (bella) é mais
importante que a velocidade, a quantidade ou a eficiência. Um artesão julga
a si mesmo pela beleza de seu trabalho, não pela quantidade que ele produz.
Não se trata simplesmente da beleza do produto acabado, mas a maneira
como ele é feito. Um bom emprego permite que um italiano seja um artista e
um performer.”

A estética revelando a estética


Se a observação estética pode transgredir os cânones da linguagem científi-
ca, ao menos aquelas tidas como científicas pelos mais ortodoxos, pode também
transpor a barreira da linguagem escrita, usando, por exemplo, a fotografia. De
fato, essa forma de expressão estética pode constituir instrumento para a análise
organizacional ou para reflexões sobre o trabalho, como no exemplo que segue.
De 1988 a 1993, o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, um dos mais re-
nomados do mundo, trabalhou num projeto ímpar: registrar em todo o mundo o
trabalho que ainda é executado com as mãos. O resultado, materializado em no
livro Workers (Salgado, 1993) e em uma exposição que correu o mundo, constitui
um verdadeiro tratado sobre o trabalho manual e algumas formas primárias de
organização presentes ainda no final do século XX (Wood, 1995).
Salgado fotografou, entre muitos outros objetos, o corte de cana no Brasil e
em Cuba, os campos de Petróleo do Azerbaijão, a coleta de enxofre na Indonésia,

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a extração de ouro em Serra Pelada, as indústrias têxteis do Casaquistão e a pesca


na Sicília. Emerge uma narrativa épica, de um mundo ignorado ou escondido,
povoado pelos oprimidos do apartheid econômico, que lutam para preservar a
dignidade e a humanidade.
Um motivo presente com frequência é o contraste entre a dimensão humana
e o gigantismo dos empreendimentos. Em Bangladesh, por exemplo, após terem
decretado o fim de sua vida útil, navios avançam, na maré alta, contra a praia.
Após o encalhe proposital, eles são desmontados manualmente, numa operação
onde o máximo de sofisticação é dado pelo uso de um maçarico arcaico.
Igualmente fantástica é a série que mostra a construção de um canal de irriga-
ção na Índia. A obra inclui mais de 600 km de canal principal e mais de 40.000 km
de canais secundários. Foi iniciada em 1958 e chegou a envolver 40.000 pessoas.
O trabalho é todo manual e ocupa mulheres mesmo nas tarefas mais pesadas.
O fotógrafo francês Henri Cartier-Bresson certa vez definiu a fotografia como:
“... o reconhecimento simultâneo, numa fração de segundo, da significação de um
evento tanto quanto de uma precisa organização de formas que dá a esse evento sua
expressão própria”.
Para Salgado, essa abordagem resulta numa relação entre objeto e fotógrafo
comparável a uma tangente perfeitamente equilibrada no topo de um círculo.
Porém, não se trata de equilíbrio matemático e sim de equilíbrio resultante de
uma grande intuição estética e domínio dos símbolos ligados às formas, luzes e
sombras, pressupondo uma relação de alteridade entre objeto e fotógrafo.
O fotógrafo brasileiro usa a arte fotográfica para ressaltar a dignidade e a
brutalidade do trabalho manual. Trata-se de uma estética particular, da arte fo-
tográfica, recuperando outra estética particular, do trabalho feito com as mãos.
As composições de Salgado, que são manifestações de sua cultivada e sofisticada
sensibilidade estética, capturam momentos únicos. Suas fotos são descrições pre-
cisas de uma estética submersa.
Em um mundo que cultiva o fetiche da alta tecnologia e da automação, o
trabalho manual, ainda amplamente praticado, vive uma existência paralela, sub-
mersa. Ao registrar “momentos perfeitos”, Salgado constitui obras irretocáveis,
que capturam o significado do trabalho além das possibilidades do texto científi-
co ou mesmo literário.
A riqueza das fotos impede caracterizações apressadas. A forma texto é de
fato limitada para descrever as sensações proporcionadas pelas imagens. Por ou-
tro lado, as possibilidades que o trabalho de Salgado abre para a análise organi-
zacional são múltiplas. Poderia, por exemplo, constituir material de apoio para
estudos etnográficos ou, em certa medida, constituir ele próprio material etno-
gráfico acabado.

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Estética Organizacional  69

CONCLUSÃO
Neste ensaio advogamos que a percepção estética pode ser uma trilha pri-
vilegiada para a compreensão de fenômenos organizacionais. Apresentamos os
argumentos de alguns autores do campo e discutimos brevemente três exemplos
de apreciação estética do universo das organizações e do trabalho.
Acreditamos que este texto faz eco a outro – “One culture and the new sen-
sibility” – publicado há mais de trinta anos na conhecida coletânea Against inter-
pretation, de Susan Sontag (1966). Naquele ensaio, a conhecida ensaísta norte-
americana comenta o que denomina dualidade cultural. Segundo a autora, nossa
época vive uma polarização cultural: de um lado, temos a cultura científica; de
outro, temos a cultura literária e artística. Cada uma dessas culturas constitui um
universo cognitivo próprio, com diferentes definições de problemas, metodolo-
gias e técnicas de investigação.
A cultura literária e artística é humanista e generalista. Seu foco principal é o
ser humano e o seu desenvolvimento. Ela é voltada para dentro, para a subjetivi-
dade humana. A cultura científica é uma cultura de especialistas; requer extrema
dedicação para a compreensão e atuação. É uma cultura voltada para fora, bus-
cando a construção de teorias e a solução de problemas.
Sontag, como outros pensadores, localiza a origem dessa fragmentação na
Revolução Industrial. Segundo ela, essa dissociação, esse aparente conflito entre
essas duas culturas, é uma simplificação, uma ilusão que está se esvaindo, dando
origem a um movimento de criação de uma sensibilidade unificadora.
Esse movimento unificador — ou reunificador — relaciona-se às mudanças
da experiência humana na Terra, causadas pelo aumento da mobilidade, pelo
crescimento da velocidade de circulação das informações, pelo crescimento da
densidade demográfica e de bens materiais e pelo advento do multicul- turalismo.
Nesse movimento, a arte tem sua função mudada. De uma operação mágico-
religiosa, a arte passa a ser um instrumento para a modificação da consciência e
para a organização de novos modos de sensibilidade (Sontag, 1966:296). Caem
as fronteiras convencionais entre a cultura literária e artística e a cultura cientí-
fica. A nova sensibilidade deve ser pluralista. No campo de estudos das organi-
zações, isso pode significar a incorporação da percepção visual e da perspectiva
estética à apreciação e interpretação de fenômenos organizacionais.

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zation theory. Organization, 3(2): 195-218, 1996.
WOOD Jr., T. Terra em transe: liderança em Eldorado. In: CALDAS, M. P.; WOOD JR., T.
Transformação e realidade organizacional. São Paulo: Atlas, 1999.
   . Workers (Resenha). Revista de Administração de Empresas, 35(2): 86-89, 1995.
ZWEIG, S. Êxtase da transformação. São Paulo: Schwarcz, 1987.

5577.indb 71 20/06/2011 15:51:49


5
O Novo Sentido da Liderança:
Controle Social nas
Organizações
Fernando C. Prestes Motta
Isabela F. F. Gouveia de Vasconcelos
Thomaz Wood Jr.

APRESENTAÇÃO
A temática do controle social nas organizações é central na análise organiza-
cional por diversas razões, entre as quais se destaca o fato de que as organizações
são essencialmente instâncias de produção de bens, de conhecimentos etc., bem
como instâncias de controle, a serviço de sistemas sociais maiores. Tal fato não
tem passado despercebido à teoria organizacional, tanto no que diz respeito aos
mecanismos de controle que se efetivam no interior das organizações, como no
que se refere à crítica, já dotada de ampla tradição na área, e às formas tradicio-
nais assumidas pelos arranjos organizacionais altamente voltados para a função
de controle social. A proposta original contida neste ensaio foi colocar o proble-
ma do controle social nas organizações e esboçar uma avaliação da literatura
clássica corrente, na crítica dos arranjos organizacionais altamente voltados para
a função do controle social. Posto isto, haverá possibilidade de formulação de
uma hipótese maior, dedutível em outras, tanto no que diz respeito à pesquisa
teórica quanto à empírica.
A origem deste capítulo foi um trabalho realizado por Fernando C. Prestes
Motta em 1979. Desde então, houve algumas mudanças nas formas de controle
social exercidas pelas organizações. Com o delineamento da chamada socie-
dade pós-industrial, caracterizada pela rápida criação de novas tecnologias e
produtos, as organizações modificam-se; conceitos e papéis organizacionais são
redefinidos.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  73

Com a pressão constante para a inovação enquanto estratégia de sobrevivên-


cia, surge o conceito da organização proativa; ou seja, aquela organização que não
apenas reage às mudanças nos mercados em que atua, mas também que pretende
influenciá-las. É esta a racionalidade econômica que embasa atualmente o plane-
jamento empresarial. As organizações que seguem esta lógica, também denomi-
nadas empresas informacionais,1 geram uma pressão interna por mudança muito
forte. Neste contexto, é significativa a figura do “gerente proativo’’, aquele que
consegue antecipar e administrar o impacto das mudanças ambientais sobre as
pessoas e sobre a estrutura organizacional, reinterpretando continuamente a rea-
lidade que o cerca e difundindo estes novos valores e significados na organização.
A constante socialização e ressocialização dos empregados dentro da em-
presa, a fim de fazê-los internalizar esta nova “visão de mundo’’ e estes novos
elementos culturais (valores e significados) é um constante desafio, uma vez que
permite à organização influenciar os comportamentos de seus membros e con-
trolar suas performances. Portanto, a tarefa de socialização, em um contexto de
mudança constante, ganha importância estratégica para a organização.
A empresa informacional deve saber processar e lidar com a informação, o
que nos remete à questão da linguagem e ao uso de signos e símbolos. Surge
o simbolic manager,2 que utiliza símbolos, rituais, linguagem e outros elementos
da cultura organizacional como formas de controle social na empresa.

A organização como sistema de controle social


Neste sentido, pode-se retomar a linha de argumentação do artigo original,
que descreve o processo de socialização do indivíduo na organização.
De início, parece importante colocar o fato de que a organização é o sistema
social mais formalizado da sociedade, sendo, portanto, um sistema de significati-
vas condutas institucionalizadas. As organizações, de há muito, são as principais
responsáveis pelas formas de conduta dos atores sociais. As empresas são cen-
trais, não só porque produzem bens e serviços, mas também porque produzem
formas de comportamento e formas de raciocínio. As escolas, cada vez mais cedo,
preparam os indivíduos para determinados papéis no sistema produtivo, com
tendência a legitimar as organizações de forma habitual.
As elites organizacionais, por sua vez, têm nesses mecanismos sua própria
lógica. Velhas e novas gerações de elites podem adotar novas atitudes quanto a

1
  BELL, Daniel. Vers la Société Post Industrielle. Paris: R. Laffont, 1976; ALTER, Norbert. Logiques
de l’entreprise Informationnelle. Revue Française de Gestion, nº 74, 1989, p. 28; MINTZBERG, Hen-
ry. Structure et dynamique des Organisations. Paris: Editions des Organisations, 1982.
  DEAL, T.; KENNEDY, A. Corporate cultures: rites and rituals of corporate life. New York: Addison-
2

Wesley, 1991.

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74  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

práticas políticas, administrativas etc. Agem, porém, segundo a lógica da orga-


nização, enquanto instância de produção e controle social. Nas palavras de Stin-
chombe, feitos os reparos de detalhe e de situação específica, “... se as novas elites
organizacionais são socializadas em uma cultura de elite, frequentando escolas com
outros membros de elite, participando de parlamentos e sendo ideologicamente dou-
trinadas em um partido político dominante, estão propensas a aceitar as normas
usuais que governam a competição pela riqueza, prestígio e poder organizacionais’’.3
A empresa informacional, como diz Alter,4 tendo em vista suas pressões
constantes por inovação e lidando em um ambiente cheio de incertezas, procura
a coesão mais que a coerência interna. Elas tendem a substituir, então, a defini-
ção estrita e coercitiva dos modos de produção por uma nova forma de controle
social, realizada através da cultura organizacional, composta de determinados
valores e significados representativos da visão de mundo das elites e dirigentes
empresariais. Um dos maiores desafios da empresa “informacional’’, quando pro-
põe a inovação e a mudança como valores fundamentais de sua cultura, é dar
conta desta tarefa de recriar constantemente sua realidade organizacional a par-
tir da reinterpretação de significados e ressocialização dos indivíduos, mudando
suas formas de cognição e influenciando em sua ação a fim de obter os padrões
de performance pretendidos através da implantação de um novo paradigma.5
Paradigmas,6 neste sentido, são mecanismos cognitivos, um conjunto de
pressupostos e crenças intimamente ligados à realidade organizacional e nor-
malmente aceitos na organização na forma de significados compartilhados. São
filtros da realidade que influenciam a percepção dos indivíduos. Neste contexto,
a mudança organizacional é definida como o esforço para alterar as formas vi-
gentes de cognição e ação, de maneira a capacitar a organização a implementar
as estratégias por ela desenvolvidas.
A capacidade de o indivíduo influenciar na mudança organizacional está in-
timamente ligada com sua posição e seu poder na empresa. Existem algumas me-
todologias de pesquisa próprias para o estudo dos símbolos e da cultura enquanto
formas de controle social na organização.7 Tais estudos mostram como é difícil o
processo de adaptação do indivíduo a uma organização que tenta moldá-lo mu-
dando suas formas de cognição.

3
  STINCHOMBE, Arthur. Social structure and organizations. In MARCH, James. Handbook of orga-
nizations. Chicago: Rand McNally, 1965. p. 144.
4
  ALTER, Norbert. Op. cit. p. 30.
5
  SMIRCICH, Linda. Organizations as shared meanings. In: PONDY, L. (Org.). Organizational sym-
bolism. Greenwich: JAI, 1983. p. 55-65.
6
  GIOIA D. A.; CHITTIPEDDI, K. Sensemaking and sensegiving in strategic change iniciation. Stra-
tegic Management Journal, Chichester, v. 12, nº 6, p. 20-25, Sept. 1991.
7
  SMIRCICH, Linda. Studing organizations as cultures. In: MORGAN, G. (Org.). Beyond method:
strategies for social research. Beverly Hills, CA: Sage, 1983.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  75

Como ressaltado no artigo original, indivíduos e organização se confrontam


com uma série de expectativas mútuas. À medida que tais expectativas jamais
são completas e formalmente definidas, há sempre lugar para a surpresa e para
a contestação de percepções anteriores. Assim, tanto frustrações como estímulos
entram no processo de adaptação indivíduo-organização. Esse processo é sem-
pre bidirecional, com a renúncia de ampla margem de liberdade por parte do
indivíduo, que concorda de maneira implícita com as demandas “legítimas’’ da
organização, as quais lhe tolhem a liberdade, limitando seus comportamentos
alternativos. A organização amolda, em níveis diversos, o indivíduo às suas ne-
cessidades. É o processo de socialização.
Chanlat,8 em uma de suas últimas publicações, denuncia alguns dos efeitos
destas práticas sobre os indivíduos. As organizações, ao fundar-se neste tipo de
racionalidade econômica, consideram e privilegiam apenas as características in-
dividuais que possam ser úteis para a empresa no processo produtivo.
Já de acordo com os interacionistas, esta mesma organização é criada a partir
da ação dos indivíduos. Assim, a realidade organizacional consiste em padrões
de significados, criados e sustentados pelos indivíduos, construídos a partir de
interações simbólicas. Ao entrar em contato com a cultura organizacional, o indi-
víduo internaliza os símbolos e padrões existentes e expressa-se no mundo social,
reinterpretando e recriando estes símbolos de acordo com seus padrões culturais
anteriores.9 A realidade organizacional é construída, então, a partir deste pro-
cesso dialético. Como são os dirigentes e a elite da empresa que têm mais poder
na determinação das diretrizes organizacionais, são seus padrões culturais que
constituem a cultura empresarial dominante.
E outros grupos, dentro da empresa, também influenciam na criação e recria-
ção desta realidade organizacional, de forma proporcional ao poder que possuem.
O indivíduo procurará exercer influência sobre a organização na expectativa
de obter satisfação pessoal adicional, dando origem a um processo contrário ao
de socialização, chamado individuação. Pessoas dotadas de poder não formal nas
organizações são em geral exemplos de processos de individuação bem-sucedi-
dos. A individuação desempenha papel importante na renovação da organização.
As organizações vivem muitas vezes sob condições de instabilidade e precisam
ser influenciadas por seus membros, num esforço de adaptação a novas circuns-
tâncias. A evidência mostra que, a longo prazo, a conformidade quase total tende
a significar uma vitória de Pirro, comprometendo a sobrevivência da organiza-
ção. Nem mesmo a rebelião é necessariamente catastrófica. Quando um processo
deste tipo não termina em mudança organizacional profunda ou em demissão,
muitas vezes o atacante feroz transforma-se em defensor intransigente.

8
  CHANLAT, J. F. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1992.
9
  BERGER, P.; LUCKMANN, A. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1989; WEXLER,
M. Pragmatism, interactionism and dramatism: interpretating the symbols in organizations. In:
PONDY, L. (Org.). Organizational symbolism. Greenwich: JAI, 1983.

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76  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

A forma de individuação, que em geral é mais benéfica para a organização, é


o individualismo criativo, ou seja, a aceitação pelo indivíduo das normas básicas
ou absolutamente essenciais para a organização, ou a rejeição de muito daquilo
que é apenas relevante ou periférico. O indivíduo assim orientado consegue com
frequência exercer influência sobre a coletividade organizacional, o que pode sig-
nificar muito, pois o relacionamento indivíduo-organização é um relacionamento
entre desiguais. Em inúmeros casos, a organização beneficia-se de novas ideias.
No contexto atual, um dos papéis gerenciais é justamente o de administra-
dor deste confronto, buscando continuamente a reconstrução de significados e
valores compartilhados pelos membros da organização, com o fim último de dar
direção à empresa e influenciar positivamente sua performance. É importante
notar os limites e o caráter controlado deste processo inovativo.
Os indivíduos que são reconhecidos como inovadores na empresa informa-
cional o fazem a partir dos valores constitutivos da cultura dominante. No caso
de proporem nova tecnologia, que introduza nova perspectiva cultural, esta de-
verá ser aceita pelos dirigentes a fim de ser implementada, não representando,
portanto, uma ruptura no poder. É esta a administração participativa em recursos
humanos hoje proposta, que reconhece o processo de individuação e procura
controlá-lo, em função dos objetivos organizacionais.
A diferença entre as organizações industrial e pós-industrial (informacional)
não é medida pela capacidade dos indivíduos de gerir a empresa, mas por sua
capacidade de inovar. O desafio destas empresas consiste, então, em lidar com
signos, códigos e símbolos.
Dentro do paradigma interacionista, ou fenomenológico, os indivíduos são
vistos como permanentemente engajados em processos interpretativos. Nesta
perspectiva, os símbolos são como estruturas a partir das quais as pessoas con-
cretizam e dão significado à sua vida. Gareth Morgan10 propõe o uso da metáfora
da criação de significados compartilhados para explicar este processo. Wexler11
refere-se a esta mesma metáfora como metodologia de análise do processo de
construção e mudança da realidade organizacional.

Os grupos e subgrupos organizacionais


As organizações não são homogêneas. Elas possuem subgrupos que interpre-
tam a cultura organizacional de forma diversa, gerando subculturas. O interacio-
nismo explica isto a partir do conceito de grupo de referência; ou seja, o grupo de

  MORGAN, Gareth. Creating social reality: organizations as cultures. Images of Organization.


10

Newbury: Sage, 1986. Capítulo 5. Existe tradução brasileira pela Atlas, Imagens da organização.
  WEXLER, M. Op. cit. CHACON, J. M. Symbolic interacionism: an introduction on interpretation
11

and integration. Englewood Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1979.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  77

pessoas que mediatizam a realidade para o indivíduo em seu processo de socia-


lização primária. Pessoas da mesma classe social provavelmente compartilharão
dos mesmos elementos culturais e uma visão de mundo similar. A organização,
por sua vez, costuma reproduzir esta divisão social por classe.12
De acordo com Alter,13 a empresa informacional possui três grupos de atores
sociais que interagem neste processo de inovação e reinterpretação de valores e
significados:

a) os gerentes médios ou funcionários que desempenham funções de li-


derança, que se caracterizam por seu conhecimento especializado em
determinado assunto, sendo considerados experts. Aceitando a cultura
organizacional no que ela tem de fundamental, eles buscarão, através
de um processo de individuação criativo, inovar e modificar a organi-
zação. Sua estratégia dentro da empresa é obter influência e reconhe-
cimento social através deste processo;
b) os funcionários subordinados, que não dispõem de nenhum poder de
mando. Eles controlam a parte administrativa, legal e formal da empre-
sa e têm a tendência de se integrar aos novos sistemas desenvolvidos
pelos gerentes, buscando coerência nos procedimentos administrativos;
c) os dirigentes e diretores da empresa, detentores de maior poder, que
têm uma estratégia sutil no sentido de buscar o consenso a partir da
promoção intencional de confrontos entre os dois outros grupos. Eles
toleram em parte as estratégias desenvolvidas pelo grupo de gerentes
médios, uma vez que elas são fundamentadas na racionalidade econô-
mica e na inovação. Também apóiam algumas ações do grupo de fun-
cionários administrativos, porque elas são um contrapeso em relação à
ação gerencial e fornecem estabilidade à empresa, no sentido de evitar
rupturas de poder.

A estratégia desenvolvida pelos dirigentes, de usar símbolos e elementos da


cultura organizacional, a fim de difundir os valores e significados relativos a sua
visão de como a organização deve ser e de como seus membros devem portar-se,
encontra oponentes e resistências entre os gerentes de nível médio. Este grupo

12
  VASCONCELOS, I. IBM: o desafio da mudança. Revista de Administração de Empresas. São Pau-
lo, v. 33, nº 2, mar./abr. 1993.
13
  ALTER, N. Logiques de l’entreprise informationnelle, Revue Française de Gestion. Paris, nº 74,
p. 28, 1989; VASCONCELOS, I. O market driven quality, a cultura organizacional e política de qua-
lidade da IBM. São Paulo: EAESP/FGV, 1983 (dissertação de mestrado), em que a autora mostra os
subgrupos e descreve a estrutura da IBM, que reproduz a divisão social por classes. Sobre mudança
organizacional, ver WOOD JR., T. Mudança organizacional, ciência ou arte? São Paulo: EAESP/FGV,
1993 (dissertação de mestrado), em que o autor reflete sobre as dificuldades na implementação de
programas de mudança organizacional planejados. Ver FREITAS, M. E. Cultura organizacional: for-
mação, tipologia e impactos. São Paulo: Makron, 1991, em que a autora fornece subsídios teóricos
para o estudo da cultura organizacional.

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78  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

tende a participar e a inovar segundo seus próprios padrões. Eles produzem um


modelo empresarial que obedece a uma racionalidade econômica própria e que
permite uma mobilidade maior entre os membros da organização. Trata-se de
uma ideologia de oposição em relação à da direção. O “front cultural’’ entre estes
dois grupos se organiza da seguinte maneira:

• à proposta dos dirigentes de criar, dentro de certa ordem, os gerentes


médios opõem a criatividade na desordem, única forma de garantir sua
autonomia e seu espaço;
• à referência ao consenso, por parte dos dirigentes, eles opõem o dissen-
so, que representa um meio de negociação aberta e não simplesmente
uma fusão de interesses com o outro grupo;
• os gerentes defendem um espírito inovador e empresarial na organiza-
ção, que estimula a autonomia e a luta por mais espaço e influência.
Esta proposta opõe-se ao espírito de integração e equipe defendido pelos
dirigentes;
• os gerentes opõem ao conceito de eficácia o conceito de eficiência; ou
seja, defendem um bom resultado econômico global sem, no entanto,
estarem comprometidos com os estritos objetivos anuais definidos a par-
tir dos padrões fixados pelos dirigentes.

Existe também um quarto grupo composto pelos funcionários terceirizados.


Alter, porém, não os leva em conta em sua análise dos jogos sociais dos grupos
constitutivos da empresa informacional porque este grupo dispõe de pouco poder
na organização para fazer parte de seu sistema social. Este grupo é agente da
organização, no sentido em que participa do processo de produção, não sendo
entretanto um ator. Caso fosse possível aos terceirizados agir coletivamente en-
quanto grupo constituído, eles teriam um contrapoder muito maior e poderiam
ter maior influência na organização. Os terceirizados são, ao contrário, um grupo
pulverizado, excluído da vida organizacional. Estes indivíduos, apesar de convi-
verem na empresa quotidianamente e interagirem com seus membros, sentem-se
e são, muitas vezes, discriminados.
Em uma organização complexa, composta por diversos subgrupos, que sofre
fortes e constantes pressões de mudança, o desenvolvimento de instrumentos de
socialização dos indivíduos torna-se essencial.
Neste contexto, o treinamento e a aprendizagem, como instrumentos de mu-
dança organizacional, ganham importância estratégica.

O processo de socialização
A socialização pode ser entendida como o processo global pelo qual um indi-
víduo, nascido com potencialidades comportamentais de espectro amplo, é leva-
do a desenvolver um comportamento bem mais restrito, de acordo com padrões

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  79

de seu grupo. Esse conceito foi bastante utilizado na análise do impacto dos fato-
res culturais no desenvolvimento da personalidade individual. No que se refere às
organizações, o conceito vem sendo empregado em termos de doutrinação e trei-
namento, reportando-se ao que Edgar Schein chamou de “o preço de participar’’.
A socialização organizacional deve ser vista como um processo contínuo, que
começa antes mesmo da entrada neste sistema, já que outros sistemas sociais
inculcam, desde o nascimento, valores e normas conformes ao comportamento
aceitável em organizações complexas. Não pára aí, porém, o processo; continua
durante toda a permanência na organização. Nas palavras de Caplow, em 1964:
“Os comportamentos apropriados a uma posição organizacional não são adquiridos
de uma vez e completamente, quando a posição é assumida, mas são aprendidos e
reaprendidos durante o período de uma carreira.”14
O processo de socialização é responsável pela lealdade, comprometimento,
produtividade e nível de rotatividade. A estabilidade organizacional depende
bastante da socialização, o que implica forte transmissão de ideologia. A organi-
zação é com frequência amada e odiada a um só tempo, algo semelhante ao que
alguns autores chamam de amor-fusão.15
Como grande número de processos, também a socialização organizacional
apresenta suas fases. Não é difícil identificar a fase de chegada, quando um indiví-
duo traz para uma nova organização ou posição um conjunto de valores, atitudes
e expectativas, conjunto este que será reconstruído no interior da organização.
Também não é difícil identificar uma fase de confronto, quando o conjunto de
atitudes e predisposição do indivíduo encontra os desejos e valores prevalentes
na organização. É a fase em que o indivíduo se submete a reforço e confirmação,
a ausência de reforços, ou ainda a reforços negativos, isto é, a reações de apro-
vação, indiferença ou punição, por ele percebidas como vindas da organização.
Finalmente, há uma fase de mudança e aquisição, quando o indivíduo começa a
agir de forma a aprender e a desenvolver comportamentos e idéias modificadas.
Algumas destas aquisições dizem respeito a uma nova auto-imagem, isto é,
a uma nova percepção de si mesmo desenvolvida pelo indivíduo, como resultado
de sua interação a seu papel organizacional. Dizem respeito também ao estabe-
lecimento de novos relacionamentos frequentemente em prejuízo de relaciona-
mentos antigos, à recepção, aceitação e internalização de novos valores e a novos
conjuntos de comportamentos, alguns deles essenciais para a permanência na
organização e para a obtenção de algumas recompensas. Em termos de necessi-

  CAPLOW, T. Principle of organization. New York: Harcourt Brace & World, 1964. p. 169. Apud
14

PORTER, M., et al. Behavior in organization. New York: McGraw-Hill, 1975. p. 162.
  ENRIQUEZ, E. La notion de pouvoir. L’economie et les sciences humaines. Paris: Dunot, t. 1: Thé-
15

ories, conceptes et méthodes, p. 257-306. Ver também alguns estudos de organizações orientados
pela metáfora de organizações como prisões psíquicas (paradigma radical-humanista). Para tanto, ver
MORGAN, G. Exploring Plato’s cave: organizations as psychic prisons. Images of organization. New-
bury: Sage, 1986.

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80  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

dade de aquisição, Schein16 distingue três tipos de comportamentos. Em primeiro


lugar, há os comportamentos que podem ser chamados pirrotais, que são aqueles
em que a organização considera tão essenciais que, na ausência de sua adoção,
o indivíduo não estará preenchendo padrões mínimos de desempenho. Em, se-
gundo lugar, há formas de comportamento consideradas pela organização como
desejáveis mas não absolutamente necessárias. São os comportamentos relevan-
tes. Por fim, há comportamentos permitidos pela organização que eventualmente
podem vir a tornar-se relevantes. São os comportamentos periféricos.
A organização promove a socialização de várias formas.
A seleção é um método que com frequência constitui instrumento podero-
so. O treinamento,17 à medida que desenvolve as habilidades técnicas ligadas
de modo direto a tarefas para o desempenho de funções, facilita a mudança de
comportamento, em termos de atividades diretamente funcionais. O treinamento
também age sobre a mudança de auto-imagem, sobre a criação de novos rela-
cionamentos e novos valores; isto é, no desenvolvimento de habilidades normal-
mente chamadas adaptativas.18
Além disso, na empresa informacional, o treinamento deve capacitar os indi-
víduos a interpretar dados, atribuindo-lhes significado, uma vez que a capacida-
de de processar informações é extremamente valorizada.
O gerente de treinamento proativo desenvolve programas de socialização
dos indivíduos via treinamento ou aprendizado através do uso de elementos
simbólicos.
Segundo Deal e Kennedy,19 eles incentivam a participação e a inovação por
parte de seus subordinados. Reforçam as crenças organizacionais e o espírito de
que “somos um time especial e juntos obteremos o sucesso’’. Eles se visualizam
como atores, roteiristas, diretores e autores, no “drama’’ quotidiano de controle e
planejamento da ação dos membros da organização.20 De forma dramática, eles
nunca perdem um momento para reforçar os aspectos da cultura organizacio-
nal. Deve-se ressaltar que, na maioria das vezes, eles realmente acreditam nes-

  SCHEIN, Edgard. The individual, the Organization and the Career. A Conceptual Scheme. Jour-
16

nal of Applied Behavioral Science, nº 7, p. 401-426, 1971. Apud PORTER, M. Op. cit. p. 167.
17
  BRESLER, Ricardo. Organização e programas de integração: um estudo sobre a passagem. São
Paulo: EAESP/FGV, 1993 (Tese de mestrado, onde o autor faz um estudo crítico sobre treinamento
e programas de trainees).
  LIPPIT, G.; NADLER, L. Emerging roles of the training director. Training and Development Jour-
18

nal, v. 33, nº 6, p. 26-30, 1979, WARNOTTE, Georges. Ressources humaines: L’evaluation ligotée.
Revue Française de Gestion, Sept./Oct. 1979.
19
  DEAL, T., KENNEDY, A. Op. cit.
  Estudos nesta linha são desenvolvidos nas organizações com base nos estudos de BURKE, K.
20

Dramatism and development. Barre: Clak University Press, 1972; BURNS. Theatricality. New York:
Harper and Row, 1972.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  81

ta cultura organizacional e nos valores por ela representados. Os atores sociais


incorporam os papéis que representam.21 Sendo expressivos, eles normalmente
conseguem impressionar sua “plateia’’: os membros da organização. Encorajam
os ritos e celebrações de um subgrupo organizacional, procurando relacioná-los
com a cultura organizacional mais ampla.
Estes simbolic managers, legitimando a subcultura como parte da cultura or-
ganizacional mais ampla e valorizando-a no sentido de ressaltar as contribuições
que ela dá para a cultura organizacional em termos de cerimônias, ritos e signi-
ficados, buscam a coesão e a reafirmação dos valores constitutivos desta cultura
mais ampla.
Os sistemas de controle são responsáveis pela criação de resistências por-
que são vistos como frustradores de satisfação em diversas áreas, porque com
frequência reduzem o grau de competência especializada necessária à execu-
ção, ou automatizam, padronizam ou enrijecem o trabalho. São particularmente
relevantes as interferências nas áreas de status, autonomia e segurança.22 Os
sistemas de trabalho costumam criar experts, em prejuízo de outras pessoas que
passam a resistir.
Muitos autores têm destacado como os elementos culturais são utilizados
como forma de dominação nas empresas.23 Os trabalhos de Max Pagès,24 que par-
tem do enfoque psicanalítico dos símbolos nas organizações, e outros trabalhos
baseados em Jung, Erich Fromm, Freud são significativos desta linha, denomi-
nada radical-humanista. Jung propôs o uso dos símbolos para fazer o processo
inverso, ou seja, ser um elemento de libertação do indivíduo, no sentido de que
estes são a chave para o autoconhecimento e liberação de elementos inconscien-
tes, através do processo de individuação. Também neste sentido, Gilbert Durant25
denuncia a perda da capacidade de simbolização do homem moderno propon-
do uma “pedagogia do imaginário’’, que utilizaria os símbolos para recuperar a
capacidade de expressão dos indivíduos. Alguns autores denunciam a chamada
“esquizofrenia social do modernismo’’, ou perda da capacidade de simbolização
do homem moderno.26

21
  WEXLER, M. Op. cit. p. 250.
22
  LAWLER, Edward, HACHMANN, R. Op. cit.
23
  SEGNINI, Liliana. Liturgia do poder: trabalho e disciplina. São Paulo: Educ, 1988, onde a autora
faz um estudo crítico sobre os métodos de controle social do Bradesco.
24
  PAGÈS, Max. Poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1993; JUNG, Karl. Man and the symbols.
Londres: Aldus Books, 1964; MARCUSE, O. O homen unidimensional. Boston: Beacon Press, 1964;
FREUD, S. General introduction to Psychoanalysis. New York: Liveright, 1922; FROMM, Erich. Fear
of freedom. Londres: Routledge & Keagan Paul, 1942; MORGAN, G. Op. cit.
  Ver DURAND, G. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1989.
25

  HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992; BERMAN, Marshall. Tudo
26

que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986;
WOOD JR., Thomaz. Fordismo, Toyotismo e Volvismo: os caminhos da indústria em busca do tempo
perdido. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 32, n. 4, p. 6-18, set./out. 1992. Este
artigo faz parte desta coletânea.

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82  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Os radicais-estruturalistas, a partir dos trabalhos de Marx,27 e também os


weberianos radicais levantam o caráter ideológico dos símbolos como fonte de
dominação, explorando mais detalhadamente a dimensão macrossocial.
Compreendendo como se dá o processo de construção da realidade orga-
nizacional e estudando as ações de socialização dos simbolic managers, pode-se
analisar de forma crítica a implementação da gestão participativa de recursos
humanos, tão em voga atualmente.

A dimensão macrossocial e a dimensão microssocial


É preciso lembrar que os processos organizacionais reproduzem fortemente
as necessidades do sistema social em que a organização se insere, e que seus
participantes são levados a agir de acordo com a lógica desta reprodução. As
organizações não são homogêneas; são complexas. Hoffman e Maier, em 1959 e
1961, descobriram que grupos compostos de membros com interesses diferentes
tendiam a produzir soluções de melhor qualidade para uma grande variedade de
problemas do que grupos homogêneos.28
A influência macrossocial29 é exercida por uma infinidade de meios. Convém
lembrar que, em uma organização, todos os membros são parte de um sistema
social maior, e que não deixam de sê-lo quando estão no interior das organizações.
Esses indivíduos fazem e refazem constantemente as transações entre a organiza-
ção e o meio ambiente social e vice-versa. Inúmeros autores têm chamado a aten-
ção para este fato, e de modo muito especial para as chamadas transações através
das fronteiras permeáveis da organização, o que tem sido sublimado pelos teóricos
de sistema em geral e, em particular, pelos pesquisadores do Tavistock Institute
de Londres. Além disso, as organizações constituem nada menos que o essencial
da superestrutura político-institucional de qualquer formação social. Assim, é no
nível das organizações complexas que se realizam as relações de produção e das
forças produtivas, incluídas, evidentemente, as formas de cooperação, que repre-
sentam a base material da sociedade, além de constituírem aparelhos ideológicos

  MARX, K. Economic and philosophical manuscripts. Early writings. Harmonsdsworth: Penguin,


27

1975; BENDIX, Work and autoritary industry. New York: Wiley, 1956; WALTER, Gordon, PONDY,
L. (Org.). Psyche and symbol. Organizational symbolism. Beverly Hills: Sage, 1983; ABRAVANEL,
Harry. Mediatory myths in the service of organizational ideology. Apud PONDY, L. (Org.) Organi-
zational symbolism. Beverly Hills: Sage, 1983; MORGAN, Gareth. Op. cit.
28
  THOMAS, Kenneth. Conflict and conflict management. In: DUNNETE, M. D. Handbook of indus-
trial and organizational psychology. Chicago: Rand McNally, 1976.
  Em uma abordagem funcionalista, pode-se ver a metáfora das organizações como organismos.
29

Ver MORGAN, Gareth. Nature intervenes: organizations as organisms. Images of organization. New-
bury: Sage, 1986, p. 39-71; MOTTA, Fernando P. Teoria das organizações, evolução e crítica. São
Paulo: Pioneira, 1986.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  83

por excelência. Nada mais lógico do que a realização e a reprodução em nível or-
ganizacional daquilo que ocorre em um plano social maior, no qual, sem dúvida,
as organizações têm um papel central.
Gareth Morgan30 sistematiza o estudo das organizações como sistemas polí-
ticos, lidando com a questão do conflito de interesses e dando especial ênfase à
dimensão do poder.31
O comportamento grupal tem sido exaustivamente estudado pelos teóricos
das organizações e pelos psicólogos sociais, em especial a partir de Kurt Lewin.
Modernamente, a tradição psicanalítica também tem-se preocupado com o gru-
po de forma bastante significativa.32 O trabalho de Bion sobre o comportamento
grupal, por exemplo, parece ser algo incorporado de modo definitivo aos esforços
de compreensão dessa sorte de processos.
Outras correntes de pesquisa bastante diversas vêm-se também ocupando
dos grupos de trabalho: na França, o grupo de Análise Institucional, e nos Estados
Unidos, o grupo do Desenvolvimento Organizacional. Michael Beer, referindo-
se às intervenções intergrupais, afirma: “O grupo primário é, provavelmente, o
mais importante subsistema do interior de uma organização. Sua importância na
configuração do comportamento organizacional faz recordar a visão de Likert da
organização como uma série de pequenos grupos ligados por indivíduos que são
membros em um grupo e líderes em outro. Não é, portanto, surpreendente que o de-
senvolvimento grupal tenha recebido tanta atenção.”33 Como citado anteriormente,
uma das funções dos simbolic managers é atuar como elementos de ligação entre
diversos grupos, a fim de buscar a integração e a aceitação dos padrões contidos
na cultura organizacional mais ampla da empresa.
A visibilidade do grupo é muito forte para o indivíduo, entre outras razões,
porque define seu “universo social’’. Faz sentido declarar que “um conjunto de
afirmações grupais de uma pessoa pode ser visto como definidor de sua posição, em
uma organização, de modo análogo à forma pela qual a posição espacial de uma
pessoa define sua posição no universo físico. Nos dois casos, a filiação e a posição

30
  MORGAN, G. Op. cit.
31
  MILLER, E.; RICE, A. Systems of organization. Londres: Tavistock, 1967; ANSART, Pierre. Ideolo-
gias, conflito e poder. São Paulo: Zahar, 1978. O autor estuda também neste livro a eficácia do nível
simbólico como fonte de dominação nas organizações, cap. 8; MORGAN, Gareth. Interests, conflict
and power. Images of Organization. Newbury: Sage, 1986. p. 141-194.
32
  O paradigma radical-humanista descrito por Gareth Morgan em seu livro Organizational symbo-
lism. MORGAN, Gareth. Op. cit. SMIRCICH, Linda. Studing organizations as cultures. In: MORGAN,
G. (Org.) Beyond method: strategies for social research. Beverly Hills: Sage, 1983.
  BEER, Michel. Technology of organization development. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit., p. 955.
33

Sobre a organização informal e seus relacionamentos com subgrupos organizacionais ver MORGAN,
Gareth. Op. cit. p. 112-134.

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84  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

espacial afetam fortemente a quantidade e o caráter substantivo dos estímulos aos


quais as pessoas estão expostas nas atividades quotidianas’’.34
O que ocorre no ambiente social é menos visível, porque a própria relação or-
ganização-ambiente, de que tanto se vem falando (principalmente agora, em que
a racionalidade econômica da inovação constante divulgada por Porter,35 entre
outros, propõe uma empresa que, além de reagir ao ambiente, deve influenciá-
lo), tem significados tão vagos que chega a ponto de comprometer o conteúdo
dos conceitos. Sobre isto é esclarecedora a colocação de William Starbuck,36 se-
gundo o qual: “em nível não desprezível, um ambiente organizacional é uma
invenção arbitrária da própria organização’’ e: “o mesmo ambiente percebido por
uma organização como imprevisível, complexo e evanescente, pode ser visto por ou-
tra organização como estático e facilmente compreensível’’.37
Este é o universo do controle social nas organizações, um universo que envol-
ve necessariamente alguns dos aspectos essenciais de qualquer organização, por-
que é, ele próprio, essência de qualquer organização complexa. Um universo que
envolve relações de produção, formas de organização do trabalho, inculcação
ideológica, repressão, dinâmica grupal e identificação, conforme detectaram di-
versos autores, entre eles Lloyd Warner, antropólogo, que percebeu a importância
da dimensão psicológica na explicação do sucesso profissional em organizações,
e que tanta influência exerceu sobre a sociologia americana.
Esta abordagem também pode ser vista em Max Pagès, que desenvolveu tra-
balhos importantes neste campo, focalizando o papel da canalização de energia
libidinal no controle social de organizações. Atualmente, Pagès é considerado
um dos pesquisadores mais importantes dentro do paradigma radical-humanista
aplicado ao estudo de organizações.38 O controle social envolve poder e autori-
dade, pelo simples fato de constituir a própria efetivação da dominação. Por esta
razão, a preocupação com o controle social nas empresas é a crítica de como a
autoridade se estrutura burocraticamente em organizações tradicionais.39

  Ver HACKMAN, J. Richard. Group influences on individuals. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit.
34

p. 1.459.
35
  PORTER, Michael. The competitive advantage of nations. New York: Free Press. p. 33-46.
36
  STARBUCK, W. Organizations and their environments. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit. p. 1.078-
1.080.
37
  Ver estudos ligados ao paradigma interacionista aplicados à administração e derivados da tradição
fenomenológica, que dizem que toda a interpretação está ligada a seu contexto de significados. A “sense-
make metaphor’’ ou significados compartilhados permite estudar esta questão. Ver WEXLER, M. Prag-
matism, interactionism and dramatism: interpreting the symbols in organizations. In: PONDY, L. (Org.).
Organizational symbolism. Greenwich: JAI, 1983; FORGHIERI, Yolanda. Psicologia fenomenológica:
fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira, 1993.
38
  PAGÈS, Max. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1993.
39
  Ver, a este respeito, VASCONCELOS, Flávio. Direito, trabalho e burocracia. São Paulo: EAESP/
FGV, 1989 (dissertação de mestrado), onde o autor descreve de forma crítica a burocracia e o au-
toritarismo presentes na justiça do trabalho brasileira e nas organizações em geral, salientando seu
papel como forma de dominação social.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  85

MERTON, SELZNICK E GOULDNER


Merton
Para Robert King Merton, a temática do controle social é tratada via crítica
da burocracia, inaugurando uma longa tradição. A burocracia é vista como por-
tadora de funções e disfunções, e isto nos ajudará a perceber as diferenças entre
o “tipo ideal’’ e a realidade. Para ele, a burocracia pode ser estudada em termos
de seu direcionamento para a precisão, a confiança e a eficiência e de suas limita-
ções para alcançar esses fins. A análise de Merton parte da exigência de controle,
por parte da burocracia, para seu funcionamento satisfatório. Assim, ela exerce
pressão sobre o funcionário, em termos de comportamento “metódico, prudente
e disciplinado’’. Tal pressão decorre da necessidade de alto grau de confiança
na conduta dos funcionários.40 Destaca-se, portanto, a relevância da disciplina.
Esta só se realiza se os padrões estabelecidos forem sustentados por sentimentos
que garantam a dedicação dos funcionários aos deveres burocráticos. Em última
instância, portanto, a eficácia da burocracia depende da inculcação de atitudes e
sentimentos apropriados a seu funcionamento.41
Ocorre, porém, que tais sentimentos inculcados tendem a se intensificar mais
do que o necessário, diminuindo o número de relações personalizadas, substi-
tuídas pelo apego excessivo às exigências dos procedimentos burocráticos, esti-
mulado pelo próprio planejamento da vida burocrática, isto é, de uma carreira
graduada, caracterizada por promoções, pensões, reajustes salariais etc. Ao fun-
cionário cabe, portanto, a adaptação de pensamentos, sentimentos e ações, com
vistas às perspectivas oferecidas pela carreira. Isto tende a estimular seu confor-
mismo, conservadorismo e tecnicismo.42 Tal inculcação, estimulada pelo forma-
lismo dos pequenos procedimentos, leva ainda à transferência da identificação
com os meios, representados pela conduta exigida pelas normas. A submissão à
norma, que passa de meio a fim em si mesma, gera, no nível da organização, um
deslocamento de objetivos. Em termos de “virtudes’’ do burocrata, leva à rigidez
de comportamento e à dificuldade no trato com o público, a quem a burocracia
deve atender.43
Tal dificuldade é estimulada pela categorização, isto é, pela tendência ao
enquadramento de grande variedade de casos particulares a algumas poucas ca-
tegorias de tratamento. O burocrata, longe de ser estimulado ao comportamento
inovador, é estimulado à segurança e ao conforto oferecidos pela obediência cega

40
  MERTON, Robert. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 275.
41
  MERTON, Robert. Estrutura burocrática e personalidade. In: CAMPOS, Edmundo. (Org.) Socio-
logia da burocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
42
  Idem, ibidem.
43
  Idem, ibidem.

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86  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

a regulamentos. Previsibilidade e rigidez de comportamento caminham, portan-


to, de modo paralelo. Por sua vez, ao mesmo tempo em que há uma redução das
relações personalizadas, dá-se o desenvolvimento do esprit de corps, a autodefesa
do grupo burocrático perante a sociedade e seu público. O desenvolvimento des-
sa autodefesa burocrática tende a aumentar a rigidez dos funcionários, cônscios
de seus interesses comuns e em busca de defendê-los.
Na linha de Merton, a principal consequência da rigidez de comportamento é
o surgimento de uma organização informal defensiva em face de qualquer ameaça
à integridade do grupo, o qual busca atender a seus objetivos, muito mais do que
aos dos clientes, para cujo serviço a burocracia existe. Tal fato em geral implica
o conservadorismo, bem como a redução ao mínimo de contatos pessoais com
os clientes, seguida do tratamento impessoal de assuntos que para estes tenham
importância pessoal, além do aparecimento do conflito entre o burocrata, que se
sente investido da autoridade de toda a organização, e o cliente, que, julgando-se
muitas vezes socialmente superior a ele, também possa adotar uma atitude do-
minante.44 A percepção de todo o modelo desenvolvido por Merton fica bastante
facilitada pela análise da Figura 5.1.
Nos anos 80 e 90, desenvolveu-se nas organizações a chamada “Cultura da
Qualidade’’,45 que defende uma organização que se integra horizontalmente, com
a diminuição de níveis hierárquicos e a desburocratização, a fim de processar
melhores informações, agindo sobre o ambiente. Esta abordagem “neofunciona-
lista’’ corresponde ao paradigma pós-industrial que, conforme citado, possui um
tipo de racionalidade econômica antiburocrática, que defende a criatividade e a
inovação. A empresa deve processar informações com rapidez, autorregulando-
se. A imagem utilizada pelos teóricos desta linha refere-se às organizações como
cérebros, que devem aprender a aprender. Os empregados devem agir em função
dos desejos e necessidades de seus clientes internos e externos, desenvolvendo
relações pessoais com os mesmos.

44
  Idem, ibidem.
  FLEURY, Maria Tereza. Cultura organizacional e estratégias de mudanças: recolocando estas
45

questões no cenário brasileiro atual. Revista de Administração. São Paulo: USP, v. 26, n. 2, p. 3-11,
abr./jun. 1991.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  87

Figura 5.1  Modelo simplificado de Merton.46

Joseph Campbell47 denuncia em seu estudo como os símbolos podem ser


usados como fonte de poder nas organizações. O autor utiliza a definição de
símbolos de Merton, que afirma que “o verdadeiro símbolo não indica apenas um
objeto. Ele contém em si mesmo a estrutura que dirige a nossa mente na formação
de uma nova consciência do significado intrínseco da vida e da realidade’’. Campbell
faz uma análise segundo o paradigma radical-humanista aplicado a organizações
e utiliza o trabalho de Merton dentro desta perspectiva.

Selznick
Selznick desenvolveu seu modelo mostrando, como Merton, algumas formas
pelas quais a burocracia acaba alcançando resultados não desejados. Sua análise
deriva do estudo da TVA, uma agência regional norte-americana algo semelhante
à Sudene, cujos resultados foram publicados em 1949.48 Em trabalhos posterio-

46
  MARCHI, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Rio de Janeiro: Fundação Ge-
túlio Vargas, 1966. p. 53
  CAMPBELL, J. Miths to live by. New York: Viking, 1972; DANDRIDGE, T. Symbols function and
47

use. In: PONDY, L. (Org.) Organizational symbolism. Op. cit. p. 71.


48
  SELZNICK, Philip. TVE and the grass roots. Berkeley, 1949.

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88  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

res, o seu modelo é um marco de referência subjacente.49 De modo diferente,


porém, de Merton, que salientou o papel das decisões derivadas da exigência de
controle, Selznick salienta o papel da delegação de autoridade. Seu pressuposto
é o de que as burocracias se caracterizam pela busca constante da integração de
objetivos de subgrupos à doutrina oficial da organização. É, portanto, o reino do
conflito, o reino da tentativa de legitimação de interesses parciais e, com frequên-
cia, divergentes. Partindo do princípio da especialização, a hierarquia delega au-
toridade, estabelecendo departamentos diversos para assuntos diversos. Com isto,
é verdade, os funcionários ganham experiência em domínios restritos, reduzem os
problemas nos quais concentram sua atenção e aperfeiçoam a forma de tratá-los.
Assim, a prática da delegação de autoridade, que não deve ser vista estritamente
como delegação de controle, mas como delegação de funções, é amplamente esti-
mulada. Selznick observa, porém, que alguns problemas decorrem dessa prática.
Em primeiro lugar, deve-se lembrar que não só o teor das decisões organiza-
cionais tende a modificar-se, como a produção de ideologias de subgrupos tende
a se desenvolver. Assim, sob a pressão de seus ruralistas, a TVA alterou, gradual-
mente, um aspecto significativo de seu caráter de agência conservadora, contra-
dizendo seus objetivos estabelecidos. Com efeito, refletindo atitudes e interesses
próprios, o grupo rural da TVA lutou contra a política de utilização de terras de
propriedade pública, contribuindo de forma efetiva para a alteração da política
original da TVA a esse respeito. Aliás, a busca inflexível de interesses próprios,
por parte do grupo rural da agência, acabou por envolvê-la em um conflito com o
Departamento do Interior, no nível da alta administração central federal.50
Em termos simples, a análise de Selznick indica que a delegação de autorida-
de, bifurcando interesses mediante a especialização, e propiciando o desenvolvi-
mento de ideologias grupais ou subgrupais, acaba por aumentar, no interior dos
próprios membros dos subgrupos, a internalização de seus objetivos, processo em
que desempenham papel básico nas decisões de rotina.
Como estas dependem, em primeira instância, dos critérios estabelecidos pela
organização, a própria operação das tarefas especializadas será responsável pela
criação de precedentes, que acabarão por constituir a reação comum a determi-
nadas situações, transformando-se, portanto, em padrões repetitivos de conduta e
internalizando cada vez mais os objetivos da burocracia, como prefere Selznick. A
busca de objetivos desejados pode, portanto, transformar-se facilmente na realiza-
ção de objetivos inesperados e indesejados pela burocracia, entendida em termos
das diretrizes estabelecidas pelo comando monocrático.
Embora a análise de Selznick seja interessante e realista, escapa-lhe a ver-
dadeira percepção da burocracia enquanto poder e sua decorrência: a lógica do

49
  SELZNICK, Philip. Leadership in administration. Illinois: Evanton, 1957.
  SELZNICK, Philip. Cooptação: um mecanismo para a estabilidade organizacional. In: CAMPOS,
50

Edmundo. Sociologia da burocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 99.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  89

comportamento burocrático. Com efeito, o padrão que a análise de Selznick tor-


na transparente oculta o fato de que a burocracia existe pelos burocratas e para
os burocratas. Assim, a multiplicação de tarefas especializadas, cargos e depar-
tamentos são a própria raison d’être dos burocratas. Em última instância, quanto
mais cargos, melhores as condições de aumento do poder burocrático, o que, em
nível de sociedade global, significaria que, quanto mais organizações burocráti-
cas, mais satisfeitos os burocratas. Isto é evidente e relaciona-se com a própria
carreira burocrática, sua mobilidade vertical e horizontal.
Na verdade, já em Selznick, tanto quanto em Merton, vamos encontrar a
contradição fundamental que permeia a teoria da organização funcionalista-sis-
têmica: a mediação entre a teoria e a realidade feita por modelos51 que, quanto
mais claros, menor valor explicativo apresentam, e quanto mais ricos, mais per-
dem esse valor. Isto ocorre porque o modelo é seletivo; parte de hipóteses prefe-
renciais, sem estar inserido em uma teoria histórica. Assim, o valor dos critérios
que presidem a escolha das variáveis em jogo é que dá o fundamento do modelo.
Selznick não consegue escapar ao aspecto central da crítica administrativa da bu-
rocracia: a expressão da razão do poder, muito mais do que do poder da razão.52
Tal conceito faz pensar duplamente em Veblen. Primeiramente, porque ele foi
um dos inspiradores de Merton, com seu conceito de “incapacidade treinada’’,
e em segundo lugar porque é dele a afirmação: “A autenticidade e a dignidade
sacramentais não pertencem à tecnologia, à ciência moderna, nem às atividades
mercantis.”53 De qualquer forma, porém, para perceber bem o modelo de Selzni-
ck, nada mais nítido que a Figura 5.2.

  Estes modelos estão sistematizados no livro de Gareth Morgan Images of organization. Ver MORGAN,
51

Gareth. Mechanization takes command: organizations as machines, p. 19-39, e Nature intervenes:


organizations as organisms, p. 40-71. Nos últimos anos, com o paradigma pós-industrial e com a
estratégia da inovação e da qualidade, fala-se em organizações proativas, que influenciam no meio
ambiente, não só reagindo a ele, em um alargamento do paradigma funcionalista. Surge, além
da metáfora da máquina e do organismo, a metáfora de organizações vistas como cérebros que
processam informações. Ver neste mesmo livro Toward self-organization: organizations as brains,
p. 79-105.
52
  TRAGTEMBERG, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974. p. 28.
53
  VEBLEN, Thorstein. Teoria da empresa industrial. Porto Alegre: Globo, 1966. p. 202.

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90  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 5.2  Modelo simplificado de Selznick.54

Em relação à integração dos subgrupos à doutrina oficial da organização,


alguns autores baseiam-se nos estudos de Selznick como fonte de sua análise.
Joanne Martin e Melanie Powers55 descrevem como os líderes organizacio-
nais escolhem valores-chaves que devem embasar a ação organizacional e, em
seguida, procuram criar uma estrutura social que incorpore estes valores. Des-
crevem ainda como símbolos, mitos, sagas e histórias são utilizados pelos líderes
para divulgar a missão e as diretrizes da organização para os diversos subgrupos
que a compõem. Wilkins, com base no livro de Selznick Leadership in administra-
tion, desenvolve esta mesma linha de análise.

Gouldner
Segundo o modelo de Alvin Gouldner, a origem das perturbações no equilí-
brio da organização como sistema maior, derivadas de técnicas de controle des-

54
  MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Op. cit. p. 73.
55
  MARTIN, Joanne; POWERS, Melanie. Truth or corporate propaganda: the value of a good war
story. In: PONDY, L. (Org.) Organizational symbolism. Op. cit.; WILKINS, Alan. Organizational stories
as symbols which control the organization. In: PONDY, L. (Org.) Organizational symbolism. Op. cit.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  91

tinadas a manter o equilíbrio em um subsistema, está na adoção de diretrizes


gerais e impessoais como forma de solução para o controle exigido pela cúpula
burocrática. Naturalmente, a despersonalização diminui a visibilidade das rela-
ções e poder, o que se relaciona de modo direto com o papel do supervisor. Com
isto, altera-se o nível de tensão interpessoal no grupo de trabalho.
Para Gouldner, enquanto unidade operacional, o grupo de trabalho tem sua
sobrevivência altamente favorecida pelo estabelecimento de diretrizes gerais, o
que só estimula a adoção crescente de tais diretrizes. Ocorre, porém, que as nor-
mas de trabalho evocam, nos membros da organização, atitudes mais intensas do
que aquelas pretendidas pelos detentores da autoridade, à medida que, definindo
os padrões inaceitáveis de comportamento, estas normas burocráticas ampliam o
conhecimento dos padrões mínimos aceitáveis. Se houver baixo nível de interna-
lização dos objetivos da organização por parte dos funcionários, é de esperar que
a explicação de níveis mínimos de desempenho admissíveis aumente a diferença
entre o planejado e o realizado, dando margem ao que, vulgarmente, se dá o
nome de nivelamento por baixo.56
O pressuposto é o da existência, na teoria de Weber, de conflitos decorrentes
de uma eventual incapacidade do autor de ver as tensões burocráticas, pelo fato
de analisar de forma primordial a burocracia governamental, solidária em nível
de aparência. Tal deslize não teria ocorrido se a fábrica tivesse sido seu foco de
análise. Ali, as tensões, por serem mais evidentes, forçá-lo-iam a ver que as nor-
mas poderiam ser racionais ou vantajosas para um nível hierárquico e não neces-
sariamente para o outro. É evidente que o pressuposto peca pela base. Mais uma
vez se pretende colar o tipo ideal à realidade e ver o que fica do lado de fora. O
nível de abstração em que trabalhou Weber foi bem mais alto. Além disso, é preci-
so distinguir entre organização burocrática e burocrata. Assim, não é obrigatório
que todas as pessoas que trabalham em uma burocracia sejam burocratas. Os
operários de uma fábrica, limitados pura e simplesmente a tarefas de execução,
não são burocratas, mas trabalham em organizações burocráticas e estão sub-
metidos ao poder burocrático. Isso está cristalino em Max Weber, quando afirma
que “é simplesmente ridículo que nossos literatos possam crer que o trabalho não
manual no escritório privado é diferente, um mínimo que seja, do trabalho numa
repartição pública. Ambos são basicamente idênticos. Sociologicamente falando, o
Estado moderno é uma ‘empresa’ (Betrieb) idêntica a uma fábrica: esta é exatamen-
te sua peculiaridade histórica’’.57

  GOULDNER, Alvin. Patterns of industrial bureaucracy. Glencoe, Illinois: Free Press, 1954. Apud
56

MARCH, J.; SIMON, H. Op. cit. p. 57.


  WEBER, Max. Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída. São Paulo: Abril,
57

1974. p. 23 (Os Pensadores). O chamado paradigma radical estruturalista, baseado em trabalhos


de weberianos radicais (entre outros), permite o estudo de organizações como fonte de dominação.
Uma das metáforas citadas por Morgan é o estudo das empresas como sistemas políticos, já citada
neste artigo, e derivada desta abordagem de Weber.

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92  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Para Gouldner, há em Weber, além disso, uma “incipiente distinção entre


normas impostas e normas estabelecidas por acordo, indicando dois aspectos mais
amplos de um mesmo problema, entrelaçados em uma teoria’’.58 A afirmação acaba
bem, mas começa muito mal: a distinção incipiente é nada mais, nada menos
do que a visão clara da manifestação da dominação mediante poder de mando
e subordinação, e da dominação mediante uma constelação de interesses – uma
transformando-se facilmente na outra. Nada mais do que a base da teoria webe-
riana da burocracia, que nada tem de incipiente!
Tudo fica bem mais simples, quando se percebe a diferença entre “tipo ideal’’,
“construção conceitual’’ e burocracia concreta e historicamente situada, refletin-
do as contradições fundamentais de dada formação social e contribuindo para
acentuá-las. E é isto o que faz a burocracia sob o reino do antagonismo. O que
esperar de uma forma de dominação que tem a disciplina como aspecto funda-
mental, a qual, segundo o próprio Weber, tem como conteúdo “apenas a execução
consistentemente racionalizada, metodicamente exercitada e exata da ordem rece-
bida e na qual toda crítica pessoal é incondicionalmente suspensa, cabendo ao ator
única e exclusivamente executar a ordem’’?59
Em termos concretos, Gouldner também concebeu um modelo no qual a bu-
rocracia é vista como organização dotada de funções latentes e manifestas. A
percepção de seu modelo é simples, a partir da Figura 5.3.

58
  GOULDNER, Alvin. Conflitos na teoria de Weber. In: CAMPOS, Edmundo. Sociologia da buro-
cracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 61.
  MILLS, C. W.; GERTH, H. From Max Weber. New York: Oxford University Press, 1946. p. 254,
59

original norte-americano de Weber, Max, Ensaios de Sociologia.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  93

Figura 5.3  Modelo simplificado de Gouldner.60

Michel Crozier
Michel Crozier procurou fundamentar sua análise do sistema de organização
burocrática na luta pelo poder e por sua manutenção. Todavia, não conseguiu,
em suas primeiras e mais clássicas análises, fugir aos paradigmas da herança da
crítica administrativa da burocracia já levantada. A crítica inicial de Crozier é um
típico exemplo de como um método de análise pode empobrecer um conjunto
rico de ideias.
Para ele, sensatamente, não se pode compreender o funcionamento de uma
organização sem levar em conta os problemas da administração. Os problemas
da administração são vistos como problemas de ação cooperativa, muito mais
do que como problemas de dominação. Por este motivo, têm como ponto de
partida o pressuposto de que “toda ação cooperativa coordenada exige que cada
participante possa contar com um grau suficiente de regularidade por parte dos
outros participantes, ou seja, que toda organização, qualquer que seja sua estrutura,
quaisquer que sejam seus objetivos e sua importância, requer de seus membros uma
quantidade variável, mas sempre importante, de conformidade’’.61

60
  MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Op. cit. p. 74.
61
  CROZIER, Michel. Le phenomène bureaucratique. Paris: Seuil, 1970. p. 242.

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94  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Até o início do século XX, a conformidade foi obtida por meio da violência,
e as empresas do século XIX adotaram o velho modelo burocrático militar. Com
toda razão, Crozier salienta que é um erro negligenciar, em sociologia histó-
rica, a documentação disponível sobre os fundamentos das primeiras grandes
organizações comerciais, dos primeiros exércitos permanentes e das ordens re-
ligiosas.62 Todavia, Crozier não faz uma sociologia histórica. Apresenta mais um
modelo, dotado de quatro traços essenciais que caracterizam a burocracia mo-
derna. Como os demais modelos já mencionados, peca pela falta de colocação da
burocracia numa perspectiva histórica.63 Os quatro traços que Crozier apresenta,
de forma crítica, são:

• a extensão do desenvolvimento das regras impessoais, que vê a burocra-


cia como um freio ao arbítrio e ao favoritismo, mas, ao mesmo tempo,
também a vê como um freio ao desenvolvimento da personalidade e da
criatividade;
• a centralização de decisões, levando à rigidez organizacional;
• o isolamento dos níveis ou categorias hierárquicas, levando ao desloca-
mento de objetivos;
• o desenvolvimento de relações de poder paralelas.

O conjunto dessas quatro características tende a constituir uma série de cír-


culos viciosos, reforçadores da impessoalidade e da centralização. Mais uma vez,
a camisa de força do método funcionalista não permite perceber o real espírito da
burocracia. Volta-se a um idealismo quase hegeliano, mas pobremente hegeliano;
ressalta-se que a crítica do jovem Marx, desvendando a mistificação do interesse
geral, é ignorada, e a leitura de Weber é feita fora da história. Afora isso, ao fazer
uma crítica humanista da sociedade francesa, coloca a participação como um mi-
to.64 Toda participação será um mito? Há muitos exemplos históricos de participa-
ção. Se ela tende a ser uma forma de manipulação ou uma concessão secundária
das elites dominantes, trata-se de outro problema, que merece um estudo mais
acurado. A solução é colocada na constituição de sistemas mais abertos de regu-
lação, mediante o que se chama de investimento institucional, e tal investimento,
“política e economicamente doloroso, começa por tornar os dirigentes políticos mais
racionais’’. Assim, mudar-se-á a França e, talvez o mundo... A que outra conclusão
se poderia chegar, a partir da outra constatação da burocracia como sistema inca-
paz da autocorreção? Para qualquer outra conclusão, seria necessário que não se
fizesse uma crítica burocrática da burocracia.

62
  CROZIER, Michel. Ob. cit. p. 243.
  LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
63

1977. p. 145.
64
  CROZIER, Michel. Op. cit.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  95

Com o atual desenvolvimento da gestão participativa de recursos humanos,


os textos de Crozier, que dão ênfase à participação, são utilizados por alguns
autores (principalmente interacionistas). Norbert Alter,65 ao descrever as intera-
ções entre os diversos grupos da empresa informacional, baseou-se em textos de
Crozier. Edmond Marc e Dominique Picard fazem uma análise de Crozier apli-
cada a organizações, dentro do paradigma interacionista: “O conceito de ação
estratégica desenvolvido por Crozier reforça a margem de liberdade que um ator
social possui, não importando o contexto organizacional ao qual ele está submetido.
O ator não existe fora do sistema que define qual será sua liberdade e qual o tipo de
racionalidade que ele poderá utilizar em sua ação, mas o sistema não existe sem o
ator que o constitui e o forma, e que pode modificá-lo.”66

O GRUPO DE ASTON
Em termos bastante gerais, podemos afirmar que o trabalho do Grupo de
Aston, na Grã-Bretanha, pretendeu demonstrar, de modo empírico, que a buro-
cracia constitui um conceito pluridimensional, ao contrário do que o conceito de
“tipo ideal’’ de Max Weber sugere. Escolheram para tanto um caminho ingrato,
o teste empírico de uma construção teórica que, por sua própria natureza, não
é empiricamente testável. Ainda assim, de posse de um instrumento analítico
relativamente sofisticado, pretenderam invalidar o “tipo ideal’’ weberiano, com
base na descoberta de uma correlação negativa entre estruturação de atividade
e centralização na tomada de decisões. Mesmo deixando de lado a ingenuidade
da proposta metodológica, resta ainda um problema, que consiste no fato de
que Weber parece ter relacionado concentração de poder no topo da hierarquia
e atividades altamente estruturadas, o que nada tem a ver com centralização ou
descentralização na tomada de decisões.67
O trabalho do Grupo de Aston levou ao estabelecimento de uma taxonomia
empiricamente derivada, que não pretende ser exaustiva, incluindo sete tipos
diversos de burocracia: (a) plena; (b) plena nascente; (c) de fluxo de trabalho;
(d) nascente de fluxo de trabalho; (e) de pré-fluxo de trabalho; (f) burocracia de
pessoal; (g) organização implicitamente estruturada.
Estes tipos refletem o que o Grupo convencionou chamar três “dimensões’’
burocráticas, operacionalmente definidas: (a) estruturação de atividade; (b)
concentração de autoridade; (c) controle de linha de fluxo de trabalho.68 Além

65
  ALTER, Norbert. Logiques de l’entreprise informationnelle. Revue Française de Gestion, n. 74, 1989.
66
  MARCH, Edmond; PICARD, Dominique. L’interaction sociale. Paris: PUF, 1989. p. 114.
67
  MOTTA, Fernando C. Prestes. O sistema e a contingência. In: Teoria geral da administração: uma
introdução. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1976.
  PUGH, D. S.; HICKDSN, D. S. J.; HINNINGS, C. R. An empirical taxonomy of structures of work
68

organizations. In: Administrative Science Quarterly, Ithaca, v. 14, n. 3, p. 378, Sept. 1969.

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96  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

dos problemas que, já de início, comprometeram sua pesquisa, o Grupo de Aston


incorreu ainda em numerosos problemas de natureza conceitual, metodológica
e operacional. Houve falha na definição das variáveis e chegou-se a resultados
tautológicos, uma vez que formalização e padronização mediram quase a mesma
coisa. Além disso, como foi amplamente reconhecido, existindo vinte empresas
filiais em sua amostra, teria sido surpreendente encontrar baixa correlação en-
tre centralização na tomada de decisões e perda de autonomia, e não o contrá-
rio, como concluíram os pesquisadores. Na verdade, o balanço do trabalho do
Grupo de Aston aponta um empreendimento intelectual infeliz, apesar da grande
divulgação que alcançou. De resto, todos os problemas encontrados na crítica
administrativa da burocracia ali estão presentes.

OUTROS CRÍTICOS E OS LIMITES DA CRÍTICA


Há ainda muitos críticos que poderiam ser incluídos na vertente da crítica
administrativa da burocracia. Entre eles estão, sem dúvida, W. W. White, Cris
Argyris, Maslow, Warren Bennis, McGregor, Presthus, Likert, Mouton e Blake e
Herbert Shepard, que demonstram a obsolescência da organização burocrática,
do ponto de vista das necessidades humanas. Alguns desses autores incidiram
no engodo da organização pós-burocrática, outros não. Poucos, de qualquer for-
ma, perceberam que o que importa é a análise da burocracia enquanto poder.
Mesmo assim, chegaram a algumas colocações que são interessantes, como a de
que a burocracia o leva a práticas e relações que, em larga medida, repetem a
infância.69 Outras análises, estas sim mais interessantes, fogem aos paradigmas
da crítica administrativa, colocando o estudo das organizações em um nível de
indagação bem mais elevado; a crítica administrativa convencional da burocracia
está, porém, há muito em crise, não se podendo esperar dela nenhum grande
esclarecimento no que se refere à questão do controle social nas organizações.
Ela prometeu muito e cumpriu pouco. A incapacidade de ver a burocracia como
forma de poder historicamente situada está no centro dessa crise, que diz respei-
to não apenas à crítica administrativa, mas também a toda a produção intelectual
de cunho funcionalista.70
Aqui, porém, não é apenas a análise externa dessas colocações teóricas que
revela a crise. São muitas vezes os próprios formuladores de crítica adminis-
trativa que chegam à percepção dos impasses que demonstram seus quadros
de referência. Este é, por exemplo, o caso de Alvin Gouldner e Michel Crozier.
Alguns trechos de obras suas mais recentes falam por si mesmos. Assim, afirma
Gouldner: “Três forças contribuíram para a crise em pauta (do estrutural-funcio-

69
  THOMPSON, Victor. Moderna organização. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967. p. 5.
  MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria das organizações nos Estados Unidos e União Soviética.
70

Revista de Administração de Empresas. Rio de Janeiro, FGV, v. 14, n. 2, 1974.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  97

nalismo): 1. o aparecimento de novas infraestruturas, dissonantes em relação à


teoria funcionalista estabelecida entre a juventude de classe média, estrategicamente
íntima do meio universitário em que a teoria social é feita e transmitida; 2. os de-
senvolvimentos internos à própria escola funcionalista, que inseriram uma crescente
variabilidade e hostilidade em seu trabalho – uma entropia – e assim obscureceram
a clareza e a assertividade de seus limites teóricos e destruíram sua especificidade
enquanto escola; 3. o desenvolvimento do welfare state, que aumentou considera-
velmente os recursos disponíveis para a sociologia. Os funcionalistas acomodaram-se
ao welfare state, mas, ao mesmo tempo, tal acomodação ocorreu através da geração
de tensões que envolveram os pressupostos tradicionalmente centrais para o modelo
funcionalista.”71 Na realidade, o funcionalismo sempre foi uma corrente legitima-
dora de uma formação social. Sua crise revela a fase mais profunda dessa forma-
ção. Basta pensar no que foi a década de 60 nos Estados Unidos e na França, por
exemplo, para que isto se torne evidente.
Crozier e Friedberg são ainda mais claros na percepção da crise do quadro de
referências que norteia a crítica administrativa da burocracia: “... toda estrutura
de ação coletiva se constitui como sistema de poder. Ela é fenômeno, efeito e fato de
poder. Enquanto construção humana, ela organiza, regulariza, ‘provisiona’ e cria
poder, para permitir aos homens a cooperação em empreendimentos coletivos.
Toda análise séria da ação coletiva deve, portanto, colocar o poder no centro de
suas reflexões, pois, em última instância, a ação coletiva nada mais é do que a
política quotidiana. O poder é sua matéria-prima. (...) Entretanto, o poder con-
tinua a ser o eterno ausente em nossas teorias da ação social.72 Naturalmente,
quase tudo que se diz e se escreve sobre controle social nas organizações tem no
poder o grande ausente. Também no que se diz a respeito da burocracia, forma
de institucionalização da dominação, toda atenção é concentrada nos arranjos
administrativos e quase nenhuma na problemática do poder, o que torna a tra-
dição managerialista bastante empobrecida em muitos aspectos. Fundamental é
perceber o fenômeno do distanciamento que ocorre entre muitos teóricos organi-
zacionais e as formulações de Weber, tido como seu inspirador.

WEBER E A TRADIÇÃO MANAGERIALISTA

A produção intelectual de Max Weber precisa ser compreendida a partir do


marco histórico que a determina – a Alemanha do século XIX – e das primeiras
décadas do século XX. A crítica administrativa da burocracia é, portanto, uma
leitura específica de Max Weber, que se precisa entender a partir de outro marco

  GOULDNER, Alvin. The coming crisis of Western sociology. New York/London: Basic Books,
71

1970. p. 410.
72
  CROZIER, Michel; FRIEDBERG, Erhard. L’acteur et le système. Paris: Seuil, 1977. p. 22-24.

