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Organizacional
Mudança
Organizacional
Liderança
Competitividade
Teoria do Caos
Recursos Humanos
Logística Integrada
Inovações Gerenciais
Cultura Organizacional
Arquitetura Organizacional
5ª Edição
SÃO PAULO
EDITORA ATLAS S.A. – 2009
Mudança organizacional / Thomaz Wood Jr. (coordenador). – 5. ed. – São Paulo : Atlas, 2009.
Vários autores.
ISBN 978-85-224-5577-5
95-3573 CDD-658.4063
Apresentação, ix
4 Estética organizacional, 59
Thomaz Wood Jr., Paula Csillag
6 Pop-management, 104
Ana Paula Paes de Paula, Thomaz Wood Jr.
16 Criando alianças estratégicas entre universidades e empresas: o caso Uniemp, 312
Claudia Costin, Thomaz Wood Jr.
Este livro encontra-se agora em sua quinta edição, com várias reimpressões.
O lançamento da primeira edição completa 15 anos em 2009. Podemos afirmar
com orgulho que Mudança Organizacional teve uma trajetória de sucesso, tendo
sido adotado em diversos programas de Administração no Brasil.
Ao longo deste caminho recebeu diversas atualizações. Na presente edição,
adicionamos um novo capítulo, focalizando a questão da competitividade, que se
tornou tema central na agenda de pesquisadores e executivos. Tais adições refle-
tem a evolução do campo de estudos organizacionais no Brasil nos últimos anos.
A ideia original para preparação desta coletânea surgiu da necessidade de
professores e pesquisadores, ligados a diversas escolas de Administração de Em-
presas, de ter um material adequado de leitura para utilização em cursos de pós-
graduação e especialização.
O leitmotiv desta obra é Mudança Organizacional, tema que tem chamado a
atenção de acadêmicos e executivos. Procurou-se reunir, em torno desse tema,
um conjunto abrangente de trabalhos, abordando suas diferentes facetas. Com-
põem a coletânea 15 capítulos, muitos deles originalmente publicados em re-
vistas científicas, o que equivale a dizer que passaram por rigoroso processo de
avaliação por pares.
Esta coletânea não tem a pretensão de esgotar o assunto Mudança Organiza-
cional, porém busca retratar os vários focos de interesse dos autores dentro deste
importante tema. Compreende portanto diferentes perspectivas e ontologias.
A leitura pode ser feita saltando-se os capítulos, uma vez que cada um deles
traz uma contribuição própria. Deve-se também a isso a repetição parcial de al-
guns temas, considerados obrigatórios em mais de um capítulo.
Perspectivas e
Abordagens
Mudança Organizacional:
Uma Introdução ao Tema
Thomaz Wood Jr.
APRESENTAÇÃO
Abordar um assunto como Mudança Organizacional não é tarefa fácil. A pro-
fundidade e a complexidade do tema, assim como a variedade de enfoques exis-
tentes, tornam o trabalho tão árduo quanto desafiador. Ao mesmo tempo, o tema
revela-se apaixonante à medida que nele caminhamos e evoluímos.
O assunto tem sido largamente explorado nos últimos anos, sendo objeto
de uma profusão de artigos e livros de enfoques diversos e qualidade bastante
heterogênea. Encontram-se desde abordagens acadêmicas com vertentes filosó-
ficas e antropológicas, com análises profundas sobre o conceito de mudança, até
receituários de processos de intervenção para gerentes que desejam melhorar a
performance de suas empresas.
A dificuldade maior é construir um corpo coerente de ideias diante de um
universo teórico e prático multifacetado, que evolui de forma turbulenta. Uma
característica do tema é a alta velocidade com que as correntes dominantes se
tornam ultrapassadas e dão lugar a novas abordagens. Por outro lado, existe um
constante movimento de retorno a conceitos antigos, não raro fundamentados
nos clássicos da filosofia ou das ciências econômicas. Como em outros campos de
desenvolvimento das ideias, também neste ocorre um constante fluxo de inova-
ção e renovação e, não raro, rupturas.
Diante desse quadro, uma postura necessária para construir um panorama o
mais amplo possível é a de evitar preconceitos. Informações preciosas eventual-
mente aparecem em livros ou artigos aparentemente superficiais.
INTRODUÇÃO
VISÕES DO FUTURO
fundamental, quando a própria missão é alterada; e total, nos casos mais críticos,
como uma iminência de falência.
Gareth Morgan (1986), em seu livro Images of organization (há tradução
brasileira pela Atlas), desenvolve uma série de imagens, ou metáforas, para au-
xiliar na compreensão dos fenômenos organizacionais. O Capítulo 8 trata das
organizações como fluxo e transformação. Morgan utiliza os termos holofluxo e
holomovimento e os conceitos de autopoiese e dialética para decifrar as relações
interativas entre a organização e seu ambiente e, assim, elucidar os mecanismos
de mudança.
Também trabalhando com os mecanismos de mudança, Prigogine e Stengers
(1984) argumentam contra o paradigma newtoniano de um mundo mecânico do
qual a mudança não faz parte. Os autores demonstram como esse modelo limita-
do, que enfatiza ordem, estabilidade e equilíbrio, deve-se adequar a uma imagem
mais abrangente da realidade, que englobe as características atuais de mudan-
ça acelerada, desordem, instabilidade e não equilíbrio. Prigogine, que ganhou o
Prêmio Nobel de Química por seus trabalhos relacionados à termodinâmica de
sistemas afastados do equilíbrio, descobriu que esses sistemas, que interagem de
forma não linear tanto internamente quanto com o ambiente, alternam períodos
de comportamento previsível com períodos de flutuações randômicas. Essas flu-
tuações, ou perturbações, amplificam as interações não lineares e podem levar o
sistema além da fronteira de estabilidade e, posteriormente, se novas perturba-
ções ocorrerem, ao chamado ponto de bifurcação, quando a simetria da estrutura
se rompe, iniciando um período de randomicidade e imprevisibilidade. Estarão,
então, criadas as condições para que um novo estado de equilíbrio, num nível
mais complexo de organização, seja atingido.
Kiel (1989), partindo do trabalho de Prigogine e Stengers, comenta como as
características citadas são fatores centrais no desenvolvimento de formas com-
plexas de organização. Segundo o autor, muitas organizações têm caráter não
linear e encaram a estabilidade como prejudicial à evolução. Para Kiel, embora
essa abordagem ainda não constitua uma teoria organizacional pronta, existe
mais do que analogia entre a teoria do não equilíbrio de Prigogine e as mudanças
organizacionais descontínuas.
CONCLUSÃO
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Teoria do Caos e
Administração de Empresas
Thomaz Wood Jr.
APRESENTAÇÃO
Na Administração, quando defrontamos com temas da moda – e não têm
sido poucos os casos –, somos em geral tomados por sentimentos ambíguos: de
um lado, nossos preconceitos, gerados e sedimentados ao longo de anos de ex-
posição à exploração e vulgarização de temas científicos; de outro, certa atração
pelo frescor das novidades e a possibilidade de conseguir com elas novos insights
sobre nosso objeto de estudo. Este é o caso da Teoria do Caos.
Em grande escala, a partir dos anos 80, a indústria editorial foi acometida – e
cometeu – por, dois booms quase simultâneos. Ao mesmo tempo em que a lite-
ratura de divulgação das conquistas científicas tomava novo impulso, certo filão
voltado para a questão organizacional surgiu com grande força. O primeiro fe-
nômeno refletia o avanço das ciências básicas e aplicadas e a afetação produzida
por estes avanços sobre o dia-a-dia das pessoas. Já o segundo fenômeno foi fruto
da transformação da organização como objeto de estudo. Enquanto, nos anos 30,
organizar tinha o sentido de segmentar, planejar, ordenar e controlar, nos anos
60 e 70 a organização já era vista como uma força-motriz da modernidade e
transformava-se, para desespero dos deterministas, num “baú complexo’’ e pouco
compreendido. Os gerentes, por sua vez, passaram a sentir-se como os habitan-
tes de Tebas diante da Esfinge. Feliz, ou infelizmente, não faltaram candidatos a
Édipo escrevendo livros.
A Teoria do Caos passa por estes dois fenômenos e é significativa de um ter-
ceiro. Surge, inicialmente, em estudos e modelações matemáticas ligados à me-
teorologia, à biologia, à física e à química. Ganha espaço e popularidade através
INTRODUÇÃO
Simon (1990) realizou uma interessante síntese sobre esta questão a par-
tir das possibilidades abertas pela Teoria do Caos. O autor parte do princípio
de que o mundo é mais complexo que qualquer modelo e de que a natureza
é capaz de gerar comportamento e dinâmicas mais ricas que a capacidade de
apreensão de conjuntos de equações. Contudo, isto, por si só, não inviabiliza o
uso de modelos. Quando os utilizamos, precisamos separar o essencial do dis-
pensável para, assim, capturar um quadro simplificado que permita inferências
razoavelmente seguras. A ideia é balancear a possibilidade de simplificação
com a utilidade relativa de um sistema simplificado. Mesmo um sistema muito
complexo pode ser modelado de forma que algumas conclusões importantes
possam ser tiradas. Simon crê que, se a linearidade domina a cena da mode-
lação, a razão não é que a realidade dos sistemas possa ser representada por
equações lineares, mas possa ser limitada a capacidade de tratamento de siste-
mas não lineares. Em realidade, poucos casos de sistemas não lineares podem
ser tratados por computador, mas, com condições de contorno apropriadas, elas
podem cobrir grande parte das situações.
Quando modelamos, se estamos interessados no comportamento dinâmico,
existem três hipóteses: queremos ou prever o futuro a partir de condições iniciais,
ou saber se existem posições estáveis de equilíbrio, ou verificar os resultados de
intervenções voluntárias.
Ao modelarmos um sistema, as seguintes questões precisam ser analisadas:
CONCLUSÃO
Cabe agora realizar uma pequena síntese dos aspectos principais vistos ao
longo deste texto. Na introdução, procurou-se mostrar como a Teoria do Caos
pode significar uma importante quebra de paradigma na evolução do pensamen-
to científico. Em seguida, foi abordada a questão da modelação. Enfocaram-se
as limitações dos modelos lineares estáticos – os mais comuns e utilizados – e
as possibilidades de uso de modelos não lineares dinâmicos – mais próximos da
realidade – com condições de contorno apropriadas.
A seção seguinte tratou das tentativas de aplicação de princípios da Teoria do
Caos em Finanças. Viu-se como a matemática do Caos tem atraído a atenção de
analistas e acadêmicos sem, entretanto, ter ainda gerado respostas à altura das
expectativas existentes. Por outro lado, pode-se verificar a utilidade da Teoria no
questionamento dos modelos vigentes e na compreensão da intrincada lógica dos
mercados.
Em seguida, foram vistas as aplicações em Economia. Notamos como esta
passa por uma crise, resultante do choque de seus pressupostos básicos com sua
capacidade instrumental. A Teoria do Caos pode ser usada como rota para o re-
questionamento destes pressupostos.
A última seção foi dedicada aos Modelos Gerenciais. Mostrou-se como vive-
mos num período de transição turbulenta, marcado pela superação das premissas
básicas do Modelo de Gerenciamento Científico. Neste contexto, a Teoria do Caos
corre em paralelo com outras correntes de ideias na construção de novos modelos
para entender e gerenciar as organizações.
Foi construído, assim, um retrato, ainda parcial e propositadamente sem reto-
ques, das aplicações e possibilidades da Teoria do Caos relacionadas aos campos
ligados à Administração. Ao olhar este retrato, a primeira imagem que notamos é
a da negação de toda a pesada herança determinista e sua influência sobre nos-
sas vidas e maneira de ver o mundo. E não é pouco. A Teoria do Caos coloca em
cheque a própria possibilidade de a ciência identificar ou formular leis, a ilusão
de um mundo racional e controlável.
Não deve ser surpreendente que o conceito de Caos e suas ideias associadas
estejam ganhando contorno e status de campo científico. O surpreendente é que
isto só agora esteja acontecendo. Especialmente a partir do século XIX, a ciência
tem sido marcada pela busca da compreensão algorítmica e da possibilidade de
generalização, pela compartimentagem e pela superespecialização. Nem sempre,
porém, foi assim. A racionalidade já foi outra, refletindo uma visão de mundo
muito diferente. A Teogonia de Hesíodo, por exemplo, revela um mundo onde os
eventos são percebidos como manifestações divinas. Foram os pioneiros da revo-
lução científica que desejaram eliminar os componentes teológicos e religiosos
que a ciência medieval havia colocado como centrais alguns séculos antes. Onde
a ciência medieval acoplava à explicação dos fenômenos ideias de propósito e
Glossário1
Atrator: é o ponto ou nível ao qual um sistema retorna quando os efeitos de perturba-
ções externas cessam.
Atrator Caótico: um sistema caótico converge para um conjunto de possíveis valores.
Este conjunto é infinito em número, mas limitado em amplitudes. Atratores caóticos são
não periódicos.
Caos, Sistemas Caóticos: termo relacionado a comportamentos irregulares e com-
plexos que aparentam ser randômicos, mas na verdade possuem uma ordem matemática
subjacente. Suas características essenciais são as seguintes: comportamentos parcialmen-
te traduzidos por equações não lineares; possibilidades de pequenos inputs gerarem gran-
des efeitos; existência de ciclos e padrões; e imprevisibilidade, principalmente a médio e
longo prazos.
Fractais: medem a irregularidade de linhas ou curvas, planos e volumes. Uma linha
reta tem dimensão 1,00, um quadrado, 2,00 e um cubo, 3,00. A linha costeira pode ter
dimensões entre 1,15 e 1,25; índices do mercado de ações podem ter dimensões entre
1,30 e 1,40. A Geometria Fractal tem aplicações práticas na identificação de padrões de-
terministas em sistemas.
1
Adaptado de Larrain e Peters.
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Cultura
Organizacional Brasileira
Marcelo Marinho Aidar, Alberto Borges Brisola,
Fernando C. Prestes Motta, Thomaz Wood Jr.
APRESENTAÇÃO
Nos últimos anos, a cultura vem se tornando um tema central em diversos
debates na área de Estudos Organizacionais.1 O interesse pelo assunto surgiu
principalmente em razão da conexão estabelecida entre cultura e desempenho
organizacional. Entretanto, poucos são os estudos que têm pesquisado a fundo
a relação entre cultura organizacional e cultura nacional. Negligenciando esta
relação, muitos estudos acabam tratando a organização como algo isolado do
contexto nacional e social no qual ela está inserida.
Desconsiderar as diferenças de culturas nacionais e regionais, em qualquer
análise, significa deixar de lado toda esta esfera cultural mais ampla, que con-
diciona a teoria e a prática administrativas. Por outro lado, admitir a existência
destas diferenças, e compreendê-las em toda a sua magnitude, possibilita discri-
minar se determinadas técnicas, teorias ou princípios empresariais são ou não
aplicáveis a determinada realidade.2
No Brasil, os trabalhos que envolvem cultura organizacional, tanto em ní-
vel teórico como em nível de aplicação, têm sido muito influenciados pela cor-
1
Como observou a Professora Maria Ester de Freitas, cultura organizacional foi o discurso forte
dos anos 80.
2
Steers observa que a cultura influencia a pesquisa e a prática da gestão de recursos humanos
de três maneiras: (i) ajuda a definir o problema que se pretende estudar, (ii) influencia as abor-
dagens ou métodos usados para estudar e resolver problemas, e (iii) ajuda a definir soluções
aceitáveis para os problemas em questão. STEERS, Richard M. The cultural imperative in HRM
researh. Research in Personnel and Human Resources Management, Suppl. 1, 1989.
3
Também não se pode ignorar que suas metodologias de investigação são distintas e, em alguns
casos, conflitantes.
O objetivo dos autores é trilhar um caminho de análise que parece ainda pou-
co explorado, levando em conta traços culturais básicos no estudo de sistemas
organizacionais e contribuindo, assim, para uma maior compreensão do tema
cultura organizacional dentro do contexto brasileiro.
INTRODUÇÃO
4
HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work-related values. Be-
verly Hills: Sage, 1980.
5
BERGER, P.; LUCKMANN, T. The social construction of reality. New York: Anchor Books, 1967.
“De fato, presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos ou-
tros, mas míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteridade (e a
elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conse-
guido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos
é habitual, familiar, quotidiano, e que consideramos evidente.’’6
6
LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 1988.
7
HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Journal of International Busi-
ness Studies, v. 14, n. 2, p. 75-90, 1983.
8
Como mostra Key, nas vésperas da unificação europeia criou-se um mito em torno de seu signifi-
cado real. Analisando o problema do ponto de vista de estratégias de marketing, o autor critica algumas
afirmações do tipo: “criação de um mercado único de 320 milhões de pessoas“, que levavam a crer
que o mercado europeu seria, a partir de 1992, mais homogêneo do que era antes da unificação.
Administração Intercultural
Segundo ele, a liberação do comércio tem efeito apenas do lado do fornecimento, mas não do lado
da demanda. A demanda pelos diversos produtos varia de acordo com as diferenças nas preferên-
cias, hábitos, clima, cultura etc., e tais diferenças permaneceram inalteradas na Europa após 1992.
Segundo o autor, portanto, a crença de que a simples abertura dos mercados ou a internacionaliza-
ção nos negócios sejam capazes de provocar uma homogeneização cultural é uma falácia. KEY, J. A.
Myths & realities. Centre for Business Strategy, London Business School, 1992.
9
HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Op. cit.
10
GERTSEN, Martine. Intercultural competence and expatriate. International Journal of Human
Resources Management, 1990. Nesse trabalho, a autora mostra como o processo de seleção e treina-
mento de expatriados desempenha um papel fundamental para se atingir a competência intercul-
tural. Segundo ela, treinar adequadamente executivos para desempenhar suas funções no exterior
não significa apenas informar-lhes a respeito da cultura específica onde irão atuar, mas também
mostrar-lhes quais as repercussões de se trabalhar numa cultura diferente.
MORAN, Robert T. A formula for success in multicultural organizations. Review of international
11
Management, Dec. 1988. Esse assunto também é aprofundado por MORAN, Robert e HARRIS,
Phillip. Managing cultural synergy. Houston: Gulf, 1982.
Postura etnocêntrica
O etnocentrismo compreende a crença, de uma pessoa ou de um grupo, de
sua superioridade em relação aos demais. O termo é geralmente usado para de-
signar uma empresa que acredita que a maneira como ela trabalha em seu país de
origem é superior à de outros países. Assim, muitas vezes, ela adota uma postura
que ignora as diferenças culturais.
Postura policêntrica
O policentrismo implica uma postura oposta à do etnocentrismo. Parte da
ideia de que o país que hospeda a multinacional conhece melhor os procedimen-
tos e métodos mais adequados a seu ambiente. A subsidiária de uma organização
multinacional com esta postura, ao vir operar no Brasil, por exemplo, passaria a
funcionar de maneira tipicamente brasileira. Esta tendência, levada ao extremo,
poderia fazer com que o indivíduo ou a organização fossem esmagados pelas
diferenças culturais, reais e imaginárias (estereotipadas), ao irem trabalhar no
exterior. Uma empresa excessivamente preocupada com a adaptação a culturas
locais pode perder sua identidade e seus valores de origem.
Postura geocêntrica
Pode-se dizer que organizações que operam de forma semelhante nos di-
versos países onde possuem subsidiárias adotam uma postura geocêntrica. São
organizações que já atingiram alto grau de maturidade e liderança e que, apesar
de manterem seus princípios e valores básicos, buscam adaptar-se às diferenças
nacionais. A postura geocêntrica está relacionada à hipótese da convergência cul-
tural. Ela reconhece o fenômeno da globalização como algo irreversível, mas não
ignora a influência das diferenças culturais sobre os estilos de gestão.
Uma vez concluídas estas considerações iniciais, passaremos a examinar al-
gumas contribuições seminais para a construção de um sentido para o povo bra-
sileiro e, por decorrência, para as organizações brasileiras.
FREYRE, Gilberto de Melo. Casa grande e senzala. 13. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
12
p. 11.
13
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 25. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993. p. 18.
14
FREYRE, Gilberto de Melo. Op. cit. p. 128.
15
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1975. p. 122.
16
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. cit. p. 32.
17
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Op. cit. p. 10.
COIBISIER, Roland Cavalcanti de Albuquerque. Formação e problema da cultura brasileira. Rio
18
19
RIBEIRO, Darcy. Teoria do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 149.
20
Azevedo advoga a seguinte tese: “Nessa mistura singular de qualidades e defeitos que entram, em
proporções diversas, na composição do caráter brasileiro, e em que os rudes comandos da vida intervêm
como princípios de ordem, um dos elementos mais ativos é, sem dúvida, o individualismo. Ele provém
dos povos ibéricos; expandiu-se até a agressividade nas condições favoráveis que lhe oferecera a vida nos
sertões e, mais tarde, nas fronteiras do sul. Não é porém, esse individualismo de origem ibérica, criador
como o individualismo anglo-saxônico, nem possui o seu sentido e o seu conteúdo social.” AZEVEDO,
Fernando de. A cultura brasileira. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1958. p. 206.
MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de Brasília,
21
1987. p. 19.
22
Como descreve Francisco Alencar: “O primeiro contrato do pau-brasil foi realizado com mercado-
res portugueses e italianos, liderados pelo cristão novo Fernão de Noronha. O Estado português se com-
prometia a não mais importar o similar do Oriente, enquanto os arrendatários assumiam a exploração
anual de 300 léguas do litoral, o envio de navios às costas brasileiras e a manutenção de uma fortaleza,
além do pagamento de direitos à Coroa.” ALENCAR, Francisco et alii. História da sociedade brasileira.
3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. p. 12.
23
FREYRE, Gilberto de Melo. Op. cit. p. 60.
24
Segundo Gilberto Freyre, isto foi possível graças a uma moral lasciva que o português havia
encontrado durante o contato que havia tido nos anos anteriores com os africanos: “Já aperfeiçoados
à poligamia pelo contato com os mouros, os portugueses encontraram na moral sexual dos ameríndios
o campo fácil para onde expandir-se aquela sua tendência, de moçárabes, nos últimos dois séculos um
tanto recalcada e agora de repente solta, para viverem com muitas mulheres.’’
25
MELATTI, Julio Cezar. Op. cit. p. 186.