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98  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

histórico a saber, os Estados Unidos, principalmente da década de 1940 em dian-


te, e outros países desenvolvidos contemporâneos.
Assim, não se pode perder de vista que o Império Alemão, que desaparece
realmente na época da eclosão da Primeira Grande Guerra, existiu durante um
século sob as formas da Confederação Alemã, do autoritarismo bismarckiano e
do reinado de Guilherme II. O período que vai de 1862 a 1866 tem especial rele-
vância, já que nessa época a hegemonia prussiana sobre a austríaca torna-se um
fato histórico e, em grande medida pelas mãos de Bismarck, a unificação alemã
torna-se um problema resolvido.
Não fora resolvida, porém, a tensão com a França e as pressões exercidas por
Napoleão III, que acabaram constituindo a base política da guerra franco-prussia-
na de 1870 a 1871. Em resumo, os resultados dessa guerra foram a formação do
Império Alemão, o II Reich sob Guilherme I, rei da Prússia, e a perda, por parte
da França, da Alsácia, salvo Belfort, e da maior parte da Lorena, bem como o
pagamento de uma indenização de 5 bilhões de francos.
Se o equilíbrio do poder entre as potências europeias garantiu um período
relativamente tranquilo para a Alemanha, tal equilíbrio durou somente até a Pri-
meira Guerra Mundial. O país, no pré-guerra, tem uma ação política considerável,
buscando a todo custo a aliança inglesa contra as investidas das potências conti-
nentais, além de procurar evitar um conflito armado nos Bálcãs, onde fervilhava
a rivalidade austro-russa. Talvez, porém, mais do que tudo, sua ação política se
concentrasse na busca do isolamento da França entre outras coisas, para que esta
não reconquistasse a Alsácia e a Lorena.
De modo mais amplo, todo período que compreende o século XIX e as primei-
ras décadas do século atual é de crucial importância política para a Alemanha.
Bismarck foi um estadista forte, de ação decisiva. No plano da política externa,
articulou todo um conjunto de alianças com a Rússia e a Áustria e posteriormen-
te, com esta última e a Itália, institucionalizando a Tríplice Aliança em 1882. A
política externa, de Bismarck, tanto quanto a interna, foi inclusive responsável
por sua demissão em 1890, a partir de desacordos manifestos com Guilherme
II. O que o primeiro temia por ocorrer: a Tríplice Entente, entre Grã-Bretanha,
Rússia e França. A Tríplice Entente surge como uma frente, em face da Tríplice
Aliança da qual a Alemanha fazia parte. Esta é a situação às vésperas da Primeira
Guerra Mundial. A Alemanha é palco de uma situação interna na qual a hegemo-
nia do Estado sobre a sociedade civil é incontestável. A situação econômica é de
instabilidade, e a social e política, de crise e fraqueza. A elite burocrática estatal
é forte, à medida que a burguesia e o proletariado não conseguem se impor nem
juntos, nem isoladamente. O Parlamento não tinha poder efetivo sobre a burocra-
cia, o que equivale a dizer que esta absolutamente não era controlada de forma
adequada aos padrões de uma democracia liberal.
No plano econômico, a Alemanha não consegue colocar seus produtos em
posição competitiva, devido à Tríplice Entente. No plano social, o clima é de

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  99

temor. As classes médias obtêm pouco proveito de uma economia dominada por
trustes e cartéis. Os grandes proprietários temem os perigos que vêm do exterior,
o proletariado procura proteger-se no Partido Social Democrata e nos sindica-
tos. Os pequenos burgueses temem as reivindicações trabalhistas. O Parlamento,
sem poder efetivo, está muito longe de poder ser visto como representante real
do povo. O delírio coletivo exacerbado do pangermanismo é dominante no co-
meço do século.73
Nesse contexto, Weber estuda a burocracia, e sua erudição o leva à elabo-
ração de uma sociologia, nem positivista, nem marxista, em que a teorização
sobre a dominação constitui elemento central. A obra monumental de Weber não
recusa as determinações históricas. Ao contrário, as instituições administrativas
são estudadas em épocas muito diversas, e o estudo da racionalidade burocrática,
que lhe é contemporânea, é paralelo ao da racionalidade capitalista. Na Alema-
nha, onde Weber produz teoricamente, ele é um profeta desarmado. Percebe o
poder da burocracia e percebe seu perigo. No plano político, propugna seu con-
trole pelo Parlamento.
Todavia, a teorização de Weber foi por demais empobrecida pela reinterpreta-
ção cultural feita pela teoria administrativa. Todo o esforço foi dirigido no sentido
de concentrar a atenção no “tipo ideal’’ de organização burocrática, de perceber se
as organizações se adaptavam a ele ou não. Com isto, perde-se de vista a proble-
mática central, ou seja, a dominação burocrática. Assim, a crítica administrativa,
ao afirmar que estamos passando para uma fase de organizações pós-burocráticas,
na verdade legitima ideologicamente a burocracia enquanto poder e dominação
que é. Por esta razão, é preciso enfatizar o que é mais rico na sociologia política de
Weber: a teoria da dominação.
Max Weber preocupa-se com a forma pela qual uma comunidade social apa-
rentemente amorfa chega a transformar-se em uma sociedade dotada de raciona-
lidade. Tal passagem se daria por meio do que chama de ação comunitária, cujo
aspecto fundamental é a dominação. Esta pode manifestar-se como dominação
mediante uma constelação de interesses, ou como dominação em função do po-
der de mando e subordinação. De qualquer forma, porém, uma pode facilmente
transformar-se na outra.
A dominação deve ser entendida como um estado de coisas no qual as ações
dos dominados aparecem como se estes houvessem adotado como seu o conteúdo
da vontade manifesta do dominante. Assim, embora a dominação seja uma for-
ma de poder, ela não é idêntica ao poder. Poder é a possibilidade que alguém ou
algum grupo tem de realizar sua vontade, inclusive quando esta vai contra a dos
demais agentes da ação comunitária.

  VERMEIL, Edmond. The German scene: social, political, cultural – 1890 to the present days.
73

Londres: George Harrap, 1956.

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100  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

A manifestação de qualquer dominação dá-se sob a forma de governo.74 Isto


ocorre porque as tarefas a serem realizadas exigem um aumento crescente de
treinamento e experiência. Assim, a necessidade técnica favorece a continuidade
dos funcionários, levando ao que Weber chama de dominação mediante orga-
nização. A dominação organizada confere uma vantagem aos funcionários, em
face da massa dominada.75 Tal vantagem decorre de seu número relativamente
pequeno, que possibilita o acordo rápido no sentido da conservação de suas
posições, na criação e direção de uma ação racional. Embora tal vantagem se
vá tornando menos provável à medida que aumenta o número de funcionários,
as disposições que regem a socialização garantem aos chefes terem à sua dispo-
sição, de modo constante, um círculo de pessoas interessadas em participar no
mando e em suas vantagens.
O círculo de funcionários potenciais, próximos aos chefes, permite o exercí-
cio do poder de coação e a manutenção da dominação, configurando aquilo que
Weber chama de estrutura de uma forma de dominação: o relacionamento entre o
chefe e seu aparato administrativo, e entre ambos e os dominados. Esta estrutura
aparecerá nas diversas formas que pode assumir a dominação, fundamentalmen-
te tradicional, racional-legal e carismática. Tais tipos constituem uma resposta à
questão da legitimidade da dominação, isto é, dos princípios em que se apoia
a exigência de obediência dos funcionários ao senhor, e dos dominados a ambos.
Como sabemos, a dominação legal fundamenta-se no primado da regra ra-
cional estabelecida, manifestando-se em sua forma mais pura na burocracia, tipo
específico de sua estrutura. É sempre bom lembrar que Weber tratou a burocracia
como “tipo ideal’’, ou seja, como uma construção conceitual a partir de certos ele-
mentos empíricos que se agrupam, logicamente, em uma forma precisa e consis-
tente, mas que, em sua pureza, nunca se encontram na realidade.76 De qualquer
modo, porém, o formalismo, a impessoalidade e o profissionalismo burocrático
traduzem-se em uma administração heterônoma, em que a autoridade flui de
cima para baixo, assumindo a forma piramidal, e evidenciando seu caráter mono-
crático, isto é, a obediência ao princípio da unidade de comando.
A heteronomia burocrática significa a ausência de qualquer autonomia indi-
vidual ou social, no que diz respeito à participação no processo administrativo.
A ação individual está claramente limitada pelas posições na pirâmide organi-
zacional. Que não restem dúvidas, para Weber, “a burocracia é um tipo de poder.
Burocracia é igual a organização. É um sistema em que a divisão de trabalho se dá
racionalmente, visando a determinados fins. A ação racional burocrática é a coerên-
cia da relação de meios e fins visados’’.77

74
  WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1974. v. 2, p. 701.
75
  WEBER, Max. Ob. cit. p. 704.
76
  WEBER, Max. On the methodology of the social sciences. Illinois: Glencoe, 1949. p. 90-93.
77
  TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974. p. 139.

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O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  101

Toda a teorização weberiana está inserida em uma filosofia da história que


revela certo grau de pessimismo que outros grandes pensadores sociais não com-
partilham. Essa filosofia, traduzida em termos simples, implica a tensão entre o
carisma, representando as forças criativas e espontâneas da sociedade, e a rotina.
“No processo histórico, o líder carismático constitui uma força revolucionária.
Nos momentos críticos, quando as instituições sociais se tornam rígidas demais
e inadequadas para enfrentar situações difíceis e novas, o carisma, uma força
destruidora, derruba a ordem estabelecida e abre novos caminhos de vida. Mas a
vitória do carisma sobre a rotina nunca é definitiva. Ao contrário, o carisma acaba
sendo rotinizado, estabelecendo novamente a ordem das coisas.’’78
Para Weber, a burocracia do mundo moderno constituía a maior ameaça à
liberdade individual e às instituições democráticas das sociedades ocidentais. A
burocracia era, portanto, um perigo, e, por esta razão, devia ser sempre contro-
lada pelo Parlamento.79
Entretanto, mesmo assim, ele via o político adotando cada vez mais a ética
do burocrata, com a burocratização dos partidos políticos. O pessimismo webe-
riano, longe de ser para nós motivo de desilusão, deve ser um alerta. Mais do que
isto, deve-se perceber nele seu desagrado para com a burocracia. Referindo-se a
um debate no qual Weber tomou parte, Warren Bennis faz uma tradução aparen-
temente um pouco livre, das palavras de Weber, mas que, de qualquer forma, dá
uma ideia bastante forte de suas preocupações neste sentido: “É horrível pensar
que o mundo possa vir a ser um dia dominado por nada mais que homenzinhos
colados a pequenos cargos, lutando por outros maiores; situação que será vista
dominando parte sempre crescente do espírito do nosso sistema administrativo
atual e, especialmente, de seu produto: os estudantes. (...) A paixão pela buro-
cracia é suficiente para levar alguém ao desespero. O mundo só conhece homens
como estes – é esta a situação a que já chegamos e a grande pergunta não é, por-
tanto, como podemos promovê-la e apressá-la, mas o que opor a esse mecanismo
para conservar uma parte da humanidade livre dessa fragmentação da alma,
desse domínio supremo do modo burocrático de vida.’’80
Coloca-se, assim, uma discussão teórica fundamental para a questão do po-
der e do controle social nas organizações, da qual podem ser deduzidas muitas
outras hipóteses para pesquisa teórica e empírica.
O autor termina seu artigo aqui, mostrando como a racionalidade burocráti-
ca levada ao excesso pode ser prejudicial.

  MOUZELIS, Nicos. Organization and bureaucracy. New York: London School of Economics,
78

Aldine-Atherton, 1972. p. 20 (tese de doutoramento).


79
  WEBER, Max. Parlamentarismo e governo. Op. cit.
  BENNIS, Warren. Organizações em mudança. São Paulo: Atlas, 1976. p. 18; PERRY, Marvin.
80

Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 623.

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102  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

CONCLUSÃO
Logo no início do presente texto, viu-se como a questão do controle social é
central na análise organizacional, por sua característica de instância de controle
a serviço de sistemas sociais maiores. Hoje, pode-se afirmar que esta temática é
central não só do ponto de vista teórico, como também para a compreensão das
alternativas que se colocam para um universo organizacional e social de acelera-
do processo de mudança.
A lógica de produção capitalista obriga o desenvolvimento das forças produ-
tivas. A competição econômica força as organizações a buscarem uma performan-
ce superior, renovando permanentemente o trabalho, a técnica e os produtos, e
dando origem a um espiral de mudanças infinito e vertiginoso.
Um ponto crucial deste desenvolvimento ocorre após a Segunda Guerra
Mundial, no casamento, em condições de mercado globalizado, da investigação
científica com o processo produtivo. A partir daí, a distância econômica entre os
blocos políticos se acentua. Os países socialistas e do Terceiro Mundo não conse-
guem seguir os passos dos países desenvolvidos.
O filósofo alemão Robert Kurz81 desenvolveu uma teoria para o momento
atual. Para Kurz, o mundo todo está integrado num único sistema, de forma
que uma crise nos países periféricos implica problemas nos países centrais. Além
disso, a concorrência no mercado mundial torna obrigatório o novo padrão de
produtividade, que combina necessidade de uma grande infraestrutura com alta
tecnologia e vultosos investimentos. Este novo padrão, num mercado altamente
interligado, representa um limite no processo de desenvolvimento capitalista.
Pela primeira vez, o aumento de produtividade implica dispensa de trabalhado-
res, restringindo o mercado consumidor.
A globalização econômica tem implicações antes impensáveis. A vitória de
uma empresa não significa apenas a derrota de sua concorrente, mas, eventual-
mente, pode acarretar impactos sociais graves a comunidades inteiras do outro
lado do mundo. Os países do Terceiro Mundo, perdidos no meio de uma transição
incompleta ao industrialismo, debatem-se em crises internas e não conseguem
formular projetos nacionais capazes de superar os impasses.
Paralelamente às macromudanças, as organizações refletem e catalisam no-
vas mudanças. A aceitação da visão mecanicista, da organização de comando e
controle, da burocracia de inspiração weberiana, coincide com a ascensão da ci-
vilização urbano-industrial. Seu declínio, por sua vez, leva a um questionamento
das limitações do modelo tradicional.
O modelo tradicional enfatizava equilíbrio e estabilidade. Relacionava-se,
portanto, a sistemas sociais fechados. Com a transição para uma sociedade ba-
seada em grandes movimentações de capital, tecnologia e trabalho, na qual

  KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise da


81

economia mundial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 244 p.

5577.indb 102 20/06/2011 15:51:51


O Novo Sentido da Liderança: Controle Social nas Organizações  103

inovação é um valor central e informação um recurso fundamental, o modelo


tornou-se superado.
A “ascensão’’ da dimensão simbólico-cultural à categoria de objeto de interes-
se dos estudiosos das organizações parece refletir uma duplicidade de ponto de
vista sobre a realidade da reforma das organizações burocráticas.
De um lado, pode-se entender a incorporação desta dimensão dentro do pro-
cesso de renovação das burocracias como analisado sob a lente do “pessimismo’’
weberiano. De fato, os movimentos atuais de reorganização do trabalho, especial-
mente sob a palavra de ordem da qualidade, são significativos de certo “neofun-
cionalismo’’, que busca introduzir novas formas de dominação e controle social
através da manipulação criativa de símbolos, ritos e outros elementos culturais.
De outro lado, pode-se assumir uma postura mais próxima dos radicais-hu-
manistas, seguindo, por exemplo, a trilha proposta por Durand.82 Para o autor,
nossa sociedade cientificista, positivista e iconoclasta confundiu desmistificação
com desmitificação. Mas esta mesma sociedade criou um “museu imaginário’’
através dos meios de informação e comunicação, que possibilita uma confron-
tação de culturas em escala mundial e propicia um equilíbrio remitificador em
escala planetária. Desta forma, a incorporação da dimensão simbólico-cultural
poderia estar relacionada com o avanço de um processo criativo de individuação,
capaz de catalisar profundas mudanças nas organizações.
Mas, qualquer que seja a postura assumida, não parece haver dúvidas so-
bre as potencialidades contidas na adoção da dimensão simbólico-cultural como
ferramenta analítica para o estudo dos sistemas de controle e das configurações
de poder nas organizações. Parecem extremamente fecundas as possibilidades
geradas com a incorporação destes conceitos à herança analítica weberiana, base
estrutural obrigatória de qualquer análise das organizações burocráticas.
Neste sentido, uma “leitura simbólica’’ da obra de Weber pode vir a tornar-se
um recurso poderoso para o estudo das organizações pós-industriais e, especifi-
camente, dos processos de mudança atuais.

82
  DURAND, Gilbert. Op. cit. p. 105.

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6

Pop-Management1
Ana Paula Paes de Paula
Thomaz Wood Jr.

INTRODUÇÃO
Todos os dias livros de gestão empresarial e revistas de negócios chegam
às livrarias e às bancas. Nos últimos anos, esse segmento da indústria editorial
tornou-se vigoroso e próspero. Entretanto, além da dimensão mercadológica,
aquele que se detiver na observação do conteúdo encontrará entre os livros mais
vendidos e as revistas mais populares alguns padrões recorrentes: feitos grandio-
sos de gerentes heróis, exortações à introdução de novas tecnologias gerenciais
e receitas para o sucesso profissional. Na intersecção entre a oferta de panaceias
gerenciais e a busca ansiosa de soluções fáceis para todos os males, ocorrida em
clima – real ou imaginário – de turbulências e grandes mudanças, o management
vem-se popularizando e parece ter gerado um duplo: o pop-management.
Embora proponentes de visões mais críticas possam argumentar que tal lite-
ratura tem qualidade e consistência duvidosas, não se pode negar que ela hoje
ocupa lugar de destaque entre as leituras de gerentes, consultores, estudantes e
até professores. Além disso, essa literatura tem um papel decisivo no lançamen-
to e popularização de novas tecnologias gerenciais, influenciando a agenda dos
executivos. Neste capítulo, postulamos que essa condição a transforma em objeto
obrigatório de pesquisa.
Apesar de serem ainda escassos os trabalhos que tratam desse tema, existem
exceções notáveis, que exploram algumas trilhas para o mapeamento do fenôme-

1
  Este trabalho foi baseado em pesquisa financiada pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações
(NPP), da FGV-EAESP.

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Pop-Management  105

no. Clark e Salaman (1996) estudaram os gurus empresariais, comparando-os


com curandeiros e argumentando que eles constituem agentes essenciais para
a popularização das ideias de management. Micklethwait e Wooldridge (1998)
investigaram o surgimento dos best-sellers de negócios no mundo anglo-saxão na
década de 80, destacando seu papel na evolução da indústria do management.
Em um trabalho recente, Mazza e Alvarez (2000) demonstraram o papel fun-
damental da imprensa popular italiana na produção e legitimação de ideias e
práticas gerenciais.
No Brasil, há cerca de 20 anos, dando continuidade aos seus estudos sobre
o poder e a ideologia nas organizações, Tragtenberg (1980) já destacava o papel
de revistas, jornais e vídeos institucionais na tarefa de “conquistar os corações
e mentes” dos funcionários. O autor denominava as fontes utilizadas na ela-
boração desse material institucional de literatura de divertimento e via nessas
práticas um grande poder de “psicomanipulação”, que transcendia a simples ex-
ploração econômica do trabalhador, contribuindo para sua alienação em relação
à vida social.
Neste ensaio, pretendemos descrever e analisar o fenômeno da literatura
de pop-management, refletindo sobre suas consequências para os indivíduos.
Na segunda seção, discutiremos a instalação entre nós de um novo humor, que
promove o culto da excelência, e se relaciona à ideologia do empreendedoris-
mo. Na terceira seção descreveremos brevemente a indústria do management
e analisaremos seu papel como produtora de artefatos de pop-management e,
consequentemente, como agente de legitimação da cultura do management. Na
quarta seção analisaremos a emergência do indivíduo S.A. e as consequências do
consumo dos artefatos simbólicos produzidos pela indústria do management. Na
quinta e última seção, concluiremos o trabalho apresentando algumas reflexões
adicionais sobre alternativas para superação do “estado das coisas” e sugestões
para futuras pesquisas.

UM NOVO HUMOR

O fenômeno da literatura de pop-management pode ser relacionado à dis-


seminação do empreendedorismo e das ideias de management para além das
fronteiras estadunidenses e dos domínios empresariais. Tal movimento ocorreu
simultaneamente às mudanças socioeconômicas da década de oitenta, com des-
taque para a crítica do papel do Estado, a valorização do papel do mercado, a
desregulamentação econômica e a mundialização da economia. Junto a todas
essas transformações, sucedeu uma mudança de valores, constituindo uma nova
matriz de referência pessoal e organizacional, cujos principais eixos são uma
visão gerencial de qualquer atividade organizada, o culto da excelência como
vetor de promoção social e uma visão do indivíduo como empreendedor autô-

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106  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

nomo ou associado. Nesta seção, abordaremos essas transformações como uma


inflexão no humor, ou a criação de um novo “espírito da época”.

O culto da excelência
Como afirmamos, encontramo-nos hoje diante de uma mudança de humor,
que teve início nos Estados Unidos e vem avançando sobre outros países. Ana-
lisando o caso francês, Ehrenberg (1991) mostra que, durante os anos 80 e 90,
a veneração de vencedores, esportistas e empreendedores ganhou espaço na
mídia. O culto da excelência se entrelaçou à cultura popular francesa, gerando
uma nova mitologia com deuses, semideuses e super-heróis, onde executivos e
empreendedores passaram a ser glorificados.
Segundo o autor, três mudanças fundamentais caracterizam o culto da ex-
celência: (1) os dirigentes de empresa deixaram de ser símbolos da exploração
do homem pelo homem para transformar-se em símbolos do sucesso social; (2)
o consumo deixou de ser símbolo de alienação e passividade para tornar-se ve-
tor de realização social; e (3) os campeões do esporte foram transformados de
símbolos do atraso popular em símbolos de excelência. Com isso, a concorrência
empresarial, o consumo de massa e a competição esportiva mudaram de status,
transformando os valores e os comportamentos.
Apesar da matriz histórico-cultural diversa, o Brasil trilha, com algum atra-
so, um caminho similar ao francês. A partir do início dos anos 90 também fomos
tomados por uma mudança de humor, que consolidou a performance como um
valor sociocultural. A própria eleição de Fernando Collor – o presidente-herói,
caçador de marajás, símbolo do homem arrojado, bem-sucedido e empreende-
dor – pode ser vista como manifestação vívida de como o culto da excelência
passou a povoar o imaginário popular.

Empreendedorismo e cultura do management


O culto a excelência também pode ser identificado como um desdobramento
da cultura do empreendedorismo (Harvey, 1996 [1989]). Tal código de valores
e condutas orienta a organização das atividades de forma a garantir controle,
eficiência e competitividade máximos. Manifestação do capitalismo flexível, o
empreendedorismo vem migrando do mundo dos negócios para outras esferas
da vida social e se estabelecendo também na administração pública, nas hostes
acadêmicas e no campo das artes.
Tal ideário vem de fato ganhando a força de dogma. Quase não questiona-
mos sua validade e tendemos a acreditar em sua universalidade. Assim, a cultu-
ra do empreendedorismo ganha contornos de ideologia, inibindo reflexões mais
críticas sobre o significado de sua hegemonia e sobre suas conseqüências na vida
social, organizacional e pessoal.

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Pop-Management  107

O culto do empreendedorismo em um contexto de valorização das receitas


prontas oferecidas pelo mercado de soluções gerenciais vem criando um novo
imaginário que denominamos cultura do management. Essa cultura é caracteri-
zada por artefatos como livros, revistas e outros objetos de consumo presentes
no mundo dos negócios, bem como por símbolos que permeiam as organizações
e a mente dos indivíduos que com elas se relacionam, como é o caso dos gurus,
dos gerentes heróis, dos consultores e outros portadores de “fórmulas infalíveis”.
No campo organizacional, os agentes tendem a adotar as ideias e ferramen-
tas administrativas presentes nos artefatos e nos discursos como se fossem instru-
mentos eficazes por definição. Dessa forma, o caráter ideológico transforma os
meios de lidar com a realidade – técnicas, práticas e metodologias – em entidades
autônomas e desprovidas de significados.
Adicionalmente, a colonização de outras esferas da vida social pelo empreen-
dedorismo opera-se de forma rápida e avassaladora. Parece razoável supor que
imprimir maior racionalidade às atividades humanas organizadas contribui para
torná-las mais eficientes e eficazes, com notórios benefícios sociais. Entretanto,
fazer com que todas as atividades sejam permeadas pelo empreendedorismo e
pela cultura do management pode levar a um esvaziamento de seus valores cons-
titutivos e a um perigoso reducionismo, com consequências negativas para seu
sentido social e desvios em relação a sua finalidade.
Nesse avanço do processo colonizador, nota-se uma certa inclinação para a
superficialidade e para a inconsistência. A disseminação e a consolidação do em-
preendedorismo pressupõe um profissional sério, responsável e dotado de alto
grau de autonomia. Tal sujeito seria naturalmente motivado e centrado em sua
vida profissional. Entretanto, como alerta Sennet (1999), o homem motivado
está sendo substituído pelo homem irônico, cujo estado de espírito é marcado
pela incapacidade de se levar a sério. Ou seja, o mesmo ambiente de mudanças
constantes, que permeia essa mudança de humor e catalisa a disseminação do
empreendedorismo, gera o pop-management, versão “divertida” da literatura
do management que lhe apóia na popularização.
Personagem natural de um tempo niilista e espetacular (Debord, 1994
[1967]; Boorstin, 1962), o homem irônico é o agente ideal para tudo que for
relacionado à fugacidade e à aparência. Espécie corporativa, o homem irôni-
co constitui-se em consumidor privilegiado de modismos gerenciais, leituras de
auto-ajuda profissional e biografias de gerentes heróis. Além de receptáculo, o
homem irônico pode também se constituir em vetor entusiasmado de transmis-
são desses mesmos conteúdos.

A INDÚSTRIA DO MANAGEMENT
Se deslocarmos nossa análise da dimensão cultural – até aqui explorada –
para a dimensão estrutural, veremos que o management hoje está organizado

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108  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

como uma indústria emergente e bem-sucedida, constituída por quatro pilares.


Esses se inter-relacionam, contribuindo para reforçar a ideologia do empreen-
dedorismo e a cultura do management. Nessa seção, trataremos da indústria do
management e da difusão de seus produtos culturais e simbólicos. Primeiramente,
apresentaremos uma visão geral da indústria do management, discutindo seus
principais pilares: as escolas de administração, as empresas de consultoria, os gu-
rus de gestão e a mídia de negócios (Wood Jr., 2001). Em seguida, analisaremos
criticamente o papel dos gurus de gestão na legitimação do culto da excelência e
da ideologia do empreendedorismo. Demonstraremos ainda como o empreende-
dorismo e a cultura do management estão cada vez mais entrelaçados no tecido
social e apresentaremos reflexões sobre as consequências desse fenômeno.

Anatomia da indústria do management


O primeiro pilar da indústria do management são as escolas de ad-
ministração. As condições ambientais – reais ou imaginárias – de incerteza e
turbulência e a natureza fugaz do conhecimento na área têm fomentado os ne-
gócios na área de ensino, atraindo um número cada vez maior de interessados.
Tanto quanto o conhecimento instrumental de novas metodologias e técnicas,
os estudantes e executivos que procuram as escolas de administração buscam
a assimilação do discurso gerencial e a legitimidade de um diploma. Na corrida
contra a obsolescência profissional e o desemprego, de um lado, e na busca de
um tipo de vantagem competitiva contra outros profissionais, de outro, as escolas
de administração tornaram-se “portos seguros”. Na percepção de seus clientes,
passaram a constituir verdadeiros templos para a reciclagem ou até a ressurrei-
ção profissional.
As escolas de administração constituem também loci privilegiados para a cir-
culação das ideias de empreendedorismo e da cultura do management. Em cursos
criados à imagem e semelhança de restaurantes de fast-food (Alcadipani e Bresler,
2000), professores oferecem informações de qualidade duvidosa apoiando-se na
literatura de pop-management, acessível e de fácil leitura. Por sua vez, os alunos,
comumente fatigados pela dupla jornada de trabalho e estudo, favorecem aulas-
shows e cursos “divertidos”. No lugar de visões críticas, abstrações e teoria, ganha
espaço o pop-management, com sua retórica salvacionista, programas de 7 passos
e receitas para o sucesso.
O segundo pilar da indústria do management são as empresas de con-
sultoria. Pujantes como as escolas de administração, elas devem seu cresci-
mento a razões similares às que movimentam os negócios no primeiro pilar: um
cenário econômico percebido como complexo e suas conseqüências: medo, inse-
gurança e incerteza. Quanto maiores os problemas e desafios enfrentados pelas
empresas, maior o mercado de trabalho para as consultorias.

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Pop-Management  109

Como o modelo de negócio das empresas de consultoria baseia-se na ma-


ximização das economias de escala e escopo, as soluções são desenvolvidas e
promovidas como pacotes, capazes de, com pequenas alterações, atender a uma
gama ampla de problemas. Com isso, modismos como qualidade total, reenge-
nharia, sistemas integrados e e-business impulsionam os negócios. Dessa forma,
os negócios das empresas de consultoria experimentam intensa convergência e
sinergia com as novidades divulgadas nos cursos de administração e também
disseminadas pela literatura de pop-management.
O terceiro pilar da indústria do management são os gurus de gestão.
Emblemáticos representantes da cultura do management, os gurus constituem
fenômeno antigo, que sofreu notável revitalização nos anos oitenta. Nessa época
foram lançados nomes que se tornariam famosos como William Ouchi, Michael
Porter e Peter Drucker. Esse último já era chamado de Mr. Management e tinha
publicado quase 20 livros. Depois surgiram Tom Peters, Alan Kennedy e Gifford
Pinchot III. Com a virada da década, novos nomes vieram compor essa constela-
ção, como C. K. Prahalad e Michael Hammer.
Segundo Clark e Salaman (1996), os gurus são como curandeiros: eles apre-
sentam total convicção e absoluta certeza de tudo o que dizem. A natureza de seu
trabalho é mágica: em suas mãos, técnicas e fórmulas adequadamente combina-
das têm o poder de controlar o mundo e restabelecer a ordem. Em suas apresen-
tações, os gurus exibem um domínio de conteúdos e informações que costumam
intimidar e impressionar a plateia, impelindo os espectadores ao consumo da
literatura de pop-management, comumente produzida por eles próprios.
O quarto pilar da indústria do management é a mídia de negócios.
Tomamos aqui a mídia de negócios como o conjunto que abrange livros, revistas
e jornais de negócios e gestão empresarial. Como os dois pilares anteriores, tam-
bém a mídia de negócios experimentou um crescimento acelerado.
No início da década de 80, In search of excelence (Peters e Waterman, 1982)
inaugurou uma nova era para os livros de negócios. O sucesso do livro foi fruto de
um enorme senso de oportunidade dos autores. Quando foi lançado, a economia
norte-americana estava mergulhada em interminável crise. Ele veio após uma in-
findável lista de obras sobre as maravilhas do modelo japonês de gestão, quando
muitos gerentes estavam fartos de ler sobre sua incompetência e a espantosa su-
perioridade nipônica (Micklethwait e Wooldridge, 1998). A obra mostrava que as
empresas norte-americanas de classe mundial estavam liderando mercados, sa-
tisfazendo plenamente os clientes e ganhando muito dinheiro. Assim, de alguma
forma, ele acabou antecipando o ufanismo da Era Reagan. Além disso, o livro era
simples o bastante para fazer qualquer leitor acreditar que poderia, com esforço
bem direcionado, alcançar o mesmo patamar das empresas excelentes.
Desde então, novas abordagens gerenciais apareceram e desapareceram,
como que seguindo o ritmo das estações. Em torno de ideias, nem sempre consis-
tentes ou apropriadas, uma indústria floresceu. Hoje, alguns livros de gestão estão

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110  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

cada vez mais próximos, em termos de estilo e conteúdo, de livros de autoajuda,


ficção científica e outros gêneros. Tomemos alguns exemplos exóticos e comercial-
mente bem-sucedidos: Leadership secrets of Attila the Hun (Roberts, 1987), Make it
so: leadership lessons from Star Trek the Next Generation (Roberts, 1995) e Jesus
CEO: using ancient wisdom for visionary leadership (Jones, 1995).
No Brasil, o crescimento das vendas de livros de negócios, a partir da dé-
cada de 90, despertou grande interesse das editoras, pois embora a vendagem
desses livros seja comparativamente mais baixa que a de romances, as margens
são atrativas. A maioria das editoras voltadas para o segmento tem privilegiado
exclusivamente títulos de impacto, autores conhecidos e as modas do momento.
Tal linha orienta as ações das maiores editoras no mercado, como Campus e
Makron. Em paralelo, o nicho de livros de administração vem atraindo editoras
generalistas, voltadas originalmente para outros segmentos, e novos entrantes,
especializados no público de negócios.
Quanto aos jornais e revistas de negócios, o quadro é similar e assiste-se a um
fenômeno que americanos e ingleses definem como dumbing down (The Econo-
mist, 1998), ou “abaixando o nível”, em tradução aproximada. No Brasil, a gestão
empresarial é tema recente tanto na esfera jornalística como no mercado edi-
torial. Donadone (2000), orientando-se parcialmente pelo trabalho de Quintão
(1987), produziu uma análise histórica do tema. Segundo o autor, os primeiros
sinais de jornalismo econômico no Brasil apareceram na década de cinquenta.
Predominavam então os jornais de comércio, ligados às Associações Comerciais,
que publicavam editais de cartórios, protestos, atas de assembleia, balanços ou
comunicados de empresas ao público. A situação pouco se alterou até a década
de setenta, com a ausência quase total de assuntos empresariais e de gestão. A
mudança ocorreu nos anos setenta, com o lançamento de dois grandes marcos da
mídia de negócios: o jornal A Gazeta Mercantil e a revista Exame.
A Gazeta Mercantil surgiu em 1976, tendo como referência The Wall Street
Journal e o Financial Times, e vem focalizando sua atuação no fornecimento
rápido de dados econômicos e do mercado financeiro. A Gazeta é a principal
fonte de fornecimento diário desse tipo de informação, concorrendo com os
cadernos de economia dos grandes jornais nacionais e mais recentemente com
o jornal Valor Econômico.
A revista Exame nasceu em 1971, caracterizando-se pela divulgação de fatos
empresariais e exemplos de gestão empresarial, bem como opiniões de empresá-
rios. Em 1974, a revista sofreu uma reforma editorial e começou a focalizar estra-
tégias e ideias de mudança, através da transcrição de artigos da Harvard Business
Review. Atualmente, além de oferecer matérias de interesse geral, a revista busca
relacionar fatos econômicos com seus impactos sobre as empresas e divulga sis-
tematicamente novas tecnologias gerenciais.
A partir da segunda metade dos anos noventa, o nicho ocupado por Exame
tornou-se alvo de concorrentes como IstoÉ Dinheiro, CartaCapital (em sua fase

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Pop-Management  111

de periodicidade quinzenal), AméricaEconomia e Forbes Brasil. Embora haja di-


ferenças significativas em termos de linha editorial entre elas, o tratamento de
assuntos relacionados a management é similar, oscilando entre posturas ingênuas
e laudatórias.
Porém, nesse grupo todo, a publicação que pode ser considerada como me-
lhor exemplo de literatura de pop-management é Você S. A. Gerada na mesma
unidade de negócios de Exame, esse veículo conheceu estrondoso sucesso de
público e anunciantes já em seu lançamento. Logo de início a aposta mostrou-se
acertada: textos ainda mais curtos que em Exame, o culto sem culpa de valores
corporativos e do sucesso como ideologia, estilo extremamente coloquial e con-
teúdos extraídos de livros de autoajuda.
Ainda que se considerem diferenças relevantes entre os diversos veículos e
obras, a mídia de negócios em seu conjunto desempenha papéis convergentes
no fomento da cultura do management. De forma geral, poder-se-ia, entre seus
vários papéis, destacar:

• a promoção de valores associados ao empreendedorismo e ao sucesso


profissional;
• a indução, pelo poder de influência e prestígio, de agendas específicas
junto ao público executivo;
• a divulgação sistemática de novidades gerenciais, quase sempre alçadas
à condição de panaceias; e
• a legitimação, pela simples exposição, dessas mesmas novidades ge-
renciais.

A indústria do management como indústria cultural


A indústria do management apresenta grandes similaridades com a indústria
cultural analisada em Dialética do esclarecimento por Horkheimer e Adorno (1985
[1944]). De fato, algumas considerações desses filósofos sobre os mitos, o cine-
ma e o entretenimento são particularmente inspiradoras para analisar os efeitos
da indústria do management.
Tal como os produtores culturais analisados por Horkheimer e Adorno (1985
[1944]), os agentes da indústria do management estão sempre em busca de algo
que é ao mesmo tempo familiar, mas que ainda não ocorreu; ou dito de forma
alternativa: algo que seja atrativo para o público e que ao mesmo tempo tenha as
mesmas características de tudo que já se tornou um sucesso.
Paradoxalmente, ao incentivar a mudança e dela se alimentar, a indústria do
management contribui para a homogeneização de conceitos e práticas, tornando
as organizações e pessoas cada vez mais semelhantes. Por outro lado, a busca

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112  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

frenética da novidade não deixa de ser uma reação de exasperação em relação à


massificação promovida pela indústria e também o que, ironicamente, impulsio-
na seu desenvolvimento.
Analisaremos aqui três fenômenos que reforçam essa homogeneização: a
questão do controle, o culto às celebridades e a colonização de outros domínios
da ação humana.
O primeiro fenômeno a ser abordado é o controle. Se observarmos as per-
formances dos gurus em conjunto com os conteúdos das publicações de pop-ma-
nagement, veremos que a questão do controle é recorrente. Gurus não tratam da
dura realidade dos fatos. Eles buscam alterar as crenças e os sentimentos da audi-
ência. São mestres na administração dos sentidos (ver Smircich e Morgan, 1982)
e no gerenciamento da impressão (ver Giacalone, 1991). Nos eventos em que se
apresentam, os gurus realizam atuações performáticas. A plateia é brindada com
um espetáculo no qual o bem triunfa e o mal é derrotado. Na retórica dos gurus
o mundo é controlável e todos os problemas do mundo podem ser resolvidos pela
administração: basta adotar a abordagem correta e a metodologia indicada.
A presença da questão do controle pode também ser observada na literatura
de pop-management. Para aqueles que puderam assistir ao espetáculo, assim como
para os outros que não puderam estar presentes, a literatura de pop-management
oferece a possibilidade de ver, ou rever, o conteúdo recomendado. Quando não se
trata diretamente de fábulas, os textos utilizam indiretamente estruturas similares
às das fábulas. Seguem, assim, modelos de sequência recorrente e previsível: no
prólogo, o desafio enfrentado; no desenvolvimento do texto, a luta pela sobre-
vivência; em seguida, a solução mágica; finalmente, no epílogo, a conquista do
sucesso e a redenção.
O mito do controle sobre o mundo adverso é recorrente na literatura de ma-
nagement e mesmo na história humana. Faz-se presente desde Ulisses, o herói da
Odisseia. Como observaram Horkheimer e Adorno (1985 [1944]), Ulisses, em seu
longo regresso a Ítaca após o término da Guerra de Tróia, é movido pela vontade
de dominar a natureza, de enganar os deuses e chegar a salvo em casa. O herói
simboliza para os autores o espírito do homem moderno, que também é impul-
sionado pela vontade de autodeterminação, de tornar-se senhor de seu destino.
Porém, a análise revela o dilema desse homem: ele quer ser o condutor de sua
vida, mas quando essa vontade se manifesta como dominação cega, o controle so-
bre o mundo se converte em um mito. Isso porque quando os meios de controle se
transformam em dogmas, passamos a dominar o mundo por meio de critérios que
não questionamos e assim, contra nossas expectativas, ele prossegue escapando
de nossas mãos.
De forma análoga, a indústria do management alimenta a impressão de que,
diante do ambiente turbulento, as organizações são como barcos à deriva ao
sabor das intempéries. O guru personifica a figura do herói, do comandante,
do empreendedor capaz de enfrentar com sucesso as adversidades e conduzir o

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Pop-Management  113

barco de volta à terra firme. Assim, as técnicas, regras e métodos recomendados


levam à salvação para em seguida se converterem em algo sagrado, verdadeiro
e virtuoso. Ao propiciar esse estágio de crença, o guru adquire poder mítico.
Passa-se a cultuá-los sem se importar se suas receitas darão conta dos problemas
reais. Dessa forma, tornam-se curandeiros, proporcionando conforto espiritual e
soluções milagrosas para organizações adoecidas e gerentes aflitos.
O segundo fenômeno a ser abordado é o culto às celebridades. Diante do
mundo que escapa do controle humano, a sensação de impotência incentiva uma
fuga da realidade. Assim, o guru – ou o gerente-herói – se converte em herói de
cinema, que escapa de todas as armadilhas e vence no final. Torna-se assim uma
celebridade, à imagem dos atores de Hollywood.
Como celebridades, eles simbolizam sucesso, status e aceitação social. Como
observa Boorstin (1962): celebridades são conhecidas... por serem conhecidas!
Como manifestação cultural, elas são construídas de forma que tenhamos a im-
pressão de que são ao mesmo tempo pessoas comuns e entes inacessíveis, por seu
glamour e singularidade. Celebridades, sejam atores ou gerentes heróis, induzem
valores e comportamentos, estimulando a crença de que, se seguirmos seu mo-
delo, também chegaremos à ribalta. De forma complementar, em momentos de
dificuldade e percepção de fracasso, celebridades fornecem o consolo da possibi-
lidade de nelas nos projetarmos e sentirmo-nos um pouco mais fortes e capazes
(Horkheimer e Adorno, 1985 [1944]).
O terceiro fenômeno a ser abordado é a colonização de outros domí-
nios da ação humana. Ao massificar as ideias e práticas administrativas, a
indústria do management contribui para alimentar o novo humor, difundindo
valores e comportamentos para as mais variadas esferas de atividade. Em um
contexto percebido como veloz e turbulento, o receituário da gestão empresarial
encontra terreno fértil para sua consolidação como um referencial universal para
o sucesso.
Dessa forma, as técnicas do management deixam de ser exclusivas do mundo
empresarial. Gestores públicos, cientistas, artistas e outros profissionais passam a
utilizá-las. É verdade que essa absorção da visão gerencial contribui para a pro-
fissionalização das atividades, imprimindo uma maior racionalidade às decisões
e práticas. Entretanto, essa opção também envolve o risco de aprisionar as ativi-
dades à lógica do management e assim dissipar as intenções originais de projetos
de natureza social, científica ou artística. De fato, esse risco é tanto maior quanto
mais as técnicas e receitas são tomadas como soluções eficientes per se, ou adqui-
rem o status de dogmas.
A crescente presença da cultura do management além dos domínios empre-
sariais está gerando uma oscilação entre pragmatismo/eficiência e expressão/
emancipação, um movimento pendular que, em um contexto de aceleração da
vida cotidiana e de ansiedade por resultados, tende a privilegiar cada vez mais a
dimensão utilitarista em detrimento da dimensão humanista.

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114  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

O INDIVÍDUO S.A.

Nesta seção discutiremos o impacto da indústria do management e da lite-


ratura de pop-management nos indivíduos. Analisaremos aqui as consequências
pessoais e sociais da assimilação da ideologia do empreendedorismo, destacando
a tendência de os indivíduos tornarem-se descentrados, apolíticos e pouco inven-
tivos.

O indivíduo S.A. como consumidor de artefatos de


pop-management
Em um contexto de reestruturação de ocupações, incertezas e mudanças,
as novas exigências feitas aos profissionais criam um ambiente de insegurança
e uma grande ansiedade individual pela capacidade de se manter funcional e
desejável no mercado de trabalho. Atordoados pelas exigências e pela velocidade
em que tudo parece mudar, os indivíduos, assim como as organizações, também
buscam referenciais que possam conduzi-los com segurança ao êxito.
Esse ambiente de incerteza também estimula o consumo da literatura de
pop-management. Como ocorre na dimensão organizacional, o que se apresenta
aos indivíduos são soluções simples para problemas complexos, criando um sen-
so de ordem num mundo que parece cada vez mais caótico. Adicionalmente, os
indivíduos são pressionados ao consumo desse tipo de literatura pelas próprias
empresas e colegas de trabalho. Partilhando de um grande temor de ficarem de-
satualizados, eles se lançam aos best-sellers de gestão, aos receituários dos gurus
e aos textos das revistas de negócios.
A figura do executivo ideal está hoje associada a uma série de requisitos: o
título de MBA, o domínio de línguas estrangeiras, a capacidade de liderança, a
aparência impecável, a familiaridade com as novas tecnologias e a visão sempre
voltada para resultados e para o futuro. Nesse jogo, que mistura atributos subs-
tantivos e simbólicos, o pêndulo parece favorecer o segundo grupo (ver Alvesson,
1990). Assim, os rótulos tendem a superar os conteúdos e parecer torna-se mais
importante que ser.
Aqui, novamente o mito de Ulisses vem à tona, pois o sucesso profissional
é associado à possibilidade de dirigir o próprio destino. O caminho para o êxi-
to é identificado com a habilidade de vencer a concorrência, administrando a
própria carreira como uma empresa e adquirindo as certificações valorizadas
pelo mercado de trabalho. Produto e representação da cultura do management,
emerge o indivíduo S.A., cuja voracidade por receitas, guias e fórmulas que pos-
sam conduzi-lo ao sucesso é proporcional à sensação de que o mundo está a lhe
escapar das mãos.

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Pop-Management  115

O empreendedor e o culto do sucesso


Na década de 20, ao analisar o perfil do empreendedor, Mannheim (1990
[1928]) delineou algumas características que hoje também podemos atribuir ao
indivíduo S.A. Na visão desse autor, a tarefa do empreendedor é investir em uma
realização, maximizando recursos e ultrapassando a concorrência. Nesse proces-
so, ele incorpora em sua personalidade virtudes combativas: ousadia, realismo,
capacidade de analisar a concorrência, antecipação constante das possibilidades
futuras, recusa em satisfazer-se com o que quer que seja e esforço perpétuo para
se ultrapassar. Hoje, o indivíduo S.A. assume essa postura em suas decisões no
trabalho e também em relação a si mesmo. Assim, sua realização é associada à
sua carreira, seus colegas tornam-se concorrentes e as virtudes combativas são
utilizadas como instrumentos para a busca do sucesso.
Em sua análise, Mannheim demonstra que a valorização do empreendedoris-
mo consolidaria a visão de que a carreira é o caminho para o sucesso. O autor ante-
via que isso acabaria por desencadear uma acirrada luta competitiva pelas posições
disponíveis, uma vez que essas passariam a representar a via para se alcançar o
prestígio, para dispor sobre as coisas materiais e para exercer influência nas esferas
social e econômica. De modo análogo, em “Eclipse da Razão”, Horkheimer (1976
[1946]) argumentava que o preço de transportar o empreendedorismo para a vida
é a criação de uma atitude comercial em relação à própria existência e uma inces-
sante preocupação com o sucesso.
Para Mannheim (1990 [1928]), o homem que busca o sucesso racionaliza
seus métodos, pois não admite deixar sua sorte ao destino. Desse modo, seguin-
do a lógica das virtudes combativas, ele incorpora em sua personalidade uma
tendência a se adaptar a toda situação e uma procura permanente da perfeição.
Ele acredita que o sucesso vai fazê-lo seguro de si, livrá-lo do sentimento de estar
sujeito às ameaças externas, além de lhe dar a certeza de que a imprevisibilidade
da vida se sujeitou ao seu controle.
As similaridades entre as características atribuídas por Mannheim à perso-
nalidade do empreendedor e o perfil do indivíduo S.A. não são coincidências.
Esse ser combativo, flexível e perfeccionista reflete as necessidades impostas pelo
espírito da época. Além disso, há de se considerar que a busca do sucesso é um
poderoso organizador do comportamento humano, pois redesenha o senso de
orientação e estabelece referenciais que reconstituem a sensação de segurança e
o conforto psicológico diante do mundo adverso e fragmentado.
Mannheim também já nos advertia que, embora seja um fenômeno comum
na vida social contemporânea, a luta pelo sucesso também tem seu preço. A es-
trutura da personalidade do indivíduo é afetada de tal modo que sua conduta vai
se tornando cada vez mais previsível, pois ele tende a se adaptar e moldar com
facilidade às mudanças ambientais.

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116  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Outra consequência da busca do sucesso é a modificação da relação com os


outros, que passam a ser vistos não mais como outros “eus”, mas como instru-
mentos ou dados de cálculo. Refém de uma “teia de juízos de valores”, que o
inclina para uma atitude planejada e calculada em detrimento de uma vida au-
têntica, o indivíduo S.A. perde contato com a realidade e com os outros. Preso a
essa “teia artificial”, ele também deixa escapar a dimensão da incerteza criativa e
o sentido da natureza radicalmente problemática da existência.

Identidade ameaçada
Em um texto recente, Caldas e Tonelli (2000) argumentam que o contexto
contemporâneo gerou um novo tipo de homem: o homem-camaleão. Movido
por reações nem sempre refletidas no ambiente que o circunda, o homem-ca-
maleão é dotado de uma identidade mutante, que se amolda às situações que
enfrenta. Consumidor ávido de modas e modismos, ele aproxima-se bastante do
indivíduo S.A.
Outro parente próximo do indivíduo S.A. é o homo reticularis, caracterizado
por Ouimet (1996). Segundo esse autor, as condições de trabalho nas empresas
contemporâneas exigem funcionários hiperativos, adaptáveis, comprometidos,
autônomos e ambiciosos. Em uma pesquisa de campo, esse psicanalista consta-
tou que essas exigências levavam os indivíduos a desenvolver traços neuróticos
como uma necessidade extrema de agradar os outros, um sentimento latente de
inadequação e alguns sintomas de depressão.
Tal como o homem conformista, analisado por Moustakas (1967), os valo-
res e as convicções do indivíduo S.A., do homem-camaleão e do homo reticularis
não emergem de suas próprias experiências, mas de uma sensação de perigo e
ansiedade que o leva a acreditar nas palavras dos experts, das figuras de auto-
ridade e dos guias tradicionais. Esse tipo de homem não constrói seus próprios
recursos para lidar com a realidade, pois é guiado por padrões preestabelecidos
e suas principais metas não são a expressão e a emancipação, mas sim a aqui-
sição e o controle.

O eu descentrado e apolítico
O conhecimento que o indivíduo S.A. tem de si não costuma derivar de auto-
análise, mas do constante monitoramento do impacto que ele causa nos outros
e dos efeitos que consegue obter por meio do gerenciamento da impressão. Seu
objetivo não é “estar dentro de si”, mas “conseguir o melhor de si”.
Tal como Ulisses, o indivíduo S.A. enfrenta um paradoxo: tudo aquilo que pa-
recia lhe munir do controle das imprevisibilidades da vida é o que o torna ainda
mais dependente do mundo caótico. Acorrentado à luta pela sobrevivência e aos

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Pop-Management  117

padrões do sucesso, ele está impossibilitado de individuar-se e de constituir-se


como sujeito atuante na sociedade em que vive. Assim, estabelecem-se e dissemi-
nam-se personalidades descentradas e apolíticas.
Como observou Jameson (1997 [1991]), se, no âmbito do capitalismo mo-
nopolista, a patologia cultural era a histeria e a neurose, onde a ansiedade e a
alienação se convertiam em atitudes como a revolta individual e o isolamento
radical, no capitalismo tardio a patologia típica é a esquizofrenia, que atribui à
realidade imediata uma intensidade dramática e reduz a experiência humana
a “puros presentes” que não têm encadeamento nem com o passado, nem com o
futuro. No lugar da revolta e do isolamento, essa nova condição gera um descen-
tramento do “eu” e um “esmaecimento dos afetos”.
Atado a uma realidade fragmentada, o indivíduo se vê impossibilitado de
construir uma identidade, de se expressar e de sentir. Prisioneiro dos referenciais
imediatos e fragmentados do sucesso, o indivíduo S.A. perde sua capacidade de
individuação, de perceber os outros e aceitá-los como “eus” independentes. Sua
vida se torna um contínuo “rito de iniciação”, onde ele procura mostrar que está
sintonizado com as mais novas receitas de sucesso.
Quando o indivíduo se reduz a uma mera encruzilhada de tendências gerais
e vive à sombra da necessidade de sobreviver, ele está condenado à pseudo-indi-
vidualidade, pois todo o seu esforço de individuação é substituído pelo esforço
de imitação (Horkheimer e Adorno 1985 [1944]). Assim, a espontaneidade dá
lugar à representação e o indivíduo é tomado por impulsos miméticos, fazendo
de si mesmo um “aparelho eficiente” que corresponde ao “modelo” apresentado
pela indústria do management, onde personalidade significa nada menos que
absorver as características contidas no mais novo manual ou artigo da literatura
de divertimento.
Como observou Tragtenberg (1980), o declínio da noção de sujeito contribui
para ascensão do gênero de auto-ajuda e dos manuais do tipo “como vencer na
vida”, pois o vazio deixado pelo descentramento do “eu” facilita a proliferação de
substitutos de todo o tipo, com destaque para personalidades pré-fabricadas. Em
sua visão, o descentramento estimula o cultivo da vida privada, gerando atitudes
individualistas e apolíticas. E ao se afastarem da esfera pública, os indivíduos
acabam adiando o resgate do próprio eu, pois se tornam incapazes de perceber
que a constituição do ser passa necessariamente pela reconciliação com os outros
e com a sociedade na qual estão inseridos.

CONCLUSÃO
Nas seções precedentes, discutimos a instalação entre nós de um novo humor,
caracterizado pelo empreendedorismo e pela cultura do management. Então, des-
crevemos a indústria do management e analisamos suas consequências para os

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118  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

indivíduos. Nesta seção final, especularemos brevemente sobre as possibilidades


de superação da cultura do management. Finalizando o texto, registraremos su-
gestões para futuras pesquisas.

Alternativas à homogeneização da cultura do management


Entre as questões levantadas na seção anterior, uma das mais relevantes é a
necessidade de desenvolver uma forma de lidar com a cultura do management
e a literatura de pop-management, de modo a desenvolvermos nossas próprias
referências e âncoras cognitivas.
Como alerta Bauman (2000), quando trocamos nossa preocupação com o
bem-estar social pela busca da satisfação pessoal, nos condenamos a continuar
provando do sabor amargo da insegurança. A liberdade de dirigir nossas próprias
vidas não é uma conquista individual, mas algo que só pode ser construído e
garantido coletivamente. É verdade que a insegurança nos desestimula a agir de
maneira ousada, nos rouba o tempo de imaginar formas alternativas de convívio
e nos atira à competição com os outros. Porém, se não articularmos nossos pro-
blemas pessoais com questões de interesse social e público estaremos nos afas-
tando cada vez mais de sua superação.
Além do resgate da dimensão social dos problemas individuais, é importante
estar atento para o fato de que os instrumentos e modelos gerenciais não são por si
próprios responsáveis pela homogeneização. Eles podem constituir instrumentos
legítimos, desenvolvidos para lidar com a complexidade. A solução converte-se em
problema quando passamos a utilizá-los como panaceias redentoras, pois, assim
agindo, renunciamos à criatividade e inventividade humanas.
A capacidade de recriar o mundo é um potencial presente em cada indivíduo,
mas que só se manifesta completamente em sua interação com o universo social.
Segundo Moustakas (1967), a criatividade é a experiência de expressar a identi-
dade individual de uma forma integrada, em comunhão com o próprio eu, com
o mundo que nos cerca e com os outros. Ser criativo significa reconhecer que a
criação não é resultado de uma expressão puramente individual, além de perce-
ber a importância da realidade e das pessoas que nos cercam nesse processo. Ser
criativo não significa adaptar-se ao mundo, mas tomá-lo como inspiração para
desenhar nossos próprios recursos, capacidades e referências.
Consequentemente, o desafio é superar a ideia de que o modo de vida pa-
dronizado, com atividades monótonas e repetitivas, expressões superficiais e re-
lacionamentos convencionais é o modo de vida mais seguro. Ou que a alternativa
da busca constante da excelência, a convivência turbulenta com as mudanças e
com relacionamentos rápidos e superficiais leva a um porto idílico. Viver criati-
vamente significa estar consciente que se expressar por si mesmo, transcendendo
as prescrições dos experts e assumindo espontaneamente os próprios talentos, é

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Pop-Management  119

a melhor maneira de controlar o próprio destino e administrar o caráter sempre


contingente da vida humana.
Esse mesmo desafio se faz presente no mundo organizacional e na vida pro-
fissional. Superar o culto da excelência e a ideologia do empreendedorismo, que
permeiam a cultura do management e a literatura de pop-management, significa
reconhecer que os indivíduos e as organizações não são vítimas passivas de sua he-
gemonia, mas sim agentes que sofrem as consequências de suas próprias escolhas.
Podemos optar por consumir avidamente a literatura de divertimento com
seus modismos gerenciais e receitas de como vencer na vida, procurando nos
manter seguros e atualizados em relação a tudo aquilo que está disponível no
mercado do management. Mas também podemos nos arriscar a construir uma
atitude, nos valendo do livre-arbítrio para estabelecer critérios de avaliação e
questionar tudo aquilo que nos é apresentado, assumindo completa responsabi-
lidade por nossas decisões organizacionais e escolhas profissionais, bem como
pelas consequências que as mesmas terão na vida social.

Futuras pesquisas
Consideramos que este ensaio ainda constitui um trabalho introdutório, apre-
sentando várias possibilidades de desenvolvimento.
Uma primeira possibilidade seria explorar com maior profundidade a institu-
cionalização da indústria do management no Brasil, buscando elucidar as relações
entre os vários pilares. Uma derivação interessante dessa mesma possibilidade
seria comparar tal processo entre países.
Uma segunda alternativa que nos parece igualmente promissora seria reali-
zar estudos de análise de conteúdo sobre diferentes veículos da literatura de pop-
management. Nesse sentido, consideramos os pontos levantados neste trabalho
apenas como geradores iniciais de insights, que precisam ser avaliados de forma
mais cuidadosa.
Uma terceira possibilidade seria conduzir estudos de campo para avaliar o
impacto da literatura de pop-management sobre processos decisórios. Tal alterna-
tiva poderia ter como objeto tanto indivíduos, quanto grupos ou organizações.

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Parte II

Inovações
Gerenciais

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7

Inovações Gerenciais
em Ambientes Turbulentos
Miguel P. Caldas
Thomaz Wood Jr.

INTRODUÇÃO
Brasil, primeiro de janeiro de 1995. Enquanto no Rio de Janeiro garis reti-
ravam das ruas os últimos sinais das celebrações da noite anterior, em Brasília o
novo governo tomava posse. Um clima gereralizado de otimismo reinava no país.
O ano de 1994 fora em realidade muito bom. Crescimento econômico, superávit
no comércio exterior, queda da inflação, todos os índices faziam crer num pro-
missor ano novo.
Após décadas de economia protegida, o país estava finalmente encontran-
do o caminho da integração com os mercados internacionais, buscando abrir
e modernizar sua economia num curto período de tempo. No universo das or-
ganizações, o queimar etapas e o ritmo quase frenético das mudanças haviam
criado um ambiente único, fascinante de se observar. Acima de tudo, o ambiente
empresarial parecia estar cada vez mais receptivo a novas ideias administrativas.
Entre estas, o Gerenciamento da Qualidade Total (TQM) estava sendo uma das
mais influentes.
Este capítulo é uma interpretação do desenvolvimento do TQM neste con-
texto. Em sua dimensão conceitual, constitui-se numa tentativa de investigar o
desenvolvimento de tecnologias administrativas, em especial nas condições pecu-
liares de ambientes turbulentos. Três questões são abordadas:

• primeiro, que quadro teórico poderia explicar o desenvolvimento de inova-


ções gerenciais como TQM? Para responder a esta questão, são revisados

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126  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

os dois modelos teóricos mais conhecidos sobre o assunto: o referente à


difusão de tecnologias administrativas e o referente à evolução de inova-
ções gerenciais;
• segundo, quão adequadamente estes modelos explicam o desenvolvimento
de inovações gerenciais em ambientes turbulentos como o brasileiro? Tra-
tando desta questão, o estudo conclui que cada uma das abordagens é
parcial e que, mesmo juntas, são insuficientes para explicar o processo.
Propõe-se, então, um quadro conceitual para direcionar a investigação;
• terceiro, como TQM evolui no Brasil? Para responder a esta questão, são
utilizados os fatores do quadro conceitual proposto, apresentando-se ex-
plicações para a evolução de inovações gerenciais.

O capítulo está estruturado da seguinte forma: na próxima seção, discutem-


se os modelos de inovação gerencial existentes e propõe-se um quadro conceitual
mais abrangente; na seção seguinte, discute-se brevemente o ambiente de ne-
gócios brasileiro; em seguida, conduz-se a análise da experiência brasileira com
TQM em dois momentos – o ciclo de adoção e o ciclo de rejeição; na seção final,
são tratadas as contribuições e implicações do estudo.

PERSPECTIVAS CONCEITUAIS SOBRE INOVAÇÕES


ADMINISTRATIVAS
Desde sua introdução nas organizações ocidentais, tende-se a incluir o TQM
entre as abordagens integradas de manufatura ou entre as práticas japonesas de
produção (e.g., Zammuto & O’Connor, 1992; Young, 1992; Drucker, 1990). Men-
ções usuais do movimento da qualidade descrevem-no como a redenção do Japão
do pós-guerra e como uma prioridade nacional para qualquer país interessado
em manter ou melhorar a competitividade de suas indústrias (e.g., Gehani, 1993;
Garvin, 1986). Outros, porém, vêem a febre por modelos japoneses de gerencia-
mento como um modismo passageiro. Nosso ponto de vista é que ambas as po-
sições são extremadas e simplistas e que TQM deve ser estudado no contexto
das técnicas populares de intervenção e inovação que ciclicamente ocorrem no
universo organizacional (Abrahamson, 1991; Gill & Whittle, 1992; Abrahamson
& Rosenkopf, 1993). Além disso, acreditamos que, dado seu impacto, o tema bem
mereceria pesquisas mais amplas e profundas.
A partir deste ponto, passaremos a revisar duas das poucas teorias disponí-
veis sobre inovações gerenciais. Adotaremos o pressuposto, normalmente aceito,
de que o estudo de inovações administrativas pode beneficiar-se da produção
acadêmica relacionada ao desenvolvimento de inovações em geral. Neste senti-
do, os modelos mais importantes podem ser agrupados em duas linhas de pes-
quisa: (a) os trabalhos voltados para a difusão de inovações; e (b) os trabalhos
voltados para a evolução de inovações. As duas linhas de pesquisa podem auxiliar

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  127

a entender, respectivamente, por que organizações adotam e/ou rejeitam modis-


mos e como estes surgem e desaparecem.

Difusão de inovações: a Tipologia de Abrahamson


Eric Abrahamson (1991), baseando-se na ampla pesquisa realizada por
Rogers (1983), sobre estudos relacionados à difusão de inovações, afirma que
grande parte da literatura no campo é marcada por uma tendência ao discurso
racionalista e pró-inovação. Ele denominou este grupo de perspectiva da escolha
eficiente, apontando que tal abordagem era sustentada por dois pressupostos: (a)
que as organizações, em determinado grupo, podem escolher de forma livre e in-
dependente a tecnologia administrativa a ser adotada; e (b) que as organizações
conhecem seus objetivos e possuem alta capacidade de predição sobre como a
tecnologia administrativa a ser adotada pode gerar impactos sobre elas mesmas.
Buscando estruturar uma tipologia que contivesse e ampliasse estes pontos
de vista, Abrahamson propôs dois contrapressupostos aos dois pressupostos an-
teriores. Ao primeiro, ele contrapôs o da influência externa – largamente aceito
na análise organizacional – que afirma que organizações fora do grupo também
influenciam as escolhas da organização dentro do grupo. Ao segundo pressupos-
to, Abrahamson contrapôs o da incerteza, que afirma que organizações possuem
frequentemente pouca clareza quanto a seus objetivos e muita dubiedade quan-
to à eficiência das tecnologias administrativas. Por isso, elas tendem a imitar
outras organizações.
A oposição aos dois pressupostos dominantes e seus respectivos contrapres-
supostos geraram a Tipologia de Abrahamson (ver Quadro 7.1), que engloba
quatro perspectivas teóricas para explicar a difusão de inovações gerenciais.

Quadro 7.1  Tipologia de Abrahamson – adoção e rejeição de inovações.

Processo de imitação – não Processo de imitação –


induz a difusão ou rejeição induz a difusão ou rejeição
Organizações em certo grupo
Perspectiva da Escolha
determinam a difusão e Perspectiva do Modismo
Eficiente
rejeição neste grupo
Organizações fora de certo
Perspectiva da Seleção
grupo determinam a difusão Perspectiva da Moda
Forçada
e rejeição neste grupo
Fonte: ABRAHAMSON, Eric. Managerial fads and fashions: the diffusion and rejection of innova-
tions. Academy of Management Review, v. 16, p. 586-612, 1991.

A perspectiva da escolha eficiente é a abordagem dominante na literatura nes-


te campo. Ela pressupõe que as escolhas de tecnologias administrativas são racio-

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128  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

nais e baseadas numa avaliação de que inovação maximizará a eficiência da orga-


nização. É típica da linha dos economistas organizacionais (e.g. Williamson, 1975;
Nelson & Winter, 1982), embora alguns pesquisadores de linha mais tradicional
em administração partilhem posições similares (e.g., Child, 1972; Ouchi, 1980).
A perspectiva da seleção forçada afirma que as organizações não são comple-
tamente independentes para escolher que inovações administrativas adotar ou
rejeitar. Outras organizações e/ou agentes externos podem ser suficientemente
poderosos para impor a adoção ou rejeição de inovações gerenciais entre organi-
zações menos poderosas.
A terceira e a quarta perspectivas – moda e modismo, respectivamente – parti-
lham um pressuposto similar de que, sob condições de incerteza, as organizações
tendem a imitar decisões adotadas por outras organizações. O que diferencia
estes dois pontos de vista é que da perspectiva da moda as organizações são in-
fluenciadas por atores fora de seu grupo, enquanto da perspectiva do modismo
inovações são difundidas quando organizações imitam outras dentro do mesmo
grupo (Abrahamson, 1971: 587).

Evolução da inovação: o modelo do ciclo de vida de


Gill & Whittle

A perspectiva da evolução procura explicar, a partir da metáfora do ciclo de


vida, como uma inovação surge, evolui e experimenta o declínio. Gill & Whittle
(1992) afirmam que técnicas administrativas são criadas e vendidas como pa-
naceias em pacotes de consultoria. Segundo seu modelo (ver Figura 7.1), tais
panaceias possuem um ciclo natural, do entusiasmo da adoção à desilusão do
abandono, quando uma panaceia substituta reinicia o ciclo.
Ainda que o modelo de Gill & Whittle figure como único no campo da li-
teratura acadêmica sobre inovações gerenciais, sua metáfora raiz é largamente
utilizada em outras áreas. Em termos gerais, abordagens que utilizam esta me-
táfora pressupõem que o processo de desenvolvimento leva em seu interior uma
lógica serial própria, que o regula através de uma sequência de estágios, cada um
evoluindo a partir do anterior. A maior parte da literatura popular gerencialista
sobre moda e modismo administrativos segue esta lógica, incluindo artigos sobre
TQM (e.g. Jacob, 1993; Beakley, 1993; Tetzseli, 1992; The Economist, 1992). Al-
guns estudiosos propõem que esta é a explicação mais comum para a evolução
da maioria das entidades, eventos e artefatos (e.g. Van de Ven, 1992). Segundo
Abrahamson (1991), apesar de sua popularidade, as teorias de ciclo de vida tive-
ram pequena comprovação empírica. Na verdade, elas têm sido bastante critica-
das tanto em nível prático quanto em teórico.

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  129

Fonte: GILL, John; WHITTLE, Sue. Management by panacea: accounting for resilience. Journal of
Management Studies, v. 30, nº 2, p. 281-295, 1992.

Figura 7.1  Modelo de Gill & Whittle – ciclo de vida de uma panaceia.

Limitações teóricas das abordagens existentes e um


quadro conceitual alternativo
Antes de iniciar esta seção gostaríamos de definir dois conceitos aqui utiliza-
dos: entendemos por dimensão de análise o escopo do interesse do pesquisador e
por ângulo de análise o foco específico dentro de cada dimensão.
Nas seções anteriores, revisamos brevemente as duas abordagens existentes
sobre o desenvolvimento de tecnologias gerenciais e afirmamos que elas focali-
zam dimensões distintas do fenômeno. Enquanto Abrahamson (1991) trata da
difusão da inovação, Gill & Whittle tratam da evolução da inovação.
Ocorre que estas duas abordagens, possuindo distintos ângulos de análise,
mesmo tomadas em conjunto, são insuficientes para entender o desenvolvimen-
to de inovações gerenciais em ambientes turbulentos – como o caso do TQM no
Brasil. O ângulo de análise de Abrahamson é cada decisão tomada para adotar ou
rejeitar determinada tecnologia administrativa. O de Gill & Whittle, bastante distin-
to, é o processo evolutivo de determinada inovação, da criação ao desaparecimento.
A tipologia de Abrahamson é mais adequada para explicar como uma orga-
nização adota determinada tecnologia administrativa – utilizando a lógica da
abordagem da escolha eficiente – enquanto outra o faz simplesmente por um
processo imitativo. Seu modelo também pode ser aplicado a ângulos de análi-
se mais amplos para explicar comportamentos de grupos de organizações. De
qualquer forma, neste último caso surge uma série de limitações. De fato, existe
amplo corpo de pesquisa a sustentar que uma específica inovação pode ser ado-

5577.indb 129 20/06/2011 15:51:53


130  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

tada através de diferentes lógicas por diferentes organizações e que, no mundo


real, decisões de adoção são muito complexas, combinando fatores internos e
externos, elementos racionais e irracionais, pressões políticas e institucionais.
Embora tenhamos, neste ponto, um quadro teórico capaz de auxiliar a com-
preensão de fenômenos de difusão e evolução, consideramos que tal quadro é
ainda insuficiente para compreender os complexos fenômenos envolvidos no
desenvolvimento de inovações administrativas. As justificativas mais importan-
tes para tal afirmação são as seguintes: (i) ambas as tipologias tratadas compre-
endem apenas partes do processo: uma a criação e substituição de inovações,
outra as decisões individuais de adoção e rejeição; (ii) nenhuma delas subordina
os fatores organizacionais ou interorganizacionais aos elementos contextuais e,
assim, tendem a ser limitadas em condições ambientais turbulentas; (iii) nenhu-
ma delas oferece elementos para compreensão dos agentes, padrões, ciclos e
dependências existentes.
Uma vez que o desenvolvimento de um quadro teórico completo para a ques-
tão é tarefa além do escopo deste texto, aqui apenas apresentaremos alguns pas-
sos para sua construção. Nossa proposta é de que o desenvolvimento de inova-
ções gerenciais pode ser entendido segundo um conjunto conceitual de fatores
contextuais estruturais e organizacionais (ver Figura 7.2).
Este quadro conceitual não tem a pretensão de constituir-se num modelo
acabado, uma vez que a relevância dos fatores, as relações entre estes mesmos
fatores e a validação de todos os elementos ainda têm de ser empiricamente tes-
tadas. Nossa proposta é utilizar tal quadro como guia para elucidar o desenvol-
vimento de determinada inovação gerencial em certo ambiente. Nosso objetivo é
que ele nos auxilie a melhor compreender algumas ligações perdidas nas teorias
existentes, proporcionando uma ferramenta para a compreensão de alguns even-
tos importantes.
No quadro proposto, o desenvolvimento de inovações gerenciais é função da
interação entre três grupos de fatores – contextuais, estruturais e conceituais –
que têm existência entre o momento de criação – ou quando se espalham – e
cada decisão individual de adoção ou rejeição. Portanto, a dimensão da evolução
da inovação – incluindo o modelo de Gill & Whittle – pode ser considerada uma
fronteira, dentro da qual tecnologias administrativas são criadas e evoluem até
que se espalham. A tipologia de Abrahamson, por sua vez, pode ser compreendi-
da como uma explicação para os resultados – adoções e rejeições – do elemento
organizacional.
Em ambientes turbulentos como o do Brasil, todas as decisões organizacio-
nais são permeadas, antes de mais nada, por fatores contextuais. Os elementos
nesta fronteira da Figura 7.2 aceleram a criação e a dissipação de inovações e
agem sobre o ambiente interorganizacional – domínio estrutural – e sobre cada
organização ou campo – domínio organizacional.

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  131

Figura 7.2  Quadro conceitual – fatores de desenvolvimento de inovações gerenciais.

Entre os fatores estruturais, os agentes e padrões de difusão controlam o fluxo


de sistema. Vejamos sua ação:

• Agentes de difusão são os principais atores organizacionais que influen-


ciam deliberadamente outros atores a adotar e/ou rejeitar determinada
inovação ou afetam os padrões relacionados a tais adoções e rejeições.
Agentes como a mídia de negócios e consultores conduzirão impulsos a
favor ou contra a inovação, influenciando os atores organizacionais.
• Padrões de difusão são formas pelas quais a adoção ou rejeição flui atra-
vés das organizações, definindo o ritmo da difusão – lento/rápido, im-
positivo/contagioso – e seu escopo – penetrante/limitado. O padrão de
difusão e as respostas dadas pelas organizações vão, por sua vez, afetar
o comportamento dos agentes.

No domínio organizacional, elementos racionais e irracionais interagem por


resposta a impulsos externos e por autodeterminação. No limite, as ações no
domínio organizacional irão influenciar os domínios estrutural e contextual e

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132  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

somente a interação global determinará se o fluxo de difusão será direcionado


para a adoção da inovação – ciclo de adoção – ou sua rejeição – ciclo de rejeição.
Nas seções seguintes analisaremos a experiência brasileira com TQM utilizan-
do este quadro conceitual. Para tal, primeiramente definiremos os fatores contex-
tuais, apresentando os elementos essenciais do ambiente de negócios no Brasil.

O CONTEXTO BRASILEIRO

No Brasil, a partir dos anos 90, a chamada abertura da economia marcou o


início de uma dramática transformação na economia e sociedade brasileiras. Após
quatro anos, o pior parece ter passado e, embora o futuro continue incerto, o país
experimentou em 1994 uma onda de otimismo como há muito não existia.
Analisando o perfil de competitividade da economia, observaremos que, lado
a lado com organizações de reconhecida eficiência, coexistem outras, bastante
atrasadas. Estas organizações sobrevivem em setores pouco competitivos, onde
as mais tradicionais práticas gerenciais, hoje em processo de superação, nem
chegaram a ser adotadas.
Como o próprio país, o jeito brasileiro de administrar é marcado por enorme
heterogeneidade. Enquanto um número representativo de organizações pratica
um gerenciamento de classe mundial, setores inteiros preservam traços de cultura
patrimonialista, tecnocrática e conservadora. Relações hierárquicas ou de negó-
cios são ainda personalistas e pouco profissionais.
Embora a educação formal em Administração de Empresas já exista no Brasil
há mais de 50 anos, na média a capacitação gerencial permanece muito aquém
das necessidades do país.
A pesquisa de tecnologias administrativas e inovações gerenciais é pouco sig-
nificativa e os anos 90 estão sendo marcados pela importação maciça de teorias e
sistemas criados nos países industrializados. As empresas privadas, em especial,
têm investido bastante em modernização gerencial e administrativa. Neste pro-
cesso, o TQM tem tido um papel da maior relevância.
A maioria dos cenários projetados para o país sugere que a economia será es-
tabilizada gradualmente, evoluindo num processo de contínua abertura. Por outro
lado, a política industrial continua indefinida – comprometendo investimentos de
longo prazo – e a estrutura social e educacional ainda aguarda mudanças mais
profundas que dêem sustentação a um projeto de desenvolvimento consistente.
Na dimensão organizacional, a desvantagem competitiva da maior parte dos
setores industriais brasileiros é enorme, quando comparados a competidores de
classe mundial (Coutinho & Ferraz, 1994). As empresas estão apenas começando
a tomar conhecimento da enorme distância que as separa de competidores de

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  133

primeiro nível e a perceber que alguns MBA e programas de qualidade talvez não
sejam suficientes para encurtar esta distância (Isidoro, 1993).

TQM NO BRASIL
Em meados dos anos 80, o movimento do TQM já era bastante popular nos
países industrializados. No Brasil, embora o movimento também já tivesse seus
defensores, implantações representavam apenas casos isolados. Os fatores con-
textuais ajudam a explicar o ritmo inicial lento de adoção. Em alguns setores mais
competitivos realmente havia empresas atualizadas com as mais modernas técni-
cas gerenciais, que começaram cedo suas implantações. Por outro lado, a maioria
das empresas ainda trabalhava numa realidade marcada por um mercado fecha-
do e pouco competitivo, onde a indefinição de regras e a incerteza quanto a uma
possível internacionalização só alimentavam a enorme inércia existente.
As mudanças, porém, foram rápidas e irreversíveis. No início dos anos 90,
a questão da qualidade tornou-se central. Com o tempo, um crescente núme-
ro de organizações foi-se convertendo à onda de modernização. Em 1992, 68%
das grandes empresas já investiam em programas de qualidade e produtividade
(Reis, 1992). Um estudo posterior, realizado pela Price Waterhouse, mostrava
que no início de 1993, 61% das grandes empresas brasileiras já haviam imple-
mentado programas de qualidade total (Zahar, 1993). O TQM não foi a única
inovação administrativa implementada no país, mas foi sem dúvida uma das mais
importantes.

O ciclo de adoção: espalhando as boas novas


Como observado anteriormente, parece-nos clara a influência dos fatores
contextuais na chegada do TQM ao Brasil. A partir deste ponto do texto, seguin-
do o quadro conceitual proposto, passaremos a descrever seu desenvolvimento,
combinando os elementos contextuais do ambiente com os fatores estruturais e
organizacionais.

Agentes de difusão no ciclo de adoção


Acreditamos que cinco agentes se sobressaíram no processo de adoção do
TQM: (1) governo; (2) cultura gerencial; (3) mídia de negócios; (4) consultores;
e (5) associações profissionais. Vejamos, então, o papel de cada um deles:

GOVERNO. Um dos primeiros agentes na difusão do movimento da qualidade no


Brasil foram as agências governamentais. O Ministério do Comércio e Indústria,

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134  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

por exemplo, envolveu-se na criação e promoção de programas voltados para a


qualidade. Por outro lado, companhias estatais como a Petrobras, desde meados
da década de 80, têm pressionado sua ampla rede de fornecedores a adotar sis-
temas da qualidade, tornando-se um pólo de alavancagem extremamente impor-
tante (Wood & Urdan, 1994).

CULTURA GERENCIAL. É extremamente difícil caracterizar, dada a heteroge-


neidade, um estilo brasileiro de administrar. Pode-se afirmar, todavia, que dois
pólos distintos agrupam as maiores tendências: de um lado, um estilo patriarcal,
pouco profissional e pré-taylorista; de outro, uma linha voltada para o tecnicis-
mo anticientífico. Na verdade, tem sido observado que esta última tendência
alarmante está presente em outro países, representada por checklist e programas
de oito pontos (Gill & Whittle, 1992). No caso brasileiro, esta é, ironicamente,
a tendência modernizadora. Empresas com gerenciamento marcado pelas ca-
racterísticas do segundo pólo e algumas posições intermediárias têm sido muito
receptivas ao TQM.

A MÍDIA DE NEGÓCIOS. O papel da mídia de negócios é usualmente visto como


importante na difusão de tecnologias gerenciais (Abrahamson, 1991). O caso
brasileiro não é exceção. A maior razão para isso é que a instável situação pro-
vocada pela abertura de mercado, num contexto de práticas gerenciais pouco
desenvolvidas, criou um nicho especialmente atrativo para publicações voltadas
para o tema. No processo de importação das mais populares tendências geren-
ciais, revistas especializadas e mesmo jornais passaram a desempenhar o impor-
tante papel de divulgadores e formadores de opinião. Especialmente durante a
fase de massificação, com o envolvimento dos adotantes tardios, a mídia de ne-
gócios foi fundamental na irradiação do tema. Por outro lado, deve-se considerar
o caráter acrítico e pouco rigoroso destas publicações.

CONSULTORES. Conforme declarou um importante funcionário do governo re-


centemente: “O melhor negócio no Brasil é tornar-se um consultor de qualidade
industrial.’’ Consultores têm sido vistos como criadores de modas (Abrahamson,
1991; Hirsh, 1972), como agentes para a difusão de práticas institucionais (Di-
Maggio & Powel, 1993; Meyer & Rowan, 1977), ou como inventores de panaceias
(Gill & Whittle, 1992). No caso da difusão do TQM no Brasil, podemos afirmar
que os consultores foram importantes agentes de difusão. Quando o TQM che-
gou ao Brasil, já se constituía num conjunto de conhecimentos e metodologias
razoavelmente sedimentados. Quando do início do processo de abertura da eco-
nomia, grandes empresas de consultoria – a maioria internacionais – trouxeram
do exterior sistemas de implantação já prontos. Num momento posterior, quando
a demanda por este tipo de serviço aumentou, surgiu um impressionante número
de pequenas empresas de consultoria, ajudando a levar os conceitos de TQM a
nichos não atingidos pelas grandes firmas.

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  135

ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS. No Brasil, desde o início, a difusão do TQM es-


teve muito ligada às associações profissionais, muitas delas criadas especialmen-
te para promover o tema. Essas associações terminaram por definir as fronteiras
e o campo de atuação dos profissionais ligados à área. Suas atividades principais
têm sido a promoção de congressos e seminários, a realização de cursos e a divul-
gação de trabalhos realizados nos países industrializados.

Padrões de difusão no ciclo de adoção


A compreensão dos padrões da difusão do TQM é também útil para explicar
por que o movimento foi tão penetrante em tão curto tempo. Focalizaremos duas
dimensões deste padrão: o ritmo e o escopo de difusão.
Vejamos, primeiramente, as características das várias fases do ciclo de adoção:

PIONEIROS E ADOTANTES INICIAIS. Durante boa parte do ciclo de adoção, os


agentes de difusão divulgaram histórias de sucesso, a maior parte relacionada a
grandes e bem reputadas empresas. Estas organizações, em geral pertencentes
aos setores mais competitivos da economia, foram as pioneiras na adoção de pro-
gramas de qualidade (Gallo, 1993). Conforme grandes firmas abraçavam a nova
ordem, um grande número de outras empresas seguiam sua liderança; algumas
delas porque eram fornecedoras das grandes firmas, sendo forçadas a adotar
sistemas da qualidade; outras aderiram por medo de que as líderes ampliassem
sua vantagem competitiva, num processo que poderíamos qualificar de mimetis-
mo estratégico (Abrahamson & Rosenkopf, 1993). De qualquer forma, nem todos
seguiram de pronto o movimento do TQM (Reis, 1992). Para explicar o compor-
tamento dos adotantes tardios são necessários outros fatores, que não processos
decisórios independentes e racionais.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO TQM: COMBINANDO EFEITOS DE DIVERSOS


AGENTES DE DIFUSÃO. Institucionalização refere-se ao processo social pelo
qual construções sociais de práticas organizacionais adquirem status regulamen-
tador da ação social (Scott, 1987; 1987b). Para os teóricos institucionalistas, or-
ganizações tendem a adotar inovações que são socialmente vistas como legítimas
em seus campos, independentemente de questões de eficiência (Meyer & Rowan,
1977; Scott, 1987b). Elas o fazem para se tornarem isomórficas e se adequarem
ao ambiente institucional. Três tipos de isomorfismo são descritos na literatura
(DiMaggio & Powell, 1983): (1) normativo, quando existem pressões exercidas
por agentes normativos externos para que as organizações venham a adequar-se;
(2) mimético, quando existe uma tendência de as organizações se modelarem à
semelhança de outras do mesmo campo para fazer frente a incertezas ambien-
tais; e (3) coercitivo, quando existem pressões formais e informais para a confor-
midade e pressões originadas de expectativas sociais mais amplas. Os papéis de
agentes de difusão como o governo, as associações profissionais e a mídia de ne-

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136  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

gócios, descritos anteriormente, demonstram a existência de pressões normativas


no caso brasileiro. O ritmo de adoção, por outro lado, relaciona-se com pressões
coercitivas e mimetismo. A partir de certo momento da evolução do movimento
da qualidade, estar fora da corrente tornou-se muito desconfortável, podendo
significar acesso dificultado a contratos de fornecimento e imagem prejudicada.
Não adequar-se foi tornando-se cada vez menos legítimo, e não adotantes passa-
ram a ser expostos a pressões crescentes.

ADOTANTES TARDIOS, CONTÁGIO E BANDWAGONING. Muitos estudiosos


acreditam que a difusão de certas inovações administrativas pode ser explicada
por contágio (Galaskiewcz & Burt, 1991; Rogers, 1983). Isto é, imitação em larga
escala ocorre porque organizações que imitam outras organizações são também
por estas imitadas. Outros têm sugerido a existência de uma tendência de esca-
lada das pressões por imitação (Tolbert & Zucker, 1993), chamada de bandwa-
goning. Dentro deste conceito, a adoção da inovação ocorreria “devido a uma
pressão por aderência gerada por um grande número de organizações que já haviam
adotado a novidade’’ (Abrahamson & Rosenkopf, 1993: 488). Nossa posição é de
que o contágio realmente ocorre, mas principalmente entre adotantes tardios, e
após a aderência maciça de empresas mais reputadas ter ocorrido. Assim, acre-
ditamos que o TQM foi adotado pela maioria das empresas somente quando: (a)
elas se convenceram de que as condições políticas e econômicas realmente apon-
tavam para um cenário de economia aberta; e/ou (b) certo número de firmas de
reconhecida reputação adotou com sucesso a inovação; e/ou (c) foram forçadas
a fazê-lo (Zahar, 1993; Reis, 1992).

EXPANSÃO. A penetração do movimento da qualidade em setores não industriais


é clara hoje no Brasil (Urdan & Wood, 1994). Isto pode ser explicado pelo estágio
de desenvolvimento do tema em todo o mundo, que seguiu esta rota de expansão
a partir do final dos anos 80, e, secundariamente, pela saturação do mercado
de consultoria, que passou a buscar novos nichos. Temos ainda que considerar
o alto grau de conexão entre os vários setores da economia, que funcionam à
imagem de vasos comunicantes. De fato, a evolução do movimento nas empresas
industriais seguiu um caminho quase natural de transbordamento – por contágio,
bandwagoning ou pressão pura – para organizações de serviços, escolas, hospitais
e até algumas empresas públicas.
Vejamos, agora, os padrões de difusão:

PADRÕES DE DIFUSÃO NO CICLO DE ADOÇÃO. O processo de adoção do TQM


no Brasil mudou, com o passar do tempo, de uma fase caracterizada por escolhas
racionais para uma escalada marcada por mimetismo e contágio. Sinais desta es-
calada podem ser detectados pela evolução do número de empresas certificadas
pelas normas de qualidade da série ISO 9000. Em meados de 1991, elas eram
apenas 18; em meados de 1994, o número chegava a 400. Prevê-se, para 1997,
cerca de 5.500 empresas certificadas (Brooke, 1994). De fato, muitos estudos

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  137

têm sugerido que a adoção de inovações é um processo de duas fases: (1) pio-
neiros e iniciadores abraçam as inovações por considerações de eficiência; e (2)
adotantes tardios e a maior parte dos imitadores simplesmente seguem os líderes.
Trabalhos neste sentido incluem as investigações sobre estruturas multidivisio-
nais (Fligstein, 1985) e difusão de estratégias de diversificação (Fligstein, 1991).

O ciclo de rejeição: o início da reviravolta do destino


A seção anterior do texto cobriu o ciclo de adoção que, no limite, fez do TQM
a mais popular inovação administrativa no passado recente do Brasil. Ressalta-
mos como alguns agentes ajudaram sua difusão e discutimos os padrões segundo
os quais se deu esta difusão. O momento atual ainda é de popularização do tema
e crescimento do número de adotantes. Entretanto, alguns sinais de esgotamen-
to da onda já começam a aparecer. Cabe, então, explorar estes sinais e discutir
o possível declínio do movimento. De maneira a predizer mais precisamente os
resultados de tal processo, abordaremos a questão através do conceito de ciclo de
rejeição. Cabe esclarecer que, a partir daqui, utilizaremos o termo difusão para
indicar a irradiação da rejeição, e não o da adoção, como até agora.
Em sua fase atual, o movimento da qualidade vem sofrendo muitas críticas.
Parte destas críticas deve-se a problemas práticos, que ocorrem quando a imple-
mentação não segue o receituário e princípios consagrados como mais adequa-
dos. Para as empresas que adotaram tais programas, a questão é simples: eles
nem sempre dão os resultados que se esperam. Entretanto, as críticas mais sérias
focalizam problemas de concepção e características centrais do modelo mostran-
do-o como abordagem redutora e simplista, incapaz de fazer frente a problemas
organizacionais complexos (Wood & Urdan, 1994; Harari, 1993; Wilson, 1992;
The Economist, 1992; Tetzeli, 1992).
Também no Brasil, nem tudo correu perfeitamente. Com o tempo, descobriu-
se que vender novas tecnologias era mais fácil que fazê-las gerar resultados prá-
ticos. Na verdade, muitas empresas tenderam a aplicar apenas parcialmente e/
ou superficialmente o modelo (Isidoro, 1993). O caráter volátil e a tendência an-
tiintelectual presente na cultura gerencial brasileira também contribuíram para
fazer desta prática a regra. Além disso, o guarda-chuva da qualidade serviu para
encobrir muitas ações gerenciais pouco sintonizadas com os conceitos do TQM.
Por tudo isto, crescente número de implantações inevitavelmente falhou ou está
falhando (Zahar, 1993; Reis, 1992), e muitas organizações estão descartando
o modelo antes de permitir tempo e realizar esforços suficientes para produ-
zir resultados (Lawler & Mohrman, 1985). Ainda outro elemento de crítica está
relacionado à natureza cerimonial das implementações. Alguns estudiosos têm
afirmado que muitas organizações brasileiras se têm engajado em esforços para
a qualidade somente por propósitos de imagem (Isidoro, 1993). A explicação
institucionalista clássica para isto é que “organizações institucionalizadas devem

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138  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

não somente amoldar-se a mitos como também sustentar a aparência de que eles
realmente funcionam’’ (Meyer & Rowan, 1977: 356). Conformidade a práticas
institucionalizadas – ou mitos, na linguagem dos institucionalistas – pode prover
legitimidade, apesar de talvez não ser eficaz. Nesse caso, a empresa adapta-se
cerimonialmente aos rituais e elementos simbólicos da inovação, apesar de não
tentar seriamente implementá-la (Scott, 1987b: 262).

Agentes de difusão no ciclo de rejeição


Quando tratamos do ciclo de adoção, afirmamos que o governo, cultura ge-
rencial, mídia de negócios, consultores e associações profissionais foram os agen-
tes mais importantes no ciclo de adoção. No caso do ciclo de rejeição, acredita-
mos que apenas três destes tiveram papéis significativos: (1) cultura gerencial;
(2) consultores; e (3) mídia de negócios. O governo e suas agências parecem ain-
da engajados em programas de longo prazo, nos quais a ampla implementação
de programas de qualidade é uma prioridade clara (Coutinho & Ferraz, 1994).
As associações profissionais, por sua vez, tendem a ter pequeno papel na difusão
da rejeição, em função da inércia provocada por seu comprometimento passado.
Vejamos, então, o papel dos três agentes mencionados:

CULTURA GERENCIAL. Pode-se afirmar, com segurança, que a cultura gerencial


é um dos elementos essenciais na rejeição do TQM. Gerentes brasileiros, traba-
lhando em ambientes turbulentos e com modesto background teórico, tendem a
ser permanentemente fascinados por novidades administrativas. Tal dependên-
cia de soluções externas, mágicas, permeia a mídia de negócios que prolifera a
seu redor. Assim, a adoção da última panaceia gerencial pode simbolicamente
promover a organização a seus gerentes como atualizados e esclarecidos (Gill &
Whittle, 1992). Neste sentido é que afirmamos que o TQM tem caráter de modis-
mo no contexto brasileiro. Por outro lado, é importante notar que esta caracte-
rística pode não ser necessariamente negativa. Como observado por Abrahamson
(1991), há muita polêmica e nenhuma conclusão em torno dos efeitos de tal tipo
de comportamento sobre as organizações.

CONSULTORES. O movimento da qualidade está sendo importante para con-


sultores não somente como campo de atuação, mas também por sua influência
transformadora sobre o próprio campo de consultoria. O TQM ajudou a ampliar
o campo de atuação destes profissionais, mas a rápida maturidade deste merca-
do está forçando seu declínio, catalisando a contínua oferta de novos sistemas
e metodologias. Este movimento, por sua vez, interfere no ciclo, fortalecendo o
processo de obsolescência do próprio TQM.

MÍDIA DE NEGÓCIOS. Como afirmamos anteriormente, a cultura gerencial bra-


sileira possui elementos de natureza volátil e antiintelectual. Para atingir este

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Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  139

público, reforçando suas crenças, a mídia de negócios brasileira tem adotado


uma posição laudatória e acrítica, especializando-se na divulgação de histórias
de sucesso. Conforme a repetição esgota o interesse jornalístico pelo tema e
tecnologias substitutas vão surgindo, a mídia muda seu foco, mantendo, en-
tretanto, o mesmo tipo de abordagem. Num nível bastante superficial, críticas
começam a surgir, valorizando as novas tecnologias em detrimento das antigas
(e.g. Isidoro, 1993; Zahar, 1993; Reis, 1992). A consequência, no caso do TQM,
foi seu deslocamento no espaço da mídia para dar lugar a novidades jornalísticas
como a Reengenharia.

Padrões de difusão no ciclo de rejeição


No momento atual do movimento da qualidade no Brasil, comentários acerca
dos padrões de difusão no ciclo de rejeição vão pouco além de conjecturas. Uma
hipótese que tem sido levantada é de que a Reengenharia substituirá o TQM. Na
verdade, consideramos que tais tecnologias não competem entre si, a não ser
pela atenção gerencial e pelo espaço na mídia de negócios. Uma vez que as orga-
nizações percebam que estas abordagens cobrem diferentes ângulos do mesmo
domínio, provavelmente surgirá uma síntese, com elementos de ambas. Outra
consideração a ser feita é que a Reengenharia se tem revelado um modismo de
fôlego curto, desproporcional ao enorme impacto inicial que causou. Se, num
primeiro momento de sua evolução, qualquer projeto de mudança organizacional
precisava adotar o nome da Reengenharia para ser aceito, o momento atual é de
profundo ceticismo e reservas (e.g. The Economist, 1994).
Voltando ao TQM, nossa posição é de que seus conceitos estão-se mistu-
rando com atividades do dia a dia e passando a permear o senso comum ge-
rencial. Portanto, falar em desaparecimento em futuro próximo pode significar
apenas o enfraquecimento do discurso. No nível das práticas e dos significados
compartilhados, as ideias e conceitos trazidos pelo movimento poderão estar
fortemente enraizados.
Outra conjectura relaciona o futuro do TQM com os crescentes problemas
de implantação. TQM tem sido largamente questionado em seu potencial para
aumentar a competitividade das empresas. Por outro lado, no contexto brasileiro,
problemas de implementação derivam das pressões de curto prazo e da cultura
gerencial (Isidoro, 1993). Portanto, conforme os resultados produzidos se revelam
insatisfatórios, empresas irão mais rapidamente pular de uma solução para outra.

DISCUSSÃO FINAL E IMPLICAÇÕES


Este capítulo tratou de três questões: (1) quais quadros teóricos poderiam
auxiliar na compreensão do desenvolvimento de inovações gerenciais como o

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140  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

TQM?; (2) quão adequadamente tais modelos explicam o desenvolvimento de


inovações gerenciais em ambientes turbulentos como o brasileiro?; (3) como
realmente TQM evoluiu no Brasil?
Para tentar responder a tais questões, revisamos inicialmente os dois modelos
teóricos mais conhecidos: a tipologia de Abrahamson, sobre a adoção e a rejeição
de inovações; e o modelo do ciclo de vida de Gill & Whittle. Comparamos as di-
mensões que eles cobrem com seus respectivos ângulos de análise e concluímos
que cada abordagem trata de apenas parte do problema. Propusemos, então, um
quadro conceitual para nortear a investigação do caso. Em seguida, utilizamos tal
quadro como guia, abordando o desenvolvimento do TQM no Brasil através da
análise de fatores contextuais, estruturais e organizacionais.
Várias conclusões podem ser tiradas deste trajeto:

• primeiro, que o desenvolvimento do TQM num ambiemte como o bra-


sileiro não pode ser inteiramente explicado pelo limitado escopo dos
modelos disponíveis sobre a evolução ou a difusão de inovações. Em tais
ambientes, parece fundamental entender a dependência de uma gama
mais ampla de fatores;
• segundo, que a evolução do TQM no Brasil foi caracterizada, inicialmen-
te, por adoção racional. Pioneiros aderiram ao TQM preventivamente,
diante da ameaça de perda de competitividade. Em seguida, e em ritmo e
proporções crescentes, a adoção se deu primordialmente por mimetismo;
• terceiro, que o futuro parece trazer o declínio do TQM como panaceia
administrativa e a incorporação de alguns de seus conceitos ao dia a dia
das organizações;
• quarto, que o Brasil parece ser um ambiente organizacional altamente
institucionalizado, muito dependente de soluções externas e bastante
ativo na resposta à questão da competitividade. Além disso, o universo
organizacional parece ainda permeado por uma cultura gerencial vo-
látil, que tende a banalizar e subutilizar tecnologias administrativas. O
conjunto destes fatores torna nossas empresas mais suscetíveis a modas
e modismos gerenciais.

Muitos caminhos de pesquisa estão abertos para o estudo de inovações ge-


renciais, tanto no domínio empírico como no teórico. Este texto propõe que os
quadros teóricos existentes cobrem apenas parcialmente o amplo conjunto de
fatores e movimentos no desenvolvimento de inovações gerenciais. Portanto,
acreditamos que uma investigação mais completa do processo de inovação ad-
ministrativa é imperativo. De um lado, o estudo da evolução da inovação pode
ser avançado além das explicações baseadas no ciclo de vida, tornando possível
maior compreensão de como modismos gerenciais são criados e substituídos.
De outro, a teoria disponível sobre difusão da inovação poderia beneficiar-se

5577.indb 140 20/06/2011 15:51:54


Inovações Gerenciais em Ambientes Turbulentos  141

enormemente de um foco além das decisões individuais para adotar ou rejeitar


inovações. O quadro conceitual aqui proposto pode ser um ponto de partida para
ambas as linhas de pesquisa.
Outro desdobramento deste trabalho poderia ser um estudo longitudinal das
principais abordagens administrativas que o Brasil experimentou desde o período
de industrialização iniciado na década de 50.
TQM continua sendo um assunto pouco investigado. Este texto traz um caso
real que tem lugar num ambiente em que a turbulência das mudanças subordina
muitas outras variáveis. Futuras pesquisas sobre TQM ou outras técnicas geren-
ciais deveriam considerar que, em tais ambientes, muitos estágios na implanta-
ção e desenvolvimento da tecnologia são saltados, muitos conceitos misturam-se
com elementos contingenciais específicos e resultados quase sempre distanciam-
se do previsto. Em poucas palavras, a realidade é apenas mais complexa do que
nós realmente a vemos. Modelos simplistas, checklists e receituários talvez sejam
aplicáveis com sucesso em ambientes estáveis. O problema é que ambientes está-
veis estão ficando assustadoramente raros.

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8
Inovação Gerencial no Brasil:
Adoção e Implantação de
Expertise Importada*
Thomaz Wood Jr.
Miguel P. Caldas
  “O caráter cultural e de cooperação dessas cerimônias (ri-
tual de canibalismo) tornou quase obrigatório capturar guer-
reiros para o sacrifício (...) Apenas esses (...) poderiam atender
com perfeição o papel que lhes foi prescrito: o de um guerreiro
orgulhoso que conversava arrogantemente com seu matador e
aqueles que iam comê-lo. Essa dinâmica é confirmada pelo tex-
to de Hans Staden, que participou de cerimônias canibalescas
por três vezes, e as três vezes os índios recusaram a comê-lo
porque em lágrimas e humilhado, implorou por misericórdia.
Eles não comiam covardes.”1
      Darcy Ribeiro (1922-1997)
      Antropólogo brasileiro

INTRODUÇÃO
No momento de sua descoberta pelos portugueses, o Brasil era habitado por
aproximadamente um milhão de nativos sul-americanos. Esses habitantes origi-
nais eram, em sua maioria, submissos e inofensivos para seu colonizador. Entre-
tanto, entre eles, havia tribos que praticavam a antropofagia, ritual de guerra em

*  Uma versão anterior deste texto foi publicada em inglês na Revista Academy of Management Exe-
cutive, v. 16, n. 2, p. 18-32. Os autores gostariam de agradecer a Robert Ford e Mansour Javidam,
por suas sugestões e assistência na preparação da mencionada versão, e ao Núcleo de Pesquisa e
Publicações da FGV-EAESP (NPP), pelo apoio financeiro.
1
  RIBEIRO, D. The formation and meaning of Brazil. University Press of Florida, 2000. p. 13.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  145

que os conquistadores alimentavam-se dos conquistados. Ao devorar o inimigo,


acreditavam estar absorvendo sua coragem e energia, em um ato de respeito e
honra. O inimigo tinha que ser um guerreiro corajoso, igual a seus oponentes.
A antropofagia voltou a ser empregada no Brasil, como metáfora, no início
do século 20, por uma vanguarda cultural urbana. Esse grupo denunciou o que
via como apropriação imprecisa e desprovida de sentido da cultura estrangei-
ra na literatura e nas artes dominantes brasileiras. Esses intelectuais estavam
comprometidos com a modernidade e o cosmopolitismo de seu tempo. O que
propunham – “antropofagia cultural” – era uma apropriação das ideias e concei-
tos estrangeiros que necessitavam, obrigatoriamente, ser alterados por cores e
valores locais.
Como o Brasil, muitos outros países em desenvolvimento tornaram-se cres-
centemente inseridos na economia mundial, e com isso passaram a sofrer pres-
sões para a adoção de práticas gerenciais mais avançadas. Essas tecnologias, su-
postamente, qualificariam as organizações locais a competir em um ambiente
globalizado. Todavia, a pura e simples adoção de modelos estrangeiros pode ser
frustrante e, em alguns casos, até desastrosa.
No Brasil, durante a última década, motivadas por pressões para aumentar
a produtividade, as empresas empregaram esforços consideráveis para atualizar
suas práticas gerenciais. Para esse propósito, implantaram, sucessivamente, pro-
gramas e projetos baseados na ISO 9000, Reengenharia e Sistemas Empresariais
(Enterprise Resource Planning – ERP), entre outras técnicas gerenciais. Entretan-
to, pesquisa realizada pelos autores mostra que os resultados foram frequente-
mente negativos.

• ao se prepararem para a certificação ISO 9000 durante a década de


1990 e início de 2000, muitas empresas no Brasil enfrentaram condições
organizacionais desfavoráveis: força de trabalho com baixa qualificação,
alta distância do poder e processo de tomada de decisão altamente cen-
tralizado. Assim, em muitos casos, o sistema de qualidade aumentou os
custos e contribuiu para a rigidez organizacional;2
• ao adotarem programas de Reengenharia, em meados e no final dos
anos 1990, muitas empresas no Brasil – e também em outros países –
adotaram uma abordagem reducionista que focava, exclusivamente, o
redesenho de processos. Essas empresas ignoraram dimensões organi-
zacionais importantes, como cultura, competências e estratégia. Assim,
os resultados foram limitados. E ainda pior, muitas empresas usaram a

2
  Veja VASCONCELOS, F. C.; CALDAS, M. P. Do isomorphism and ceremonial behavior in orga-
nizational intervention pay off? The case of ISO 9000 diffusion in emerging markets. Paper apre-
sentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division), Denver, CO,
2000. Veja também VASCONCELOS, I.; VASCONCELOS, F. The limits of ISO 9000 consulting me-
thods. Paper apresentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division),
Washington, D.C., 2001.

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146  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Reengenharia como método para promover o downsizing. Os resultados


inesperados incluíram perda de liderança, deterioração do clima orga-
nizacional, decréscimo da memória organizacional, redução de produ-
tividade e eficiência, declínio da qualidade percebida do produto e/ou
serviço e deterioração da reputação organizacional;3
• ao adotarem Sistemas Empresariais, muitas empresas no Brasil aloca-
ram recursos gigantescos e suas melhores pessoas nos projetos de imple-
mentação. Muitas implementações experimentaram problemas graves
com escopo, orçamento e prazos. Os resultados positivos foram muito
aquém do que se deveria esperar. Não obstante o reconhecimento das
melhorias em termos de integração e qualidade de informação, os exe-
cutivos envolvidos nesses projetos não puderam identificar ganhos em
termos de produtividade e competitividade. Em muitos casos, o Sistema
Empresarial parece ter falhado em se adequar às necessidades específi-
cas das organizações. Como consequência, funções organizacionais cha-
ves foram perdidas.4

O principal objetivo deste capítulo é contribuir para o entendimento do am-


biente empresarial brasileiro e sua característica de transitoriedade. Nosso país
parece ser um grande estudo de caso de importação e adoção de expertise ge-
rencial. Isso ocorre devido a suas origens históricas e culturais, ao porte de sua
economia e à rápida marcha do processo de transformação que o país vem reali-
zando desde o início dos anos 1990.
Neste capítulo, primeiro, apresentamos os desafios comuns enfrentados pelas
empresas estrangeiras em países em desenvolvimento; segundo, propomos um
modelo para explicar as razões para a adoção de expertise gerencial importada
e a reação das empresas brasileiras; e terceiro, propomos e ilustramos uma es-
tratégia de ação – que denominamos antropofagia gerencial – para possibilitar a
adaptação criativa e apropriada da expertise gerencial importada.

PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO: OPORTUNIDADES


E DESAFIOS
A última década testemunhou aumento significativo do volume dos inves-
timentos feitos por empresas estrangeiras em países em desenvolvimento. A

3
  Os resultados negativos do modismo da Reengenharia com finalidade de downsizing ficaram
bem conhecidos e vastamente divulgados no ambiente empresarial brasileiro. Para uma revisão,
ver CALDAS, M. P. Demissão: causas, efeitos e alternativas para empresa e indivíduo. São Paulo:
Atlas, 2000.
4
  Ver CALDAS, M.; WOOD JR., T. How consultants can help organizations survive the ERP rage. Pa-
per apresentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division), Chicago,
Ill, 1999. Ver também CORREA, H. L. ERPS: Por que as implementações são tão caras e raramente dão
certo? Paper apresentado no 1º SIMPOI, São Paulo, Brasil, 1998.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  147

possibilidade de tal movimento continuar no futuro é forte, à medida que as


condições políticas e econômicas desses países continuem, apesar de crises cons-
tantes, melhorando.5
Entretanto, é senso comum no mundo corporativo que fazer negócios além
das fronteiras dos países desenvolvidos, seja por estrangeiros ou empresários
locais, é tarefa de grande complexidade. Acostumados a operar em mercados
institucionalizados, com regras claras e estáveis, muitas corporações enfrentam
dificuldades para assimilar o “exotismo” dos países em desenvolvimento. De
fato, muitas das instituições de apoio às empresas nos países industrializados
não existem ou operam em condições precárias nos países em desenvolvimento.6
Assim, muitas organizações estrangeiras desistem de fazer negócios, vendo-se
como vítimas de distúrbios políticos, situações de guerra, corrupção, instituições
frágeis e leis instáveis, além de práticas comerciais e administrativas que são
estranhas a seus olhos.
Uma série de artigos publicados pela revista britânica The Economist há al-
guns anos comentou as aventuras e infortúnios das grandes corporações atraídas
pelas possibilidades de fazer bons negócios nos países em desenvolvimento. Dois
casos ilustraram as adversidades dos estrangeiros que tentam conduzir negócios
em terras distantes. Um terceiro caso retrata uma aliança bem-sucedida entre
estrangeiros e locais.

A ACER NA RÚSSIA: ENTRADA PELA FINLÂNDIA.7 A Acer, fabricante de mi-


crocomputadores de Taiwan, instalou uma fábrica na tranquila Finlândia para
atender o mercado russo em desenvolvimento. Assim, evitou, ao mesmo tempo, a
burocracia gigantesca e confusa da Rússia e os riscos de estabelecer uma ativida-
de industrial em um país ainda perturbado por rupturas políticas e econômicas.
A estratégia da Acer mostrou-se superior a da IBM, que inaugurou uma fábrica
na Rússia e, posteriormente, decidiu fechá-la. Entretanto, a Acer não pôde evitar
que 50 caminhões de carga fossem assaltados por criminosos e dois motoristas

5
  No Brasil, o fluxo de investimentos estrangeiros vem crescendo desde o início dos anos 1990. A
principal atração do país é ainda o notável tamanho de seu mercado doméstico. Além disso, com o
aumento da integração regional, crescente número de empresas estrangeiras deve usar o país como
base de fornecimento para outros países sul-americanos. A maior parte desses investimentos será
dirigida aos setores de exportação, como siderurgia e papel e celulose, em que recursos naturais
abundantes fornecem ao país uma vantagem competitiva.
6
  Os críticos podem argumentar que o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimen-
to levaria, naturalmente, à adoção de instituições análogas às dos países desenvolvidos. Isso pode
ocorrer. Entretanto, tal argumento enfrenta, pelo menos duas restrições: primeiro, não é possível
saber exatamente a rapidez do amadurecimento de tais instituições; e, segundo, não está óbvio que
tal amadurecimento resultará nas mesmas circunstâncias institucionais vigentes nos países desen-
volvidos. Ver KHANNA, T.; PALEPU, K. Why focused strategies may be wrong for emerging markets.
Harvard Business Review, 75(4), p. 41-51, 1997.
7
  Ver Management brief: Laptops from Lapland. The Economist, p. 67-68, 6 Sept. 1997a.

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148  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

fossem assassinados. Também enfrentou dificuldades com concorrentes russos,


que sabiam como obter vantagem competitiva mediante o conhecimento das sin-
gularidades de fazer negócio em seu próprio país.

A MATSUSHITA NA CHINA: ESCALADA DE INVESTIMENTOS (E PREJUÍZOS).8


De 1992 a 1996, a Matsushita, gigantesca fabricante japonesa de bens eletrôni-
cos, criou 30 empresas na China, 27 das quais em parceria com organizações
locais. Não familiarizados com as práticas gerenciais modernas, os parceiros chi-
neses tornaram-se um problema para a Matsushita. A empresa enfrentou todos os
tipos de armadilhas: escalada imprevista de impostos, inflação, aumento da taxa
de juros, obstáculos para estabelecer uma estratégia de distribuição coerente e
mudanças nas leis trabalhistas. Como resultado, em 1997, os volumosos investi-
mentos que foram feitos ainda não haviam sido recuperados.

A FIAT NO BRASIL: SUCESSO QUE CONTRADIZ A TRADIÇÃO?9 O setor auto-


mobilístico tem experimentado formas avançadas de cooperação internacional
desde o final da década de 1980. Foi naquela época que o conceito de “carro
mundial”, projetado na maioria dos centros de tecnologia de Detroit, Volkburg
e Turim, mas fabricado em vários pontos do globo, ganhou popularidade. Nesse
sentido, o projeto do Fiat Palio representou uma reversão do desenvolvimento
histórico. O carro – concebido por uma equipe multinacional composta por enge-
nheiros, designers e operários do Brasil, Itália, Argentina e Polônia – obteve acei-
tação imediata no mercado brasileiro, onde superou modelos da (anteriormente)
invencível Volkswagen. O projeto do Fiat Palio compreendeu vários princípios de
adaptabilidade e respeito às condições locais, de características do produto (esti-
lo, tamanho e acessórios) à organização do processo de manufatura.

O que esses casos podem ensinar-nos? Primeiro, que as organizações bem-


sucedidas são flexíveis e adaptam-se prontamente a seus contextos de negócio.
Segundo, que um negócio bem-sucedido em um país em desenvolvimento depen-
de da compreensão rigorosa das circunstâncias institucionais, organizacionais e
culturais locais.
Muitos empreendedores e executivos tendem a adotar uma atitude etnocên-
trica, ao acreditar que o jeito de trabalhar em seu país é superior ao jeito que o
trabalho é conduzido em outros países. Consequentemente, tendem a ignorar as
diferenças econômicas, sociais e culturais.
Esse fenômeno não está restrito às organizações estrangeiras. Muitas em-
presas de países em desenvolvimento, compelidas pela necessidade de improvi-
sar seus sistemas gerenciais, adotam conceitos e metodologias importados sem
adaptação. Daí, uma condição de “etnocentrismo” reverso ocorre. Assim, pode-

8
  Ver Management brief: Matsushita’s Chinese burn. The Economist, p. 75-76, 20 Sept. 1977b.
9
  Ver Management brief: a car is born. The Economist, p. 68-69, 13 Sept. 1997c.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  149

mos concluir que ambas as situações – empresas estrangeiras que impõem seus
métodos sem adaptação e empresas locais que adotam métodos estrangeiros sem
adaptação – parecem arriscadas.
A assimilação de modelos de administração dos países desenvolvidos é, de
fato, uma atitude muito comum nas organizações brasileiras.10 As organizações
locais tendem a absorver, direta ou indiretamente, as ideias estrangeiras. Infeliz-
mente, como anteriormente comentado, a maioria das adoções tende a não ser
crítica e os resultados para as empresas podem ser negativos.11

UM MODELO PARA ENTENDER A IMPORTAÇÃO E AS


REAÇÕES À EXPERTISE GERENCIAL ESTRANGEIRA
O Brasil não é o único país a adotar modelos criados em países desenvolvi-
dos. Entretanto, devemos indagar: por que o Brasil é tão propenso à adoção de
modelos administrativos criados nos países desenvolvidos? Por que os modismos
e as modas de administração são importados em tão grande escala? Finalmente,
como as organizações locais reagem a essa importação?
Para melhor entender os processos de importação e adoção, é necessário ana-
lisar os fatores e agentes a eles associados. Assim, propomos que a importação e
as reações à adoção da expertise gerencial importada no Brasil podem ser explica-
das como resultado de vários determinantes que atuam em três níveis diferentes:
(1) o externo ou contextual, (2) o intermediário ou interorganizacional e (3) o
interno ou organizacional (ver Figura 8.1). Nas subseções seguintes, detalhare-
mos os vários componentes do modelo.

10
  Pode-se também observar que a tendência à adoção de modelos estrangeiros não é exclusivida-
de do Brasil. Ver GUERREIRO RAMOS, A. Administração e contexto brasileiro. Rio de Janeiro: FGV,
1983. Ver também RIGGS, F. W. Intellectual odyssey: an antobiographical narrative. University of
Hawaii, 1999 (<http://webdata.soc.hawaii.edu/FredR>); e RIGGS, F. W. Globalization and faith.
Paper apresentado na ISA Conference. New Orleans, LA, 2002. Segundo o argumento defendido
por alguns pesquisadores, a adoção de modelos estrangeiros ocorre, conscientemente, como esfor-
ço articulado conduzido pelas elites dos países subdesenvolvidos para segregar o restante da popu-
lação ou, inconscientemente, como meio de imitar características idealizadas. Para uma revisão, ver
CLEGG, S.; IBARRA COLADO, E.; BUENO-RODRIGUES, L. Global management: universal theories
and local realities. Thousand Oaks, CA: Corwin Press, 1998. Ver também PRESTES MOTTA, F. C.;
ALCADIPANI, R.; BRESLER, R. Valorização do estrangeiro como segregação nas organizações. Re-
vista de Administração Contemporânea, 5, p. 59-79, 2001.
11
  Há evidências nos estudos de organizações brasileiras da tendência à adoção de modelos es-
trangeiros sem posterior adaptação. CALDAS, M. P.; WOOD JR., T. For the english to see: the im-
portation of managerial expertise in late 20th century Brazil. Organization, 4 (4), p. 517-534, 1997.

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150 
Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 8.1  Modelo para entendimento da importação e adoção de expertise gerencial importada no Brasil.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  151

Fatores contextuais: favorecendo a adoção de tecnologias


gerenciais importadas

No nível externo – ou contextual – destacamos três elementos: origens his-


tóricas e herança cultural, influências externas e contexto econômico e social.
Tomados em conjunto, esses elementos favorecem a importação e adoção de ex-
pertise gerencial importada.

ORIGENS HISTÓRICAS E HERANÇA CULTURAL. O primeiro elemento com-


preende o conjunto de características brasileiras que geram uma cultura nacio-
nal receptiva à importação de expertise gerencial.

Aqui, destacamos dois traços: a plasticidade, abertura e permeabilidade às


influências estrangeiras, e o formalismo, tendência à adoção de comportamentos
de fachada. Essas características culturais ajudam a explicar por que os brasilei-
ros são abertos às influências externas, embora, geralmente, submetem-se de
forma apenas cerimonial a elas.12
O gosto pelo exótico, por itens estrangeiros, por miscigenação e equipara-
ção, iniciou no Brasil com os colonizadores.13 Dos portugueses, o Brasil herdou
a “plasticidade” e a tendência à miscigenação étnica. Entretanto, a miscigenação
resultante de raças não pôde ocultar a sociedade hierarquizada imposta pelos co-
lonizadores sobre outros grupos étnicos. No Brasil, foi criado o mito de democra-
cia racial, em que, supostamente, as pessoas são iguais em conceito e ante a lei.
Entretanto, a realidade brasileira revela um preconceito racial não declarado.14
Esse hiato não se aplica apenas a assuntos étnicos. O “formalismo” materializa-se
na desigualdade entre o que alguém diz e o que faz.
Em nosso ponto de vista, o formalismo é relevante para explicar várias reações
possíveis na adoção de expertise gerencial importada, em especial o comportamen-
to cerimonial. Esse comportamento dá aos estrangeiros a impressão de que um
modelo alienígena está sendo adotado, quando, na realidade, existem resistências
ou a adoção é apenas parcial.15

  Para uma revisão das características culturais brasileiras e suas consequências organizacionais,
12

ver PRESTES MOTTA, F. C.; CALDAS, M. P. (Org.). Cultura organizacional e cultura brasileira. São
Paulo: Atlas, 1997; PRESTES MOTTA; ALCADIPANI; BRESSLER. Op. cit.; AIDAR, M. M.; BRISOLA,
A.; PRESTES MOTTA, F. C.; e BARROS, B. T.; PRATES, M. A. A arte brasileira de administrar. São
Paulo: Atlas, 1996.
13
  Ver RIBEIRO. Op. cit.
14
  Ver DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
15
  Esse tipo particular de comportamento no campo organizacional brasileiro já foi retra-
tado antes e é similar ao que os teóricos neo-institucionais denominaram comportamento
cerimonial.

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152  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

INFLUÊNCIAS EXTERNAS CONTEMPORÂNEAS. O segundo elemento relacio-


na-se diretamente à globalização, em especial a integração do país à economia
mundial desde o início da década de 1990.16

À medida que o nível de inserção do Brasil na economia mundial aumenta,


o país é forçado a criar instituições ou a ajustar a operação das instituições exis-
tentes às normas e padrões aceitáveis pela comunidade internacional. Isso exerce
um papel relevante na homogeneização dos modelos políticos, econômicos e em-
presariais e pode estar associado ao aumento do fluxo de ideias de gestão.

CONTEXTO ECONÔMICO E SOCIAL CONTEMPORÂNEO. O terceiro elemento


relaciona-se às mudanças ocorridas no Brasil, que contribuíram para a ascensão
de uma mídia empresarial receptiva às tecnologias gerenciais importadas.

Para o Brasil, a década de 1990 pode ser vista como um período crucial
no processo de adaptação à nova ordem econômica mundial, assim como um
momento de mudanças profundas para as empresas locais. A economia passou
por ampla reestruturação, com ênfase na redução das barreiras às importações,
liberalização dos fluxos financeiros e avanço em um grande programa de pri-
vatização.17 As principais consequências dessas mudanças foram o fechamento
de numerosas empresas, a desnacionalização de várias indústrias e um vigoroso
movimento de fusões e aquisições, a maioria delas entre empresas brasileiras e
estrangeiras. Como efeito colateral, ocorreu a importação massiva de expertise
gerencial importada. Isso aconteceu como resultado da entrada de novas empre-
sas no mercado e do esforço empreendido pelas empresas locais para enfrentar a
nova realidade competitiva.18
Desde o início das reformas econômicas brasileiras, as importações têm cres-
cido consistentemente. Além de bens materiais, o país passou a importar ideias
e conceitos de administração, práticas gerenciais e sistemas de informação. O re-

  Esse processo compreende: (1) aumento dos investimentos das empresas estrangeiras, com
16

ênfase em comunicações, eletricidade, fabricação de carros e setor bancário; (2) aumento das im-
portações, que passaram de US$ 21 bilhões em 1992 para US$ 58 bilhões em 1998; e (3) aumento
das exportações, que passaram de US$ 36 bilhões em 1992 para US$ 51 bilhões em 1998. Fonte:
Dieese/Banco Central do Brasil. Relatório Anual <http://dieese.org.br/anu/2001/>.
17
  No início da década de 1990, os impostos sobre as importações de bens de capital, bens de
consumo, produtos eletrônicos, petroquímicos, têxteis e muitos outros produtos foram substan-
cialmente reduzidos. Simultaneamente, regras mais flexíveis para o controle dos fluxos financei-
ros foram implementadas e um grande programa de privatização foi acelerado. O efeito conjunto
foi a atração de investimentos de numerosas empresas multinacionais, como Telefônica, AT&T,
Nortel, Daimler-Chrysler, Renault, PSA (Pegeot-Citröen), Honda, Toyota, HSBC, BBVA, Santander
e ABN-Amro. Para verificar detalhes sobre a reestruturação da economia brasileira, ver DINIZ, E.
Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
  Não obstante os impactos positivos dos esforços de modernização, análises mais abrangentes
18

mostram um cenário em transição, com produtividade e níveis de competitividade ainda modestos.


Ver INSTITUTO McKINSEY. Produtividade no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  153

sultado desse processo foi o aumento da “hibridização”: movimento de constante


mistura caracterizada pela coexistência de valores locais e estrangeiros e de com-
portamentos modernos e arcaicos.19 Como outros países em desenvolvimento, o
Brasil, hoje, combina setores de ponta, alinhados às práticas mais avançadas, e
indústrias que ainda preservam tecnologia, métodos de produção e organização
do trabalho que podem estar associados às indústrias típicas do século 19.

RESUMINDO OS FATORES IMPULSIONADORES. Como vimos, o nível contex-


tual de nosso modelo compreende três elementos: as origens históricas e a he-
rança cultural, as influências externas e o contexto econômico e social contem-
porâneos. Em sua totalidade, esses elementos fornecem ampla gama de fatores
impulsionadores socioculturais que facilitam a importação e adoção de ideias
estrangeiras no Brasil.

Como outros países em desenvolvimento que adotaram reformas econômicas


liberais, o Brasil também passou a experimentar pressões contínuas e acirradas
para reforçar a posição competitiva de suas indústrias. A partir do início da dé-
cada de 1990, essas pressões levaram os empresários a uma corrida frenética: as
empresas locais, que operavam em um mercado relativamente protegido, encon-
travam-se despreparadas para a competição internacional.
Enquanto as pressões econômicas determinavam o que precisava ser feito –
por exemplo, modernização administrativa, aumento da produtividade e redução
de custos –, o credo neoliberal dominante, permeado pela ideia de validade uni-
versal dos conceitos de gestão, determinava o que devia ser feito, pela via adoção
de “modelos de excelência”, que deveriam, presumivelmente, ser copiados de
países desenvolvidos. Por conseguinte, a maioria das organizações locais acabou
adotando os modelos de administração estrangeiros, muitos dos quais modas e
modismos, como os anteriormente mencionados.20

Fatores interorganizacionais: mediando a adoção de


tecnologias gerenciais importadas
O nível intermediário – ou interorganizacional – compreende os agentes de
difusão: o governo brasileiro e suas agências, as escolas de Administração, a mí-
dia empresarial, os gurus da Administração e as empresas de consultoria. Es-

19
  O conceito de hibridização substitui o conceito de transformação progressiva e linear, e leva a uma
perspectiva que compreende a fragmentação e a coexistência de diferentes realidades, muitas das
quais, contraditórias e paradoxais. Ver CALÁS, M.; ARIAS, M. Compreendendo as organizações
latino-americanas: transformação ou hibridização? In: MOTTA; CALDAS, 1997. Op. cit.
  Para uma revisão dos conceitos de modismos e modas, ver ABRAHAMSON, E. Managerial fads
20

and fashions: the diffusion and rejection of innovations. Academy of Management Review, 16,
p. 586-612, 1991.

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154  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

ses agentes promovem, disseminam e legitimam novas ideias e metodologias. É


a ação combinada desses agentes que tem difundido um fluxo interminável de
“modelos de excelência” importados e influenciado sua adoção. Esses agentes
foram responsáveis por converter as influências contextuais em imperativos or-
ganizacionais.21

GOVERNO BRASILEIRO E SUAS AGÊNCIAS. Várias gestões no Brasil, de ante-


cedentes políticos e ideológicos diversos, têm apoiado com leis, políticas e incen-
tivos fiscais a tendência à adoção de modelos e práticas administrativas importa-
dos. Um exemplo é o papel exercido pelo governo na ampla difusão do sistema
ISO 9000. Desde o início da década de 1990, o governo brasileiro facilitou fi-
nanciamento público subsidiado às empresas certificadas pela ISO 9000. Adi-
cionalmente, várias concorrências públicas para a contratação de serviços pelo
governo recompensaram as empresas com certificação ISO, mesmo quando isso
era irrelevante.22

ESCOLAS DE ADMINISTRAÇÃO. As primeiras escolas brasileiras de Adminis-


tração foram instaladas no início da década de 1950. Desde então, a educação e
a pesquisa no campo de Administração vêm sendo moldadas a partir da impor-
tação e da disseminação massiva de conceitos e métodos trazidos de fora, espe-
cialmente dos Estados Unidos. Pesquisas recentes evidenciam o uso consistente e
predominante de referências norte-americanas e europeias na pesquisa acadêmi-
ca e nos textos educacionais brasileiros.23

MÍDIA DE NEGÓCIOS E GURUS DE ADMINISTRAÇÃO. Jornais, livros de Admi-


nistração e outras publicações empresariais também fomentaram a reprodução
de ideias e modelos de negócios importados. Por exemplo, a HSM Management,
revista popular de negócios, publica artigos traduzidos de “famosos gurus norte-
americanos”, como Michael Porter, Peter Drucker e Philip Kotler. Alguns desses

21
  A pesquisa sugere que todos esses agentes interorganizacionais têm sido relevantes no ambien-
te brasileiro. No que diz respeito aos consultores, ver CALDAS, M. P. Towards a more comprehen-
sive model of managerial innovation diffusion: why consultants are not the only ones to blame?
Paper apresentado na Academy of Management (Management Consulting Division), Cincinnati,
OH, 1996. Com referência aos periódicos de negócios e editoras de administração, ver WOOD JR.,
T.; PAES DE PAULA, A. P. Pop-management, 2002. Paper apresentado na Academy of Management
Meeting, Denver, CO. Sobre as agências governamentais e as categorias profissionais, ver VASCON-
CELOS; CALDAS. Op. cit.
22
  Ver VASCONCELOS; CALDAS. Op. cit.
  Ver BERTERO, C. O.; KEINERT, T. A evolução da análise organizacional no Brasil, de 1961 a
23

1993. Revista de Administração de Empresas, 34(3), p. 81-90, 1994; MACHADO DA SILVA, C.; CAR-
NEIRO CUNHA, V.; AMBONI, M. Organizações: o estado da arte da produção acadêmica no Brasil.
Anais da Enanpad. Florianópolis, 1990; VERGARA, S. C.; CARVALHO JR., D. S. Nacionalidade dos
autores referenciados na literatura brasileira sobre organizações. Revista Brasileira de Administra-
ção Contemporânea (Organizações), 1(6), p. 170-188, 1995.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  155

gurus são membros do conselho editorial da revista e vêm anualmente ao Brasil


para apresentar suas ideias a grandes audiências. Exame, a mais influente revista
brasileira de negócios, publica regularmente casos sobre como empresas locais
bem-sucedidas adotaram as últimas ideias de administração.24

EMPRESAS DE CONSULTORIA E OUTROS PROFISSIONAIS. Consultores, es-


pecialistas em treinamento e desenvolvimento e outros profissionais também
legitimam e divulgam o consumo de expertise gerencial importada.25 Empre-
sas internacionais de consultoria, como PricewaterhouseCoopers, Accenture,
McKinsey e Booz-Allen, têm grandes operações no Brasil. Em suas práticas, es-
sas empresas usam, regularmente, ideias e modelos desenvolvidos no exterior,
a maioria nos Estados Unidos. Além disso, o desenvolvimento da área de admi-
nistração foi acompanhado da aparição de pequenas empresas de treinamento
e desenvolvimento. Essas empresas promovem cursos e seminários para exe-
cutivos. Geralmente, o conteúdo está baseado nos últimos modismos e modas
originados no exterior.

RESUMINDO OS EFEITOS. A ação combinada desses agentes estimula o fluxo


de modelos importados e influencia sua adoção. Entender a interação complexa
entre esses fatores e sua influência precisa sobre as diferentes indústrias está
além do escopo deste capítulo. Entretanto, pode-se dizer que o efeito conjunto
desses agentes incitou uma nova mentalidade empresarial no país.

Nível organizacional: fatores influenciadores e respostas


organizacionais
Até aqui tratamos dos níveis contextual e inter-organizacional. Agora, no
nível interno – o organizacional –, destacamos as variáveis que afetam o com-
portamento das organizações: (1) as pressões substantivas para adoção; (2) as
pressões políticas e institucionais para adoção; e (3) o nível de análise crítica.
Diferentes combinações dessas três variáveis levam a diferentes respostas.

PRESSÕES SUBSTANTIVAS. A primeira variável de influência é a presença de fa-


tores substantivos para adoção; isto é, a existência de oportunidades e problemas
para os quais a expertise gerencial importada é uma possível solução.

Por exemplo, durante a década de 1990, várias empresas precisaram respon-


der às reformas da economia brasileira: com o aumento do número de concorren-
tes estrangeiros no mercado doméstico, era necessário melhorar a qualidade dos

24
  Ver WOOD JR.; PAES DE PAULA. Op. cit.
25
  Ver CALDAS, 1996. Op. cit.

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156  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

produtos e serviços, e reduzir os custos. Assim, os bancos de varejo, como Brades-


co e Itaú, investiram fortemente em tecnologia de informação. Similarmente, os
fornecedores do setor automobilístico implementaram programas baseados em
conceitos de suply chain management (gestão da cadeia de suprimentos) e lean
production (produção enxuta).

PRESSÕES POLÍTICAS E INSTITUCIONAIS. A segunda variável de influência


é a presença de pressões políticas e institucionais para a adoção. As pressões
políticas refletem os interesses dos grupos de poder no interior da organização.
Essas pressões políticas relacionam-se às necessidades para as quais a técnica
gerencial não oferece obrigatoriamente soluções, mas para as quais é um canal
de obtenção de vantagens para determinado grupo ou indivíduo.26 As pressões
institucionais compreendem as forças externas encontradas no ambiente de uma
organização, que influenciam ou forçam a adoção de práticas consideradas de
“classe mundial”.27
Quanto maior a presença de pressões políticas e institucionais, maior será a
tendência à adoção de soluções políticas ou institucionalmente legitimadas, mes-
mo na ausência de pressões substantivas. Além disso, quanto maiores as pressões
políticas e institucionais, menor será a disposição de se analisar criticamente as
soluções disponíveis.
Por exemplo, no final da década de 1990, durante a “febre” dos Sistemas
Empresariais, alguns executivos brasileiros perceberam a implementação de tal
sistema como uma iniciativa para reforçar a imagem da empresa como moderna
e de classe mundial. Na EngeCom (nome fictício), empresa de médio porte, os
principais acionistas forçaram a adoção de uma marca líder e viram a imple-
mentação como uma forma de consolidar a imagem da empresa e, assim, de
aumentar sua atratividade para investidores. Sua implementação foi iniciada sem
qualquer esforço para verificar sua adequação técnica. Atrasos, dinheiro e tempo
desperdiçados, e funcionários frustrados foram o preço pago. Mesmo que o sis-
tema não tivesse respondido às necessidades operacionais da empresa, os prin-

  Ver FROST, P. J.; EGRI, C. P. The political process of innovation. In: STAW, B. M.; CUMMINGS,
26

L. L. (Org.). Research in organizational behavior, 13. Greenwich, CT: JAI Press, 1991. p. 229-295.
27
  Grande parte da bibliografia neo-institucional tenta explicar por que certas práticas gerenciais
tornam-se padrões institucionalizados. Ver MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutional organizations:
formal structure as myth and cerimony. American Journal of Sociology, 83, p. 340-363, 1977; Di-
MAGGIO, P. J.; PAWELL, W. W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective
rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48, p. 147-160, 1983. As pressões
institucionais são comumente discutidas na bibliografia sobre modas e modismos de administração.
Ver GILL, J.; WITTLE, S. Management by panacea: accounting for transience. Journal of Management
Studies, 302, p. 281-295, 1992; ABRAHAMSON, E.; FAIRCHILD, G. Management fashion: lifecycles,
triggers and collective learning processes. Paper apresentado na Academy of Management Meeting.
Boston, MA, 1997; ABRAHAMSON, E. 1991, op. cit.; e ABRAHAMSON, E. Management fashion.
Academy of Management Review, 211, p. 254-285, 1996.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  157

cipais acionistas ficariam satisfeitos em ouvir, de investidores e outros visitantes,


comentários positivos sobre o “moderno modelo de administração da EngeCom”.
Concluíram dessa forma que seu objetivo – tornar a empresa mais atraente a in-
vestidores potenciais – foi atingido.28

NÍVEL DE ANÁLISE CRÍTICA. A terceira variável de influência é o nível de aná-


lise crítica presente entre os gestores da organização. Definimos análise crítica
como a habilidade de realizar uma avaliação ampla e “desapaixonada” com re-
lação à adoção de expertise gerencial importada. Entendemos que, tanto a admi-
ração incondicional de modelos importados, quanto sua completa rejeição são
exemplos de baixos níveis de análise crítica. Os gestores com grande capacidade
de análise crítica não aceitarão ou rejeitarão um modelo a priori; ao contrário,
analisarão o todo e suas partes, sua adequação e sua aplicabilidade.

Quanto maior o nível de análise crítica, mais tempo será dedicado à aná-
lise das soluções disponíveis, maior será o filtro que a organização imporá às
pressões políticas e institucionais e maior a tendência à descoberta de soluções
criativas próprias.

RESUMINDO AS TRÊS VARIÁVEIS. A combinação dessas três variáveis – pres-


sões substantivas, pressões políticas e institucionais e nível de análise crítica –
pode, como anteriormente observado, levar a diferentes reações à presença de ex-
pertise gerencial importada. Essas reações podem ser localizadas em um espectro
definido por diferentes níveis (de baixo para alto) de cada uma das três variáveis
de influência (ver Figura 8.2).

Várias reações podem ser encontradas em tal espectro. Entretanto, nossos


levantamentos (ver apêndice) indicam três reações mais típicas: adoção incon-
dicional, adoção cerimonial e antropofagia gerencial. Para ilustrar essas reações,
tomamos três casos reais observados em empresas locais: InfraCom, EstoCom e
AutoCom (nomes fictícios). Esses três casos foram identificados em levantamen-
tos e representam comportamentos típicos e frequentes das empresas locais ao
enfrentarem a adoção de expertise gerencial importada.

ADOÇÃO INCONDICIONAL: O CASO DA InfraCom. A primeira reação organi-


zacional típica à adoção de expertise gerencial estrangeira no Brasil ocorre sob a
presença de alto nível de fatores institucionais e/ou políticos, acompanhados a
um baixo nível de análise crítica.29 Em tais circunstâncias, as organizações ten-
dem a adotar modas e modismos gerenciais, frequentemente desvinculadas de
suas necessidades reais. É muito comum o resultado ser frustrante.

28
  Para um detalhamento desse caso, ver WOOD JR., T.; CALDAS, M. A hora do pesadelo: adoção
e implementação de sistemas empresariais. Revista de Estudos Organizacionais, 2(2), p. 23-36, 2001.
29
  Nesse caso, o nível de fatores substantivos não afeta significativamente a reação.

5577.indb 157 20/06/2011 15:51:55


158  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 8.2 Principais fatores que afetam as reações organizacionais à expertise


gerencial.

Duas situações podem ocorrer quando se assume baixo nível de análise crí-
tica. A primeira ocorre quando a necessidade substantiva é baixa ou diminui no
decorrer do tempo: nesse caso, após a frustração ocorrerá a negação e a inércia;
isto é, a organização não perseguirá soluções alternativas. A segunda situação
pode ocorrer se a necessidade substantiva for relevante e persistente. Em tal con-
texto, após uma tentativa frustrada, será muito provável que a busca por uma
nova panaceia tenha início e o ciclo seja retomado em constantes tentativas. Essa
segunda possibilidade tende a ocorrer mais frequentemente do que a primeira,
devido às pressões reais para aumentar a competitividade.
O comportamento de adoção incondicional pode ser ilustrado pelo caso da
InfraCom. As origens da empresa estão na fusão de grande número de empresas
regionais que foram consolidadas, na década de 1960, em uma grande empresa
estatal de dimensão nacional. Em meados da década de 1970, com o avanço da
privatização em seu setor, a InfraCom submeteu-se a amplo processo de transfor-
mação organizacional. O principal propósito era aumentar seu valor e tornar a
empresa mais atraente a futuros investidores. Outro objetivo era preparar a Infra-

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  159

Com para competir com novas empresas que iniciariam suas operações no Brasil.
O processo de mudança foi compulsório e conduzido de acordo com as diretrizes
de um Ministro de Estado.
Apoiada por empresas de consultoria, a InfraCom procurou implementar su-
cessivos programas, baseados nos últimos modismos e modas gerenciais. Os prin-
cipais programas foram TQM (gestão de qualidade total) e Reengenharia, muito
populares naquele momento. Adicionalmente, a empresa planejava adotar uma
nova arquitetura organizacional. Conexões entre as necessidades substantivas e
os pacotes escolhidos nunca foram claramente feitas.
Entretanto, restrições legais à reestruturação e dispensa de funcionários,
além de resistência interna à mudança, manifestada por vários grupos de interes-
se evitaram a implementação efetiva dos pacotes. Frustrada por seu fracasso em
se transformar, a empresa procurou novos pacotes, repetindo o ciclo de busca,
tentativa de implementação, percepção da inadequação e rejeição.

COMPORTAMENTO CERIMONIAL: O CASO DA EstoCom. A segunda reação


organizacional consiste na adoção apenas temporária ou parcial de tecnologia
estrangeira, frequentemente para mitigar as pressões da adoção, sem realmente
produzir mudança substancial ou alterações no status quo.30 O comportamento
cerimonial ocorre na presença de elevadas pressões institucionais e/ou políticas
para a adoção de práticas gerenciais estrangeiras, mas quando nenhuma necessi-
dade substantiva as justificaria. O nível de análise crítica é frequentemente alto.

Muitas organizações brasileiras que se caracterizam por alto nível de aná-


lise crítica podem, intencionalmente, adotar modas e modismos legitimados,
meramente de modo cerimonial. Nesse caso, a organização parece apenas se
conformar às pressões externas, embora resista às mudanças que não tenham
necessidade substancial de ocorrer.31 Quando observam esse comportamento, os
estrangeiros tendem a perceber apenas uma pseudorrealidade32 que parece estar
de acordo aos modelos e ideias dominantes. Entretanto, abaixo da superfície,
permanece a substância híbrida e diversa, apenas parcialmente receptiva aos mo-
delos importados.
Esse tipo de comportamento ocorreu maciçamente no Brasil durante a im-
plementação de programas de TQM e Reengenharia. Movidas por pressões insti-
tucionais para adotar tais programas, várias organizações passaram a adotá-los
apenas de forma cerimonial. Para o observador menos atento, a mudança poderia

  Um comportamento similar é descrito pelos neo-institucionalistas; por exemplo, MEYER; RO-


30

WAN, op. cit.


  Para referências, exemplos e evidência da difusão de tal tipo de comportamento no caso de
31

certificações ISO 9000 no Brasil, ver VASCONCELOS; CALDAS, op. cit.


  Ver ALVESSON, 1990. Organization: from substance to image? Organization Studies, 11(3),
32

p. 373-394, 1990.

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160  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

ser constatada pela existência de novos documentos e fluxogramas. Entretanto,


um observador mais atento perceberia que a realidade organizacional pode ter
sido deixada intocada além da superfície.
O comportamento cerimonial é exemplificado pelo caso da EstoCom, empresa
de propriedade familiar, bem-sucedida, especializada em estocagem e distribui-
ção. Durante o final da década de 1990, seus clientes tornaram-se predominan-
temente empresas multinacionais. Operando em escala global, essas empresas
impuseram as mesmas exigências a seus fornecedores espalhados pelo mundo,
como a certificação ISO 9000. Para os executivos da EstoCom, a certificação não
tinha sentido, uma vez que a empresa possuía um programa de qualidade abran-
gente, funcional e flexível. Promover a certificação seria prejudicial ao programa
existente de qualidade. Ainda pior, temia-se que o modelo organizacional flexível
da empresa pudesse ser ameaçado pelo alto grau de formalização demandado
pela norma ISO.
Assim, a organização lidou com a situação como muitas outras organizações.
Como resultado, a EstoCom passou a apresentar dois conjuntos distintos de pro-
cedimentos: um para a checagem do auditor e outro realmente seguido. Desse
modo, a certificação ISO foi realizada, embora nenhum elemento crítico da orga-
nização fosse indesejavelmente alterado.33

ANTROPOFAGIA GERENCIAL: O CASO DA AutoCom. O terceiro tipo de reação


organizacional brasileira à adoção de expertise gerencial importada ocorre sob a
presença de alto nível de fatores substantivos, acoplados a alto nível de análise
crítica.34 Em tais circunstâncias, a organização avalia e adapta cuidadosamente a
nova prática gerencial a sua própria realidade.

O que ocorre é uma releitura dos principais conceitos da expertise gerencial,


levando-se em consideração a realidade local. Ao adotar modelos importados
dessa forma, as organizações esforçam-se para extrair o melhor deles, desem-
penhando uma apropriação de seus valores essenciais e traduzindo a tecnologia
para o seu universo social e cultural.
A antropofagia gerencial é aqui exemplificada pelo caso da AutoCom, empre-
sa de médio porte fundada nos anos 1950, fornecedora das principais montado-
ras automobilísticas localizadas no Brasil, além de possuir operações industriais
e comerciais na América do Norte, Europa e Ásia.
Na década de 1990, no início de ampla modernização do setor automobi-
lístico brasileiro, a AutoCom adotou um profundo processo de mudança orga-
nizacional. Com assistência ocasional de consultores, a AutoCom foi reestrutu-

  Alguns efeitos colaterais foram percebidos no decorrer de anos de acompanhamento da adoção


33

cerimonial. Por exemplo, a norma “de fachada” provocou a irritação da maioria dos funcionários
da empresa em relação a qualquer programa de qualidade, incluindo o sistema anterior.
34
  Nesse caso, o nível de fatores institucionais ou políticos não afeta significativamente a reação.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  161

rada – ao adotar um modelo organizacional baseado em unidades estratégicas


de negócios –, reformou sua cadeia de suprimentos, implementou um novo
sistema empresarial (ERP) e adotou um novo sistema de remuneração de fun-
cionários. Entretanto, nada disso foi adotado como um pacote de consultoria.
Em todos os casos, a empresa estava em condições de entender os conceitos
básicos dos modelos e de adaptá-los a sua própria realidade.
A AutoCom estava sujeita a quase todas as pressões institucionais e políticas
que afetavam a InfraCom e a EstoCom. Assim, pode-se indagar: o que a fez di-
ferente? Acreditamos que o principal diferencial que tornou a AutoCom única e
tão bem-sucedida foi sua forte identidade e seus valores essenciais. A maioria dos
gerentes era engenheiros com grande identificação com seu trabalho, entusiastas
dos produtos da empresa e orgulhosos das realizações da organização ao compe-
tir com empresas multinacionais maiores.
O ambiente competitivo exerceu importante papel na definição a cultura cor-
porativa. Contrária à InfraCom, que era um monopólio, e a EstoCom, que era par-
te de um oligopólio, a AutoCom operava há longo tempo em ambientes competi-
tivos, no Brasil e exterior. Além disso, a empresa esteve sempre sujeita às pressões
intensas de seus clientes (empresas de grande porte como General Motors, Ford
e Volkswagen) para melhorar a qualidade e reduzir os custos.
Outra característica cultural importante era o empreendedorismo. Por ser
uma empresa relativamente pequena no meio de grandes multinacionais, a
AutoCom não tinha a chance de ser tímida. Sua internacionalização começou
muito antes das reformas econômicas implementadas na década de 1990 no Bra-
sil e deu a seus executivos uma visão cosmopolita dos negócios.
O contexto competitivo tornou a AutoCom muito cuidadosa no uso dos recur-
sos e muito crítica em relação aos modismos e modas gerenciais. Assim, estava
em condições de atingir um equilíbrio importante: não era tão aberta a ponto
de permitir que qualquer nova ideia fosse implementada sem um julgamento
detalhado, nem tão fechada para ignorá-las. A AutoCom não era a primeira em
termos de adoção de novas expertises gerenciais, porém, intuitivamente, desen-
volveu um método para avaliá-las e adaptá-las, e estava preparada para superar
com sucesso seus principais concorrentes na maioria das ocasiões. A empresa
iniciou seu programa de modernização administrativa em 1994. Após seis anos,
havia implementado muitas das mais populares ideias de gestão do período, mas
em todas as ocasiões realizando forte adaptação.

ANTROPOFAGIA GERENCIAL NA PRÁTICA

A antropofagia gerencial é uma prática administrativa que visa assegurar a


adoção apropriada – isto é, profundamente ajustada às singularidades locais – de

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162  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

expertise gerencial estrangeira por organizações de países em desenvolvimento.


A “organização antropófaga” analisa e recria conscientemente a expertise geren-
cial estrangeira, com o intento de compreender seus pressupostos; reexamina a
expertise, baseada em seu próprio contexto; e, finalmente, reconstrói criativa-
mente a técnica como um híbrido, “devorando-a” sem prejudicar a essência de
seu valor e forçando-a a atender, apropriadamente, as necessidades exclusivas
da organização.35

As cinco etapas essenciais para a antropofagia gerencial

A abordagem antropofágica envolve uma tarefa de reconstrução em que a


matéria-prima é a expertise gerencial estrangeira e o objetivo é a adoção do que
for verdadeiramente apropriado às características locais. Propomos que as etapas
essenciais dessa metodologia sejam as seguintes: (1) identifique as suposições
essenciais; (2) teste e filtre cada uma das suposições; (3) combine com as sin-
gularidades locais; (4) reconstrua o modelo e (5) teste e implemente o modelo.
Utilizaremos a seguir um dos projetos de mudança da AutoCom para ilus-
trar a metodologia. No final da década de 1990, a empresa havia passado por
muitas mudanças em sua arquitetura organizacional. Como consequência, a alta
administração foi pressionada a rever o sistema de remuneração de funcionários,
considerado incompatível à nova arquitetura.
Entretanto, a dificuldade para encontrar ajuda apropriada quase resultaram
em descontinuidade do projeto. A solução veio por meio de uma força tarefa
interna, formada por profissionais de recursos humanos, produção, engenharia,
administração e vendas. Essa força tarefa propôs construir um sistema de remu-
neração totalmente novo, baseado nos conceitos de “remuneração por desempe-
nho” e “remuneração por competência”. O projeto compreendia ampla pesquisa
sobre as tendências dos sistemas de remuneração e um profundo estudo do con-
texto e necessidades da organização.

PRIMEIRA ETAPA: IDENTIFIQUE AS SUPOSIÇÕES ESSENCIAIS. O objetivo


da primeira etapa é identificar as suposições – raramente declaradas ou explici-
tadas – sobre as quais a tecnologia importada é construída. Isso inclui entender
o modelo, sua concepção, seus objetos originais de aplicação e seu contexto
original. Os fatores apresentados na Figura 8.1 podem servir como referências
introdutórias para essa etapa: deve-se isolar os pressupostos institucionais, cul-
turais e organizacionais que apóiam o modelo a ser analisado.

  Uma suposição da antropofagia gerencial é que, mesmo se a tecnologia importada não for plena-
35

mente aplicável, pode sempre ser um conhecimento útil e importante em sua essência.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  163

No caso da AutoCom, três modelos alternativos – todos estrangeiros – fo-


ram selecionados para avaliação. O foco estava concentrado em: (a) identificar
as condições em que cada modelo foi criado – por quem, para quem e com que
propósito; e (b) analisar os pressupostos vinculados a cada uma dessas condições.
Uma das principais conclusões da força-tarefa foi que os sistemas estavam basea-
dos no modelo de organização do tipo “máquina burocrática” e pareciam ser de-
senhados para empresas maiores, que enfatizam a hierarquia e a rigidez. Esse não
era o caso da AutoCom, que era caracterizada por informalidade e flexibilidade.

SEGUNDA ETAPA: TESTE E FILTRE CADA SUPOSIÇÃO. Essa etapa envolve


uma avaliação abrangente dos pressupostos identificados, com o objetivo de
verificar o grau de consistência com as singularidades e exigências do contexto
local. De modo geral, se a adequação às necessidades locais provar ser impossí-
vel ou improvável de ser realizada por adaptação, o modelo deve ser rejeitado.
Caso contrário, algum conhecimento e valor útil pode ser derivado da expertise
estrangeira.
Essa etapa foi vital no caso da AutoCom. Dos três modelos considerados,
um apresentou características culturais inconsistentes ao contexto: continha su-
posições contraditórias ao contexto empresarial e à realidade organizacional da
AutoCom. Por exemplo, um modelo assumia que a organização havia atingido
um estágio maduro de desenvolvimento organizacional e possuía um plano es-
tratégico claro, do qual as metas e os objetivos dos indivíduos podiam derivar.
Esse não era o caso da AutoCom, que possuía uma arquitetura organizacional
transitória e flexível e experiência limitada com o planejamento a longo prazo. O
mesmo modelo também assumiu funções bem definidas, com descrições de tare-
fas cuidadosamente redigidas, enquanto a AutoCom optou, durante o programa
de reestruturação, por “foco de função” e “identidade de função”, o que permi-
tiu a seus executivos desempenharem diferentes papéis e tarefas. Então, esse
modelo foi descartado. Os dois modelos remanescentes não eram totalmente
compatíveis com as características exclusivas da AutoCom, mas as inadequações
podiam ser tratadas.

TERCEIRA ETAPA: INTRODUZA AS SINGULARIDADES LOCAIS. A terceira


etapa envolve combinar as propriedades, pressupostos e exigências essenciais
ao contexto local. Essa é uma etapa intermediária e uma das mais longas, uma
vez que demanda pesquisa, acompanhada de verificação da compatibilidade dos
acréscimos aos demais elementos do modelo.

Na AutoCom, essa etapa incluiu a inserção de algumas características-chave,


para substituir as filtradas na etapa precedente. Com relação aos fatores insti-
tucionais, várias exigências legais do ambiente trabalhista brasileiro precisaram
ser acrescidas, uma vez que uma lei federal regula parcialmente os sistemas de

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164  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

remuneração por desempenho. Foi também necessário introduzir procedimentos


que consideravam a possibilidade de instabilidade econômica, não incluídas nos
modelos originais. Isso foi fundamental para prevenir conflitos potenciais entre
gerentes e acionistas. No que diz respeito à cultura organizacional, a principal
modificação foi a substituição da avaliação de desempenho face a face por um
sistema de autoavaliação.36 Finalmente, com relação à arquitetura organizacional,
o projeto do novo sistema teve que considerar os planos de carreira horizontais,
devido às características da nova estrutura organizacional.

QUARTA ETAPA: RECONSTRUIR O MODELO. Nessa etapa, os elementos origi-


nais e complementares são ajustados e reunidos em um modelo híbrido. A princi-
pal meta é assegurar a consistência e harmonia da combinação resultante.
Na AutoCom, nessa etapa, uma ideia mais clara do custo e benefício de cada
esforço de adaptação pode ser previsto e analisado. Após todos os acréscimos
e revisões exigidas, um dos modelos precisou ser descartado devido aos custos
excessivos para as adaptações. Por sua vez, o modelo remanescente, significati-
vamente transformado, preencheu a maioria das exigências essenciais a custo
razoável. Esse modelo apresentou um conjunto de características exclusivas que
podiam aumentar sua chance de sucesso. Duas dessas características devem ser
enfatizadas: adequação à cultura e aos valores corporativos, que tornaria a im-
plementação mais fácil ao evitar resistência à mudança, e simplicidade, que ga-
rantiria uma operação tranquila.