26
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 154.
A intenção de tornar o nativo dócil tinha por base uma razão de fundo eco-
nômico, pois o índio constituía-se em mão de obra barata e, escravizado, seria
um dos sustentáculos da exploração inicial. O apoio da catequese jesuítica fez
do índio um “escravo com os sentimentos humildes do bom cristão, modelado pelo
missionário’’.27 A relação entre o português e o indígena foi uma relação desigual,
de dominação.
Os brasileiros conservam traços linguísticos e culturais resultantes da heran-
ça indígena.28 Por outro lado, o homem branco parece sofrer com a vida serena
e contemplativa dos indígenas que ainda não foram dizimados. Ainda hoje, a
relação entre povos indígenas e civilizados continua marcada por conflitos e
violências.
O colonizador, porém, não queria apenas homens dóceis e cristianizados,
queria escravos. O negro trazido da África, com aquiescência dos jesuítas, desem-
penharia este papel. A influência da cultura negra é outra pedra fundamental da
formação do povo brasileiro. Segundo Freyre:
“... o Brasil não se limitou a recolher a lama da gente preta que lhe fecundou
os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca (...) vieram-lhe da
África ‘donas de casa’ para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as
minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria
pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres; sacerdotes e tiradores de
reza maometanos’’.29
27
FAORO, Raymundo. Op. cit. p. 199.
RIBEIRO, Darcy. Configurações histórico-culturais dos povos americanos. Rio de Janeiro: Civilização
28
o saco de pancadas do menino rico, como cozinheira, como ama de leite ou mucama
da senhora moça. Nesses casos, o branco realmente não tinha preconceito contra o
negro, podia até estimá-lo.’’30
A mistura de raças aqui ocorrida não esconde a sociedade hierarquizada que
foi imposta pelo colonizador às outras etnias. Pensar um colonizador português
sem preconceitos em relação a índios e negros pode levar a ocultar a realidade.
Criou-se no Brasil o mito perverso da democracia racial, em que as pessoas se-
riam, em tese, iguais. A realidade, entretanto, revela um preconceito não assu-
mido, velado, uma forma eficiente de discriminar pessoas.31 Na verdade, a prática
discriminatória já havia sido utilizada pelos portugueses brancos e aristocráticos.
Antes mesmo de terem chegado ao Brasil, os portugueses já haviam construído
uma legislação discriminatória na qual foram vítimas mouros, judeus e negros.
Nas terras brasileiras isto apenas se ampliou. Mesmo após a Abolição da Escrava-
tura, a discriminação racial não deixou de existir, como analisou Mota:
30
LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Pioneira, 1983. p. 311.
31
DAMATTA, Roberto Augusto. O que faz o Brasil, Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989. p. 46.
32
MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira. São Paulo: Ática, 1977. p. 61.
PRADO JR., Caio. Evolução política no Brasil colônia e império. 16. ed. São Paulo: Brasiliense,
33
1987.
O “Você sabe com quem está falando?’’ remete a um debate entre a moldura
igualitária da sociedade brasileira e o sistema hierarquizante e aristocrático que
deu forma e orientou, durante séculos, as relações de senhor e escravos em nosso
país. Parece, então, que ficamos a meio caminho entre a hierarquia e a igualdade.34
Quando se distingue o mundo da casa do mundo da rua muito se pretende
dizer. Muitas metáforas e símbolos são usados para contrastar a casa com a rua.
Por exemplo, quando se diz: “Fiquei na rua da amargura’’, fala-se da solidão e da
ausência de solidariedade. A casa não é apenas um espaço que abriga iguais; a
casa é uma área espacial, onde todos que habitam estão relacionados por laços
diversos, sejam de sangue, idade, sexo, hospitalidade ou simpatia. Desta forma, é
possível fazer da casa uma metáfora da própria sociedade brasileira. Entretanto,
aqui a sociedade é concebida de forma muito específica, que nada tem de um
local de lutas e discórdias, mas que está próxima de uma espécie de santuário.
34
DAMATTA, Roberto Augusto. Carnavais, malandros e heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
É interessante notar que dois dos mais importantes livros sobre a cultura brasileira são Casa
35
Taxas e impostos abusivos podem ser impostos pela lei aos contribuintes. To-
davia, com frequência, a lei não leva em conta a desigualdade do universo social
destes contribuintes. Daí muitos cidadãos procurarem as autoridades e pergun-
tarem: “o senhor não pode dar um jeitinho?’’. Este pedido é geralmente feito com
voz suave, visando reduzir a gravidade do conteúdo e arrebatar a simpatia do
interlocutor para a causa do solicitante.
De um lado, o jeitinho é uma busca de conciliação, de saída amistosa. Por
outro pode ser um sintoma de que não temos leis, regras e normas adequadas a
nossa sociedade. Assim, como coloca DaMatta, no Brasil não há simplesmente o
pode e o não pode, há também o jeito ou jeitinho.38 Lívia Barbosa contribui para
o tema, afirmando que:
38
DAMATTA, Roberto Augusto. Op. cit. p. 100.
39
BARBOSA, Lívia. O jeitinho brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 137.
HOFSTEDE, Geert. Culture’s consequences: international differences in work-related values.
40
Op. cit.
• distância do poder;
• precaução contra incertezas;
• individualismo versus coletivismo; e
• masculinidade versus feminilidade.
Distância do poder
Define-se distância do poder a partir das desigualdades que ocorrem em ter-
mos de prestígio social, riqueza e poder. As desigualdades dentro de qualquer or-
ganização são inevitáveis e, muitas vezes, funcionais – explicitadas em parte pela
hierarquia organizacional. O que varia é o grau e a forma como o poder é distri-
buído. Essas diferenças podem ser identificadas a partir da análise dos estilos de
liderança, dos processos decisórios e da relação entre chefes e subordinados.
Em países que apresentam baixa distância do poder, os processos decisórios
tendem a ser mais participativos e existe maior nível de cooperação entre chefes
e subordinados. Em países que apresentam alta distância do poder, atitudes au-
41
HOFSTEDE, Geert. The cultural relativity of organizational theory. Op. cit. O levantamento
feito por Hofstede é passível de críticas. O próprio autor coloca que afirmações sobre culturas ou
características nacionais podem soar como superficialidades e falsas generalizações principalmente
por não haver uma linguagem geralmente aceita para descrever uma coisa tão complexa como cul-
tura. Acreditamos, porém, que estas colocações não sejam críticas para o atendimento dos objetivos
deste trabalho.
A dimensão masculinidade versus feminilidade não será discutida em função da redundância
42
dos traços que a compõem dentro do foco explorado por este trabalho.
Prevenção à incerteza
Situações de incerteza tendem a gerar ansiedade nas pessoas. Diante da pers-
pectiva de que o futuro é, em maior ou menor grau, incerto, as sociedades hu-
manas têm desenvolvido variadas formas de lidar com a incerteza. Essas formas
pertencem às heranças culturais das sociedades e são transferidas e reforçadas
por instituições como a família, a escola e o Estado.
O conceito de incerteza é de grande importância para o estudo do comporta-
mento das organizações. Um reflexo disso é a atenção recebida nos últimos anos,
dentro dos Estudos Organizacionais, pelas chamadas variáveis ambientais. Essas
variáveis representam, afinal, o que está, por pressuposto, fora do controle das
organizações.
Organizações empregam tecnologia, normas, cerimônias e rituais para, su-
postamente, aumentar a previsibilidade do futuro. Maior o desejo de controlar
as influências externas, maior a tendência de gerar regulamentos e normas para
garantir o controle.43 Estes artefatos não tornam a realidade mais previsível, mas
ajudam a aliviar pressões, criando pseudocertezas. É o caso de parte considerável
dos sistemas de planejamento e controle.
Países com baixa prevenção à incerteza são caracterizados por baixos níveis
de ansiedade da população, menos stress no trabalho, menor resistência a mu-
danças e maior capacidade para assumir riscos nos negócios. Países com alta
prevenção à incerteza, por sua vez, apresentam alto nível de preocupação com o
futuro, mais stress no trabalho, forte resistência a mudanças e medo do fracasso
nos negócios.
A Figura 3.2 inclui o Brasil entre as nações com alta prevenção à incerteza.
Esta característica, combinada com alta distância do poder, parece relacionar-se
a sociedades onde as relações pessoais e os processos de trabalho são fortemente
guiados por estruturas burocráticas, por tradições, por normas e leis.
43
PERROW, C. Complex organizations: a critical essay. Glenview: Foresman, 1972.
44
DaMatta examina como a burocracia (do tipo puro, patrimonial ou tropicalizada) interage com o
país do carnaval. DAMATTA, Roberto Augusto. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia
do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Guanabara, 1990. Ver também VIEIRA, C. A.; COSTA, F. L.;
BARBOSA, L. O. O jeitinho brasileiro como um recurso de poder. Revista de Administração Pública,
v. 16, n. 2, abr./jul. 1982.
Há algumas sociedades nas quais se consideram todos os parentes (avós, tios, primos etc.) como
45
pertencentes à família; em outras, o critério restringe-se apenas aos elementos do núcleo familiar
(pai, mãe e filhos).
A Figura 3.3 mostra o Brasil como um país com alto grau de coletivismo.
Aqui devemos uma vez mais colocar a questão: que elementos históricos de
nossa formação como povo estariam ligados à origem destes traços culturais?
Quanto à dependência moral dos empregados em relação à empresa, não parece
haver dúvida de que se origina do modelo colonial, das casas grandes e senzalas
dos engenhos de açúcar. Aqui, a empresa seria, de alguma forma, uma extensão,
uma síntese destas duas. Conteria, ao mesmo tempo, a camaradagem entre os
colegas – própria da relação entre iguais – e a relação de subordinação com o
chefe ou patrão – a mão que alimenta, provém sustento e, ao mesmo tempo,
subordina e castiga. De qualquer forma, as mudanças contemporâneas parecem
estar abalando consideravelmente este vínculo, tendendo a transformá-lo numa
relação mais profissional, ainda que a forte herança anterior deva permanecer
um traço importante.
Outro traço a analisar é a preferência por processos consensuais. Numa socie-
dade avessa ao conflito e ao enfrentamento explícito, o estar bem com os demais
é essencial à manutenção do equilíbrio. No Brasil, os processos decisórios são
intrincados e coletivos, ainda que este coletivismo se dê entre membros de uma
mesma classe e seja marcado por ambiguidades. Nossa noção de solidariedade é
precária e parece envolver somente os muito próximos. Não chegamos a concluir
o caminho que leva à noção de cidadania e bem comum.
É importante observar que os pontos aqui vistos obviamente não esgotam as
possibilidades de análise ou mesmo os traços culturais mais importantes. Na se-
ção seguinte, revisaremos o percurso trilhado e discutiremos limitações do estudo
e possibilidades de desdobramentos.
Hofstede observa que, apesar de não se constituir regra geral, países com alta distância de
46
poder tendem a também apresentar altos níveis de coletivismo. HOFSTEDE, Geert. Culture’s conse-
quences: international differences in work-related values. Op. cit.
CONCLUSÃO
Síntese
No início do capítulo, vimos como o tema da cultura organizacional ganhou
as luzes da fama a partir do vínculo estabelecido entre certos traços culturais e
sucesso empresarial. Discutimos, então, como a tentativa de transposição destes
traços – apoiada numa superada visão etnocêntrica – poderia constituir-se numa
solução simplista. Como alternativa, propusemos o conceito de alteridade, ou
seja, que o estudioso da cultura organizacional deve alimentar-se de um forte
relativismo cultural, de modo a neutralizar eventuais distorções provocadas por
seu contexto de origem.
Em seguida, discutimos os conceitos de convergência versus divergência cul-
tural e de administração intercultural. O ponto a ressaltar é que a gestão de
organizações hoje passa obrigatoriamente pela compreensão dos contextos so-
ciais e culturais. O meio ambiente não pode mais ser considerado algo externo
às organizações. Sua influência é nítida nos valores, atitudes e comportamentos
das pessoas que as compõem e tem reflexos nos processos decisórios e nas for-
mas de gestão.
Visando explorar a contribuição de alguns autores obrigatórios para a com-
preensão da formação social e cultural brasileira, na seção seguinte detivemo-nos
em algumas de suas obras mais importantes, delas retirando as formulações que
mais nos auxiliassem a entender o universo organizacional de nosso país. Num
percurso que não obedeceu a uma cronologia histórica rígida, buscamos recupe-
rar questões relacionadas à forma de colonização, à formação da sociedade e à
herança cultural de várias etnias que compuseram o povo brasileiro. Encerramos
a seção analisando duas importantes entidades do universo social brasileiro: o
“você sabe com quem está falando?’’ e o jeitinho.
O passo seguinte foi tentar elaborar, a partir de elementos tomados do trabalho
de Geert Hofstede, alguns conceitos acerca de traços culturais comuns a organiza-
ções brasileiras. Tomamos, então, três dimensões elaboradas pelo autor – distância
do poder, prevenção à incerteza e individualismo versus coletivismo – e as utiliza-
mos para buscar melhor elucidar o que seria uma cultura organizacional brasileira.
Neste trajeto, procuramos dar um passo além, propondo-nos estabelecer vínculos
entre elementos da formação do povo brasileiro, vistos na seção anterior, e traços
da cultura organizacional brasileira.
Cabe, agora, fazer alguns comentários de ordem geral sobre o percurso. Algo
que nos parece central é que qualquer tentativa de compreensão do universo
organizacional brasileiro, por este estar relacionado ao contexto atual e histórico
do país, deve considerar os seguintes aspectos:
Limitações do trabalho
Não temos dúvidas de que a tarefa que nos propusemos neste trabalho, de
estabelecer ligações entre traços culturais básicos e características de uma cultura
organizacional brasileira, supera em muito as possibilidades de um artigo ou um
capítulo de livro. De fato, uma análise sistemática destas complexas correlações
exigiria considerável esforço de pesquisa para o qual, esperamos, alguns leitores
se motivem a contribuir.
Outra limitação a ser considerada, de caráter metodológico, é a própria ca-
racterística das categorias propostas por Hofstede, aqui adotadas. Embora, sem
dúvida, as dimensões propostas por aquele autor propiciem valiosas elaborações
conceituais, não há como negar que as formulações mais amplas, empreendidas
pelos autores brasileiros, possam resultar em análises mais ricas sobre a realidade
de nossas organizações.
Estética Organizacional
Thomaz Wood Jr., Paula Csillag
“Nossos olhos foram reduzidos a instrumentos para iden-
tificar e para medir; daí nós sofremos de uma carência de
ideias traduzíveis em imagens e de uma capacidade de desco-
brir significado no que vemos.”
(Rudolf Arnheim)
APRESENTAÇÃO
Empresas vivem sob a égide da racionalidade. Se pedirmos a um executivo
que descreva a organização na qual trabalha, boa chance há de sermos brindados
com cifras, números, diagramas e organogramas. Ainda que o ideal burocrático
weberiano somente seja observado na prática em formas incompletas ou perver-
tidas, tal modelo e suas evoluções (ditas pós-burocráticas) constituem loci privi-
legiados da instrumentalidade.
Essa condição encontra um espelho de pouca distorção no campo de estudos
organizacionais, onde a corrente funcionalista-positivista ainda é dominante. Por
isso, quem apresentar conceitos de estética a acadêmicos e empresários correrá
o risco de ser mal compreendido ou de não ser levado a sério. De fato, apesar de
iniciativas para trazer o termo estética ao mundo empresarial, permanece uma
aura de exotismo e hermetismo.
Por outro lado, alguns pesquisadores vêm-se apropriando de conceitos re-
lacionados a estética e aplicando-os à compreensão de fenômenos organizacio-
nais (eg. Gagliardi, 1990; 1996, 1999; Gherardi, 1999; Ottonsmeyer, 1996; Pelzer,
1995; Strati, 1992; 1999). Nesse ensaio introdutório, afiliamo-nos a essa cor-
rente e propomos a percepção estético-visual como recurso para a apreensão e
compreensão de fenômenos organizacionais.
A estética secularizada
Pensamento visual
Ao falarmos em contemplação de um objeto, em percepção e na tensão que
traz vida ao processo perceptivo, remetemo-nos invariavelmente ao conceito de
linguagem visual e percepção visual.
Segundo Arnheim (1997 [1954]), longe de ser um registro mecânico de ele-
mentos sensórios, a visão constitui uma apreensão verdadeiramente criadora da
realidade: imaginativa, inventiva e perspicaz. Os mesmos princípios atuam nas
várias capacidades mentais porque a mente sempre funciona como um todo. Toda
percepção é também pensamento, todo raciocínio é também intuição e toda a ob-
servação é também invenção. A capacidade de relacionar-se artisticamente com a
vida é uma possibilidade que têm todas as pessoas que possuem um par de olhos.
Arnheim argumenta que os seres humanos, ao longo de seu desenvolvimento
histórico, têm negligenciado o dom de compreender as coisas através de seus
sentidos. Por isso, o autor defende a ideia da riqueza interpretativa proveniente
de fontes sensoriais e perceptivas, presentes nos fatos visuais.
Para Kepes (1995 [1944]), a linguagem da visão determina a estrutura da
nossa consciência de forma mais sutil e ampla do que a linguagem verbal. O autor
apresenta uma gramática e uma sintaxe da visão; ou seja: as inter-relações de
quais forças do sistema nervoso humano e do mundo exterior produzem quais
tensões visuais e soluções para tensões; quais combinações de elementos visuais
resultam em quais novas organizações de sentimentos; e quais afirmações vi-
suais podem ser feitas com linhas, cores, formas, texturas e arranjos.
Bonowski (1978) descreve a experiência estética como uma jornada de desco-
berta – como um ato da mente no qual uma pessoa passa a conhecer de maneira
mais rica ou profunda algum aspecto ou essência da vida. Maslow (1971), por
sua vez, chama a atenção ao aspecto peculiar e quase paradoxal da “anti-auto-
consciência”, notando que a experiência estética desaparece com qualquer tenta-
tiva de enquadrá-la para inspeção.
Urmson (1962) e Sandelands e Buckner (1989) buscam caracterizar a expe-
riência estética. Urmson (1962) identifica a experiência estética de acordo com
alguns critérios de valores, tais como harmonia, equilíbrio e integridade. San-
delands e Buckner (1989) descrevem quatro características que contemplam a
experiência estética: fronteiras que separam o objeto das demandas do mundo
real, permitindo a percepção navegar à beira da consciência: tensão que traz vida
ao processo perceptivo demandando uma solução do observador; uma maneira
de proceder em direção a uma solução; e uma possibilidade não resolvida que
desafia o observador a encontrar uma solução, talvez uma nova solução a cada
vez que contempla o objeto. Os autores defendem ainda que as propriedades das
obras de arte não causam a experiência estética, mas apresentam as condições
para sua aparição. É necessário que o observador esteja interessado em ver o
objeto dessa maneira.
Estética e a burocracia
Tome-se primeiramente o trecho que abre o belíssimo romance Êxtase da
transformação. Em poucos parágrafos, o escritor austríaco Stefan Zweig coloca sua
lha, sete vezes por semana, trinta por mês. Quando, no dia 31 de dezembro,
o calendário está magro e acabado, é requisitado outro do mesmo formato,
do mesmo tamanho, com a mesma impressão. O ano é outro, o calendário é
o mesmo” (Zweig, 1987: 7-9).
“(...) Não é apenas a antiga Roma, mas a Itália moderna que afeta as atitu-
des da Cúria... ‘Os italianos estão acostumados às coisas não funcionarem’,
explica um americano que mora em Roma... A eficiência não é uma priori-
dade nesta cidade. A bella figura – a maneira como você faz as coisas – é
mais importante do que o que você conseguiu realizar. A beleza (bella) é mais
importante que a velocidade, a quantidade ou a eficiência. Um artesão julga
a si mesmo pela beleza de seu trabalho, não pela quantidade que ele produz.
Não se trata simplesmente da beleza do produto acabado, mas a maneira
como ele é feito. Um bom emprego permite que um italiano seja um artista e
um performer.”
CONCLUSÃO
Neste ensaio advogamos que a percepção estética pode ser uma trilha pri-
vilegiada para a compreensão de fenômenos organizacionais. Apresentamos os
argumentos de alguns autores do campo e discutimos brevemente três exemplos
de apreciação estética do universo das organizações e do trabalho.
Acreditamos que este texto faz eco a outro – “One culture and the new sen-
sibility” – publicado há mais de trinta anos na conhecida coletânea Against inter-
pretation, de Susan Sontag (1966). Naquele ensaio, a conhecida ensaísta norte-
americana comenta o que denomina dualidade cultural. Segundo a autora, nossa
época vive uma polarização cultural: de um lado, temos a cultura científica; de
outro, temos a cultura literária e artística. Cada uma dessas culturas constitui um
universo cognitivo próprio, com diferentes definições de problemas, metodolo-
gias e técnicas de investigação.
A cultura literária e artística é humanista e generalista. Seu foco principal é o
ser humano e o seu desenvolvimento. Ela é voltada para dentro, para a subjetivi-
dade humana. A cultura científica é uma cultura de especialistas; requer extrema
dedicação para a compreensão e atuação. É uma cultura voltada para fora, bus-
cando a construção de teorias e a solução de problemas.
Sontag, como outros pensadores, localiza a origem dessa fragmentação na
Revolução Industrial. Segundo ela, essa dissociação, esse aparente conflito entre
essas duas culturas, é uma simplificação, uma ilusão que está se esvaindo, dando
origem a um movimento de criação de uma sensibilidade unificadora.
Esse movimento unificador — ou reunificador — relaciona-se às mudanças
da experiência humana na Terra, causadas pelo aumento da mobilidade, pelo
crescimento da velocidade de circulação das informações, pelo crescimento da
densidade demográfica e de bens materiais e pelo advento do multicul- turalismo.
Nesse movimento, a arte tem sua função mudada. De uma operação mágico-
religiosa, a arte passa a ser um instrumento para a modificação da consciência e
para a organização de novos modos de sensibilidade (Sontag, 1966:296). Caem
as fronteiras convencionais entre a cultura literária e artística e a cultura cientí-
fica. A nova sensibilidade deve ser pluralista. No campo de estudos das organi-
zações, isso pode significar a incorporação da percepção visual e da perspectiva
estética à apreciação e interpretação de fenômenos organizacionais.