QUINTA ETAPA: TESTAR E IMPLEMENTAR O MODELO. Essa é a última etapa


da abordagem antropofágica. Caso haja dificuldades durante a implementação,
deve-se retornar algumas etapas e executar modificações no modelo.

Na AutoCom, o tempo necessário para o desenvolvimento do novo sistema


foi de aproximadamente 12 meses e a implementação tomou outros 12 meses.
Durante o teste e a implementação, várias pequenas modificações foram feitas.
O novo sistema foi implementado de cima para baixo e utilizou extensivamente
facilitadores e grupos de trabalho. Esse procedimento assegurou alto envolvi-
mento e participação. O sucesso foi provado por feedback direto: os profissio-
nais da AutoCom declararam que o novo sistema fornecia “regras para um jogo
justo” e contribuía para o alinhamento dos objetivos nos níveis corporativo e
individual. Além disso, a própria estratégia ganhou transparência, uma vez que
o processo de implementação incluía o desdobramento das metas estratégicas
por toda a organização.

36
  A crítica face a face é menos socialmente aceita na cultura brasileira. Ver STEPHEN, D. Taking
the cross out of the cross-cultural transference of management practice. Revista de Administração de
Empresas, 41(4), p. 26-31, 2001.

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Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada  165

CONCLUSÃO

O ambiente empresarial brasileiro, como o de outros países em desenvol-


vimento, apresenta diferenças em relação ao ambiente empresarial dos países
desenvolvidos. As instituições não estão no mesmo nível de maturidade, os mo-
delos de administração são, às vezes, pouco desenvolvidos e a cultura de traba-
lho foi formada por caminhos diferentes. Quando os fundamentos que dão base
para a formulação de suposições são diferentes, os pressupostos necessitam ser
reformulados.
Acreditamos que o fenômeno retratado no estudo não é exclusivo ao meio
brasileiro. Embora diferenças importantes possam existir entre países em desen-
volvimento, o raciocínio aqui desenvolvido pode ser generalizado para outros
contextos. As condições brasileiras podem amplificar ou fornecer um toque exclu-
sivo aos fenômenos descritos, mas esses não são exclusivos do país. A tendência
a importar expertise gerencial, as reações causadas pela incompatibilidade entre
tais soluções e contextos locais, bem como a necessidade de conduzir adaptações,
são temas que afetam muitos outros países em desenvolvimento.
Pensamos que a estratégia proposta neste estudo pode ser útil às organiza-
ções de países em desenvolvimento e às organizações de países desenvolvidos
que operam em países em desenvolvimento. Em uma perspectiva mais ampla, os
princípios propostos neste estudo podem também ser aplicados por pesquisado-
res e executivos interessados em entender melhor sucessos e fracassos em países
em desenvolvimento.

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166  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

APÊNDICE
A tipologia proposta neste capítulo foi desenvolvida a partir da análise de
levantamentos conduzidos pelos autores e associados sobre três práticas geren-
ciais que se tornaram populares no Brasil desde a segunda metade da década de
1990: Sistemas Empresariais (Enterprise Resources Planning – ERP), downsizing e
reengenharia, e ISO 9000.
O levantamento de campo sobre os processos de implementação dos Siste-
mas Empresariais visou entender determinantes e consequências da implemen-
tação, e envolveu 107 entrevistas em 40 organizações de diversos setores. A pes-
quisa ocorreu de 1996 a 1999. O roteiro da entrevista continha 55 questões e foi
dividido em cinco segmentos: (1) identificação da empresa e do respondente;
(2) razões para a implementação; (3) abordagem da implementação; (4) resul-
tados da implementação; e (5) avaliação da implementação. Cada questão foi
respondida por duas pessoas da organização: um agente de implementação e um
usuário-chave do sistema.
A pesquisa sobre downsizing e reengenharia compreendeu dois estudos empí-
ricos: o primeiro envolveu 111 casos e foi realizado tendo como base entrevistas
e questionários, respondidos por representantes da administração e indivíduos
demitidos; o segundo estudo envolveu a análise comparativa em profundidade
de quatro casos de demissões coletivas, com base em 56 entrevistas e questioná-
rios, e quatro focus groups, que trataram das razões e dos objetivos do processo,
de seus resultados, além dos resultados inesperados para a organização, para os
indivíduos dispensados e para os indivíduos remanescentes.
O propósito do levantamento sobre as certificações ISO 9000 foi examinar as
características do fenômeno de adoção no contexto brasileiro, com foco especial
no comportamento cerimonial. Foram investigados 70 processos de implemen-
tação ocorridos de 1998 a 2002. Para cada caso foram conduzidas no mínimo
três entrevistas estruturadas com executivos-chave e gerentes de linha por caso.
Todas as entrevistas seguiram um questionário estruturado com 46 questões. O
questionário compreendia os seguintes tópicos: (1) os antecedentes, motivos e
objetivos do processo de implementação; (2) como o processo foi conduzido; (3)
resultados; e (4) resultados inesperados.

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9

Gerenciamento da Qualidade
Total: Uma Revisão Crítica
Thomaz Wood Jr.
Flávio Torres Urdan

O Gerenciamento da Qualidade Total (TQM) passou por um momento de


amadurecimento e questionamento. Em razão disso, este texto procura formu-
lar uma visão crítica do assunto e fornecer ao leitor um quadro geral do tema e
de sua inserção na complexidade organizacional. Os objetivos dos autores são
os seguintes:

• mostrar as tendências e preocupações mais atuais divulgadas em livros,


artigos e outros meios, proporcionando ao leitor um quadro geral do
assunto;
• discutir limitações e problemas práticos de aplicação;
• apontar abordagens complementares e alternativas e suas interações
com TQM.

Observe-se que existe material abundante sobre o assunto, o que reflete sua
importância e interesse. No entanto, quase não há produção acadêmica abordan-
do-o, podendo-se afirmar que existe certo preconceito e que os poucos estudiosos
que tratam do assunto costumam fazê-lo de forma crítica.
O texto é de caráter limitado, ainda que o universo considerado, acredita-
mos, seja suficiente para introduzir o assunto e analisar alguns pontos essenciais;
sua amplitude e implicações bem pediriam análise de maior fôlego.
Inicialmente, apresenta-se um quadro analítico ligando qualidade aos concei-
tos de competitividade e mudança organizacional. A seguir, procura-se recuperar
aspectos históricos do desenvolvimento do conceito de TQM. Também são apre-
sentadas as tendências atuais e as críticas mais comuns encontradas. Discutem-se

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168  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

limitações, possíveis soluções para essas limitações e abordagens alternativas.


As seções seguintes são dedicadas às questões correlatas da reengenharia e do
sistema ISO. Duas seções são destinadas à discussão relativamente recente da
qualidade aplicada a setores não industriais. Na conclusão, aborda-se o ciclo de
inovações gerenciais.

CRIANDO UM QUADRO ANALÍTICO


Um discurso corrente dá conta de que o movimento da qualidade foi a reden-
ção do Japão do pós-guerra e deve ser uma prioridade nacional. Implantar um
bom programa de qualidade seria suficiente para aumentar a competitividade,
os lucros e garantir a perenidade dos negócios. A felicidade e a prosperidade ao
alcance das mãos!
Para evitar esse tipo de tratamento simplista, propomos, então, que o tema
TQM seja aproximado através de um quadro de referências decomposto em dois
níveis: o primeiro, mais amplo, refere-se à competitividade nacional; o segundo,
no nível intraorganizacional, refere-se à questão das mudanças da organização
do trabalho e dos paradigmas gerenciais.
Tomemos o primeiro nível, utilizando a abordagem de Porter.1 Para ele, a
condição de sucesso de uma empresa está na capacidade de inovação, tomada em
sentido amplo, englobando da tecnologia às novas formas de gerenciamento. O
autor propõe um modelo de quatro variáveis, interdependentes e interatuantes,
para analisar o problema. São elas: a posição de uma nação em termos de infraes-
trutura, educação, trabalho, recursos etc.; a existência de indústrias fornecedoras
capazes e de competidores fortes; as condições relacionadas à estrutura econô-
mica e empresarial do país e a existência de um mercado exigente e sofisticado.
Percebe-se que no modelo de Porter a qualidade, no sentido amplo, permeia to-
dos os elementos. Deve ser entendida como variável endógena do sistema, sem
predominância sobre as demais.
Contudo, o tema tratado não é a qualidade em geral, mas o conceito de Ge-
renciamento da Qualidade Total, o que nos leva ao segundo nível, mais restrito,
de análise. Aqui propomos que TQM se insere no quadro das mudanças orga-
nizacionais hoje em curso, o que o inclui num amplo movimento de profundas
alterações estratégicas, culturais e estruturais.
Desse contexto, origina-se um ponto de tensão para a aplicação do TQM.
Originalmente, era uma coleção de técnicas e metodologias de engenharia e es-
tatística; ao longo do tempo, a onda da qualidade assimilou alguns elementos
comportamentais e conceitos gerenciais, mas nunca perdeu certo ranço tecni-
cista, surgindo daí grandes limitações. Apesar de se pretender um instrumento

1
  PORTER, Michael A. The competitive advantage of nations. New York: Free, 1990. 856 p.

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Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  169

de mudança – podendo sê-lo, dentro de certos limites – não tem alcance sobre a
complexa rede de aspectos relacionados à mudança organizacional.
Mesmo dentro do quadro funcionalista, suas proposições soam como oportu-
nistas ou ingênuas, diante do estado da arte do assunto. Assim, corre o risco de
permanecer como conhecimento e linguagem de gueto, ocupando áreas específi-
cas dentro de empresas, mídia própria etc.

O QUE É, AFINAL, TQM?

Harari2 argumenta que, em virtude da proliferação de definições, teorias e


programas, é difícil especificar com precisão o significado de TQM.
Comecemos, então, por definir qualidade. A maior parte dos conceitos foi
cunhada pelos chamados gurus da qualidade. Essas definições, embora tenham
variações em amplitude e profundidade, giram sempre em torno dos conceitos
de conformidade, adequação ao uso e satisfação do cliente. Um modo alternativo
de entender o assunto é pensá-lo de forma sistêmica, como a interação de três
variáveis: o produto, o cliente e o uso. É da dinâmica dessa interação, na multi-
plicidade de possibilidades existentes, que nasce a ideia de qualidade.
Para vincular qualidade a TQM, deve-se recorrer à visão da empresa como
processo – ou coleção de processos. Um modelo assim formulado é o dos 5Qs (ver
Figura 9.1).

Figura 9.1  Empresa como coleção de processos.

Vejamos, agora, algumas definições de TQM:

• Becker3 define Qualidade Total (QT) como um sistema administrativo


orientado para pessoas cujo objetivo é o incremento contínuo da satisfa-

2
  HARARI, Oren. Ten reasons why TQM doesn’t work. Management Review, Saranac Lake, v. 82,
n. 1, p. 33-38, Jan. 1993.
  BECKER, Selwyn W. TQM does work: ten reasons why misguided attempts fail (discussion of O.
3

Harari’s Jan. 1993 article). Management Review, Saranac Lake, v. 82, n. 5, p. 30, May 1993.

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170  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

ção do cliente a custos reais decrescentes. QT é uma abordagem sistêmi-


ca e parte de uma estratégia de alto nível; ela funciona horizontalmente
através de funções e departamentos, envolve todos os funcionários, for-
necedores e clientes da empresa. QT enfatiza o aprendizado e a adapta-
ção às mudanças como fator-chave para o sucesso organizacional;
• Mears4 define TQM como um sistema permanente e de longo prazo, vol-
tado para alcançar a satisfação do cliente por meio da melhoria contínua
da qualidade dos serviços e produtos da empresa;
• para Aggarwal.5 TQM é uma filosofia para conquistar a confiança do
cliente e garantir a rentabilidade de longo prazo da empresa;
• Brocka e Brocka,6 a partir de outra perspectiva, procuram esclarecer o
conceito de TQM apresentando seus elementos básicos e as ferramentas
e técnicas que podem ser empregadas nos programas de implementação
de QT, conforme o Quadro 9.1.

Quadro 9.1  O conceito de TQM: elementos e ferramentas.

TQM: elementos básicos


    •  visão organizacional; •  melhoria contínua;
    •  eliminação de barreiras; •  relacionamentos cliente/fornecedor;
    •  comunicação; •  empowerment do trabalhador;
    •  avaliação contínua; •  treinamento;

TQM: ferramentas e técnicas


    •  diagramas de causa e efeito; •  brainstorming;
    •  coleta de dados e folhas de verificação; •  método Delphi;
    •  fluxogramas e estudo de inputs e outputs; •  nominal group techniques;
    •  análise do fluxo de trabalho; •  círculos de qualidade;
    •  ciclo de Deming; •  qualidade de serviço;
    •  análise do campo de forças; •  métodos estatísticos e de amostragem;
    •  fixação de objetivos; •  gráficos de controle;
    •  quadro de programação de decisões; •  projeto de experimentos;
    •  quality function deployment; •  operação evolucionária;
    •  auditoria; •  análise de Pareto;
    •  benchmarking; •  foolproofing;
    •  análise de falhas e efeitos; • quem – o quê – quando –
por quê – como?

4
  MEARS, Peter. How to stop talking about, and begin progress toward total quality management.
Business Horizons, Greenwich, v. 36, p. 11-14. May/June 1993.
5
  AGGARWAL, Sumer. A quick guide to total quality management. Business Horizons, Greenwich,
v. 36, p. 66-68, May/June 1993.
6
  BROCKA, Bruce; BROCKA, M. Suzanne. Quality management: implementing the best ideas of
the masters. Homewood: Business One Irwin, 1992. 408 p.

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Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  171

ASPECTOS HISTÓRICOS – AS ESCOLAS DA QUALIDADE

Segundo Schneider,7 a ideia de prover produtos de qualidade que sejam ade-


quados aos desejos do consumidor não é nova. Antes da Revolução Industrial, os
artesãos já o faziam, interagindo diretamente com os consumidores.
O surgimento do TQM pode ser relacionado ao desenvolvimento dos mode-
los gerenciais e do próprio movimento da qualidade e explicado por uma sequên-
cia didática de seis momentos, alguns quase simultâneos:

• o da inspeção, o foco no controle do produto final, associado ao desen-


volvimento do sistema de produção e consumo em massa;
• o surgimento do foco no processo, com uma coleção de técnicas esta-
tísticas;
• a integração destas técnicas num modelo gerencial restrito – o Controle
da Qualidade Total (TQC);
• a incorporação de elementos comportamentais e novas práticas geren-
ciais associadas ao acirramento da competição entre empresas, ao início
da flexibilização da produção e ao aumento da fragmentação dos mer-
cados. Consagração do termo TQM;
• a expansão para fora das fábricas, no setor serviços e nas empresas pú-
blicas;
• tendência de transformação profunda do modelo e/ou sua difusão nas
práticas gerenciais do dia-a-dia.

Um sistema significativo do momento atual vivido pelo TQM é o Hoshin


Kanri – ou Policy Deployment –, que busca unir os elementos essenciais e os di-
versos níveis dos processos de planejamento e ação estratégicos com as várias
metodologias e conceitos ligados ao movimento da qualidade (ver Figura 9.2).

7
  SCHNEIDER, Alan J. TQM and the financial function. Journal of Business Strategy, Boston,
v. 13, n. 5, p. 21-25, Sept./Oct. 1992.

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172  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 9.2  Elementos do Hoshin Kanri.

OS GURUS DA QUALIDADE
A maior parte dos princípios e práticas que suportam o TQM deriva de con-
tribuições de um grupo restrito de estudiosos. Tidos como mestres, ou gurus, o
conhecimento de seu trabalho é requisito para qualquer esforço visando com-
preender e implementar o TQM nas organizações. Brocka e Brocka8 e Dobyns e
Crawford-Mason9 descrevem aspectos centrais do pensamento de Philip Crosby,
Edward Deming, Armand Feigenbaun, Kaoro Ishikawa e Joseph Juran.
Deming talvez tenha sido o mais celebrado guru da qualidade. Comparado
com os demais mestres, cujas orientações são de caráter marcadamente prático,
pode ser considerado um filósofo, um pregador em busca de discípulos. Diz-se
que muitos dos que adotam suas ideias o fazem com devoção quase religiosa. Para
eles, o método de Deming não somente aprimora a qualidade de bens e serviços,
mas também é capaz de fazer suas vidas melhores (!). Além de filosóficas, as
prescrições de Deming têm caráter revolucionário, pois subentendem profundas
transformações no relacionamento entre a empresa e seus clientes, fornecedores
e empregados. Deming alertava sobre as dificuldades e o longo tempo necessário
à implementação de suas recomendações. Seu método possui 14 pontos, descri-
tos no livro Out of the crisis.10

8
  BROCKA, Bruce; BROCKA, M. Suzanne. Op. cit.
9
  DOBYNS, Lloyd; CRAWFORD-MASON, Clare. Quality or else. New York: Houghton Mifflin,
1991. 310 p.
10
  DEMING, W. Edward. Out of the crisis. Cambridge, Mass.: MIT, 1986. 508 p.

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Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  173

Quality is free,11 de Crosby, vendeu mais que dois milhões de cópias. Formado
dentro de empresas, ao contrário dos demais mestres, considera-se um pensador
de negócios pragmático e não um guru da qualidade. Crosby criou a concepção
Zero defect e popularizou o conceito de fazer certo da primeira vez. Teria chega-
do a eles em virtude da insatisfação com o que Deming e Juran ensinavam. Para
Crosby, a teoria de Deming fundamenta-se na estatística, que poucos são capa-
zes de compreender e que pouco contribui para o gerenciamento quotidiano da
qualidade nas empresas. Deming, replicando, negava que o controle estatístico
da qualidade fosse o fator preponderante para o sucesso de uma organização.
Além disso, nunca escondeu sua desconsideração pelos programas de qualidade
ministrados por Crosby. Estes, coincidentemente, também se baseavam em 14
pontos. Crosby é o único entre os mestres que considera a qualidade um conceito
de razoável simplicidade.
Juran contribuiu decisivamente no movimento japonês em prol da qualidade.
Segundo ele, a administração da qualidade compreende três processos básicos:
planejamento, controle e melhoria – a trilogia de Juran.12 Para Juran, as aborda-
gens conceituais necessárias ao gerenciamento dos três processos são similares
àquelas empregadas na administração financeira. Assim, enquanto Deming afir-
ma que a administração da qualidade requer tranformação, Juran sugere que
ela pouco difere de práticas já longamente adotadas pela função financeira das
empresas. Discorda de Crosby ao não acreditar que a implantação da qualidade
seja simples, mas também não crê que seja tão complexa quanto Deming pro-
põe. Juran não atribui aos métodos estatísticos a mesma importância conferida
por Deming, considerando-os ferramentas úteis, mas não fundamentais. Define
qualidade como adequação ao uso – produto adequado ao uso é o que atende às
necessidades de seu consumidor.
Feigenbaun deu origem ao conceito de controle da qualidade total, tratando-
o como questão estratégica que demanda profundo envolvimento de todos den-
tro da organização. A qualidade seria um modo de vida para as empresas, uma
filosofia de compromisso com a excelência. Nesse sentido, Feigenbaun aproxima-
se de Deming. Contudo, pragmático, empregando a noção de custo da qualidade,
procurou mostrar aos administradores que os investimentos feitos em qualidade
geravam retornos maiores do que os realizados em outras áreas. Deming, por sua
vez, dizia que o custo da não qualidade não pode ser conhecido. O pensamento
de Feigenbaun está condensado em 19 passos para melhoria da qualidade. Total
quality control13 é sua principal publicação.
Ishikawa criou os famosos círculos de controle da qualidade. Além dos CCQ,
as sete ferramentas de Ishikawa constituem importante instrumental de auxílio

11
  CROSBY, Phillip B. Quality is free. New York: McGraw-Hill, 1990.
12
  JURAN, Joseph M. Quality control handbook. New York: McGraw-Hill, 1983.
13
  FEIGENBAUN, Armand V. Total quality control. New York: McGraw-Hill, 1988.

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174  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

nos processos de controle da qualidade. Ao contrário de outras metodologias, que


colocam a qualidade nas mãos de especialistas, Ishikawa acreditava que as sete
técnicas podiam ser utilizadas por qualquer trabalhador. Ishikawa redefiniu o
conceito de cliente, para incluir qualquer funcionário que recebe como insumo os
resultados do trabalho executado anteriormente por um colega. Seu pensamento
está exposto em What is total quality control?14

ESGOTAMENTO E TRANSFORMAÇÃO DO MODELO

A prática do TQM vive um momento delicado. Evidências práticas demons-


tram uma lacuna entre as expectativas geradas pelos projetos de implantação e os
resultados efetivamente alcançados. Ecos de descontentamento são ouvidos por
todo lugar. Pesquisas indicam que dois terços dos gerentes consideram insuficien-
tes os resultados alcançados. Um sinal de decadência, na visão de alguns autores,
é o declínio no número de inscrições para o prêmio Malcolm Baldrige, nos EUA.
Davis,15 falando justamente dos premiados, concorda que o TQM vive tempos
difíceis e que o entusiasmo dos anos 80 está dando lugar a dúvidas e ceticismo.
O essencial, para ele, é procurar integrar qualidade, estratégia e gerenciamento
financeiro da empresa.
Segundo Jacob,16 se existem culpados pelas dificuldades do TQM, estes são
os próprios gerentes, por sua crença em soluções mágicas e postura acrítica. Para
o autor, empresas que tiveram sucesso real nas implantações incorporaram os
princípios aos processos organizacionais, evitando estruturas paralelas.
Malone17 cita pesquisa da Ernst & Young em quatro setores industriais do
Canadá, Alemanha, Japão e Estados Unidos, examinando práticas gerenciais em
mais de 500 organizações. O objetivo foi determinar quais tinham real impacto
no desempenho organizacional. Em geral, constatou-se que aquelas ligadas à
qualidade têm impacto positivo sobre as empresas de baixo desempenho, não se
constatando o mesmo efeito nas de alto desempenho. De forma geral, o estudo
mostra que existem poucas verdades fundamentais e que as melhores práticas
saem da adequação à realidade e ao momento da organização.

  ISHIKAWA, Kaoru. What is total quality control? The Japanese way. Englewood Cliffs: Prentice-
14

Hall, 1985. 216 p.


15
  DAVIS, Tim R. V. Baldrige winners link quality, strategy, and financial management (5th annual
total quality conference). Planning Review, Oxford, OH., v. 20, n. 6, p. 36-40, Nov./Dec. 1992.
  JACOB, Rahul. TQM: more than a dying fad? Fortune, New York, v. 128, n. 9, p. 52-54, 18
16

Oct. 1993.
  MALONE, John. Creating an atmosphere of complete employee involvement in TQM (Internatio-
17

nal Quality Study by American Quality Foundation and Ernst & Young). Healthcare Financial Manage-
ment, Westchester, v. 48, n. 6, p. 126-127, June 1993.

5577.indb 174 20/06/2011 15:51:57


Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  175

Wilson18 e Harari19 alertam para os erros e problemas mais comuns enfrenta-


dos em aplicações de TQM. Uma síntese é apresentada no Quadro 9.2.

Quadro 9.2  TQM: problemas de aplicação.

•  criação de uma burocracia interna paralela;


•  foco na imagem, não em fatos e resultados;
•  drenar espírito empreendedor e inovador e implantar rotinas e procedimentos;
•  falta de apoio da alta gerência;
•  baixo grau de comprometimento nos diversos níveis hierárquicos;
•  foco nos processos internos – conhecidos e visíveis – e não nos mais críticos;
•  dispersão de energias e dificuldade de separar meios de fins;
•  foco em padrões mínimos, já existentes;
•  não-alinhamento com os objetivos estratégicos;
•  interferências do ambiente;
•  efeito esponja – atração de todo tipo de problema;
•  conflitos de interesse e poder; formação de grupos de evangelistas e céticos;
•  benefícios intangíveis e/ou desproporcionais ao esforço;
•  dificuldade em manter momentum da mudança.

Fonte:  Ver notas 2 e 18.

Analisando o Quadro 9.2, observa-se que as críticas dividem-se em dois blo-


cos: o primeiro refere-se a problemas de implantação que ocorrem na prática
quando a introdução dos programas de TQM não segue o receituário e princípios
adequados; o segundo refere-se a problemas mais crônicos, de concepção e ca-
racterísticas intrínsecas do TQM. Para as dificuldades do primeiro grupo e parte
do segundo, Jacob,20 Juran21 e Erickson22 propõem algumas soluções, sintetizadas
no Quadro 9.3.

  WILSON, David C. A strategy of change: concepts and controversies in the management of


18

change. Londres: Routledge, 1992. 148 p.


19
  HARARI, Oren. Op. cit.
20
  JACOB, Rahul. Op. cit.
  JURAN, Joseph M. Made in USA: a renaissance in quality (including author’s experiences as
21

consultant to post – WW II Japanese manufacturers). Harvard Business Review, Boston, v. 71, n. 4,


p. 42-47. July/Aug. 1993.
  ERICKSON, Tamara J. Beyond TQM: creating the high performance business. Management
22

Review, Saranac Lake, v. 81, n. 7, p. 58-61, July 1992.

5577.indb 175 20/06/2011 15:51:57


176  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 9.3  TQM: algumas soluções para problemas de aplicação.

•  participação efetiva do presidente da empresa;


•  foco no consumidor para evitar confusão entre meios e fins;
• ligação dos objetivos do TQM com os objetivos estratégicos da empresa, definidos de
forma clara e bem divulgados;
•  uso intensivo de benchmarking – comparação com os melhores;
• entendimento e atendimento das necessidades dos diversos stakeholders – atores or-
ganizacionais;
•  atenção prioritária aos processos críticos, que geram maiores impactos;
• ligação do sistema de recompensa aos objetivos organizacionais e do programa de TQM.

Fonte:  Ver notas 16 e 22.

A despeito do volume significativo de ressalvas que partem de diversas fon-


tes, é necessário apontar os argumentos apresentados em favor do TQM. Becker23
elabora longo raciocínio para provar que não existe nada intrinsecamente errado
com a filosofia e os princípios do TQM. Os insucessos reportados devem-se a
falhas na implementação ou a programas cujo único vínculo com TQM é a deno-
minação.
Em marcante contraste com o estudo da Ernst & Young, Chang24 comenta
pesquisa conduzida em 84 firmas americanas, segundo a qual, entre empresas
onde existem programas de TQM há mais de três anos, 65% melhoraram os re-
sultados operacionais, 69% obtiveram maiores índices de satisfação e retenção de
clientes e 53% conseguiram melhorar o clima organizacional.
Russel25 pondera que, apesar das críticas e da falta de evidências claras
quanto ao retorno financeiro proporcionado pelos programas de TQM, os EUA
têm obtido considerável progresso na melhoria da qualidade de seus produtos
e organizações. A redução na ênfase colocada no TQM seria um grande erro,
justamente agora que a reputação dos bens produzidos naquele país começa
a melhorar.
Davis26 cita ainda os pontos comuns dos ganhadores do prêmio Malcolm Bal-
drige que constituem indicadores da implantação bem-sucedida do TQM. Além
da maioria dos itens citados anteriormente, são mencionados: parceria com for-

23
  BECKER, Selwyn W. Op. cit.
24
  CHANG, Richard Y. When TQM goes nowhere. Training and Development, Alexandria, VA.,
v. 47, p. 22-29, Jan. 1993.
  RUSSEL, John. Are we falling out of love with TQM? Electronic Business, Denver, v. 18, p. 158,
25

Oct. 1992.
26
  DAVIS, Tim R. V. Op. cit.

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Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  177

necedores e clientes, empowerment da força de trabalho, sistemas de medição


desenvolvidos especificamente para cada negócio e adequação cultural – ou seja,
valores partilhados e sintonizados com os objetivos do programa.
Como pode ser visto, a maior parte das críticas observadas diz respeito a difi-
culdades operacionais na aplicação. Fica patente, todavia, que o movimento vive
momento de questionamento e certo declínio.
Em termos de transformação, algumas tendências podem ser identificadas:
incorporação das práticas ao dia a dia das empresas; redução ou desaparecimento
das estruturas paralelas, criadas para apoiar as implantações; foco nas questões
relacionadas à organização do trabalho, como autonomia, participação, processo
decisório, sistemas de recompensa etc.; alinhamento com objetivos estratégicos
da empresa e assimilação dos conceitos de linguagem por toda a organização.

REENGENHARIA: UM FALSO DESAFIO?

Tornou-se usual contrapor TQM à reengenharia, considerando-se o primei-


ro como superado em função da maior capacidade de impacto causado pela
segunda.
Hammer e Champy27 colaboram para a polêmica, optando pelo estilo contun-
dente em seu best seller Reengineering the corporation: a manifesto for business
revolution. Os autores comparam-se a ninguém menos que Adam Smith e pro-
metem uma forma totalmente nova de funcionamento para as empresas. Talvez
não seja tão fácil.
Davenport,28 numa posição mais conciliatória, apresenta o seguinte argu-
mento: se, nos anos 80, as empresas mais avançadas adotaram processos de
melhoria contínua (ou seja, um dos elementos básicos do TQM), nos anos 90,
muitas dessas mesmas empresas estão tentando mudanças mais radicais e ado-
tando processos de redesenho com base em reengenharia – REE. Sua conclusão
é de que ambos podem ser integrados num programa coerente de mudança. O
Quadro 9.4 mostra as principais diferenças e similaridades dos dois processos e
os ganhos da integração.

27
  HAMMER, Michael; CHAMPY, James. Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos
clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 190 p.
  DAVENPORT, Thomas H. Need radical innovation and continuous improvement? Integrate
28

process reengineering and TQM. Planning Review, Oxford, OH. v. 22, n. 3, p. 6-12, May/June 1993.

5577.indb 177 20/06/2011 15:51:57


178  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 9.4  TQM e Reengenharia: integração.

Diferenças
• REE busca mudanças radicais e ganhos ambiciosos. TQM busca mudanças incre-
mentais;
•  TQM parte do processo tal como ele é. REE parte de uma folha em branco;
•  REE é implantada top to down. TQM tende a ser mais participativo;
•  TQM tenta minimizar variações. REE localiza fontes de variação para criar mudanças.

Similaridades
•  ambas vêem os processos como unidade de análise;
•  tanto TQM quanto REE exigem medições;
• as duas abordagens implicam e necessitam de mudanças significativas de compor-
tamento.

Ganhos da integração
• maior orientação para resultados da REE compensaria a fraqueza do TQM nesse as-
pecto;
•  maior apoio da alta gerência à REE poderia ser capitalizado;
• experiência e conhecimento dos profissionais de TQM em relação à análise e medição
de processo poderiam ser utilizados;
• ferramentas de TQM seriam úteis para entender e melhorar processos existentes no
curto prazo;
• o trabalho de estabilização dos processos – via TQM – poderia ser feito após as mudan-
ças radicais – via REE.

O autor propõe ainda que a integração seja realizada através de quatro abor-
dagens: a primeira, por meio de um ciclo alternando inovação (mudança radical)
e melhoria (mudança incremental); a segunda, criando-se portfólios de proces-
sos, com identificação e análise dos processos principais e adequação do tipo de
mudança às necessidades de cada um; a terceira, modulando-se o grau de parti-
cipação a cada nível hierárquico, com o balanceamento inteligente das caracte-
rísticas aparentemente antagônicas da REE e do TQM; a última, combinando-se
as duas metodologias para obter um compromisso de resultados de curto e longo
prazo, de forma a permitir melhorias de performance consistentes e qualitativa-
mente interessantes.
Além dos aspectos apontados por Davenport, outros são também compar-
tilhados pelo TQM e pela REE: ambos atingiram notoriedade, o que facilita seu
emprego nas organizações; a aparente simplicidade e os grandes benefícios alar-
deados, factíveis ou não, aumentam sua atratividade junto aos gerentes em busca
de soluções descomplicadas para seus problemas; ambas implicam esforços de
mudança organizacional, mas são limitadas ao não tomarem em consideração,

5577.indb 178 20/06/2011 15:51:57


Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  179

pelo menos explicitamente, elementos culturais, interações sociais e relações com


o ambiente.
Então, a verdadeira questão não é a da exclusão, mas a da integração e da
aplicação combinadas. É o que deve acontecer à maioria das empresas, onde ge-
ralmente se adota um amálgama de sistemas e metodologias.

O SISTEMA ISO 9000


A adoção das normas ISO tem crescido, especialmente na União Europeia,
onde muitas empresas passaram a exigir o certificado ISO de seus fornecedores.
Shipman29 aponta a implantação das normas ISO como alternativa para o TQM,
cujos resultados estão sendo considerados decepcionantes.
Numa edição especial com o título World quality: making connections throu-
gh standards, a revista Quality Progress30 define as normas ISO através de uma
analogia: “imagine a indústria mundial como uma placa de memória de um compu-
tador e cada indústria nacional como parte da placa. Os Estados Unidos poderiam
ser um chip; o Canadá, um processador; o Reino Unido, um capacitor, e assim por
diante. Cada parte teria sido projetada para uma certa finalidade. Mas, para tra-
balharem juntas, as peças precisariam estar adequadamente conectadas à placa e
uma às outras. Sem as devidas conexões, a placa não passa de um monte inútil de
peças. Na indústria, essas conexões derivam dos padrões’’.
A série ISO 9000 (composta de cinco normas: ISO 9000, ISO 9001, ISO 9002,
ISO 9003 e ISO 9004) foi desenvolvida pelo Comitê Técnico 176 da Internatio-
nal Standards Organization (ISO) e aprovada em sua primeira versão em 1987,
vindo ocupar o lugar de uma profusão de sistemas criados por empresas ou as-
sociações.
No mundo, em 1993, já eram mais de 20 mil as empresas certificadas. No
Brasil, o número chegava a uma centena. Num suplemento especial da Gazeta
Mercantil,31 empresas que operam no Brasil contam como conseguiram o certifi-
cado. Atualmente, as normas ISO passam por uma atualização, cujos principais
objetivos são: refletir a experiência das empresas e as melhores práticas existen-
tes (benchmarking) e adequá-las a organizações de qualquer porte.
Do ponto de vista da aplicação, alguns críticos vêem riscos de as normas ISO
prenderem as empresas a padrões inferiores, ignorando mudanças ambientais,

  SHIPMAN, Alan. Quality defects (TQM vs ISO 9000 standards). International Management
29

(Europe edition), Londres, v. 48, n. 4, p. 58-59, May 1993.


30
  VAN NULAND, Yves. The new common language for 12 countries. Quality Progress, Milwaukee,
v. 23, n. 6, p. 40-41, June 1990.
  GALLO, Rita. Economia globalizada exige qualidade permanente em todos os produtos. Diário
31

Comércio & Indústria. São Paulo, p. 1, 21 jan. 1993.

5577.indb 179 20/06/2011 15:51:57


180  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

institucionalizando procedimentos que não agregam valor, fossilizando práticas


e negligenciando o imperativo da melhoria contínua. Kalinosky32 contrapõe-se
a essa posição, acreditando que as normas ISO podem servir de base para um
sistema de qualidade total. No modelo que sugere, o autor integra a essa base ele-
mentos competitivos, tecnológicos, comportamentais e organizacionais, criando
uma pirâmide da qualidade.
As normas ISO constituem denominador comum de boas maneiras indus-
triais voltadas para a qualidade. Por si só não garantem qualidade ou competi-
tividade, mas podem servir de guia para implantação de sistemas. Uma crítica
possível é que as normas ISO se assentam sobre um paradigma organizacional
superado, fundado em normas e procedimentos documentados. Assim, organi-
zações com tendências burocráticas tendem a criar camisas de força através das
normas. Por outro lado, empresas que necessitem de um mínimo de estruturação
podem encontrar na norma um guia adequado. Teoricamente, é possível fazer
uma leitura não ortodoxa da norma, evitando os riscos de rigidez e inibição da
inovação através do desenvolvimento de um modelo sob medida para as neces-
sidades estratégicas da empresa. De qualquer forma, a questão essencial parece
ser a exigência de sua adoção pelos clientes. Contra esse imperativo, é difícil
encontrar argumentos.

TQM NO BRASIL

Não é preciso ir além do senso comum de consumidor para constatar que,


em sua grande parte, os produtos e serviços brasileiros não atingem padrões in-
ternacionais de qualidade. Da análise do setor público ao privado, de pequenas
a grandes empresas, de companhias nacionais a transnacionais, obtém-se um
quadro pouco animador. A situação, porém, já foi pior. Segundo o Inmetro, em
1990, o índice de refugo em manufaturas brasileiras chegava a ser mais de cem
vezes superior ao norte-americano ou europeu e mais de mil vezes superior ao ja-
ponês. Pesquisa da mesma época, realizada pela Ernst & Young-Sotec, comparava
índices da indústria nacional com parâmetros de manufaturas de classe mundial
daquelas que, sem distinção de origem, eram as melhores do mundo em sua in-
dústria. Quase todos os índices de desempenho mostravam o longo caminho a
percorrer até atingirmos níveis razoáveis de competitividade. A mesma pesquisa
revelava, segundo visão dos empresários, os grandes obstáculos a serem venci-
dos. Três deles se destacavam: insuficiência de fundos para investimentos em
tecnologia e treinamento, em razão de instabilidade política e econômica, altos
custos de importação e mercado protegido; cultura inadequada, conservadoris-

  KALINOSKY, Ian S. The total quality system – going beyond ISO 9000. Quality Progress, Mi-
32

lwaukee, v. 23, n. 6, p. 50-54, June 1990.

5577.indb 180 20/06/2011 15:51:57


Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  181

mo e visões ultrapassadas do próprio empresariado e falta de empenho da mão


de obra; e falta de conhecimento técnico e administrativo.
Nos últimos anos, o quadro econômico sofreu profundas alterações. Instabi-
lidade econômica, falta de política industrial e problemas com a formação básica
persistiram. Por outro lado, a redução de alíquotas de importação colocou impor-
tantes segmentos industriais diante de ameaças concretas e imediatas. Ao mesmo
tempo, permitiu, pelo menos potencialmente, uma atualização tecnológica das
empresas. Qualidade e custos passaram a ser objeto de atenção redobrada.
Em 1992, pesquisa da Confederação Nacional da Indústria – CNI – revelava
que 68% das grandes companhias nacionais já atingiam elevado grau de uso de
tecnologias para aumentar a qualidade e a produtividade.33 Pesquisa da Price
Waterhouse, pouco posterior à da CNI, mostrava que 61% das maiores firmas ti-
nham programas de qualidade implantados.34 Ambas mencionavam dificuldades
de planejamento em função da instabilidade econômica, falta de treinamento
dos funcionários e cultura inadequada como grandes obstáculos aos esforços pela
qualidade. Empresas e empresários são também criticados por consultores e pro-
fissionais da área. Moura Estevão, do Comitê Brasileiro da Qualidade, declarou
que “muitas empresas usam os programas de qualidade total como ferramenta de
marketing, mas poucas estão convencidas de que seja um investimento lucrativo’’.35
Para Schettino Mattos, da Andersen Consulting, três fatores atrapalham a im-
plantação dos programas: a falta de comprometimento da alta direção, a confu-
são entre qualidade e treinamento e a resistência dos níveis gerenciais médios.36

APLICAÇÕES NÃO INDUSTRIAIS DO TQM


Para alguns estudiosos, grande parte do trabalho desenvolvido pelos mes-
tres da qualidade, base dos programas de TQM, esteve vinculado ao contexto da
produção de bens manufaturados. Rosander37 lembra que Shewhart desenvolveu
os conceitos e as técnicas de inspeção da qualidade para controlar as dimensões
de produtos; tratava-se de um problema de engenharia equacionado pela aplica-
ção de estatística e probabilidades. Ainda segundo Rosander, a premissa de que
a qualidade de produtos e a de serviços são similares, implícita nos programas

  REIS, Cléber Cabral. Pesquisa da CNI revela o empenho das empresas em aumentar qualidade.
33

Diário Comércio & Indústria, São Paulo, p. 7, 11 nov. 1992.


  ZAHAR, Cristina. Economia instável atrasa programas de qualidade. Folha de S. Paulo, São
34

Paulo, p. 2-1, 25 mar. 1993.


  IZIORO, Marina. Cresce interesse pela qualidade. O Estado de S. Paulo, São Paulo, p. 4, 19
35

abr. 1993.
36
  ZAHAR, Cristina. Op. cit.
  ROSANDER. Arlyn C. Apllications of quality control in the service industry. Milwaukee: Ameri-
37

can Society for Quality Control, 1985. 388 p.

5577.indb 181 20/06/2011 15:51:57


182  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

de TQM, conduz à crença, refutada pela experiência acumulada nos últimos 40


anos, de que a segunda pode ser satisfatoriamente equacionada apenas com ins-
trumental fornecido por aquelas duas disciplinas.
Para um grande número de autores – Albrecht e Bradford,38 Berry e
Parasuraman,39 Gronroos,40 Heskett et al.41 e Rosander,42 em virtude das caracterís-
ticas que distinguem bens e serviços, a compreensão e a gestão eficaz da qualidade
de serviços dependem de conceitos adicionais àqueles desenvolvidos e aplicados
a produtos. Como os programas de TQM geralmente não fazem referência a tais
características, parece residir aí uma limitação. A despeito de tais considerações, é
grande o interesse na aplicação do TQM ao setor serviços.
Zabloki43 nota que as técnicas de gerenciamento da qualidade estão sendo
finalmente empregadas em hospitais, com resultados encorajadores. Como parte
significativa dos gastos com assistência médica deriva de desperdícios e inefici-
ências, a aplicação do TQM pode gerar no setor hospitalar benefícios maiores do
que os obtidos em indústrias. Feigenbaun,44 discutindo a qualidade nos serviços
de saúde, recomenda a seus administradores que aprendam sobre a importância
do TQM a partir da experiência acumulada em outros setores. Gerber45 alerta
que, apesar de o TQM ter ajudado, em alguns casos, a reduzir desperdícios, inefi-
ciências e erros, muitos profissionais da área de saúde estão insatisfeitos com os
efeitos na melhoria da assistência aos pacientes. Somente hospitais que aliarem
baixo custo e melhor tratamento ao doente irão prosperar.
Numa época de déficits orçamentários e escassez de recursos, aumenta a
consciência, nos administradores do setor governamental, da necessidade de mu-
danças e melhoria dos serviços públicos. Hyde46 destaca que a administração da
qualidade despertou grande interesse em diversos níveis do setor público ame-
ricano na década passada, mas observa existirem reais preocupações se o TQM

38
  ALBRECHT, Karl; BRADFORD, Lawrence J. Serviços com qualidade. São Paulo: Makron, 1992. 216 p.
  BERRY, Leonard L.; PARASURAMAN, A. Marketing services: competing through quali-ty. New
39

York: Free, 1991. 212 p.


  GRONROOS, Christian. Service management an marketing. Lexington: Lexington Books,
40

1990. 298 p.
41
  HESKETT, James L.; SASSER, W. Earl; HART, Christopher W. L. Service breakthrougs: changing
the rules of the game. New York: Free, 1990. 306 p.
42
  ROSANDER, Arlyn C. Op. cit.
  ZABLOKI, Elaine. Quality management targets health care (TQM applied to running a hospital).
43

Nation’s Business, v. 81, p. 40, Feb. 1993.


  FEIGENBAUN, Armand V. TQM: health care can learn from other fields. Hospitals, v. 66, p. 56,
44

Nov. 1992.
45
  GEBER, Beverly. Can TQM cure health care? Training, Minneapolis, v. 29, p. 25-34, Aug. 1992.
  HYDE, Albert C. The proverbs of total quality management: recharting the path to quality im-
46

provement in the public sector. Public Productivity & Management Review, San Francisco, v. 16, p.
25-37, Fall 1992.

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Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  183

constitui modismo ou genuíno movimento de reforma. O autor aponta ainda seis


dimensões para exame antes de se aplicar TQM ao setor público. Stupak47 lembra
que no passado muitos estudiosos consideravam a filosofia TQM incompatível
com as organizações públicas. Mas isto tem mudado em decorrência de impor-
tantes demandas: aumento de produtividade, envolvimento do usuário, atribui-
ção de maior poder decisório aos funcionários, necessidade de medir e divulgar
o desempenho e desenvolver planos estratégicos de longo prazo. Similarmente,
Kline48 vê na adoção do TQM por mais de 100 governos municipais e 12 estaduais
uma resposta aos anseios dos contribuintes para que os funcionários públicos mo-
difiquem sua filosofia e abordagem administrativas. Segundo Swiss,49 os métodos
do TQM utilizados pelo setor privado podem contribuir na administração públi-
ca, mas apenas se forem substancialmente adaptados às circunstâncias únicas do
contexto governamental.
Pressionadas por empresas insatisfeitas, para as quais os profissionais recém-
formados estão cada vez menos preparados para trabalhar num ambiente de ne-
gócios cada vez mais hostil e complexo, diversas universidades americanas pas-
saram a oferecer disciplinas sobre TQM nos cursos de Administração. Entre elas,
incluem-se Michigan, Chicago, Carnegie-Mellon, Columbia, Cornell e Duke.50
Mesmo assim, menos de 5% das 600 escolas americanas de Administração estão
comprometidas nesse movimento. Na visão de Froilland, o principal obstáculo à
introdução do TQM na academia reside na postura dos docentes, que prezam sua
independência e tendem a valorizar ideias individuais em detrimento do pensa-
mento grupal. Para Feigenbaun,51 o sistema educacional americano ainda não
percebeu, ao contrário de países como Alemanha e Japão, que a melhoria da
qualidade representa um corpo de conhecimentos muito mais profundos do que o
ensino de procedimentos estatísticos, técnicas motivacionais e relatos anedóticos
de experiências bem-sucedidas. Bonser52 articula interessante raciocínio sobre o
emprego dos princípios do TQM para revitalizar o sistema e as práticas adminis-
trativas do ensino superior nos EUA. No Brasil, praticamente não há informações

  STUPAK, Ronald. J. Driving forces for quality improvement in the 1990s (public sector). Public
47

Manager, v. 22, p. 32, Spring 1993.


  KLINE, James F. State governments’ growing gains from TQM. National Productivity Review,
48

New York, v. 12, p. 259-271, Spring 1993.


49
  SWISS, James E. Adapting total quality management (TQM) to government. Public Administra-
tion Review. Washington, D. C., v. 52, p. 356-362, July/Aug. 1992.
50
  BARRIER, Michael. Business schools, TQM, and you. Nation’s Business, Washington, D.C., v. 81,
p. 60-61, July 1993; IVANCEVICH, Daniel M.; INVANCEVICH, Susan H. TQM in the classroom.
Management Accounting, New York, v. 74, n. 4, p. 14-15, Oct. 1992; JORGENSEN, Barbara. Industry
to business schools: smarten up on TQM or else. Electronic Business, v. 18, p. 85-86, Oct. 1992.
  FEIGENBAUN, Armand V. We can’t improve American quality if we aren’t teaching it. National
51

Productivity Review, New York, v. 12, p. 139-141, Spring 1993.


52
  BONSER, Charles F. Total quality education? Public Administration Review, Washington, D.C.,
v. 52, p. 504-512, Sept./Oct. 1992.

5577.indb 183 20/06/2011 15:51:57


184 Mudança Organizacional • Thomaz Wood Jr.

sobre esforços desse tipo. Existe, entretanto, a iniciativa da EAESP/FGV, que ca-
minha na implementação de seu Plano Diretor da Qualidade.

CONCLUSÃO – GERENCIANDO POR PANACEIAS


As metodologias fechadas (ou pacotes), destinadas a aumentar a eficácia
gerencial, são cíclicas e costumam apresentar em sua história sequências que vão
do entusiasmo da adoção em larga escala até o esgotamento e abandono. Gill
e Whittle53 as denominam panaceias e acreditam que essa transitoriedade está
ligada a fenômenos culturais e psicodinâmicos.
A Figura 9.3, proposta pelos autores, mostra o possível ciclo de vida de uma
panaceia. Utilizando o modelo, poderíamos dizer que abordagens como Geren-
ciamento por Objetivos e Desenvolvimento Organizacional estariam em fase
adiantada de declínio. Já o TQM estaria numa fase adiantada de maturidade e a
REE ainda na etapa de adolescência.

Fonte: Ver nota 53.

Figura 9.3 Ciclo de uma panaceia.

As panaceias fazem uso de símbolos catalisadores e usam apelo emocional


para conquistar possíveis praticantes. Criam uma linguagem comum, compar-
tilhada. Em certas fases de implantação, espalham-se histórias de sucesso, uti-
lizam-se parábolas e surgem heróis. Todo esse processo só é possível porque as
organizações não são unicamente moldadas pelo ambiente e por uma realidade

53
GILL, John; WHITTLE, Sue. Management by panacea: accounting for transience (cyclical na-
ture of management by objectives, organization development and TQM). Journal of Management
Studies, Oxford, v. 30, n. 2, p. 281-295, Mar. 1993.

Livro 1.indb 184 21/7/2009 10:30:38


Gerenciamento da Qualidade Total: Uma Revisão Crítica  185

objetiva. Líderes e grupos têm muito poder na construção de uma visão comum.
A dinâmica desse processo é complexa e parece caracterizar-se pela constante
necessidade de gerar novidades e operar rituais de renovação. Nesse sentido, é
significativa a presença de gurus no movimento da qualidade, a qual pode estar
associada à dependência acrítica de líderes patriarcais, inquestionáveis detento-
res da sabedoria.
Gill e Whittle consideram esse processo não cumulativo e negativo. O pri-
meiro problema seria a necessidade de vender programas simples (turnkey) pelos
consultores. Como reagiria um possível cliente diante de uma exposição cheia de
condicionantes e sem sequer mencionar a solução para seu problema? Além disso,
a maior parte das organizações valoriza o status e a agressividade e não o aprendi-
zado e a reflexão. Assim, imperam posturas anti-intelectuais e falta de rigor. Uma
sugestão é que as empresas implantem na estrutura posições com o papel de exer-
cer o espírito crítico, como a de um ombudsman, que os autores chamam de truth-
sayer ou organizational fool. Este seria o responsável por alertar continuamente a
organização sobre as armadilhas das soluções aparentemente fáceis.
Modismos realmente parecem fazer parte do dia a dia das organizações.
Existe procura por fórmulas mágicas, conceitos simples que condensem todo um
corpo complexo de ideias. Dada a dificuldade de implementar mudanças, prin-
cipalmente em grandes empresas, com intrincadas redes de poder, é fácil com-
preender os pacotes como uma possível via preferencial. Isto não elimina suas
limitações, pois geralmente são soluções simplistas e nem sempre adequadas ao
problema. De fato, o caminho seria as empresas tentarem adquirir, pelo menos
em suas áreas estratégicas centrais, noções mais profundas dos mecanismos de
mudança organizacional e conceitos mais avançados de gerenciamento.

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10

Logística Integrada:
A Gestão da Rede de Valores1
Thomaz Wood Jr.

INTRODUÇÃO
Autopartes (nome fictício) é uma importante empresa brasileira do setor de
autopeças. Fundada na década de 50, cresceu vigorosamente durante os anos 60
e 70, acompanhando o boom da indústria automobilística.
Sustentada por uma sólida competência tecnológica e aproveitando opor-
tunidades, a Autopartes passou a internacionalizar suas atividades a partir dos
anos 80. Os passos estratégicos seguiram o padrão usual: (1) início das ativida-
des de exportação; (2) abertura de escritórios de representação no exterior; (3)
montagem de uma estrutura de assistência técnica e distribuição junto aos prin-
cipais clientes no exterior; e (4) compra ou construção de fábricas nos principais
mercados-alvos.
A empresa exporta hoje para países da América do Norte, Ásia, Oceania e
Europa, a partir de bases industriais no Cone Sul, Europa Ocidental e Europa
Oriental.
Para acompanhar a estratégia de internacionalização e fazer frente a mu-
danças no contexto concorrencial interno, a Autopartes implementou, a partir

1
  Este trabalho originou-se de pesquisa financiada pelo Núcleo de Publicações e Pesquisas, da Eaesp/
FGV, publicada com o título Supply chain management: uma abordagem estratégica para a logística em-
presarial. O autor gostaria de agradecer ao acadêmico Paulo K. Zuffo, que atuou como auxiliar de pesquisa.
    Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada no 21º Enanpad. Ver WOOD JR., T.;
ZUFFO, P. K. Supply Chain Management: uma abordagem estratégica para a logística. Anais do 21º
Enanpad. Rio das Pedras, Brasil, 1997.

5577.indb 186 20/06/2011 15:51:58


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  187

dos anos 90, um amplo programa de mudança organizacional. Este programa


incluiu: profissionalização da empresa, criação de unidades estratégicas de negó-
cios e integração mundial das atividades técnicas e comerciais.
Como parte do programa de mudança, foi implantado o conceito de logística
integrada. A criação de coordenadorias de logística para cada uma das unidades
de negócios aglutinou, em cada uma destas áreas, todas as funções logísticas,
desde a recepção de matérias-primas e suprimentos (a função compras perma-
neceu corporativa), passando pelo planejamento e controle de produção, até o
controle de distribuição de produtos acabados.
Uma vez que a nova estrutura e o novo modelo de gestão estavam implan-
tados, o passo seguinte foi rever os processos de trabalho. Foi assim que a Auto-
partes chegou ao supply chain management, uma abordagem baseada na visão
sistêmica da empresa e no conceito de cadeia de valores, que une a estas ideias
o estado da arte em ferramentas de racionalização e sincronização da produção.
Quase dois anos após o início do projeto, os impactos já eram sentidos: drás-
tica redução de estoques, desativação de armazéns, mudanças na organização do
trabalho no chão de fábrica, unificação de atividades de apoio (manutenção, fer-
ramentaria etc.) e melhor nível de atendimento ao cliente. Tudo isso resultando
em mais eficiência, mais eficácia e menores custos. O próximo passo seria expan-
dir os conceitos para as atividades internacionais do Grupo Autopartes e envolver
mais diretamente fornecedores e distribuidores.
Casos como este estão constituindo padrão para empresas locais. Após alguns
anos cuidando da casa de máquinas, reparando as velas e encerando o convés,
muitos executivos finalmente deram-se conta de que o barco estava apontado
para a direção errada. Faltava-lhes direcionamento e visão de conjunto. Faltava-
lhes, também, um conjunto de conhecimentos que permitisse otimizar as partes e
o todo. O conceito de logística integrada e a metodologia de supply chain mana-
gement talvez possam prover respostas a estas questões.

OBJETIVOS
Nos últimos anos, a economia brasileira e a mundial têm sofrido mudanças
importantes. No front interno das empresas, continuam os esforços por processos
mais eficientes e pela adoção de sistemas de gestão mais modernos. No front
externo, multiplicam-se fusões, aquisições, terceirizações e alianças estratégicas.
A busca da competitividade relaciona-se cada vez mais com a busca do ótimo
sistêmico, dentro e fora das fronteiras da empresa.
Neste contexto, a administração logística ganha nova dimensão, envolvendo
a integração de todas as atividades ao longo da cadeia de valores: da geração de
matérias-primas ao serviço ao cliente final. Deixa de ter um enfoque operacional
para adquirir um caráter estratégico.

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188  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Entretanto, para as empresas, o desafio hoje não se resume à gestão de suas


próprias operações. É necessário ampliar a gestão para toda a rede de valores na
qual a empresa está incluída, compreendendo fornecedores e canais de distribui-
ção. A competição hoje ocorre entre redes de valores, e não mais exclusivamente
entre empresas ou cadeia de valores.
Este trabalho pretende contribuir para o debate em torno do tema. Os obje-
tivos centrais são os seguintes:

• mostrar como a implementação do conceito de logística integrada deve


ser inserido em um contexto maior de mudanças;
• discutir os conceitos de logística integrada e supply chain management; e
• construir um quadro de análise envolvendo, sob uma perspectiva estra-
tégica, os vários elementos e componentes do sistema logístico.

Este capítulo está estruturado da seguinte forma:

• a próxima seção trata do pano de fundo. Procuro construir um quadro


referencial, ressaltando algumas características do ambiente atual de ne-
gócios e analisando o fenômeno da desfronteirização – ou quebra de bar-
reiras intraempresas e entre empresas;
• a seção seguinte introduz os conceitos de cadeia de valores, rede de
valores e logística integrada. Busco nessa parte do trabalho mostrar a
evolução histórica da logística, ressaltando como o conceito deixa de ter
conteúdo meramente técnico para ganhar status estratégico;
• introduzo na seção seguinte o conceito de supply chain management (ou
gestão da cadeia de suprimentos). Procuro, nessa parte, mostrar como
tal metodologia busca integrar os vários elos da cadeia produtiva. A ges-
tão da rede de valores é uma extensão natural deste conceito;
• na seção final discuto algumas implicações dos conceitos vistos para a
prática empresarial, para o ensino de administração e para a pesquisa
no campo. Concluindo, apresento um modelo lógico para tratamento do
conceito de logística, integrando seus elementos genéricos e específicos,
estratégicos e operacionais.

O NOVO AMBIENTE DE NEGÓCIOS


As pressões ambientais
A popularidade da logística integrada e do supply chain management está
ligada a uma série de eventos ocorridos no cenário econômico e empresarial. O
Quadro 10.1 mostra uma síntese dessas mudanças.

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Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  189

Quadro 10.1  Mudanças ambientais.2

Da década de 70 . . . . . . para a década de 90


• Mercados domésticos protegidos • Mercados abertos
• Mercados financeiros regulamentados • Mercados financeiros desregulamentados
• Taxa de câmbio estável • Taxa de câmbio flutuante
• Baixo nível de desemprego • Relações de trabalho flexíveis
• Dois polos econômicos (EUA e Europa) • Blocos econômicos: UE, Nafta, Ásia
• Crescimento das economias industrializadas • Indústrias transferidas para lugares onde a
mão de obra é mais barata
• Estruturas organizacionais pesadas • Estruturas enxutas e flexíveis
• Organizações burocráticas • Pluralidade de modelos organizacionais

Analisando-se as razões específicas que levaram ao aumento da relevância da


questão logística, podem-se observar questões relacionadas ao perfil do consumi-
dor, ao aumento do número de competidores, ao ciclo de vida dos produtos e à
agregação de valor por serviços.
Os consumidores estão mais exigentes e têm mais informações quanto a seus
direitos e à qualidade dos produtos e serviços que pretendem adquirir. Quando
não são convenientemente atendidos, tendem a trocar de marca. Por sua vez,
os distribuidores, muitas vezes, exercem forte pressão pela melhoria do nível de
atendimento e por entregas just in time.
Adicionalmente, existe um número muito grande de competidores disputan-
do cada nicho de mercado. Este fato relaciona-se à existência de produtos com
poucas diferenças, aos olhos dos consumidores.
Outra característica da condição competitiva atual é a redução do ciclo de
vida dos produtos e serviços. Esta redução interfere negativamente sobre o po-
tencial de lucro das empresas.
Finalmente, os serviços tendem a predominar sobre os produtos. Muitos au-
tores afirmam que, hoje, são os serviços os maiores responsáveis pela adição de
valor para as empresas.

Impactos diretos sobre a logística


Estes fatores têm levado as empresas a mudar suas estruturas organizacio-
nais, implantar novos modelos de gestão e agilizar seus processos decisórios.
Nesta busca por agilidade e flexibilidade, a logística tem um papel importante
a desempenhar. Como agente de orquestração e harmonização de recursos, ela
pode interferir diretamente na redução dos ciclos fundamentais da empresa.

2
  Adaptado de GATTORNA, J. L.; WALTERS, D. W. Managing the supply chain: a strategic pers-
pective. Londres: Macmillan, 1996. p. 18.

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190  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

A lista a seguir indica alguns pontos de atuação:

• agilização dos processos de compra de matérias-primas e componentes;


• redução do número e da duração dos setups;
• planejamento e otimização da rede de distribuição; e
• agilização dos serviços pós-vendas.

A tarefa da logística será tão mais bem-sucedida quanto mais estiver inte-
grada com as demais áreas da empresa, em especial com as áreas de marketing
e produção.
Com o aumento da conectividade do sistema econômico, muitas empresas
desenvolvem seus produtos na Europa, compram matérias-primas e componentes
na Ásia e vendem o produto final na América do Norte.
Para apoiar esta intrincada rede de operações, a logística precisa ser extre-
mamente sofisticada. O modelo burocrático tradicional de organização pode ser
adequado em setores estáveis da economia, operando em mercados protegidos.
Como estas condições estão desaparecendo, esse modelo torna-se cada vez mais
anacrônico.
Para atuar em cenários mais competitivos, as organizações precisam adotar
formatos mais enxutos. A logística integrada precisa acompanhar esta tendên-
cia. Esta área precisa ser ágil e flexível, orientada para o cliente e baseada em
processos.

A questão da estrutura organizacional


A maioria das teorias em Estudos Organizacionais pressupõe organizações
como entidades distintas, com ativos mensuráveis, prédios, estruturas defini-
das, mão de obra fixa etc.3 Não é bem o que está acontecendo no mundo real,
onde se multiplicam terceirizações, teletrabalho, utilização de mão de obra
temporária, aproximação com fornecedores, parcerias com clientes e alianças
com concorrentes.
As organizações estão deixando de ser sistemas relativamente fechados para
tornarem-se sistemas cada vez mais abertos. Suas fronteiras estão tornando-se
mais permeáveis e, em muitos casos, difíceis de identificar.4
Um fenômeno que é usualmente ligado ao aparecimento destes novos for-
matos organizacionais abertos é o da hipercompetição. A hipercompetição ocorre
num mundo de dinâmica complexa, em que os atores interagem em nível mun-

3
  Ver THORNTON, P. H.; TUMA, N. B. The problem of boundaries in contemporary research on orga-
nizations. Academy of Management Best Papers Proceedings. Vancouver, Canadá, 1995.
4
  Ver STRATI, A. Aesthetics and organizations without walls. Studies in Culture, Organizations
and Societies, 1(1): 83-105, 1995.

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Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  191

dial, vantagens competitivas são efêmeras e o ciclo de vida de produtos é curto,


instável e, em muitos casos, imprevisível.5 A sobrevivência, nesse contexto de
permanente desequilíbrio, torna-se função da capacidade de interagir associati-
vamente com fornecedores, clientes e concorrentes.
Surgem, assim, as redes organizacionais, formadas com o objetivo de reduzir
incertezas e riscos, organizando atividades econômicas por meio de coordenação
e cooperação entre empresas.6
Na década de 80 essas redes, ou associações, foram chamadas de alianças
estratégicas.7 Hoje o conceito modificou-se. Dess et alii,8 por exemplo, definem
três tipos de estruturas para essas redes, considerados formatos típicos de orga-
nizações sem fronteiras:

• estrutura modular: quando a organização mantém as atividades essen-


ciais da cadeia de valores e terceiriza as atividades de suporte, mas con-
tinua exercendo controle sobre elas;
• estrutura virtual: relacionada às redes de fornecedores, clientes e/ou
concorrentes, ligados temporariamente para maximizar competências,
reduzir custos e facilitar acesso a mercados; e
• estrutura livre de barreiras: que se refere a definições menos rígidas de
funções, papéis e tarefas dentro da organização.

O tema da quebra de barreiras entre departamentos e áreas tem-se mostra-


do recorrente nas publicações sobre gestão empresarial. Esta condição é dada
como imprescindível para prover maior foco no mercado e nos clientes. Apesar
de importante, este nível da quebra de fronteiras não é o único no movimento de
transformação que as organizações estão sofrendo. Ashkenas et alii,9 por exem-
plo, argumentam que as fronteiras organizacionais estão sendo quebradas em
quatro níveis:

• eliminação das barreiras verticais (redução de níveis hierárquicos), que


implica o achatamento das pirâmides organizacionais;
• eliminação das barreiras horizontais, que leva ao enfraquecimento dos
silos departamentais e da especialização funcional;

  D’AVENI, R. A. Coping with hypercompetition: utilizing the new 7S’s framework. Academy of
5

Management Executive, 9(3): 45-60, 1995.


6
  GRANDORI, A., SODA, G. Inter-firm networks: antecedents, mechanisms and forms. Organiza-
tion Studies, 16(2): 183-214, 1995.
7
  Ver LAZO, R. Alianças estratégicas: quando e como aliar-se à concorrência. Dissertação (Mestra-
do) – Eaesp/FGV. São Paulo: FGV, 1992.
8
  DESS, G. G. et alii. The new corporate architecture. Academy of Management Executive 9(3):
7-20, 1995.
9
  ASHKENAS et al. The boundaryless organization: breaking the chains of organizational structu-
re. San Francisco: Jossey-Bass, 1995.

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192  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• eliminação das barreiras externas, por meio de parcerias e alianças com


fornecedores, clientes e concorrentes; e
• eliminação das barreiras geográficas, com a construção de alianças estra-
tégicas para a exploração de novos mercados.

Tanto empresas de serviços como empresas industriais têm experimentado


novos arranjos organizacionais. A nova fábrica de motores da Volkswagen em
Resende (RJ) é um caso típico. Na linha de produção daquela unidade, os forne-
cedores executam todo o trabalho que seria tradicionalmente responsabilidade
exclusiva da Volkswagen. O sistema foi batizado de “consórcio modular”, um
exemplo extremo de eliminação de fronteiras externas.
Alianças, como esta que a Volkswagen estabeleceu com alguns de seus for-
necedores, têm experimentado crescimento desde o início da década de 80. É
claro que a convivência entre culturas empresariais distintas nem sempre é fácil,
e muitas alianças falham. Com as alianças, as fronteiras entre empresas são forte-
mente reduzidas e o próprio jogo competitivo ganha um novo enfoque. A procura
e escolha acertada de parceiros passa a ser vital para viabilizar a sobrevivência e
o crescimento das empresas. Configura-se, então, um complicado xadrez organi-
zacional, que poucos parecem aptos a jogar.
O movimento de quebra de fronteiras não se dá apenas no âmbito local. A in-
ternacionalização, resultante do aumento da conectividade dos mercados (Mer-
cosul, Alca, Nafta etc.) e dos fluxos de produto, capital e tecnologia entre países,
obrigou as empresas a repensarem-se. O conceito de carro mundial, por exemplo,
praticado há alguns anos pelas grandes montadoras, exige dos fornecedores de
autopeças domínio da tecnologia e presença nos centros de desenvolvimento.
Esses centros podem estar no Japão, na Alemanha ou nos Estados Unidos. Quem
não estiver presente perde oportunidades e corre o risco de ficar restrito a mer-
cados secundários.
Todas essas frentes de transformação têm enorme impacto sobre as organi-
zações. A atividade de gestão ganha novos contornos. A separação entre empresa
e ambiente passa a ser delimitada por uma tênue linha divisória, incerta e mu-
tável. Muitas vezes, a empresa confunde-se com o ambiente, misturando-se com
fornecedores e clientes. Fica difícil saber onde termina a cooperação e começa a
concorrência.
Diante desse quadro de mudanças, algumas questões devem ser colocadas:10

• como repensar categorias como estrutura, estratégia, tecnologia, comuni-


cação e até mesmo o conceito de organização?
• que estrutura organizacional adotar?

  Ver CLANCY, T. The virtual corporation, telecommuting and the concept of team. Academy of
10

Management Executive, 8(2): 7-10, 1995.

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Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  193

• como coordenar o trabalho?


• que tipo de perfil deverão ter os colaboradores?
• e a cultura organizacional? Terão estas novas organizações rituais, valores
compartilhados e cultura própria?
• enfim, como deve ser pensada a gestão logística em um quadro tão forte-
mente fragmentado?

Especificamente quanto à última questão, se a tendência de desfronteirização


é realmente importante, então deve-se repensar o conceito. Em organizações sem
fronteiras – ou com fronteiras muito tênues –, a logística passa a ser uma função
cada vez mais relacional e estratégica.

LOGÍSTICA INTEGRADA: UMA VISÃO SISTÊMICA


Nesta seção, introduzirei o conceito de logística integrada. Antes, porém, é
necessário apresentar os conceitos de cadeia de valores e rede (ou sistema) de
valores, duas perspectivas complementares que ajudam a compreender a ideia de
integração logística.

Cadeia de valores e rede de valores


Tomados em conjunto, os conceitos de cadeia de valores e rede de valores
representam um ponto de vista, ou uma perspectiva, sobre as estruturas organi-
zacionais e interorganizacionais. Estes conceitos integram o que Porter11 denomi-
na teoria dinâmica da estratégia, que envolve tanto as causas de um desempenho
superior em determinado período, como o processo pelo qual esta posição foi
alcançada.
A vantagem competitiva não pode ser compreendida observando-se a empre-
sa como um todo, como uma caixa-preta. Ela tem origem nas várias atividades,
competências e processos que compõem a empresa. É da orquestração destas
contribuições individuais que nasce a vantagem competitiva. É também a orques-
tração dessas contribuições individuais, tendo em vista o ambiente competitivo,
que determina o sucesso da empresa.
Segundo Porter,12

“A cadeia de valores decompõe uma empresa nas suas atividades de rele-


vância estratégica para que se possa compreender o comportamento dos cus-

  PORTER, M. E. Towards a dynamic theory of strategy. Strategic Management Journal, 12:


11

95-117, 1991. Ver também PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
12
  PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Op. cit. p. 31.

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194  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

tos e as fontes existentes e potenciais de diferenciação. Uma empresa ganha


vantagem competitiva executando estas atividades estrategicamente impor-
tantes de uma forma mais barata ou melhor que a concorrência.”

A Figura 10.1 traz a representação da cadeia de valores. Nessa representa-


ção, as atividades estão divididas em dois tipos: atividades primárias e atividades
de apoio. Atividades primárias são as diretamente envolvidas na criação do pro-
duto (ou serviço), em sua venda, em sua transferência para o comprador e na
assistência pós-vendas. Atividades de apoio são as que sustentam as atividades
primárias, fornecendo recursos para que estas cumpram seu papel.

Figura 10.1  Cadeia de valores.

As cadeias de valores de várias empresas combinam-se para formar a rede


(ou sistema) de valores, uma corrente maior de atividades (ver Figura 10.2).
A rede de valores inclui: fornecedores de matérias-primas e insumos, fabri-
cantes, atacadistas, varejistas etc. O ótimo de uma rede de valores nasce da or-
questração das várias capacidades individuais que a compõem. A simples soma
de ótimos individuais pode ser insuficiente para garantir o sucesso de um sistema
de valores. É necessário que haja cooperação e coordenação em todo o sistema.
Portanto, não basta a uma empresa otimizar sua cadeia de valores. É preciso
que ela esteja inserida em uma rede de valores eficiente e eficaz.

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Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  195

Figura 10.2  Rede de valores.

Cadeia virtual de valores


Uma evolução do conceito de cadeia de valores foi desenvolvida por Rayport
e Sviokla13 e denominada cadeia virtual de valores. A ideia básica é que, em
paralelo ao fluxo físico de geração de valor (dado pela cadeia de valores), corre
um fluxo paralelo, virtual. Segundo os autores, enquanto o primeiro ocorre no
marketplace, o segundo ocorre no marketspace.
A adoção do conceito de cadeia virtual de valores pode acontecer em três
níveis, denominados visibilidade, substituição e novos negócios. Vejamos um a um:

• visibilidade. Neste nível, uma linha de informações é construída,


unindo toda a cadeia de valores (ou, idealmente, a rede de valores).
Esta linha pode envolver sistemas on-line, softwares integrados ou sim-
ples encontros entre gerentes. O resultado é uma visão maior de conjun-
to e a possibilidade, decorrente desta visão, de racionalizar recursos e
direcionar esforços com maiores eficiência e eficácia;
• substituição. Neste nível, algumas atividades da cadeia física são
substituídas, com o apoio da tecnologia de informação, por atividades
virtuais. Um exemplo de substituição é dado pela implantação de siste-
mas CAD/CAM;
• novos negócios. Neste nível, a empresa desenvolve novas oportuni-
dades de negócios (novos mercados, novos nichos, novos serviços etc.),
explorando possibilidades trazidas pela tecnologia de informação e de
comunicação. A utilização comercial da Internet tem possibilitado vários
desenvolvimentos deste tipo.

  RAYPORT, J. F.; SVIOKLA, J. J. Exploiting the virtual value chain. Harvard Business Review,
13

p. 75-85, Nov./Dec. 1995.

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196  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Os conceitos de cadeia de valores (física e virtual) e rede (ou sistema) de


valores são convergentes com a visão de fragmentação das empresas expressa an-
teriormente. De fato, elas respondem com uma perspectiva consistente de análise
aos desafios colocados pela fragmentação.
As implicações da adoção da perspectiva da cadeia de valores e da rede de
valores para a gestão empresarial são claras: torna-se imperativo adotar modelos
de gestão que propiciem visões do todo e que forneçam ferramentas úteis para a
busca da competitividade nesse contexto fragmentado. Tal é o caso da logística
integrada e do supply chain management.

O conceito de logística
Diversos autores atribuem diferentes origens à palavra logística. Alguns afir-
mam que ela vem do verbo francês loger (acomodar, alojar). Outros dizem que
ela é derivada da palavra grega logos (razão) e que significa a arte de calcular ou
a manipulação dos detalhes de uma operação.
Uma das definições mais divulgadas, apesar de relativamente restrita, é a do
Council of Logistics Management, dos Estados Unidos, segundo a qual logística é

“. . . o processo de planejar, implementar e controlar eficientemente, ao cus-


to correto, o fluxo e armazenagem de matérias-primas, estoques durante a
produção e produtos acabados, e as informações relativas a estas atividades,
desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o propósito de atender
aos requisitos do cliente”.

Nas empresas, a logística tem ganho diferentes definições, correspondendo a


uma crescente amplitude de escopo, experimentada ao longo do tempo. O qua-
dro a seguir mostra a evolução histórica do conceito de logística.

É importante notar que, ao mesmo tempo em que a função logística é enri-


quecida em atividades, ela também deixa de ter uma característica meramente
técnica e operacional, ganhando conteúdo estratégico.
Isto pode ser percebido na “segunda fase” do Quadro 10.2, quando a função
logística passa a englobar processos de negócios fundamentais para a competi-
tividade empresarial. A logística passa, nesta fase, a orquestrar toda a cadeia de
abastecimento, da entrada de matérias-primas até a entrega do produto final.

5577.indb 196 20/06/2011 15:51:58


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  197

Quadro 10.2 Evolução do conceito de logística.

Fase Primeira Segunda Terceira Quarta


Fases
zero fase fase fase fase

Perspectiva adminis- adminis- logística Supply chain Supply chain


dominante tração de tração de integrada management management
materiais materiais +
+ Efficient
distribuição consumer
response14

Focos • gestão de • otimização • visão sis- • visão sistê- • amplo uso de


estoques do sistema têmica da mica da alianças es-
• gestão de de trans- empresa empresa, tratégicas,
compras porte • integração incluindo comakership,
• movimen- por meio fornecedo- subcontrata-
tação de de sistema res e canais ção e canais
materiais de infor- de distribui- alternativos
mações ção de distribui-
ção
14

Mas o conteúdo estratégico só fica patente na “terceira fase” e na “quarta


fase”, nas quais a participação da função logística nas mais importantes decisões
empresariais é ressaltada.
A tendência histórica aponta para o enriquecimento da função logística. In-
felizmente, na prática de muitas empresas locais a teoria parece ser outra. Con-
sultas informais realizadas pelo autor com alunos de pós-graduação exercendo
cargos executivos vêm demonstrando que muitas empresas locais encontram-se
ainda entre as fases “zero” e “primeira”, descritas no Quadro 10.2.
De fato, não é raro o caso de empresas que ainda não despertaram nem
mesmo para a importância de controlar e reduzir estoques. Poucas são as que
já implementaram o conceito de logística integrada (segunda fase) e ainda em
menor número as que iniciaram implantações do tipo supply chain management
(terceira fase) ou efficient consumer response (quarta fase). O retrato revelado por
essas consultas mostra o quanto ainda podemos evoluir no campo da logística e
da competitividade.

  Efficient Consumer Response (Resposta eficiente ao consumidor): trata-se de um conjunto de


14

metodologias empregadas principalmente por empresas de consultoria, cuja aplicação visa que-
brar as barreiras entre parceiros comerciais. Essas barreiras costumam resultar em ineficiências,
com impacto em custos e tempo de resposta ao consumidor. Projetos desse tipo envolvem a criação
de um consórcio de empresas industriais e comerciais que buscam, por meio da análise do sistema
de valores, realizar otimizações.

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198  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Logística: uma visão estratégica

Na montagem de um sistema complexo, como o da fábrica da Volkswagen


em Resende, um fator fundamental é o projeto da cadeia logística. Embora o
experimento de Resende seja (ainda) um caso extremo, muitas empresas estão ex-
perimentando níveis de complexidade comparáveis. Não é por acaso que muitas
empresas estão interessando-se pelo conceito de logística integrada.
Outra razão para a popularidade do tema é a crescente consciência da inefi-
ciência das cadeias de valores. Se o movimento da qualidade chamou a atenção
para as perdas relacionadas a retrabalhos e refugos na produção, o novo foco na
gestão logística mostra como a ineficiência é ainda maior quando olhamos toda a
rede de valores. Não basta o fabricante ter buscado a excelência operacional se os
distribuidores, os atacadistas e os varejistas continuam operando em condições
precárias. Diante do consumidor final, o produto – e/ou serviço – será penalizado
pela ineficiência sistêmica.
As atividades da função logística integrada podem ser decompostas em três
grandes grupos:

• atividades estratégicas. Essas atividades relacionam-se às decisões


e à gestão estratégica da própria empresa. A função logística deve par-
ticipar de decisões sobre serviços, produtos, mercados, alianças, investi-
mentos, alocação de recursos etc.;
• atividades táticas. Essas atividades relacionam-se ao desdobramento
das metas estratégicas e ao planejamento do sistema logístico. Envolvem
decisões sobre fornecedores, sistemas de controle de produção, rede de
distribuição, subcontratação de serviços etc.;
• atividades operacionais. Essas atividades relacionam-se à gestão do
dia a dia da rede logística. Envolvem a manutenção e melhoria do siste-
ma, solução de problemas etc.

A Figura 10.3 mostra as 10 funções essenciais da logística. Essas funções de-


vem ser integradas à estratégia empresarial e orientadas para o atendimento das
necessidades do cliente.

5577.indb 198 20/06/2011 15:51:59


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  199

Figura 10.3  Funções essenciais da logística.15

A busca da integração
Para melhorar a integração entre os elos da cadeia de valores e obter maior
velocidade de resposta às mudanças no mercado, Christopher16 sugere as seguin-
tes linhas de ação.

• reduzir tempos nos processos. Estoques intermediários protegem


a produção, a distribuição e as vendas contra flutuações no suprimento,
na produção e na demanda. Porém, também acarretam custos e escon-
dem problemas operacionais. A redução dos estoques intermediários
deve ser feita com um aumento da eficácia e da eficiência operacionais;

  Adaptado de CHRISTOPHER, M. Logística e gerenciamento da cadeia de suprimentos. São Paulo:


15

Pioneira, 1997. p. 224.


16
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 21.

5577.indb 199 20/06/2011 15:51:59


200  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• melhorar a visibilidade da cadeia. Em muitas organizações, as


informações são pouco partilhadas. Cada área é administrada como se
fosse uma entidade independente. É necessário estabelecer um sistema
de apoio que possa tornar as informações transparentes para toda a or-
ganização. Esta condição é essencial para agilizar as decisões e dar senso
de direção às partes do sistema;
• gerenciar a logística como um sistema. A adoção do conceito de
cadeia de valores e da visão sistêmica da atividade logística catalisam o
rompimento das barreiras interdepartamentais e substituem a busca do
ótimo local pela busca do ótimo do sistema.

O processo de integração pode ser pensado tanto no âmbito da cadeia de


valores quanto no âmbito do sistema de valores. O senso comum leva a pensar
que a integração na cadeia de valores precede a integração no sistema de valo-
res. Na prática, entretanto, a busca da integração nesses dois níveis pode ocorrer
simultaneamente.
A perspectiva da gestão sistêmica substitui e transforma conceitos e formas
de gestão:

• de esforços individuais para esforços integrados;


• da administração de estoques para a gestão estratégica dos fluxos de
processo;
• do atendimento de pedidos para a gestão da demanda; e
• do foco no ótimo individual para o foco no ótimo do sistema.

Uma vez implantado, o sistema logístico apresenta uma série de vantagens.


As principais são as seguintes:

• redução dos esforços e dos gastos desnecessários. A visão in-


tegrada da cadeia de valores e da rede de valores, apoiada por um siste-
ma de apoio à decisão, permite atingir uma utilização ótima de recursos,
evitando desperdiçar esforços em atividades de pequeno retorno;
• redução dos lead-times. Uma vez que o sistema esteja alinhado e
os processos de apoio bem definidos, a tendência é a redução gradativa
dos lead-times;
• melhoria da eficiência. Com o alinhamento estratégico e a maior
convergência de esforços, a cadeia ganha, naturalmente, eficiência.

O foco no mercado
O marketing busca identificar as necessidades do mercado-alvo e satisfa-
zê-las com os recursos disponíveis na empresa. O marketing apoia-se em duas

5577.indb 200 20/06/2011 15:51:59


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  201

premissas:17 (1) o foco nas necessidades do consumidor é mais importante que o


foco nos produtos ou serviços; e (2) o valor dos produtos e serviços é determina-
do pela perspectiva do consumidor.
Para ter sucesso, os produtos e serviços devem conter um conjunto de carac-
terísticas que compõem seu valor para o mercado-alvo. Entre essas características
estão seus atributos tangíveis (qualidade, nível tecnológico, preço, confiabilidade
etc.), a forma como pode ser adquirido, a facilidade para encontrá-lo e o local
onde pode ser comprado.
Christopher18 observa que muita ênfase tem sido dada para três aspectos da
administração de marketing – promoção, preço e produto. Ainda segundo este
autor, a variável “local” tende a tornar-se determinante para a vantagem compe-
titiva. O papel da logística, de colocar o “produto certo, no momento certo, no
local certo, ao custo correto”, ganha, portanto, relevância.
Em um projeto de implantação de uma estrutura de logística integrada deve
haver total integração entre a função marketing e a função logística. Não há valor
em qualquer produto ou serviço até que ele esteja nas mãos do consumidor.19
Lalonde e Zinszer20 classificam três elementos no processo de prestação de
serviços ao consumidor:

• os elementos de pré-transação: as políticas e programas das empresas;


• os elementos de transação, as variáveis diretamente envolvidas na dis-
tribuição física; e
• os elementos de pós-transação, que apóiam o uso do produto, como as
garantias, manutenções programadas e sistemas de atendimento ao
cliente.

A Figura 10.4 mostra o desempenho de marketing (diretamente relacionado


ao desempenho empresarial) como resultado da relação com os consumidores,
da relação com os intermediários e da eficiência da cadeia de suprimentos.

  Ver BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Logistical management: the integrated supply chain pro-
17

cess. New York: McGraw Hill, 1996. p. 59.


18
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 23.
19
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 25.
  LALONDE, B. J.; ZINSZER, P. H. Customer service: meaning and measurement. Chicago: Natio-
20

nal Council of Physical Distribution Management, 1976.

5577.indb 201 20/06/2011 15:51:59


202  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 10.4  O impacto da logística e dos serviços ao consumidor em marketing.21

SUPPLY CHAIN MANAGEMENT E LOGÍSTICA INTEGRADA


Em linhas gerais, o supply chain management (ou gestão da cadeia de supri-
mentos, a tradução mais usual) pode ser definido como uma metodologia desen-
volvida para alinhar todas as atividades de produção de forma sincronizada, vi-
sando reduzir custos, minimizar ciclos e maximizar o valor percebido pelo cliente
final por meio do rompimento das barreiras entre departamentos e áreas.
Projetos desse tipo costumam focalizar a busca de melhor performance dentro
da empresa, embora a tendência seja de avançar fronteiras, aproximando forne-
cedores e clientes.
A gestão da cadeia de suprimentos pode também ser considerada como a
realização prática dos conceitos de logística integrada, ou ainda uma metodo-
logia empregada principalmente por empresas de consultoria que envolve os
seguintes aspectos:

• a adoção de práticas de global sourcing;22


• parcerias com fornecedores;
• sincronização da produção;

21
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 28.
22
  O desenvolvimento de processos de fornecimento de matérias-primas, insumos e componentes
a partir de fontes localizadas em qualquer parte do mundo, desde que as condições de qualidade,
preço e fornecimento sejam adequadas. Na prática, muitas empresas vêm utilizando esta prática para
pressionar seus fornecedores locais e conseguir melhores condições na negociação. Utilizada exclusi-
vamente dessa forma, pode gerar riscos de médio prazo para a empresa. Um dos conceitos básicos do
global sourcing é o estabelecimento de parcerias entre clientes e fornecedores.

5577.indb 202 20/06/2011 15:51:59


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  203

• redução de estoques em toda a cadeia;


• revisão do sistema de distribuição;
• parcerias com distribuidores;
• melhoria do sistema de informação; e
• gestão da demanda.

Poirier e Reiter23 consideram o supply chain management um sistema que en-


volve todos os elementos de uma cadeia de produção, do fornecedor de matéria-
prima até a entrega do produto (ou serviço) pelo comércio varejista (ou pela
empresa prestadora de serviços) ao consumidor final, visando à otimização da
rede de valores como um todo (ver Figura 10.5).
Essa ideia é derivada da premissa segundo a qual a cooperação entre os
membros da rede de valores reduzirá os riscos individuais e poderá, potencial-
mente, melhorar a eficiência do processo logístico, eliminando perdas e esforços
desnecessários.24

Figura 10.5  Modelo supply chain.

Christopher25 define a gestão da cadeia de suprimentos como:

“a rede de organizações envolvidas, através de todos os elos da cadeia, com


diferentes processos e atividades, que produz valor em forma de produtos e
serviços para o consumidor final”.

A cadeia de suprimentos opera em looping. Começa com o consumidor e aca-


ba no consumidor, exigindo que se pense o negócio como um processo contínuo.

23
  POIRIER, C. C.; REITER, S. E. Supply chain optimization. San Francisco: Berret-Koehler, 1996.
24
  BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit.
25
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 11.

5577.indb 203 20/06/2011 15:51:59


204  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Gattorna e Walters26 completam: “pelo looping fluem todos os materiais e produtos


acabados, todas as informações e transações”.
Quando se aplica a metodologia da gestão da cadeia de suprimentos, as em-
presas envolvidas percebem que um aumento de custo ou preço em um elo irá
propagar-se até o consumidor final, podendo gerar perda de competitividade
para toda a cadeia.

Nova estrutura para a logística integrada

A implantação do conceito de cadeia de suprimentos pode começar pelo


projeto da estrutura organizacional. Este projeto envolve duas atividades: a cria-
ção da função logística integrada (que tanto pode ser uma área, um centro de
competência ou até uma célula) e a definição dos processos que apóiam seu
funcionamento.
Existem duas alternativas principais de estrutura para a logística integrada:

• a primeira, mais tradicional, reúne todas as atividades da logística em


um único departamento; tem a vantagem de agregar competências e a
desvantagem de afastar estas competências das áreas fins (marketing,
produção etc.);
• a segunda, mais avançada, reúne todas as atividades da logística em
uma célula interdepartamental, sustentada por processos (atendimento
de pedidos, previsão de demanda, planejamento da produção etc.); tem
como vantagem uma acentuada orientação para os processos e como
desvantagem (contornável) a necessidade de negociações constantes
entre os responsáveis pelos processos e os responsáveis pelas funções
(compras, produção, marketing etc.).

Esses dois modelos constituem tipos ideais. Na prática, as organizações têm


adotado soluções híbridas, de acordo com seu histórico, disponibilidade de recur-
sos humanos, cultura organizacional e necessidades conjunturais.
Os três subsistemas da logística são: suprimentos, apoio à produção e distri-
buição. Alguns especialistas consideram também o subsistema de informações. A
operação destes subsistemas deve ser pautada por alguns objetivos permanentes:27

• resposta rápida ao consumidor;


• busca da variância mínima em todos os processos;

26
  GATTORNA, J. L.; WALTERS, D. W. Op. cit. p. 12.
27
  Ver: BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit. p. 24.

5577.indb 204 20/06/2011 15:51:59


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  205

• redução dos estoques de matérias-primas, produtos intermediários e


produtos finais;
• busca da eficiência máxima no transporte;
• garantia da qualidade dos produtos e serviços; e
• rastreabilidade do produto durante todo o seu ciclo de vida.

Implantando a logística integrada


A implantação da logística integrada e da gestão da cadeia de suprimentos
não é uma tarefa simples. Trata-se de uma intervenção e deve ser planejada como
um amplo processo de mudança organizacional.
A Figura 10.6 mostra um modelo de implantação para a logística integrada
e para a gestão da cadeia de suprimentos. O modelo apresenta dois elementos:

• Entender as • Realizar • Definir estratégia e • Monitorar


características diagnóstico da plano de continuamente
do negócio e da cadeia de valores implantação o ambiente
organização e da rede de • Implantar • Implantar
• Definir premissas valores estrutura e processo de
e direcionadores • Desenvolver processos melhoria
• Elaborar um estrutura • Planejar e contínua
macromodelo de (identificar executar
organização e subsistemas e integração
gestão relacionar funcional, interna e
• Detalhar plano de atividades) externa
trabalho • Projetar • Desenvolver e
• Formar e treinar processos executar plano de
equipe de principais otimização da
implantação rede de valores

Figura 10.6  Implantação da gestão da cadeia de suprimentos.

5577.indb 205 20/06/2011 15:52:00


206  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• fases e atividades. Define e detalha as quatro fases do projeto de


implantação: (a) desenvolvimento conceitual; (b) construção do modelo;
(c) implantação; e (d) gestão;
• fatores críticos de sucesso. Apresenta as condições essenciais para
que a implementação seja bem-sucedida: (a) convergência com a estraté-
gia, estrutura e estilo gerencial; (b) gerenciamento de mudanças; (c) prepa-
ração das equipes e pessoas; (d) gerenciamento do projeto.

Barreiras à implantação
Porém, mesmo que a implantação seja cuidadosamente planejada, algumas
barreiras são comuns. Bowersox e Closs28 e Christopher29 afirmam que essas
barreiras decorrem dos seguintes fatores:

• estrutura organizacional por funções. As estruturas tradicionais,


caracterizadas por funções, constituem barreiras naturais à integração;
• sistema de medição tradicional. Os sistemas gerenciais e contá-
beis mais comuns não medem a adição de valor ao longo de uma cadeia
de suprimentos;
• foco exclusivo na produtividade. A pressão por produtividade leva
muitos gerentes de fabricação a buscar a ocupação máxima da capacida-
de instalada, provocando elevação de estoques;
• tecnologia da informação mal aplicada. O desenvolvimento de
soluções de informática específicas para cada área de empresa, sem a
preocupação com a integração, impede a troca de informações e dificul-
ta a gestão da cadeia;
• capacidade técnica e gerencial insuficiente. A fragmentação
que caracterizou a função logística até recentemente levou ao desenvol-
vimento de especialistas nos seus subsistemas, em detrimento da visão
estratégica e da percepção do todo.

IMPLICAÇÕES

Os conceitos e ideias discutidos aqui permitem algumas especulações sobre


impactos para a prática empresarial, para o ensino de administração e para a
pesquisa no campo da logística.

28
  Ver BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit. p. 45.
29
  CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 155.

5577.indb 206 20/06/2011 15:52:00


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  207

Implicações para a prática empresarial


Os movimentos de reestruturação que vêm atingindo os diversos segmentos
industriais têm levado à criação de zonas de baixa lucratividade. Para muitas
empresas, a resposta para esta situação pode vir por meio de maior compreen-
são e ação sobre as redes de valores e pelo desenvolvimento de novas formas de
posicionamento competitivo, geração e agregação de valor. Entre executivos e
consultores, é cada dia maior a consciência da necessidade de gerir as redes de
valores em sua totalidade.
Embora movimentos recentes de mudança tenham contribuído para acentu-
ar o foco no cliente e cultivar a visão da organização como coleção de processos, a
maioria das empresas ainda tem estruturas pouco integradas quanto ao aspecto
logístico.
A configuração estrutural predominante em empresas brasileiras caracteri-
za-se pela segregação dos subsistemas básicos da atividade logística. As áreas de
suprimentos, planejamento e controle de produção e distribuição costumam estar
ligadas a diferentes gerências ou departamentos. Isto não seria grave se houvesse
sistemas e processos integrando essas atividades. Infelizmente, isso também não
ocorre com frequência.
Acreditamos que as reflexões expostas neste trabalho levem às seguintes im-
plicações para a prática empresarial:

• adoção do conceito de logística integrada, por meio da integração via


estrutura organizacional ou via processos de trabalho; e
• adoção de uma perspectiva mais estratégica da função logística, resul-
tando em maior envolvimento com as grandes decisões da empresa
(alianças estratégicas, parcerias com clientes e fornecedores etc.).

Implicações para o ensino da administração


Programas de graduação, pós-graduação e especialização em Administração
de Empresas no Brasil mantêm cursos ligados ao tema logística. A organização e
o conteúdo desses cursos, entretanto, são, geralmente, marcados pela fragmenta-
ção e falta de visão sistêmica.
Dá-se excessiva ênfase para questões técnicas e operacionais e privilegiam-
se temas como gestão de estoques, movimentação de materiais e armazenagem.
Tratam-se apenas superficialmente questões importantes, como a integração das
várias atividades logísticas e a integração entre os processos logísticos e os pro-
cessos de mercado.
A adoção da visão expressa por esse trabalho implica maior valorização dos
aspectos estratégicos e dos processos decisórios, em detrimento dos aspectos téc-

5577.indb 207 20/06/2011 15:52:00


208  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

nicos e operacionais. Estes devem ser subordinados aos primeiros. A consequên-


cia direta seria uma reforma das disciplinas pertinentes para adequá-las à nova
realidade empresarial.

Implicações para a pesquisa no campo


Os trabalhos sobre logística integrada e supply chain management são ainda
raros. A maioria dos trabalhos na área aprofunda temas específicos, como otimi-
zação de transportes, gestão globalizada de compras etc.
Seria desejável a abertura de linhas de pesquisa que adotassem uma visão
mais gerencial da questão logística. Se concordarmos com as evidências empíri-
cas e admitirmos a crescente relevância do fenômeno da desfronteirização, então
a condução da gestão logística deve mudar profundamente.
O foco deixa de ser exclusivamente interno (voltado para dentro da empre-
sa) e técnico (voltado para a otimização operacional) e passa a ser externo (vol-
tado para fornecedores, clientes e concorrentes) e estratégico (voltado para a
busca de soluções sistêmicas criativas). O locus de realização de pesquisas deve,
portanto, mudar.

Comentários finais
A trajetória realizada neste capítulo mostra como o conceito de logística ga-
nha nova dimensão e relevância diante de mudanças no contexto competitivo.
Como contribuição final, é apresentada na Figura 10.7 uma estrutura lógica
para tratamento do tema. Na figura estão incluídos desde os itens contextuais – fe-
nômenos como a desfronteirização e as alianças estratégicas – até os aspectos mais
operacionais da logística – controle de estoques, programação de produção etc.
Analisando a Figura 10.7 a partir do topo, temos os seguintes elementos:

• primeiro, coloca-se o novo contexto empresarial, que tem impacto direto


sobre a cadeia de valores, fragmentando-a e exigindo do administrador
uma visão mais ampla e sistêmica do objeto a ser administrado. A partir
dessa nova realidade é que deve ser pensada a gestão logística;
• em seguida, coloca-se a própria gestão logística, com todos os seus sub-
sistemas – suprimentos, produção e distribuição. Todos esses elementos
devem estar cuidadosamente integrados por um sistema único de infor-
mações;
• finalmente, colocam-se os componentes estratégicos, representados
pelo direcionamento estratégico, pelas competências essenciais e pelos
fatores críticos de sucesso. Sua função é ressaltar que qualquer otimi-

5577.indb 208 20/06/2011 15:52:00


Logística Integrada: A Gestão da Rede de Valores  209

zação logística deve estar alinhada com a estratégia empresarial. As-


sim como esforços pontuais não levam necessariamente a ganhos no
sistema, energias empregadas na direção errada não contribuem para o
sucesso organizacional.

A logística integrada e o supply chain management têm sido objetos de atenção


constante de executivos e consultores. Espero que este capítulo represente uma
contribuição àqueles profissionais voltados diretamente para a prática administra-
tiva, assim como um estímulo a pesquisadores interessados nesse campo de estudo.

Figura 10.7  Estrutura lógica.

5577.indb 209 20/06/2011 15:52:00


5577.indb 210 20/06/2011 15:52:00
Parte III

A Teoria
e a Prática

5577.indb 211 20/06/2011 15:52:00


5577.indb 212 20/06/2011 15:52:00
11

Empresas Brasileiras e o
Desafio da Competitividade
Thomaz Wood Jr.
Miguel P. Caldas

INTRODUÇÃO

O Brasil é o quinto maior país do mundo em termos de território e população,


a 13ª economia em termos de PIB e a nona economia em termos de poder de
paridade de compra (The Economist, 2005). O país destaca-se fortemente na pro-
dução de metais e nos agronegócios. Entretanto, apesar da existência de diversos
casos de sucesso e dos superávits comerciais dos últimos anos, seu desempenho
em exportações é pífio e a posição do país é considerada aquém do porte e da
diversidade de sua economia.
Em termos de empresas, apesar das iniciativas de internacionalização de
grandes empresas brasileiras, tais como Votorantim, Gerdau e Odebrecht, o Brasil
ainda não produziu transnacionais como as sul-coreanas Sansung e Hyundai, a
indiana Tata ou a chinesa Lenovo. Na lista das 500 maiores empresas do mun-
do de 2005, publicada pelo jornal Financial Times, constam apenas cinco empre-
sas brasileiras. No ranking da Unctad de 2000, que lista transnacionais de países
emergentes, somente cinco de 50 empresas são brasileiras (Unctad, 2000: 82-83).
De forma similar, no ranking de empresas multinacionais operando na América
Latina, da Revista América Economia, apenas uma empresa brasileira é citada, no
último posto (AmericaEconomia, 2005: 121). Significativamente, até 2004, o total
acumulado de investimentos realizados por empresas brasileiras no exterior era
de apenas US$ 66 bilhões, um nível abaixo da média para países emergentes, e
insignificante em vista do porte da economia local.

5577.indb 213 20/06/2011 15:52:00


214  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Os investimentos estrangeiros têm uma longa história no Brasil. De fato, mui-


tos setores importantes da economia são hoje dominados por empresas estrangei-
ras. Por sua vez, são relativamente poucas as empresas brasileiras que realizaram
empreendimentos internacionais. Lussieu da Silva (2003), em um estudo sobre
a inserção internacional de empresas brasileiras, apresenta o seguinte sumário:

• primeiro, poucas empresas respondem por parte considerável das expor-


tações, que se concentram em commodities industriais e agrícolas;
• segundo, a internacionalização das empresas brasileiras ainda é predo-
minantemente comercial, com uma tendência inicial de internacionali-
zação da produção;
• terceiro, diversas empresas brasileiras que se internacionalizaram pare-
cem ter buscado ambientes geograficamente e culturalmente próximos,
os quais apresentam níveis de desenvolvimento similares ou inferiores
ao do Brasil, tais como países da América Latina, da África e Portugal
(ver López, 1999); e
• quarto, somente um pequeno grupo de empresas, de variados portes,
encontram-se em um estágio avançado de internacionalização, com ati-
vidades produtivas em outros países.

Em suma, a presença de transnacionais brasileiras no cenário internacional


ainda é modesta. Este ensaio, de caráter preliminar, volta-se para esta questão
e é norteado pela seguinte pergunta: por que as empresas brasileiras não são
globalmente competitivas? Para procurar responder tal pergunta, o trabalho está
estruturado da seguinte forma: a primeira seção, após esta breve introdução,
apresenta uma revisão conceitual do conceito de competitividade e três modelos
de referência; a segunda seção traz informações sobre a competitividade do país,
a partir de diversos índices; a terceira seção trata dos fatores que representam
barreiras à competitividade brasileira; e a quarta seção apresenta comentários
finais sobre o tema.

CONCEITO E MODELOS DE COMPETITIVIDADE


Competitividade pode ser definida como a habilidade de um sistema – país,
setor industrial, grupo de empresas ou uma empresa individual – de operar com
sucesso em um determinado contexto de negócios. Coutinho e Ferraz (2004:
19-21) sugerem que o desempenho competitivo de um sistema é condicionado
por três conjuntos de fatores: em primeiro lugar, fatores sistêmicos, que incluem
as condições macroeconômicas, políticas e institucionais, o sistema de regulação,
infraestrutura, condições sociais e condições regionais e internacionais; em se-
gundo lugar, fatores estruturais, que são relacionados ao setor industrial e com-
preendem as características do mercado consumidor, a configuração geral do

5577.indb 214 20/06/2011 15:52:00


Empresas Brasileiras e o Desafio da Competitividade  215

setor e o modelo de competição; e, em terceiro lugar, os fatores específicos das


empresas, tais como competências e recursos acumulados ao longo do tempo, os
quais podem se tornar fontes de vantagem comparativa frente a competidores.
Porter (1990), por sua vez, com base em uma pesquisa realizada em dez
países, com dez setores analisados em cada um deles, sugere que, para tornar-
se competitivo, um país deve desenvolver seis elementos. São eles: primeiro, as
condições produtivas em um dado setor industrial; segundo, as características
da demanda, tais como os requisitos de qualidade e sofisticação exigidos pelos
consumidores; terceiro, as características dos fornecedores, tais como qualidade
e custos; quarto, as condições competitivas entre firmas; quinto, condições fortui-
tas ou sorte; e sexto, o papel e a influência do governo.
Austin (2002), finalmente, propõe um modelo de análise competitiva que
inclui componentes tanto do modelo de Porter (1990) quanto fatores citados em
estudos similares ao de Coutinho e Ferraz (2004), porém também define impli-
cações para a gestão das empresas. Seu modelo, apresentado em cinco níveis de
análise, busca prever as possíveis condições competitivas para empresas em paí-
ses em desenvolvimento: o primeiro nível contém as forças externas que afetam
a empresa, a incluir fatores econômicos, políticos, culturais e demográficos; o
segundo nível é definido pelas relações internacionais e seus efeitos sobre a em-
presa e o seu setor industrial; o terceiro nível compreende o ambiente doméstico;
refere-se principalmente à estratégia comercial do país e às diretrizes e ações do
governo para sustentar tal estratégia; o quarto nível é o ambiente industrial, a
incluir os componentes típicos – por exemplo, consumidores e fornecedores –
da estrutura competitiva que envolve a empresa; e o quinto nível é o ambiente
da empresa, a incluir sua estratégia, suas operações, e as respectivas condições
estruturais – tecnologia, logística e marketing – e seu perfil administrativo-ge-
rencial. Cada um desses níveis é influenciado pelos fatores externos e pode gerar
elementos que, por sua vez, podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento da
competitividade.
Para o propósito deste ensaio, nós tomamos por premissa que os três modelos
apresentados (Porter, 1990; Austin, 2002; Coutinho e Ferraz, 2004) se comple-
mentam e proveem os elementos essenciais para a análise do ambiente brasileiro,
assim como de seus efeitos sobre a competitividade internacional das empresas
brasileiras.

COMPETITIVIDADE DO BRASIL
Comparações entre países tornaram-se populares nos últimos anos. Nesta
seção, tomamos alguns índices diretamente ou indiretamente relacionados à
competitividade para mostrar a posição do Brasil em relação a outros países.
Entretanto, antes de apresentar os índices, cabe observar que, por detrás de um
conceito comum, de competitividade, cada indicador utiliza definições e métodos

5577.indb 215 20/06/2011 15:52:00


216  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

próprios, que são modificados e aperfeiçoados ao longo dos anos. Dessa forma,
não devemos tomá-los de forma isolada ou como indicadores absolutos, porém
de forma conjunta e como indicadores relativos.
O índice de competitividade global posiciona o Brasil na 44ª posição.
Este índice compreende 259 critérios, incluindo a abertura da economia, o papel
do governo, o desenvolvimento do mercado financeiro, a qualidade da infraes-
trutura, tecnologia, a qualidade da gestão empresarial, instituições políticas e
judiciais, e a flexibilidade do mercado de trabalho (The Economist, 2005: 58).
No ranking de crescimento da competitividade de 2005, do Fórum
Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 65º lugar entre 117 países. Este índice pro-
cura refletir o conceito de produtividade. Com isso, a competitividade é definida
como o conjunto de fatores, políticas e instituições que definem a produtividade e
o nível de prosperidade de uma economia. Uma economia mais produtiva é capaz
de crescer mais rapidamente no médio e longo termo.
Um índice similar, denominado de índice de competitividade das na-
ções, foi criado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
um dos principais órgãos de representação dos empresários brasileiros. Em sua
última edição, que tomou como base o ano de 2003, o Brasil ficou em 39º lugar
entre 43 países (Coelho, 2005). Toma-se competitividade como a capacidade de
um país de criar condições para que as empresas produzam o maior bem-estar
possível para seus cidadãos.
Outros índices relacionados aos negócios e à competitividade são igualmente
desfavoráveis ao país. No índice do ambiente de negócios, por exemplo, o
Brasil encontra-se somente na 36º posição (The Economist, 2005: 58). O país é o
29º em percentual de gastos de pesquisa e desenvolvimento sobre o PIB, e um ge-
rador incipiente de patentes, até mesmo em relação aos seus gastos de pesquisa
e desenvolvimento (Brito Cruz, 2003).
Tomados em conjunto, tais índices situam o país em um grupo intermediá-
rio de nações, a uma distância considerável dos países desenvolvidos e também
com uma lacuna importante em relação aos países em desenvolvimento mais
bem-sucedidos. Uma análise geral também leva a deduzir que os problemas mais
críticos envolvem os fatores sistêmicos e os fatores estruturais, mencionados na
seção anterior (Coutinho e Ferraz, 2004). Do ponto de vista das empresas, tal
contexto leva a buscar soluções de contorno e adotar estratégias que mitiguem as
desvantagens apresentadas pelo ambiente institucional.

COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS BRASILEIRAS


Fatores que restringem a competitividade
Neste ponto do texto, devemos retomar a questão que dá título ao ensaio: por
que as empresas brasileiras não são globalmente competitivas? Naturalmente, a

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Empresas Brasileiras e o Desafio da Competitividade  217

resposta não é única e igualmente válida para todas as empresas. Por exemplo,
olhando-se de “fora para dentro”, uma mineradora é afetada pelo ambiente ins-
titucional de forma diversa de um fabricante de aviões; ou, alternativamente,
olhando-se de “dentro para fora”, um fabricante de autopeças pode responder
aos desafios e barreiras ambientais de forma diversa de um produtor de suco de
laranja. No entanto, acreditamos que é possível apresentar um quadro geral, de-
senvolvido a partir dos fatores mencionados nos modelos citados (Porter, 1990;
Austin, 2002; Coutinho e Ferraz, 2004) e complementado com análises sumárias
dos fatores internos de gestão.
Denominamos fatores internos de gestão aqueles que estão diretamente sob
controle dos gestores. São eles: primeiro, o modelo de negócio, que se relaciona
à estratégia de empresa; segundo, o modelo de organização, que se refere à ar-
quitetura (ou configuração estrutural) adotada; terceiro, o modelo de gestão, que
se relaciona aos sistemas e práticas presentes na empresa; e, quarto, a cultura de
empresa, ou as crenças e valores compartilhados pelos executivos e funcionários.
O Quadro 11.1 apresenta uma síntese dos fatores externos e internos, e seus im-
pactos sobre as empresas.

Quadro 11.1  Análise dos fatores de competitividade – Parte 1.

CONDIÇÃO NO BRASIL IMPACTO SOBRE AS EMPRESAS


FATORES AMBIENTAIS: ECONOMIA
Recursos naturais: alta disponibilidade, mé- Tendência de orientação das empresas para a
dia para alta importância exportação de commodities e de produtos de
baixa intensidade tecnológica
Trabalho: mão de obra de alta qualificação Tendência de orientação para produtos de
relativamente escassa; mão de obra de bai- baixa intensidade tecnológica, que não exi-
xa qualificação abundante; custo médio para gem mão de obra de alta qualificação
ambas
Capital doméstico: volatilidade, custo alto e Barreira à realização de investimentos para
escassez; baixa taxa de poupança ampliação de capacidade ou melhoria da qua-
lidade; incerteza inibe investimentos em novos
negócios
Renda: baixa renda e má distribuição Baixa demanda doméstica, a implicar em mer-
cado restrito e orientado para produtos de bai-
xa sofisticação
Instituições financeiras: em processo de Opções reduzidas para financiamento de lon-
consolidação go prazo inibem investimentos para ampliação
de capacidade ou melhoria da qualidade
Inflação: controlada desde 1994, embora ain- Impacto negativo sobre o custo do capital e os
da em patamares superiores ao de países de- custos de operação
senvolvidos

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218  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

CONDIÇÃO NO BRASIL IMPACTO SOBRE AS EMPRESAS


FATORES AMBIENTAIS: ECONOMIA
Fuga de capital: a ocorrer em momentos de Impacto negativo sobre o custo de capital e os
instabilidade política e econômica investimentos
Taxa de câmbio: supervalorizada no período Impacto direto sobre a competitividade de
2005-2006 produtos brasileiros; redução das margens de
empresas exportadoras, com impacto sobre
capacidade de investimento
Infraestrutura física: deficiente, principal- Impacto negativo sobre custos e dos riscos
mente fora dos grandes centros urbanos e das associados aos negócios; aumento da com-
regiões mais desenvolvidas plexidade da gestão
Infraestrutura de informação e de comuni- Impacto negativo sobre custos de transação e
cação: em geral, deficiente custos gerais de operação
Tecnologia: desenvolvimento tecnológico li- Tendência de orientação das empresas para
mitado e concentrado; uso intensivo de tecno- a exportação de commodities e produtos de
logia importada baixa intensidade tecnológica; dependência
tecnológica a aumentar os custos de operação
FATORES AMBIENTAIS: POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Condição política: relativamente estável des- Percepção externa de incerteza gera impactos
de o início da década de 1990, com crises negativos sobre custo de capital e pode inibir
cíclicas; instituições políticas em processo de investimentos
consolidação
Relações internacionais: em geral, estáveis Baixa integração regional limita processo de
e positivas; bloco regional (Mercosul) sem internacionalização das empresas
evolução substantiva; equilíbrio instável na
América Latina
Relações comerciais: pontos de atrito em re- Existência de subsídios e barreiras ao livre
lação a produtos agrícolas, algumas commo- comércio limitam expansão de negócios nos
dities e alguns produtos manufaturados setores atingidos

5577.indb 218 20/06/2011 15:52:01


Empresas Brasileiras e o Desafio da Competitividade  219

Quadro 11.1  Análise dos fatores de competitividade – Parte 2.

CONDIÇÃO NO BRASIL IMPACTO SOBRE AS EMPRESAS


ESTRATÉGIAS NACIONAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS
Orientação geral: abertura do mercado a par- Abertura econômica e programa de privati-
tir da década de 1990, com favorecimento de zação provocaram intensa reestruturação e
exportações consolidação de setores industriais; empresas
nacionais sobreviventes mantêm presença no
mercado doméstico, porém são pouco interna-
cionalizadas
Política de trocas comerciais: tarifas de im- Tarifas reduzidas ampliaram trocas comer-
portação substancialmente reduzidas desde a ciais e facilitaram modernização do parque
década de 1990 industrial; por outro lado, levaram à venda ou
ao desaparecimento de empresas brasileiras
com tecnologia defasada, escala de produção
insuficiente ou gestão deficiente
Política monetária: altas taxas de juros, mo- Altos custos de financiamento representam
tivadas por orientação de combate à inflação barreira a iniciativas de aumento de capacida-
de, de inovação tecnológica e de melhoria da
qualidade
Sistema tributário: sistema complexo, a in- Impactos substantivos sobre custo de opera-
centivar evasão e informalidade ção e custos de transação
Investimento externo: sistema de proprieda- Inibição a investimentos externos, restringindo
de industrial e de patentes defasado e inefi- modernização do parque industrial
ciente
RELAÇÃO ENTRE GOVERNO E NEGÓCIOS
Níveis de governo: múltiplos níveis, com prin- Impacto negativo sobre riscos e custos opera-
cípios não uniformes de relacionamento com cionais; pouco incentivo à realização de inves-
empresas timentos e à abertura e condução de negócios
Corrupção: relativamente alta e presente em Impactos negativos sobre percepção de ris-
todos os níveis cos, incerteza e custos de operação e de con-
trole
ESTRUTURA E DINÂMICA INDUSTRIAL
Estrutura industrial: existência de muitos se- Existência de empresas com baixo nível de
tores industriais sem competição ou com bai- gestão, a implicar em altos custos de opera-
xo nível de competição ção e de transação
Propriedade: existência de muitas empresas Impactos sobre processos de tomada de deci-
sob controle familiar, com baixo grau de pro- são, com consequências negativas sobre es-
fissionalização cala, custos, tecnologia e qualidade
Economia informal: grande importância e Impactos negativos sobre custos operacionais
presença extensiva em toda a economia; con- e custos de transação
trole deficiente

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220  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

CONDIÇÃO NO BRASIL IMPACTO SOBRE AS EMPRESAS


FATORES INTERNOS: GESTÃO, ORGANIZAÇÃO E CULTURA
Modelos de negócios: baixo nível de sofis- Impactos negativos sobre a gestão: falta de
ticação foco e de direcionamento; alocação ineficiente
de capital e de recursos
Modelos de organização: presença ainda Impactos negativos sobre os processos de to-
forte de estruturas hierarquizadas e funcionais mada de decisão, comunicação e custos; ine-
ficiência administrativa
Modelos de gestão: pouco desenvolvidos, Impactos negativos sobre alocação de recur-
com lacunas em termos de planejamento, sos; ineficiência na alocação de recursos
controle e gestão operacional
Cultura de empresa: alta distância do poder Impactos negativos sobre os processos de co-
e paternalismo municação e os processos de tomada de de-
cisão, a gerar ineficiências na condução dos
negócios

A partir da observação do quadro, uma questão pertinente a considerar é:


quais desses fatores seriam aqueles mais gerais, ou que constituiriam barreiras
para parte considerável das empresas. Naturalmente, em um país com grande
diversidade como é o Brasil, tal análise pode ser temerária. Ainda assim, talvez
seja possível enumerar alguns tópicos de maior relevância, ao menos na presente
conjuntura. Nesse sentido, Nakano (2004) observa cinco obstáculos principais.
A existência de tais condições, além de constituir barreiras ao aumento de sua
competitividade, também representam freios ao crescimento das empresas.
O primeiro obstáculo é o crescimento insuficiente da demanda real.
De 1981 a 2003, o produto da indústria de transformação cresceu apenas 1,2%
ao ano, valor abaixo do crescimento populacional. Adicionalmente, o nível médio
de utilização da capacidade instalada caiu de 86% na década de 1970 para 78%
na década de 1980 e atingiu 80% na década de 1990. Enquanto outros países
emergentes, tais como China, Índia e Coreia do Sul cresciam vigorosamente, o
Brasil seguia uma rota oscilante, com um resultado de crescimento abaixo da
média da economia mundial.
O segundo obstáculo vem do regime tributário, que é considerado, por
muitos analistas, distorcido e excessivo quanto à carga imposta às empresas. Tal
condição reduz a competitividade e incentiva as empresas a transferir para o
exterior as atividades mais capazes de gerar valor. Por exemplo: a indústria do
aço é estimulada a exportar placas e transformá-las em produtos mais nobres
no exterior.
O terceiro obstáculo é o que se convencionou chamar de “risco Brasil” e
refere-se a taxas de juros às quais as empresas brasileiras são submetidas em fun-
ção da classificação de risco do país. Adicionalmente, as empresas experimentam

5577.indb 220 20/06/2011 15:52:01


Empresas Brasileiras e o Desafio da Competitividade  221

dificuldades para obter fontes externas de financiamento de longo prazo. Tal


condição coloca as empresas locais em desigualdade frente a concorrentes de
países desenvolvidos.
O quarto obstáculo é a ineficiência do mercado financeiro local, que
se materializa em taxas de juros e spread elevados e em escassez de crédito. O
impacto é análogo ao do terceiro obstáculo, resultando também em perda de
competitividade frente a empresas estrangeiras.
O quinto obstáculo vem da instabilidade econômica do país, fruto de
problemas conjunturais e estruturais internos, e agravada pela vulnerabilidade a
crises externas. Tal condição gera instabilidade nas condições de disponibilidade
de capital e leva as empresas a desvalorizar o planejamento de médio e longo
prazos e a praticar uma gestão excessivamente voltada para o curto prazo.
É relevante observar que o efeito combinado destes cinco fatores é ambíguo:
por um lado, estimula as empresas a se internacionalizarem, gerando um proces-
so de agregação de experiência e de valor; e, por outro lado, constitui restrição ao
desenvolvimento interno dessas mesmas empresas, e barreiras para o aumento
de sua competitividade. Em um contexto perfeito, estes obstáculos seriam eli-
minados e as empresas brasileiras poderiam ampliar sua base no mercado local.
Com isso, a internacionalização se daria como opção estratégica de crescimento e
não como alternativa para fugir de um contexto interno desfavorável.

Tipologia de reações
Cabe ainda frisar que tal contexto não tem efeito uniforme sobre as empresas
brasileiras. A competitividade da empresa depende do efeito dos fatores internos
e do efeito gerado a partir do alinhamento dos fatores internos, citados no início
da seção. Tais combinações são específicas para cada empresa, embora possam,
para fins didáticos, serem classificadas em quatro grupos.
O Quadro 11.2 apresenta uma tipologia com tais agrupamentos, resultan-
te da combinação de fatores externos (favoráveis ou desfavoráveis) e fatores
internos (articulados ou desarticulados). Surgem da combinação quatro “tipos
ideais” de empresas, que aqui denominamos da seguinte forma: empresa limi-
tada (A), empresa de sucesso (B) empresa ameaçada (C), e empresa “desper-
diçada” (D).

5577.indb 221 20/06/2011 15:52:01


222  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 11.2  Tipologia.


FATORES EXTERNOS
Desfavoráveis Favoráveis
(A) (B)
Empresa limitada: fatores Empresa de sucesso: fatores
ambientais dificultam o de- ambientais favorecem o de-
senvolvimento de vantagens senvolvimento de vantagens
Articulados
comparativas; gestores arti- comparativas; gestores arti-
culam respostas efetivas aos culam adequadamente os fa-
problemas de contexto tores internos para aproveitar
vantagens de contexto
FATORES (C) (D)
INTERNOS Empresa ameaçada: fatores Empresa “desperdiçada”: fa-
ambientais dificultam ou im- tores ambientais favorecem
pedem o desenvolvimento (ou não impedem) o desen-
de vantagens comparativas; volvimento de vantagens
Desarticulados
gestores são incapazes de ar- comparativas; gestores são
ticular internamente uma res- incapazes de articular uma
posta efetiva aos problemas configuração adequada para
de contexto aproveitar o contexto favorá-
vel

Com base na tipologia proposta, pode-se deduzir que, no Brasil, são poucas
as empresas de sucesso, aquelas que podem: (a) contar com condições externas
favoráveis (ou não sofrem o efeito de condições externas desfavoráveis); e (b) se
articular internamente, em termos de gestão, tecnologia e outros fatores, de ma-
neira a aproveitar tais vantagens ambientais. Pode-se ainda especular que temos
várias empresas “desperdiçadas”, aquelas que ainda não conseguiram se articu-
lar internamente para aproveitar as vantagens ambientais. Pode-se, finalmente,
especular que muitas organizações locais enfrentam condições ambientais des-
favoráveis, respondendo a elas com distintos graus de articulação interna. Tais
empresas, mesmo as mais sofisticadas em termos de gestão (empresas limitadas),
dificilmente conseguirão desenvolver vantagens comparativas capazes de alçá-las
à competição bem-sucedida no cenário global.

COMENTÁRIOS FINAIS

Nas seções precedentes, procuramos oferecer um quadro amplo da questão


da competitividade de empresas brasileiras. Diante de tal quadro, devemos acei-
tar que a situação não é satisfatória. O país ocupa posição modesta em relação a
outras nações, inclusive países em desenvolvimento, e poucas empresas brasilei-
ras têm sido capazes de superar os fatores contextuais e de encontrar configura-

5577.indb 222 20/06/2011 15:52:01


Empresas Brasileiras e o Desafio da Competitividade  223

ções internas capazes de fazer frente a tais desvantagens. O Brasil precisa realizar
mudanças substanciais para criar um ambiente que fomente a competitividade
das empresas e facilite sua internacionalização.
Retomando o trabalho de Coutinho e Ferraz (2004), pode-se afirmar que
a condição geral dos fatores sistêmicos não favorece a competitividade. Natu-
ralmente, restrições ambientais geram círculos viciosos. Além disso, o ambiente
fechado e protegido no qual muitas empresas se desenvolveram levou ao surgi-
mento de estilos de acomodação. Repetidos ciclos de turbulência econômica, por
sua vez, ajudaram a consolidar uma cultura de gestão avessa ao planejamento e
a visões mais estratégicas na condução dos negócios. Finalmente, traços tradicio-
nais da cultura organizacional local, tais como alta distância do poder, dependên-
cia e paternalismo ajudaram a consolidar modelos de gestão pouco favoráveis a
iniciativas de aumento de competitividade e internacionalização.
O resultado final de tal contexto é uma pressão constante sobre empresas
locais para o alinhamento interno, porém geralmente respondido por esforços
focados meramente na sobrevivência no mercado local. Tomados em conjunto, o
resultado é competitividade insuficiente e internacionalização limitada.
Devemos, por fim, focar uma segunda questão-chave: podem as empresas
brasileiras ser competitivas em um cenário global? Acreditamos que a resposta
mais ponderada é “sim, em termos”. “Sim”, porque existe um número representa-
tivo de empresas brasileiras que competem com sucesso contra empresas estran-
geiras no mercado local há muitos anos e, em alguns casos, também no mercado
internacional. Tais empresas souberam fazer uso de vantagens de localização,
desenvolveram bons modelos de negócios e aprenderam a competir em ambien-
tes abertos. “Em termos”, porque os dados objetivos mostram fortes lacunas nas
condições de competitividade do país e uma distância considerável entre o porte
das transnacionais brasileiras e o porte das transnacionais baseadas em países
desenvolvidos ou baseadas em países em desenvolvimento na Ásia.
De fato, os desafios são apreciáveis em relação aos fatores sistêmicos, aos
fatores estruturais e aos fatores empresariais. As condições macroeconômicas vi-
gentes na metade da década de 2000 são mais estáveis e favoráveis do que aque-
las experimentadas em períodos recentes anteriores. Ainda assim, tópicos como
disponibilidade e custo do capital, sistema de tributação e fragilidade das políticas
industrial, comercial e de tecnologia continuam representando desvantagens de
localização. A literatura disponível sobre tais temas é rica em diagnósticos e su-
gestões. Os caminhos de implementação, entretanto, apenas agora começam a
ser trilhados. E, ainda assim, de forma trôpega e sujeita a interferências políticas.
Para as empresas, o maior desafio é encontrar configurações internas que,
não apenas garantam a sobrevivência no mercado local, mas também provejam
condições para superar situações ambientais desfavoráveis e consigam competir
no mercado internacional.

5577.indb 223 20/06/2011 15:52:01


224  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Entre todos os casos de empresas brasileiras, o mais excepcional provavel-


mente é o caso da Embraer, cujo sucesso em uma indústria global de alta tecnolo-
gia pode ser entendido como fruto de um esforço de longo prazo, fundamentado
em uma forte cultura organizacional, com erros quase fatais e acertos vitais em
relação ao desenvolvimento de novos produtos, e uma ajuda providencial do
destino (ver Avrichir; Caldas, 2005). A Embraer soube contornar as diversas bar-
reiras internas e construir um caso, até o momento, exemplar.

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5577.indb 225 20/06/2011 15:52:01


12

Fordismo, Toyotismo
e Volvismo
Thomaz Wood Jr.

A nous la liberté é o título de um filme do diretor francês René Clair. A estória


mostra dois companheiros de fuga da prisão; um só deles bem-sucedido, assinale-
se que em detrimentro do outro. Eles são os protagonistas de uma sátira à indús-
tria – sociedade – que reduz o homem a uma máquina. O bem-sucedido na fuga,
interpretado por Raymond Cordy, sobe rápida e habilmente no mundo industrial,
tornando-se um importante empresário. O outro, Henri Marchand, após cumprir
sua pena, perambula inocentemente pela narrativa, conservando o ar alegre e
um desapego sincero, tentando sempre aceitar o inesperado. O reencontro dos
dois amigos, agora habitando mundos diametralmente opostos, dá início a uma
reviravolta na estória. Henri vai trabalhar na fábrica de Raymond e suas ações
vão potencializar a reconversão do amigo.
Na sequência final, a fábrica – uma quase personagem – é entregue por
Raymond aos operários, que não têm outras atividades que não sejam pescar ou
distrair-se em jogos. Enquanto isso, a produção é feita por autômatos. Os dois
amigos seguem seu caminho, pela estrada, com uma trouxa de roupas nas costas
e cantarolando a canção que dá título ao filme. O diretor usa o vasto complexo
industrial como moldura para uma crítica bem humorada aos processos desu-
manizadores. Em essência, defendem-se, de maneira por vezes ingênua, mas
sempre poética, os valores básicos do ser humano. O filme é de 1931.

INTRODUÇÃO: OS SISTEMAS GERENCIAIS E SUAS IMAGENS

A partir da década de 70, a liderança industrial até então incontestável dos


Estados Unidos e da Europa Ocidental passou a ser desafiada pelo Japão. Advo-

5577.indb 226 20/06/2011 15:52:01


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  227

ga-se que este fato está estreitamente ligado ao declínio da forma de organização
do trabalho dominante nas empresas ocidentais. O modelo de produção fordista
estaria, por isso, sendo substituído na indústria manufatureira em todo o mundo
por novos conceitos e princípios.
Este texto abordará este tema a partir de três metáforas desenvolvidas por
Gareth Morgan no livro Images of organization.1 Para criar um campo analítico,
estas metáforas serão contrapostas a três diferentes sistemas gerenciais. Assim,
na primeira parte, será descrita a imagem da organização como máquina e, em
seguida, abordado o tema da produção em massa a partir do caso da Ford. Na
segunda parte, a empresa analisada será a Toyota e a imagem escolhida, a da
organização como organismo. Na terceira parte, finalmente, será tomada a metá-
fora do cérebro e abordado o caso da Volvo.

ORGANIZAÇÕES COMO MÁQUINAS: FORD E A


PRODUÇÃO EM MASSA
As origens da organização mecânica2
A palavra organização vem do grego organon, que significa instrumento. Or-
ganizações são, portanto, uma forma de associação humana destinada a viabili-
zar a consecução de objetivos predeterminados.
Mas este conceito perdeu força prática em algum ponto do desenvolvimento
capitalista, quando as organizações passaram a ser fins em si mesmas. Pode-se
afirmar que esta transformação está de alguma forma ligada à mecanização do
trabalho e suas consequências.
Passamos, a partir de certo estágio do processo de industrialização, a usar
máquinas como metáforas para nós mesmos e a moldar o mundo de acordo com
princípios mecânicos. O trabalho nas fábricas passou a exigir horários rígidos,
rotinas predefinidas, tarefas repetitivas e estreito controle.
A vida humana sofreu profunda transformação. A produção manual deu lu-
gar à produção em massa; a sociedade rural deu lugar à urbana e o humanismo
cedeu ao racionalismo. Todo o sistema de valores e crenças foi afetado. “... Tudo
que era sólido desmanchou no ar...”3

1
  MORGAN, Gareth. Images of organization. Beverly Hills: Sage, 1986. Além das imagens utili-
zadas no presente trabalho, Morgan também desenvolve as seguintes imagens para organizações:
culturas, sistemas políticos, prisões psíquicas, fluxo e transformação e instrumentos de dominação.
Há tradução do livro pela Atlas, com o título Imagens da organização.
2
  Idem, ibidem, p. 19-37.
3
  A frase original é de Karl Marx: “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profana-
do, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de
vida e sua relação com outros homens.’’ Citado em BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha
no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Schwarcz, 1990. p. 93.

5577.indb 227 20/06/2011 15:52:01


228  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Max Weber observou o paralelo entre a mecanização da indústria e a prolife-


ração das formas burocráticas de organização. Segundo ele, a burocracia rotiniza
a administração como as máquinas rotinizam a produção. Weber definiu a orga-
nização burocrática pela ênfase na precisão, velocidade, clareza, regularidade,
confiabilidade e eficiência atingidas através da criação de uma divisão rígida de
tarefas, supervisão hierárquica e regras e regulamentos detalhados.
As organizações burocráticas são capazes de rotinizar e mecanizar cada as-
pecto da vida humana, minando a capacidade de uma ação criadora. A origem da
Teoria Clássica da Administração está ligada à combinação de princípios militares
e de engenharia. O gerenciamento, sob este prisma, é visto como um processo de
planejamento, organização, comando, coordenação e controle.
O desenvolvimento conceitual foi marcado pelos trabalhos do francês Fayol,
do americano Mooney e do inglês Urwick. Eles interessaram-se pelos problemas
práticos de gerenciamento e codificaram as experiências de organizações de su-
cesso para que servissem de exemplo. Princípios como unidade de comando,
divisão detalhada do trabalho, definição clara de responsabilidade, disciplina e
autoridade passaram a ser chaves para o êxito das organizações.
O respectivo projeto organizacional considera a empresa uma rede de partes
independentes, arranjadas numa sequência específica, e apoiada em pontos defi-
nidos de rigidez e resistência. A modernização dos conceitos originais inclui dois
pontos-chaves:

• primeiro, uma flexibilização do princípio de centralização, visando dotar


as organizações de maior capacidade de ação em ambientes complexos;
• segundo, maior reconhecimento do lado humano, ainda que o princípio
seja o de adaptar o homem às necessidades da organização, e não o
contrário.

A ideia central continua sendo que as organizações são sistemas racionais


que devem operar da forma mais eficiente possível.
Um engenheiro americano, dotado de caráter obsessivo, que ganhou a repu-
tação de “inimigo do trabalho humano’’, é tido como o grande mentor do geren-
ciamento científico. Seu nome: Frederick Taylor.4 Taylor desenvolveu uma série
de princípios práticos baseados na separação entre trabalho mental e físico e na
fragmentação das tarefas. Estes princípios são aplicados até hoje tanto nas fábri-
cas como nos escritórios.
O efeito direto da aplicação desses princípios foi a configuração de uma nova
força de trabalho marcada pela perda das habilidades genéricas manuais e um
aumento brutal da produtividade. Por outro lado, passaram a surgir problemas
crônicos como absenteísmo e elevado turnover. A utilização desses princípios

4
  MORGAN, Gareth. Op. cit. p. 204.

5577.indb 228 20/06/2011 15:52:01


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  229

marcou a expansão industrial americana e foi uma de suas chaves de sucesso


durante muito tempo.
Enfocar e administrar as organizações como máquina significa fixar metas e
estabelecer formas de atingi-las; organizar tudo de forma racional, clara e eficien-
te; detalhar todas as tarefas e, principalmente, controlar, controlar, controlar...
Após dois séculos de industrialização e desenvolvimento capitalista, temos
estes valores já interiorizados. Quando de seu surgimento, o gerenciamento cien-
tífico foi visto como solução para todos os problemas. Ainda hoje muitas indús-
trias, ou mesmo unidade ou departamentos dentro de empresas, encontram na
administração científica uma resposta para seus problemas. Mas isto pressupõe
condições ambientais estáveis, produtos com poucas mudanças ao longo do tem-
po e previsibilidade do fator humano.
Ocorre que a aceleração das mudanças socioculturais e econômicas tem leva-
do ao desaparecimento dessas condições. Além disso, as organizações orientadas
pelo enfoque gerencial mecanicista tendem a gerar um comportamento caracteri-
zado pela acefalia, falta de visão crítica, apatia e passividade. O foco do controle
sobre as partes inibe o autocontrole e o controle entre as partes, resultando num
baixo grau de envolvimento e responsabilidade e provocando nessas organiza-
ções uma fragilização diante do ambiente.
O mecanicismo baseia-se na racionalidade funcional ou instrumental, que in-
dica o ajuste das pessoas e funções ao método de trabalho ou a um projeto orga-
nizacional predefinido. Uma racionalidade substantiva, ao contrário, encorajaria
as pessoas a julgar e adequar seus atos às situações, incentivando a reflexão e a
auto-organização.5
Outra limitação das organizações mecanicistas reside em seu princípio de as-
sumir uma racionalidade individual que, associada à competitividade, leva a um
todo de eficiência duvidosa. Por outro lado, a mobilização das pessoas ao redor
da organização, e não o inverso, leva a uma limitação da utilização das capacida-
des humanas, com consequências negativas para a organização.
Concluindo, pode-se dizer que o enfoque mecanicista tornou-se muito po-
pular por razões justas. Ele foi, e ainda é, a chave do sucesso de muitas organi-
zações. Sua influência ultrapassou as fronteiras culturais e ideológicas, afetando
todo o mundo. Nossa maneira de entender a realidade e nossos comportamentos
ficaram definitivamente marcados. Os princípios articulados por esta visão passa-
ram a integrar os modelos de poder e controle existentes.
Vivemos, entretanto, um novo período, caracterizado pela alteração acelerada
do ambiente. Tanto do ponto de vista do mercado de trabalho, quanto sob o aspec-
to da organização, a realidade é diferente daquela que gerou a visão mecanicista.

5
  Uma discussão aprofundada sobre estes conceitos pode ser vista em GUERREIRO RAMOS,
Alberto. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janei-
ro, v. 18, n. 2, p. 3-12, abr./jun. 1984.

5577.indb 229 20/06/2011 15:52:01


230  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Henry Ford e a produção em massa


Será abordado, a seguir, o surgimento do conceito de produção – e consumo
– em massa, focalizando a indústria automobilística. Poucas como ela espelham
tão bem os processos de mudança ocorridos neste século. Sua evolução está dire-
tamente ligada ao desenvolvimento do pensamento gerencial e das escolas admi-
nistrativas. Se hoje este vínculo é menos evidente, não é menos verdade que seu
estudo e sua análise ainda podem fornecer valiosos subsídios para compreensão
dos fenômenos organizacionais.
O início do ciclo de produção capitalista caracterizou-se fundamentalmente
pela separação do trabalhador dos meios de produção. Mas foi o surgimento das
grandes fábricas e das linhas contínuas que acelerou as mudanças, alterando ra-
dicalmente os sistemas organizacionais.
Na indústria automobilística, durante o período de produção manual, as
organizações eram descentralizadas, ainda que localizadas numa única cidade.
O sistema era coordenado diretamente pelo dono, que tinha contato com todos
os envolvidos: clientes, operários, fornecedores etc.6 O volume de produção era
baixo, o projeto variava quase que de veículo a veículo e as máquinas-ferramen-
tas eram de uso geral. A força de trabalho era altamente especializada e muitos
empregados tendiam a abrir sua própria empresa após alguns anos de experiên-
cia. Os custos de produção eram altos e não caíam com o aumento do volume.
Só os ricos podiam comprar carros que, em geral, eram pouco confiáveis e de
baixa qualidade.
No final do século XIX, a indústria estava atingindo um patamar tecnológico
e econômico, quando Henry Ford introduziu seus conceitos de produção, con-
seguindo com isso reduzir drasticamente custos e melhorar substancialmente a
qualidade.
O conceito-chave da produção em massa não é a ideia de linha contínua,
como muitos pensam, mas a completa e consistente intercambiabilidade de par-
tes, e a simplicidade de montagem. Antes da introdução da linha contínua, Ford
já tinha reduzido o ciclo de tarefa de 514 para 2 minutos; a linha contínua dimi-
nuiu este número à metade.
As mudanças implantadas permitiram reduzir o esforço humano na monta-
gem, aumentar a produtividade e diminuir os custos proporcionalmente à ele-
vação do volume produzido. Além disso, os carros Ford foram projetados para
facilitar a operação e a manutenção sem precedentes na indústria.
Ford também conseguiu reduzir drasticamente o tempo de preparação das
máquinas fazendo com que elas executassem apenas uma tarefa por vez. Além
disso, elas eram colocadas em sequência lógica. O único problema era a falta de
flexibilidade. Esta combinação de vantagens competitivas elevou a Ford à con-

6
  WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. The machine that changed the world. New
York: Rawson Associated, 1990.

5577.indb 230 20/06/2011 15:52:01


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  231

dição de maior indústria automobilística do mundo e virtualmente sepultou a


produção manual.
Em contraste com o que ocorria no sistema de produção manual, o trabalha-
dor da linha de montagem tinha apenas uma tarefa. Ele não comandava compo-
nentes, não preparava ou reparava equipamentos, nem inspecionava a qualidade.
Ele nem mesmo entendia o que seu vizinho fazia. Para pensar em tudo isto, pla-
nejar e controlar as tarefas, surgiu a figura do engenheiro industrial.
Neste novo sistema, o operário não tinha perspectiva de carreira e tendia
a uma desabilitação total. Além disso, com o tempo, a tendência de superespe-
cialização e perda das habilidades genéricas passou a atingir também os demais
níveis hierárquicos.
A Ford procurou verticalizar-se totalmente, produzindo todos os componen-
tes dentro da própria empresa. Isto se deu pela necessidade de peças com to-
lerâncias mais estreitas e prazos de entrega mais rígidos, que os fornecedores,
ainda num estágio pré-produção em massa, não conseguiam atender. A consequ-
ência direta foi a introdução em larga escala de um sistema de controle altamente
burocratizado, com seus problemas próprios e sem soluções óbvias.
Depois de algum tempo, Ford estava apto a produzir em massa praticamente
tudo de que necessitava. Ele mesmo, porém, não tinha ideia de como gerenciar
globalmente a empresa sem ser centralizando todas as decisões. Esta é uma das
principais raízes do declínio da empresa nos anos 30.
Foi Alfred Sloan, da General Motors,7 que resolveu o impasse que vitimou Ford.
Sloan divisionalizou a empresa implantando um rígido sistema de controle. Além
disso, criou uma linha de cinco modelos básicos de veículos para atender melhor
o mercado (a Ford tinha apenas o modelo T) e criou funções na área de finanças e
marketing. Desta maneira, ele conseguiu estabelecer uma forma de convivência do
sistema de produção em massa com a necessidade de gerenciar uma organização
gigantesca e multifacetada.
Por décadas, o sistema criado por Ford e aperfeiçoado por Sloan funcionou
perfeitamente e as empresas americanas dominaram o mercado de automóveis.
A partir de 1955, porém, a tendência começou a se inverter. O modelo começava
a dar sinais de esgotamento.
Na Europa, grandes fabricantes surgiram aplicando os mesmos princípios,
mas desenvolvendo veículos mais adaptados às condições do continente. Parale-
lamente, a força de trabalho tornou-se cada vez mais reivindicativa em torno de
questões como salários e jornadas de trabalho.
A crise do petróleo dos anos 70 encontrou as indústrias europeias e ameri-
cana num patamar de estagnação. A ascensão de novos concorrentes, vindos do
Japão, colocou definitivamente em cheque o modelo de produção em massa.

7
  Idem, ibidem. p. 39.

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232  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Estaria o declínio da indústria em geral, e da americana em particular, ligado


ao paradigma taylorista-fordista? Taylor publicou seu livro Principles of scientific
management em 1911. Seus princípios influenciaram rapidamente fábricas, esco-
las, lares e até mesmo igrejas.
Quinze anos mais tarde, em 1926, Ford publicou o artigo “Mass Production’’.
O impacto dos conceitos relatados moldou as organizações ao longo de décadas
e sua influência atravessou fronteiras geográficas e ideológicas.
Vários pesquisadores agora se detêm no estudo da mensuração do grau em
que a permanência deste paradigma impediu, ou dificultou, a evolução da in-
dústria ocidental e sua perda de competitividade relativa. Através desta análise
pretendem construir planos para superar o impasse.
Parece óbvio que a existência do paradigma não é suficiente para tudo ex-
plicar. Questões como a falta de políticas industriais mais bem definidas e orien-
tadas, o declínio da qualidade da educação em vários níveis, o fenômeno do
capitalismo de papel e os movimentos sociais em geral podem e devem ser consi-
derados se quisermos estabelecer referencial mais amplo.8
Entretanto, é igualmente verdade, e facilmente observável, que os princípios
administrativos próprios deste paradigma tendem a se tornar anacrônicos e im-
praticáveis diante do quadro de mudanças que hoje ocorrem. O que é importante
notar é que esta afirmação tende a ser validada pela prática, mas ainda não o é
em toda sua amplitude. Isto equivale a dizer que parte dos princípios tayloristas-
fordistas ainda são válidos em muitas condições específicas de empresas, meio
ambiente, tecnologia, países etc.9

ORGANIZAÇÕES COMO ORGANISMOS: TOYOTA – ASCENSÃO


DA PRODUÇÃO FLEXÍVEL
A descoberta das necessidades organizacionais e dos
imperativos do meio ambiente10
No início do século, a ideia de que empregados são pessoas com necessidades
complexas, que precisam ser preenchidas, para que possam ter uma performance
adequada no trabalho, não era nada óbvia.

8
  Sobre a questão da educação e das políticas industriais, ver THUROW, Lester C. The zero sum.
New York: Simon & Schuster, 1985. Sobre a questão do capitalismo de papel, REICH, Robert B. A
próxima fronteira americana. Rio de Janeiro: Record, 1983.
9
  Ver HOUNSHELL, David A. The same old principles in the new manufacturing. Harvard Business
Review, Boston, p. 54-61, Nov./Dec. 1988. O autor considera que os japoneses, na verdade, não
quebraram o paradigma de Taylor e Ford, mas o levaram a outro nível de refinamento. A segunda
parte do trabalho discutirá mais amplamente a questão.
10
  MORGAN, Gareth. Op cit., p. 39-76.

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Fordismo, Toyotismo e Volvismo  233

Elton Mayo foi um dos primeiros a codificar as necessidades sociais no local


de trabalho, a identificar a existência e importância dos grupos informais e a
enfocar o lado humano da organização. Outra contribuição notável foi dada por
Abraham Maslow. Ele conceituou o ser humano como organismo psicológico que
procura satisfazer suas necessidades de crescimento e desenvolvimento, motiva-
do por uma hierarquia de necessidades fisiológicas, sociais e psicológicas.
Herzberg e McGregor, por sua vez, abordaram a questão da integração dos
indivíduos nas organizações através de funções mais enriquecedoras. Isto levaria
a maiores níveis de criatividade e inovação. Surgiu daí a ideia de Gerenciamento
dos Recursos Humanos, trazendo conceitos como autonomia, autocontrole, envol-
vimento e reconhecimento. Os membros do Instituto Tavistock, da Inglaterra, fo-
ram os iniciadores da Abordagem Sociotécnica, procurando traçar uma correlação
de interdependência entre as necessidades técnicas e humanas nas organizações.11
Outra contribuição, a Teoria dos Sistemas, considera que as organizações
são sistemas abertos e devem encontrar uma relação apropriada com o ambiente
para garantir sua sobrevivência.
Dentro dessa visão, três questões colocam-se para as organizações:

• ênfase no ambiente, aí incluindo competidores, sindicatos, clientes, go-


verno, comunidade etc.;
• compreender-se como inter-relação de subsistemas;
• estabelecer congruências entre os diferentes sistemas e subsistemas,
num processo contínuo de identificação e correção de disfunções.

Ainda outra corrente dentro deste campo conceitual, a Teoria da Contingên-


cia, teve seus primeiros trabalhos desenvolvidos nas décadas de 50 e 60 por Burns
e Stalker, correlacionando o ambiente e as características das organizações, e por
Joan Woodward, enfocando a questão do impacto da tecnologia na estrutura.
A moderna teoria contingencial tem tido contribuições dos trabalhos de
Lawrence e Lorsch. Eles enfocam essencialmente a necessidade de diferenciação
das organizações para fazer frente aos diferentes tipos de mercado e o imperativo
da flexibilidade.
Mintzberg, por sua vez, desenvolveu uma tipologia das organizações na re-
lação com o meio ambiente. Para ele, a organização efetiva depende de uma
série de inter-relações entre estrutura, porte, idade, tecnologia e as condições
da indústria na qual ela opera. Num extremo, Mintzberg coloca a Burocracia
Mecânica, que só é eficiente em ambientes estáveis e executando tarefas simples.
No outro extremo, está a adhocracia, capaz de sobreviver em ambientes instáveis
e executar tarefas complexas. A forma de estrutura matricial é frequentemente
observada entre essas organizações.

  Ver JAQUES, Elliot. Intervention et changement dans I’entreprise. Paris: Dunod, 1972. GARCIA,
11

R. M. Abordagem sociotécnica: uma rápida avaliação. Revista de Administração de Empresas, v. 20,


n. 3, p. 71-77, jul./set. 1980.

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234  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Sob a visão contingencialista, a questão que se coloca são a identificação dos


fatores de sucesso para a sobrevivência num ambiente dinâmico e a adequação
prática das características organizacionais. O objetivo é aproveitar as oportuni-
dades e vencer os desafios colocados pelo meio. Uma crítica que pode ser feita à
visão contingencialista é que ela superestima o poder e a flexibilidade das orga-
nizações e subestima o poder do meio ambiente.
Tomando emprestada a Teoria da Evolução de Darwin, a visão da Ecologia
Populacional diz que o ambiente é o fator crítico na definição de quais organiza-
ções têm sucesso e quais falham. O ciclo de variação, seleção, retenção e modi-
ficação das características das espécies é então visto como a chave para a sobre-
vivência. Este enfoque de alguma forma complementa a visão contingencialista.
As duas teorias anteriores enfocam a organização e o ambiente como fenô-
menos separados. A Ecologia Organizacional, que se pode considerar como uma
síntese, toma o ecossistema total, considerando a evolução contínua dos modelos
de interação envolvendo os organismos e seu ambiente. Kenneth Boulding cunhou
a expressão “sobrevivência da adequação, não sobrevivência do mais adequado’’.
Organização e meio estão engajados num modelo de co-criação, onde um produz
continuamente o outro.
Uma consequência prática desse enfoque é contrapor o princípio de competi-
ção ao de colaboração. No primeiro, o foco está na sobrevivência do mais apto. A
atitude competitiva significa, todavia, uma ameaça à gerenciabilidade do mundo
social. Já no segundo, o foco está na sobrevivência da adaptação. Isto leva ao
aparecimento de valores comuns e à solução partilhada de problemas. É o cami-
nho das associações profissionais, das joint-ventures e outros tipos de alianças.
Um aspecto complicador do uso da imagem de organizações como organis-
mos é o pressuposto implícito da utilização de um modelo discreto, no qual as
espécies e suas características são bem definidas. As organizações, por sua vez,
tendem a ter características com variação contínua. Além disso, um organismo
representa uma visão exageradamente concreta, enquanto as organizações são
fenômenos socialmente construídos.
Vencidas essas dificuldades, porém, pode-se dizer que essa visão tem uma
série de pontos positivos: permite compreender as relações entre organização e
meio; enfoca a sobrevivência como objetivo central; valoriza a inovação e, final-
mente, depreende uma busca de harmonia entre estratégia, estrutura, tecnologia
e as dimensões humanas.

Toyota – a ascensão da produção flexível12


Será abordado, a seguir, o surgimento do conceito de produção flexível, mais
uma vez focalizando a indústria automobilística.

12
  WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. Op. cit.

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Fordismo, Toyotismo e Volvismo  235

De certa forma, esta estória tem seu início na anterior. Na primavera de 1950,
o jovem engenheiro Eiji Toyoda empreendeu uma visita de três meses às instala-
ções da Ford em Detroit. Após este período, ele escreveu uma carta para a sede
de sua empresa, no Japão, dizendo singelamente acreditar que “havia algumas
possibilidades de melhorar o sistema de produção’’.
De volta a seu país, Toyoda e seu especialista em produção, Taiichi Ohno,
refletiam sobre o observado na Ford e concluíram que a produção em massa não
poderia funcionar bem no Japão. Desta reflexão, nasceu o que ficou conhecido
por Sistema Toyota de Produção – ou Produção Flexível. Junto com ele também
nasceu a mais eficiente empresa automobilística conhecida até hoje.
Na década de 50, a fábrica da Toyota era localizada em Nagoya e sua força de
trabalho era composta essencialmente por trabalhadores agrícolas. Após o térmi-
no da Segunda Guerra, a Toyota estava determinada a partir para a produção em
larga escala. Para isso, no entanto, ela deveria encarar alguns problemas:

• o mercado doméstico era pequeno e exigia uma gama muito grande de


tipos de produtos;
• a força de trabalho local não se adaptaria ao conceito taylorista;
• a compra de tecnologia no exterior era impossível; e
• a possibilidade de exportações era remota.

Para contornar parte das dificuldades, o Ministério da Indústria e Comércio


japonês (MITI) propôs uma série de planos protegendo o mercado interno e for-
çando a fusão das indústrias locais, dando assim origem a três grandes grupos. A
visão, obviamente, era de longo prazo.
Trabalhando na reformulação da linha de produção e premidos pelas limita-
ções ambientais, Toyoda e Ohno desenvolveram uma série de inovações técnicas
que possibilitavam uma dramática redução no tempo necessário para alteração
dos equipamentos de moldagem. Assim, modificações nas características dos pro-
dutos tornaram-se mais simples e rápidas. Isso levou a uma inesperada descober-
ta: tornou-se mais barato fabricar pequenos lotes de peças estampadas, diferen-
tes entre si, que enormes lotes homogêneos.
As consequências foram a redução dos custos de inventário e, mais importan-
te, a possibilidade quase instantânea de observação dos problemas de qualidade,
que podiam ser rapidamente eliminados. É claro que tudo isto exigia a presença
de operários bem treinados e motivados.
Cabe mencionar brevemente as condições das relações da Toyota com seus
empregados: após a Segunda Guerra, pressionada pela depressão, a Toyota demi-
tiu um quarto de sua força de trabalho, gerando enorme crise. Esta atitude teve
duas consequências: o afastamento do presidente da empresa e a construção de

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236  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

um novo modelo de relação capital-trabalho que acabou tornando-se a fórmula


japonesa, com seus elementos característicos como emprego vitalício, promoções
por critérios de antiguidade e participação nos lucros.
Trabalhando com esta mão de obra diferenciada, Ohno realizou uma série de
implementações nas fábricas. A primeira foi agrupar os trabalhadores em torno
de um líder e dar-lhes responsabilidade sobre uma série de tarefas. Com o tem-
po, isto passou a incluir conservação da área, pequenos reparos e inspeção da
qualidade. Finalmente, quando os grupos estavam funcionando bem, passaram a
ser marcados encontros para discussão de melhorias nos processos de produção.
Outra ideia interessante de Ohno foi possibilitar a qualquer operário parar a
linha caso detectasse algum problema. Isto deveria evitar procedimento, obser-
vado na Ford, relacionado à detecção de problemas apenas no final da linha, que
gerava grandes quantidades de retrabalho e aumentava os custos. É claro que, no
início, a linha parava a todo instante; mas com o tempo, os problemas foram sen-
do corrigidos e não só a quantidade de defeitos caiu, como também a qualidade
geral dos produtos melhorou significativamente.
Outro aspecto importante, equacionado, foi o da rede de suprimentos. A
montagem final de um veículo responde por apenas 15% do trabalho total de
produção. Os processos precedentes incluem a montagem de aproximadamente
10.000 peças em 100 conjuntos principais. Coordenar e sincronizar este sistema
é um desafio. A Ford e a General Motors tentaram integrar todas as etapas num
sistema único de comando burocrático. Além disso, uma política de vários forne-
cedores por peças e escolha por critério de custo era praticada. A questão é como
fazer com que todos os subsistemas funcionem eficientemente com baixo custo e
alta qualidade.
A Toyota respondeu a essa questão organizando seus fornecedores principais
em grupos funcionais que, por sua vez, adotavam o mesmo critério com seus res-
pectivos subfornecedores, formando, assim, uma estrutura piramidal. A relação
cliente-fornecedor era de parceria e visava ao longo prazo. Os fornecedores da
Toyota eram companhias independentes, reais centros de lucro. Por outro lado,
eram intimamente envolvidos no desenvolvimento dos produtos da empresa. O
fluxo de componentes era coordenado com base num sistema que ficou conheci-
do como Just in Time. Esse sistema, que opera com redução dos estoques inter-
mediários, remove, por isso, as seguranças, e obriga cada membro do processo
produtivo a antecipar os problemas e evitar que ocorram.
Outros aspectos da organização, a engenharia e o desenvolvimento de pro-
dutos, também foram influenciados pelos princípios adotados na produção. En-
quanto nas companhias de produção em massa o problema da complexidade
técnica teve como resposta uma divisão minuciosa de especialidades, na Toyota
optou-se pela formação de grupos sob uma liderança forte, integrando as áreas
de processo, produto e engenharia industrial.