Referências Bibliográficas
ARNHEIM, R. Arte e percepção visual. São Paulo: Pioneira, 1997 [1954].
. Visual Thinking. Berkeley: University of California Press, 1969.
BLUE IS THE COLOR. The Economist, 6th June, 1998, p. 31-32.
APRESENTAÇÃO
A temática do controle social nas organizações é central na análise organiza-
cional por diversas razões, entre as quais se destaca o fato de que as organizações
são essencialmente instâncias de produção de bens, de conhecimentos etc., bem
como instâncias de controle, a serviço de sistemas sociais maiores. Tal fato não
tem passado despercebido à teoria organizacional, tanto no que diz respeito aos
mecanismos de controle que se efetivam no interior das organizações, como no
que se refere à crítica, já dotada de ampla tradição na área, e às formas tradicio-
nais assumidas pelos arranjos organizacionais altamente voltados para a função
de controle social. A proposta original contida neste ensaio foi colocar o proble-
ma do controle social nas organizações e esboçar uma avaliação da literatura
clássica corrente, na crítica dos arranjos organizacionais altamente voltados para
a função do controle social. Posto isto, haverá possibilidade de formulação de
uma hipótese maior, dedutível em outras, tanto no que diz respeito à pesquisa
teórica quanto à empírica.
A origem deste capítulo foi um trabalho realizado por Fernando C. Prestes
Motta em 1979. Desde então, houve algumas mudanças nas formas de controle
social exercidas pelas organizações. Com o delineamento da chamada socie-
dade pós-industrial, caracterizada pela rápida criação de novas tecnologias e
produtos, as organizações modificam-se; conceitos e papéis organizacionais são
redefinidos.
1
BELL, Daniel. Vers la Société Post Industrielle. Paris: R. Laffont, 1976; ALTER, Norbert. Logiques
de l’entreprise Informationnelle. Revue Française de Gestion, nº 74, 1989, p. 28; MINTZBERG, Hen-
ry. Structure et dynamique des Organisations. Paris: Editions des Organisations, 1982.
DEAL, T.; KENNEDY, A. Corporate cultures: rites and rituals of corporate life. New York: Addison-
2
Wesley, 1991.
3
STINCHOMBE, Arthur. Social structure and organizations. In MARCH, James. Handbook of orga-
nizations. Chicago: Rand McNally, 1965. p. 144.
4
ALTER, Norbert. Op. cit. p. 30.
5
SMIRCICH, Linda. Organizations as shared meanings. In: PONDY, L. (Org.). Organizational sym-
bolism. Greenwich: JAI, 1983. p. 55-65.
6
GIOIA D. A.; CHITTIPEDDI, K. Sensemaking and sensegiving in strategic change iniciation. Stra-
tegic Management Journal, Chichester, v. 12, nº 6, p. 20-25, Sept. 1991.
7
SMIRCICH, Linda. Studing organizations as cultures. In: MORGAN, G. (Org.). Beyond method:
strategies for social research. Beverly Hills, CA: Sage, 1983.
8
CHANLAT, J. F. O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1992.
9
BERGER, P.; LUCKMANN, A. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 1989; WEXLER,
M. Pragmatism, interactionism and dramatism: interpretating the symbols in organizations. In:
PONDY, L. (Org.). Organizational symbolism. Greenwich: JAI, 1983.
Newbury: Sage, 1986. Capítulo 5. Existe tradução brasileira pela Atlas, Imagens da organização.
WEXLER, M. Op. cit. CHACON, J. M. Symbolic interacionism: an introduction on interpretation
11
12
VASCONCELOS, I. IBM: o desafio da mudança. Revista de Administração de Empresas. São Pau-
lo, v. 33, nº 2, mar./abr. 1993.
13
ALTER, N. Logiques de l’entreprise informationnelle, Revue Française de Gestion. Paris, nº 74,
p. 28, 1989; VASCONCELOS, I. O market driven quality, a cultura organizacional e política de qua-
lidade da IBM. São Paulo: EAESP/FGV, 1983 (dissertação de mestrado), em que a autora mostra os
subgrupos e descreve a estrutura da IBM, que reproduz a divisão social por classes. Sobre mudança
organizacional, ver WOOD JR., T. Mudança organizacional, ciência ou arte? São Paulo: EAESP/FGV,
1993 (dissertação de mestrado), em que o autor reflete sobre as dificuldades na implementação de
programas de mudança organizacional planejados. Ver FREITAS, M. E. Cultura organizacional: for-
mação, tipologia e impactos. São Paulo: Makron, 1991, em que a autora fornece subsídios teóricos
para o estudo da cultura organizacional.
O processo de socialização
A socialização pode ser entendida como o processo global pelo qual um indi-
víduo, nascido com potencialidades comportamentais de espectro amplo, é leva-
do a desenvolver um comportamento bem mais restrito, de acordo com padrões
de seu grupo. Esse conceito foi bastante utilizado na análise do impacto dos fato-
res culturais no desenvolvimento da personalidade individual. No que se refere às
organizações, o conceito vem sendo empregado em termos de doutrinação e trei-
namento, reportando-se ao que Edgar Schein chamou de “o preço de participar’’.
A socialização organizacional deve ser vista como um processo contínuo, que
começa antes mesmo da entrada neste sistema, já que outros sistemas sociais
inculcam, desde o nascimento, valores e normas conformes ao comportamento
aceitável em organizações complexas. Não pára aí, porém, o processo; continua
durante toda a permanência na organização. Nas palavras de Caplow, em 1964:
“Os comportamentos apropriados a uma posição organizacional não são adquiridos
de uma vez e completamente, quando a posição é assumida, mas são aprendidos e
reaprendidos durante o período de uma carreira.”14
O processo de socialização é responsável pela lealdade, comprometimento,
produtividade e nível de rotatividade. A estabilidade organizacional depende
bastante da socialização, o que implica forte transmissão de ideologia. A organi-
zação é com frequência amada e odiada a um só tempo, algo semelhante ao que
alguns autores chamam de amor-fusão.15
Como grande número de processos, também a socialização organizacional
apresenta suas fases. Não é difícil identificar a fase de chegada, quando um indiví-
duo traz para uma nova organização ou posição um conjunto de valores, atitudes
e expectativas, conjunto este que será reconstruído no interior da organização.
Também não é difícil identificar uma fase de confronto, quando o conjunto de
atitudes e predisposição do indivíduo encontra os desejos e valores prevalentes
na organização. É a fase em que o indivíduo se submete a reforço e confirmação,
a ausência de reforços, ou ainda a reforços negativos, isto é, a reações de apro-
vação, indiferença ou punição, por ele percebidas como vindas da organização.
Finalmente, há uma fase de mudança e aquisição, quando o indivíduo começa a
agir de forma a aprender e a desenvolver comportamentos e idéias modificadas.
Algumas destas aquisições dizem respeito a uma nova auto-imagem, isto é,
a uma nova percepção de si mesmo desenvolvida pelo indivíduo, como resultado
de sua interação a seu papel organizacional. Dizem respeito também ao estabe-
lecimento de novos relacionamentos frequentemente em prejuízo de relaciona-
mentos antigos, à recepção, aceitação e internalização de novos valores e a novos
conjuntos de comportamentos, alguns deles essenciais para a permanência na
organização e para a obtenção de algumas recompensas. Em termos de necessi-
CAPLOW, T. Principle of organization. New York: Harcourt Brace & World, 1964. p. 169. Apud
14
PORTER, M., et al. Behavior in organization. New York: McGraw-Hill, 1975. p. 162.
ENRIQUEZ, E. La notion de pouvoir. L’economie et les sciences humaines. Paris: Dunot, t. 1: Thé-
15
ories, conceptes et méthodes, p. 257-306. Ver também alguns estudos de organizações orientados
pela metáfora de organizações como prisões psíquicas (paradigma radical-humanista). Para tanto, ver
MORGAN, G. Exploring Plato’s cave: organizations as psychic prisons. Images of organization. New-
bury: Sage, 1986.
SCHEIN, Edgard. The individual, the Organization and the Career. A Conceptual Scheme. Jour-
16
nal of Applied Behavioral Science, nº 7, p. 401-426, 1971. Apud PORTER, M. Op. cit. p. 167.
17
BRESLER, Ricardo. Organização e programas de integração: um estudo sobre a passagem. São
Paulo: EAESP/FGV, 1993 (Tese de mestrado, onde o autor faz um estudo crítico sobre treinamento
e programas de trainees).
LIPPIT, G.; NADLER, L. Emerging roles of the training director. Training and Development Jour-
18
nal, v. 33, nº 6, p. 26-30, 1979, WARNOTTE, Georges. Ressources humaines: L’evaluation ligotée.
Revue Française de Gestion, Sept./Oct. 1979.
19
DEAL, T., KENNEDY, A. Op. cit.
Estudos nesta linha são desenvolvidos nas organizações com base nos estudos de BURKE, K.
20
Dramatism and development. Barre: Clak University Press, 1972; BURNS. Theatricality. New York:
Harper and Row, 1972.
21
WEXLER, M. Op. cit. p. 250.
22
LAWLER, Edward, HACHMANN, R. Op. cit.
23
SEGNINI, Liliana. Liturgia do poder: trabalho e disciplina. São Paulo: Educ, 1988, onde a autora
faz um estudo crítico sobre os métodos de controle social do Bradesco.
24
PAGÈS, Max. Poder nas organizações. São Paulo: Atlas, 1993; JUNG, Karl. Man and the symbols.
Londres: Aldus Books, 1964; MARCUSE, O. O homen unidimensional. Boston: Beacon Press, 1964;
FREUD, S. General introduction to Psychoanalysis. New York: Liveright, 1922; FROMM, Erich. Fear
of freedom. Londres: Routledge & Keagan Paul, 1942; MORGAN, G. Op. cit.
Ver DURAND, G. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1989.
25
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992; BERMAN, Marshall. Tudo
26
que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986;
WOOD JR., Thomaz. Fordismo, Toyotismo e Volvismo: os caminhos da indústria em busca do tempo
perdido. Revista de Administração de Empresas. São Paulo, v. 32, n. 4, p. 6-18, set./out. 1992. Este
artigo faz parte desta coletânea.
1975; BENDIX, Work and autoritary industry. New York: Wiley, 1956; WALTER, Gordon, PONDY,
L. (Org.). Psyche and symbol. Organizational symbolism. Beverly Hills: Sage, 1983; ABRAVANEL,
Harry. Mediatory myths in the service of organizational ideology. Apud PONDY, L. (Org.) Organi-
zational symbolism. Beverly Hills: Sage, 1983; MORGAN, Gareth. Op. cit.
28
THOMAS, Kenneth. Conflict and conflict management. In: DUNNETE, M. D. Handbook of indus-
trial and organizational psychology. Chicago: Rand McNally, 1976.
Em uma abordagem funcionalista, pode-se ver a metáfora das organizações como organismos.
29
Ver MORGAN, Gareth. Nature intervenes: organizations as organisms. Images of organization. New-
bury: Sage, 1986, p. 39-71; MOTTA, Fernando P. Teoria das organizações, evolução e crítica. São
Paulo: Pioneira, 1986.
por excelência. Nada mais lógico do que a realização e a reprodução em nível or-
ganizacional daquilo que ocorre em um plano social maior, no qual, sem dúvida,
as organizações têm um papel central.
Gareth Morgan30 sistematiza o estudo das organizações como sistemas polí-
ticos, lidando com a questão do conflito de interesses e dando especial ênfase à
dimensão do poder.31
O comportamento grupal tem sido exaustivamente estudado pelos teóricos
das organizações e pelos psicólogos sociais, em especial a partir de Kurt Lewin.
Modernamente, a tradição psicanalítica também tem-se preocupado com o gru-
po de forma bastante significativa.32 O trabalho de Bion sobre o comportamento
grupal, por exemplo, parece ser algo incorporado de modo definitivo aos esforços
de compreensão dessa sorte de processos.
Outras correntes de pesquisa bastante diversas vêm-se também ocupando
dos grupos de trabalho: na França, o grupo de Análise Institucional, e nos Estados
Unidos, o grupo do Desenvolvimento Organizacional. Michael Beer, referindo-
se às intervenções intergrupais, afirma: “O grupo primário é, provavelmente, o
mais importante subsistema do interior de uma organização. Sua importância na
configuração do comportamento organizacional faz recordar a visão de Likert da
organização como uma série de pequenos grupos ligados por indivíduos que são
membros em um grupo e líderes em outro. Não é, portanto, surpreendente que o de-
senvolvimento grupal tenha recebido tanta atenção.”33 Como citado anteriormente,
uma das funções dos simbolic managers é atuar como elementos de ligação entre
diversos grupos, a fim de buscar a integração e a aceitação dos padrões contidos
na cultura organizacional mais ampla da empresa.
A visibilidade do grupo é muito forte para o indivíduo, entre outras razões,
porque define seu “universo social’’. Faz sentido declarar que “um conjunto de
afirmações grupais de uma pessoa pode ser visto como definidor de sua posição, em
uma organização, de modo análogo à forma pela qual a posição espacial de uma
pessoa define sua posição no universo físico. Nos dois casos, a filiação e a posição
30
MORGAN, G. Op. cit.
31
MILLER, E.; RICE, A. Systems of organization. Londres: Tavistock, 1967; ANSART, Pierre. Ideolo-
gias, conflito e poder. São Paulo: Zahar, 1978. O autor estuda também neste livro a eficácia do nível
simbólico como fonte de dominação nas organizações, cap. 8; MORGAN, Gareth. Interests, conflict
and power. Images of Organization. Newbury: Sage, 1986. p. 141-194.
32
O paradigma radical-humanista descrito por Gareth Morgan em seu livro Organizational symbo-
lism. MORGAN, Gareth. Op. cit. SMIRCICH, Linda. Studing organizations as cultures. In: MORGAN,
G. (Org.) Beyond method: strategies for social research. Beverly Hills: Sage, 1983.
BEER, Michel. Technology of organization development. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit., p. 955.
33
Sobre a organização informal e seus relacionamentos com subgrupos organizacionais ver MORGAN,
Gareth. Op. cit. p. 112-134.
Ver HACKMAN, J. Richard. Group influences on individuals. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit.
34
p. 1.459.
35
PORTER, Michael. The competitive advantage of nations. New York: Free Press. p. 33-46.
36
STARBUCK, W. Organizations and their environments. In: DUNNETE, Marvin. Op. cit. p. 1.078-
1.080.
37
Ver estudos ligados ao paradigma interacionista aplicados à administração e derivados da tradição
fenomenológica, que dizem que toda a interpretação está ligada a seu contexto de significados. A “sense-
make metaphor’’ ou significados compartilhados permite estudar esta questão. Ver WEXLER, M. Prag-
matism, interactionism and dramatism: interpreting the symbols in organizations. In: PONDY, L. (Org.).
Organizational symbolism. Greenwich: JAI, 1983; FORGHIERI, Yolanda. Psicologia fenomenológica:
fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira, 1993.
38
PAGÈS, Max. O poder das organizações. São Paulo: Atlas, 1993.
39
Ver, a este respeito, VASCONCELOS, Flávio. Direito, trabalho e burocracia. São Paulo: EAESP/
FGV, 1989 (dissertação de mestrado), onde o autor descreve de forma crítica a burocracia e o au-
toritarismo presentes na justiça do trabalho brasileira e nas organizações em geral, salientando seu
papel como forma de dominação social.
40
MERTON, Robert. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. p. 275.
41
MERTON, Robert. Estrutura burocrática e personalidade. In: CAMPOS, Edmundo. (Org.) Socio-
logia da burocracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966.
42
Idem, ibidem.
43
Idem, ibidem.
44
Idem, ibidem.
FLEURY, Maria Tereza. Cultura organizacional e estratégias de mudanças: recolocando estas
45
questões no cenário brasileiro atual. Revista de Administração. São Paulo: USP, v. 26, n. 2, p. 3-11,
abr./jun. 1991.
Selznick
Selznick desenvolveu seu modelo mostrando, como Merton, algumas formas
pelas quais a burocracia acaba alcançando resultados não desejados. Sua análise
deriva do estudo da TVA, uma agência regional norte-americana algo semelhante
à Sudene, cujos resultados foram publicados em 1949.48 Em trabalhos posterio-
46
MARCHI, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Rio de Janeiro: Fundação Ge-
túlio Vargas, 1966. p. 53
CAMPBELL, J. Miths to live by. New York: Viking, 1972; DANDRIDGE, T. Symbols function and
47
49
SELZNICK, Philip. Leadership in administration. Illinois: Evanton, 1957.
SELZNICK, Philip. Cooptação: um mecanismo para a estabilidade organizacional. In: CAMPOS,
50
Estes modelos estão sistematizados no livro de Gareth Morgan Images of organization. Ver MORGAN,
51
Gouldner
Segundo o modelo de Alvin Gouldner, a origem das perturbações no equilí-
brio da organização como sistema maior, derivadas de técnicas de controle des-
54
MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Op. cit. p. 73.
55
MARTIN, Joanne; POWERS, Melanie. Truth or corporate propaganda: the value of a good war
story. In: PONDY, L. (Org.) Organizational symbolism. Op. cit.; WILKINS, Alan. Organizational stories
as symbols which control the organization. In: PONDY, L. (Org.) Organizational symbolism. Op. cit.
GOULDNER, Alvin. Patterns of industrial bureaucracy. Glencoe, Illinois: Free Press, 1954. Apud
56
58
GOULDNER, Alvin. Conflitos na teoria de Weber. In: CAMPOS, Edmundo. Sociologia da buro-
cracia. Rio de Janeiro: Zahar, 1966. p. 61.
MILLS, C. W.; GERTH, H. From Max Weber. New York: Oxford University Press, 1946. p. 254,
59
Michel Crozier
Michel Crozier procurou fundamentar sua análise do sistema de organização
burocrática na luta pelo poder e por sua manutenção. Todavia, não conseguiu,
em suas primeiras e mais clássicas análises, fugir aos paradigmas da herança da
crítica administrativa da burocracia já levantada. A crítica inicial de Crozier é um
típico exemplo de como um método de análise pode empobrecer um conjunto
rico de ideias.
Para ele, sensatamente, não se pode compreender o funcionamento de uma
organização sem levar em conta os problemas da administração. Os problemas
da administração são vistos como problemas de ação cooperativa, muito mais
do que como problemas de dominação. Por este motivo, têm como ponto de
partida o pressuposto de que “toda ação cooperativa coordenada exige que cada
participante possa contar com um grau suficiente de regularidade por parte dos
outros participantes, ou seja, que toda organização, qualquer que seja sua estrutura,
quaisquer que sejam seus objetivos e sua importância, requer de seus membros uma
quantidade variável, mas sempre importante, de conformidade’’.61
60
MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. Op. cit. p. 74.
61
CROZIER, Michel. Le phenomène bureaucratique. Paris: Seuil, 1970. p. 242.
Até o início do século XX, a conformidade foi obtida por meio da violência,
e as empresas do século XIX adotaram o velho modelo burocrático militar. Com
toda razão, Crozier salienta que é um erro negligenciar, em sociologia histó-
rica, a documentação disponível sobre os fundamentos das primeiras grandes
organizações comerciais, dos primeiros exércitos permanentes e das ordens re-
ligiosas.62 Todavia, Crozier não faz uma sociologia histórica. Apresenta mais um
modelo, dotado de quatro traços essenciais que caracterizam a burocracia mo-
derna. Como os demais modelos já mencionados, peca pela falta de colocação da
burocracia numa perspectiva histórica.63 Os quatro traços que Crozier apresenta,
de forma crítica, são:
62
CROZIER, Michel. Ob. cit. p. 243.
LAPASSADE, Georges. Grupos, organizações e instituições. Rio de Janeiro: Francisco Alves,
63
1977. p. 145.
64
CROZIER, Michel. Op. cit.
O GRUPO DE ASTON
Em termos bastante gerais, podemos afirmar que o trabalho do Grupo de
Aston, na Grã-Bretanha, pretendeu demonstrar, de modo empírico, que a buro-
cracia constitui um conceito pluridimensional, ao contrário do que o conceito de
“tipo ideal’’ de Max Weber sugere. Escolheram para tanto um caminho ingrato,
o teste empírico de uma construção teórica que, por sua própria natureza, não
é empiricamente testável. Ainda assim, de posse de um instrumento analítico
relativamente sofisticado, pretenderam invalidar o “tipo ideal’’ weberiano, com
base na descoberta de uma correlação negativa entre estruturação de atividade
e centralização na tomada de decisões. Mesmo deixando de lado a ingenuidade
da proposta metodológica, resta ainda um problema, que consiste no fato de
que Weber parece ter relacionado concentração de poder no topo da hierarquia
e atividades altamente estruturadas, o que nada tem a ver com centralização ou
descentralização na tomada de decisões.67
O trabalho do Grupo de Aston levou ao estabelecimento de uma taxonomia
empiricamente derivada, que não pretende ser exaustiva, incluindo sete tipos
diversos de burocracia: (a) plena; (b) plena nascente; (c) de fluxo de trabalho;
(d) nascente de fluxo de trabalho; (e) de pré-fluxo de trabalho; (f) burocracia de
pessoal; (g) organização implicitamente estruturada.
Estes tipos refletem o que o Grupo convencionou chamar três “dimensões’’
burocráticas, operacionalmente definidas: (a) estruturação de atividade; (b)
concentração de autoridade; (c) controle de linha de fluxo de trabalho.68 Além
65
ALTER, Norbert. Logiques de l’entreprise informationnelle. Revue Française de Gestion, n. 74, 1989.
66
MARCH, Edmond; PICARD, Dominique. L’interaction sociale. Paris: PUF, 1989. p. 114.
67
MOTTA, Fernando C. Prestes. O sistema e a contingência. In: Teoria geral da administração: uma
introdução. 5. ed. São Paulo: Pioneira, 1976.
PUGH, D. S.; HICKDSN, D. S. J.; HINNINGS, C. R. An empirical taxonomy of structures of work
68
organizations. In: Administrative Science Quarterly, Ithaca, v. 14, n. 3, p. 378, Sept. 1969.
69
THOMPSON, Victor. Moderna organização. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1967. p. 5.
MOTTA, Fernando C. Prestes. Teoria das organizações nos Estados Unidos e União Soviética.
70
GOULDNER, Alvin. The coming crisis of Western sociology. New York/London: Basic Books,
71
1970. p. 410.
72
CROZIER, Michel; FRIEDBERG, Erhard. L’acteur et le système. Paris: Seuil, 1977. p. 22-24.
temor. As classes médias obtêm pouco proveito de uma economia dominada por
trustes e cartéis. Os grandes proprietários temem os perigos que vêm do exterior,
o proletariado procura proteger-se no Partido Social Democrata e nos sindica-
tos. Os pequenos burgueses temem as reivindicações trabalhistas. O Parlamento,
sem poder efetivo, está muito longe de poder ser visto como representante real
do povo. O delírio coletivo exacerbado do pangermanismo é dominante no co-
meço do século.73
Nesse contexto, Weber estuda a burocracia, e sua erudição o leva à elabo-
ração de uma sociologia, nem positivista, nem marxista, em que a teorização
sobre a dominação constitui elemento central. A obra monumental de Weber não
recusa as determinações históricas. Ao contrário, as instituições administrativas
são estudadas em épocas muito diversas, e o estudo da racionalidade burocrática,
que lhe é contemporânea, é paralelo ao da racionalidade capitalista. Na Alema-
nha, onde Weber produz teoricamente, ele é um profeta desarmado. Percebe o
poder da burocracia e percebe seu perigo. No plano político, propugna seu con-
trole pelo Parlamento.
Todavia, a teorização de Weber foi por demais empobrecida pela reinterpreta-
ção cultural feita pela teoria administrativa. Todo o esforço foi dirigido no sentido
de concentrar a atenção no “tipo ideal’’ de organização burocrática, de perceber se
as organizações se adaptavam a ele ou não. Com isto, perde-se de vista a proble-
mática central, ou seja, a dominação burocrática. Assim, a crítica administrativa,
ao afirmar que estamos passando para uma fase de organizações pós-burocráticas,
na verdade legitima ideologicamente a burocracia enquanto poder e dominação
que é. Por esta razão, é preciso enfatizar o que é mais rico na sociologia política de
Weber: a teoria da dominação.
Max Weber preocupa-se com a forma pela qual uma comunidade social apa-
rentemente amorfa chega a transformar-se em uma sociedade dotada de raciona-
lidade. Tal passagem se daria por meio do que chama de ação comunitária, cujo
aspecto fundamental é a dominação. Esta pode manifestar-se como dominação
mediante uma constelação de interesses, ou como dominação em função do po-
der de mando e subordinação. De qualquer forma, porém, uma pode facilmente
transformar-se na outra.
A dominação deve ser entendida como um estado de coisas no qual as ações
dos dominados aparecem como se estes houvessem adotado como seu o conteúdo
da vontade manifesta do dominante. Assim, embora a dominação seja uma for-
ma de poder, ela não é idêntica ao poder. Poder é a possibilidade que alguém ou
algum grupo tem de realizar sua vontade, inclusive quando esta vai contra a dos
demais agentes da ação comunitária.
VERMEIL, Edmond. The German scene: social, political, cultural – 1890 to the present days.
73
74
WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1974. v. 2, p. 701.
75
WEBER, Max. Ob. cit. p. 704.
76
WEBER, Max. On the methodology of the social sciences. Illinois: Glencoe, 1949. p. 90-93.
77
TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e ideologia. São Paulo: Ática, 1974. p. 139.
MOUZELIS, Nicos. Organization and bureaucracy. New York: London School of Economics,
78
Civilização ocidental: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 623.
CONCLUSÃO
Logo no início do presente texto, viu-se como a questão do controle social é
central na análise organizacional, por sua característica de instância de controle
a serviço de sistemas sociais maiores. Hoje, pode-se afirmar que esta temática é
central não só do ponto de vista teórico, como também para a compreensão das
alternativas que se colocam para um universo organizacional e social de acelera-
do processo de mudança.
A lógica de produção capitalista obriga o desenvolvimento das forças produ-
tivas. A competição econômica força as organizações a buscarem uma performan-
ce superior, renovando permanentemente o trabalho, a técnica e os produtos, e
dando origem a um espiral de mudanças infinito e vertiginoso.
Um ponto crucial deste desenvolvimento ocorre após a Segunda Guerra
Mundial, no casamento, em condições de mercado globalizado, da investigação
científica com o processo produtivo. A partir daí, a distância econômica entre os
blocos políticos se acentua. Os países socialistas e do Terceiro Mundo não conse-
guem seguir os passos dos países desenvolvidos.
O filósofo alemão Robert Kurz81 desenvolveu uma teoria para o momento
atual. Para Kurz, o mundo todo está integrado num único sistema, de forma
que uma crise nos países periféricos implica problemas nos países centrais. Além
disso, a concorrência no mercado mundial torna obrigatório o novo padrão de
produtividade, que combina necessidade de uma grande infraestrutura com alta
tecnologia e vultosos investimentos. Este novo padrão, num mercado altamente
interligado, representa um limite no processo de desenvolvimento capitalista.
Pela primeira vez, o aumento de produtividade implica dispensa de trabalhado-
res, restringindo o mercado consumidor.
A globalização econômica tem implicações antes impensáveis. A vitória de
uma empresa não significa apenas a derrota de sua concorrente, mas, eventual-
mente, pode acarretar impactos sociais graves a comunidades inteiras do outro
lado do mundo. Os países do Terceiro Mundo, perdidos no meio de uma transição
incompleta ao industrialismo, debatem-se em crises internas e não conseguem
formular projetos nacionais capazes de superar os impasses.
Paralelamente às macromudanças, as organizações refletem e catalisam no-
vas mudanças. A aceitação da visão mecanicista, da organização de comando e
controle, da burocracia de inspiração weberiana, coincide com a ascensão da ci-
vilização urbano-industrial. Seu declínio, por sua vez, leva a um questionamento
das limitações do modelo tradicional.
O modelo tradicional enfatizava equilíbrio e estabilidade. Relacionava-se,
portanto, a sistemas sociais fechados. Com a transição para uma sociedade ba-
seada em grandes movimentações de capital, tecnologia e trabalho, na qual
82
DURAND, Gilbert. Op. cit. p. 105.
Pop-Management1
Ana Paula Paes de Paula
Thomaz Wood Jr.
INTRODUÇÃO
Todos os dias livros de gestão empresarial e revistas de negócios chegam
às livrarias e às bancas. Nos últimos anos, esse segmento da indústria editorial
tornou-se vigoroso e próspero. Entretanto, além da dimensão mercadológica,
aquele que se detiver na observação do conteúdo encontrará entre os livros mais
vendidos e as revistas mais populares alguns padrões recorrentes: feitos grandio-
sos de gerentes heróis, exortações à introdução de novas tecnologias gerenciais
e receitas para o sucesso profissional. Na intersecção entre a oferta de panaceias
gerenciais e a busca ansiosa de soluções fáceis para todos os males, ocorrida em
clima – real ou imaginário – de turbulências e grandes mudanças, o management
vem-se popularizando e parece ter gerado um duplo: o pop-management.
Embora proponentes de visões mais críticas possam argumentar que tal lite-
ratura tem qualidade e consistência duvidosas, não se pode negar que ela hoje
ocupa lugar de destaque entre as leituras de gerentes, consultores, estudantes e
até professores. Além disso, essa literatura tem um papel decisivo no lançamen-
to e popularização de novas tecnologias gerenciais, influenciando a agenda dos
executivos. Neste capítulo, postulamos que essa condição a transforma em objeto
obrigatório de pesquisa.
Apesar de serem ainda escassos os trabalhos que tratam desse tema, existem
exceções notáveis, que exploram algumas trilhas para o mapeamento do fenôme-
1
Este trabalho foi baseado em pesquisa financiada pelo Núcleo de Pesquisas e Publicações
(NPP), da FGV-EAESP.
UM NOVO HUMOR
O culto da excelência
Como afirmamos, encontramo-nos hoje diante de uma mudança de humor,
que teve início nos Estados Unidos e vem avançando sobre outros países. Ana-
lisando o caso francês, Ehrenberg (1991) mostra que, durante os anos 80 e 90,
a veneração de vencedores, esportistas e empreendedores ganhou espaço na
mídia. O culto da excelência se entrelaçou à cultura popular francesa, gerando
uma nova mitologia com deuses, semideuses e super-heróis, onde executivos e
empreendedores passaram a ser glorificados.
Segundo o autor, três mudanças fundamentais caracterizam o culto da ex-
celência: (1) os dirigentes de empresa deixaram de ser símbolos da exploração
do homem pelo homem para transformar-se em símbolos do sucesso social; (2)
o consumo deixou de ser símbolo de alienação e passividade para tornar-se ve-
tor de realização social; e (3) os campeões do esporte foram transformados de
símbolos do atraso popular em símbolos de excelência. Com isso, a concorrência
empresarial, o consumo de massa e a competição esportiva mudaram de status,
transformando os valores e os comportamentos.
Apesar da matriz histórico-cultural diversa, o Brasil trilha, com algum atra-
so, um caminho similar ao francês. A partir do início dos anos 90 também fomos
tomados por uma mudança de humor, que consolidou a performance como um
valor sociocultural. A própria eleição de Fernando Collor – o presidente-herói,
caçador de marajás, símbolo do homem arrojado, bem-sucedido e empreende-
dor – pode ser vista como manifestação vívida de como o culto da excelência
passou a povoar o imaginário popular.
A INDÚSTRIA DO MANAGEMENT
Se deslocarmos nossa análise da dimensão cultural – até aqui explorada –
para a dimensão estrutural, veremos que o management hoje está organizado
O INDIVÍDUO S.A.
Identidade ameaçada
Em um texto recente, Caldas e Tonelli (2000) argumentam que o contexto
contemporâneo gerou um novo tipo de homem: o homem-camaleão. Movido
por reações nem sempre refletidas no ambiente que o circunda, o homem-ca-
maleão é dotado de uma identidade mutante, que se amolda às situações que
enfrenta. Consumidor ávido de modas e modismos, ele aproxima-se bastante do
indivíduo S.A.
Outro parente próximo do indivíduo S.A. é o homo reticularis, caracterizado
por Ouimet (1996). Segundo esse autor, as condições de trabalho nas empresas
contemporâneas exigem funcionários hiperativos, adaptáveis, comprometidos,
autônomos e ambiciosos. Em uma pesquisa de campo, esse psicanalista consta-
tou que essas exigências levavam os indivíduos a desenvolver traços neuróticos
como uma necessidade extrema de agradar os outros, um sentimento latente de
inadequação e alguns sintomas de depressão.
Tal como o homem conformista, analisado por Moustakas (1967), os valo-
res e as convicções do indivíduo S.A., do homem-camaleão e do homo reticularis
não emergem de suas próprias experiências, mas de uma sensação de perigo e
ansiedade que o leva a acreditar nas palavras dos experts, das figuras de auto-
ridade e dos guias tradicionais. Esse tipo de homem não constrói seus próprios
recursos para lidar com a realidade, pois é guiado por padrões preestabelecidos
e suas principais metas não são a expressão e a emancipação, mas sim a aqui-
sição e o controle.
O eu descentrado e apolítico
O conhecimento que o indivíduo S.A. tem de si não costuma derivar de auto-
análise, mas do constante monitoramento do impacto que ele causa nos outros
e dos efeitos que consegue obter por meio do gerenciamento da impressão. Seu
objetivo não é “estar dentro de si”, mas “conseguir o melhor de si”.
Tal como Ulisses, o indivíduo S.A. enfrenta um paradoxo: tudo aquilo que pa-
recia lhe munir do controle das imprevisibilidades da vida é o que o torna ainda
mais dependente do mundo caótico. Acorrentado à luta pela sobrevivência e aos
CONCLUSÃO
Nas seções precedentes, discutimos a instalação entre nós de um novo humor,
caracterizado pelo empreendedorismo e pela cultura do management. Então, des-
crevemos a indústria do management e analisamos suas consequências para os
Futuras pesquisas
Consideramos que este ensaio ainda constitui um trabalho introdutório, apre-
sentando várias possibilidades de desenvolvimento.
Uma primeira possibilidade seria explorar com maior profundidade a institu-
cionalização da indústria do management no Brasil, buscando elucidar as relações
entre os vários pilares. Uma derivação interessante dessa mesma possibilidade
seria comparar tal processo entre países.
Uma segunda alternativa que nos parece igualmente promissora seria reali-
zar estudos de análise de conteúdo sobre diferentes veículos da literatura de pop-
management. Nesse sentido, consideramos os pontos levantados neste trabalho
apenas como geradores iniciais de insights, que precisam ser avaliados de forma
mais cuidadosa.
Uma terceira possibilidade seria conduzir estudos de campo para avaliar o
impacto da literatura de pop-management sobre processos decisórios. Tal alterna-
tiva poderia ter como objeto tanto indivíduos, quanto grupos ou organizações.
Referências Bibliográficas
Inovações
Gerenciais
Inovações Gerenciais
em Ambientes Turbulentos
Miguel P. Caldas
Thomaz Wood Jr.
INTRODUÇÃO
Brasil, primeiro de janeiro de 1995. Enquanto no Rio de Janeiro garis reti-
ravam das ruas os últimos sinais das celebrações da noite anterior, em Brasília o
novo governo tomava posse. Um clima gereralizado de otimismo reinava no país.
O ano de 1994 fora em realidade muito bom. Crescimento econômico, superávit
no comércio exterior, queda da inflação, todos os índices faziam crer num pro-
missor ano novo.
Após décadas de economia protegida, o país estava finalmente encontran-
do o caminho da integração com os mercados internacionais, buscando abrir
e modernizar sua economia num curto período de tempo. No universo das or-
ganizações, o queimar etapas e o ritmo quase frenético das mudanças haviam
criado um ambiente único, fascinante de se observar. Acima de tudo, o ambiente
empresarial parecia estar cada vez mais receptivo a novas ideias administrativas.
Entre estas, o Gerenciamento da Qualidade Total (TQM) estava sendo uma das
mais influentes.
Este capítulo é uma interpretação do desenvolvimento do TQM neste con-
texto. Em sua dimensão conceitual, constitui-se numa tentativa de investigar o
desenvolvimento de tecnologias administrativas, em especial nas condições pecu-
liares de ambientes turbulentos. Três questões são abordadas:
Fonte: GILL, John; WHITTLE, Sue. Management by panacea: accounting for resilience. Journal of
Management Studies, v. 30, nº 2, p. 281-295, 1992.
Figura 7.1 Modelo de Gill & Whittle – ciclo de vida de uma panaceia.
O CONTEXTO BRASILEIRO
primeiro nível e a perceber que alguns MBA e programas de qualidade talvez não
sejam suficientes para encurtar esta distância (Isidoro, 1993).
TQM NO BRASIL
Em meados dos anos 80, o movimento do TQM já era bastante popular nos
países industrializados. No Brasil, embora o movimento também já tivesse seus
defensores, implantações representavam apenas casos isolados. Os fatores con-
textuais ajudam a explicar o ritmo inicial lento de adoção. Em alguns setores mais
competitivos realmente havia empresas atualizadas com as mais modernas técni-
cas gerenciais, que começaram cedo suas implantações. Por outro lado, a maioria
das empresas ainda trabalhava numa realidade marcada por um mercado fecha-
do e pouco competitivo, onde a indefinição de regras e a incerteza quanto a uma
possível internacionalização só alimentavam a enorme inércia existente.
As mudanças, porém, foram rápidas e irreversíveis. No início dos anos 90,
a questão da qualidade tornou-se central. Com o tempo, um crescente núme-
ro de organizações foi-se convertendo à onda de modernização. Em 1992, 68%
das grandes empresas já investiam em programas de qualidade e produtividade
(Reis, 1992). Um estudo posterior, realizado pela Price Waterhouse, mostrava
que no início de 1993, 61% das grandes empresas brasileiras já haviam imple-
mentado programas de qualidade total (Zahar, 1993). O TQM não foi a única
inovação administrativa implementada no país, mas foi sem dúvida uma das mais
importantes.
têm sugerido que a adoção de inovações é um processo de duas fases: (1) pio-
neiros e iniciadores abraçam as inovações por considerações de eficiência; e (2)
adotantes tardios e a maior parte dos imitadores simplesmente seguem os líderes.
Trabalhos neste sentido incluem as investigações sobre estruturas multidivisio-
nais (Fligstein, 1985) e difusão de estratégias de diversificação (Fligstein, 1991).
não somente amoldar-se a mitos como também sustentar a aparência de que eles
realmente funcionam’’ (Meyer & Rowan, 1977: 356). Conformidade a práticas
institucionalizadas – ou mitos, na linguagem dos institucionalistas – pode prover
legitimidade, apesar de talvez não ser eficaz. Nesse caso, a empresa adapta-se
cerimonialmente aos rituais e elementos simbólicos da inovação, apesar de não
tentar seriamente implementá-la (Scott, 1987b: 262).
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INTRODUÇÃO
No momento de sua descoberta pelos portugueses, o Brasil era habitado por
aproximadamente um milhão de nativos sul-americanos. Esses habitantes origi-
nais eram, em sua maioria, submissos e inofensivos para seu colonizador. Entre-
tanto, entre eles, havia tribos que praticavam a antropofagia, ritual de guerra em
* Uma versão anterior deste texto foi publicada em inglês na Revista Academy of Management Exe-
cutive, v. 16, n. 2, p. 18-32. Os autores gostariam de agradecer a Robert Ford e Mansour Javidam,
por suas sugestões e assistência na preparação da mencionada versão, e ao Núcleo de Pesquisa e
Publicações da FGV-EAESP (NPP), pelo apoio financeiro.
1
RIBEIRO, D. The formation and meaning of Brazil. University Press of Florida, 2000. p. 13.
2
Veja VASCONCELOS, F. C.; CALDAS, M. P. Do isomorphism and ceremonial behavior in orga-
nizational intervention pay off? The case of ISO 9000 diffusion in emerging markets. Paper apre-
sentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division), Denver, CO,
2000. Veja também VASCONCELOS, I.; VASCONCELOS, F. The limits of ISO 9000 consulting me-
thods. Paper apresentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division),
Washington, D.C., 2001.
3
Os resultados negativos do modismo da Reengenharia com finalidade de downsizing ficaram
bem conhecidos e vastamente divulgados no ambiente empresarial brasileiro. Para uma revisão,
ver CALDAS, M. P. Demissão: causas, efeitos e alternativas para empresa e indivíduo. São Paulo:
Atlas, 2000.
4
Ver CALDAS, M.; WOOD JR., T. How consultants can help organizations survive the ERP rage. Pa-
per apresentado na Academy of Management Meeting (Management Consulting Division), Chicago,
Ill, 1999. Ver também CORREA, H. L. ERPS: Por que as implementações são tão caras e raramente dão
certo? Paper apresentado no 1º SIMPOI, São Paulo, Brasil, 1998.
5
No Brasil, o fluxo de investimentos estrangeiros vem crescendo desde o início dos anos 1990. A
principal atração do país é ainda o notável tamanho de seu mercado doméstico. Além disso, com o
aumento da integração regional, crescente número de empresas estrangeiras deve usar o país como
base de fornecimento para outros países sul-americanos. A maior parte desses investimentos será
dirigida aos setores de exportação, como siderurgia e papel e celulose, em que recursos naturais
abundantes fornecem ao país uma vantagem competitiva.
6
Os críticos podem argumentar que o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimen-
to levaria, naturalmente, à adoção de instituições análogas às dos países desenvolvidos. Isso pode
ocorrer. Entretanto, tal argumento enfrenta, pelo menos duas restrições: primeiro, não é possível
saber exatamente a rapidez do amadurecimento de tais instituições; e, segundo, não está óbvio que
tal amadurecimento resultará nas mesmas circunstâncias institucionais vigentes nos países desen-
volvidos. Ver KHANNA, T.; PALEPU, K. Why focused strategies may be wrong for emerging markets.
Harvard Business Review, 75(4), p. 41-51, 1997.
7
Ver Management brief: Laptops from Lapland. The Economist, p. 67-68, 6 Sept. 1997a.
8
Ver Management brief: Matsushita’s Chinese burn. The Economist, p. 75-76, 20 Sept. 1977b.
9
Ver Management brief: a car is born. The Economist, p. 68-69, 13 Sept. 1997c.
mos concluir que ambas as situações – empresas estrangeiras que impõem seus
métodos sem adaptação e empresas locais que adotam métodos estrangeiros sem
adaptação – parecem arriscadas.
A assimilação de modelos de administração dos países desenvolvidos é, de
fato, uma atitude muito comum nas organizações brasileiras.10 As organizações
locais tendem a absorver, direta ou indiretamente, as ideias estrangeiras. Infeliz-
mente, como anteriormente comentado, a maioria das adoções tende a não ser
crítica e os resultados para as empresas podem ser negativos.11
10
Pode-se também observar que a tendência à adoção de modelos estrangeiros não é exclusivida-
de do Brasil. Ver GUERREIRO RAMOS, A. Administração e contexto brasileiro. Rio de Janeiro: FGV,
1983. Ver também RIGGS, F. W. Intellectual odyssey: an antobiographical narrative. University of
Hawaii, 1999 (<http://webdata.soc.hawaii.edu/FredR>); e RIGGS, F. W. Globalization and faith.
Paper apresentado na ISA Conference. New Orleans, LA, 2002. Segundo o argumento defendido
por alguns pesquisadores, a adoção de modelos estrangeiros ocorre, conscientemente, como esfor-
ço articulado conduzido pelas elites dos países subdesenvolvidos para segregar o restante da popu-
lação ou, inconscientemente, como meio de imitar características idealizadas. Para uma revisão, ver
CLEGG, S.; IBARRA COLADO, E.; BUENO-RODRIGUES, L. Global management: universal theories
and local realities. Thousand Oaks, CA: Corwin Press, 1998. Ver também PRESTES MOTTA, F. C.;
ALCADIPANI, R.; BRESLER, R. Valorização do estrangeiro como segregação nas organizações. Re-
vista de Administração Contemporânea, 5, p. 59-79, 2001.
11
Há evidências nos estudos de organizações brasileiras da tendência à adoção de modelos es-
trangeiros sem posterior adaptação. CALDAS, M. P.; WOOD JR., T. For the english to see: the im-
portation of managerial expertise in late 20th century Brazil. Organization, 4 (4), p. 517-534, 1997.