5577.indb 236 20/06/2011 15:52:02


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  237

Toyoda e Ohno levaram mais de 20 anos para implementar completamente


essas ideias, mas o impacto foi enorme, com consequências positivas para a pro-
dutividade, qualidade e velocidade de resposta às demandas do mercado.
O sistema flexível da Toyota foi especialmente bem-sucedido em capitalizar
as necessidades do mercado consumidor e se adaptar às mudanças tecnológicas.
Ao mesmo tempo que os veículos foram adquirindo maior complexidade, o mer-
cado foi exigindo maior confiabilidade e maior oferta de modelos.
A Toyota necessita hoje de quase metade do tempo e investimento de um pro-
dutor convencional para lançar um novo veículo. Por outro lado, enquanto as fá-
bricas da Ford e General Motors procuram produzir um modelo por planta, as da
Toyota fazem dois ou três.
O tempo médio de permanência dos modelos no mercado também é diferen-
te: os carros japoneses têm um ciclo de vida inferior à metade do ciclo de vida
dos carros americanos.
Sob o aspecto distribuição, os japoneses também inovaram, transferindo para
a rede de vendas o conceito de parceria utilizado com os fornecedores e cons-
truindo, com isso, uma relação de longo termo. Conseguiu-se, assim, integrar
toda a cadeia produtiva, num sistema funcional e ágil.
No fim dos anos 60, a Toyota já trabalhava totalmente dentro do conceito de
produção flexível. Os outros fabricantes de veículos japoneses também passaram
a adotar os mesmos princípios, embora não se possa falar que isso tenha ocorri-
do, ou ocorra, de forma completa.
O mesmo fenômeno ocorrido com os princípios fordistas-tayloristas ocorreu
com os princípios toyotistas. Nos anos 80, o mundo estava no mesmo ponto de
difusão da ideia de produção flexível dos anos 20, em relação à ideia de produção
em massa.
Todavia, criar uma analogia desse tipo e concluir que a influência dos dois
conceitos sobre as organizações terá grau semelhante pode ser perigosamente
simples. O próprio toyotismo talvez não se reconheça quando aplicado fora de
suas fronteiras originais. Ao contrário, os transplantes geográficos parecem levar
a caminhos diferentes, ainda que mantenham alguns princípios originais intactos.
Ainda que não se possa duvidar da evolução e do impacto causado pelas
mudanças implantadas por Toyoda e Ohno, também não é possível dissociá-las
do quadro mais amplo que as gerou e as sustenta. Por outro lado, um olhar mais
crítico para este quadro talvez revele algumas sutilezas e fraquezas corriqueira-
mente ignoradas.
Kuniyasu Sakai,13 um empresário nipônico, advoga que a organização pirami-
dal, base dos grandes grupos japoneses, guarda estreita semelhança com o mundo

  SAKAI, Kuniyasu. The feudal world of Japanese manufacturing. Harvard Business Review,
13

Boston, v. 68, n. 6, p. 38-42, Nov./Dec. 1990.

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238  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

feudal. Para ele, a base da pirâmide, constituída por milhares de pequenas empre-
sas e empregando a maior parte da mão de obra existente, faz o papel do servo,
continuamente submetido a pressões para redução de custos, trabalhando com
margens de lucro insuficientes e praticamente impedido de abandonar seu clã.
Sakai considera que começam a aparecer rachaduras ameaçadoras para a
sobrevivência desse sistema. As mais importantes estariam ligadas à queda re-
lativa do padrão de devoção dos empregados às empresas. Uma mudança sen-
sível dos padrões comportamentais e culturais, o surgimento de novas atitudes
e expectativas em relação à vida e ao trabalho complementariam um quadro
potencialmente perigoso.
Talvez isso seja insuficiente para abalar o sistema inaugurado pela Toyota,
principalmente se contraposto aos sucessos já alcançados e amplamente estuda-
dos e divulgados.14 Segundo uma visão mais ampla, o toyotismo, em essência,
não seria mais que uma evolução do fordismo.15 Este ponto de vista encontra res-
paldo na análise de seu surgimento e equivale a dizer que o sistema estaria expos-
to às mesmas contradições básicas de seu antecessor. Sua vantagem competitiva,
na comparação com o fordismo, seria uma maior adaptabilidade às condições
ambientais. Entretanto, mesmo esta adaptabilidade talvez esteja se aproximando
de um limite de ruptura.
O conjunto de fatores da dinâmica social acabaria por catalisar as contradi-
ções internas da pirâmide, minando-a por dentro. Simultaneamente, este mesmo
conjunto de fatores atuaria sobre o meio, enfraquecendo a capacidade adaptativa
e a flexibilidade do sistema.16

ORGANIZAÇÕES COMO CÉREBROS – VOLVO:


O CAMINHO DA FLEXIBILIDADE CRIATIVA
O rumo da auto-organização17
O modelo mecanicista enfocava a organização como um conjunto de partes
ligadas por uma rede de comando e controle. O modelo organicista/contingen-

14
  Um panorama relativamente atualizado da indústria automobilística no mundo e o avanço
dos fabricantes japoneses podem ser vistos na série de reportagens publicadas em Business Week,
v. 3147, n. 477, Apr. 1990.
15
  Para uma descrição instrumental detalhada do sistema de controle e comando “à japonesa’’,
ver KING, Bob. Hoshin planning: the development approach. EUA: Goal/QPC, 1989.
16
  Ver POLLERT, Anna. The “flexible firm’’: fixation or fact? Work, Employment and Society, Durham,
v. 2, n. 3, p. 281-316, Sept. 1988. A autora discute o conceito de flexibilidade no contexto mais am-
plo da economia, como interação entre “flexibilidades’’ na legislação, política, economia, estratégia,
produção e estrutura do mercado de trabalho.
17
  MORGAN, Gareth. Op cit., p. 77-109.

5577.indb 238 20/06/2011 15:52:02


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  239

cialista trouxe os conceitos de integração ao ambiente, estrutura matricial, flexi-


bilidade e motivação. Nenhum modelo ou sistema, porém, supera o cérebro como
vetor de ação inteligente.
A seguir serão abordadas duas imagens do cérebro como forma de estabele-
cer uma ponte entre suas características e a aplicação dos princípios decorrentes
ao mundo organizacional.
A primeira é a imagem da organização como sistema de processamento de
informações. A segunda é a da organização como sistema holográfico. Segundo Si-
mon, as organizações não são totalmente racionais, pois seus membros têm acesso
a redes limitadas de informação. Esta limitação é contornada pela criação de pla-
nos, normas e procedimentos, que visam simplificar a realidade organizacional.
Enquanto as organizações de caráter mecanicista possuem sistemas decisórios rí-
gidos, as organizações de caráter organicista utilizam processos mais flexíveis.
Existe, além disso, uma ligação entre a capacidade de processamento e análi-
se de informações e o modelo organizacional adotado. Uma questão pertinente é
a avaliação do impacto da informatização sobre a sociedade em geral e sobre as
organizações em particular. Tornar-se-ão as organizações mais inteligentes? Tudo
dependerá de sua capacidade de aprender. Então, a questão a ser colocada é:
como um sistema pode ser projetado para aprender como o cérebro? A cibernéti-
ca enfoca esta questão através do estudo da informação, comunicação e controle.
O ponto central é a capacidade de autorregulação.
Quatro princípios foram desenvolvidos a partir dos conceitos de single-loop
(aprendizado) e double-loop (aprendizado do aprendizado). São os seguintes:

• capacidade de sentir ou monitorar o ambiente;


• relacionamento das informações colhidas com normas predefinidas;
• detecção das variações;
• início da correção.

Numa organização mecanicista, ou burocrática, a fragmentação do trabalho


e da estrutura desencoraja a autonomia. Adicionalmente, os sistemas de avalia-
ção, recompensa e punição representam um empecilho ao double-loop, ou ciclo
de melhoria. Certas ações podem, entretanto, levar ao desenvolvimento dessas
características. Por exemplo: encorajar posturas abertas, novas visões e riscos;
evitar estruturas rígidas; descentralizar a tomada de decisão e dar autonomia aos
grupos ou departamentos.
A visão da organização como sistema holográfico pode ser descrita da se-
guinte forma: no cérebro, cada neurônio é conectado a milhares de outros, num
sistema ao mesmo tempo especialista – cada componente tem funções espe-
cíficas – e generalista – com grande possibilidade de intercambiabilidade. O
controle e execução não são centralizados. O córtex, o cerebelo e o mesencéfalo

5577.indb 239 20/06/2011 15:52:02


240  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

são simultaneamente independentes e intersubstituíveis em termos de função.


O grau de conectividade é alto, geralmente maior que o necessário, mais fun-
damental em momentos específicos. É esta redundância o vetor de flexibilidade
que possibilita ações probabilísticas e a capacidade de inovação.
Um projeto organizacional com essas características, que poderíamos chamar
de holográfico, deve adotar quatro princípios:

• fazer o todo em cada parte;


• criar conectividade e redundância;
• criar simultaneamente especialização e generalização; e
• criar capacidade de auto-organização.

Sem a redundância, não há reflexão e evolução. Na prática, isto significa do-


tar de funções extras cada parte operacional, e implica uma ociosidade de capa-
cidades em dados momentos. O grau de redundância é função da complexidade
do meio ambiente.
O gerenciamento deve pautar-se por uma postura de maestro e criar con-
dições para que o sistema se amolde. As especificações e procedimentos devem
ser os mínimos necessários para que uma atividade ocorra. O objetivo é dotar a
organização do máximo de flexibilidade e capacidade de inovação.
O aprendizado do aprendizado é um ponto fundamental, pois evita que um
excesso de flexibilidade leve ao caos. Permite, igualmente, ao sistema, guiar-se
em relação às normas e valores existentes.
Pode parecer que a organização holográfica seja um sonho, mas as caracte-
rísticas descritas podem ser observadas em muitas áreas, departamentos e até
empresas inteiras, especialmente quando estas operam num ambiente altamente
competitivo e onde a inovação é um fator-chave. O desafio de projetar sistemas
que tenham a capacidade de inovar é o desafio de projetar sistemas capazes de
auto-organização.
Visualizar a organização como cérebro, ou holograma, permite estabelecer
nova fronteira além da racionalidade instrumental que permeia as análises mais
comuns hoje praticadas e redirecionar a ação gerencial.18

Volvo: o caminho da flexibilidade criativa19


Mais uma vez será tomado um exemplo da indústria automobilística. Desta
vez será utilizado o produtor sueco Volvo.

18
  GUERREIRO RAMOS, Alberto. Op. cit.
19
  CLARK, Tom; MORRIS, J. et al. Imaginative flexibility in production engineering: the Volvo
Uddevalla plant. Apostila divulgada no curso The reestructuring of industry and work organization
in the 90’s. São Paulo, EAESP/FGV, July 1991.

5577.indb 240 20/06/2011 15:52:02


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  241

Apesar de seu grande porte – responde por 15% do produto nacional bruto e
12,5% das exportações suecas20 –, a Volvo tem-se caracterizado por um alto grau
de experimentalismo. Seus experimentos, se assim os podemos denominar, cha-
mam a atenção por desafiarem os princípios fordistas e toyotistas, embora muitas
vezes sejam confundidos com um simples retorno à produção manual.
A introdução gradativa de inovações tecnológicas e conceituais nas plantas
de Kalmar, 1974, Torslanda, 1980/81, e Uddevalla, 1989, representam um valio-
so campo empírico para análise organizacional. Uddevalla, a mais nova planta,
combina flexibilidade funcional na organização do trabalho com um alto grau de
automação e informatização. É também um excelente exemplo do conceito de
produção diversificada de qualidade.
Sua estratégia parece combinar os requisitos e as demandas no mercado, os
aspectos tecnológicos, os imperativos do dinâmico processo de transformação da
organização do trabalho e as instáveis condições da reestruturação da indústria.
Operando num mercado de trabalho complexo, a Volvo ajustou sua estratégia a
dois fatores fundamentais: a internacionalização da produção e a democratiza-
ção da vida no trabalho.
Uddevalla foi concebida e construída levando em consideração a presen-
ça humana. O nível de ruído é baixo, a ergonomia está presente em todos os
detalhes e o ar é respirável. Um armazém de materiais, no centro da fábrica,
alimenta seis oficinas de montagem totalmente independentes. A capacidade de
produção é de 40.000 carros por ano, para um único turno de trabalho. A planta
combina centralização e automação do sistema de manuseio de materiais, com
a utilização de mão de obra altamente especializada num sistema totalmente
informatizado e de tecnologia flexível. A organização do trabalho é baseada em
grupos. Os operários foram transformados de montadores de partes em constru-
tores de veículos. Assim, cada grupo consegue montar um carro completo num
ciclo de duas horas.
Altas taxas de turnover, absenteísmo crônico e utilização de mão-de-obra
estrangeira são de muito tempo marcas do mercado sueco. Desde a metade dos
anos 80, os jovens suecos passaram a rejeitar empregos que refletissem conceitos
tayloristas. Isto está ligado não só aos constantes esforços de reestruturação do
trabalho como ao fato de a Suécia ter o mais alto índice de uso de robôs entre
todos os países industrializados.
Por outro lado, o país tem longa tradição social-democrata e os sindicatos
têm posição extremamente forte. Assim, o processo de inovações na Volvo tem
sido dirigido pela empresa, mas com participação ou acordo dos sindicatos. Nos
anos 70, o aumento da competitividade dos produtores em nível mundial, a ne-

20
  Os dados são referentes a 1986/87. Ver JANNIC, Hervé. Peher Gyllenhammar: un patron mo-
raliste. L’Expansion, p. 89-93, 6/19 fév. 1987; e BOURDOIS, Jacques-Henri. Peher Gyllenhammar:
vice-roi et employé. Dynasteur, p. 4-9, 1987.

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242  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

cessidade de maior variedade de modelos para atender o mercado e a crescente


pressão da mão de obra potencializaram a racionalização da produção de veícu-
los baseada em automação e flexibilidade. Nos anos 80, estas tendências foram
acentuadas e acrescidas de maiores exigências relacionadas à qualidade dos pro-
dutos. A rigidez e as limitações das linhas de montagem ficaram expostas.
Na Volvo, o caminho em direção à automação e ao aumento da flexibilidade
ocorreu num cenário de compromisso com os conceitos de grupo autônomo de
trabalho e enriquecimento das funções. Uddevalla situa-se numa região em pro-
cesso de declínio econômico. O governo sueco ofereceu ajuda financeira à Volvo
para que sua nova planta fosse ali localizada.
O sindicato foi envolvido desde o início, participando dos grupos de definição
e projeto. De partida, foram estabelecidas quatro condições para a planta:21

• a montagem deveria ser estacionária;


• os ciclos de trabalho deveriam ter no máximo 20 minutos;
• as máquinas não poderiam fixar o ritmo; e
• a montagem não deveria exceder 60% do tempo total de trabalho dos
operários.

O projeto atendeu todos os pedidos do sindicato, exceto o último. Uma ob-


servação importante é que o gerenciamento da Volvo se dividia, em relação ao
projeto de Uddevalla, entre “inovadores’’ e “tradicionalistas’’. Os sindicatos alte-
raram o balanço em favor dos “inovadores’’. Esta posição comprometeu-os ainda
mais com o sucesso do projeto.
A planta iniciou suas operações na primavera de 1988 e ficou totalmente
operacional, com cerca de mil empregados, no final de 1989. Está dividida em
três áreas: oficinas de materiais, oficinas de montagem e prédio administrativo.
Todo o transporte de materiais é automatizado. Em cada uma das seis ofici-
nas de montagem trabalham 80 a 100 operários divididos em grupos de oito a
dez, sob a supervisão de um único gerente. Cada grupo tem todos os elementos
para montar três veículos simultaneamente. As tarefas são distribuídas de acordo
com as competências, que são constantemente aperfeiçoadas. O planejamento
dos recursos humanos é parte integral da estratégia de produção.
O objetivo da Volvo é projetar um trabalho tão ergonomicamente perfeito
que torne os operários mais saudáveis.
Além desses aspectos, existe toda uma infraestrutura de apoio. Cada grupo
de trabalho possui salas espaçosas equipadas com cozinha, banheiro, chuveiros
e até um computador. A planta é iluminada com luz natural e os ambientes são
extremamente limpos. Antes de iniciar o trabalho, cada novo operário passa por

21
  CLARK, Tom; MORRIS, J. et al. Op. cit. p. 12.

5577.indb 242 20/06/2011 15:52:02


Fordismo, Toyotismo e Volvismo  243

um período de treinamento de quatro meses seguido posteriormente de mais três


períodos de aperfeiçoamento. Espera-se que, ao final de 16 meses, ele seja capaz
de montar totalmente um automóvel.
Uma característica interessante é que 45% da mão de obra é feminina, o que
é causa e consequência de várias alterações no sistema de produção. O objetivo
de tudo isto é, obviamente, aumentar a produtividade, reduzir custos e produzir
com a mais alta qualidade.
A Volvo, especialmente na planta de Uddevalla, combinou aspectos da produ-
ção manual com alto grau de automação. Isto permitiu imensa flexibilidade tanto
de produto quanto de processo. Complementarmente, a reprofissionalização dos
operários ajustou-se à necessidade de enfrentar a demanda por produtos varia-
dos, competitivos e de alta qualidade.
A combinação de alta tecnologia com criativo projeto sociotécnico também
possibilitou redução da intensidade de capital. Além de provar-se uma alternativa
economicamente viável, Uddevalla demonstrou que isto é possível de se atingir
através de uma organização flexível e criativa.

CONCLUSÃO
Na primeira parte do trabalho, investigou-se o que seriam organizações tipo
máquina. O exemplo da Ford foi abordado para ilustrar as razões da ascensão e
queda deste modelo administrativo.
Em seguida, foi visto o modelo que tem atraído as maiores atenções no mo-
mento: o chamado sistema japonês de gerenciamento, representado pela Toyota.
A imagem da organização como organismo foi utilizada para ressaltar o grande
trunfo do modelo, a adaptabilidade ao meio. Ao final, algumas nuvens negras
foram lançadas sobre o futuro do sistema.
Finalmente, tratou-se do que parece ser a mais avançada tentativa de superar
algumas contradições básicas da adaptação do homem ao ambiente de trabalho
industrial. Para contraponto do caso da Volvo utilizou-se a imagem do cérebro.
A intenção foi tentar encontrar uma linha evolutiva que cruzasse os três “is-
mos’’ – Fordismo, Toyotismo e Volvismo – e fornecesse uma visão do processo de
transformação da indústria neste século, apontando para a organização do futuro.22

22
  Ver GUERREIRO RAMOS, Alberto. A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: FGV, 1989.
Cap. 4, p. 71. Investigando a questão da colocação inapropriada de conceitos na Teoria das Orga-
nizações, o autor menciona o seguinte: “Embora a deslocação de conceitos possa constituir um meio
valioso... e legítimo de formulação teórica, pode muito facilmente degenerar numa colocação inapro-
priada... Assim, na tentativa de deslocar um conceito, pode-se estar incorrendo numa cilada intelec-
tual...’’ Ao se utilizar as imagens de máquina, organismo ou cérebro para as organizações, se está,
simultaneamente, criando uma forma de ver e de distorcer a realidade. Vale o alerta.

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244  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Este tema, de como seria a organização do futuro, tem estado presente no


mercado editorial especializado em literatura empresarial há pelo menos duas
décadas. Os lançamentos têm-se sucedido com razoável sucesso, de onde se con-
clui ser, com certeza, um negócio rentável.
Alguns autores, entretanto, têm-se destacado em meio ao turbilhão de títulos
por apresentar visões consistentes e sensíveis.
Num artigo publicado pela Harvard Business Review,23 por exemplo, Peter
Drucker fala da “vinda da nova organização’’. Ele prevê estruturas mais simples,
menor número de níveis hierárquicos, utilização em larga escala da informática,
alta flexibilidade e uma nova organização do trabalho. Como modelo organiza-
cional, ele cita, entre outros, o da orquestra sinfônica. Uma combinação de alta
especialização individual com coordenação e sincronismo temperados por um ca-
ráter artístico. Em realidade, Drucker apenas capta algumas tendências já obser-
váveis em empresas do presente. Utilizando os casos analisados no decorrer deste
trabalho, poder-se-ia dizer que o futuro de Drucker está a 70 anos do Fordismo,
a 30 do Toyotismo e a alguns meses do Volvismo.
Mas talvez o modelo de organização do futuro esteja ainda mais próximo de
uma banda de jazz. Uma forma musical surgida no nosso século, caracterizada
pela utilização de escalas africanas com harmonias europeias, pela pequena ou
quase nenhuma importância do maestro – substituído pela primazia do senso co-
mum –, pelo pequeno porte, pela produção de uma música marcada pela existên-
cia de padrões mas com enorme espaço para a improvisação individual e coletiva,
pela valorização dos músicos e, principalmente, pelo prazer da execução.24

  DRUCKER, Peter. The coming of the new organization. Harvard Business Review. Boston, v. 68,
23

n. 6, p. 45-53, Jan./Feb. 1988.


24
  HOBSBAWM, Eric J. História social do jazz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. Ver especialmen-
te p. 41-48: como reconhecer o jazz.

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13
Configurações Organizacionais
no Brasil: Transições,
Rupturas e Hibridismo
Thomaz Wood Jr.

No Brasil, as mudanças político-econômicas ocorridas a partir dos anos 80


provocaram fortes impactos sobre a ecologia empresarial. A redução da dispo-
nibilidade de recursos para financiamento das empresas locais, a abertura de
mercado e a flexibilização das regras para investimentos externos levaram à con-
centração do capital e ao aumento da participação do capital externo na eco-
nomia. Paralelamente, as empresas locais buscaram modernizar seus modelos
de organização e gestão, adotando configurações mais flexíveis e coerentes com
o novo ambiente competitivo. Também, simultaneamente, abriu-se espaço para
pequenas e médias empresas e para organizações não governamentais (ONGs).
Esse processo foi acompanhado por um desenvolvimento notável da “indús-
tria do management”, a qual compreende as empresas de consultoria, as escolas
de administração e as editoras que publicam livros e revistas sobre negócios. Essa
indústria catalisou o desenvolvimento de uma nova linguagem e de um novo
imaginário, preenchido por modas e modismos gerenciais e sustentado de forma
explícita ou implícita por valores voltados para o mercado, o consumo, o neolibe-
ralismo e o culto da excelência.
No universo acadêmico, o período envolveu também o crescimento do nú-
mero de pesquisadores e de publicações. Significativamente, os pesquisadores
brasileiros têm mostrado crescente interesse sobre o tema da transformação or-
ganizacional e sobre a questão do surgimento de novas configurações.
O objetivo deste capítulo é apresentar um quadro geral da evolução das con-
figurações organizacionais no contexto empresarial contemporâneo brasileiro. É
conveniente ressaltar que não se trata de trabalho exaustivo, de base empírica.
As ideias e informações aqui apresentadas são fruto da observação do autor sobre

5577.indb 245 20/06/2011 15:52:02


246  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

a paisagem local. Representam, portanto, um corte pessoal sobre uma realidade


complexa e multiforme.
Este capítulo está estruturado da seguinte forma: na primeira seção, faço uma
introdução ao tema das configurações organizacionais; na segunda seção, apre-
sento um breve quadro do contexto econômico-empresarial brasileiro; na terceira
seção, discuto as mudanças nas organizações brasileiras; na quarta seção, trato
da evolução dos tipos ideais e da emergência das configurações de alta intensidade
simbólica; e, na quinta seção, apresento comentários finais sobre o tema.

NOVAS CONFIGURAÇÕES ORGANIZACIONAIS


Polifonia acadêmica
Arquitetura organizacional constitui tema clássico e de grande relevância
para acadêmicos e executivos. Nas publicações acadêmicas, assim como em pu-
blicações mais orientadas para o público executivo, um volume representativo de
trabalhos tem tratado do assunto. As abordagens sobre o tema variam de forma
considerável em termos de enfoque e nível de análise, e compreendem: teorias
gerais sobre o projeto estrutural (e. g. Nadler e Tushman, 1997; Mintzberg, 1983),
propostas de novos formatos organizacionais e interorganizacionais (Werbach,
2000; Dess et alii, 1995; Grandori e Soda, 1995); governança de redes organi-
zacionais (Jones, Hesterly e Borgatti, 1997); estudo da influência das pressões
institucionais e outros fatores sobre a configuração organizacional (Greenwood
e Hinings, 1996; Miller, 1987); e funcionamento de times autogerenciados em
corporações multinacionais (Kirkman e Shapiro, 1997).
Durante os anos 90, tornou-se senso comum afirmar que o contexto empre-
sarial contemporâneo é caracterizado por grande dinamismo, alta complexida-
de e considerável interdependência entre os atores econômicos e sociais. Uma
hipótese também usualmente aceita é que novas formas organizacionais estão
emergindo desse contexto. Essas novas formas são mais usualmente denomina-
das pós-burocráticas, pós-industriais ou pós-modernas.
É claro que esses termos não são necessariamente intercambiáveis e apresen-
tam problemas derivados da liberdade com que cada autor os emprega. O concei-
to de organização pós-burocrática refere-se à flexibilização do modelo burocrático
weberiano. O conceito de organização pós-industrial aparece geralmente ligado ao
crescimento do setor de serviços. O conceito de organização pós-moderna, o mais
complexo entre os três, e empregado com sentidos variados, nem sempre signi-
fica uma ruptura com os fundamentos da racionalidade instrumental weberiana.
De qualquer forma, podemos afirmar que novos formatos organizacionais
surgem como resposta a mudanças ambientais, com base nos limites e nas con-
tradições do modelo burocrático. O momento de transição que as empresas vêm

5577.indb 246 20/06/2011 15:52:02


Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  247

passando tem um ponto de partida comum, a superação ou flexibilização do cha-


mado modelo burocrático, e uma multiplicidade de pontos de chegada. Não se
pode mais falar de one best way, de uma estrutura ideal, mas de uma variedade
de novas formas, que vão desde a simples flexibilização do modelo tradicional
até arquiteturas significativamente diferentes (ver tipologias de Mintzberg, 1983,
e Morgan, 1989).
Uma das grandes questões que parecem ocupar pesquisadores, inclusive no
Brasil, é a seguinte: existirão realmente organizações que possam ser qualificadas
como pós-burocráticas, pós-industriais ou pós-modernas? Se adotarmos como refe-
rência a literatura gerencialista ou os livros de pop management, a resposta será
com certeza sim. No entanto, além dessa linha de superfície, percebemos que di-
ferentes autores de diferentes correntes conceituam de forma distinta a questão,
produzindo consequentemente respostas divergentes.
Huber (1984), por exemplo, faz uma análise gerencialista, tecnocêntrica e
determinista do fenômeno das organizações pós-industriais. Para este pesquisa-
dor, a automação e a tecnologia de informação estão no centro da mudança. O
autor investiga a natureza e o projeto de organizações pós-industriais com base
na teoria dos sistemas. Sua abordagem é também prescritiva. Huber pretende
indicar um conjunto de medidas que permitam às empresas envolver-se no am-
biente pós-industrial e tornar-se organizações viáveis. O argumento é que, para
responder à natureza das mudanças societais (maior disponibilidade de conhe-
cimento, maior complexidade e maior turbulência), as empresas precisam dar
ênfase a três processos: tomada de decisão, inovação, aquisição e distribuição de
informações. O discurso gerencialista de Huber é prevalecente entre executivos e
consultores nesta virada de milênio.
Heydebrand (1989), por outro lado, argumenta que novos modelos organi-
zacionais estão emergindo de maneira identificável e que essa transição é resulta-
do da mudança do capitalismo industrial para o capitalismo pós-industrial. Essa
mudança é caracterizada por turbulência ambiental, complexidade e incertezas
crescentes e uma condição de crise quase permanente. No entanto, a ligação
entre as mudanças ambientais e as mudanças organizacionais não é óbvia. Essas
mudanças não ocorrem de forma evolutiva. Trata-se de dinâmica complexa, mar-
cada por resistências, movimentos inerciais (Kelly e Amburgey, 1991) e isomórfi-
cos (DiMaggio e Powell, 1983). Modelos existentes podem mudar, adaptando-se
às novas condições, ou podem desaparecer, dando origem a novos modelos. Em
dado momento, modelos antigos podem persistir, coexistindo com modelos mais
novos. Para Heydebrand (1989:327), a empresa pós-industrial tende a ser pe-
quena ou estar localizada em pequenas unidades de uma organização maior, tem
como objeto de trabalho serviços ou informações, usa maciçamente tecnologia de
informações, tem divisão de trabalho informal e sua estrutura é descentralizada,
flexível e informal. Tais formatos são baseados na racionalidade tecnocrática, que
favorece novas formas de racionalização social, como os sistemas flexíveis e in-
formais de trabalho.

5577.indb 247 20/06/2011 15:52:02


248  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Clegg (1990), por sua vez, afirma que os Estudos Organizacionais têm falha-
do ao não reconhecer a complexidade do mundo além de um espectro limitado de
alguns exemplos empíricos. O argumento do autor é claro: existem organizações
pós-modernistas, elas são nitidamente diferentes das organizações modernistas e
estão no Japão. O modelo organizacional pós-modernista, segundo Clegg, surge
como resultado das limitações próprias do modelo modernista e de mudanças
sociais globais. Segundo o autor, a organização pós-modernista diferencia-se da
organização modernista pela flexibilidade, pela orientação para o consumo de
nichos, pela adoção de opções tecnológicas baseadas na microeletrônica e pela
multiespecialização.

Enquanto isso, na academia brasileira...

O campo de estudos de gestão vem institucionalizando-se e consolidando-se


ao longo dos anos no Brasil. Um de seus grandes desafios é administrar o relacio-
namento com o mainstream anglo-saxão, do qual sofre grande influência, e com
outras correntes não hegemônicas. Segundo alguns críticos, a situação atual tem
levado à prática de um mimetismo mal informado, pois reproduz variáveis, méto-
dos, quando não modas e modismos gerenciais, sem considerar adequadamente
as condições locais (Bertero, Caldas e Wood, 1999). Por outro lado, a conside-
rável vitalidade do campo tem propiciado o surgimento de correntes alternati-
vas, com afinidades com linhas de pesquisa fora do mainstream anglo-saxão. Tais
correntes incluem os estudos ligados ao simbolismo e cultura organizacional, à
estética, à teoria crítica e, eventualmente, ao pós-modernismo em sentido amplo.
Em termos de objeto de estudo, o foco se desloca das grandes empresas para or-
ganizações não governamentais, cooperativas, fenômenos socioculturais e para a
perspectiva do indivíduo.
Nesse contexto, uma rota alternativa que tem-se mostrado fecunda é a inves-
tigação de fenômenos organizacionais que tem como pano de fundo a cultura e a
textura social local (e. g. Aidar et alii, 1995; Motta e Caldas, 1997). Pesquisadores
que trilham esta rota geralmente se fundamentam em autores brasileiros clássi-
cos, ligados à sociologia, antropologia e ciências sociais, como Gilberto Freyre
(1966), Roberto DaMatta (1987, 1989), Darcy Ribeiro (1996), Raimundo Faoro
(1975) e Sérgio Buarque de Holanda (1993).
Quanto ao tema das novas configurações organizacionais, observamos que
vem ganhando espaço na academia brasileira. Examinando os principais eventos
(ENANPAD e ENEO) e publicações (RAE, RAUSP e RAC) acadêmicos, observa-se
que os trabalhos concentram-se nos seguintes subtemas: reestruturações organi-
zacionais; impactos e consequências da privatização; organizações não governa-
mentais, cooperativas e formas alternativas de organização; o impacto de novas

5577.indb 248 20/06/2011 15:52:02


Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  249

tecnologias administrativas sobre grupos de trabalho e sobre o indivíduo; e for-


mas emergentes, como organizações virtuais, empresas de conhecimento intensi-
vo e e-business. O tratamento dado a este objeto de análise reflete a diversidade
do campo e seus pesquisadores, com predominância de abordagens influenciadas
pelo mainstream anglosaxão, porém com presença significativa de abordagens de
inspiração mais crítica.
Recentemente, uma questão que tem catalisado debates é se as novas con-
figurações realmente representariam uma ruptura com a racionalidade instru-
mental do modelo burocrático weberiano ou constituiriam apenas variantes mais
flexíveis e adaptáveis daquela matriz. A exemplo do que ocorreu em outros cen-
tros de produção de conhecimento em gestão, tendemos no Brasil a produzir um
debate polifônico, com grande diversidade de perspectivas e discursos.

REALIDADE BRASILEIRA

Nesta seção, tratarei da realidade brasileira atual. Antes, porém, de apresen-


tar um quadro geral da situação, é conveniente discutir, ainda que brevemente,
algumas características do mundo organizacional local.

Particularidades da textura organizacional brasileira e a


questão do hibridismo
Ao analisar a realidade brasileira, o observador menos atento pode ser to-
mado pela impressão de estar presenciando fenômenos empresariais típicos, si-
milares aos observados em outras partes do mundo. Pode não ser o caso. Muitas
categorias e pressupostos normalmente empregados na prática administrativa e
em estudos organizacionais podem ser pouco úteis ou até inaplicáveis ao contex-
to brasileiro, assim como ao de outros países em desenvolvimento.
De fato, muitas instituições que sustentam os negócios em países desenvol-
vidos não existem, ou operam em condições precárias, em países emergentes
(Khanna e Palepu, 1997). Críticos poderiam argumentar que o desenvolvimento
das economias emergentes levaria naturalmente à adoção de instituições e políti-
cas industriais similares às dos países desenvolvidos. Isso pode de fato ocorrer. No
entanto, esse argumento contém pelo menos duas imperfeições: primeiro, não é
possível saber exatamente em que velocidade tais instituições irão amadurecer;
segundo, nada garante que esse amadurecimento irá levar à mesma configuração
dos países desenvolvidos. A Figura 12.1 apresenta especificidades do ambiente
empresarial brasileiro, incluindo condições institucionais e culturais, e as conse-
quências sobre a textura organizacional local (e. g. Caldas e Wood, 1997).

5577.indb 249 20/06/2011 15:52:03


250  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Figura 12.1  Características do ambiente empresarial brasileiro.

Postulo aqui, portanto, que maior compreensão do contexto e dos traços


essenciais da cultura local é fundamental para compreender os fenômenos por
trás da fachada. A textura sociocultural brasileira é complexa e multifacetada,
e influencia nossas organizações e a forma como são geridas. O iluminismo, o
positivismo e o racionalismo não deixaram aqui as mesmas marcas que deixa-
ram em outros países. Somos, por outro lado, também plásticos e permeáveis
a influências externas. Assim, nossas organizações recebem influências muitas
vezes contraditórias, o que gerou resultados diversos dos observados em ou-
tros contextos.
Como sugerido na Figura 12.1, o contexto institucional-cultural brasileiro re-
laciona-se a um ambiente empresarial marcado pelo hibridismo. Tal conceito subs-
titui o de transformação evolutiva e linear, própria do modernismo, e leva a uma
visão de fragmentação e simultaneidade de convivência de diferentes realidades
e discursos, muitos deles paradoxais e contraditórios (e. g. Calás e Arias, 1997).
O hibridismo leva a dois outros conceitos: heterogeneidade e convivência en-
tre moderno e arcaico. A heterogeneidade caracteriza as situações encontradas na

5577.indb 250 20/06/2011 15:52:03


Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  251

textura empresarial local, marcadas pela diversidade e variedade. A convivência


entre moderno e arcaico diz respeito principalmente à presença, eventualmente no
mesmo locus empresarial, de estruturas pré-modernas, modernas e pós-modernas
de organização do trabalho. No conjunto, esses conceitos traduzem uma realidade
única, que dificilmente poderia ser reduzida a observações simples e definitivas.
Uma das manifestações mais interessantes do hibridismo é o comportamen-
to de fachada, com ações cerimoniais, que nem sempre condiz com a realidade
(Caldas e Wood, 1997; Meyer e Rowan, 1977). Tal comportamento é provavel-
mente o mais típico comportamento organizacional brasileiro em face da adoção
de tecnologia gerencial importada. Consiste em adotar de forma temporária e/
ou parcial a tecnologia em questão, para responder à pressão de adoção, sem no
entanto realizar mudanças substantivas ou ferir o status quo. Quando tal reação
ocorre, o observador externo percebe uma pseudorrealidade que parece confor-
mar-se a modelos globalizados de gestão. Além da superfície, entretanto, perma-
nece a substância híbrida, apenas parcialmente receptiva a modelos estrangeiros.

Contexto atual
Para o Brasil, as décadas de 80 e 90 podem ser vistas tanto como um período
crucial no processo de adaptação à nova ordem econômica mundial, como um
ponto de inflexão para as organizações. As duas dimensões geram impactos sobre
a questão das configurações organizacionais.
Segundo Diniz (2000), nos anos 80 as condições internacionais tornaram-se
adversas, representando uma ruptura com o período anterior, caracterizado pela
disponibilidade de recursos financeiros e de altas taxas de crescimento. Os anos
80 foram marcados pela desaceleração do crescimento econômico, períodos de
recessão e a sujeição da agenda política às tentativas de controle da inflação e
aos acordos com o Fundo Monetário Internacional. No plano político, o Brasil
passou por uma transição importante, com a saída gradual de cena do aparato
tecnocrático-militar e o fortalecimento das instituições políticas.
Se, por um lado, havia nos anos 80 um razoável consenso sobre a necessi-
dade de realizar reformas políticas liberalizantes, por outro não havia acordo
quanto ao possível esgotamento do antigo modelo de desenvolvimento. Naquele
momento da redemocratização, muitos grupos de interesse ainda acreditavam no
papel do Estado como fomentador do desenvolvimento e no modelo tripartite,
com empresas estatais, nacionais e multinacionais dividindo de forma equilibra-
da a cena empresarial.
No debate ocorrido durante essa primeira fase da “Nova República”, os em-
presários locais inseriram-se de forma clara, questionando o gigantismo estatal.
Do ponto de vista ideológico, havia razoável consenso em torno de uma postura
neoliberal.

5577.indb 251 20/06/2011 15:52:03


252  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

O avanço das políticas de desmonte do modelo nacional-desenvolvimentista


viria num segundo momento, iniciado durante o breve e tumultuado Governo de
Fernando Collor de Mello e completado durante os dois períodos de Fernando
Henrique Cardoso. O setor empresarial passaria então por ampla reestruturação,
em função da adoção de políticas governamentais de estabilização e de ajuste,
com ênfase para a abertura comercial, a liberalização dos fluxos financeiros e o
avanço do programa de privatização.
As principais consequências dessas mudanças foram: a desativação ou des-
nacionalização de alguns setores, como o têxtil, de bens de capital, de eletrodo-
mésticos, de produtos de higiene e limpeza e de autopeças; a migração industrial,
com transferências ou abertura de novas unidades fora da região Sudeste, por
causa das condições mais atraentes em termos fiscais e de custo de mão de obra;
e a consolidação industrial, com a ocorrência de fusões, aquisições e associações
entre empresas nacionais e estrangeiras.
Outro ponto a registrar é a evolução dos modelos de organização e gestão,
nos quais investimentos consideráveis foram feitos. De forma geral, porém, pode-
mos afirmar que as empresas locais encontram-se ainda hoje num patamar inicial
de desenvolvimento, como comprovam estudos de produtividade e competitivi-
dade (e. g. Instituto McKinsey, 1999).
As décadas de 80 e 90 representam também um período de ouro para a dis-
seminação de ideias e conceitos de management, movida pelo crescimento das
empresas de consultoria, das escolas de administração de empresas e da mídia de
negócios. O resultado foi a popularização de novas tecnologias, modas e modis-
mos gerenciais, geralmente importadas dos Estados Unidos. Como assinalado no
início deste capítulo, o desenvolvimento da “indústria do management” criou um
universo paralelo de alta intensidade simbólica, que é povoado por gurus e geren-
tes-heróis, com linguagem e valores próprios, capaz de cooptar corações e mentes
nas mais diversas instâncias da vida nacional. No ambiente empresarial brasileiro,
enquanto as pressões econômicas determinavam “o que devia ser feito” – moder-
nização da gestão, aumento da produtividade, redução de custos etc. –, o discurso
dominante, disseminado pela “indústria do management”, apontava “como devia
ser feito”, por meio da difusão e adoção de modelos de excelência importados.

NOTÍCIAS DO TEATRO DE OPERAÇÕES

Nas seções anteriores, introduzi o debate em torno de novas configurações


organizacionais e apresentei o contexto brasileiro. Nesta seção, discuto as alte-
rações nas configurações organizacionais ocorridas nas empresas brasileiras em
três níveis: intraorganizacional, organizacional e interorganizacional.

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Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  253

Primeiro nível: mudanças intra-organizacionais


Este primeiro nível de mudanças, que compreende essencialmente a implan-
tação de modelos de gestão baseados em grupos, foi provavelmente o primeiro
a ocorrer no Brasil. Já nos anos 80, muitas empresas, motivadas pelo sucesso do
“modelo japonês”, tomaram a iniciativa de implantar formatos baseados em gru-
pos. Tais iniciativas, na forma de times autogerenciados, grupos semiautônomos,
círculos de controle da qualidade e outros, foram implantados principalmente no
chão de fábrica, e corresponderam a uma alteração considerável, nem sempre
percebida, do padrão de controle: do controle externo para o autocontrole.
Muitas empresas investiram tempo e energia consideráveis nessas iniciativas,
que foram conjugadas à redução dos níveis intermediários de supervisão e a mu-
danças nos limites de autoridade e responsabilidade. Contudo, não foram poucas
as organizações que experimentaram problemas nessas implantações. As princi-
pais dificuldades foram a resistência de níveis intermediários de supervisão e a
falta de capacitação para as tarefas expandidas. Em muitos casos, essas implanta-
ções foram sustentadas por programas de alfabetização e treinamento gerencial.
De forma geral, não houve resistência por parte dos sindicatos, o que pode ser
parcialmente explicado por dois fatores: primeiro, por seu enfraquecimento em
face do crescimento das taxas de desemprego; segundo, pela percepção em geral
positiva das mudanças pelos trabalhadores. É interessante notar que, em muitos
casos, o chão de fábrica assimilou prontamente o novo discurso gerencial, contra-
pondo-se a grupos mais resistentes e conservadores dentro das empresas.
Em meados da década de 90, entretanto, o ciclo de implantação de grupos de
trabalho parece ter arrefecido. Em muitas empresas, essa forma de trabalho foi
incorporada e permanece em uso. Nas empresas mais novas, onde a configuração
organizacional é foco de atenção desde o projeto, o modelo tende a ser dominan-
te. Em outras empresas, a mudança dos focos de atenção criou modelos híbridos,
fazendo com que convivam diferentes configurações, eventualmente no mesmo
ambiente de trabalho.

Segundo nível: mudanças organizacionais


Ao buscar traçar um quadro geral das mudanças ocorridas neste segundo
nível, devemos uma vez mais considerar que nenhum retrato será completo o
suficiente para registrar a variedade de mudanças e situações ocorridas. Algumas
dimensões gerais de transformações são, entretanto, notáveis.
O primeiro ponto a ser considerado é o papel da “indústria do management”,
com ênfase para as empresas de consultoria. Conforme mencionado, tal atuação
ajudou a disseminar novas ideias de gestão, porém introduziu entre nós uma série
infindável de modas e modismos gerenciais (Wood, 1999). Como consequência,

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254  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

o “teatro de operações” tornou-se um espaço marcado por transições e rupturas,


com a convivência de formas antigas e novas. No plano discursivo e do imaginá-
rio, esta paisagem costuma ser referenciada por uma retórica moderna ou pseu-
domoderna, que algumas vezes antecipa uma realidade desejada e outras vezes
apenas busca legitimar comportamentos de fachada, que preservam o status quo.
Desenvolveu-se, portanto, uma condição de afastamento oscilante entre substân-
cia e imagem.
O segundo ponto a ser considerado é o esforço genuíno de muitas empresas
em modernizar seus modelos de gestão e organização. Para algumas delas, isso
significou simplesmente adotar princípios elementares de gestão, evoluindo da
informalidade para modelos burocráticos básicos, que pudessem prover clareza
para o funcionamento da organização e torná-la viável. Para outras, entretanto,
significou a introdução de modelos mais flexíveis e orgânicos. Entre as mudanças
mais comuns, podemos destacar: (1) a implantação de modelos baseados em uni-
dades estratégicas de negócios (com amplo controle sobre a cadeia de valores) ou
áreas estratégicas de negócios (com controle parcial sobre a cadeia de valores);
(2) o aumento do nível de matricialidade, com elevação do grau de compartilha-
mento de recursos e pessoas; (3) a melhoria do nível de comunicação interna e
do processo decisório, com introdução de grupos de trabalho interdepartamen-
tais em nível gerencial; (4) a proliferação de modelos baseados em projetos,
principalmente entre empresas profissionais; e (5) a disseminação do conceito de
gestão por processos ou gestão de processos, porém nem sempre bem entendida
ou convenientemente aplicada.
O terceiro ponto a considerar é que esse movimento de transformação atin-
giu apenas, e de forma limitada, uma fração do corpo empresarial, compreen-
dendo principalmente empresas multinacionais e empresas brasileiras de médio
e grande porte. Podemos supor que parte considerável das empresas permaneça
ainda em estágios embrionários de gestão, que poderíamos classificar de forma
um pouco arbitrária como pré-burocráticos ou informais.
O quarto ponto a ressaltar é a existência de experimentos de ponta em rela-
ção a configurações organizacionais. Tais experimentos têm acontecido em seto-
res como a indústria automobilística (Olmos, 2000; The Economist, 1998; Letaif,
1996) e a indústria aeronáutica e baseiam-se em modelos híbridos, com mudan-
ças que transcendem o nível organizacional e atingem toda a cadeia produtiva,
misturando conceitos de virtualidade, matricialidade e sustentação estrutural em
projetos e processos.

Terceiro nível: mudanças na ecologia empresarial


O terceiro nível a ser considerado é o das relações interorganizacionais, no
qual também ocorreram grandes mudanças nos últimos 10 anos, com profundas
transformações na ecologia empresarial.

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Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  255

Se compararmos o panorama de 1990 com o de 2000, poderemos verificar as


seguintes mudanças: (1) avanço da privatização e redução do peso das empresas
estatais na economia; (2) crescimento do número de fusões e aquisições, resul-
tando em concentração do capital e desnacionalização, que ocorreu em muitos
setores; (3) alterações substanciais nas cadeias produtivas; (4) crescimento do
número de organizações do terceiro setor (ONGs); e (5) surgimento de novos
empreendimentos, com ênfase para aplicações de e-business e Internet. Vejamos
com maior nível de detalhe estes pontos.
Quanto à privatização, o programa nacional, acelerado no início dos anos 90,
transferiu para a iniciativa privada, geralmente para empresas multinacionais ou
parcerias entre grandes grupos locais e empresas multinacionais, o controle de
parte considerável da economia, incluindo os setores de geração, transmissão e
distribuição de eletricidade, telecomunicações, exploração mineral e siderurgia.
Por outro lado, o movimento ainda não atingiu de forma significativa a atividade
bancária estatal, a exploração e refino de petróleo e o saneamento. A mudança de
controle introduziu mudanças organizacionais importantes para essas empresas,
num espectro que vai desde a redefinição da missão e estratégia de atuação até a
adoção de novos modelos de organização e gestão.
Quanto às fusões e aquisições, segundo Ferraz, Kupfer e Serrano (1998), no
período de seis anos, a partir de 1992, foram registradas 374 fusões e aquisições
na indústria, caracterizadas pela expansão da presença de empresas estrangeiras.
Foram adquiridas por empresas estrangeiras 96% das empresas brasileiras do
setor eletroeletrônico, 82% das empresas do setor de alimentos e 74% das em-
presas de autopeças. O dado positivo é que não houve redução do nível de indus-
trialização, como na Argentina, e sim reestruturação, com aumento do peso do
capital estrangeiro e aprofundamento da concentração do capital. Também neste
caso, houve profundas mudanças sobre os modelos de organização e gestão.
Quanto às alterações nas cadeias produtivas, é significativo que o conceito
de empresa expandida seja cada vez mais discutido. Tal discussão surge princi-
palmente da constatação de que a competição não ocorre mais entre empresas,
porém entre cadeias produtivas. A consequência do interesse pelo tema tem-se
refletido no aumento do número de implantações de projetos de logística inte-
grada e supply chain management e pelo avanço do movimento Efficient Consumer
Response (ECR). Adicionalmente, multiplicam-se nas empresas os esforços de in-
tegração de fornecedores, subcontratados e clientes aos modelos de gestão, o que
caracteriza um verdadeiro movimento de quebra de fronteiras. Nesse contexto,
gerenciar passa a ser cada vez mais uma atividade inter-relacional, que envolve
redes de empresas. Tal movimento é importante, porque significa uma reversão
da tendência anterior de verticalização e auto-suficiência das empresas.
Quanto ao Terceiro Setor, os últimos cinco anos foram marcados por um
aumento expressivo do número de organizações não governamentais (ONGs).
O Terceiro Setor existe no Brasil desde os tempos coloniais, com a criação das

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256  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

primeiras Santas Casas de Misericórdia e sociedades beneficentes. Foi, porém, no


início da década de 90, com a ECO 92, no Rio de Janeiro, e com a Campanha da
Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria que ganhou visibilidade. Estima-se
que no Brasil cerca de 600 mil pessoas trabalhem nessas organizações, sem con-
siderar o número de voluntários, em torno de 1,2 milhão. Em geral, trata-se de
organizações de pequeno porte e que adotam configurações informais de gestão.
A sofisticação de tais modelos constitui, para essas organizações, importante de-
safio. Muitas delas veem-se diante de um interessante conflito: adotar ideias de
management para consolidarem-se e poder crescer ou manterem-se fiéis a seus
princípios e ideais, “não se deixando contaminar pelo mercado”, porém correndo
risco de insolvência ou paralisação.
Quanto a novos empreendimentos, um ramo de atividade que parece estar
experimentando grande crescimento, especialmente nos últimos dois anos, é o
das empresas relacionadas ao e-business e à Internet. Embora os dados sejam ex-
tremamente contraditórios, a vitalidade do setor é notável, com o surgimento de
centenas de novas empresas, geralmente pequenas e médias, criadas por jovens
empreendedores.
Tais empresas completam este retrato parcial da nova ecologia empresarial
brasileira. Nessa complexa trama, muitas empresas funcionam como alimentos
e fontes de renovação para as grandes corporações. Outras, como o caso das
ONGs, têm papel de complementaridade e, eventualmente, poder de moderação,
como aquelas ligadas ao movimento ambiental e às iniciativas de defesa do con-
sumidor. Trata-se, é importante frisar, de um quadro ainda instável, complexo e
extremamente heterogêneo.

TIPOS IDEAIS: DA SUBSTÂNCIA À IMAGEM

Na última seção, discutimos essencialmente mudanças substantivas. Neste


ponto, proponho buscar um patamar mais elevado de abstração, considerando a
evolução dos tipos ideais no contexto brasileiro.

Esboço de uma genealogia de tipos ideais na ecologia


empresarial brasileira
A literatura sobre organizações, tanto os trabalhos científicos quanto aqueles
destinados ao público executivo, está repleta de referências a tipos ideais, como a
máquina burocrática, a empresa orgânica e a adhocracia. Tipos ideais incorporam
conceitos em estado puro. Embora constituam idealizações, eles permitem avaliar
novas ideias e avançar o conhecimento no campo. Exploremos alguns tipos ideais,
procurando esboçar uma genealogia aplicável à ecologia empresarial brasileira.

5577.indb 256 20/06/2011 15:52:03


Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  257

O ponto de partida para a discussão de tipos ideais é sempre a configura-


ção burocrática (Perrow, 1986 [1972]). Max Weber observou o paralelo entre
a mecanização da indústria e a proliferação das formas burocráticas de organi-
zação. A burocracia transforma em rotina a administração, como as máquinas
transformam em rotina a produção. A organização burocrática – a máquina bu-
rocrática, a burocracia profissional, ou outras variações – enfatiza a preci-
são, a velocidade, a clareza, a reprodutibilidade, a confiabilidade e a eficiência,
atingidas por meio da divisão de tarefas, da estrutura hierárquica e do emprego
de regras e normas (Morgan, 1986). O paradigma taylorista-fordista influenciou
profundamente a forma como as empresas passaram a ser organizadas, e até hoje
é praticado em grande escala.
A empresa orgânica é sempre contraposta à organização burocrática em
termos de tipo ideal. Embora o conceito de empresa orgânica tenha-se populari-
zado a partir dos anos 80 e 90, com o sucesso das empresas japonesas, ele é bem
mais antigo. Lammers (1988), por exemplo, menciona referências ao termo em
um livro de 1931 do autor alemão Joseph Pieper. A imagem da organização como
organismo pode ser associada à Teoria dos Sistemas, à Teoria da Contingência e
à abordagem da Ecologia Organizacional. Recentemente, juntaram-se a estas os
trabalhos relacionados ao Paradigma da Complexidade e à Teoria do Caos. To-
das essas correntes tratam da relação da organização com seu meio. Enfatizam
também a compreensão da relação entre as variáveis internas da organização e a
busca da flexibilidade e da capacidade de adaptação.
Um mutante da empresa orgânica que merece ser considerado separadamen-
te como tipo ideal é a organização virtual. A maioria das teorias em Estudos
Organizacionais pressupõe organizações como entidades distintas, com ativos
mensuráveis, estruturas definidas e mão de obra fixa. No entanto, este quadro
parece cada vez mais distante da realidade de um mundo marcado por terceiriza-
ções, teletrabalho, aproximação com fornecedores, parcerias com clientes e alian-
ças com concorrentes (Thornton e Tuma, 1995). As Organizações estão deixando
de ser sistemas relativamente fechados para transformarem-se em sistemas cada
vez mais abertos. Suas fronteiras estão tornando-se mais permeáveis e, em mui-
tos casos, difíceis de identificar. Muitas vezes, a empresa confunde-se com o am-
biente, misturando-se com fornecedores, clientes e até concorrentes. Fica difícil
saber onde termina a cooperação e começa a concorrência. Organizações virtuais
identificam com agilidade oportunidades de mercado e mobilizam rapidamen-
te recursos. Elas combinam competências além das fronteiras, utilizam alianças
temporárias e empregam tecnologia de informação amplamente (Hedberg et alii,
1997; Grenier e Metes, 1995; Davidow e Malone, 1993).
O último mutante da empresa orgânica a ser considerado é a empresa de
conhecimento intensivo. Empresas de Conhecimento Intensivo (ECIs) podem
ser definidas por analogia a Empresas de Trabalho Intensivo e Empresas de Ca-
pital Intensivo. Starbuck (1992) define ECIs como organizações onde o recur-

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258  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

so-chave é o conhecimento e a expertise. Expertise, neste caso, é uma fonte de


vantagem competitiva e, consequentemente, tem peso determinante nos lucros.
Conhecimento e expertise permitem a essas empresas responder a necessidades
únicas de clientes, e criar uma vantagem de monopólio temporário. Seu proces-
so-chave é a gestão do conhecimento.
Examinemos agora outra categoria de configurações: aquelas em que as vari-
áveis estruturais podem ser relegadas a segundo plano e a cultura organizacional
e suas diversas manifestações têm lugar de destaque. Tais arquiteturas consti-
tuem o que denominamos configurações de alta intensidade simbólica.
O primeiro desses tipos ideais é a organização missionária (Mintzberg,
1989). A denominação vem do sentido de missão que os membros dessas orga-
nizações partilham. A inspiração confessa de Mintzberg para cunhar o termo
veio da observação de como as empresas japonesas haviam substituído as formas
tradicionais de controle pela disseminação de uma ideologia organizacional. Em
organizações missionárias, a identificação natural substitui normas e procedimen-
tos como fator de coordenação do trabalho. A organização passa a ser guiada
pela história, pelos valores partilhados, pelos comportamentos praticados e pela
direção estratégica clara. Em organizações missionárias o controle, apesar de
manifestar-se de forma sutil, é ainda mais poderoso que nas organizações buro-
cráticas (ver Motta, Vasconcelos e Wood, 1993).
O segundo tipo de configuração de alta intensidade simbólica é a empresa
dramática. Por trás de uma fachada esculpida com o zelo dos relações públicas,
as empresas são frequentemente arenas onde a racionalidade é limitada e as neu-
roses, corriqueiras. Decisões, planos e estratégias são as manifestações visíveis
desta mão invisível. Por trás, encontram-se forças psicológicas pouco identifica-
das e pouco compreendidas (Kets de Vries e Miller, 1984, 1987). Organizações
dramáticas são ambientes de trabalho caracterizados pela hiperatividade. Seus
executivos são impulsivos e o processo de tomada de decisão é essencialmen-
te baseado em emoção e intuição. A hiperatividade inibe o aprofundamento de
questões importantes. Impera o culto da aparência e atitudes reflexivas são des-
valorizadas. Nessas organizações, a atração por empreendimentos arrojados é
causada pela preocupação narcísea dos executivos e os movimentos estratégicos
destinam-se a responder a seus sonhos de grandiosidade.
O terceiro tipo ideal de configuração de alta intensidade simbólica é a orga-
nização espetacular. Segundo Alvesson (1990), uma tendência na vida cor-
porativa é a mudança de foco de questões substantivas para uma ênfase crescente
dada à manipulação de imagens como aspecto crítico da gestão e do funcionamen-
to organizacional. De fato, o argumento segundo o qual vivemos em uma socie-
dade dramática não é novo. Segundo Debord (1994 [1967]:11): “toda a vida das
sociedades nas quais as modernas condições de produção prevalecem apresenta-se
como uma imensa acumulação de espetáculos”. O que antes era diretamente vivido
tornou-se representação. A sociedade do espetáculo fornece o pano de fundo para
o fenômeno das organizações espetaculares. Organização espetacular, como tipo

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Configurações Organizacionais no Brasil: Transições, Rupturas e Hibridismo  259

ideal, configura-se como ambiente organizacional onde: (i) a liderança simbólica


constitui estilo gerencial prevalecente (Smircich e Morgan, 1982); (ii) líderes e
liderados aplicam maciçamente técnicas de gerenciamento da impressão (Giaca-
lone e Rosenfeld, 1991); (iii) inovações são tratadas como eventos dramáticos
(Lampel, 1994); e (iv) analistas simbólicos formam um grupo importante den-
tro da força de trabalho (Reich, 1992). Organizações espetaculares são, portanto,
arenas teatrais, onde diversas peças têm lugar simultaneamente. Mais que isso,
organizações espetaculares são cenários cinematográficos, onde o passado e a reali-
dade são continuamente reinterpretados, editados e exibidos. Portanto, o conceito
de organização espetacular implica uma visão particular de gestão empresarial.
Gerenciar, neste caso, pode ser entendido como o processo de assegurar mínima
convergência e coerência em um ambiente caótico, complexo e ambíguo, tanto em
sua dimensão objetiva, quanto em sua dimensão subjetiva (Wood, 2001).
A Figura 12.2 apresenta o esboço de uma genealogia de tipos ideais. Aplicada
ao ambiente empresarial brasileiro, essa genealogia deve ser lida com base em
duas considerações: primeiro, como representação de uma tendência de migração
das configurações burocráticas em direção a configurações de alta intensidade sim-
bólica; e segundo, levando-se em conta que o quadro atual apresenta uma mistura
dos diversos tipos ideais, eventualmente “co-habitando” na mesma organização.

Figura 12.2  Esboço de uma genealogia de tipos ideais.

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260  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

CONCLUSÃO
Neste capítulo, abordei a questão das configurações organizacionais no Bra-
sil. Inicialmente, introduzi a questão das novas configurações, enfatizando a dis-
cussão, ilustrativa porém não conclusiva, sobre a existência de formatos pós-
industriais, pós-burocráticos e pós-modernistas. Em seguida, procurei situar o
contexto brasileiro, chamando a atenção para suas particularidades, algumas
mudanças recentes e seus impactos sobre a textura empresarial. Apresentei, en-
tão, um retrato das mudanças ocorridas, classificando-as em três níveis: intra-
organizacional, organizacional e interorganizacional. Finalmente, num patamar
mais alto de abstração, apresentei uma genealogia de tipos ideais, sugerindo que
o ambiente brasileiro é marcado simultaneamente por tendências evolutivas e
pelo hibridismo. Nesta seção final, considero pertinente acrescentar algumas no-
tas especulativas.
Primeiro, é relevante reforçar as características do ambiente brasileiro, espe-
cialmente o hibridismo. Observando a evolução dos modelos ideais, percebemos
que temos organizações em todas as categorias. Além disso, temos organizações
que não se enquadram facilmente na genealogia, ou por serem pré-burocráticas,
ou por terem características mistas. Adicionalmente, o hibridismo ocorre não
apenas em nível da substância, como também na forma de guerra de discursos ge-
renciais, resultando eventualmente em combinações desconcertantes e de difícil
apreensão pelo pesquisador.
Segundo, também é importante considerar a possibilidade de ruptura repre-
sentada pela evolução dos tipos ideais. Muitos dos novos modelos representam
de fato não formatos, pois negam ou dão pouca ênfase a categorias básicas como
estrutura, fronteira e amplitude de controle. Muitos dos novos formatos pode-
riam, paradoxalmente, ser classificados como amorfos.
Terceiro, é igualmente relevante explicitar o desconforto da linguagem e gra-
mática clássicas diante do quadro apresentado. Tal quadro, além de atestar a
inadequação do modelo burocrático tradicional diante do atual ambiente com-
petitivo brasileiro, sugere também as limitações do arcabouço teórico e dos qua-
dros analíticos existentes para a compreensão dos fenômenos organizacionais
emergentes. As abordagens existentes definem o “pós” em relação a seu anterior,
usando categorias próprias a este anterior, sem alterar seu conteúdo. Os novos
modelos organizacionais talvez venham a exigir uma nova linguagem e uma nova
gramática em Estudos Organizacionais.
Acredito que todos estes pontos possam configurar-se como oportunidades
interessantes para futuras investigações e desenvolvimentos teóricos.

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5577.indb 260 20/06/2011 15:52:04


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14
Mudança Organizacional
e Transformação da Função
Recursos Humanos
Thomaz Wood Jr.

A história do sistema capitalista tem sido marcada por um movimento cons-


tante de renovação e transformação, por crises e rupturas. O momento atual
pode ser caracterizado pelo rompimento das barreiras nacionais e pela conexão
de todo o sistema. Ligada a esta macrotendência existe uma outra intraorgani-
zacional: o modelo taylorista-fordista, que marcou a organização do trabalho
ao longo deste século, está sendo substituído – ou renovado – por sistemas
mais flexíveis e adaptáveis às instáveis condições ambientais. Neste contexto, a
função recursos humanos deixa de ser própria e exclusiva de áreas especí-
ficas dentro das organizações e está migrando para as áreas operacionais, onde
ganha contornos distintos dos que a caracterizaram no passado. Este trabalho
objetiva, em primeiro lugar, descrever esse processo, mostrando alguns movi-
mentos significativos de intervenções relacionadas à organização do trabalho
nos últimos 50 anos. Procura também discutir a ocorrência de uma mudança
substancial na função recursos humanos. A título de ilustração, é sucinta-
mente descrito o projeto organizacional de uma empresa industrial, que reflete
as tendências dominantes.

APRESENTAÇÃO
O tema da mudança na organização do trabalho não é novo, mas ganhou
contornos diferentes nos últimos anos. O aumento na instabilidade ambiental e,
particularmente, o acirramento da competição colocaram a questão da mudança
como central para a sobrevivência das organizações. O foco passou a ser mudar
para criar uma performance competitiva.

5577.indb 264 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  265

Desenvolveram-se inúmeros trabalhos sobre mudança organizacional, pro-


curando-se construir um quadro de referências que trouxesse alguma racionali-
dade à discussão. Neste processo, porém, a defasagem entre teoria e prática faz
a regra. Algumas vezes é a teoria que avança mais, agregando novas formas de
compreender as mudanças. Outras, é a prática que abre novos caminhos e pers-
pectivas não alcançados pela teoria.
Alguns autores propõem o uso de paradigmas para balizar a compreensão
dos processos de mudanças.1 Dois deles são especialmente úteis para os obje-
tivos deste estudo: o primeiro é o Paradigma Funcionalista, fundamentado no
racionalismo e nas relações de causalidade simples; o segundo é o Paradigma Fe-
nomenológico, baseado na interpretação dos sistemas de significados dos atores
organizacionais.
Adotando estes dois paradigmas como quadro de referência, as questões que
se colocam para o estudo da transformação da função recursos humanos
(FRH) são as seguintes:

• existe realmente uma transição, na forma como o trabalho é gerenciado,


que configure uma mudança do Paradigma Funcionalista para o Para-
digma Fenomenológico?
• como se situa a FRH neste contexto?
• caminha-se realmente para sua dissolução ou assimilação pelas áreas
que tomaram a frente na condução das mudanças atuais?

Este trabalho não pretende responder todas estas questões, mas discutir al-
guns de seus aspectos mais importantes, procurando explorar, implícita ou expli-
citamente, algumas teses centrais:

(i) existe um processo importante de mudança na organização do tra-


balho catalisado de fora para dentro. Ou seja, são as relações entre
empresas e mercados que são responsáveis pelo maior fluxo de mu-
danças;
(ii) este movimento representa uma superação do modelo taylorista-for-
dista com a adoção de princípios de flexibilidade e adaptabilidade.
Inclui também a descoberta dos aspectos simbólicos e culturais das
organizações. Neste sentido, pode-se afirmar que há uma contamina-
ção por elementos do Paradigma Fenomenológico, ainda que isto se
dê de forma instrumental;
(iii) na prática, este movimento gera fortes impactos sobre as redes de
valores e significados, especialmente nas camadas hierárquicas supe-
riores;

1
  Embora possa implicar certo reducionismo, este recurso permanece válido para apoiar a com-
preensão de fenômenos de mudança.

5577.indb 265 20/06/2011 15:52:04


266  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

(iv) como este movimento tem-se dado principalmente nos centros estra-


tégicos e nas áreas produtivas, a FRH tende a ser marginalizada pelo
processo, não raro impondo resistências;
(v) a consequência prática é que a FRH corre o risco de ter seu papel, já
secundário, restrito a mero apoio técnico, perdendo seu potencial de
motor de transformação do ambiente de trabalho.

Este capítulo está estruturado da seguinte forma: a seção seguinte à apre-


sentação trata das macromudanças e visões de futuro; nas seções posteriores
são vistas algumas abordagens importantes para a compreensão do momento de
mudança atual: a corrente Sociotécnica, o Desenvolvimento Organizacional, os
processos planejados de mudança, o movimento da qualidade, a abordagem da
Cultura Organizacional, a Teoria dos Sistemas Abertos e o Paradigma da Comple-
xidade; a seção seguinte trata da questão da transformação da FRH, procurando
discutir a condição atual de transição; a seguir, como ilustração, é descrito o
projeto organizacional de uma empresa industrial, considerado up-to-date com os
novos conceitos de gestão de recursos humanos; finalmente, a título de conclu-
são, é feita uma síntese crítica do material apresentado.

MACROMUDANÇAS E VISÕES DE FUTURO

A maior parte dos textos sobre mudança organizacional é iniciada por co-
mentários sobre a velocidade fantástica das mudanças sociais, econômicas, polí-
ticas e tecnológicas, neste fim de século, e sobre como as organizações precisam
adaptar-se para fazer frente a estas mudanças. Os consumidores estão se tornan-
do mais exigentes, um número cada vez maior de competidores chega a cada dia
ao mercado, o ciclo de vida dos produtos reduz-se, a força de trabalho demanda
novos tipos de relacionamento. Velocidade, agilidade e flexibilidade tornam-se
fundamentais.
Drucker (1988) e Mills (1991) apontam o fim da organização de comando e
controle e o surgimento de modelos não hierarquizados. Peters (1989) fala das
turbulências ambientais e de como as organizações devem adaptar-se e usufruir
destas condições instáveis, fazendo do caos um novo modo de vida. Watermann
(1989) menciona o aspecto renovação e a importância de se conviver com as mu-
danças. Para Handy (1990) as mudanças que estão agora ocorrendo são diferentes
das do passado, quando um confortável padrão de continuidade predominava. As
mudanças atuais são, ao contrário, descontínuas. Por isso, exigem uma postura
mental diferente, antidogmática. Segundo o autor, esta descontinuidade é pro-
vocada pelas mudanças econômicas e tecnológicas. Os reflexos são os seguintes:
redução da parcela da população ocupada com atividades de trabalho intensivo,

5577.indb 266 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  267

diminuição do número de empregos de tempo integral, aumento da demanda por


especialistas e crescimento do setor de serviços e do número de organizações ba-
seadas em informação. A mensagem de Handy é clara: o mundo está mudando de
maneira que nossos próprios conceitos de mudança devem mudar.
O Quadro 13.12 procura sintetizar algumas tendências discutidas por estes e
outros autores.

Quadro 13.1  Tendências declinantes e ascendentes.

Tendências declinantes Tendências ascendentes


Características do trabalho •  reprodutibilidade •  criatividade
•  rigidez •  flexibilidade
•  divisão de tarefas • nterfaces nebulosas, redundân-
•  formação prévia cias e multiespecialização
•  taylorismo •  aprendizado contínuo
•  liderança autoritária •  multiplicidade de modelos
•  liderança representativa
Estruturas organizacionais • hierarquia vertical, rede • redução de níveis, grupos em
matricial redes
•  centralização •  descentralização e autonomia
•  perenidade • instabilidade como fator de evo-
•  aglutinação de funções lução
•  terceirização
Características da •  foco no capital • foco nos recursos humanos e in-
Administração •  teorias quantitativas formação
• distâncias capital- • visão comum, identidade e valo-
trabalho res compartilhados
• colaboração, participação nos
lucros

A ABORDAGEM SOCIOTÉCNICA E O DESENVOLVIMENTO


ORGANIZACIONAL

Qualquer tipo de análise que se propuser a estudar tanto os aspectos sociais


quanto os aspectos técnicos de uma organização pode ser denominado sociotécni-
co. Originalmente, o termo refere-se aos trabalhos de intervenção realizados pelos
pesquisadores do Instituto Tavistock, do Reino Unido, no início da década de 50.

2
  Adaptado de WOOD, T. Mudança organizacional: ciência ou arte? Dissertação (Mestrado) –
Eaesp. São Paulo: FGV, 1992.

5577.indb 267 20/06/2011 15:52:04


268  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Uma leitura obrigatória é o trabalho de Elliot Jacques (1972),3 do Instituto


Tavistock, que documenta o processo de intervenção na Glacier Metal Company.
Jacques coloca-se contra a posição tecnocrática de intervenção e propõe uma
postura colaboracionista, de terapia social, possibilitando à organização-cliente
apropriar-se do conhecimento e das técnicas das ciências sociais para melhor
fazer frente a seus problemas. O autor utiliza conceitos como cultura, estrutura
e personalidade e analisa as resultantes das interações destes três componentes.
Examina igualmente temas como política de empresa, autoridade, poder e res-
ponsabilidade.
Garcia (1980) aponta três grandes contribuições da abordagem sociotécnica:

• o estabelecimento de amplo quadro de referências para a análise e ava-


liação de processos produtivos;
• a análise crítica de cargos, tarefas e papéis sociais que compõem os pro-
cessos; e
• a introdução de valores humanísticos no delineamento de cargos e sis-
temas.

Por outro lado, o método apresentaria algumas possíveis limitações, como a


redução dos horizontes existenciais dos membros e, consequentemente, diminui-
ção da capacidade individual para decodificar problemas existenciais mais am-
plos. De qualquer forma, os trabalhos de Elliot Jacques e seus colegas do Instituto
Tavistock são indispensáveis para se entenderem os processos atuais de mudança.4
O Desenvolvimento Organizacional (DO) é uma corrente sucedânea da abor-
dagem sociotécnica. Esta afirmação é verdadeira sob o prisma cronológico e su-
bentende certa relação de influência, mas, por outro lado, encobre algumas dife-
renças importantes.
A edificação de uma possível teoria da mudança organizacional recebeu
contemporaneamente seus primeiros alicerces no fim da década de 40, com os
trabalhos de E. Jacques, A. K. Rice, J. M. M. Hall e E. L. Trist, cuja orientação
geral convencionou-se chamar de abordagem sociotécnica. Já a corrente de DO
teve seus anos dourados na década de 70, quase 20 anos depois. A abordagem
sociotécnica, como praticada pelos pesquisadores do Instituto Tavistock, foi uma

3
  A edição original, inglesa, é de 1951. O trabalho documentado foi iniciado no fim da década
de 40.
4
  Um trabalho bastante conhecido, ao qual pode ser creditada grande influência sociotécnica,
são as realizações da empresa sueca Volvo, voltadas para a democratização e qualidade de vida no
ambiente de trabalho. Ver WOOD, T. Fordismo, toyotismo e volvismo: os caminhos da indústria em
busca do tempo perdido. Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 2, p. 12-26, set./out. 1992.
Neste artigo são contrapostas três metáforas desenvolvidas por Gareth Morgan, a três casos reais de
sistemas de organização do trabalho, incluindo a planta da Volvo em Udevalla.

5577.indb 268 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  269

síntese original de conceitos tecnológicos com outros de cunho humanista, resul-


tando em processos estruturados de intervenção. Já a corrente de DO recebeu
contribuições importantes dos trabalhos de psicólogos industriais, sendo molda-
da inicialmente como uma coleção de técnicas de seleção e treinamento de pes-
soal. Assim, o campo de DO corresponde a uma série de técnicas para lidar com a
organização como um sistema complexo, resultante das interações entre inputs,
processos, ambiente interno e outputs.
Segundo Beer (1976), DO “é uma estratégia de mudança organizacional do
tipo normativa reeducativa, caracterizada por um esforço de longo prazo para me-
lhorar a eficácia dos processos de solução de problemas, com ênfase na cultura dos
grupos formais de trabalho e com o uso da teoria e tecnologia das ciências compor-
tamentais’’.
Algumas técnicas de DO ficaram bastante conhecidas e são praticadas até
hoje por consultores e pessoal de RH:

• seminários e sessões em grupo para aperfeiçoar aspectos de liderança e


relacionamento;
• métodos para administração de conflitos; medição de perfil de atitude e
clima organizacional;
• metodologias para projeto de estruturas organizacionais.

O impasse principal enfrentado pelo DO foi o da necessidade de integração


destas várias tecnologias num esforço de larga escala capaz de gerar as mudanças
esperadas nas organizações-clientes. Até o momento de o termo DO cair em de-
suso, no início da década de 80, não havia amadurecido na prática um processo
integrado de mudança, e a eficácia da aplicação de metodologias separadas era
crescentemente questionada.