Figura 8.1 Modelo para entendimento da importação e adoção de expertise gerencial importada no Brasil.
20/06/2011 15:51:55
Inovação Gerencial no Brasil: Adoção e Implantação de Expertise Importada 151
Para uma revisão das características culturais brasileiras e suas consequências organizacionais,
12
ver PRESTES MOTTA, F. C.; CALDAS, M. P. (Org.). Cultura organizacional e cultura brasileira. São
Paulo: Atlas, 1997; PRESTES MOTTA; ALCADIPANI; BRESSLER. Op. cit.; AIDAR, M. M.; BRISOLA,
A.; PRESTES MOTTA, F. C.; e BARROS, B. T.; PRATES, M. A. A arte brasileira de administrar. São
Paulo: Atlas, 1996.
13
Ver RIBEIRO. Op. cit.
14
Ver DaMATTA, R. O que faz o Brasil, Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
15
Esse tipo particular de comportamento no campo organizacional brasileiro já foi retra-
tado antes e é similar ao que os teóricos neo-institucionais denominaram comportamento
cerimonial.
Para o Brasil, a década de 1990 pode ser vista como um período crucial
no processo de adaptação à nova ordem econômica mundial, assim como um
momento de mudanças profundas para as empresas locais. A economia passou
por ampla reestruturação, com ênfase na redução das barreiras às importações,
liberalização dos fluxos financeiros e avanço em um grande programa de pri-
vatização.17 As principais consequências dessas mudanças foram o fechamento
de numerosas empresas, a desnacionalização de várias indústrias e um vigoroso
movimento de fusões e aquisições, a maioria delas entre empresas brasileiras e
estrangeiras. Como efeito colateral, ocorreu a importação massiva de expertise
gerencial importada. Isso aconteceu como resultado da entrada de novas empre-
sas no mercado e do esforço empreendido pelas empresas locais para enfrentar a
nova realidade competitiva.18
Desde o início das reformas econômicas brasileiras, as importações têm cres-
cido consistentemente. Além de bens materiais, o país passou a importar ideias
e conceitos de administração, práticas gerenciais e sistemas de informação. O re-
Esse processo compreende: (1) aumento dos investimentos das empresas estrangeiras, com
16
ênfase em comunicações, eletricidade, fabricação de carros e setor bancário; (2) aumento das im-
portações, que passaram de US$ 21 bilhões em 1992 para US$ 58 bilhões em 1998; e (3) aumento
das exportações, que passaram de US$ 36 bilhões em 1992 para US$ 51 bilhões em 1998. Fonte:
Dieese/Banco Central do Brasil. Relatório Anual <http://dieese.org.br/anu/2001/>.
17
No início da década de 1990, os impostos sobre as importações de bens de capital, bens de
consumo, produtos eletrônicos, petroquímicos, têxteis e muitos outros produtos foram substan-
cialmente reduzidos. Simultaneamente, regras mais flexíveis para o controle dos fluxos financei-
ros foram implementadas e um grande programa de privatização foi acelerado. O efeito conjunto
foi a atração de investimentos de numerosas empresas multinacionais, como Telefônica, AT&T,
Nortel, Daimler-Chrysler, Renault, PSA (Pegeot-Citröen), Honda, Toyota, HSBC, BBVA, Santander
e ABN-Amro. Para verificar detalhes sobre a reestruturação da economia brasileira, ver DINIZ, E.
Globalização, reformas econômicas e elites empresariais. Rio de Janeiro: FGV, 2000.
Não obstante os impactos positivos dos esforços de modernização, análises mais abrangentes
18
19
O conceito de hibridização substitui o conceito de transformação progressiva e linear, e leva a uma
perspectiva que compreende a fragmentação e a coexistência de diferentes realidades, muitas das
quais, contraditórias e paradoxais. Ver CALÁS, M.; ARIAS, M. Compreendendo as organizações
latino-americanas: transformação ou hibridização? In: MOTTA; CALDAS, 1997. Op. cit.
Para uma revisão dos conceitos de modismos e modas, ver ABRAHAMSON, E. Managerial fads
20
and fashions: the diffusion and rejection of innovations. Academy of Management Review, 16,
p. 586-612, 1991.
21
A pesquisa sugere que todos esses agentes interorganizacionais têm sido relevantes no ambien-
te brasileiro. No que diz respeito aos consultores, ver CALDAS, M. P. Towards a more comprehen-
sive model of managerial innovation diffusion: why consultants are not the only ones to blame?
Paper apresentado na Academy of Management (Management Consulting Division), Cincinnati,
OH, 1996. Com referência aos periódicos de negócios e editoras de administração, ver WOOD JR.,
T.; PAES DE PAULA, A. P. Pop-management, 2002. Paper apresentado na Academy of Management
Meeting, Denver, CO. Sobre as agências governamentais e as categorias profissionais, ver VASCON-
CELOS; CALDAS. Op. cit.
22
Ver VASCONCELOS; CALDAS. Op. cit.
Ver BERTERO, C. O.; KEINERT, T. A evolução da análise organizacional no Brasil, de 1961 a
23
1993. Revista de Administração de Empresas, 34(3), p. 81-90, 1994; MACHADO DA SILVA, C.; CAR-
NEIRO CUNHA, V.; AMBONI, M. Organizações: o estado da arte da produção acadêmica no Brasil.
Anais da Enanpad. Florianópolis, 1990; VERGARA, S. C.; CARVALHO JR., D. S. Nacionalidade dos
autores referenciados na literatura brasileira sobre organizações. Revista Brasileira de Administra-
ção Contemporânea (Organizações), 1(6), p. 170-188, 1995.
24
Ver WOOD JR.; PAES DE PAULA. Op. cit.
25
Ver CALDAS, 1996. Op. cit.
Ver FROST, P. J.; EGRI, C. P. The political process of innovation. In: STAW, B. M.; CUMMINGS,
26
L. L. (Org.). Research in organizational behavior, 13. Greenwich, CT: JAI Press, 1991. p. 229-295.
27
Grande parte da bibliografia neo-institucional tenta explicar por que certas práticas gerenciais
tornam-se padrões institucionalizados. Ver MEYER, J. W.; ROWAN, B. Institutional organizations:
formal structure as myth and cerimony. American Journal of Sociology, 83, p. 340-363, 1977; Di-
MAGGIO, P. J.; PAWELL, W. W. The iron cage revisited: institutional isomorphism and collective
rationality in organizational fields. American Sociological Review, 48, p. 147-160, 1983. As pressões
institucionais são comumente discutidas na bibliografia sobre modas e modismos de administração.
Ver GILL, J.; WITTLE, S. Management by panacea: accounting for transience. Journal of Management
Studies, 302, p. 281-295, 1992; ABRAHAMSON, E.; FAIRCHILD, G. Management fashion: lifecycles,
triggers and collective learning processes. Paper apresentado na Academy of Management Meeting.
Boston, MA, 1997; ABRAHAMSON, E. 1991, op. cit.; e ABRAHAMSON, E. Management fashion.
Academy of Management Review, 211, p. 254-285, 1996.
Quanto maior o nível de análise crítica, mais tempo será dedicado à aná-
lise das soluções disponíveis, maior será o filtro que a organização imporá às
pressões políticas e institucionais e maior a tendência à descoberta de soluções
criativas próprias.
28
Para um detalhamento desse caso, ver WOOD JR., T.; CALDAS, M. A hora do pesadelo: adoção
e implementação de sistemas empresariais. Revista de Estudos Organizacionais, 2(2), p. 23-36, 2001.
29
Nesse caso, o nível de fatores substantivos não afeta significativamente a reação.
Duas situações podem ocorrer quando se assume baixo nível de análise crí-
tica. A primeira ocorre quando a necessidade substantiva é baixa ou diminui no
decorrer do tempo: nesse caso, após a frustração ocorrerá a negação e a inércia;
isto é, a organização não perseguirá soluções alternativas. A segunda situação
pode ocorrer se a necessidade substantiva for relevante e persistente. Em tal con-
texto, após uma tentativa frustrada, será muito provável que a busca por uma
nova panaceia tenha início e o ciclo seja retomado em constantes tentativas. Essa
segunda possibilidade tende a ocorrer mais frequentemente do que a primeira,
devido às pressões reais para aumentar a competitividade.
O comportamento de adoção incondicional pode ser ilustrado pelo caso da
InfraCom. As origens da empresa estão na fusão de grande número de empresas
regionais que foram consolidadas, na década de 1960, em uma grande empresa
estatal de dimensão nacional. Em meados da década de 1970, com o avanço da
privatização em seu setor, a InfraCom submeteu-se a amplo processo de transfor-
mação organizacional. O principal propósito era aumentar seu valor e tornar a
empresa mais atraente a futuros investidores. Outro objetivo era preparar a Infra-
Com para competir com novas empresas que iniciariam suas operações no Brasil.
O processo de mudança foi compulsório e conduzido de acordo com as diretrizes
de um Ministro de Estado.
Apoiada por empresas de consultoria, a InfraCom procurou implementar su-
cessivos programas, baseados nos últimos modismos e modas gerenciais. Os prin-
cipais programas foram TQM (gestão de qualidade total) e Reengenharia, muito
populares naquele momento. Adicionalmente, a empresa planejava adotar uma
nova arquitetura organizacional. Conexões entre as necessidades substantivas e
os pacotes escolhidos nunca foram claramente feitas.
Entretanto, restrições legais à reestruturação e dispensa de funcionários,
além de resistência interna à mudança, manifestada por vários grupos de interes-
se evitaram a implementação efetiva dos pacotes. Frustrada por seu fracasso em
se transformar, a empresa procurou novos pacotes, repetindo o ciclo de busca,
tentativa de implementação, percepção da inadequação e rejeição.
p. 373-394, 1990.
cerimonial. Por exemplo, a norma “de fachada” provocou a irritação da maioria dos funcionários
da empresa em relação a qualquer programa de qualidade, incluindo o sistema anterior.
34
Nesse caso, o nível de fatores institucionais ou políticos não afeta significativamente a reação.
Uma suposição da antropofagia gerencial é que, mesmo se a tecnologia importada não for plena-
35
mente aplicável, pode sempre ser um conhecimento útil e importante em sua essência.
36
A crítica face a face é menos socialmente aceita na cultura brasileira. Ver STEPHEN, D. Taking
the cross out of the cross-cultural transference of management practice. Revista de Administração de
Empresas, 41(4), p. 26-31, 2001.
CONCLUSÃO
APÊNDICE
A tipologia proposta neste capítulo foi desenvolvida a partir da análise de
levantamentos conduzidos pelos autores e associados sobre três práticas geren-
ciais que se tornaram populares no Brasil desde a segunda metade da década de
1990: Sistemas Empresariais (Enterprise Resources Planning – ERP), downsizing e
reengenharia, e ISO 9000.
O levantamento de campo sobre os processos de implementação dos Siste-
mas Empresariais visou entender determinantes e consequências da implemen-
tação, e envolveu 107 entrevistas em 40 organizações de diversos setores. A pes-
quisa ocorreu de 1996 a 1999. O roteiro da entrevista continha 55 questões e foi
dividido em cinco segmentos: (1) identificação da empresa e do respondente;
(2) razões para a implementação; (3) abordagem da implementação; (4) resul-
tados da implementação; e (5) avaliação da implementação. Cada questão foi
respondida por duas pessoas da organização: um agente de implementação e um
usuário-chave do sistema.
A pesquisa sobre downsizing e reengenharia compreendeu dois estudos empí-
ricos: o primeiro envolveu 111 casos e foi realizado tendo como base entrevistas
e questionários, respondidos por representantes da administração e indivíduos
demitidos; o segundo estudo envolveu a análise comparativa em profundidade
de quatro casos de demissões coletivas, com base em 56 entrevistas e questioná-
rios, e quatro focus groups, que trataram das razões e dos objetivos do processo,
de seus resultados, além dos resultados inesperados para a organização, para os
indivíduos dispensados e para os indivíduos remanescentes.
O propósito do levantamento sobre as certificações ISO 9000 foi examinar as
características do fenômeno de adoção no contexto brasileiro, com foco especial
no comportamento cerimonial. Foram investigados 70 processos de implemen-
tação ocorridos de 1998 a 2002. Para cada caso foram conduzidas no mínimo
três entrevistas estruturadas com executivos-chave e gerentes de linha por caso.
Todas as entrevistas seguiram um questionário estruturado com 46 questões. O
questionário compreendia os seguintes tópicos: (1) os antecedentes, motivos e
objetivos do processo de implementação; (2) como o processo foi conduzido; (3)
resultados; e (4) resultados inesperados.
Gerenciamento da Qualidade
Total: Uma Revisão Crítica
Thomaz Wood Jr.
Flávio Torres Urdan
Observe-se que existe material abundante sobre o assunto, o que reflete sua
importância e interesse. No entanto, quase não há produção acadêmica abordan-
do-o, podendo-se afirmar que existe certo preconceito e que os poucos estudiosos
que tratam do assunto costumam fazê-lo de forma crítica.
O texto é de caráter limitado, ainda que o universo considerado, acredita-
mos, seja suficiente para introduzir o assunto e analisar alguns pontos essenciais;
sua amplitude e implicações bem pediriam análise de maior fôlego.
Inicialmente, apresenta-se um quadro analítico ligando qualidade aos concei-
tos de competitividade e mudança organizacional. A seguir, procura-se recuperar
aspectos históricos do desenvolvimento do conceito de TQM. Também são apre-
sentadas as tendências atuais e as críticas mais comuns encontradas. Discutem-se
1
PORTER, Michael A. The competitive advantage of nations. New York: Free, 1990. 856 p.
de mudança – podendo sê-lo, dentro de certos limites – não tem alcance sobre a
complexa rede de aspectos relacionados à mudança organizacional.
Mesmo dentro do quadro funcionalista, suas proposições soam como oportu-
nistas ou ingênuas, diante do estado da arte do assunto. Assim, corre o risco de
permanecer como conhecimento e linguagem de gueto, ocupando áreas específi-
cas dentro de empresas, mídia própria etc.
2
HARARI, Oren. Ten reasons why TQM doesn’t work. Management Review, Saranac Lake, v. 82,
n. 1, p. 33-38, Jan. 1993.
BECKER, Selwyn W. TQM does work: ten reasons why misguided attempts fail (discussion of O.
3
Harari’s Jan. 1993 article). Management Review, Saranac Lake, v. 82, n. 5, p. 30, May 1993.
4
MEARS, Peter. How to stop talking about, and begin progress toward total quality management.
Business Horizons, Greenwich, v. 36, p. 11-14. May/June 1993.
5
AGGARWAL, Sumer. A quick guide to total quality management. Business Horizons, Greenwich,
v. 36, p. 66-68, May/June 1993.
6
BROCKA, Bruce; BROCKA, M. Suzanne. Quality management: implementing the best ideas of
the masters. Homewood: Business One Irwin, 1992. 408 p.
7
SCHNEIDER, Alan J. TQM and the financial function. Journal of Business Strategy, Boston,
v. 13, n. 5, p. 21-25, Sept./Oct. 1992.
OS GURUS DA QUALIDADE
A maior parte dos princípios e práticas que suportam o TQM deriva de con-
tribuições de um grupo restrito de estudiosos. Tidos como mestres, ou gurus, o
conhecimento de seu trabalho é requisito para qualquer esforço visando com-
preender e implementar o TQM nas organizações. Brocka e Brocka8 e Dobyns e
Crawford-Mason9 descrevem aspectos centrais do pensamento de Philip Crosby,
Edward Deming, Armand Feigenbaun, Kaoro Ishikawa e Joseph Juran.
Deming talvez tenha sido o mais celebrado guru da qualidade. Comparado
com os demais mestres, cujas orientações são de caráter marcadamente prático,
pode ser considerado um filósofo, um pregador em busca de discípulos. Diz-se
que muitos dos que adotam suas ideias o fazem com devoção quase religiosa. Para
eles, o método de Deming não somente aprimora a qualidade de bens e serviços,
mas também é capaz de fazer suas vidas melhores (!). Além de filosóficas, as
prescrições de Deming têm caráter revolucionário, pois subentendem profundas
transformações no relacionamento entre a empresa e seus clientes, fornecedores
e empregados. Deming alertava sobre as dificuldades e o longo tempo necessário
à implementação de suas recomendações. Seu método possui 14 pontos, descri-
tos no livro Out of the crisis.10
8
BROCKA, Bruce; BROCKA, M. Suzanne. Op. cit.
9
DOBYNS, Lloyd; CRAWFORD-MASON, Clare. Quality or else. New York: Houghton Mifflin,
1991. 310 p.
10
DEMING, W. Edward. Out of the crisis. Cambridge, Mass.: MIT, 1986. 508 p.
Quality is free,11 de Crosby, vendeu mais que dois milhões de cópias. Formado
dentro de empresas, ao contrário dos demais mestres, considera-se um pensador
de negócios pragmático e não um guru da qualidade. Crosby criou a concepção
Zero defect e popularizou o conceito de fazer certo da primeira vez. Teria chega-
do a eles em virtude da insatisfação com o que Deming e Juran ensinavam. Para
Crosby, a teoria de Deming fundamenta-se na estatística, que poucos são capa-
zes de compreender e que pouco contribui para o gerenciamento quotidiano da
qualidade nas empresas. Deming, replicando, negava que o controle estatístico
da qualidade fosse o fator preponderante para o sucesso de uma organização.
Além disso, nunca escondeu sua desconsideração pelos programas de qualidade
ministrados por Crosby. Estes, coincidentemente, também se baseavam em 14
pontos. Crosby é o único entre os mestres que considera a qualidade um conceito
de razoável simplicidade.
Juran contribuiu decisivamente no movimento japonês em prol da qualidade.
Segundo ele, a administração da qualidade compreende três processos básicos:
planejamento, controle e melhoria – a trilogia de Juran.12 Para Juran, as aborda-
gens conceituais necessárias ao gerenciamento dos três processos são similares
àquelas empregadas na administração financeira. Assim, enquanto Deming afir-
ma que a administração da qualidade requer tranformação, Juran sugere que
ela pouco difere de práticas já longamente adotadas pela função financeira das
empresas. Discorda de Crosby ao não acreditar que a implantação da qualidade
seja simples, mas também não crê que seja tão complexa quanto Deming pro-
põe. Juran não atribui aos métodos estatísticos a mesma importância conferida
por Deming, considerando-os ferramentas úteis, mas não fundamentais. Define
qualidade como adequação ao uso – produto adequado ao uso é o que atende às
necessidades de seu consumidor.
Feigenbaun deu origem ao conceito de controle da qualidade total, tratando-
o como questão estratégica que demanda profundo envolvimento de todos den-
tro da organização. A qualidade seria um modo de vida para as empresas, uma
filosofia de compromisso com a excelência. Nesse sentido, Feigenbaun aproxima-
se de Deming. Contudo, pragmático, empregando a noção de custo da qualidade,
procurou mostrar aos administradores que os investimentos feitos em qualidade
geravam retornos maiores do que os realizados em outras áreas. Deming, por sua
vez, dizia que o custo da não qualidade não pode ser conhecido. O pensamento
de Feigenbaun está condensado em 19 passos para melhoria da qualidade. Total
quality control13 é sua principal publicação.
Ishikawa criou os famosos círculos de controle da qualidade. Além dos CCQ,
as sete ferramentas de Ishikawa constituem importante instrumental de auxílio
11
CROSBY, Phillip B. Quality is free. New York: McGraw-Hill, 1990.
12
JURAN, Joseph M. Quality control handbook. New York: McGraw-Hill, 1983.
13
FEIGENBAUN, Armand V. Total quality control. New York: McGraw-Hill, 1988.
ISHIKAWA, Kaoru. What is total quality control? The Japanese way. Englewood Cliffs: Prentice-
14
Oct. 1993.
MALONE, John. Creating an atmosphere of complete employee involvement in TQM (Internatio-
17
nal Quality Study by American Quality Foundation and Ernst & Young). Healthcare Financial Manage-
ment, Westchester, v. 48, n. 6, p. 126-127, June 1993.
23
BECKER, Selwyn W. Op. cit.
24
CHANG, Richard Y. When TQM goes nowhere. Training and Development, Alexandria, VA.,
v. 47, p. 22-29, Jan. 1993.
RUSSEL, John. Are we falling out of love with TQM? Electronic Business, Denver, v. 18, p. 158,
25
Oct. 1992.
26
DAVIS, Tim R. V. Op. cit.
27
HAMMER, Michael; CHAMPY, James. Reengenharia: revolucionando a empresa em função dos
clientes, da concorrência e das grandes mudanças da gerência. Rio de Janeiro: Campus, 1993. 190 p.
DAVENPORT, Thomas H. Need radical innovation and continuous improvement? Integrate
28
process reengineering and TQM. Planning Review, Oxford, OH. v. 22, n. 3, p. 6-12, May/June 1993.
Diferenças
• REE busca mudanças radicais e ganhos ambiciosos. TQM busca mudanças incre-
mentais;
• TQM parte do processo tal como ele é. REE parte de uma folha em branco;
• REE é implantada top to down. TQM tende a ser mais participativo;
• TQM tenta minimizar variações. REE localiza fontes de variação para criar mudanças.
Similaridades
• ambas vêem os processos como unidade de análise;
• tanto TQM quanto REE exigem medições;
• as duas abordagens implicam e necessitam de mudanças significativas de compor-
tamento.
Ganhos da integração
• maior orientação para resultados da REE compensaria a fraqueza do TQM nesse as-
pecto;
• maior apoio da alta gerência à REE poderia ser capitalizado;
• experiência e conhecimento dos profissionais de TQM em relação à análise e medição
de processo poderiam ser utilizados;
• ferramentas de TQM seriam úteis para entender e melhorar processos existentes no
curto prazo;
• o trabalho de estabilização dos processos – via TQM – poderia ser feito após as mudan-
ças radicais – via REE.
O autor propõe ainda que a integração seja realizada através de quatro abor-
dagens: a primeira, por meio de um ciclo alternando inovação (mudança radical)
e melhoria (mudança incremental); a segunda, criando-se portfólios de proces-
sos, com identificação e análise dos processos principais e adequação do tipo de
mudança às necessidades de cada um; a terceira, modulando-se o grau de parti-
cipação a cada nível hierárquico, com o balanceamento inteligente das caracte-
rísticas aparentemente antagônicas da REE e do TQM; a última, combinando-se
as duas metodologias para obter um compromisso de resultados de curto e longo
prazo, de forma a permitir melhorias de performance consistentes e qualitativa-
mente interessantes.
Além dos aspectos apontados por Davenport, outros são também compar-
tilhados pelo TQM e pela REE: ambos atingiram notoriedade, o que facilita seu
emprego nas organizações; a aparente simplicidade e os grandes benefícios alar-
deados, factíveis ou não, aumentam sua atratividade junto aos gerentes em busca
de soluções descomplicadas para seus problemas; ambas implicam esforços de
mudança organizacional, mas são limitadas ao não tomarem em consideração,
SHIPMAN, Alan. Quality defects (TQM vs ISO 9000 standards). International Management
29
TQM NO BRASIL
KALINOSKY, Ian S. The total quality system – going beyond ISO 9000. Quality Progress, Mi-
32
REIS, Cléber Cabral. Pesquisa da CNI revela o empenho das empresas em aumentar qualidade.
33
abr. 1993.
36
ZAHAR, Cristina. Op. cit.
ROSANDER. Arlyn C. Apllications of quality control in the service industry. Milwaukee: Ameri-
37
38
ALBRECHT, Karl; BRADFORD, Lawrence J. Serviços com qualidade. São Paulo: Makron, 1992. 216 p.
BERRY, Leonard L.; PARASURAMAN, A. Marketing services: competing through quali-ty. New
39
1990. 298 p.
41
HESKETT, James L.; SASSER, W. Earl; HART, Christopher W. L. Service breakthrougs: changing
the rules of the game. New York: Free, 1990. 306 p.
42
ROSANDER, Arlyn C. Op. cit.
ZABLOKI, Elaine. Quality management targets health care (TQM applied to running a hospital).
43
Nov. 1992.
45
GEBER, Beverly. Can TQM cure health care? Training, Minneapolis, v. 29, p. 25-34, Aug. 1992.
HYDE, Albert C. The proverbs of total quality management: recharting the path to quality im-
46
provement in the public sector. Public Productivity & Management Review, San Francisco, v. 16, p.
25-37, Fall 1992.
STUPAK, Ronald. J. Driving forces for quality improvement in the 1990s (public sector). Public
47
sobre esforços desse tipo. Existe, entretanto, a iniciativa da EAESP/FGV, que ca-
minha na implementação de seu Plano Diretor da Qualidade.
53
GILL, John; WHITTLE, Sue. Management by panacea: accounting for transience (cyclical na-
ture of management by objectives, organization development and TQM). Journal of Management
Studies, Oxford, v. 30, n. 2, p. 281-295, Mar. 1993.
objetiva. Líderes e grupos têm muito poder na construção de uma visão comum.
A dinâmica desse processo é complexa e parece caracterizar-se pela constante
necessidade de gerar novidades e operar rituais de renovação. Nesse sentido, é
significativa a presença de gurus no movimento da qualidade, a qual pode estar
associada à dependência acrítica de líderes patriarcais, inquestionáveis detento-
res da sabedoria.
Gill e Whittle consideram esse processo não cumulativo e negativo. O pri-
meiro problema seria a necessidade de vender programas simples (turnkey) pelos
consultores. Como reagiria um possível cliente diante de uma exposição cheia de
condicionantes e sem sequer mencionar a solução para seu problema? Além disso,
a maior parte das organizações valoriza o status e a agressividade e não o aprendi-
zado e a reflexão. Assim, imperam posturas anti-intelectuais e falta de rigor. Uma
sugestão é que as empresas implantem na estrutura posições com o papel de exer-
cer o espírito crítico, como a de um ombudsman, que os autores chamam de truth-
sayer ou organizational fool. Este seria o responsável por alertar continuamente a
organização sobre as armadilhas das soluções aparentemente fáceis.
Modismos realmente parecem fazer parte do dia a dia das organizações.
Existe procura por fórmulas mágicas, conceitos simples que condensem todo um
corpo complexo de ideias. Dada a dificuldade de implementar mudanças, prin-
cipalmente em grandes empresas, com intrincadas redes de poder, é fácil com-
preender os pacotes como uma possível via preferencial. Isto não elimina suas
limitações, pois geralmente são soluções simplistas e nem sempre adequadas ao
problema. De fato, o caminho seria as empresas tentarem adquirir, pelo menos
em suas áreas estratégicas centrais, noções mais profundas dos mecanismos de
mudança organizacional e conceitos mais avançados de gerenciamento.
Logística Integrada:
A Gestão da Rede de Valores1
Thomaz Wood Jr.
INTRODUÇÃO
Autopartes (nome fictício) é uma importante empresa brasileira do setor de
autopeças. Fundada na década de 50, cresceu vigorosamente durante os anos 60
e 70, acompanhando o boom da indústria automobilística.
Sustentada por uma sólida competência tecnológica e aproveitando opor-
tunidades, a Autopartes passou a internacionalizar suas atividades a partir dos
anos 80. Os passos estratégicos seguiram o padrão usual: (1) início das ativida-
des de exportação; (2) abertura de escritórios de representação no exterior; (3)
montagem de uma estrutura de assistência técnica e distribuição junto aos prin-
cipais clientes no exterior; e (4) compra ou construção de fábricas nos principais
mercados-alvos.
A empresa exporta hoje para países da América do Norte, Ásia, Oceania e
Europa, a partir de bases industriais no Cone Sul, Europa Ocidental e Europa
Oriental.
Para acompanhar a estratégia de internacionalização e fazer frente a mu-
danças no contexto concorrencial interno, a Autopartes implementou, a partir
1
Este trabalho originou-se de pesquisa financiada pelo Núcleo de Publicações e Pesquisas, da Eaesp/
FGV, publicada com o título Supply chain management: uma abordagem estratégica para a logística em-
presarial. O autor gostaria de agradecer ao acadêmico Paulo K. Zuffo, que atuou como auxiliar de pesquisa.
Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada no 21º Enanpad. Ver WOOD JR., T.;
ZUFFO, P. K. Supply Chain Management: uma abordagem estratégica para a logística. Anais do 21º
Enanpad. Rio das Pedras, Brasil, 1997.
OBJETIVOS
Nos últimos anos, a economia brasileira e a mundial têm sofrido mudanças
importantes. No front interno das empresas, continuam os esforços por processos
mais eficientes e pela adoção de sistemas de gestão mais modernos. No front
externo, multiplicam-se fusões, aquisições, terceirizações e alianças estratégicas.
A busca da competitividade relaciona-se cada vez mais com a busca do ótimo
sistêmico, dentro e fora das fronteiras da empresa.
Neste contexto, a administração logística ganha nova dimensão, envolvendo
a integração de todas as atividades ao longo da cadeia de valores: da geração de
matérias-primas ao serviço ao cliente final. Deixa de ter um enfoque operacional
para adquirir um caráter estratégico.
2
Adaptado de GATTORNA, J. L.; WALTERS, D. W. Managing the supply chain: a strategic pers-
pective. Londres: Macmillan, 1996. p. 18.
A tarefa da logística será tão mais bem-sucedida quanto mais estiver inte-
grada com as demais áreas da empresa, em especial com as áreas de marketing
e produção.
Com o aumento da conectividade do sistema econômico, muitas empresas
desenvolvem seus produtos na Europa, compram matérias-primas e componentes
na Ásia e vendem o produto final na América do Norte.
Para apoiar esta intrincada rede de operações, a logística precisa ser extre-
mamente sofisticada. O modelo burocrático tradicional de organização pode ser
adequado em setores estáveis da economia, operando em mercados protegidos.
Como estas condições estão desaparecendo, esse modelo torna-se cada vez mais
anacrônico.
Para atuar em cenários mais competitivos, as organizações precisam adotar
formatos mais enxutos. A logística integrada precisa acompanhar esta tendên-
cia. Esta área precisa ser ágil e flexível, orientada para o cliente e baseada em
processos.
3
Ver THORNTON, P. H.; TUMA, N. B. The problem of boundaries in contemporary research on orga-
nizations. Academy of Management Best Papers Proceedings. Vancouver, Canadá, 1995.
4
Ver STRATI, A. Aesthetics and organizations without walls. Studies in Culture, Organizations
and Societies, 1(1): 83-105, 1995.
D’AVENI, R. A. Coping with hypercompetition: utilizing the new 7S’s framework. Academy of
5
Ver CLANCY, T. The virtual corporation, telecommuting and the concept of team. Academy of
10
95-117, 1991. Ver também PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
12
PORTER, M. E. Vantagem competitiva. Op. cit. p. 31.
RAYPORT, J. F.; SVIOKLA, J. J. Exploiting the virtual value chain. Harvard Business Review,
13
O conceito de logística
Diversos autores atribuem diferentes origens à palavra logística. Alguns afir-
mam que ela vem do verbo francês loger (acomodar, alojar). Outros dizem que
ela é derivada da palavra grega logos (razão) e que significa a arte de calcular ou
a manipulação dos detalhes de uma operação.
Uma das definições mais divulgadas, apesar de relativamente restrita, é a do
Council of Logistics Management, dos Estados Unidos, segundo a qual logística é
metodologias empregadas principalmente por empresas de consultoria, cuja aplicação visa que-
brar as barreiras entre parceiros comerciais. Essas barreiras costumam resultar em ineficiências,
com impacto em custos e tempo de resposta ao consumidor. Projetos desse tipo envolvem a criação
de um consórcio de empresas industriais e comerciais que buscam, por meio da análise do sistema
de valores, realizar otimizações.
A busca da integração
Para melhorar a integração entre os elos da cadeia de valores e obter maior
velocidade de resposta às mudanças no mercado, Christopher16 sugere as seguin-
tes linhas de ação.
O foco no mercado
O marketing busca identificar as necessidades do mercado-alvo e satisfa-
zê-las com os recursos disponíveis na empresa. O marketing apoia-se em duas
Ver BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Logistical management: the integrated supply chain pro-
17
21
CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 28.
22
O desenvolvimento de processos de fornecimento de matérias-primas, insumos e componentes
a partir de fontes localizadas em qualquer parte do mundo, desde que as condições de qualidade,
preço e fornecimento sejam adequadas. Na prática, muitas empresas vêm utilizando esta prática para
pressionar seus fornecedores locais e conseguir melhores condições na negociação. Utilizada exclusi-
vamente dessa forma, pode gerar riscos de médio prazo para a empresa. Um dos conceitos básicos do
global sourcing é o estabelecimento de parcerias entre clientes e fornecedores.
23
POIRIER, C. C.; REITER, S. E. Supply chain optimization. San Francisco: Berret-Koehler, 1996.
24
BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit.
25
CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 11.
26
GATTORNA, J. L.; WALTERS, D. W. Op. cit. p. 12.
27
Ver: BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit. p. 24.
Barreiras à implantação
Porém, mesmo que a implantação seja cuidadosamente planejada, algumas
barreiras são comuns. Bowersox e Closs28 e Christopher29 afirmam que essas
barreiras decorrem dos seguintes fatores:
IMPLICAÇÕES
28
Ver BOWERSOX, D. J.; CLOSS, D. J. Op. cit. p. 45.
29
CHRISTOPHER, M. Op. cit. p. 155.
Comentários finais
A trajetória realizada neste capítulo mostra como o conceito de logística ga-
nha nova dimensão e relevância diante de mudanças no contexto competitivo.
Como contribuição final, é apresentada na Figura 10.7 uma estrutura lógica
para tratamento do tema. Na figura estão incluídos desde os itens contextuais – fe-
nômenos como a desfronteirização e as alianças estratégicas – até os aspectos mais
operacionais da logística – controle de estoques, programação de produção etc.
Analisando a Figura 10.7 a partir do topo, temos os seguintes elementos:
A Teoria
e a Prática
Empresas Brasileiras e o
Desafio da Competitividade
Thomaz Wood Jr.
Miguel P. Caldas
INTRODUÇÃO
COMPETITIVIDADE DO BRASIL
Comparações entre países tornaram-se populares nos últimos anos. Nesta
seção, tomamos alguns índices diretamente ou indiretamente relacionados à
competitividade para mostrar a posição do Brasil em relação a outros países.
Entretanto, antes de apresentar os índices, cabe observar que, por detrás de um
conceito comum, de competitividade, cada indicador utiliza definições e métodos
próprios, que são modificados e aperfeiçoados ao longo dos anos. Dessa forma,
não devemos tomá-los de forma isolada ou como indicadores absolutos, porém
de forma conjunta e como indicadores relativos.
O índice de competitividade global posiciona o Brasil na 44ª posição.
Este índice compreende 259 critérios, incluindo a abertura da economia, o papel
do governo, o desenvolvimento do mercado financeiro, a qualidade da infraes-
trutura, tecnologia, a qualidade da gestão empresarial, instituições políticas e
judiciais, e a flexibilidade do mercado de trabalho (The Economist, 2005: 58).
No ranking de crescimento da competitividade de 2005, do Fórum
Econômico Mundial, o Brasil ocupa o 65º lugar entre 117 países. Este índice pro-
cura refletir o conceito de produtividade. Com isso, a competitividade é definida
como o conjunto de fatores, políticas e instituições que definem a produtividade e
o nível de prosperidade de uma economia. Uma economia mais produtiva é capaz
de crescer mais rapidamente no médio e longo termo.
Um índice similar, denominado de índice de competitividade das na-
ções, foi criado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP),
um dos principais órgãos de representação dos empresários brasileiros. Em sua
última edição, que tomou como base o ano de 2003, o Brasil ficou em 39º lugar
entre 43 países (Coelho, 2005). Toma-se competitividade como a capacidade de
um país de criar condições para que as empresas produzam o maior bem-estar
possível para seus cidadãos.
Outros índices relacionados aos negócios e à competitividade são igualmente
desfavoráveis ao país. No índice do ambiente de negócios, por exemplo, o
Brasil encontra-se somente na 36º posição (The Economist, 2005: 58). O país é o
29º em percentual de gastos de pesquisa e desenvolvimento sobre o PIB, e um ge-
rador incipiente de patentes, até mesmo em relação aos seus gastos de pesquisa
e desenvolvimento (Brito Cruz, 2003).
Tomados em conjunto, tais índices situam o país em um grupo intermediá-
rio de nações, a uma distância considerável dos países desenvolvidos e também
com uma lacuna importante em relação aos países em desenvolvimento mais
bem-sucedidos. Uma análise geral também leva a deduzir que os problemas mais
críticos envolvem os fatores sistêmicos e os fatores estruturais, mencionados na
seção anterior (Coutinho e Ferraz, 2004). Do ponto de vista das empresas, tal
contexto leva a buscar soluções de contorno e adotar estratégias que mitiguem as
desvantagens apresentadas pelo ambiente institucional.
resposta não é única e igualmente válida para todas as empresas. Por exemplo,
olhando-se de “fora para dentro”, uma mineradora é afetada pelo ambiente ins-
titucional de forma diversa de um fabricante de aviões; ou, alternativamente,
olhando-se de “dentro para fora”, um fabricante de autopeças pode responder
aos desafios e barreiras ambientais de forma diversa de um produtor de suco de
laranja. No entanto, acreditamos que é possível apresentar um quadro geral, de-
senvolvido a partir dos fatores mencionados nos modelos citados (Porter, 1990;
Austin, 2002; Coutinho e Ferraz, 2004) e complementado com análises sumárias
dos fatores internos de gestão.
Denominamos fatores internos de gestão aqueles que estão diretamente sob
controle dos gestores. São eles: primeiro, o modelo de negócio, que se relaciona
à estratégia de empresa; segundo, o modelo de organização, que se refere à ar-
quitetura (ou configuração estrutural) adotada; terceiro, o modelo de gestão, que
se relaciona aos sistemas e práticas presentes na empresa; e, quarto, a cultura de
empresa, ou as crenças e valores compartilhados pelos executivos e funcionários.
O Quadro 11.1 apresenta uma síntese dos fatores externos e internos, e seus im-
pactos sobre as empresas.
Tipologia de reações
Cabe ainda frisar que tal contexto não tem efeito uniforme sobre as empresas
brasileiras. A competitividade da empresa depende do efeito dos fatores internos
e do efeito gerado a partir do alinhamento dos fatores internos, citados no início
da seção. Tais combinações são específicas para cada empresa, embora possam,
para fins didáticos, serem classificadas em quatro grupos.
O Quadro 11.2 apresenta uma tipologia com tais agrupamentos, resultan-
te da combinação de fatores externos (favoráveis ou desfavoráveis) e fatores
internos (articulados ou desarticulados). Surgem da combinação quatro “tipos
ideais” de empresas, que aqui denominamos da seguinte forma: empresa limi-
tada (A), empresa de sucesso (B) empresa ameaçada (C), e empresa “desper-
diçada” (D).
Com base na tipologia proposta, pode-se deduzir que, no Brasil, são poucas
as empresas de sucesso, aquelas que podem: (a) contar com condições externas
favoráveis (ou não sofrem o efeito de condições externas desfavoráveis); e (b) se
articular internamente, em termos de gestão, tecnologia e outros fatores, de ma-
neira a aproveitar tais vantagens ambientais. Pode-se ainda especular que temos
várias empresas “desperdiçadas”, aquelas que ainda não conseguiram se articu-
lar internamente para aproveitar as vantagens ambientais. Pode-se, finalmente,
especular que muitas organizações locais enfrentam condições ambientais des-
favoráveis, respondendo a elas com distintos graus de articulação interna. Tais
empresas, mesmo as mais sofisticadas em termos de gestão (empresas limitadas),
dificilmente conseguirão desenvolver vantagens comparativas capazes de alçá-las
à competição bem-sucedida no cenário global.
COMENTÁRIOS FINAIS
ções internas capazes de fazer frente a tais desvantagens. O Brasil precisa realizar
mudanças substanciais para criar um ambiente que fomente a competitividade
das empresas e facilite sua internacionalização.
Retomando o trabalho de Coutinho e Ferraz (2004), pode-se afirmar que
a condição geral dos fatores sistêmicos não favorece a competitividade. Natu-
ralmente, restrições ambientais geram círculos viciosos. Além disso, o ambiente
fechado e protegido no qual muitas empresas se desenvolveram levou ao surgi-
mento de estilos de acomodação. Repetidos ciclos de turbulência econômica, por
sua vez, ajudaram a consolidar uma cultura de gestão avessa ao planejamento e
a visões mais estratégicas na condução dos negócios. Finalmente, traços tradicio-
nais da cultura organizacional local, tais como alta distância do poder, dependên-
cia e paternalismo ajudaram a consolidar modelos de gestão pouco favoráveis a
iniciativas de aumento de competitividade e internacionalização.
O resultado final de tal contexto é uma pressão constante sobre empresas
locais para o alinhamento interno, porém geralmente respondido por esforços
focados meramente na sobrevivência no mercado local. Tomados em conjunto, o
resultado é competitividade insuficiente e internacionalização limitada.
Devemos, por fim, focar uma segunda questão-chave: podem as empresas
brasileiras ser competitivas em um cenário global? Acreditamos que a resposta
mais ponderada é “sim, em termos”. “Sim”, porque existe um número representa-
tivo de empresas brasileiras que competem com sucesso contra empresas estran-
geiras no mercado local há muitos anos e, em alguns casos, também no mercado
internacional. Tais empresas souberam fazer uso de vantagens de localização,
desenvolveram bons modelos de negócios e aprenderam a competir em ambien-
tes abertos. “Em termos”, porque os dados objetivos mostram fortes lacunas nas
condições de competitividade do país e uma distância considerável entre o porte
das transnacionais brasileiras e o porte das transnacionais baseadas em países
desenvolvidos ou baseadas em países em desenvolvimento na Ásia.
De fato, os desafios são apreciáveis em relação aos fatores sistêmicos, aos
fatores estruturais e aos fatores empresariais. As condições macroeconômicas vi-
gentes na metade da década de 2000 são mais estáveis e favoráveis do que aque-
las experimentadas em períodos recentes anteriores. Ainda assim, tópicos como
disponibilidade e custo do capital, sistema de tributação e fragilidade das políticas
industrial, comercial e de tecnologia continuam representando desvantagens de
localização. A literatura disponível sobre tais temas é rica em diagnósticos e su-
gestões. Os caminhos de implementação, entretanto, apenas agora começam a
ser trilhados. E, ainda assim, de forma trôpega e sujeita a interferências políticas.
Para as empresas, o maior desafio é encontrar configurações internas que,
não apenas garantam a sobrevivência no mercado local, mas também provejam
condições para superar situações ambientais desfavoráveis e consigam competir
no mercado internacional.
Referências Bibliográficas
Fordismo, Toyotismo
e Volvismo
Thomaz Wood Jr.
ga-se que este fato está estreitamente ligado ao declínio da forma de organização
do trabalho dominante nas empresas ocidentais. O modelo de produção fordista
estaria, por isso, sendo substituído na indústria manufatureira em todo o mundo
por novos conceitos e princípios.
Este texto abordará este tema a partir de três metáforas desenvolvidas por
Gareth Morgan no livro Images of organization.1 Para criar um campo analítico,
estas metáforas serão contrapostas a três diferentes sistemas gerenciais. Assim,
na primeira parte, será descrita a imagem da organização como máquina e, em
seguida, abordado o tema da produção em massa a partir do caso da Ford. Na
segunda parte, a empresa analisada será a Toyota e a imagem escolhida, a da
organização como organismo. Na terceira parte, finalmente, será tomada a metá-
fora do cérebro e abordado o caso da Volvo.
1
MORGAN, Gareth. Images of organization. Beverly Hills: Sage, 1986. Além das imagens utili-
zadas no presente trabalho, Morgan também desenvolve as seguintes imagens para organizações:
culturas, sistemas políticos, prisões psíquicas, fluxo e transformação e instrumentos de dominação.
Há tradução do livro pela Atlas, com o título Imagens da organização.
2
Idem, ibidem, p. 19-37.
3
A frase original é de Karl Marx: “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profana-
do, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de
vida e sua relação com outros homens.’’ Citado em BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha
no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Schwarcz, 1990. p. 93.
4
MORGAN, Gareth. Op. cit. p. 204.
5
Uma discussão aprofundada sobre estes conceitos pode ser vista em GUERREIRO RAMOS,
Alberto. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janei-
ro, v. 18, n. 2, p. 3-12, abr./jun. 1984.