OS PROCESSOS PLANEJADOS DE MUDANÇA

Processos estruturados de intervenção existem pelo menos desde a década de


50, mas sua versão mais atualizada, os processos planejados de mudança orga-
nizacional, são produto típico dos anos 80, cujo amadurecimento é fruto de uma
série de condições específicas:

• primeiro, de condições macroambientais, que têm levado as organiza-


ções a experimentar mudanças quantitativas e qualitativas sem prece-
dentes. Esta nova realidade criou imenso laboratório para a prática e
observação de todo tipo de teoria ou conceito de intervenção;

5577.indb 269 20/06/2011 15:52:04


270  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• segundo, da evolução de um conjunto de conhecimentos transdiscipli-


nares que trouxeram elementos para compreensão da dinâmica inter-
na das organizações – das intrincadas redes de ligações interativas que
as compõem – e possibilitaram o surgimento de um arcabouço teórico
orientador sobre como realizar movimentos planejados dentro desta
complexidade;
• terceiro, do amadurecimento de algumas técnicas e conceitos, como en-
riquecimento de tarefa ou trabalho participativo, surgidos nas décadas
anteriores sobre o guarda-chuva da abordagem sociotécnica ou do DO;
• quarto, do esgotamento dos modelos baseados na visão de organização-
máquina e essencialmente assentados na ideia de mudança estrutural;
• quinto, de uma tendência de abertura maior de consultores e das pró-
prias organizações para a Antropologia Social, a Psicologia Social e a
Filosofia.

Estas condições possibilitaram o surgimento de processos estruturados de


mudança, integrando – ou tentando integrar – todos os elementos objetivos e
subjetivos da organização. A abordagem de Kilmann (1991) segue esta linha. O
autor preocupou-se em criar bases conceituais para fundamentar seu método de
intervenção. Fê-lo utilizando as seguintes ideias:

• primeiro, o processo proposto é destinado a vencer um caminho, a su-


perar um gap – um vazio – entre uma situação presente e uma situação
desejada. A organização deve, portanto, primeiro compreender profun-
damente sua natureza e realidade atuais e saber aonde quer chegar;
• segundo, o mundo organizacional não deve mais ser compreendido
como uma máquina simples. Nem mesmo o conceito de sistema aberto
seria adequado como a imagem para a organização. Para o autor, a orga-
nização moderna só pode ser compreendida como uma rede complexa
de relacionamentos interpessoais e intergrupais. Para representá-la, Kil-
mann propõe a imagem do holograma complexo;
• terceiro, em função da aceitação deste novo paradigma, da organiza-
ção como holograma complexo, decorre a adoção de uma série de novas
práticas organizacionais, pois sistemas complexos possuem problemas
complexos.

Tendo construído, com estes conceitos, os alicerces, Kilmann propõe um mé-


todo de intervenção em cinco estágios. Neste processo, o autor procura incorpo-
rar o estado da arte, teórico, a um projeto prático de mudança organizacional.
Com isso, busca romper um dos principais impasses deste tipo de trabalho: a ad-
ministração, em tempo geralmente limitado, de uma complexa rede de variáveis
visando operar um deslocamento quantitativo e qualitativo numa organização.

5577.indb 270 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  271

Embora muitos autores, como o próprio Kilmann, costumem narrar casos de


sucesso de intervenções deste tipo, tantos ou mais casos de fracassos, ou sucessos
parciais, geralmente não mencionados, também ocorrem. Assim, embora muito
se tenha evoluído, não se pode negar que ainda existe muito pouco domínio so-
bre os processos de mudança.

O IMPACTO DOS PROGRAMAS DE QUALIDADE5


Embora nem sempre vistos com simpatia nos meios acadêmicos, os progra-
mas de qualidade têm representado profundo movimento de mudança nas or-
ganizações. As implantações de TQM,6 por exemplo, podem ser relacionadas à
evolução dos modelos gerenciais e explicadas por uma sequência de seis momen-
tos, alguns quase simultâneos:

1º momento: o da inspeção, com o foco no controle do produto final,


associado ao desenvolvimento do sistema de produção e consumo em
massa;
2º momento: o surgimento do foco no processo, com uma coleção de téc-
nicas estatísticas voltadas para a solução de problemas e a melhoria
contínua;
3º momento: a integração destas técnicas a um modelo gerencial limita-
do – o Controle da Qualidade Total (TQC);
4º momento: a incorporação de elementos comportamentais e novas prá-
ticas gerenciais associadas ao acirramento de competição entre empre-
sas, ao início da flexibilização da produção e ao aumento da fragmen-
tação dos mercados. Consagração do termo TQM;
5º momento: a expansão fora das fábricas, no setor serviços e nas empre-
sas públicas;
6º momento: tendência de transformação profunda do modelo e/ou sua
difusão nas práticas gerenciais do dia-a-dia.

Se desde pelo menos o 2º momento o TQM passa a ter influência sobre a orga-
nização do trabalho, é a partir do 4º momento que a interação – ou conflito – com
a FRH tende a aumentar.
Parece senso comum que, dentro das organizações, a criação ou ampliação
de áreas voltadas para programas de qualidade – com grande foco nas questões

5
  Um dos poucos estudos brasileiros a respeito do impacto dos programas de qualidade pode ser
visto em FLEURY, M. T. L. Cultura da qualidade e mudança organizacional. Revista de Administra-
ção de Empresas, v. 27, n. 4, p. 30-38, out./dez. 1992.
6
  Total Quality Management ou Gerenciamento da Qualidade Total.

5577.indb 271 20/06/2011 15:52:04


272  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

comportamentais e culturais – representa a apropriação da preocupação com o


fator humano pelas áreas produtivas. Embora não se possa, pela ausência de da-
dos disponíveis, estabelecer padrões, alguns fatores parecem estar presentes na
maioria dos casos, como:

• valorização do fator humano como recurso vital para o desempenho


organizacional;
• ocupação de espaços vazios pela função qualidade, no tocante a mudan-
ças na organização do trabalho e interferência sobre elementos culturais;
• disputa de espaço em alguns casos, colaboração em outros, entre a fun-
ção qualidade e a FRH.

CULTURA E MUDANÇA ORGANIZACIONAL

Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional correspondia


predominantemente a falar em projeto ou (re)desenho organizacional. A ideia de
mudança estava centrada no conceito de alteração de organograma, na criação,
modificação ou extinção de cargos e funções.
Embora o trabalho de Elliot Jacques mencione o conceito de cultura já no
início dos anos 50, é somente nos anos 80 que esta abordagem vai ganhar corpo
e fama. Grande parte do interesse pelo tema deve-se ao fato de que, após operar
todo tipo de mudança em suas empresas, muitos administradores começaram a
perceber que não tinham feito o suficiente, que ainda era necessário mudar os
valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados surgissem.
O tema cultura organizacional saiu das páginas da Administrative Science
Quarterly e chegou a assunto de destaque em revistas de grande circulação, como
The Economist e Fortune, sendo assimilado pelo discurso gerencial. Autores como
Schein, Kanter, Hofstede e a dupla Deal & Kennedy foram responsáveis por im-
portantes contribuições para compreensão e divulgação destas ideias.
A apropriação do conceito de cultura por consultores e gerentes, porém, é
permeada por ambiguidades, paradoxos e polêmicas. Uma delas é a discussão
sobre a possibilidade de mudar uma cultura e o impacto desta mudança sobre
o desempenho organizacional. Muitos defensores desta ideia advogam não só
que é possível mudar uma cultura, mas também que isto pode ser feito de forma
planejada. No entanto, mesmo entre eles existe consenso de que não se trata de
tarefa fácil ou empreeendimento de curto termo.
O momento atual reflete um arrefecimento do interesse pelo tema, especial-
mente entre consultores e gerentes. Enquanto acadêmicos continuam explorando
a cultura e o simbolismo organizacional como temas de fronteira para entender
fenômenos organizacionais, empresas envolvidas em processos de mudança pa-

5577.indb 272 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  273

recem seduzidas pelo canto de sereia de um movimento caracterizado pelo retor-


no ao foco nas estruturas e genericamente chamado de reengenharia de negócios
ou reengenharia de processos.7
Quanto à FRH, pode-se afirmar que está sendo atropelada pelos fatos, parti-
cipando muito pouco destes movimentos.

A TEORIA DOS SISTEMAS ABERTOS E O PARADIGMA DA


COMPLEXIDADE
A Teoria dos Sistemas Abertos é um corpo de ideias surgidas e aplicadas trans-
diciplinarmente, da Biologia à Psicanálise, da Física às ciências organizacionais.
Segundo Aldeferer (1976), um sistema é um conjunto de unidades que se in-
ter-relacionam. O estado de cada unidade é parcialmente dependente do estado
das outras unidades. Devido às interações internas, sistemas têm características
globais quantitativas e qualitativas diferentes da soma de suas partes constituin-
tes. Com base na Segunda Lei da Termodinâmica, um sistema fechado inevitavel-
mente decai. Sistemas abertos, entretanto, podem evitar a decadência através da
contínua importação de energia do ambiente.
A forma sistêmica de pensar8 aplicada aos processos organizacionais contri-
bui fortemente para compreender os fenômenos de mudança. Significa, portanto,
uma aproximação frutuosa entre teoria e prática. Inicialmente portadora de certa
aura racionalista-funcionalista, a Teoria dos Sistemas Abertos tem rompido este
estigma, incorporando elementos simbólicos e de cultura organizacional.
Dada a amplitude do assunto, não é tarefa fácil identificar as contribuições
para a análise organizacional e para a construção de projetos de intervenção.
Alguns exemplos, entretanto, podem ser citados:

• a utilização de conceitos de cibernética e seus desdobramentos para o


projeto de estruturas organizacionais, destacando-se os trabalhos de
Stafford Beer – com seu Viable System Model – e dos grupos de Aston
(Reino Unido) e St. Gallen (Suíça).
• a ideia de learning organization, popularizada por Peter Senge e seu gru-
po de estudos de teoria dos sistemas do MIT (Estados Unidos).

7
  Embora existam diferenças importantes de amplitude e profundidade entre os dois conceitos,
ambos têm em comum algumas características, como: forte ligação com a tecnologia de informa-
ção, foco nos processos e crença em mudanças rápidas e radicais, de grande impacto.
8
  O terapeuta familiar milanês Gianfranco Cechin chega a propor exercícios para manter a men-
te sistêmica. Ele advoga que pensar de forma circular e sistêmica não é natural, principalmente
para os ocidentais, acostumados a formas lineares-causais de pensamento e ação. Daí a necessidade
de exercícios.

5577.indb 273 20/06/2011 15:52:04


274  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Como a Teoria dos Sistemas Abertos, o surgimento do Paradigma da Com-


plexidade está ligado à evolução do conhecimento científico, especialmente nas
áreas da Biologia, Física e Termodinâmica. Para Serva (1992), corresponde a um
esforço de transdisciplinaridade para superar impasses conceituais surgidos qua-
se simultaneamente a partir de alguns desenvolvimentos teóricos e científicos.
Não se constitui numa teoria acabada, mas num campo teórico aberto capaz de
se configurar numa nova visão de uma lógica da organização.
Uma das grandes contribuições para este campo teórico é a de Ilya Prigogi-
ne, Prêmio Nobel de Química em 1977. Prigogine e Stengers (1984) revisaram
criticamente os últimos 300 anos de história da ciência, argumentando contra
o paradigma newtoniano de um mundo mecânico, do qual a mudança não faz
parte. Mostram-no como um modelo limitado, que enfatiza ordem, estabilidade
e equilíbrio. Para os autores, este modelo deve adequar-se a uma imagem mais
abrangente de realidade, que considere as características atuais de mudança ace-
lerada: instabilidade, desequilíbrio e temporariedade. O trabalho de Prigogine
aponta o modelo dominante para o presente e o futuro, colocando o homem não
em oposição, mas em comunicação com a natureza, numa visão de um mundo
espontâneo e de auto-organização.
Tradicionalmente, o enfoque em mudança faz-se através de modelos incre-
mentais e de equilíbrio, com base em adaptação lenta e pequenos ajustes. Esta
visão, no entanto, não parece adequada à compreensão de sistemas complexos,
especialmente quando mudanças mais radicais, globais, ocorrem. Prigogine estu-
dou sistemas químicos não lineares, afastados do equilíbrio, em que a instabilida-
de e a desordem levam a novas formas de comportamento, padrões de interação
e estruturas. Ele demonstrou que instabilidade, desordem e imprevisibilidade são
fatores centrais no desenvolvimento de novas formas complexas de organização.
Estes sistemas são estruturas dissipativas, compostas por uma variedade de sub-
sistemas que interagem de forma não linear, tanto interna como externamente.
Sistemas normalmente importam e transformam energia em trabalho. Esta di-
nâmica, que também inclui a exportação de entropia, evita o declínio e degene-
ração. Os sistemas não lineares alternam períodos de comportamento previsível
com períodos de flutuações randômicas, com perturbações internas e externas,
que amplificam as interações não lineares.
A continuidade deste processo pode levar o sistema além das fronteiras de
estabilidade, a um ponto crítico chamado de bifurcação, onde a simetria da estru-
tura existente é rompida. Isto inicia um estado dominado pela randomicidade e
imprevisibilidade, caracterizado pelo comportamento caótico das estruturas dis-
sipativas. Este estado possibilita explorar uma variedade de possibilidades evo-
lucionárias. Prigogine observou que existe uma preferência, dos sistemas nestas
condições, por determinados caminhos entre todos os possíveis. Existe um poten-
cial de auto-organização, de o sistema criar nova forma mais avançada de estru-

5577.indb 274 20/06/2011 15:52:04


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  275

tura. O contrário seria o caos contínuo. Atingida esta nova estrutura, ela é mais
complexa e mais capaz de realizar trabalho e atividade que a anterior de atrair.
Isto se deve a sua maior capacidade de atrair, utilizar e organizar a energia dis-
ponível para a manutenção e evolução. Portanto, eventos de quebra de simetria
são episódios críticos na evolução. Por outro lado, o caminho inverso, a redução
do fornecimento externo de energia, pode reduzir a capacidade do sistema de
auto-organizar-se e evoluir.
Transpostos para o estudo de organizações complexas, os conceitos desen-
volvidos por Prigogine representam uma terceira onda de compreensão da dinâ-
mica das mudanças.9 A primeira onda estaria baseada na visão da organização
como máquina – própria do enfoque weberiano da organização burocrática – e
em modelos de sistemas fechados, algoritmos e no princípio da minimização da
incerteza. A segunda onda estaria ligada às ideias da manutenção do equilíbrio
existente, à visão das ciências sociais contemporâneas, dos sistemas adaptativos,
interativos, adequando-se através de mudanças incrementais e tendo a estabi-
lização em um novo patamar como meta. A terceira onda, então, admitiria a
instabilidade dinâmica e mudanças descontínuas. Períodos de caos seriam uma
condição necessária para a evolução.
O Paradigma da Complexidade, em seu contexto mais global, corresponde a
uma nova percepção dos fenômenos organizacionais, capaz de penetrar na pro-
funda rede de paradoxos, ambiguidades e conflitos de todo tipo que constituem
as organizações. Mais que o desenvolvimento de novos conceitos, este paradig-
ma implica nova forma de perceber e compreender as organizações. Representa,
simultaneamente, um desafio às premissas que permeiam a maioria das práticas
organizacionais – incluindo as de RH – e uma abertura de fronteiras para a trans-
formação das organizações.

AS MUDANÇAS NA FUNÇÃO RECURSOS HUMANOS

Não é fácil traçar uma linha cronológica para a FRH nas organizações, dado
o número de diferentes movimentos com diferentes características e graus de
realizações práticas que marcam sua evolução.
O Quadro 13.210 mostra a evolução da FRH no Brasil desde antes da década
de 30, quando foi criada a legislação do trabalho no país.

9
  Ver KIEL, L. D. Nonequilibrium theory and its implication for public administration. Public
Administration Review, v. 49, n. 6, p. 544-551, Nov./Dec. 1989. O autor discute possíveis desdobra-
mentos dos conceitos de Prigogine na administração pública norte-americana.
  Adaptado de ALMEIDA, M. I. R.; TEIXEIRA, M. L. M.; MARTINELLI, D. P. Por que administrar
10

estrategicamente recursos humanos? Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 2, p. 12-24,


mar./abr. 1993.

5577.indb 275 20/06/2011 15:52:04


276  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 13.2  Prática da gestão de RH no Brasil.

Período Fase Característica


antes de 1930 pré-jurídico- • inexistência de legislação trabalhista e de de-
trabalhista partamento pessoal
•  descentralização das funções
décadas de 30 a 50 burocrática •  advento da legislação trabalhista
• surgimento do departamento pessoal para
atender às exigências legais
décadas de 50 e 60 tecnicista •  implantação da indústria automobilística
•  implementação dos subsistemas de RH
•  preocupação com a eficiência e o desempenho
meados da década de 60 sistêmica • surgimento da gerência de RH e do responsá-
vel de relações industriais
• integração dos enfoques administrativo, estru-
turalista e comportamental
décadas de 80 e 90 transformativa •  reformas estruturais profundas
•  migração da FRH para as áreas operacionais
•  surgimento do movimento da qualidade
•  heterogeneidade

Um recurso para empreender uma análise da transformação da FRH é carac-


terizar uma função mais tradicional, herdeira da Escola de Relações Humanas.
Nesta configuração, a FRH ganha contornos de atividade de apoio, marcadamen-
te técnica com funções específicas, como seleção, treinamento e desenvolvimento
de pessoal. Paralelamente, em conjunturas específicas, floresceram movimentos
como abordagem sociotécnica e o DO, que interagiram em maior ou menor grau
com a FRH em suas práticas.
Pelo menos desde o fim da década de 70, a conjuntura de mercado e suas
implicações para a organização do trabalho fizeram surgir outra FRH, desta vez
ligada aos setores operacionais e voltada diretamente para a gestão dos processos
de mudança e para a melhoria dos níveis de performance e produtividade. Sem
as raízes da FRH tradicional, esta nova FRH, nem sempre bem definida, passou
a apropriar-se, de forma instrumental, de conceitos e recursos pouco usados e
até desconhecidos de sua antecessora. Embora os rótulos sejam diferentes de
organização para organização, esta nova FRH geralmente está associada às áreas
de qualidade ou a programas corporativos de mudança organizacional. Convive,
geralmente, com algum grau de conflito, com a FRH tradicional, agora diminuída
em importância.
Storey (1992) analisa a evolução teórica da FRH contrapondo a nova con-
figuração, sob a denominação de Gerência de Recursos Humanos (GRH), à tra-
dicional Gerência de Pessoal (GP). Para o autor, a característica essencial da pri-

5577.indb 276 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  277

meira é da orientação para a performance do negócio e da visão dos empregados


como recurso, similar à tecnologia ou matérias-primas. Esta tende a substituir a
GP, superando sua visão de adequação e obediência da força de trabalho aos obje-
tivos organizacionais por um supercomprometimento com estes mesmos objetivos.
Outras características importantes da GRH são o foco no fator humano como cha-
ve para o sucesso, o alinhamento das decisões de RH àquelas estratégias – ligadas
diretamente à performance – e o princípio de agregação da função aos elementos
de ação gerencial.11
Outro foco importante da GRH é a manipulação, ou tentativa de manipula-
ção, dos valores simbólicos e culturais, significativa do processo de substituição
dos controles externos pelos sistemas de valores compartilhados. Na prática, isto
representa a interiorização dos controles de comportamento. Uma cultura forte
não significa apenas um rumo para a organização, mas medeia as tensões entre
coletivo e indivíduo, sujeitando suas atitudes e comportamentos ao processo de
socialização.12
Esta questão apresenta um aparente paradoxo, pois, se a aproximação com
a subjetividade dos elementos de cultura representa um distanciamento do Para-
digma Funcionalista, a forma como isto é feito, encerrando a crença da existência
de uma relação causal entre uma GRH correta e a performance organizacional,
revela uma crença taylorista numa melhor prática.
Legge (1992) procura explicar as similaridades e diferenças entre a GRH e a
GP. Para a autora, seus modelos normativos e suas práticas são diferentes, embora
para as diferenças práticas ainda não haja comprovação empírica. Sob a ótica do
modelo normativo, a GP baseia-se no conceito de que as pessoas têm direito a um
tratamento digno e que a performance no trabalho baseia-se no grau de coerência
entre interesses individuais e organizacionais. Seu campo de atuação está ligado
a atividades específicas, como: selecionar, desenvolver, recompensar e direcionar
pessoas não só para satisfazê-las, mas também para extrair delas o máximo. A
GRH se diferenciaria pela total identificação com os interesses gerenciais e pelo
pressuposto de que gerenciar pessoas é como gerenciar qualquer outro recurso.
Segundo Legge, a GRH representa a descoberta do gerenciamento de pessoal
pela alta gerência.
Se, do ponto de vista conceitual, parece haver alguma clareza quanto às di-
ferenças entre as duas formas de FRH, a prática ainda é muito pouco conheci-
da. Entretanto, algumas considerações podem ser feitas. Existem evidências do
crescimento acelerado de modelos próximos aos definidos como de GRH, assim
como da acentuação do papel secundário das FRH próximas do modelo de GP.
Esta constatação gera dois focos de discussão:

  Uma discussão a esse respeito é realizada por WOOD, S. Administração estratégica e administra-
11

ção de recursos humanos. Revista de Administração, v. 27, n. 4, p. 30-38, out./dez. 1992


  Ver MOTTA, F. C. P.; WOOD, T.; VASCONCELOS, I. F. F. G. Controle social nas organizações.
12

Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, set./out. 1993. O artigo trata da incor-
poração da dimensão simbólica aos sistemas de controle nas organizações.

5577.indb 277 20/06/2011 15:52:05


278  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

• o primeiro, da questão das alternativas para a GP. Neste caso dois cami-
nhos parecem factíveis: um é a continuidade da tendência atual com a
restrição do campo de atuação da FRH às funções mais técnicas. Outro é
a possibilidade de reflexão conceitual e a retomada de uma ação trans-
formadora sobre o novo cenário organizacional;
• o segundo foco de discussão é a questão dos limites da GRH na prática.
Parece difícil acreditar que este movimento, pelo seu grau de instru-
mentalismo e distanciamento de modelos epistemológicos mais consis-
tentes, consiga sobreviver às próprias práticas sem ser profundamente
alterado. Esta questão será mais adequadamente explorada na conclu-
são do ensaio.

UM CASO PRÁTICO – O PROJETO “Q’’


O Projeto “Q”13 é uma joint-venture entre dois grupos químicos: um francês e
outro norte-americano. A associação foi criada em 1990 com o objetivo de unir a
tecnologia das duas empresas – concorrentes – para a produção de um polímero
utilizado em aplicações industriais. Significou um investimento de cerca de 200
milhões de dólares e um importante experimento do ponto de vista da tecnologia,
gerenciamento multicultural e, especialmente, modelo de organização do trabalho.
A nova unidade foi construída no maior conjunto industrial do sócio norte-
americano, no oeste do Tenessee, uma região de pequena ocupação urbana e sem
presença industrial importante, à exceção da própria empresa. Este conjunto com-
põe-se de quase 400 prédios, que ocupa uma área de 825 acres. Emprega aproxi-
madamente oito mil funcionários e produz mais de 300 produtos químicos, com
vendas anuais de cerca de dois bilhões de dólares. A unidade foi inaugurada em
1920 e é hoje a maior empregadora da região. Seus funcionários não são sindicali-
zados e, na história de mais de 70 anos do conjunto, não há registros de demissões
em massa. A forte ligação econômica entre empresa e comunidade explica estas
características e parte da configuração especial de fatores que levaram à evolução
do modelo de organização do trabalho que culminou com o experimento “Q’’.
Logo à entrada da fábrica são visíveis os sinais do gerenciamento multicul-
tural: reproduções de impressionistas franceses dividem as paredes com fotos e
bandeiras norte-americanas. Nos corredores, pode-se ouvir alemão, francês e o
inglês do Tenessee. O cosmopolitismo pode ser percebido em todos os detalhes,
da arquitetura à tecnologia e, principalmente, no contato com os funcionários.
O projeto organizacional de “Q’’ tem sua origem na evolução dos sistemas
organizacionais do próprio sócio norte-americano. Como em muitas outras em-
presas, este processo esteve sempre associado ao movimento de qualidade total,

  O Projeto “Q’’ foi objeto de uma missão de trabalho do autor durante o ano de 1993. Os nomes
13

das empresas foram omitidos. Todos os demais dados são reais.

5577.indb 278 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  279

com o qual se confunde. O marco inicial é 1982, data dos primeiros programas de
treinamento e sensibilização com ênfase no consumidor. Outras datas e eventos
importantes são os seguintes:

• 1983: início dos programas de treinamento para a qualidade, com ênfa-


se nas técnicas estatísticas e trabalho em grupo;
• 1985: primeiro estudo de identificação de elementos culturais, crenças
e valores vigentes e desejados;
• 1986: primeiras implementações de grupos naturais14 de trabalho, sob
a ótica sociotécnica;
• 1988: implementação dos primeiros grupos de trabalho autogerenciados;
• 1989: desenvolvimento do novo sistema de pagamento e recompensa
com base nas habilidades individuais;
• 1991: integração, em algumas plantas, dos sistemas de qualidade total
com o conceito de grupos semi-autônomos.

O modelo teórico
Um aspecto central desta linha evolutiva, do qual “Q’’ é o exemplo mais com-
pleto, é o desenvolvimento simultâneo de uma cultura forte, simbolizada por
visão, missão e valores compartilhados, com marcante orientação para o consu-
midor. Isto sob uma base de organização fundamentada em grupos de trabalho
com habilidades, autoridade e poder de decisão.15
Ao longo deste caminho empírico, um modelo teórico foi desenvolvido com o
duplo propósito de dar sustentação ao processo de experimentação e a ele agregar
novas perspectivas, ampliando a capacidade de interpretação e compreensão dos
resultados práticos. Hoje, a melhor representação deste modelo é um triângulo
cujos vértices contêm: primeiro, os valores culturais voltados para a qualidade;
segundo, os elementos dos sistemas sociotécnicos; terceiro, conceitos relaciona-
dos à Teoria dos Sistemas Abertos. Na concepção dos criadores, o modelo procura
unir e balancear nova cultura do trabalho com a adoção de um modelo específico
de organização, e a abertura e adaptabilidade deste sistema às imposições do am-
biente externo.

O projeto organizacional
A unidade “Q’’ constitui-se numa empresa separada, com razão social e ad-
ministração independentes. É claro que, por estar localizada num conjunto in-

14
  Grupos de trabalho baseados na tarefa ou processo, com vínculo hierárquico fraco.
15
  O termo usual é empowered team.

5577.indb 279 20/06/2011 15:52:05


280  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

dustrial, mantém com este várias ligações representadas por fluxos de matérias-
primas, energia, produto final, serviços e informações.
Vista de uma ótica tradicional, a empresa está dividida em quatro departa-
mentos: Administração, Produção, Tecnologia e Qualidade. No total são cerca de
120 pessoas, das quais 80 são operárias trabalhando em turnos de revezamento.
Em teoria, existem três níveis hierárquicos: diretoria, gerência e operação. Na
prática configuram-se apenas dois: a linha gerencial e o grupo operacional. Isto
porque a diretoria é um órgão quase consultivo e o diretor de operações trabalha
junto à linha gerencial.
No entanto, a divisão por departamentos representa pouco a realidade. O
nível operacional é organizado em grupos autogerenciados, já que não existe o
nível de supervisão. O mesmo princípio de autogerenciamento, sem distinção de
nível hierárquico, rege o funcionamento dos próprios departamentos. Além disso,
existe ainda uma série de outros grupos interdepartamentais, que incluem par-
ticipantes da linha gerencial e da linha operacional, e que são responsáveis por
temas como treinamento, segurança, saúde e meio ambiente, políticas de pessoal
e outros. Desta forma, toda a organização é atingida por uma complexa rede mul-
tifuncional baseada em grupos de trabalho. Para dar apoio a estes grupos, duas
pessoas com formação especializada dedicam-se em tempo integral a desenvolver
e implantar técnicas de trabalho e a ajudar na solução de problemas de relaciona-
mento, dentro dos grupos ou entre eles. São chamados facilitadores dos processos
grupais. Flexibilidade, adaptabilidade, qualidade, autonomia e conectividade são
os valores centrais da organização.

Seleção e treinamento
Para criar as condições ideais à implementação deste sistema organizacional,
extrema atenção foi dada à contratação de pessoas com o perfil comportamental
adequado. No nível administrativo-gerencial, este princípio teve de ser conjugado
com os imperativos do contrato de associação, que impunha algumas condições
de ocupação de cargos. Já no nível operacional, pode-se afirmar que o princípio
realizou-se completamente.
O processo de seleção dos técnicos de operação química foi realizado em oito
etapas, durou cerca de seis meses, custou 100 mil dólares e partiu de 4.300 can-
didatos para contratar 80. Seu foco principal foi a identificação de pessoas com
duas características: facilidade para trabalhar em grupo e capacidade de aprendi-
zado – adaptabilidade a novas situações e flexibilidade. A exigência de formação
técnica, comum a este tipo de indústria, não foi considerada, à exceção de uns
poucos casos específicos. O produto do processo foi um grupo aparentemente he-
terogêneo, no qual chama a atenção a presença de 22% de mulheres, grande nú-
mero de profissionais com formação superior – incluindo uma zoóloga e alguns

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Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  281

psicólogos –, um expiloto com participação na operação “Tempestade no Deserto’’


e um número importante de supervisores e gerentes vindos do setor de serviços.
A diretoria considera este perfil variado não somente uma característica po-
sitiva, como também um constante desafio à organização para criar condições
ambientais que favoreçam a criatividade e mantenham o grupo comprometido
com os objetivos do negócio. Além dos seis meses de seleção que, pela forma como
foram conduzidos, podem ser considerados como um treinamento comportamen-
tal, o grupo passou também por um período de seis meses de treinamento técnico,
incluindo formação básica e períodos nas fábricas dos associados na Europa e
Estados Unidos.

Sistema de pagamento e recompensa


O sistema utilizado por “Q’’ chama-se oficialmente “Sistema de Pagamento
por Habilidades e Conhecimentos Aplicados’’. É empregado para os cargos opera-
cionais, sendo mais fácil entendê-lo em contraposição a um sistema tradicional.
Neste último, o operário, iniciando no nível mais baixo da carreira, pode gal-
gar posições até atingir o nível de supervisão. Neste processo, ele normalmente
recebe uma promoção, geralmente acompanhada de um aumento de salário, e
então é treinado para a nova função. Eventualmente, após algum tempo na nova
função, recebe novo aumento. No sistema adotado em “Q’’ não existem níveis a
ascender ou supervisão. Foi criada, em substituição, uma grade de progressão,
com base em habilidades e conhecimentos aplicados, que determina o salário.
O processo de evolução segue a sequência: treinamento – na nova habilidade
ou conhecimento –, aplicação prática, certificação,16 aumento de salário e, após
algum tempo, uma recertificação.
Com isso, o sistema busca contornar a inexistência de uma carreira no senti-
do tradicional, substituindo-a pela possibilidade de evolução pessoal em termos
de know-how, tecnologia e salário.

Comentários
Como visto, o projeto organizacional de “Q’’ tenta agregar e colocar em prá-
tica uma série de princípios e teorias administrativas que vão desde a abordagem
sociotécnica até a Teoria dos Sistemas Abertos e inclui o conceito de qualidade
total. Para as empresas que geraram o experimento, constitui-se num laboratório
único, capaz de prover os conhecimentos necessários para guiar futuras mudan-
ças em outras unidades.

16
  Espécie de exame que envolve teoria e prática.

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282  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

O modelo “Q’’ contém as principais tendências atuais em recursos humanos:

• O foco no lado humano como fator de sucesso, comprovado pelos cuida-


dos com a seleção, treinamento e sistema de pagamento.
• A existência de uma FRH diluída no nível gerencial e operacional, com
algumas atribuições específicas realizadas pelo Departamento de Qua-
lidade.
• O papel técnico desempenhado pelo departamento de recursos huma-
nos oficial, como órgão de apoio.17
• A existência de gurus, completamente dissociados da FRH, responsáveis
pela ideologia e pela evolução das formas de organização do trabalho,
que geraram o modelo e ajudaram a coordenar sua implementação.

CONCLUSÕES
Cabe, neste final de capítulo, retomar a questão central das mudanças da
FRH diante do quadro de macrotransformações que vêm ocorrendo.
Vimos como as mudanças ambientais estão apresentando novos desafios à
gestão das organizações e ao gerenciamento de recursos humanos. Assim como
outras conjunturas problemáticas fizeram surgir os processos de seleção, as téc-
nicas de treinamento e desenvolvimento e a administração de carreiras, a atual
fez nascer o que Storey propõe que se denomine GRH – em contraposição à tra-
dicional GP.
Esta última, já de algum tempo, vem concentrando-se nas tarefas mais téc-
nicas da FRH e nem sempre envolvendo-se em movimentos de transformação da
organização, ou fazendo-o apenas de forma marginal, como órgão de apoio.
A GRH surge nas organizações agregando a eventos recentes – como o mo-
vimento da qualidade e os processos de intervenção cultural – alguns desen-
volvimentos teóricos surgidos há 30 ou 40 anos na área de RH e que nunca se
constituíram em práticas dominantes. Enquanto na origem estes desenvolvimen-
tos estavam mais próximos da ideia da GP, no contexto da GRH eles ressurgem
voltados inteiramente para a realização dos objetivos estratégicos das empresas.
A GRH impõe novo credo à FRH, incluindo ideias de participação, comporta-
mento e qualidade. Este credo, porém, pode chocar-se com seu objetivo primeiro,
que é o de apoiar eficazmente a realização das estratégias da organização, pois
não há necessariamente coerência entre estes princípios e os objetivos da organi-
zação. Neste sentido, é mais visível a importância da GRH como retórica evocativa,

17
  Estas funções são externas a “Q’’. Algumas são providas pelo sócio norte-americano, outras são
realizadas por empresas externas.

5577.indb 282 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional e Transformação da Função Recursos Humanos  283

como resposta mais ao nível simbólico que prático. Neste ponto também pode ha-
ver problemas, uma vez que os programas de mudança inclusos na GRH procuram
o estabelecimento de visões compartilhadas, mas o fazem a partir de programas
top-to-down, que nem sempre conseguem atingir os níveis operacionais.
Quanto à relação entre as novas práticas e a elevação dos níveis de perfor-
mance, não existem ainda fortes evidências empíricas que o comprovem, embora
haja forte discurso neste sentido. Por outro lado, sabe-se das dificuldades en-
frentadas por organizações que procuram, ou são obrigadas, a operar mudanças
radicais em sua forma de gerenciar os recursos humanos. A adoção das novas
práticas de GRH tende a gerar grande liberação de energias, uma vez que condu-
tas associativas, participativas e interpretativas são estimuladas e pouco pode-se
prever sobre os destinos a que pode levar este caminho.
Se, por um lado, pode-se afirmar que a agregação da FRH às atividades ge-
renciais, e a forma como isto está acontecendo, corresponde a uma exacerbação
do Paradigma Funcionalista, uma vez que se busca interiorizar nos indivíduos a
condição de controle, por outro lado, as energias liberadas e as contradições
criadas ou desenvolvidas podem levar a um rompimento do próprio Paradigma.
Neste ponto abre-se caminho para um possível novo modelo de FRH, a partir
de uma crítica dos paradoxos da GRH e uma renovação da GP. Ao contrário das
correntes alternativas anteriores, que se mantiveram afastadas do fluxo domi-
nante na prática, um novo modelo que surja associado à superação de dificulda-
des concretas do dia a dia das organizações – como o GRH procura fazer – tem
grande chance de tornar-se ao mesmo tempo modelo normativo e prático.
O acesso a todo o conhecimento acumulado em Análise Organizacional, mais
o aporte de todas estas correntes, somadas à nova capacidade de integração da
moderna Teoria dos Sistemas Abertos, e a visão trazida pelo Paradigma da Com-
plexidade reúnem potencial suficiente para transformar radicalmente a FRH.

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STOREY, J. The HRM phenomenon. In: Developments in the management of human resour-
ces. Londres: Blackwell, 1992.
WATERMANN JR., R. H. O fator renovação: como os melhores conquistam e mantêm a
vantagem competitiva. São Paulo: Harbra, 1989.
WOOD, S. Administração estratégica e administração de recursos humanos. Revista de
Administração, v. 27, n. 4, p. 30-38, out./dez. 1992.
WOOD, T.; BALEEIRO, I. C.; CAMPOS, H. M. Managers symbolic actions and the transfor-
mation of culture: a case study on organizational crises and change. 12. SCOS, Calgary,
July 1994.
WOOD, T.; URDAN, F. T. Gerenciamento da qualidade total: uma revisão crítica. Trabalho
proposto para publicação na Revista de Administração de Empresas, abr. 1994.

5577.indb 284 20/06/2011 15:52:05


15

Mudança Organizacional
na Rhodia Farma
Thomaz Wood Jr.
Isabela Baleeiro Curado
Humberto M. de Campos

A década de 80 talvez represente para as organizações o que o Cretáceo


representou para os dinossauros. Consumidores mais exigentes, novos compe-
tidores, redução forçada do ciclo de vida dos produtos, novo perfil da força de
trabalho e muitos outros fatores vieram atormentar a vida já não tão tranquila
dos dinossauros organizacionais. Charles Handy,1 conhecido autor inglês, consi-
dera as mudanças que estão ocorrendo, diferentes das do passado, quando um
confortável padrão de continuidade predominava. As mudanças atuais são des-
contínuas, exigindo uma postura mental diferente, antidogmática.
No Brasil, que enfrenta seu próprio Cretáceo desde pelo menos a década
de 70, a instabilidade econômica, a falta de uma política industrial consistente,
enfim, a inexistência de condições estruturais adequadas criaram um ambiente
excepcionalmente complexo para os administradores de empresa.
É nesse contexto que surge o interesse por melhor compreender os processos
de mudança por que têm passado muitas organizações no Brasil. O tema mudança
organizacional, aliás, tem-se tornado obrigatório para executivos, consultores e
pesquisadores. Através desse estudo de caso pretende-se: avançar na compreen-
são dos fatores que catalisam o processo de mudança; identificar os elementos que
podem determinar seu sucesso; discutir a possibilidade de planejar ou controlar
um processo dessa natureza; compreender melhor como interagem estratégia, es-
trutura e cultura durante o processo.

1
  HANDY, C. The age of unreason. Boston: Harvard Business School Press, 1990.

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286  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

O conceito fundamental que permeia o trabalho é o da interação entre con-


ceitos teóricos e experiência prática.2 A primeira parte corresponde a uma intro-
dução teórica ao tema mudança organizacional. Além de conceitos de mudança,
serão tratadas algumas abordagens de cultura organizacional e mudança cultu-
ral. O objetivo não é aprofundar uma discussão teórica, mas apenas fornecer um
referencial para a leitura do caso prático.
A segunda parte é a narrativa dos eventos que culminaram com o colapso
industrial de 1991 e o processo de mudança que se seguiu, reconstituído a par-
tir de entrevistas com representantes de diferentes níveis hierárquicos e áreas
dentro da organização. Como ilustração, são utilizados gráficos significativos da
evolução de alguns parâmetros de performance e pequenas narrativas de eventos
ou trabalhos relevantes do processo.
A terceira e última parte consta de uma síntese comentada das mudanças
ocorridas. É também realizada uma discussão sobre a natureza e a profundidade
das mudanças em relação à organização do trabalho.3
Finalmente, cabe explicar por que explorar mais um caso de sucesso empre-
sarial. São duas as razões principais: primeiro, simplesmente entender o processo
de mudança e a configuração de fatores que potencializou a superação da crise e
o atendimento de patamares superiores de performance; segundo, explorar criti-
camente alguns limites e perspectivas dos avanços alcançados.4

A TEORIA DA PRÁTICA
Definindo mudança organizacional
Apesar de muito distante de qualquer preocupação com as organizações, esta
frase de Camões é quase uma definição de mudança organizacional: “Mudando
andei costume, terra e estado, por ver se mudava a sorte dura.’’

2
  Alexandre Koyré definiu a inovação trazida pela ciência moderna em termos de experimentação.
Para ele, a ciência moderna está baseada na descoberta de uma nova e específica forma de comu-
nicação com a natureza. Experimentação não significa meramente a observação dos fatos como
eles ocorrem, nem a mera pesquisa por conexões empíricas entre fenômenos, mas pressupõe uma
interação sistemática entre conceitos teóricos e observação.
3
  Embora os autores tenham optado por uma visão panorâmica e generalista e privilegiado a
abordagem via metáfora da cultura, não há dúvidas de que outros pontos de vista poderiam ser
adotados. Da mesma forma, muitos outros aspectos poderiam ser estudados em profundidade.
4
  Os processos de mudança abrem perspectivas não conhecidas e não previstas anteriormente,
trazendo à tona novas questões e problemas para as organizações. Cabe a teóricos e práticos debru-
çar-se sobre esses processos e realizar uma reflexão crítica, capaz de fazê-los avançar, superando
continuamente seus limites.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  287

Mais próximos do universo organizacional, Gioia e Chittipeddi utilizam a


seguinte definição: “Mudança envolve o esforço de alteração das formas vigentes de
pensar e agir dos membros da organização.’’5
Para análise desse caso, será adotada uma definição mais ampla: “Mudança
Organizacional é qualquer transformação de natureza estrutural, estratégica, cultu-
ral, tecnológica, humana ou de qualquer outro componente, capaz de gerar impacto
em partes ou no conjunto da organização.’’ Portanto, uma mudança pode ser:

• quanto à natureza: relacionada a qualquer característica da organiza-


ção como organograma, funções, tarefas (mudanças estruturais); mer-
cados-alvos, foco (mudanças estratégicas); valores, estilo de liderança
(mudanças culturais); processos, métodos de produção (mudanças tec-
nológicas) e pessoas, políticas de seleção e formação (mudanças relacio-
nadas a recursos humanos);
• quanto à relação da organização com o ambiente: uma resposta a mu-
danças nele ocorridas (mudança reativa) ou uma antecipação baseada
em expectativas (mudança voluntária);
• quanto à forma de implementação: reeducativa, coercitiva ou racional.

O tema da mudança organizacional ganhou proeminência devido ao aumen-


to da velocidade das macromudanças e à elevação da taxa de mudanças descon-
tínuas em relação às mudanças evolutivas e incrementais. A consequência óbvia
de tudo isso foi o aumento do grau de preocupação e atenção das organizações
para com esses processos.
Herzog6 classifica as situações capazes de provocar mudanças em três cate-
gorias, cada uma delas com três possibilidades. Elas podem ter origem tanto na
própria organização quanto no ambiente. São as seguintes:

• crises e problemas: dificuldades com a estrutura organizacional; inca-


pacidade de atender às necessidades dos clientes; restrição de recursos;
• novas oportunidades: introdução de novas tecnologias; introdução de
novos produtos e serviços; disponibilidade de novos recursos;
• novas diretrizes internas ou externas: adequação a novas leis; adaptação
a novas estratégias corporativas; implementação de novos sistemas de
controle.

5
  GIOIA, D. A.; CHITTIPEDDI, K. Sensemaking and sensegiving in strategic change initiation.
Strategic Management Journal, Chichester, v. 12, n. 6, p. 433-448, Sept. 1991. Os autores propõem
ainda uma definição alternativa, mais voltada para o aspecto estratégico: “Mudança estratégica en-
volve esforço de alteração dos modos vigentes de cognição e ação para possibilitar à organização tirar
vantagens de oportunidades ou superar desafios ambientais.”
6
  HERZOG, J. P. People, the critical factor in managing change. Journal of Systems Management,
Cleveland, v. 42, n. 3, p. 6-11, Mar. 1991.

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288  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

O autor cita uma pesquisa realizada pela Coopers & Lybrand sobre os objeti-
vos mais frequentes das mudanças. São eles: melhorar a qualidade, aumentar a
produtividade, refletir os valores dos novos líderes, reduzir custos e administrar
conflitos. Não raro, como no presente case, todos esses objetivos, ou necessida-
des, aparecem juntos, interagindo entre si.
Finalmente, constatou-se, também através da pesquisa, que a mudança
de qualquer elemento da cultura organizacional é uma das mais difíceis de se
conseguir.

Contextualismo versus voluntarismo


Uma classificação possível para as várias correntes de estudo de mudança
organizacional pode ser obtida através das abordagens voluntaristas7 ou contex-
tualistas.8 Os resultados da análise de um evento real decorrem da abordagem
e do ponto de vista adotados. Ocorre que a postura dos pesquisadores é usual-
mente monotônica: ou se assume um ponto de vista voluntarista ou se adota uma
abordagem contextualista. As abordagens contextualistas, porém, podem expli-
car somente alguns fenômenos organizacionais, pois admitem pressupostos não
garantidos pelo comportamento humano. Teorias voluntaristas, por outro lado,
têm foco essencialmente no comportamento, e ignoram o ambiente. Colocando-
se como mutuamente excludentes, essas abordagens não superam os paradigmas
de fronteira. Todavia, uma mudança organizacional será mais bem compreendida
se for estudada com as duas lentes.
Na prática, mudanças voluntaristas e reativas ocorrem de forma simultânea,
entrelaçada e indissociável. Embora, em certos momentos, possa-se afirmar que
ocorre uma mudança planejada – voluntarista –, suas causas e raízes têm sem-
pre elementos externos – contextuais. Inversamente, embora se possa dizer, em
alguns momentos, que ocorre uma mudança adaptativa, provocada por eventos
externos, sempre haverá fatores internos relacionados. A realidade será sempre
caracterizada por múltiplos fluxos interagindo de forma complexa, como podere-
mos verificar na apreciação do case.

7
  Subentende um modelo de escolha e inclui os processos planejados de mudança. A ideia de
cultura organizacional como prática normativa e as correntes do desenvolvimento organizacional
e a abordagem sociotécnica também compõem esse grupo. A ideia fundamental é a crença na au-
todeterminação, na possibilidade de os líderes interpretarem a realidade e determinarem cursos
estratégicos de ação.
8
  Inclui a corrente da abordagem sistêmica e o conceito de ciclo de vida organizacional, entre
outros. A ideia fundamental é a do conflito sistêmico, da organização como sistema social dentro
de outros sistemas sociais, onde coexistem múltiplas relações caracterizadas por interferências
e tensões.

5577.indb 288 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  289

Cultura e mudança planejada de cultura

Até meados da década de 70, falar em mudança organizacional correspondia


predominantemente a falar em projeto ou (re)desenho organizacional. A ideia de
mudança estava centrada no conceito de alteração de organograma, na criação,
modificação ou extinção de cargos e funções. Falar em mudança e, principalmen-
te, praticar mudança, significava primordialmente mudar estruturas.
Embora o trabalho de Elliot Jacques, na Glacier Metal,9 nas décadas de 40
e 50, já mencione o conceito de cultura, é somente nos anos 80 que essa abor-
dagem vai ganhar corpo e fama.10 Grande parte do interesse pelo tema se deve
ao fato de muitos administradores começarem a perceber que, após operar todo
tipo de mudança em suas empresas, não tinham feito o suficiente, ainda era ne-
cessário mudar os valores comuns e as crenças dos grupos para que os resultados
positivos surgissem.
Para Schein,11 o conceito de cultura é estruturalmente complexo e envolve
um grande conjunto de pressupostos e crenças, que definem como os membros
de um grupo veem suas relações internas e externas. Tendo esse grupo uma his-
tória compartilhada, esses pressupostos, alinhados entre si, gerarão paradigmas
comportamentais de alta ordem sobre a natureza do espaço, realidade, tempo,
pessoas e relações.
Segundo o autor, o conceito de cultura pode ser mais bem compreendido se
decomposto em três níveis: o nível dos artefatos visíveis, o nível dos valores que
governam o comportamento das pessoas e o nível dos pressupostos inconscien-
tes.12 A cultura, para Schein, afeta todos os aspectos da organização: estrutura,
estratégia, processos e sistemas de controle.

9
  JACQUES, E. Intervention et changement dans I’entreprise. Paris: Dunod, 1972, 300 p. A edição
original, inglesa, é do início da década de 50 e narra um caso de intervenção cultural e social numa
empresa industrial operada por uma equipe do Instituto Tavistock.
  Ver CULRURING Change. The Economist, Londres, v. 316, n. 7.662, p. 65, 7 July 1990; e DU-
10

MAINE, B. Creating a new company culture. Fortune, New York, v. 121, n. 2, p. 55-58, Jan. 15 1990.
11
  SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1988, 358 p.
12
  Os dois primeiros representam os valores manifestos de cultura, enquanto o nível dos pressu-
postos inconscientes seria a própria cultura. Hofstede observa uma divisão análoga à de Schein,
em valores e práticas. As práticas são manifestações da cultura, traduzidas em símbolos, heróis e
rituais, enquanto a essência da cultura é formada por valores, no sentido de sentimentos amplos
e gerais sobre bom e ruim, belo e feio, normal e anormal, racional e irracional, sentimentos que
geralmente são inconscientes e que não podem ser observados, mas estão manifestos em comporta-
mentos. Ver HOFSTEDE et al. Measuring organizational cultures: a qualitative and quantitative study
across twenty cases. Administrative Science Quarterly, v. 35, June 1990. Thévenet desenvolve o con-
ceito de Schein, afirmando que a cultura é um processo contínuo de aprendizagem, em contraposição
a alguma coisa que possa ser mudada ou criada. Ver THÉVENET, Maurice. A cultura de empresa hoje
em dia. Revista de Administração da USP, v. 26, n. 2, abr./jun. 1991.

5577.indb 289 20/06/2011 15:52:05


290  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

A apropriação do conceito de cultura por consultores e teóricos organiza-


cionais é permeada por ambiguidades, paradoxos e polêmicas.13 Uma delas é a
discussão sobre a possibilidade ou não de mudar a cultura de uma organização.
Muitos defensores dessa ideia advogam não só que é possível mudar uma cultu-
ra, mas também que isso pode ser feito de forma planejada.14 Mesmo entre eles,
porém, existe consenso de que não se trata de uma tarefa fácil.
A literatura gerencialista tem sido pródiga em divulgar casos de sucesso en-
volvendo mudança cultural e não se pode negar que muitas organizações têm
tido eficácia nesse tipo de autotransformação. Dois fatos, contudo, não devem
ser esquecidos: primeiro, que a divulgação da mudança é em si uma peça de
afirmação do próprio processo, apoiando sua legitimação; segundo, que a maio-
ria desses processos é representativa da superação do modelo de administração
taylorista-fordista, envolvida num movimento maior de macromudanças. Assim,
um processo de mudança cultural planejada poderia ser mais bem denominado
de interiorização e agilização de macrotendências ambientais.
Para Sathe,15 uma mudança profunda somente ocorre quando as pessoas per-
cebem que seus pressupostos não são mais validados pela realidade. O processo
é normalmente doloroso e pode incluir doses não homeopáticas de ansiedade,
culpa e perda da autoconfiança.
Pessoas que não aceitam novos padrões devem ser removidas para evitar
racionalizações inapropriadas sobre o processo. Existe nesse procedimento um
duplo efeito positivo: primeiro, uma limpeza ideológica;16 segundo, a inibição
natural, entre os que ficam, em exibir as mesmas racionalizações inapropriadas.
Todo esse processo, segundo Sathe, ajudaria a constituir o comprometimento
necessário para a mudança.

13
  Fitzgerald, por exemplo, condena essa apropriação. Para ele, enquanto consultores e acadê-
micos de linha gerencialista passam a usar a cultura como prática para melhorar organizações, os
etnologistas, em cujo campo o conceito surgiu, já superaram o método e a tradição colonialista
associada à forma prática de análise na qual o conceito encontrou tradução. Ver FITZGERALD, T.
H. Can change in organizational culture really be managed? Organizational Dynamics, New York,
v. 17, p. 4-15, Autumn 1988.
14
  Kilmann, entre outros, propõe uma metodologia estruturada para mudança de cultura. Ver
KILMANN, R. H. Gerenciando sem recorrer a soluções paliativas: um programa totalmente integrado
para criar e manter o sucesso organizacional. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1991, 256 p. Outro au-
tor que segue essa linha é Thévenet. Ver THÉVENET, M. Cultura de empresa: auditoria e mudança.
Lisboa: Monitor, 1990.
15
  Apud FREITAS, M. E. Cultura organizacional: grandes temas em debate. 1989. 214 p. Disser-
tação (Mestrado) – EAESP, FGV, São Paulo. Ver Capítulo 8 – Mudança cultural, no qual a autora
mostra as várias correntes de pensamento sobre a operacionalização de mudanças culturais nas
organizações.
  Alguns autores, mesmo não identificados com a linha do humanismo-radical, têm condenado
16

essa postura. O argumento é de que a pluralidade de culturas seria aceitável e até útil. Com um
monoteísmo cultural, a organização criaria um círculo de autorreferência e excessiva autoestima
difícil de romper, inibindo críticas necessárias a quebras de paradigmas e avanços.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  291

Um complemento institucional necessário é a mudança do sistema normati-


vo, através de novos padrões implícitos ou explícitos de recompensa e punição.
Nas organizações neotayloristas, a lealdade e o comprometimento com os novos
valores devem ser constantemente reafirmados e atualizados. Nesse contexto,
os funcionários passam de reprodutores passivos da cultura a agentes ativos de
transformação17 de valores.
Deal e Kennedy18 acreditam que mudar tornou-se a tal ponto um modo de
vida para as organizações que elas não mudam mais para adequar-se ao ambiente,
mas simplesmente porque se espera que elas mudem. Os autores consideram que,
em geral, subestima-se o tempo necessário para operar mudanças organizacionais
por não se levar em conta os laços das pessoas com os elementos culturais – he-
róis, lendas, valores, rituais cotidianos etc. Ao mesmo tempo em que se constitui
num componente que age a favor da inércia, a cultura protege a organização dos
modismos e flutuações de curto termo.
Os autores acreditam que a mudança é necessária quando ocorrem grandes
perturbações ambientais e mudar torna-se uma questão de sobrevivência. Os fa-
tores de sucesso necessários à mudança seriam os seguintes: reconhecimento da
importância de se ter consenso sobre a necessidade de mudança; comunicação
clara dos objetivos e das alterações a serem implementadas; esforço especial no
treinamento; dar tempo ao tempo e encorajar a ideia de mudança como fator de
adequação ao meio.
Embora admitam que cultura organizacional ainda seja uma caixa-preta,
Deal e Kennedy acreditam que intervenções de sucesso possam ser realizadas,
desde que haja sensibilidade suficiente para com os atributos-chaves culturais.
Kanter19 considera que as mudanças culturais devem basear-se nos pontos for-
tes e tradições da empresa. Para a autora, não há alquimia possível, apenas um
enorme esforço para direcionar algumas inovações que sejam adequadas ao estágio
de vida e ao momento da organização.20 Dessa forma, a arquitetura da mudança
requer profunda avaliação do passado da empresa e a verificação da existência de
relações de confiança e cooperação que suportem o processo. É preciso desvendar
a superfície dos fatos e reescrever a história oficial do grupo.
Para Kanter, os grandes elementos da mudança são os seguintes: usar a tra-
dição como ponto de partida; criar ou utilizar eventos catalisadores; tomar de-

  Essa atitude transformadora tem seus limites definidos pelos interesses corporativos, validados
17

pela leitura da realidade de mercado e dos imperativos do sistema concorrencial.


  DEAL, T. E.; KENNEDY, A. A. Corporate culture: the rites and rituals of corporate life. New York:
18

Addison-Wesley, 1988, 232 p.


19
  KANTER, R. M. The change masters. New York: Touchstone Book, 1984, 432 p.
20
  Want propõe um “gerenciamento do ciclo de mudança’’. O autor criou um modelo que relacio-
na o estágio de vida da organização com tipos de mudança possíveis e suas características. WANT,
J. M. Managing change in a turbulent business climate. Management Review, New York, v. 79,
n. 11, p. 38-41, Nov. 1990.

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292  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

cisões e cursos estratégicos de ação e utilizar “campeões’’ como veículos de ação


para a mudança.
Além de técnicas e racionalidade, as organizações devem utilizar intuição,
arte e símbolos para a mudança. Esta se dá por um canal paralelo ao do dia a dia
da organização. Todas as ferramentas intelectuais, culturais e conceituais são ne-
cessárias. Os “campeões’’ devem operar tanto no nível simbólico como no prático
e ser capazes de mobilizar seus pares em torno do desconhecido. Enfim, mudança
requer imaginação.

Paradigmas como filtros: a dificuldade em mudar


Em grande parte do tempo, as mudanças ocorrem de forma incremental nas
organizações. Decisões de alterações são tomadas sucessivamente, em decorrên-
cia de eventos externos e internos. Esse modelo decisório é adequado à necessida-
de de perenidade e harmonia dos membros das organizações; eles intermedeiam,
através de modelos interpretativos, suas relações com a complexidade ambiental.
A evolução incremental é gerenciada consciente e racionalmente pelos líderes,
como forma de lidar com as incertezas do ambiente.
Segundo Johnson,21 evidências empíricas demonstram que as decisões ge-
renciais referentes às mudanças são tomadas dentro de um contexto político-
social, tendo a experiência gerencial como filtro de estímulos internos e exter-
nos. O ambiente, por si só, não provoca mudanças dentro da organização. São
as pessoas que criam novos rumos e cursos estratégicos e os criam através de
paradigmas.22
Mudanças ambientais nem sempre são percebidas pela organização. O con-
trário também pode ocorrer: a organização superestimar uma mudança ambien-
tal e originar uma mudança interna. Para Johnson, o gerenciamento estratégico
pode ser visto como uma resposta da organização, ao longo do tempo, a um
ambiente de negócios que é, em essência, internamente construído. Como a ação
gerencial é mediada por paradigmas, dificuldades podem surgir quando as mu-
danças ambientais não estão alinhadas com os padrões culturais, sociais e polí-
ticos da organização. Em outras palavras, mudanças ambientais radicais podem
exigir mudanças nos valores mais profundos da organização, de forma que o
velho paradigma dê origem a um novo capaz de dotar a organização de novos
padrões interpretativos e nova capacidade de resposta.

  JOHNSON, G. Managing strategic change – strategy, culture and action. Long Range Planning,
21

Grã-Bretanha, v. 25, n. 1, p. 28-36, 1992.


22
  Paradigmas, nesse sentido, são mecanismos cognitivos, um conjunto de pressupostos e crenças
intimamente ligados à realidade organizacional e normalmente aceitos, que moldam a visão da
organização sobre suas relações internas e com o ambiente. Pode-se dizer, dessa forma, que para-
digmas atuam como filtros da realidade.

5577.indb 292 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  293

Entretanto, isso não é o que normalmente ocorre. Os líderes geralmente não


gostam de lidar com a ambiguidade e o desconhecido. Assim, tentarão lidar com
situações, por vezes inteiramente novas, procurando usar um instrumental antigo
e conhecido. A consequência prática é que a posição da organização vai-se tor-
nando cada vez menos alinhada com o meio ambiente, resultando numa afetação
da performance. Quando o desvio é notado, a organização entra num período de
flutuação, uma busca de soluções conhecidas para problemas nem sempre co-
nhecidos, o que resulta em falta de direção clara. Finalmente, ocorre a quebra de
paradigma e uma mudança radical tem lugar.

A PRÁTICA DA TEORIA
Nesta seção, a história recente da Rhodia Farma será reconstituída a partir
dos depoimentos coletados nas entrevistas. Para enriquecer a narrativa, os depoi-
mentos foram inseridos no texto.23

A corporação
A Rhodia S.A., subsidiária do grupo francês Rhône-Poulenc, tem sua história
no Brasil marcada por seu primeiro produto: o folclórico lança-perfumes, impor-
tado no início do século e fabricado até a década de 60, quando foi proibido pelo
presidente Jânio Quadros.
Na década de 1990, a empresa tornou-se o primeiro grupo privado do setor
químico no Brasil, com um faturamento anual próximo do patamar de um bilhão
de dólares. Suas atividades abrangiam cinco setores: fibras e polímeros, agroquí-
mica, especialidades químicas, intermediários orgânicos e minerais e saúde – que
incluía a Rhodia Farma. A empresa está organizada na forma matricial e em uni-
dades de negócio (SBUs).
Após sucessivos programas de reestruturação, o quadro de funcionários caiu
de cerca de 14.000 (em 1989) para cerca de 9.000 (em 1993). Essa redução foi ob-
tida por meio de um redimensionamento estratégico – com a venda de alguns ne-
gócios –, programas de terceirização e planos de demissão voluntária e orientada.

O Prhoex
A compreensão dos eventos posteriores ao chamado colapso industrial de
1991 na Rhodia Farma só é possível se considerarmos a forte influência do Prho-

23
  Foram entrevistadas as seguintes pessoas: Paulella, diretor geral; Barella, diretor industrial;
Tosta, gerente de relações industriais; Darienzo, gerente de produção; Donaldo, farmacêutico res-
ponsável; Daniel, gerente de qualidade farmacêutica; Edwin, Gilmar e Kerginaldo, chefes de depar-
tamento/área; Delma, Reny e Nivaldo, supervisores; e Arnóbio, Borgo, Ricardo e Almir, operadores.

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294  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

ex – Processo Rhodia de Excelência – sobre a corporação. O processo teve início


em 1986 e foi, desde pelo menos 1990, fortemente influenciado pela abordagem
da cultura organizacional.
Irradiado a partir de uma área corporativa central, que conta com cerca de
dez funcionários, o processo se propaga pela organização através de uma rede
formal de coordenadores e multiplicadores e por uma rede informal crescente
de simpatizantes e praticantes. É interessante notar a penetração heterogênea do
processo: hoje coexistem na empresa desde áreas que o adotam e praticam – como
a Rhodia Farma – até setores ou grupos que ainda estão na fase de assimilação e
adoção do discurso.24
Um importante pressuposto do Prhoex é a crença na capacidade de operação
de processos planejados de mudança e na possibilidade de intervenção cultural.
Embora seja possível detectar uma herança da abordagem sociotécnica e do de-
senvolvimento organizacional, a maior influência conceitual do processo advém
da produção gerencialista americana, das ideias ligadas ao movimento da quali-
dade total e da visão sistêmica da organização. Também são importantes alguns
autores ligados à metáfora da cultura organizacional, como Edgar Schein, Teren-
ce Deal, Alan Kennedy e Ralph Kilmann.
Operacionalmente, o processo busca realizar seus objetivos – “aumento da
satisfação dos clientes’’ e “recuperação da rentabilidade’’ – através de uma espiral
movimentada por três vetores: cultura e liderança, conceitos e novas formas de
trabalhar.25
Em termos gerais, o Prhoex pretende ser um instrumento de modernização
do estilo gerencial, buscando continuamente ideias e conceitos e traduzindo-os
em práticas no interior da empresa.

24
  Extremamente significativo, mas não surpreendente, pois já se constituiu num padrão em mui-
tas organizações, é o conflito – explícito ou implícito – com a área de Recursos Humanos. Visto por
alguns autores como simples disputa de território e zona de influência, esse conflito significa uma
importante barreira ao avanço dos processos de transformação. Para uma discussão mais apro-
fundada do tema ver STOREY, J. Developments in the management of human resources. Londres:
Blackwell, 1992.
25
  Cultura e liderança: incluem a criação de instrumentos de recursos humanos compatíveis com
os novos conceitos de trabalho, a prática de um novo estilo de liderança – participativo – e a mu-
dança cultural – que poderia ser de forma simples definida pelo abandono do modelo tradicional
taylorista-fordista em favor da adoção de práticas próximas da flexibilidade criativa dos japoneses
e suecos. Grande foco é dado ao trabalho participativo, à comunicação e transparência, ao rompi-
mento de barreiras estruturais e à valorização dos grupos. Conceitos: inclui formação conceitual
dos funcionários e utiliza como ferramenta a divulgação de casos de sucesso. Novas formas de tra-
balhar: abrange o sistema de planejamento integrado, os sistemas de medição, o uso de ferramentas
estatísticas e metodologias estruturadas para tomada de decisão, a reorganização do trabalho, o
sistema e as ações junto aos clientes.

5577.indb 294 20/06/2011 15:52:05


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  295

O setor farmacêutico no Brasil


A indústria farmacêutica no Brasil caracteriza-se por uma forte concorrência
e um mercado pulverizado. O setor sofre alto grau de regulamentação – por parte
do governo e seus órgãos de controle –, devido à própria natureza da atividade.
Segundo o gerente industrial Barella: “Nós não produzimos um produto, nós pro-
duzimos um bem social.’’ Essa característica soma-se a uma outra, que é a obses-
são pela qualidade, tomada no sentido restrito do termo.26
Além disso, no Brasil, o setor sofreu, durante muito tempo, controle rigoroso
de preços, o que afetou fortemente sua rentabilidade.
Outra característica da indústria é a participação percentual relativamente
pequena dos custos industriais no custo total. Um reflexo disso é um nível menor
– em comparação com outros negócios – de controle sobre custos de produção.
Enquanto em outras indústrias a atenção aos aspectos produção e engenharia de
processos é fundamental, na indústria farmacêutica os pontos essenciais são a
Pesquisa e Desenvolvimento, o Marketing e Vendas.
O setor é altamente centrado em si mesmo, havendo pouca interação com
outras indústrias. Isso ocorria na Rhodia Farma, apesar de sua existência no seio
de uma corporação com atividades têxteis e químicas, com as quais poderia tro-
car experiências gerenciais, administrativas ou mesmo tecnológicas.
Os processos de fabricação são caracterizados por ciclos longos, produção
essencialmente em batchs – o que a aproxima de operações seriadas –, grande
diversidade de produtos e baixa flexibilidade operacional, motivada pela neces-
sidade de controle e pela característica física das unidades, com compartimen-
tos isolados.

A Rhodia Farma – unidade Santo Amaro


A atividade farmacêutica da Rhodia no Brasil data da década de 30, quando
foi implantada uma linha de produção na fábrica de Santo André. A unidade
estudada, em Santo Amaro, é hoje um dois locais de produção farmacêutica da
empresa.27 Originalmente, a unidade pertencia à Upjohn, tendo sido incorpo-
rada em 1986, num processo de absorção iniciado naquele ano e completado
em 1990.

  Não se trata aqui do conceito de qualidade mais amplo, como vem sendo adotado desde a
26

década de 80 – com os conceitos de TQM, por exemplo –, mas de um grande rigor com o controle
do produto final, característico de uma abordagem que marcou o movimento da qualidade em seu
princípio, na década de 40, e que é hoje considerado conceitualmente superado.
  Existe uma pequena unidade na fábrica do Cabo, em Pernambuco, cuja produção deverá ser
27

assimilada por Santo Amaro em 1994.

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296  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Seu volume de produção é de cerca de 50 milhões de unidades/ano e inclui


as principais fórmulas galênicas clássicas: comprimidos, cápsulas, drágeas, inje-
táveis, liofilizados e líquidos. São 40 produtos e 114 diferentes apresentações. A
empresa ocupa hoje o décimo lugar no ranking do setor, com um faturamento
bruto que se aproxima de 130 milhões de dólares e uma participação de mercado
ao redor de 3%.
O efetivo é de cerca de 600 pessoas, a maior parte alocada na divisão industrial
– 340 pessoas. O quadro técnico é considerado de bom nível e experiente. As insta-
lações são de porte – escala internacional – e a tecnologia é considerada razoável.

Antecedentes: da fusão industrial ao colapso de 1991


No quadro de adequação estratégica operado na Rhodia, na década de 80,
decidiu-se pela compra da unidade da Upjohn. O projeto previa a fusão adminis-
trativa e industrial, com a transferência das linhas de produção da unidade Santo
André para Santo Amaro. Esperava-se, com isso, gerar ganhos de escala e siner-
gia. Entretanto, a operacionalização do projeto revelou-se mais complicada que o
previsto. A partir dos depoimentos, tanto de funcionários vindos de Santo André
como de Santo Amaro, pode-se ter uma ideia clara dos problemas enfrentados
nessa difícil transição.
“Depois da fusão: fusão e confusão. (...) Houve a necessidade de fazer uma con-
centração industrial, trazer a nossa fábrica de Santo André para cá, todos os fun-
cionários, equipamentos (...) complicado (...) chegamos a uma situação totalmente
caótica, nós tínhamos venda e não tínhamos produtos’’, afirma Gilmar, chefe de
departamento/área.
Segundo o farmacêutico responsável Donaldo, “teve uma fase que foi um tur-
bilhão, houve muita troca de chefias, a estrutura mudava praticamente todo mês’’.
Significativamente, todos os depoimentos coletados definiram o problema
maior como um choque de culturas: a cultura Rhodia (francesa) versus a cultura
Upjohn (americana). “Não houve respeito por essa diferença de culturas, nem de
uma parte, nem de outra’’, declara Daniel, gerente de qualidade farmacêutica.
As diferentes práticas tecnológicas e estilos gerenciais provocaram o surgi-
mento de uma série de conflitos interpessoais e intergrupais, conforme o depoi-
mento do gerente de Relações Industriais Tosta: “(Os anos de 90 e 91) foram
muito dramáticos aqui na Rhodia (...) Vários fatores levaram a uma desagregação
empresarial, uma desestruturação, principalmente em nível tecnológico, em nível
de indústria (...) Chegou um momento em que as pessoas não tinham o controle do
processo, nem mais o conhecimento do processo de produção. Por outro lado, era
uma época difícil para a Rhodia como um todo, uma época em que a Rhodia estava
passando pelos grandes questionamentos estruturais, e nós não deixávamos de pas-
sar por isso também.’’

5577.indb 296 20/06/2011 15:52:06


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  297

No primeiro momento da fusão, muitas pessoas deixaram a empresa, tanto


da Rhodia quanto da Upjohn, principalmente após o “Plano Rhodia’’.28 Os méto-
dos de trabalho eram diferentes nas duas fábricas, assim como a tecnologia. Com
o alto turnover e treinamento insuficiente, a mão de obra restante não estava
qualificada para operar os equipamentos.
Muitos entrevistados mencionaram que a administração de pessoal era “terro-
rista’’, de “chicote’’, e “não havia comprometimento’’ com os empregados. O líder29
era “ausente’’ e “só repreendia’’. “Outro problema grave aqui era o dos salários (...)
As pessoas eram tratadas como gado. Deu uma baixa no mercado, mandavam 30
embora. Subiu um pouco, contratavam mais 30. Por quê? O trabalho não era espe-
cializado, e o indivíduo se sentia assim também, aqui era sempre algo temporário
(...) A segmentação das funções faz com que o trabalho seja pouco nobre’’, comple-
menta Barella.
A organização da empresa era considerada “caótica’’, uma “confusão”. Devi-
do à estrutura extremamente compartimentada, havia metas divergentes e grande
dispersão de esforços. “O controle de qualidade era controle de qualidade; manuten-
ção, manutenção; ninguém ajudava ninguém (...) O ‘departamentalismo’ era muito
grande’’, afirma Edwin, chefe de departamento/área.
Numa tentativa de contornar as dificuldades, a Rhodia chegou a contratar
uma empresa de consultoria. O foco de trabalho, porém, foi o estabelecimento de
normas e procedimentos, com ênfase no controle. A ação da equipe de consulto-
res foi vista de forma bem crítica pelos entrevistados. Segundo o atual gerente de
produção Darienzo: “... eles fizeram um trabalho péssimo. É uma consultoria que
não tem conceitos modernos de gerenciamento, de administração. São tayloristas.
Eles vêm aqui e acham que uma prancheta, um cronômetro e um chicote fazem a
produção sair, e bem-feito (...) Tinham relatórios a que não tínhamos acesso (...)
Passavam na fábrica não para ajudar o pessoal a melhorar, mas para captar onde
estavam as coisas para entregar à diretoria, para queimar as pessoas’’.
Nesse cenário, a crise relacionada ao recall não chegou a ser surpreendente,
pois foi, segundo Barella, “o ponto culminante de um processo de desestruturação
(...) Tudo isso causava uma pressão muito forte (...) Tudo isso (gerava) círculos
viciosos: o sujeito ganha pouco porque trabalha mal, trabalha mal porque ganha
pouco. O sujeito não pára a máquina por que não produz, não produz porque a
máquina quebra (...) Perdia-se dinheiro; o produto que você vendia era mais barato
que o custo da produção’’.
Em 1991, a crise agravou-se com o aumento dos pedidos de produção não
atendidos (subordens), o nível de estoque altíssimo, prejuízos e conflitos, tanto
na divisão industrial como entre esta e outras áreas. Todo esse processo gerou
vários incidentes, culminando com o recall.

28
  Plano de demissão voluntária, incluindo um “pacote’’ de benefícios.
29
  Na Rhodia, os gerentes, chefes e supervisores são comumente chamados de líderes.

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298  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Um marco na crise: o recall de produto


Em outubro de 1991, uma farmácia do Rio de Janeiro descobriu uma caixa de
medicamentos com problemas: a embalagem de um medicamento continha car-
tuchos de outro. Recebida a informação, os controles de estoque e expedição não
foram suficientes para, de imediato, permitir a identificação da fonte do problema
ou mesmo sua extensão. A direção da empresa optou, então, pelo recall, ampla-
mente divulgado através da imprensa e meios de comunicação e com sérias impli-
cações em termos de imagem da empresa perante os clientes, órgãos do governo,
classe média e mesmo público interno. Uma investigação posterior constatou que,
no total, 18 cartuchos haviam sido trocados.
Apesar da consciência de que problemas estruturais já existissem antes do
recall, o evento sinalizou a gravidade da situação. Nesse momento, a corpora-
ção já havia iniciado mudanças profundas nas lideranças da Rhodia Farma. Foi
nomeado um interventor, pessoa de confiança da direção da empresa, que per-
maneceu na divisão industrial de novembro de 1991 a março de 1992. Também
houve substituições na equipe gerencial – gerente geral, gerente industrial e
gerente de produção.
O diretor geral Paulella comenta que “no primeiro momento tinha o aspecto
de mudança total. Nós tivemos um período transitório, com uma intervenção (...)
Demorou alguns meses até o próprio pessoal dizer (ao interventor) você tem que ir
embora, a gente (o grupo) tem que trabalhar junto’’.
Foi unânime entre os entrevistados a importância dada à vinda dessas pes-
soas – mais alinhadas com as novas práticas gerenciais defendidas pelo Prhoex
– para o sucesso do processo de mudança. “As pessoas que vieram, vieram com
filosofia totalmente oposta daquilo que se tinha anteriormente, filosofia de tra-
balho, principalmente. Muito mais participação. A anterior não deixava que as
pessoas participassem, não aceitavam as colaborações (...) era aquela chefia que
ameaça’’, declara Donaldo.
A recuperação, após o período da intervenção, pode ser dividida em duas
fases: a primeira, de março de 1992 até o início de 1993, caracterizada por forte
recuperação da performance; a segunda, iniciada em 1993 e caracterizada pela
implementação da metodologia de planejamento integrado, que busca um novo
salto na performance.

A primeira fase de recuperação: quebrando o círculo vicioso


A primeira fase de recuperação foi marcada pela definição de objetivos es-
tratégicos simples e claros. Eles foram divulgados para a divisão industrial em
reuniões com todas as lideranças: garantir a qualidade dos produtos; recuperar

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  299

a credibilidade junto aos clientes internos e externos; participar da recuperação


da rentabilidade da empresa através da redução de custos operacionais, melhoria
da qualidade, melhoria da segurança, aumento da produtividade e terminar com
o “achismo’’.
A reestruturação da divisão industrial envolveu esforços para resolver os pro-
blemas que haviam levado à situação de crise. O início do trabalho foi assim
definido pelos novos líderes: “A primeira coisa foi montar uma equipe ... então
começa o trabalho de reconstrução (...) Tínhamos objetivos. Primeiro, acabar com
o ‘achismo’, através de estudos aprofundados (...) Recuperar a credibilidade (...)
a meta foi eliminar subordens (...) era eficácia com eficiência mínima (...) vamos
fazer produto, transformar o círculo vicioso em círculo virtuoso (...) restabelecer a
organização (...) Criamos uma gestão industrial, uma área de custos, uma área de
desenvolvimento de qualidade (...) Primeiro você cria uma cultura Rhodia Farma.
Vamos pegar o que é bom da Rhodia e o que é bom da Upjohn. Vamos fazer uma
mistura disso’’, declara Barella.
“A departamentalização na área da Farma era assustadora ... Não existiam reu-
niões para discutir (...) cada departamento tinha os seus objetivos (...) isso era grave
(...) O nosso trabalho era tentar organizar, tentar quebrar a departamentalização
(...) tentar discutir os problemas com todos’’, complementa Darienzo.
Essa fase caracteriza-se por uma reorganização geral. A estrutura muda e o
novo desenho organizacional vai possibilitar maior fluidez na comunicação e na
tomada de decisões. Novos departamentos são criados e a equipe de consultoria
externa é afastada. Como parte da estratégia de mudanças, um nível hierárquico
é eliminado: o último nível de supervisão. Com isso, ocorre uma redefinição de
responsabilidades nas áreas operacionais. De outro lado, em função do objetivo
de integração no ambiente de trabalho e redução de conflitos, certo número de
funcionários é afastado.
No geral, bons resultados foram alcançados. O nível de subordens caiu signi-
ficativamente e os conflitos internos diminuíram, como confirma Tosta: “O rela-
cionamento interno melhorou sensivelmente (...) com isso (também) a forte depar-
tamentalização que havia até o início de 92.’’
Porém, tomou-se consciência de que os custos não estavam melhorando e que
muitos problemas estavam sendo tratados de forma imprópria. Diagnosticou-se
a necessidade de implementação de um programa de qualidade, dando especial
ênfase para a disseminação de uma visão sistêmica da organização.

A segunda fase de recuperação: mudança planejada

A segunda fase caracteriza-se por uma mudança estratégica. Um dos eventos


mais importantes nessa fase foi o “Workshop da Qualidade’’, que envolveu o pri-

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300  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

o conceito: desdobrar, através de um sistema estruturado de planejamento, a visão, as prioridades e a


estratégia do negócio em todos os níveis da organização, de forma interativa e participativa.

os quatro princípios:
 foco: alinhamento dos esforços, recursos e pessoas para
tratamento dos pontos vitais.
   catchball: processo interativo de negociação das metas, nível
a nível.
   medição: avaliação permanente da evolução da performance.
    “desdepartamentalização” implementação de times multidepartamentais, em
ambiente participativo.
o desdobramento:

O PAQT: Plano de Ação para a Qualidade Total

a implementação:

workshop da qualidade: durante dois dias, o primeiro nível da divisão industrial – o comitê – reuniu-
se para definir visão de futuro, missão e bases da competitividade (custo, prazo de atendimento e
qualidade). Daí surgiram 30 metas, das quais seis foram priorizadas.
desdobramento das metas: em curto prazo, cada líder do comitê reuniu-se com sua equipe e desdo-
brou as seis metas em seu respectivo departamento. Ao final, as 270 metas geradas retornaram ao
comitê, que as aglutinou e priorizou, resultando daí catorze projetos de melhoramento.
formação dos times: foram então formados 14 times multidepartamentais. Cada líder foi designado e
treinado em técnicas de grupo e escolheu os demais membros com base no envolvimento com o
assunto a ser tratado.
processo de melhoria contínua: os grupos seguiram uma metodologia estruturada em oito etapas,
incluindo definição do problema, levantamento de dados, priorização de ações e encontros de ava-
liação.
painéis de melhoria: foram promovidas apresentações dos trabalhos para divulgar e alavancar o pro-
cesso. O efetivo total da divisão industrial participou.
perenidade do trabalho e extinção dos grupos: os grupos desaparecem após atingir sua meta (o pra-
zo máximo é um ano). Em média, duram seis meses. A implementação e consolidação dos ganhos
deve ser garantida.

Figura 14.1 A busca de novo patamar de performance: A implementação do “Plano de


Ação para a Qualidade Total’’ na divisão industrial (policy deployment).

5577.indb 300 20/06/2011 15:52:06


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  301

meiro nível hierárquico da divisão industrial. “O workshop foi um grande cami-


nho para alcançar as metas (...) A forma como foi feito enriqueceu o trabalho“,
afirma Gilmar.
O objetivo principal era conseguir consenso e comprometimento em torno de
um plano de ação para 1993. Esse plano foi denominado PAQT (Plano de Ação
para a Qualidade Total – ver Figura 14.1) e definido como o “plano operacional
de implantação do Prhoex em Santo Amaro’’. Envolveu a aplicação de várias
ferramentas, metodologias e sistemas, como o planejamento integrado, os times
de projetos multifuncionais, o autocontrole do ciclo de produção (apoiado por
kanban), o treinamento de pessoal, o desenvolvimento de fornecedores etc.
Barella conta que “o PAQT foi uma segunda fase (...) Gerenciar crise é total-
mente diferente de gerenciar melhoria contínua (...) O PAQT vai ser em março de 93
(...) Entre maio e setembro (de 92) uma série de coisas foram feitas, melhoramos
o nível das pessoas, trocamos gente, contratamos gente de fora (...) Aí você muda a
ferramenta (...) muda o estilo de gerenciamento’’.
Há, nessa fase, uma grande ênfase em treinamento e na adequação do perfil
das pessoas à nova estratégia, como afirma Edwin: “O que melhorou foi o treina-
mento. O que temos de horas de treinamento é fora de série.’’
O chefe de departamento Kerginaldo reforça essa opinião: “Nós implan-
tamos um programa muito forte de treinamento, de conscientização de GMP,30
de segurança também (...) foi muito bom o índice que atingimos com relação ao
treinamento.’’
“Eu tinha 80% do efetivo com primeiro grau incompleto (...) Fizemos uma esco-
la interna para o pessoal’’, complementa Barella.
Conseguiu-se uma melhora efetiva do ambiente de trabalho, com ampla
participação e troca de ideias. Segundo o gerente de Relações Industriais Tosta:
“Existe hoje uma forte credibilidade nesse relacionamento. É um relacionamento
líder-liderado muito transparente em todos os níveis (...) Hoje as pessoas discutem
pelos corredores (...) sem receio de que uma punição vai ocorrer por isso.’’
A supervisão deixou de ser cerrada. Foram organizados grupos de trabalho
para melhoria da qualidade e processo (ver Quadros 14.1 e 14.2) e começaram a
surgir equipes de trabalho semiautônomas (ver Quadro 14.3).
Segundo o supervisor Nivaldo, “numa troca de 240 ml para 80 ml, na mesma
linha, demoravam-se oito horas. Hoje, demoram-se três. Antes era um só que troca-
va, hoje é a equipe inteira. É uma mudança de cultura intensa’’.

30
  Good Manufacturing Pratices, ou Boas Práticas de Manufatura: conjunto de normas que garan-
te, teoricamente, condições adequadas de segurança, higiene e qualidade nas indústrias farma-
cêuticas.

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302  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 14.1  A ação de um grupo contra a “burocracia’’.

    Na indústria farmacêutica, cada lote fabricado deve ser acompanhado por um dossiê
que registra todas as condições de trabalho e os parâmetros de qualidade. Seu preenchi-
mento ocupa boa parte do tempo do pessoal de fábrica.
    A meta do time – formado por duas secretárias, um engenheiro, duas farmacêuticas e
uma supervisora – era simplificar o documento, sem perda da qualidade da informação.
    O grupo utilizou fluxogramas para analisar a necessidade e importância dos procedi-
mentos e enfrentou a “cultura das normas imutáveis’’ vencendo a própria inibição de negociar
mudanças com líderes de nível hierárquico mais alto.
  “... nós fomos direto ao operador, ver o que ele fazia, como ele fazia, se era necessário
(...) existiam partes que não eram necessárias, mesmo legalmente (...) No início houve al-
guns atritos (...) Hoje é totalmente diferente, nós incluímos partes legais, parte de GMP (Good
Manufacturing Practices) e a parte prática (...) Nós conseguimos satisfazer os três’’, afirmava
a supervisora Delma.
    A proposta aprovada resulta numa redução anual de 32.000 cópias xerox e 450.000
assinaturas, para um único produto. A qualidade do dossiê melhorou e os funcionários ga-
nharam precioso tempo para atividades mais nobres.

“Sempre imperou o trabalho individual, não o trabalho de equipe, e aqui a filo-


sofia é o trabalho de equipe (...) O trabalhador contente e integrado produz melhor
(...) A nova filosofia é você ter um aliado atrás de cada equipamento. O operador
tem muito poder atrás de uma máquina (...) ele tem esse poder e ninguém tira dele.
Não adianta chicote na mão que não vai resolver o problema. O administrador está
sentado na cadeira dele e ele não tem muito controle sobre isso’’, afirma o super-
visor Reny.
Além das mudanças no ambiente de trabalho, várias mudanças no quotidia-
no do empregado ocorreram, muitas em resposta a suas próprias demandas como
modificações nos serviços de transporte e alimentação, atendimento dentário no
local de trabalho e melhoria do sistema de comunicação.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  303

Quadro 14.2  O trabalho para flexibilização da linha de produção.

    A linha de produção de injetáveis só podia mudar de produto duas vezes por semana,
mas a fabricação de lotes grandes era incompatível com as flutuações de demanda e gerava
problemas de atendimento dos pedidos.
    O grupo, formado por representantes da produção, manutenção, controle de qualidade
e armazém, trabalhou por cinco meses para reduzir o tempo de preparação – set-up – das
máquinas.
    Com ajuda de um diagrama de Pareto, foram descobertos os pontos essenciais a serem
atacados. Após uma série de ensaios e modificações, conseguiu-se atingir um tempo de set-
up três vezes menor que o original.
    No meio do trabalho, o grupo deparou-se com um desafio: “Discutimos a ideia com o
grupo e só seria viável se tivéssemos um conjunto novo de enchimento (...) um mecânico deu
uma ideia excelente ( ...) nós fabricávamos um produto que usava um ferramental que esta-
va encostado (...) ele sabia pela sua experiência que se você regulasse a máquina poderia
compensar a diferença de ferramental (...) fizemos um teste que deu certo’’, declara o chefe
de departamento/área Kerginaldo.
    Os ganhos, seguidos de um treinamento realizado com operadores e mecânicos, permi-
tiram que as duas trocas por semana fossem transformadas em duas trocas por dia, aumen-
tando significativamente a flexibilidade da linha e eliminando os problemas de modulação da
produção.

Perspectivas
Apesar de a divisão industrial ter claramente revertido a situação de crise que
atravessava, a empresa como um todo ainda deve enfrentar alguns problemas e
desafios no futuro próximo.
No final de 1993 foi realizado um “II Workshop da Qualidade’’, envolvendo
um número maior de funcionários que o anterior. O foco desse workshop foi a
consolidação e expansão da implementação em toda a divisão industrial de cé-
lulas autogerenciadas, além de uma segunda fase de implantação de projetos de
melhoramento.
Nessa terceira fase, portanto, passa a ser prioritária a busca da evolução do
modelo de organização do trabalho, como meio de dotar a organização de maior
flexibilidade e capacidade de resposta às mudanças ambientais.

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304  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 14.3  Reorganização do trabalho: as células de manufatura.

    A criação dos times de melhoramento pelo PAQT provocou o surgimento de outros ti-
pos de grupo. Espontaneamente organizaram-se alguns times para a solução de problemas
específicos. Além desses, algumas áreas passaram a apresentar maior grau de autonomia
e capacidade de auto-organização. Esses grupos diferenciam-se dos anteriores por estarem
ligados à estrutura formal e às tarefas de produção do dia a dia.
    Células desse tipo surgiram no armazém e na preparação de injetáveis. No primeiro, o
antigo líder foi naturalmente se afastando do grupo, à medida que este assumia suas fun-
ções. A oficialização do “experimento’’ foi apenas um ato de reconhecimento. Na segunda,
um período de treinamento técnico-operacional foi suficiente para que o grupo passasse a
caminhar independentemente.
    Nos dois casos, os grupos assumiram o controle da divisão das tarefas e das questões
administrativas. Passou a existir também um treinamento informal para aumentar a flexibili-
dade na organização de trabalho.
  “Fazemos uma reunião, um grupo e falamos: a prioridade hoje é aqui, hoje é ali (...)
temos Kanban, então devemos seguir o Kanban, seguir o horário (...) (a parte de hora extra)
Nós decidimos sozinhos (...) se ficamos após o horário ou se compensamos amanhã’’, decla-
ram os operadores Arnóbio e Borgo.
  Eles mesmos assinam “cartão de ponto, controlando as faltas e os abonos. Eles regem
o ritmo de trabalho (...) quando atrasa a matéria-prima, eles mesmos vão atrás (...) onde eles
precisam fazer contato, no controle, nas compras, na expedição, no armazém (...) eles estão
se entendendo muito bem’’, comenta Kerginaldo.
  “Nós não temos um chefe direto (...) temos um facilitador para romper algum obstáculo
(...) agora a responsabilidade é do grupo, quem não fizer, o grupo avalia (...) você se sente
mais responsável para fazer as coisas, você enxerga muito mais coisas’’, afirmam os opera-
dores Almir e Ricardo.
    Além de cuidar do dia a dia, os grupos também passaram a realizar ações de melho-
ramento. No armazém, após a oficialização do grupo, a qualidade de informação sobre o
estoque, o principal indicador de performance da área teve seu índice elevado de 79% para
96%.
    As duas áreas destacam-se pela organização e house-keeping e estão gerando nas de-
mais uma pressão para criação ou oficialização de novos grupos. Essa pressão coincide com
a estratégia da organização, de transferir poder para os níveis operacionais. A consolidação
e expansão das células é uma das grandes metas para 1994.

CONCLUSÕES
Síntese comentada
No ambiente turbulento das organizações contemporâneas, os movimentos
de mudança não podem ser analisados sob a ótica da causalidade simples e do
determinismo cartesiano. Eles exigem um olhar complexo, compatível com o
emaranhado de relações culturais, de poder, formais e informais existentes nes-
ses sistemas.

5577.indb 304 20/06/2011 15:52:06


Mudança Organizacional na Rhodia Farma  305

Começaremos analisando o contexto gerador do colapso industrial de 1991.


Um primeiro ponto que chama a atenção são as disfunções originadas no pro-
cesso de concentração industrial das linhas de produção de Santo André e Santo
Amaro. Além da dificuldade de juntar operacionalmente diferentes tecnologias,
linhas de produto e procedimentos, surge aqui a difícil tarefa de juntar pessoas
e grupos de diferentes origens. Nesse aspecto, a abordagem cultural é útil para
mostrar como indivíduos, com passado profissional diferente e formas distintas
de conduta, podem chocar-se num novo ambiente de trabalho, se não houver
preparação prévia para o processo de mudança. Nesse sentido, foram significa-
tivos alguns depoimentos sobre segregação, envolvendo tanto operários quanto
líderes. Além de considerações financeiras e estratégicas, o sucesso a longo termo
de aquisições como essa depende da correta administração do processo de com-
binação de diferentes práticas, estilos gerenciais e culturas.31
Outro ponto importante relaciona-se à característica da própria indústria far-
macêutica. Inserida num contexto marcado pela necessidade de controles, ela
os reproduz e amplia internamente no sistema produtivo, na forma de conserva-
dorismo administrativo e apego a normas e regulamentos. É essa inflexibilidade
que, somada às dificuldades da concentração industrial e ao choque cultural,
fechou o ciclo vicioso que levou ao colapso.
Agindo para, involuntariamente, dar coesão a esse ciclo, existe sobre a orga-
nização uma pressão por resultados, exercida num momento delicado de tran-
sição. É importante ressaltar que esse momento é caracterizado por uma inde-
finição quanto à propria identidade da organização, quesito básico para que as
pessoas se situem e consigam direcionar esforços para objetivos predefinidos. Há
de se considerar que essa pressão estava interiorizada em cada membro, dada a
consciência da incapacidade de atingir as metas de produção. Esse vetor de pres-
são atua sobre o ciclo vicioso formado que, como uma bola de neve, gera uma
degradação das relações e da própria performance organizacional, culminando
com o evento do recall de produto.
Esse evento deve ser visto como um marco, como resultante de um processo
maior, em que os atores organizacionais, embora procurando acertar, não con-
seguem superar o ciclo sistêmico que leva ao colapso. Os demais componentes

  Fusões, aquisições e alianças estratégicas tornaram-se extremamente populares nos últimos


31

anos, especialmente pela possibilidade de realização rápida dos planos estratégicos. Infelizmente,
a cultura é tradicionalmente foco de pouca atenção nesses processos e até que um novo equilíbrio
seja atingido, muito tempo passa e muita troca de pessoal costuma ocorrer. Períodos de três a cinco
anos são normais para que um processo dessa natureza se complete. Ver WALTER, G. A. Culture
collisions in mergers and aquisitions. In: FROST et al. Organizational culture. Newbury Park: Sage,
1985, 420 p. Ver também MALEKZADEH, A. R.; NAHAVANDI, A. Making mergers work by mana-
ging cultures. The Journal of Business Strategy, p. 55-57, May/June 1990. Os autores propõem uma
caracterização de quatro diferentes tipos de combinação cultural, indo da total absorção à completa
separação. São elas: desculturação, assimilação, integração e separação.

5577.indb 305 20/06/2011 15:52:06


306  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

da crise, como a saída de funcionários experientes e o excesso de horas extras,


devem também ser vistos como resultantes do ciclo.
A conjuntura crítica e, principalmente, os incidentes que antecedem o recall
conseguem disparar na organização o gatilho da mudança, transformando em
ação a consciência da necessidade de intervenção. Essa consciência já vinha se
formando, mas não conseguia por si só romper as barreiras da inércia que ante-
cedem alterações traumáticas.32 Assim, pode-se afirmar que os mesmos fatores
que precipitaram a crise também agiram como catalisadores das mudanças. Em
outras palavras, foi necessária uma crise profunda – ou pelo menos o consenso
grupal de que existia uma – para provocar um processo de reversão.
Então, à tomada de decisão segue-se um período de intervenção que podería-
mos chamar de ambíguo. Por um lado, chegam à organização consultores e inter-
ventores destinados a “pôr ordem na casa’’ e que agem com ortodoxia, reforçando
controles e normas. Nesse processo, algumas evoluções conseguidas, em termos
de disciplina industrial, são acompanhadas por um acirramento do ciclo vicioso.
Por outro lado, são trazidos novos líderes, sintonizados com um novo estilo ge-
rencial, mais aberto e participativo. Se, por algum tempo, essas duas correntes
intervencionistas coexistem, revelando certa dubiedade da própria corporação, é
a segunda corrente que vai prevalecer sendo, sem dúvida, responsável pela que-
bra do ciclo vicioso e pela reversão das tendências que levaram ao colapso.
Embora, de início, a ação desses líderes seja no sentido de apenas identificar
os problemas principais e tratá-los com soluções conhecidas, sua conduta e a
forma de implementação das medidas já são suficientes para sinalizar um novo
rumo para o sistema organizacional. Pode-se afirmar que o essencial dessa etapa
é a sinalização da intenção de mudança de curso e a determinação de diretrizes
simples, comunicadas a todas as lideranças.
Na prática, o rompimento do ciclo ocorre pelo enfraquecimento parcial das
pressões por performance, filtradas pelas novas lideranças, e a definição de prio-
ridade de esforços sobre alguns gargalos da produção. Uma vez revertida a si-
tuação – e percebida esta reversão –, a carga negativa acumulada pelo grupo
transforma-se em carga positiva, capaz de fazer o sistema saltar da degradação
para a evolução e mantê-lo em curso por um bom tempo.

32
  A estratégia de ação de uma organização é raramente não-controversa. Ela aglutina muitos
pontos de vista e interesses diferentes. O desacordo é raramente analítico; ele reflete em geral
interesses conflitantes. Ver HUFF, A. S. Arhetorical examination of strategic change. In: PONDY, L.
et al. Organizational symbolism. Greenwich: Jai Press, 1983, 308 p.
   Na empresa estudada, parecem especialmente difíceis as decisões que envolvem troca de pes-
soas, em particular no nível gerencial. Essa característica pode ser ligada a três fatores: primeiro,
à estrutura matricial, de poder difuso e processo decisório lento; segundo, à existência de redes
informais de poder; e, terceiro, a um traço cultural ligado à preservação dos quadros gerenciais,
mesmo em épocas de crise.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  307

Assim, a superação da crise e a retomada da capacidade produtiva, dentro de


parâmetros adequados de segurança e qualidade, ocorrem de forma natural, no
sentido de que o próprio grupo tende a corrigir-se, a partir de uma sinalização
inicial de rumo e caminho. Não se pode, é claro, minimizar o sem-número de
decisões e ações que foram tomadas para manter o curso da recuperação.
O observado parece validar a hipótese de um processo de alteração de traços
culturais – marcadamente estilo gerencial – catalisado por novos líderes, mas es-
sencialmente calcado num movimento maior de macromudanças. Daí a sensação
de naturalidade, mesmo numa estrutura conservadora como a de uma unidade
farmacêutica, quando se superam alguns padrões próximos da ortodoxia tayloris-
ta-fordista em favor do neofuncionalismo da administração participativa.
Então, à medida que o processo se desenvolveu – durante 1992 –, percebeu-se
que o novo estilo gerencial foi-se afirmando através de um novo discurso e prática,
estabelecendo forte vínculo entre os novos líderes e seus liderados.33
Chama também a atenção como, na organização pós-recall, rituais, símbolos
e discursos ganham novo status. O dia-a-dia passa a ser marcado por reuniões
de grupo, apresentações sobre trabalhos realizados e mecanismos informais e
subjetivos de recompensa. Ao mesmo tempo, a história do próprio processo é
racionalizada, transforma-se em discurso oficial e espalha-se por todos os níveis
da organização.34 E, como em toda ‘’tragédia’’, nesta também surgem heróis, ge-
ralmente na figura de alguns novos líderes.35
Todo esse aparato ajuda a legitimar e reforçar a própria mudança, construin-
do uma rede de comprometimento, lealdade e confiança. São significativas nos
depoimentos a dificuldade das pessoas em criticar o processo – embora não haja
nenhum cerceamento visível –, a alusão aos heróis do processo e a presença de
frases-feitas sobre “choque de culturas’’ e “mudança cultural’’.
O período que se segue, de implementação do PAQT – Plano de Ação para a
Qualidade Total –, representa a necessidade de dar consistência estrutural para
o processo de mudança, num momento em que a crise estava superada e o rumo
da mudança suficientemente amadurecido. Deve-se também destacar sua função

  Ver GIOIA, D. A.; CHITTIPEDDI, K. Op. cit. Os autores utilizam os conceitos de sensemaking –
33

que opera no sentido dos níveis mais baixos para os mais altos na hierarquia – e sensegiving – que
opera no sentido oposto – para mostrar a construção de uma nova rede de significados num proces-
so de mudança a partir da ação da liderança. As sucessivas interações entre liderança e grupos de li-
derados constroem o novo ambiente cultural reforçando os laços de confiança e comprometimento.
  Martin e Powers constataram empiricamente a relação entre histórias e comprometimento or-
34

ganizacional. Comparada a dados estatísticos objetivos, o impacto de sagas e mitos é muito maior.
Ver MARTIN, L.; POWERS, M. Truth or corporate propaganda: the value of a good war story. In:
PONDY et al. Op. cit.
35
  Os administradores conduzem a organização; os heróis a criam e recriam, vencendo desafios e
revertendo situações difíceis. Eles tornam as grandes conquistas plausíveis e colocam-nas ao alcan-
ce humano, fornecem modelos de comportamento e modificam e preservam os valores centrais da
organização, personificando-os. Ver FREITAS, M. E. Op. cit. p. 59-61.

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308  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

de artefato cultural, de afirmação do novo estilo gerencial. O PAQT passa, então,


a estruturar de forma mais efetiva os fluxos de esforços, alinhando-os com os
objetivos organizacionais maiores.
É interessante observar o timing dos líderes da organização sentindo que
já era momento de realizar um salto qualitativo pouco tempo após a superação
da crise.36
Fechando a síntese da narrativa, pode-se afirmar que a trajetória seguida pela
organização levou ao atendimento dos objetivos do negócio através da prática
de um novo estilo gerencial e implementação de novas metodologias de planeja-
mento. Ficam também claros os resultados conseguidos em termos de redução de
conflitos, comprometimento, lealdade e grau de participação. É nítido o orgulho
do próprio trabalho e a noção “somos especiais e estamos fazendo algo novo’’. O
uso de símbolo, discurso e rituais é, sem dúvida, o grande responsável por essa
coesão e uniformização de visões e sensações.
Um aspecto que não poderia deixar de ser comentado é que a concentração
industrial, embora tenha sido, pela condição em que foi conduzida, um gerador
de crise, foi, do ponto de vista estratégico, estrutural e cultural, um fator positivo
para a performance. A unificação das atividades num único local e o aumento da
independência do negócio em relação à corporação tendem a ter reflexos positi-
vos sobre os processos decisórios, o fluxo de informação e a própria afirmação da
identidade do sistema.
Finalmente, cabe discutir alguns desafios e dificuldades com os quais a orga-
nização deve deparar-se num futuro próximo:

• o locus da mudança. O processo todo envolveu mais profundamente a


divisão industrial, embora outras áreas tenham passado por grandes
transformações. O espírito de corpo desenvolvido nessa divisão pode ser
um obstáculo à integração com as demais áreas. Num sentido inverso,
o contágio cultural pode ocorrer a partir da história de sucesso. Resta
administrar esse novo choque de culturas;
• a mudança em áreas de fronteira. Embora não seja um sistema fechado,
a divisão industrial, em comparação com outras áreas, é mais isolada do
meio ambiente. O desafio é desenvolver formas alternativas de opera-
cionalização de mudanças em áreas intensamente mergulhadas no meio
ambiente, como equipes de vendas e outros grupos similares;37

36
  Van der Erve utiliza o conceito de curva “S’’ para analisar a evolução das organizações. Para o
autor existe um momento adequado para o salto de uma curva para outra. Se a persistência, além
do tempo correto, pode levar à estagnação, saltos excessivos podem gerar turbulências e inviabi-
lizar o sistema. VAN DER ERVE, M. The power of tomorrow’s management. Management Decision,
Yorkshire, v. 28, n. 7, p. 55-63, 1990.
37
  É interessante notar a existência de grupos de cultura forte, preservando essa cultura mesmo
quando dentro de organizações. É normalmente o caso de profissionais especializados, como os
médicos. Sua impermeabilidade a mudanças vem de sua rede própria de relações e significados.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  309

• a questão da recompensa. Numa fase posterior deve haver aumento de


pressão por vantagens em termos de salários e benefícios por parte dos
operários. Embora tenha-se notado inibição no tratamento dessa ques-
tão e exista forte consciência de uma situação de mercado que desfavo-
rece o operário farmacêutico, podem-se esperar pressões em função dos
aumentos de produtividade conseguidos e do aumento de capacidades
e responsabilidades. Em outro grau, essa pressão deve atingir escalões
superiores, que tendem a ter maior consciência do trabalho realizado e
de seu diferencial por tê-lo realizado;
• a contradição aumento de produtividade versus efetivo. Com a introdu-
ção de novas tecnologias e métodos, tende-se para uma redução grada-
tiva do efetivo. Essa possibilidade, por sua vez, pode levar a uma queda
no comprometimento dos operários com os processos de melhoria. É
claro que a transparência e as formas de demissão podem reduzir o
impacto negativo. Por outro lado, corre-se o risco de instalar na or-
ganização um clima de competitividade individual com uma luta pela
manutenção de emprego e/ou ascensão – mesmo num ambiente de
valorização dos grupos;
• a vontade de melhorar. Deve ocorrer uma pressão até certo ponto posi-
tiva por uma melhora das condições de trabalho e novas oportunidades,
nem sempre compatíveis com as baixas taxas de crescimento da indús-
tria e da empresa;
• a ameaça permanente do meio ambiente. Não são poucos os casos de
projetos organizacionais interessantes que foram total ou parcialmente
desativados por problemas ligados à performance global da organização.
Em muitos casos isso se deveu à concentração de energias em setores não
essenciais para a estratégia do negócio. Daí a necessidade de consolidar
as conquistas – especificamente a ligação “novo modelo gerencial’’ com a
melhora da performance – diante dos centros de poder da corporação e,
ao mesmo tempo, cuidar dos outros aspectos essenciais do negócio.

A superação do modelo de organização do trabalho:


uma questão aberta
Sem dúvida, do ponto da continuidade do processo de mudança, o maior de-
safio da organização será a evolução do modelo de organização do trabalho, com a
implementação dos grupos autogerenciados. Nesse ponto do trabalho, é importan-
te realizar uma discussão teórica sobre um dos aspectos mais essenciais do case: o
esgotamento e renovação do modelo taylorista-fordista da organização estudada.38

  Será utilizada na análise a abordagem das organizações como sistemas de controle social. Ver
38

MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. F. G.; WOOD JR., T. Controle social nas organizações. Revista de
Administração de Empresas – RAE, v. 33, n. 5, p. 68-87, São Paulo, set./out. 1993.

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310  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

As organizações, para responder à demanda do mercado, precisam de con-


fiabilidade e reprodutibilidade. Essas mesmas características impõem normas e
procedimentos que constituem barreiras contra a adoção de práticas flexíveis
e mudanças. Mesmo as empresas que superaram o binômio produção/consumo
de massa veem-se diante desse paradoxo, ainda que num grau atenuado. Assim,
é uma característica intrínseca das organizações burocráticas – o apego às nor-
mas e o culto dos regulamentos e do tecnicismo, aliado à superespecialização e à
compartimentagem – que dificulta sua adaptação à nova realidade de mercado.
Na sociedade contemporânea, as organizações devem interpretar continua-
mente o ambiente, originando movimentos internos de mudança. O ponto-chave
é a passagem de uma postura passiva ou meramente reativa para uma postura
proativa. Essa passagem implica a constante manipulação, por parte dos líderes,
de símbolos, valores e linguagem. Dentro da organização, ocorre uma sociali-
zação contínua dos funcionário, para internar os novos significados e controlar
comportamentos e performances. Na prática, essa passagem também significa a
substituição do controle coercitivo pelo controle via cultura organizacional.
Pode-se analisar esse pêndulo de transformação através dos conceitos de so-
cialização e individuação.39 Um ponto fundamental, a ser avaliado, é quando a
exacerbação do processo de socialização, com a manipulação de símbolos, pode
gerar impacto negativo sobre o individualismo criativo, necessário para a renova-
ção da organização. Não há dúvidas quanto ao impacto positivo do relaxamento
dos controles coercitivos sobre a performance, mas não se pode ainda avaliar os
limites do novo estilo gerencial.40
Para Rouanet,41 em certas condições a psicologia coletiva pode anular a psi-
cologia individual, a inteligência do indivíduo declina, sua afetividade aumenta
exageradamente e a linguagem passa a ser instrumento de mobilização. Nas pala-

39
  Quando entra em contato com a organização, o indivíduo se confronta com expectativas am-
bíguas: ao mesmo tempo que vê na organização as possibilidades de suprir algumas necessidades,
também se vê obrigado a renunciar a certa margem de liberdade. Ao ser mergulhado na cultura
da organização, ele tende a internar seus símbolos. Como os dirigentes e certa elite na empresa
detêm maior poder na determinação das diretrizes organizacionais, interpretando o sistema maior
de inserção da organização no macroambiente, são seus valores que vão permear a cultura orga-
nizacional. Socialização pode ser definida como o processo pelo qual um indivíduo com amplas
possibilidades desenvolve padrões de comportamento restrito, adequando-se às normas grupais. É
a qualidade do processo que vai determinar o grau de lealdade e comprometimento do indivíduo
e, potencialmente, sua produtividade. Individuação é o processo pelo qual o indivíduo procura in-
fluenciar a organização, na expectativa de maximizar sua satisfação pessoal. O processo de indivi-
duação mais aceito pela organização poderia ser denominado de individualismo criativo, no qual
o funcionário aceita os valores e regras básicas e questiona, ou rejeita, somente o que é periférico.
40
  Alguns autores têm sido bastante críticos com as novas práticas gerenciais, apontando-as como
taylorismo simbólico, pois mantêm a crença básica no one best way. Por isso, elas não sobreviveriam
muito tempo, pois sofreriam das mesmas contradições do modelo que tentam superar.
41
  ROUANET, S. P. O mal-estar na modernidade. São Paulo: IDE, 1993. v. 23, p. 40-53.

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Mudança Organizacional na Rhodia Farma  311

vras do autor: “Todas as características da psicologia de massas – o desaparecimen-


to da individualidade, a uniformidade de pensamentos e emoções, o predomínio da
afetividade e de conteúdos inconscientes – tudo corresponde a atividades mentais
arcaicas, como as que devem ter prevalecido na horda primitiva.’’
Os autores mais próximos do paradigma humanista radical tendem a criticar
a administração participativa a partir de uma preocupação com a emancipação e
o desenvolvimento do indivíduo. Involuntariamente, talvez, seus alertas sirvam
como indicadores de limite para certas práticas gerenciais emergentes, como pro-
curamos mostrar nos parágrafos precedentes.
Distante desse arcabouço, outros autores também têm-se preocupado com a
questão da viabilidade dos grupos. Beer,42 por exemplo, estuda os sistemas de
controle não hierarquizados a partir de uma perspectiva fortemente influenciada
pela cibernética e pela teoria dos sistemas.
Para Beer, o grande objetivo é a busca da democracia perfeita, a ausência
de ascendência. Embora não tenha ainda constituído uma teoria acabada do
funcionamento dos grupos, o autor, testando várias configurações e formas de
trabalho, chegou a conclusões interessantes acerca dos arranjos mais “perfor-
mantes’’. Ele desenvolveu o conceito de tensegrity, a partir da ideia do domo
geodésico de Buckminster Fuller. Tensegrity – de integridade tensional – signifi-
ca, em termos de estrutura, equilíbrio através de tensão e não através de com-
pressão. O desafio é criar um grupo autogerenciado que seja simultaneamente
criativo, democrático e eficiente.
Os modelos desenvolvidos por Beer são caracterizados por participação volun-
tária, autonomia, igualdade, cooperação, diversidade e autocrítica. O princípio ge-
ral é criar uma organização do trabalho que evite, através de recursos estruturais,
os vícios mais comuns dos grupos, que levam ao empobrecimento do processo
decisório e a resultados de consenso do tipo “máximo denominador comum’’.
Apesar de já terem sido utilizados em algumas empresas, os modelos de Beer
permanecem como artefatos de laboratório. Isso não impede que alguns conceitos
tenham utilização mais ampla. Seu trabalho interessa especialmente às organiza-
ções que estão caminhando para o gerenciamento por grupos autônomos, indican-
do medidas concretas para conseguir maior efetividade nessas implementações.
A organização estudada, pelo caminho que está trilhando, tende a colocar-se
muito brevemente diante desses problemas de fronteira, que deverão exigir cada
vez maior aprofundamento conceitual e sensibilidade prática dos envolvidos.
Pela riqueza da experiência já acumulada e pelas perspectivas de novos avanços
deve, sem dúvida, ter seus passos acompanhados.

  BEER, S. Origins of team tensegrity. In: SPEJO, R.; SCHWANINGER, M. Organizational fitness:
42

corporate effectiveness through management cybernetics. Frankfurt: Campus, 1993. Ver também
no mesmo volume GOMES, P. Organising for autonomy; e SHECTER, D. Beer’s tensegrity and the
challenge of democratic management.

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16
Criando Alianças Estratégicas
entre Universidades e
Empresas: O Caso Uniemp1
Claudia Costin
Thomaz Wood Jr.

Durante o período de rápido crescimento experimentado pela economia bra-


sileira nos anos 70, as universidades transformaram-se essencialmente em for-
necedoras de mão de obra especializada para as empresas públicas e privadas.
Barreiras invisíveis, fundadas em paradigmas e valores diferentes, separavam
acadêmicos e empresários, criando dificuldades à integração. Já na década de 80,
com a globalização da economia mundial, a competitividade e, consequentemen-
te, o acesso à tecnologia tornaram-se questões centrais para a maior parte das
organizações. Hoje, mais do que nunca, o padrão material e a qualidade de vida
de um país são determinados pelo conhecimento científico disponível e pela com-
petência em gerar tecnologia a partir desse conhecimento. O progresso econômi-
co e social de países como o Brasil depende de medidas estruturais, incluindo a
criação e o constante aprimoramento de associações entre universidades, centros
de pesquisas e empresas. A cooperação é compulsória. É fundamental criar um
sistema integrado capaz de lidar com a velocidade e a complexidade do processo
de inovação tecnológica e com o novo paradigma gerencial.
Os propósitos centrais deste trabalho são discutir as implicações do novo
ambiente econômico e social e explorar o caso do Instituto Uniemp, organização
sem fins lucrativos fundada em fevereiro de 1992 pela iniciativa de algumas im-
portantes empresas e universidades brasileiras. O Instituto objetiva promover o
relacionamento entre universidades e empresas e unir as culturas acadêmica e

1
  Os autores agradecem a Eva Stal e Roderico Moraes, diretores do Instituto Uniemp, pela va-
liosa colaboração.

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  313

empresarial, desenvolvendo a mentalidade de solucionar problemas através de


esforços conjuntos. Em sentido mais amplo, o objetivo é atuar como um catali-
sador do processo de mudança de mentalidade de acadêmicos e empresários,
rompendo barreiras à construção de parcerias cooperativas.
A primeira parte deste texto é dedicada a uma discussão geral. Na segunda
são abordados os aspectos teóricos da questão da competitividade. Na seguinte
trata-se dos conceitos de alianças estratégicas. Na quarta discute-se a interação
entre universidades e empresas no Brasil. No tópico seguinte é contada, resu-
midamente, a história do Instituto Uniemp, descrevendo-se sua estrutura e seus
objetivos. Finalmente, são comentadas algumas dificuldades e barreiras enfrenta-
das por esse tipo de projeto e discutidas perspectivas para o futuro.

DISCUSSÃO GERAL

A acirrada disputa por antigos e novos mercados, em um mundo com energias


mobilizadas alternadamente por processos globalizantes e particularizadores, tem
colocado cada vez mais em questão a natureza do conhecimento, assim como as
formas de sua produção e sua transmissão. Toda a discussão sobre ciência e tecno-
logia, marcada até recentemente por tom nacionalista e, em alguns casos, xenó-
fobo, ganha agora novo rumo, enfatizando a complementaridade, a seletividade
nas áreas de especialização de cada país e a aplicabilidade do conhecimento na
obtenção de vantagens competitivas em indústrias específicas.
Do mesmo modo, sem pretensões de aprofundar uma discussão epistemo-
lógica, observa-se que o ritmo das inovações e de sua incorporação ao processo
produtivo ocasionou substancial modificação na forma de transmissão do co-
nhecimento e até mesmo em algumas de suas características ontológicas. Os
mass-media fornecem a público leigo, senão a crianças, carga informativa que,
embora pouco elaborada e até descartável, deixaria pasmos os pesquisadores e
cientistas de séculos anteriores. Esta velocidade da evolução tecnológica, exal-
tada por apologistas da modernidade pela melhoria que traria à qualidade de
vida das populações, na realidade acarreta consequências sociais graves quan-
do torna obsoletos, em prazo muito curto, conhecimentos adquiridos em uni-
versidades ou cursos de formação, em um verdadeiro processo de sucateamen-
to de pessoas2 (Privat, 1993). A incorporação de novas tecnologias ao processo
produtivo tem, além disso, causado desemprego e falências em grande escala
de concorrentes sem condições para substituir sua plataforma tecnológica no
prazo necessário.

2
 A Newsweek em sua edição de 14 de junho de 1993, além de publicar o artigo de Privat (1993),
dedicou considerável espaço à questão da alteração do perfil do mercado de trabalho sob o impacto
das mudanças na economia mundial.

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314  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Kurz (1992) analisou o fenômeno, apontando para algumas consequências


da intensificação da competição em nível mundial. Para o filósofo alemão, o mun-
do todo está integrado em sistema único, de maneira que uma crise nos países
periféricos implicaria problemas nos centrais. A concorrência no mercado mun-
dial tornaria obrigatório novo padrão de produtividade, combinando necessidade
de grande infraestrutura com alta tecnologia e vultosos investimentos. Este novo
padrão, em mercado altamente interligado, representaria um limite ao processo
de desenvolvimento capitalista. O aumento de produtividade implicaria, pela pri-
meira vez, dispensa de trabalhadores, restringindo o mercado consumidor. A glo-
balização econômica teria implicações antes impensáveis. A vitória de uma em-
presa significaria não apenas a derrota de sua concorrente, mas poderia acarretar
impactos sociais graves a comunidades inteiras localizadas no outro extremo do
mundo. Os países do Terceiro Mundo, dispersos no meio de incompleta transi-
ção ao industrialismo, perdem-se em crises internas e não conseguem formular
projetos nacionais capazes de superar os impasses colocados. Paralelamente às
macromudanças, as organizações refletem e catalisam novas mudanças.
Nesse contexto, marcado por incertezas e descontinuidades, há de se (re)situar
a já antiga discussão da cooperação entre universidade e setor produtivo. A tradi-
cional visão da universidade, enquanto centro de saber a ser repassado às empre-
sas através de profissionais recém-formados ou de pesquisas e consultorias, no
qual o setor produtivo pode recolher a mais nova teoria sobre como fazer mais e
melhor, não mais se justifica, se é que alguma vez se justificou.
O conhecimento é produzido à medida que o homem, com seu trabalho,
transforma a natureza na busca dos bens necessários para viver. A especialização
de funções, com a criação de escolas técnicas, universidades e centros de pesqui-
sa, é relativamente recente. Essas instituições mostram-se efetivas quanto mais
aptas estiverem a responder às questões colocadas pelo estágio de desenvolvi-
mento das sociedades nas quais surgiram.
O deslocamento da universidade, ou sua transformação em torre de mar-
fim, leva à sua substituição por outros centros de saber mais alinhados com as
necessidades concretas da produção da vida. A emergência da era da competi-
tividade acentua esta necessidade. A universidade precisa agora, para cumprir
seu papel, não apenas ensinar, pesquisar e publicar, mas também apreender
rapidamente os conteúdos cognitivos que têm sua origem no setor produtivo,
sejam eles de natureza técnico-científica ou sócio-gerencial. Em outros termos,
se a produção do conhecimento se dá pari passu à produção de bens e serviços,
e o ciclo de vida de ambos é muito reduzido, cabe à universidade ir colher na
fonte, não só através de pesquisas, mas também de parceria efetiva com as
empresas, sua matéria-prima de trabalho. Cumpre à universidade descer do
trono. Não para perder seu papel de consciência crítica da sociedade, mas para
perceber que em cooperação com o setor produtivo ela tem tanto ou mais a
receber do que a dar.

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  315

Nesse sentido, cabe lembrar que o sucesso econômico do Japão, sobre o qual
muito se tem falado e escrito, não parece ter conexão direta com o aproveitamen-
to de pesquisas feitas pelas universidades. Segundo Porter (1990), “a pesquisa
universitária é limitada e o intercâmbio entre empresas e universidades é modes-
to, comparado com o de muitos outros países. Há uma série de laboratórios na-
cionais no Japão, ligados a vários ministérios, que têm tido algum papel em pes-
quisa e desenvolvimento. Muitos dos melhores graduados em áreas científicas,
no entanto, escolhem posições nos laboratórios de pesquisa das maiores compa-
nhias japonesas. É aí que a maior parte da pesquisa relevante no país ocorre’’.
Na Coreia do Sul, embora a formação nas universidades seja de excelente
nível, como no Japão, a pesquisa universitária é igualmente modesta. Neste inte-
grante do grupo dos Tigres Asiáticos a pesquisa ocorre, sobretudo, em institutos
especializados financiados em parte ou totalmente pelo governo e focados na
indústria. Entretanto, as universidades beneficiam-se dos achados das pesquisas
quando se aliam fortemente a esses institutos. Os conhecimentos assim adquiri-
dos são, por sua vez, repassados à sociedade, não só através dos cursos conven-
cionais, mas também dos concorridos programas para executivos.
Esses dois exemplos, Japão e Coreia do Sul, ressaltam a importância de a
universidade buscar maior aproximação com a indústria e os centros de pesquisa.
A distância entre eles certamente acabará sendo negativa para o setor produtivo
e crítica para a universidade. Isolada, estática, autofágica e desvinculada da rea-
lidade, a universidade tenderia a se tornar um centro de conservadorismo técnico
e político, um verdadeiro cartório de homologação de conhecimentos academica-
mente corretos (Kuhn, 1990).3
Evidencia-se, assim, a necessidade de repensar a universidade no contexto
de uma nova aliança estratégica com o setor produtivo. Caberia à universidade
passar de centro privilegiado do saber para a condição de receptadora, sistema-
tizadora e socializadora – nunca de forma acrítica – do conhecimento produzido
por ela e por outras instâncias da sociedade, no processo de geração de riqueza.
Para tanto, é necessária a criação de espaços de troca e parceria em que represen-
tantes do setor produtivo possam, além de repassar conhecimentos adquiridos,
influenciar na seleção de currículos e participar de projetos de pesquisa.
O caso escolhido para este estudo é um gerador desses espaços, o Instituto
Uniemp. Criado no Brasil em fevereiro de 1992, enquanto um fórum perma-
nente de relacionamento universidade-empresa, congrega hoje cerca de 30 em-
presas de destaque e aproximadamente 50 universidades. Este instituto, além
da parceria em pesquisas e da transferência de conhecimento, coloca para si o
desafio de “agir como catalisador do processo de mudança da mentalidade dos

3
  Kuhn (1990) analisou criticamente a forma de geração de conhecimentos no ambiente aca-
dêmico.

5577.indb 315 20/06/2011 15:52:07


316  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

empresários brasileiros que têm, até agora, investido muito pouco em pesquisa
e desenvolvimento, mas sentem a necessidade de um grande esforço de atua-
lização tecnológica em seu negócio, para se manterem competitivos em seus
mercados específicos’’.4
A experiência é recente para uma avaliação conclusiva, mas certamente per-
mite uma análise preliminar da viabilidade do papel a que se propõe o Instituto,
enquanto gerador de espaços para a concretização de alianças entre dois setores
hoje tão distantes no Brasil.

A QUESTÃO DA COMPETITIVIDADE NACIONAL E A VANTAGEM


COMPETITIVA DAS NAÇÕES

Para Porter (1992), em nível de nação o conceito competitividade somente


pode ser aproximado via produtividade – a habilidade de gerar riquezas – e,
consequentemente, qualidade de vida adequada, a partir dos recursos humanos,
materiais e de capital disponíveis. A competitividade é função primeira das carac-
terísticas dos produtos – ou serviços – e da eficiência com a qual são gerados. No
contexto atual, com a globalização da economia e a aceleração do avanço tecno-
lógico, não é possível conceber uma nação competitiva em todas suas indústrias.
Foco preferencial deve ser dado aos segmentos mais produtivos, para os quais o
país demonstra maior potencial e vocação. Assim, novo arcabouço teórico deve
levar em conta os movimentos globais de mão de obra, capital, produtos, servi-
ços e informação e se preocupar com a indicação das condições favoráveis para
as indústrias nacionais poderem prosperar e competir mundialmente. A nova
questão da política industrial passa a ser como, em contexto complexo, construir
um ambiente favorável para o surgimento e o constante aperfeiçoamento de seus
setores industriais mais competitivos.
Segundo Porter, a condição de sucesso de uma empresa está na capacidade
de inovação, tomada em sentido mais amplo, englobando da tecnologia às novas
formas de gerenciamento. A informação tem peso especial nesta questão, tan-
to como indicador de novos caminhos para pesquisa e desenvolvimento (P&D)
como na contínua quebra de antigos paradigmas e na exploração de novas fron-
teiras. Inovar, segundo esse autor, é a única maneira de assegurar a vantagem
competitiva.
Porter propõe um modelo de quatro variáveis, interdependentes e interatu-
antes, que pode ser observado na Figura 15.1.

4
  Material de divulgação do Instituto Uniemp – fórum permanente das relações universidade-
empresa.

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  317

Fonte:  Porter, 1992.

Figura 15.1  Determinantes da vantagem competitiva nacional.

• fatores de condição – posição de uma nação em termos de infraes-


trutura, trabalho etc. Não são apenas os fatores apontados pela econo-
mia clássica como de produção – terra, recursos naturais, trabalho. Em
economias pós-industriais, avançadas, os setores de ponta são normal-
mente gerados e continuamente melhorados pela existência de mão de
obra especializada, sólida base científica e, principalmente, boa dose de
inteligência gerencial capaz de unir todos esses fatores e transformá-los
em realidade ao alcance do mercado consumidor. Muitas experiências
registram como nações detentoras de recursos naturais abundantes, fa-
tor fundamental dentro do paradigma anterior, são incapazes de trans-
formá-los em riqueza e qualidade de vida, enquanto países com grandes
limitações acabam encontrando, na luta pela superação dessas dificul-
dades, pontos de apoio para o florescimento de indústrias altamente
combativas;
• existência de indústrias relacionadas e de suporte – trata-se
da presença ou da ausência de competidores ou fornecedores que com-
põem o macroambiente da indústria. A afetação por parte destes úl-
timos é óbvia, pois significam forte input positivo de produtividade, à
medida que os insumos fornecidos representam considerável parcela da
competitividade do produto final. Já a existência de fortes competidores
influi de outra forma. Por um lado, a competição local aumenta a pres-
são para a implementação de inovações tecnológicas e administrativas.
Neste sentido, tende mesmo a criar uma base de conhecimento extrain-
dústria que a beneficia diretamente, assim como a infinidade de ativida-
des satélites, envolvendo ensino, serviços especializados e fornecedores.
Por outro lado, pode gerar pressão por internacionalização, quando os

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318  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

mercados domésticos tornam-se limitados, possibilitando atingir novos


patamares de inovação e competitividade a serem incorporados a toda
a indústria, ampliando o ciclo de evolução contínua. Uma empresa com-
petitiva gera outras, criando clusters de empresas ou ilhas de excelência;
• condições estruturais – são as condições nacionais sob as quais as
empresas são criadas. O ponto fundamental é a exploração inteligente
dessas condições, levando o foco à questão do gerenciamento. Nenhum
estilo gerencial é universal ou pode ser impunemente transplantado. A
questão está em como construir estilo capaz de somar sistemicamente
os fatores materiais e subjetivos. O contexto nacional influencia enorme-
mente a forma como as organizações são criadas, organizadas, gerencia-
das e até – e principalmente – a maneira como elas competem entre si;
• condições de demanda – natureza do mercado nacional. A globa-
lização não diminui a importância do mercado interno. A existência de
concorrentes fortes, de mercado exigente e sofisticado, capaz de captu-
rar tendências internacionais, ajuda a determinar o patamar de qualida-
de e produtividade da indústria que o atende.

Porter cria com seu modelo um quadro de referências sobre o qual várias
análises podem ser feitas. A partir de sua definição, a tarefa a nós colocada é,
então, a de utilizá-lo para analisar a questão das alianças entre universidades e
empresas.
O primeiro ponto que vem à tona é a aparente contradição entre rivalidade e
aliança. A posição de Porter é clara; ele valoriza a competição como criadora de
cérebro e músculos empresariais e coloca sérias limitações à utilização de alian-
ças, especialmente entre concorrentes. O caminho a ser seguido é o da limitação
dessas associações a aspectos periféricos de atuação das empresas.
Quanto às alianças entre universidades e empresas, o princípio de não-
interferência nas atividades centrais das organizações – aquelas que originam e
sustentam sua vantagem competitiva – deve permanecer intocável. O campo de
cooperação deve ser no meio-termo entre o desenvolvimento tecnológico bási-
co – de caráter acadêmico – e a aplicação industrial – de caráter empresarial.
Mecanismos devem ser criados não só para permitir esse nível de cooperação,
mas também para gerar pesquisa básica já no nascedouro, orientada para as
futuras aplicações práticas.
Não é simples estabelecer esse todo integrado, desde o desenvolvimento
primário da tecnologia até a chegada do produto ao mercado, até porque os ho-
rizontes de tempo das universidades e empresas são diferentes. Por outro lado,
não são poucos os exemplos de clusters envolvendo empresas, centros de pes-
quisa e universidades, representando verdadeiros pólos de geração e aplicação
prática de tecnologia de ponta. A pesquisa cooperativa tem, além disso, grande

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  319

potencial de sinalizar áreas emergentes de tecnologia, ainda distantes da pesqui-


sa aplicada proprietária.
Outro aspecto importante, ligado à integração empresa-universidade, é a
própria educação. Aqui o ponto-chave é desenvolver um sistema educacional
sintonizado simultaneamente com valores humanistas e com a velocidade e as
necessidades atuais das mudanças tecnológicas. Portanto, alguns dos valores bá-
sicos desse sistema devem ser a interdisciplinaridade, o generalismo e um pro-
cesso contínuo de superação e geração de novas especialidades. Neste sentido,
a reforma dos currículos universitários e os programas de educação continuada
são essenciais. Cabe destacar a importância de revisão completa da formação e
reciclagem dos administradores, em novo contexto de turbulência e mudanças
contínuas, no qual a superação constante de paradigmas faz a regra.
Outro ponto significativo é o papel dos governos, tema sempre complexo.
Temos assistido a um embate que se convencionou, oportunística e maniqueisti-
camente, reduzir a dois oponentes: de um lado, os defensores do mercado livre,
por ora em alta; de outro, os adeptos de elevado grau de intervenção do Estado
sobre a economia. Um exame prático da realidade revela nuanças importantes
por trás das aplicações desses dois princípios antagônicos, podendo ser observada
pouca aderência entre teoria e prática, assim como realidades muito diferentes
dos rótulos. O caso específico das associações e alianças poderia ser situado entre
os dois paradigmas, sob enfoque de uma ação estratégica do Estado para, ao mes-
mo tempo, estabelecer regras e favorecer o florescimento e a evolução das indús-
trias. Se, de fato, algumas condições aparentemente adversas, especialmente a
rivalidade entre concorrentes, estimulam a evolução, também algumas condições
facilitadoras são indispensáveis para a sobrevivência das empresas.
Deve-se frisar, mais uma vez, serem as empresas que conquistam e mantêm a
vantagem competitiva, via inovação, capaz de gerar riqueza e qualidade de vida
superior. Toda a estrutura a ser montada deve servir de sustentáculo para que
isso se realize.

REPENSANDO ALIANÇAS ESTRATÉGICAS


Assim como o modelo desenvolvido por Porter (1992) forneceu-nos quadro
referencial para uma análise do contexto em que a questão emerge, o conceito de
aliança estratégica5 permite uma abordagem mais instrumental da teoria.
Alianças e associações – especialmente dentro do setor produtivo – existem
há muito tempo. Entretanto, nos anos 80 houve crescimento não observado ante-
riormente quanto a seu número, provocando inclusive reflexões sobre a modifi-

5
  Ver Lazo (1992). O autor fez um apanhado geral da literatura disponível sobre o assunto, reali-
zando uma sistematização de conceitos e teorias.

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320  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

cação da estrutura concorrencial capitalística. Por outro lado, o índice de fracasso


dessas formas cooperativas é alto – 30% a 40% – e sua expectativa média de vida
é baixa – cerca de três anos e meio –, indicando tratar-se de forma ainda em evo-
lução e sem um estado da arte maduro e dominado.
Garrette & Dussauge (1991) definiram alianças como “associações entre em-
presas concorrentes, ou potencialmente concorrentes, para operacionalizar um
projeto específico coordenando em conjunto parte de suas competências, meios
e recursos’’. Alianças podem também ocorrer entre clientes, fornecedores e até
entre empresas de ramos diferentes, neste caso não afetando a concorrência. O
principal objetivo de uma aliança é aumentar a vantagem competitiva dos asso-
ciados. Caracteriza-se por ser transitória – não raro com tempo de vida predeter-
minado – e parcial, envolvendo setores não centrais dos participantes.
Uma questão central sobre as alianças estratégicas é o paradoxo entre com-
petição e colaboração. As alianças alteram o jogo concorrencial, deslocando o
locus de realização da rivalidade do mercado para o campo de disputa por ativos,
tecnologia, know-how e outros benefícios. Essa transição ocorre quando as em-
presas procuram maximizar sua segurança, o que acaba provocando uma corrida
pela absorção de conhecimentos. O domínio de novos conhecimentos e a capa-
cidade de transformá-los em produtos vendáveis, no menor espaço de tempo,
está na origem das alianças. No contexto econômico atual, para ser rentável uma
inovação tem de ser explorada rápida e maciçamente, em função dos altos custos
de P&D e da velocidade de difusão de novas tecnologias.
É interessante notar não serem as alianças produto exclusivo de análises estra-
tégicas exaustivas – embora estas tenham peso decisivo –, mas também de grandes
sonhos e visões que nem sempre passam pela racionalidade capitalista. De qual-
quer forma, uma metodologia deve ser seguida para a avaliação, a priori, da ade-
quação da criação de uma aliança. O ponto essencial é a existência de processos
de autoconhecimento e conhecimento mútuo, realizados pelos futuros parceiros
para identificar suas plataformas de competência e necessidades estratégicas. Um
processo de análise pode, em geral, ser esquematizado em seis etapas:

• reflexão sobre a vocação da organização, quando devem ser questiona-


dos sua real razão de ser e o que pretende para o futuro;
• estudo detalhado do setor industrial, do mercado e das condições con-
correnciais;
• avaliação dos desempenhos atual e potencial da organização;
• escolha da estratégia para a mudança de patamar competitivo;
• avaliação da opção de aliança estratégica como alternativa para a imple-
mentação da estratégia escolhida;
• escolha do aliado.

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  321

O processo de construção de uma aliança requer tempo, dedicação, trabalho,


paciência e, principalmente, muito comprometimento. Diferentes organizações
possuem diferentes visões gerenciais, calcadas em diferentes paradigmas, que
norteiam, não raro de forma pouco explícita, seus mais importantes processos
decisórios. Alianças provocam verdadeiros choques culturais, frequentemente
levando as organizações a profundas reflexões sobre seus valores, suas estraté-
gias e até mesmo suas estruturas. A questão torna-se ainda mais crítica quando
as associações ocorrem entre organizações distintas em objetivos e estruturas,
como empresas e universidades. Neste caso, mais do que qualquer outro, a im-
portância do autoconhecimento e do posicionamento estratégico cresce e as res-
pectivas plataformas de competência e os objetivos individuais devem ser muito
bem explicitados.

INTERAÇÃO EMPRESA-UNIVERSIDADE NO BRASIL6

Existe uma relação entre gastos em P&D e crescimento econômico, mas o


sistema de inovação de um país não se restringe a isso. Ele inclui toda a rede de
ensino e pesquisa e as agências governamentais ligadas a ciência e tecnologia.
Nos países industrializados, esse conjunto foi sendo gradualmente incorporado
ao processo global de desenvolvimento econômico e social, com o foco no aten-
dimento da demanda do mercado. A amplitude de atuação do Estado no desen-
volvimento científico e tecnológico pode ser grande e ocorrer de diferentes e inú-
meras formas: atividades de P&D, realizadas por suas instituições; formação de
recursos humanos especializados; financiamento direto às empresas; concessão
de incentivos; criação e manutenção de sistemas de informação; medidas de or-
dem legal – regulamentação de patentes, por exemplo; medidas econômicas para
reduzir o custo de operacionalização de inovações; e medidas para reduzir as
incertezas, inerentes a novos empreendimentos. No entanto, o esforço inovativo
ganha dimensão prática no setor produtivo, pois as empresas trazem a motivação
da busca do lucro.
No Brasil, os gastos governamentais, assim como aqueles patrocinados pela
iniciativa privada, são extremamente baixos. A conjuntura atual pode ser expli-
cada por meio de uma análise histórica. Nos anos 60, enquanto vários planos e
órgãos de fomento ao desenvolvimento tecnológico eram criados, a política eco-
nômica seguia o caminho inverso, favorecendo o uso de tecnologia externa em
conjuntura de mercado protegido. Como resultado, as iniciativas de desenvolvi-
mento tecnológico ficaram quase que exclusivamente por conta de universidades
e centros de pesquisa das estatais, caracterizadas pela geração de novas tecnolo-
gias e apenas residualmente pelo apoio ao setor produtivo.

6
  Ver Stal e Moraes (1992).

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322  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Diferenças culturais, estruturais e de objetivos exigem


profundo processo de reflexão e aprendizado prático
No Quadro 15.1 podem ser observadas algumas características das univer-
sidades e empresas que, de alguma forma, delimitam seus espaços institucio-
nais e constituem suas identidades, devendo ser consideradas em processos de
cooperação. Não se deve entender, é importante frisar, essas diferenças como
impedimentos ou dificuldades à interação. Na verdade, os processos interativos,
desde programas de capacitação e treinamento até o desenvolvimento e a trans-
ferência de tecnologia, apresentam várias vantagens para ambas as partes. Para a
universidade, são formas de captação adicional de recursos para pesquisa básica
e aplicada, para manter quadros de pessoal qualificados e para ministrar ensino
associado à alta tecnologia. Para a empresa, potencializam o desenvolvimento
tecnológico com menor investimento, permitem acesso aos laboratórios e recur-
sos de documentação, possibilitam apoio de pessoal qualificado na solução de
problemas, proporcionam atualização técnica e introduzem elemento de criati-
vidade na organização. Em síntese, pode-se dizer que, enquanto a empresa pode
fornecer recursos financeiros à universidade, esta pode ajudar a fazer frente à
crescente complexidade ambiental.

Quadro 15.1  Características gerais.

Característica Universidade Empresa


Enfoque •  Geração de conhecimento •  Geração de lucro
• Tecnologia como meio de desenvol- • Tecnologia como instrumento para
vimento da sociedade viabilizar a permanência no mercado
• Realização de pesquisa exploratória • Busca de eficiência, eficácia, quali-
para elevar o nível de conhecimento dade e produtividade
da sociedade • Utilização estratégica dos recursos
•  Formação de profissionais completos humanos
Qualidade • Garantida essencialmente via con- • Visão global do processo produtivo,
tratação de docentes incluindo insumos, transformação,
sistemas de controle etc.
Informação •  Divulgada sem restrições • Resguardada para garantir a vanta-
gem competitiva
Organização •  Pouca disciplina •  Disciplina, confiabilidade e reprodu-
•  Hierarquia fraca   tividade
•  Processo decisório lento •  Poder concentrado
• Departamentalização baseada em •  Processos decisórios ágeis
especialização • Transição rumo a estruturas mais
flexíveis e descentralizadas
Trabalho •  Pouco direcionamento •  Pesquisa aplicada
• Prazos e objetivos flexíveis e mutá- •  Prazos curtos
veis •  Forte direcionamento
•  Especialização

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Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  323

Quadro 15.2  Casos de interação universidade-empresa no Brasil.


Parceiros Objetivo Descrição
Biobrás/UFMG • Cooperação contínua para • Biobrás surgiu no Instituto de Ciências Biológicas
(aproximadamente o desenvolvimento tecno- da UFMG
dez anos) lógico • Conta com cerca de 500 funcionários e seu pata-
mar anual de vendas situa-se em US$ 25 milhões
• Produz insulina, hormônios, enzimas e produtos
para diagnóstico
• Desenvolveu e aprimora base tecnológica via con-
tato com UFMG e outras instituições no Brasil e
no exterior
Fundapet/UFRS • Capacitação da UFRS para • Projeto desenvolveu-se com recursos das empre-
(aproximadamente atender demanda de servi- sas, de órgãos de fomento e da própria Universi-
sete anos) ços do polo petroquímico dade
• Gerou polo de competência petroquímica na UFRS
• Passa atualmente por reestruturação visando do-
tar a Universidade de maior agilidade no atendi-
mento da demanda das empresas
UFBa e UFPa/ Pe- • Formação de pesquisado- • O foco do programa de cooperação está no desen-
trobras (aproxima- res volvimento de competência tecnológica na área de
damente dez anos) • Condução de programas de geofísica de petróleo
pesquisa • Criou núcleos de pesquisa e tem gerado trabalhos
de aplicação prática
Coppetec/UFRJ • Estabelecer ligação com o • Foi criada com personalidade jurídica própria
(aproximadamente meio ambiente (clientes), • Apóia docentes na captação e na execução de
vinte anos) gerindo a prestação de ser- projetos, na identificação de clientes, na negocia-
viços ção de propostas, na administração de projetos e
no suporte técnico
• Não compete com empresas existentes, orientan-
do seu trabalho para novas tecnologias e proces-
sos inovadores
ETT/Unicamp • Sistematizar relações com • Está voltada basicamente para a transferência de
(aproximadamente indústria e comunidade tecnologia
três anos) • Possui banco de dados sobre docentes e respecti-
vas áreas de atuação
• Divulga potencial tecnológico da Universidade e
demanda do setor produtivo, intermediando acor-
dos e contatos para cooperação
Programa Parceria • Busca cooperação com ad- • Está voltada para o desenvolvimento de projetos
/Unesp (aproxima- ministrações municipais e de impacto social junto ao setor público
damente dez anos) estadual e setor produtivo • Desenvolve, também, projetos de assessoria e
consultoria para o setor produtivo
Disque Tecnologia/ • Programa geral voltado • Mecanismo ágil, informal e geral, gerando diversas
USP (aproximada- para pequena e média em- formas de apoio nas áreas de tecnologia, geren-
mente dois anos) presas ciamento, mercado etc.
• Envolve de informação básica até contratos de
consultoria

Fonte:  Adaptado de Stal e Moraes.

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324  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

No Quadro 15.2 constam vários programas de cooperação entre universida-


des e empresas. A variedade de formas e objetivos mostra a riqueza de possibili-
dades. O contexto atual não impõe novos modelos de relacionamento, mas im-
pele ambos os tipos de organização à abertura de fronteiras e propicia condições
para a criação e o estabelecimento de novas e novíssimas formas de interação em
relações do tipo ganha-ganha.
A criação de elos é inevitável. Resta empreender um trabalho para gerar
mecanismos indutores capazes de viabilizar e dar base estrutural às interações. É
igualmente necessário especial cuidado com os interlocutores e as formas de co-
municação, para evitar os aspectos negativos do choque cultural. Deve-se ainda
procurar resguardar as identidades dos atores envolvidos. Nesta conjuntura, fi-
nalmente, é essencial o papel do gerenciamento da aliança, dada a complexidade
característica da união.

UNIEMP: CONSTRUINDO PARCERIAS

O Uniemp é uma instituição sem fins lucrativos, criada oficialmente em feve-


reiro de 1992 por importantes empresas e universidades brasileiras. Na realida-
de, a ideia de criar uma entidade nacional para atuar como catalisador da intera-
ção entre empresas e universidades vinha amadurecendo já há algum tempo na
mente de empresários e acadêmicos, muitos deles envolvidos de alguma maneira
com projetos cooperativos. Entretanto, foi preciso um evento para deslanchar o
projeto, dando-lhe rumo e corpo. Ele ocorreu por iniciativa de um presidente de
multinacional – Rhodia, subsidiária brasileira do grupo francês Rhône-Poulenc
– e um reitor de universidade – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A sintonia conseguida por esses dois homens, pertencentes a duas organizações
tidas como inovadoras e de ponta em seus distintos setores de atuação, tornou
possível os primeiros encontros entre reitores de várias universidades com presi-
dentes e proprietários de grandes empresas.
Em meados de 1990, esse grupo com cerca de dez pessoas deu início ao
processo de criação do Instituto. Tomando emprestados alguns processos estru-
turados característicos dos chamados novos modelos gerenciais, primeiramente
o grupo deteve-se na análise de obstáculos e barreiras ao atendimento da in-
teração produtiva dos dois mundos representados por seus componentes. Foi
também esse grupo que definiu a missão do Uniemp – “Intermediar a integra-
ção entre universidades, institutos de pesquisa e empresas, visando ao desen-
volvimento tecnológico nacional’’ – e suas diretrizes de longo prazo,7 descritas
a seguir:

7
  Ver Plano Operacional de 1993 do Uniemp. Além dessas, o Instituto possui outras diretrizes,
internas, ligadas a sua amplitude de atuação.

5577.indb 324 20/06/2011 15:52:07


Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  325

• promover, de maneira sistemática, o relacionamento universidade-em-


presa;
• manter, de forma permanente e atualizada, informação de competências
e necessidades das empresas e universidades;
• busca conjunta de soluções para necessidades tecnológicas;
• estimular o ensino e a pesquisa na área de gestão empresarial, com vis-
tas à formação de uma nova mentalidade gerencial de P&D no país;
• atuar como interface em assuntos de caráter administrativo, nas rela-
ções entre universidade-empresa, governo e organismos internacionais;
• promover e supervisionar a participação conjunta empresa-universidade
em missões de atualização tecnológica no país e no exterior;
• apoiar a formação de centros tecnológicos autônomos nas universida-
des, em função de suas vocações de excelência;
• fomentar a criação e a consolidação de parques e polos tecnológicos;
• estímulo às universidades em seus processos de atualização do ensino
de graduação;
• fomento à capacitação de recursos humanos, em todos os níveis.

Após esse primeiro momento, o grupo original foi substituído por outro,
composto por representantes, que se encarregou de dar consistência jurídica e
existência legal ao Instituto. Hoje, na prática, seu órgão máximo é o Conselho
de Deliberação, formado por representantes de oito universidades e oito empre-
sas – altos executivos e reitores. Operacionalmente existe a Diretoria Executiva,
composta por três membros e assessorada por coordenadores de projeto. É este o
grupo responsável pelo desdobramento das diretrizes gerais e das ações e metas
específicas que constituem os planos operacionais anuais. Está a cargo dessa re-
duzida equipe, também, a efetiva execução dos planos. Existe na estrutura orga-
nizacional o Conselho Técnico-Científico, um órgão de apoio. Todos os mandatos
são de três anos, renováveis.
Passado um ano de vida oficial, o Instituto conta com aproximadamente 30
empresas associadas – cada uma contribuindo com mil dólares mensalmente – e
50 universidades ou instituições de nível superior – que se afiliaram sem ônus.
Apesar de encontrar-se virtualmente em processo de estruturação interna e con-
quista de espaço de atuação, o Uniemp já contabiliza alguns resultados e reali-
zações importantes diante de uma conjuntura a princípio complexa. No Quadro
15.3 estão descritas resumidamente algumas dessas realizações, a maioria ainda
em curso.

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326  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

Quadro 15.3  Principais realizações do Uniemp.

Aprendizado em Gestão
• Criação de um fórum nacional de aprendizado em gestão, reunindo especialistas das áreas
empresarial e acadêmica
• O objetivo geral – ambicioso – é discutir e elaborar propostas para a geração de um pensa-
mento gerencial brasileiro
Capacitação de Pequenas Empresas
• Com recursos do Sebrae – ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo –,
objetiva estruturar módulos de treinamento, visando capacitar pequenas empresas, fornece-
doras de produtos e serviços para grandes companhias, a gerir seus recursos para melhor
atender seus clientes
Convênio com IBM
• Criação de um sistema de informação com a implantação de um banco de dados, doado pela
IBM, a ser instalado no Instituto e na Fapesp – órgão estadual de fomento ao desenvolvimen-
to tecnológico
•  Conectará empresas, universidades brasileiras e instituições no exterior
Desenvolvimento Sustentável
• Estabelecimento de um convênio com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sus-
tentável – FBDS –, para a obtenção de financiamentos internacionais para projetos do Insti-
tuto relacionados a questões ambientais
Eventos
• Promoção de seminários, conferências e discussões voltados para a troca de experiências na
área de cooperação universidade-empresa, para a difusão de conhecimento tecnológico e
para a questão da reforma de currículos em cursos superiores
Pró-algodão
•  Busca apoiar os esforços de revitalização da cotonicultura no estado do Ceará
• Envolve esforço amplo de empresários, universidades e governo, incluindo desde a geração
de energia, a irrigação, a cultura e o processamento até a tecelagem e a moda

Fonte:  Informativo Uniemp, mar. 1993.

Embora seja obviamente prematura uma avaliação, algumas conclusões pre-


liminares são possíveis. Em primeiro lugar, ponto extremamente positivo é a pró-
pria existência do Instituto, representando importante avanço na transposição
de barreiras entre universidades e empresas. Por outro lado, não se pode deixar
de notar as dificuldades encontradas para estabelecer fluxos efetivos de coopera-
ção. Não basta a vontade dos executivos-chefes e dos reitores para estabelecer a
cooperação desejada. Há ainda longo caminho a percorrer para vencer as resis-
tências culturais e estabelecer os canais adequados de interlocução. Outro ponto
que chama a atenção é a amplitude de atuação do Uniemp, com projetos desde
a reforma de currículos escolares até a transferência de tecnologia de gestão.
Isto é um indício da orientação do Instituto no atendimento de seus associados,

5577.indb 326 20/06/2011 15:52:08


Criando Alianças Estratégicas entre Universidades e Empresas: O Caso Uniemp  327

quaisquer que sejam suas necessidades. No entanto, não há dúvida, a excessiva


amplitude de ação pode levar a perda de foco com prejuízo para a eficácia. Outro
aspecto, também importante, diz respeito à própria forma como os planos foram
elaborados, a partir da definição da missão e de seu desdobramento até os pla-
nos operacionais, revelando grande preocupação com os níveis de participação
e interação entre os associados. Um dos papéis do Instituto merece destaque, o
de construtor de redes de informação capazes de interligar empresas e universi-
dades, explorando o caráter didático da informação, ativo essencial em contexto
econômico e social no qual está cada vez mais associado à geração de conheci-
mento e riqueza e até à interferência democratizante nos sistemas de poder. Fi-
nalmente, destaca-se também que a interação dos planos com a realidade prática
gerou grande demanda, por parte das empresas, por novos métodos administra-
tivos e modelos de gestão. O fato é sintomático do momento de quase-ruptura do
paradigma gerencial vivido pelas organizações brasileiras e, por si só, mereceria
um trabalho à parte.

CONCLUSÕES – DIFICULDADES E PERSPECTIVAS


O contexto emergente e em mutação permanente da economia mundial exi-
ge novo paradigma para que seja repensada a relação universidade-empresa. A
questão da rápida transformação do saber em tecnologia aplicada tornou-se de-
terminante para a geração de riqueza e a qualidade de vida.
O uso do conceito de alianças estratégicas mostra-se viável para se (re)pensar
a (re)construção da relação universidade-empresa no Brasil. Os conceitos deline-
ados chamam a atenção para a importância do desenvolvimento de um processo
de autoconhecimento por parte dos parceiros e da avaliação de seus respectivos
potenciais e interesses na aliança.
A análise da história recente dessas alianças no Brasil mostra como um pe-
ríodo de distanciamento, marcado por polarização ideológica, foi superado em
função do momento de ruptura e crise, no qual os setores produtivo e acadêmico
tendem a se tornar objeto do desejo um do outro. Contudo, não se trata de um
casamento fácil. Diferenças culturais, estruturais e de objetivos exigem profundo
processo de reflexão e aprendizado prático.
Nesse sentido, é fundamental o papel do gerenciamento. Os próprios projetos
desenvolvidos pelo Uniemp mostram a emergência da questão gestão como cen-
tral para empresas, universidades e, consequentemente, seus projetos conjuntos.
Fica demonstrada, mais uma vez, a necessidade de adequação ao novo paradig-
ma gerencial – em construção – caracterizado por participação, valorização da
inovação, busca da qualidade e competitividade, orientação para o atendimento
das necessidades dos clientes internos e externos, visão sistêmica, incorporação
da dimensão simbólica e do poder, flexibilidade e, principalmente, reconheci-
mento da mudança como um estado permanente. Este novo paradigma deve
criar parâmetros para a construção dos novos espaços cooperativos-interativos.

5577.indb 327 20/06/2011 15:52:08


328  Mudança Organizacional  •  Thomaz Wood Jr.

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Formato 17 x 24 cm
Tipologia Charter 11/13
Papel Offset 75 g/m2 (miolo)
Supremo 240 g/m2 (capa)
Número de páginas 344
Impressão Digital Page

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