6
WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. The machine that changed the world. New
York: Rawson Associated, 1990.
7
Idem, ibidem. p. 39.
8
Sobre a questão da educação e das políticas industriais, ver THUROW, Lester C. The zero sum.
New York: Simon & Schuster, 1985. Sobre a questão do capitalismo de papel, REICH, Robert B. A
próxima fronteira americana. Rio de Janeiro: Record, 1983.
9
Ver HOUNSHELL, David A. The same old principles in the new manufacturing. Harvard Business
Review, Boston, p. 54-61, Nov./Dec. 1988. O autor considera que os japoneses, na verdade, não
quebraram o paradigma de Taylor e Ford, mas o levaram a outro nível de refinamento. A segunda
parte do trabalho discutirá mais amplamente a questão.
10
MORGAN, Gareth. Op cit., p. 39-76.
Ver JAQUES, Elliot. Intervention et changement dans I’entreprise. Paris: Dunod, 1972. GARCIA,
11
12
WOMACK, James P.; JONES, Daniel T.; ROOS, Daniel. Op. cit.
De certa forma, esta estória tem seu início na anterior. Na primavera de 1950,
o jovem engenheiro Eiji Toyoda empreendeu uma visita de três meses às instala-
ções da Ford em Detroit. Após este período, ele escreveu uma carta para a sede
de sua empresa, no Japão, dizendo singelamente acreditar que “havia algumas
possibilidades de melhorar o sistema de produção’’.
De volta a seu país, Toyoda e seu especialista em produção, Taiichi Ohno,
refletiam sobre o observado na Ford e concluíram que a produção em massa não
poderia funcionar bem no Japão. Desta reflexão, nasceu o que ficou conhecido
por Sistema Toyota de Produção – ou Produção Flexível. Junto com ele também
nasceu a mais eficiente empresa automobilística conhecida até hoje.
Na década de 50, a fábrica da Toyota era localizada em Nagoya e sua força de
trabalho era composta essencialmente por trabalhadores agrícolas. Após o térmi-
no da Segunda Guerra, a Toyota estava determinada a partir para a produção em
larga escala. Para isso, no entanto, ela deveria encarar alguns problemas:
SAKAI, Kuniyasu. The feudal world of Japanese manufacturing. Harvard Business Review,
13
feudal. Para ele, a base da pirâmide, constituída por milhares de pequenas empre-
sas e empregando a maior parte da mão de obra existente, faz o papel do servo,
continuamente submetido a pressões para redução de custos, trabalhando com
margens de lucro insuficientes e praticamente impedido de abandonar seu clã.
Sakai considera que começam a aparecer rachaduras ameaçadoras para a
sobrevivência desse sistema. As mais importantes estariam ligadas à queda re-
lativa do padrão de devoção dos empregados às empresas. Uma mudança sen-
sível dos padrões comportamentais e culturais, o surgimento de novas atitudes
e expectativas em relação à vida e ao trabalho complementariam um quadro
potencialmente perigoso.
Talvez isso seja insuficiente para abalar o sistema inaugurado pela Toyota,
principalmente se contraposto aos sucessos já alcançados e amplamente estuda-
dos e divulgados.14 Segundo uma visão mais ampla, o toyotismo, em essência,
não seria mais que uma evolução do fordismo.15 Este ponto de vista encontra res-
paldo na análise de seu surgimento e equivale a dizer que o sistema estaria expos-
to às mesmas contradições básicas de seu antecessor. Sua vantagem competitiva,
na comparação com o fordismo, seria uma maior adaptabilidade às condições
ambientais. Entretanto, mesmo esta adaptabilidade talvez esteja se aproximando
de um limite de ruptura.
O conjunto de fatores da dinâmica social acabaria por catalisar as contradi-
ções internas da pirâmide, minando-a por dentro. Simultaneamente, este mesmo
conjunto de fatores atuaria sobre o meio, enfraquecendo a capacidade adaptativa
e a flexibilidade do sistema.16
14
Um panorama relativamente atualizado da indústria automobilística no mundo e o avanço
dos fabricantes japoneses podem ser vistos na série de reportagens publicadas em Business Week,
v. 3147, n. 477, Apr. 1990.
15
Para uma descrição instrumental detalhada do sistema de controle e comando “à japonesa’’,
ver KING, Bob. Hoshin planning: the development approach. EUA: Goal/QPC, 1989.
16
Ver POLLERT, Anna. The “flexible firm’’: fixation or fact? Work, Employment and Society, Durham,
v. 2, n. 3, p. 281-316, Sept. 1988. A autora discute o conceito de flexibilidade no contexto mais am-
plo da economia, como interação entre “flexibilidades’’ na legislação, política, economia, estratégia,
produção e estrutura do mercado de trabalho.
17
MORGAN, Gareth. Op cit., p. 77-109.
18
GUERREIRO RAMOS, Alberto. Op. cit.
19
CLARK, Tom; MORRIS, J. et al. Imaginative flexibility in production engineering: the Volvo
Uddevalla plant. Apostila divulgada no curso The reestructuring of industry and work organization
in the 90’s. São Paulo, EAESP/FGV, July 1991.
Apesar de seu grande porte – responde por 15% do produto nacional bruto e
12,5% das exportações suecas20 –, a Volvo tem-se caracterizado por um alto grau
de experimentalismo. Seus experimentos, se assim os podemos denominar, cha-
mam a atenção por desafiarem os princípios fordistas e toyotistas, embora muitas
vezes sejam confundidos com um simples retorno à produção manual.
A introdução gradativa de inovações tecnológicas e conceituais nas plantas
de Kalmar, 1974, Torslanda, 1980/81, e Uddevalla, 1989, representam um valio-
so campo empírico para análise organizacional. Uddevalla, a mais nova planta,
combina flexibilidade funcional na organização do trabalho com um alto grau de
automação e informatização. É também um excelente exemplo do conceito de
produção diversificada de qualidade.
Sua estratégia parece combinar os requisitos e as demandas no mercado, os
aspectos tecnológicos, os imperativos do dinâmico processo de transformação da
organização do trabalho e as instáveis condições da reestruturação da indústria.
Operando num mercado de trabalho complexo, a Volvo ajustou sua estratégia a
dois fatores fundamentais: a internacionalização da produção e a democratiza-
ção da vida no trabalho.
Uddevalla foi concebida e construída levando em consideração a presen-
ça humana. O nível de ruído é baixo, a ergonomia está presente em todos os
detalhes e o ar é respirável. Um armazém de materiais, no centro da fábrica,
alimenta seis oficinas de montagem totalmente independentes. A capacidade de
produção é de 40.000 carros por ano, para um único turno de trabalho. A planta
combina centralização e automação do sistema de manuseio de materiais, com
a utilização de mão de obra altamente especializada num sistema totalmente
informatizado e de tecnologia flexível. A organização do trabalho é baseada em
grupos. Os operários foram transformados de montadores de partes em constru-
tores de veículos. Assim, cada grupo consegue montar um carro completo num
ciclo de duas horas.
Altas taxas de turnover, absenteísmo crônico e utilização de mão-de-obra
estrangeira são de muito tempo marcas do mercado sueco. Desde a metade dos
anos 80, os jovens suecos passaram a rejeitar empregos que refletissem conceitos
tayloristas. Isto está ligado não só aos constantes esforços de reestruturação do
trabalho como ao fato de a Suécia ter o mais alto índice de uso de robôs entre
todos os países industrializados.
Por outro lado, o país tem longa tradição social-democrata e os sindicatos
têm posição extremamente forte. Assim, o processo de inovações na Volvo tem
sido dirigido pela empresa, mas com participação ou acordo dos sindicatos. Nos
anos 70, o aumento da competitividade dos produtores em nível mundial, a ne-
20
Os dados são referentes a 1986/87. Ver JANNIC, Hervé. Peher Gyllenhammar: un patron mo-
raliste. L’Expansion, p. 89-93, 6/19 fév. 1987; e BOURDOIS, Jacques-Henri. Peher Gyllenhammar:
vice-roi et employé. Dynasteur, p. 4-9, 1987.
21
CLARK, Tom; MORRIS, J. et al. Op. cit. p. 12.
CONCLUSÃO
Na primeira parte do trabalho, investigou-se o que seriam organizações tipo
máquina. O exemplo da Ford foi abordado para ilustrar as razões da ascensão e
queda deste modelo administrativo.
Em seguida, foi visto o modelo que tem atraído as maiores atenções no mo-
mento: o chamado sistema japonês de gerenciamento, representado pela Toyota.
A imagem da organização como organismo foi utilizada para ressaltar o grande
trunfo do modelo, a adaptabilidade ao meio. Ao final, algumas nuvens negras
foram lançadas sobre o futuro do sistema.
Finalmente, tratou-se do que parece ser a mais avançada tentativa de superar
algumas contradições básicas da adaptação do homem ao ambiente de trabalho
industrial. Para contraponto do caso da Volvo utilizou-se a imagem do cérebro.
A intenção foi tentar encontrar uma linha evolutiva que cruzasse os três “is-
mos’’ – Fordismo, Toyotismo e Volvismo – e fornecesse uma visão do processo de
transformação da indústria neste século, apontando para a organização do futuro.22
22
Ver GUERREIRO RAMOS, Alberto. A nova ciência das organizações. Rio de Janeiro: FGV, 1989.
Cap. 4, p. 71. Investigando a questão da colocação inapropriada de conceitos na Teoria das Orga-
nizações, o autor menciona o seguinte: “Embora a deslocação de conceitos possa constituir um meio
valioso... e legítimo de formulação teórica, pode muito facilmente degenerar numa colocação inapro-
priada... Assim, na tentativa de deslocar um conceito, pode-se estar incorrendo numa cilada intelec-
tual...’’ Ao se utilizar as imagens de máquina, organismo ou cérebro para as organizações, se está,
simultaneamente, criando uma forma de ver e de distorcer a realidade. Vale o alerta.
DRUCKER, Peter. The coming of the new organization. Harvard Business Review. Boston, v. 68,
23
Clegg (1990), por sua vez, afirma que os Estudos Organizacionais têm falha-
do ao não reconhecer a complexidade do mundo além de um espectro limitado de
alguns exemplos empíricos. O argumento do autor é claro: existem organizações
pós-modernistas, elas são nitidamente diferentes das organizações modernistas e
estão no Japão. O modelo organizacional pós-modernista, segundo Clegg, surge
como resultado das limitações próprias do modelo modernista e de mudanças
sociais globais. Segundo o autor, a organização pós-modernista diferencia-se da
organização modernista pela flexibilidade, pela orientação para o consumo de
nichos, pela adoção de opções tecnológicas baseadas na microeletrônica e pela
multiespecialização.
REALIDADE BRASILEIRA
Contexto atual
Para o Brasil, as décadas de 80 e 90 podem ser vistas tanto como um período
crucial no processo de adaptação à nova ordem econômica mundial, como um
ponto de inflexão para as organizações. As duas dimensões geram impactos sobre
a questão das configurações organizacionais.
Segundo Diniz (2000), nos anos 80 as condições internacionais tornaram-se
adversas, representando uma ruptura com o período anterior, caracterizado pela
disponibilidade de recursos financeiros e de altas taxas de crescimento. Os anos
80 foram marcados pela desaceleração do crescimento econômico, períodos de
recessão e a sujeição da agenda política às tentativas de controle da inflação e
aos acordos com o Fundo Monetário Internacional. No plano político, o Brasil
passou por uma transição importante, com a saída gradual de cena do aparato
tecnocrático-militar e o fortalecimento das instituições políticas.
Se, por um lado, havia nos anos 80 um razoável consenso sobre a necessi-
dade de realizar reformas políticas liberalizantes, por outro não havia acordo
quanto ao possível esgotamento do antigo modelo de desenvolvimento. Naquele
momento da redemocratização, muitos grupos de interesse ainda acreditavam no
papel do Estado como fomentador do desenvolvimento e no modelo tripartite,
com empresas estatais, nacionais e multinacionais dividindo de forma equilibra-
da a cena empresarial.
No debate ocorrido durante essa primeira fase da “Nova República”, os em-
presários locais inseriram-se de forma clara, questionando o gigantismo estatal.
Do ponto de vista ideológico, havia razoável consenso em torno de uma postura
neoliberal.
CONCLUSÃO
Neste capítulo, abordei a questão das configurações organizacionais no Bra-
sil. Inicialmente, introduzi a questão das novas configurações, enfatizando a dis-
cussão, ilustrativa porém não conclusiva, sobre a existência de formatos pós-
industriais, pós-burocráticos e pós-modernistas. Em seguida, procurei situar o
contexto brasileiro, chamando a atenção para suas particularidades, algumas
mudanças recentes e seus impactos sobre a textura empresarial. Apresentei, en-
tão, um retrato das mudanças ocorridas, classificando-as em três níveis: intra-
organizacional, organizacional e interorganizacional. Finalmente, num patamar
mais alto de abstração, apresentei uma genealogia de tipos ideais, sugerindo que
o ambiente brasileiro é marcado simultaneamente por tendências evolutivas e
pelo hibridismo. Nesta seção final, considero pertinente acrescentar algumas no-
tas especulativas.
Primeiro, é relevante reforçar as características do ambiente brasileiro, espe-
cialmente o hibridismo. Observando a evolução dos modelos ideais, percebemos
que temos organizações em todas as categorias. Além disso, temos organizações
que não se enquadram facilmente na genealogia, ou por serem pré-burocráticas,
ou por terem características mistas. Adicionalmente, o hibridismo ocorre não
apenas em nível da substância, como também na forma de guerra de discursos ge-
renciais, resultando eventualmente em combinações desconcertantes e de difícil
apreensão pelo pesquisador.
Segundo, também é importante considerar a possibilidade de ruptura repre-
sentada pela evolução dos tipos ideais. Muitos dos novos modelos representam
de fato não formatos, pois negam ou dão pouca ênfase a categorias básicas como
estrutura, fronteira e amplitude de controle. Muitos dos novos formatos pode-
riam, paradoxalmente, ser classificados como amorfos.
Terceiro, é igualmente relevante explicitar o desconforto da linguagem e gra-
mática clássicas diante do quadro apresentado. Tal quadro, além de atestar a
inadequação do modelo burocrático tradicional diante do atual ambiente com-
petitivo brasileiro, sugere também as limitações do arcabouço teórico e dos qua-
dros analíticos existentes para a compreensão dos fenômenos organizacionais
emergentes. As abordagens existentes definem o “pós” em relação a seu anterior,
usando categorias próprias a este anterior, sem alterar seu conteúdo. Os novos
modelos organizacionais talvez venham a exigir uma nova linguagem e uma nova
gramática em Estudos Organizacionais.
Acredito que todos estes pontos possam configurar-se como oportunidades
interessantes para futuras investigações e desenvolvimentos teóricos.
Referências bibliográficas
AIDAR, M. M.; BRISOLA, A.; MOTTA, F. C. P.; WOOD JR., T. Cultura organizacional brasi-
leira. In: WOOD JR., T. (Coord.). Mudança organizacional. São Paulo: Atlas, 1995.
APRESENTAÇÃO
O tema da mudança na organização do trabalho não é novo, mas ganhou
contornos diferentes nos últimos anos. O aumento na instabilidade ambiental e,
particularmente, o acirramento da competição colocaram a questão da mudança
como central para a sobrevivência das organizações. O foco passou a ser mudar
para criar uma performance competitiva.
Este trabalho não pretende responder todas estas questões, mas discutir al-
guns de seus aspectos mais importantes, procurando explorar, implícita ou expli-
citamente, algumas teses centrais:
1
Embora possa implicar certo reducionismo, este recurso permanece válido para apoiar a com-
preensão de fenômenos de mudança.
A maior parte dos textos sobre mudança organizacional é iniciada por co-
mentários sobre a velocidade fantástica das mudanças sociais, econômicas, polí-
ticas e tecnológicas, neste fim de século, e sobre como as organizações precisam
adaptar-se para fazer frente a estas mudanças. Os consumidores estão se tornan-
do mais exigentes, um número cada vez maior de competidores chega a cada dia
ao mercado, o ciclo de vida dos produtos reduz-se, a força de trabalho demanda
novos tipos de relacionamento. Velocidade, agilidade e flexibilidade tornam-se
fundamentais.
Drucker (1988) e Mills (1991) apontam o fim da organização de comando e
controle e o surgimento de modelos não hierarquizados. Peters (1989) fala das
turbulências ambientais e de como as organizações devem adaptar-se e usufruir
destas condições instáveis, fazendo do caos um novo modo de vida. Watermann
(1989) menciona o aspecto renovação e a importância de se conviver com as mu-
danças. Para Handy (1990) as mudanças que estão agora ocorrendo são diferentes
das do passado, quando um confortável padrão de continuidade predominava. As
mudanças atuais são, ao contrário, descontínuas. Por isso, exigem uma postura
mental diferente, antidogmática. Segundo o autor, esta descontinuidade é pro-
vocada pelas mudanças econômicas e tecnológicas. Os reflexos são os seguintes:
redução da parcela da população ocupada com atividades de trabalho intensivo,
2
Adaptado de WOOD, T. Mudança organizacional: ciência ou arte? Dissertação (Mestrado) –
Eaesp. São Paulo: FGV, 1992.
3
A edição original, inglesa, é de 1951. O trabalho documentado foi iniciado no fim da década
de 40.
4
Um trabalho bastante conhecido, ao qual pode ser creditada grande influência sociotécnica,
são as realizações da empresa sueca Volvo, voltadas para a democratização e qualidade de vida no
ambiente de trabalho. Ver WOOD, T. Fordismo, toyotismo e volvismo: os caminhos da indústria em
busca do tempo perdido. Revista de Administração de Empresas, v. 32, n. 2, p. 12-26, set./out. 1992.
Neste artigo são contrapostas três metáforas desenvolvidas por Gareth Morgan, a três casos reais de
sistemas de organização do trabalho, incluindo a planta da Volvo em Udevalla.
Se desde pelo menos o 2º momento o TQM passa a ter influência sobre a orga-
nização do trabalho, é a partir do 4º momento que a interação – ou conflito – com
a FRH tende a aumentar.
Parece senso comum que, dentro das organizações, a criação ou ampliação
de áreas voltadas para programas de qualidade – com grande foco nas questões
5
Um dos poucos estudos brasileiros a respeito do impacto dos programas de qualidade pode ser
visto em FLEURY, M. T. L. Cultura da qualidade e mudança organizacional. Revista de Administra-
ção de Empresas, v. 27, n. 4, p. 30-38, out./dez. 1992.
6
Total Quality Management ou Gerenciamento da Qualidade Total.
7
Embora existam diferenças importantes de amplitude e profundidade entre os dois conceitos,
ambos têm em comum algumas características, como: forte ligação com a tecnologia de informa-
ção, foco nos processos e crença em mudanças rápidas e radicais, de grande impacto.
8
O terapeuta familiar milanês Gianfranco Cechin chega a propor exercícios para manter a men-
te sistêmica. Ele advoga que pensar de forma circular e sistêmica não é natural, principalmente
para os ocidentais, acostumados a formas lineares-causais de pensamento e ação. Daí a necessidade
de exercícios.
tura. O contrário seria o caos contínuo. Atingida esta nova estrutura, ela é mais
complexa e mais capaz de realizar trabalho e atividade que a anterior de atrair.
Isto se deve a sua maior capacidade de atrair, utilizar e organizar a energia dis-
ponível para a manutenção e evolução. Portanto, eventos de quebra de simetria
são episódios críticos na evolução. Por outro lado, o caminho inverso, a redução
do fornecimento externo de energia, pode reduzir a capacidade do sistema de
auto-organizar-se e evoluir.
Transpostos para o estudo de organizações complexas, os conceitos desen-
volvidos por Prigogine representam uma terceira onda de compreensão da dinâ-
mica das mudanças.9 A primeira onda estaria baseada na visão da organização
como máquina – própria do enfoque weberiano da organização burocrática – e
em modelos de sistemas fechados, algoritmos e no princípio da minimização da
incerteza. A segunda onda estaria ligada às ideias da manutenção do equilíbrio
existente, à visão das ciências sociais contemporâneas, dos sistemas adaptativos,
interativos, adequando-se através de mudanças incrementais e tendo a estabi-
lização em um novo patamar como meta. A terceira onda, então, admitiria a
instabilidade dinâmica e mudanças descontínuas. Períodos de caos seriam uma
condição necessária para a evolução.
O Paradigma da Complexidade, em seu contexto mais global, corresponde a
uma nova percepção dos fenômenos organizacionais, capaz de penetrar na pro-
funda rede de paradoxos, ambiguidades e conflitos de todo tipo que constituem
as organizações. Mais que o desenvolvimento de novos conceitos, este paradig-
ma implica nova forma de perceber e compreender as organizações. Representa,
simultaneamente, um desafio às premissas que permeiam a maioria das práticas
organizacionais – incluindo as de RH – e uma abertura de fronteiras para a trans-
formação das organizações.
Não é fácil traçar uma linha cronológica para a FRH nas organizações, dado
o número de diferentes movimentos com diferentes características e graus de
realizações práticas que marcam sua evolução.
O Quadro 13.210 mostra a evolução da FRH no Brasil desde antes da década
de 30, quando foi criada a legislação do trabalho no país.
9
Ver KIEL, L. D. Nonequilibrium theory and its implication for public administration. Public
Administration Review, v. 49, n. 6, p. 544-551, Nov./Dec. 1989. O autor discute possíveis desdobra-
mentos dos conceitos de Prigogine na administração pública norte-americana.
Adaptado de ALMEIDA, M. I. R.; TEIXEIRA, M. L. M.; MARTINELLI, D. P. Por que administrar
10
Uma discussão a esse respeito é realizada por WOOD, S. Administração estratégica e administra-
11
Revista de Administração de Empresas, v. 33, n. 5, p. 68-87, set./out. 1993. O artigo trata da incor-
poração da dimensão simbólica aos sistemas de controle nas organizações.
• o primeiro, da questão das alternativas para a GP. Neste caso dois cami-
nhos parecem factíveis: um é a continuidade da tendência atual com a
restrição do campo de atuação da FRH às funções mais técnicas. Outro é
a possibilidade de reflexão conceitual e a retomada de uma ação trans-
formadora sobre o novo cenário organizacional;
• o segundo foco de discussão é a questão dos limites da GRH na prática.
Parece difícil acreditar que este movimento, pelo seu grau de instru-
mentalismo e distanciamento de modelos epistemológicos mais consis-
tentes, consiga sobreviver às próprias práticas sem ser profundamente
alterado. Esta questão será mais adequadamente explorada na conclu-
são do ensaio.
O Projeto “Q’’ foi objeto de uma missão de trabalho do autor durante o ano de 1993. Os nomes
13
com o qual se confunde. O marco inicial é 1982, data dos primeiros programas de
treinamento e sensibilização com ênfase no consumidor. Outras datas e eventos
importantes são os seguintes:
O modelo teórico
Um aspecto central desta linha evolutiva, do qual “Q’’ é o exemplo mais com-
pleto, é o desenvolvimento simultâneo de uma cultura forte, simbolizada por
visão, missão e valores compartilhados, com marcante orientação para o consu-
midor. Isto sob uma base de organização fundamentada em grupos de trabalho
com habilidades, autoridade e poder de decisão.15
Ao longo deste caminho empírico, um modelo teórico foi desenvolvido com o
duplo propósito de dar sustentação ao processo de experimentação e a ele agregar
novas perspectivas, ampliando a capacidade de interpretação e compreensão dos
resultados práticos. Hoje, a melhor representação deste modelo é um triângulo
cujos vértices contêm: primeiro, os valores culturais voltados para a qualidade;
segundo, os elementos dos sistemas sociotécnicos; terceiro, conceitos relaciona-
dos à Teoria dos Sistemas Abertos. Na concepção dos criadores, o modelo procura
unir e balancear nova cultura do trabalho com a adoção de um modelo específico
de organização, e a abertura e adaptabilidade deste sistema às imposições do am-
biente externo.
O projeto organizacional
A unidade “Q’’ constitui-se numa empresa separada, com razão social e ad-
ministração independentes. É claro que, por estar localizada num conjunto in-
14
Grupos de trabalho baseados na tarefa ou processo, com vínculo hierárquico fraco.
15
O termo usual é empowered team.
dustrial, mantém com este várias ligações representadas por fluxos de matérias-
primas, energia, produto final, serviços e informações.
Vista de uma ótica tradicional, a empresa está dividida em quatro departa-
mentos: Administração, Produção, Tecnologia e Qualidade. No total são cerca de
120 pessoas, das quais 80 são operárias trabalhando em turnos de revezamento.
Em teoria, existem três níveis hierárquicos: diretoria, gerência e operação. Na
prática configuram-se apenas dois: a linha gerencial e o grupo operacional. Isto
porque a diretoria é um órgão quase consultivo e o diretor de operações trabalha
junto à linha gerencial.
No entanto, a divisão por departamentos representa pouco a realidade. O
nível operacional é organizado em grupos autogerenciados, já que não existe o
nível de supervisão. O mesmo princípio de autogerenciamento, sem distinção de
nível hierárquico, rege o funcionamento dos próprios departamentos. Além disso,
existe ainda uma série de outros grupos interdepartamentais, que incluem par-
ticipantes da linha gerencial e da linha operacional, e que são responsáveis por
temas como treinamento, segurança, saúde e meio ambiente, políticas de pessoal
e outros. Desta forma, toda a organização é atingida por uma complexa rede mul-
tifuncional baseada em grupos de trabalho. Para dar apoio a estes grupos, duas
pessoas com formação especializada dedicam-se em tempo integral a desenvolver
e implantar técnicas de trabalho e a ajudar na solução de problemas de relaciona-
mento, dentro dos grupos ou entre eles. São chamados facilitadores dos processos
grupais. Flexibilidade, adaptabilidade, qualidade, autonomia e conectividade são
os valores centrais da organização.
Seleção e treinamento
Para criar as condições ideais à implementação deste sistema organizacional,
extrema atenção foi dada à contratação de pessoas com o perfil comportamental
adequado. No nível administrativo-gerencial, este princípio teve de ser conjugado
com os imperativos do contrato de associação, que impunha algumas condições
de ocupação de cargos. Já no nível operacional, pode-se afirmar que o princípio
realizou-se completamente.
O processo de seleção dos técnicos de operação química foi realizado em oito
etapas, durou cerca de seis meses, custou 100 mil dólares e partiu de 4.300 can-
didatos para contratar 80. Seu foco principal foi a identificação de pessoas com
duas características: facilidade para trabalhar em grupo e capacidade de aprendi-
zado – adaptabilidade a novas situações e flexibilidade. A exigência de formação
técnica, comum a este tipo de indústria, não foi considerada, à exceção de uns
poucos casos específicos. O produto do processo foi um grupo aparentemente he-
terogêneo, no qual chama a atenção a presença de 22% de mulheres, grande nú-
mero de profissionais com formação superior – incluindo uma zoóloga e alguns
Comentários
Como visto, o projeto organizacional de “Q’’ tenta agregar e colocar em prá-
tica uma série de princípios e teorias administrativas que vão desde a abordagem
sociotécnica até a Teoria dos Sistemas Abertos e inclui o conceito de qualidade
total. Para as empresas que geraram o experimento, constitui-se num laboratório
único, capaz de prover os conhecimentos necessários para guiar futuras mudan-
ças em outras unidades.
16
Espécie de exame que envolve teoria e prática.
CONCLUSÕES
Cabe, neste final de capítulo, retomar a questão central das mudanças da
FRH diante do quadro de macrotransformações que vêm ocorrendo.
Vimos como as mudanças ambientais estão apresentando novos desafios à
gestão das organizações e ao gerenciamento de recursos humanos. Assim como
outras conjunturas problemáticas fizeram surgir os processos de seleção, as téc-
nicas de treinamento e desenvolvimento e a administração de carreiras, a atual
fez nascer o que Storey propõe que se denomine GRH – em contraposição à tra-
dicional GP.
Esta última, já de algum tempo, vem concentrando-se nas tarefas mais téc-
nicas da FRH e nem sempre envolvendo-se em movimentos de transformação da
organização, ou fazendo-o apenas de forma marginal, como órgão de apoio.
A GRH surge nas organizações agregando a eventos recentes – como o mo-
vimento da qualidade e os processos de intervenção cultural – alguns desen-
volvimentos teóricos surgidos há 30 ou 40 anos na área de RH e que nunca se
constituíram em práticas dominantes. Enquanto na origem estes desenvolvimen-
tos estavam mais próximos da ideia da GP, no contexto da GRH eles ressurgem
voltados inteiramente para a realização dos objetivos estratégicos das empresas.
A GRH impõe novo credo à FRH, incluindo ideias de participação, comporta-
mento e qualidade. Este credo, porém, pode chocar-se com seu objetivo primeiro,
que é o de apoiar eficazmente a realização das estratégias da organização, pois
não há necessariamente coerência entre estes princípios e os objetivos da organi-
zação. Neste sentido, é mais visível a importância da GRH como retórica evocativa,
17
Estas funções são externas a “Q’’. Algumas são providas pelo sócio norte-americano, outras são
realizadas por empresas externas.
como resposta mais ao nível simbólico que prático. Neste ponto também pode ha-
ver problemas, uma vez que os programas de mudança inclusos na GRH procuram
o estabelecimento de visões compartilhadas, mas o fazem a partir de programas
top-to-down, que nem sempre conseguem atingir os níveis operacionais.
Quanto à relação entre as novas práticas e a elevação dos níveis de perfor-
mance, não existem ainda fortes evidências empíricas que o comprovem, embora
haja forte discurso neste sentido. Por outro lado, sabe-se das dificuldades en-
frentadas por organizações que procuram, ou são obrigadas, a operar mudanças
radicais em sua forma de gerenciar os recursos humanos. A adoção das novas
práticas de GRH tende a gerar grande liberação de energias, uma vez que condu-
tas associativas, participativas e interpretativas são estimuladas e pouco pode-se
prever sobre os destinos a que pode levar este caminho.
Se, por um lado, pode-se afirmar que a agregação da FRH às atividades ge-
renciais, e a forma como isto está acontecendo, corresponde a uma exacerbação
do Paradigma Funcionalista, uma vez que se busca interiorizar nos indivíduos a
condição de controle, por outro lado, as energias liberadas e as contradições
criadas ou desenvolvidas podem levar a um rompimento do próprio Paradigma.
Neste ponto abre-se caminho para um possível novo modelo de FRH, a partir
de uma crítica dos paradoxos da GRH e uma renovação da GP. Ao contrário das
correntes alternativas anteriores, que se mantiveram afastadas do fluxo domi-
nante na prática, um novo modelo que surja associado à superação de dificulda-
des concretas do dia a dia das organizações – como o GRH procura fazer – tem
grande chance de tornar-se ao mesmo tempo modelo normativo e prático.
O acesso a todo o conhecimento acumulado em Análise Organizacional, mais
o aporte de todas estas correntes, somadas à nova capacidade de integração da
moderna Teoria dos Sistemas Abertos, e a visão trazida pelo Paradigma da Com-
plexidade reúnem potencial suficiente para transformar radicalmente a FRH.
Referências bibliográficas
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nizational psychology. Chicago: Rand MacNally, 1976.
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organizational psychology. Chicago: Rand MacNally, 1976. 1740 p.
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DRUCKER, P. F. The comming of the new organization. Harvard Business Review, v. 68, n.
6, p. 45-53, Jan./Feb. 1988.
FLEURY, M. T. L. Cultura da qualidade e mudança organizacional. Revista de Administra-
ção de Empresas, v. 27, n. 4, p. 30-38, out./dez. 1992.
Mudança Organizacional
na Rhodia Farma
Thomaz Wood Jr.
Isabela Baleeiro Curado
Humberto M. de Campos
1
HANDY, C. The age of unreason. Boston: Harvard Business School Press, 1990.
A TEORIA DA PRÁTICA
Definindo mudança organizacional
Apesar de muito distante de qualquer preocupação com as organizações, esta
frase de Camões é quase uma definição de mudança organizacional: “Mudando
andei costume, terra e estado, por ver se mudava a sorte dura.’’
2
Alexandre Koyré definiu a inovação trazida pela ciência moderna em termos de experimentação.
Para ele, a ciência moderna está baseada na descoberta de uma nova e específica forma de comu-
nicação com a natureza. Experimentação não significa meramente a observação dos fatos como
eles ocorrem, nem a mera pesquisa por conexões empíricas entre fenômenos, mas pressupõe uma
interação sistemática entre conceitos teóricos e observação.
3
Embora os autores tenham optado por uma visão panorâmica e generalista e privilegiado a
abordagem via metáfora da cultura, não há dúvidas de que outros pontos de vista poderiam ser
adotados. Da mesma forma, muitos outros aspectos poderiam ser estudados em profundidade.
4
Os processos de mudança abrem perspectivas não conhecidas e não previstas anteriormente,
trazendo à tona novas questões e problemas para as organizações. Cabe a teóricos e práticos debru-
çar-se sobre esses processos e realizar uma reflexão crítica, capaz de fazê-los avançar, superando
continuamente seus limites.
5
GIOIA, D. A.; CHITTIPEDDI, K. Sensemaking and sensegiving in strategic change initiation.
Strategic Management Journal, Chichester, v. 12, n. 6, p. 433-448, Sept. 1991. Os autores propõem
ainda uma definição alternativa, mais voltada para o aspecto estratégico: “Mudança estratégica en-
volve esforço de alteração dos modos vigentes de cognição e ação para possibilitar à organização tirar
vantagens de oportunidades ou superar desafios ambientais.”
6
HERZOG, J. P. People, the critical factor in managing change. Journal of Systems Management,
Cleveland, v. 42, n. 3, p. 6-11, Mar. 1991.
O autor cita uma pesquisa realizada pela Coopers & Lybrand sobre os objeti-
vos mais frequentes das mudanças. São eles: melhorar a qualidade, aumentar a
produtividade, refletir os valores dos novos líderes, reduzir custos e administrar
conflitos. Não raro, como no presente case, todos esses objetivos, ou necessida-
des, aparecem juntos, interagindo entre si.
Finalmente, constatou-se, também através da pesquisa, que a mudança
de qualquer elemento da cultura organizacional é uma das mais difíceis de se
conseguir.
7
Subentende um modelo de escolha e inclui os processos planejados de mudança. A ideia de
cultura organizacional como prática normativa e as correntes do desenvolvimento organizacional
e a abordagem sociotécnica também compõem esse grupo. A ideia fundamental é a crença na au-
todeterminação, na possibilidade de os líderes interpretarem a realidade e determinarem cursos
estratégicos de ação.
8
Inclui a corrente da abordagem sistêmica e o conceito de ciclo de vida organizacional, entre
outros. A ideia fundamental é a do conflito sistêmico, da organização como sistema social dentro
de outros sistemas sociais, onde coexistem múltiplas relações caracterizadas por interferências
e tensões.
9
JACQUES, E. Intervention et changement dans I’entreprise. Paris: Dunod, 1972, 300 p. A edição
original, inglesa, é do início da década de 50 e narra um caso de intervenção cultural e social numa
empresa industrial operada por uma equipe do Instituto Tavistock.
Ver CULRURING Change. The Economist, Londres, v. 316, n. 7.662, p. 65, 7 July 1990; e DU-
10
MAINE, B. Creating a new company culture. Fortune, New York, v. 121, n. 2, p. 55-58, Jan. 15 1990.
11
SCHEIN, E. H. Organizational culture and leadership. San Francisco: Jossey-Bass, 1988, 358 p.
12
Os dois primeiros representam os valores manifestos de cultura, enquanto o nível dos pressu-
postos inconscientes seria a própria cultura. Hofstede observa uma divisão análoga à de Schein,
em valores e práticas. As práticas são manifestações da cultura, traduzidas em símbolos, heróis e
rituais, enquanto a essência da cultura é formada por valores, no sentido de sentimentos amplos
e gerais sobre bom e ruim, belo e feio, normal e anormal, racional e irracional, sentimentos que
geralmente são inconscientes e que não podem ser observados, mas estão manifestos em comporta-
mentos. Ver HOFSTEDE et al. Measuring organizational cultures: a qualitative and quantitative study
across twenty cases. Administrative Science Quarterly, v. 35, June 1990. Thévenet desenvolve o con-
ceito de Schein, afirmando que a cultura é um processo contínuo de aprendizagem, em contraposição
a alguma coisa que possa ser mudada ou criada. Ver THÉVENET, Maurice. A cultura de empresa hoje
em dia. Revista de Administração da USP, v. 26, n. 2, abr./jun. 1991.
13
Fitzgerald, por exemplo, condena essa apropriação. Para ele, enquanto consultores e acadê-
micos de linha gerencialista passam a usar a cultura como prática para melhorar organizações, os
etnologistas, em cujo campo o conceito surgiu, já superaram o método e a tradição colonialista
associada à forma prática de análise na qual o conceito encontrou tradução. Ver FITZGERALD, T.
H. Can change in organizational culture really be managed? Organizational Dynamics, New York,
v. 17, p. 4-15, Autumn 1988.
14
Kilmann, entre outros, propõe uma metodologia estruturada para mudança de cultura. Ver
KILMANN, R. H. Gerenciando sem recorrer a soluções paliativas: um programa totalmente integrado
para criar e manter o sucesso organizacional. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1991, 256 p. Outro au-
tor que segue essa linha é Thévenet. Ver THÉVENET, M. Cultura de empresa: auditoria e mudança.
Lisboa: Monitor, 1990.
15
Apud FREITAS, M. E. Cultura organizacional: grandes temas em debate. 1989. 214 p. Disser-
tação (Mestrado) – EAESP, FGV, São Paulo. Ver Capítulo 8 – Mudança cultural, no qual a autora
mostra as várias correntes de pensamento sobre a operacionalização de mudanças culturais nas
organizações.
Alguns autores, mesmo não identificados com a linha do humanismo-radical, têm condenado
16
essa postura. O argumento é de que a pluralidade de culturas seria aceitável e até útil. Com um
monoteísmo cultural, a organização criaria um círculo de autorreferência e excessiva autoestima
difícil de romper, inibindo críticas necessárias a quebras de paradigmas e avanços.
Essa atitude transformadora tem seus limites definidos pelos interesses corporativos, validados
17
JOHNSON, G. Managing strategic change – strategy, culture and action. Long Range Planning,
21
A PRÁTICA DA TEORIA
Nesta seção, a história recente da Rhodia Farma será reconstituída a partir
dos depoimentos coletados nas entrevistas. Para enriquecer a narrativa, os depoi-
mentos foram inseridos no texto.23
A corporação
A Rhodia S.A., subsidiária do grupo francês Rhône-Poulenc, tem sua história
no Brasil marcada por seu primeiro produto: o folclórico lança-perfumes, impor-
tado no início do século e fabricado até a década de 60, quando foi proibido pelo
presidente Jânio Quadros.
Na década de 1990, a empresa tornou-se o primeiro grupo privado do setor
químico no Brasil, com um faturamento anual próximo do patamar de um bilhão
de dólares. Suas atividades abrangiam cinco setores: fibras e polímeros, agroquí-
mica, especialidades químicas, intermediários orgânicos e minerais e saúde – que
incluía a Rhodia Farma. A empresa está organizada na forma matricial e em uni-
dades de negócio (SBUs).
Após sucessivos programas de reestruturação, o quadro de funcionários caiu
de cerca de 14.000 (em 1989) para cerca de 9.000 (em 1993). Essa redução foi ob-
tida por meio de um redimensionamento estratégico – com a venda de alguns ne-
gócios –, programas de terceirização e planos de demissão voluntária e orientada.
O Prhoex
A compreensão dos eventos posteriores ao chamado colapso industrial de
1991 na Rhodia Farma só é possível se considerarmos a forte influência do Prho-
23
Foram entrevistadas as seguintes pessoas: Paulella, diretor geral; Barella, diretor industrial;
Tosta, gerente de relações industriais; Darienzo, gerente de produção; Donaldo, farmacêutico res-
ponsável; Daniel, gerente de qualidade farmacêutica; Edwin, Gilmar e Kerginaldo, chefes de depar-
tamento/área; Delma, Reny e Nivaldo, supervisores; e Arnóbio, Borgo, Ricardo e Almir, operadores.
24
Extremamente significativo, mas não surpreendente, pois já se constituiu num padrão em mui-
tas organizações, é o conflito – explícito ou implícito – com a área de Recursos Humanos. Visto por
alguns autores como simples disputa de território e zona de influência, esse conflito significa uma
importante barreira ao avanço dos processos de transformação. Para uma discussão mais apro-
fundada do tema ver STOREY, J. Developments in the management of human resources. Londres:
Blackwell, 1992.
25
Cultura e liderança: incluem a criação de instrumentos de recursos humanos compatíveis com
os novos conceitos de trabalho, a prática de um novo estilo de liderança – participativo – e a mu-
dança cultural – que poderia ser de forma simples definida pelo abandono do modelo tradicional
taylorista-fordista em favor da adoção de práticas próximas da flexibilidade criativa dos japoneses
e suecos. Grande foco é dado ao trabalho participativo, à comunicação e transparência, ao rompi-
mento de barreiras estruturais e à valorização dos grupos. Conceitos: inclui formação conceitual
dos funcionários e utiliza como ferramenta a divulgação de casos de sucesso. Novas formas de tra-
balhar: abrange o sistema de planejamento integrado, os sistemas de medição, o uso de ferramentas
estatísticas e metodologias estruturadas para tomada de decisão, a reorganização do trabalho, o
sistema e as ações junto aos clientes.
Não se trata aqui do conceito de qualidade mais amplo, como vem sendo adotado desde a
26
década de 80 – com os conceitos de TQM, por exemplo –, mas de um grande rigor com o controle
do produto final, característico de uma abordagem que marcou o movimento da qualidade em seu
princípio, na década de 40, e que é hoje considerado conceitualmente superado.
Existe uma pequena unidade na fábrica do Cabo, em Pernambuco, cuja produção deverá ser
27
28
Plano de demissão voluntária, incluindo um “pacote’’ de benefícios.
29
Na Rhodia, os gerentes, chefes e supervisores são comumente chamados de líderes.
os quatro princípios:
foco: alinhamento dos esforços, recursos e pessoas para
tratamento dos pontos vitais.
catchball: processo interativo de negociação das metas, nível
a nível.
medição: avaliação permanente da evolução da performance.
“desdepartamentalização” implementação de times multidepartamentais, em
ambiente participativo.
o desdobramento:
a implementação:
workshop da qualidade: durante dois dias, o primeiro nível da divisão industrial – o comitê – reuniu-
se para definir visão de futuro, missão e bases da competitividade (custo, prazo de atendimento e
qualidade). Daí surgiram 30 metas, das quais seis foram priorizadas.
desdobramento das metas: em curto prazo, cada líder do comitê reuniu-se com sua equipe e desdo-
brou as seis metas em seu respectivo departamento. Ao final, as 270 metas geradas retornaram ao
comitê, que as aglutinou e priorizou, resultando daí catorze projetos de melhoramento.
formação dos times: foram então formados 14 times multidepartamentais. Cada líder foi designado e
treinado em técnicas de grupo e escolheu os demais membros com base no envolvimento com o
assunto a ser tratado.
processo de melhoria contínua: os grupos seguiram uma metodologia estruturada em oito etapas,
incluindo definição do problema, levantamento de dados, priorização de ações e encontros de ava-
liação.
painéis de melhoria: foram promovidas apresentações dos trabalhos para divulgar e alavancar o pro-
cesso. O efetivo total da divisão industrial participou.
perenidade do trabalho e extinção dos grupos: os grupos desaparecem após atingir sua meta (o pra-
zo máximo é um ano). Em média, duram seis meses. A implementação e consolidação dos ganhos
deve ser garantida.
30
Good Manufacturing Pratices, ou Boas Práticas de Manufatura: conjunto de normas que garan-
te, teoricamente, condições adequadas de segurança, higiene e qualidade nas indústrias farma-
cêuticas.
Na indústria farmacêutica, cada lote fabricado deve ser acompanhado por um dossiê
que registra todas as condições de trabalho e os parâmetros de qualidade. Seu preenchi-
mento ocupa boa parte do tempo do pessoal de fábrica.
A meta do time – formado por duas secretárias, um engenheiro, duas farmacêuticas e
uma supervisora – era simplificar o documento, sem perda da qualidade da informação.
O grupo utilizou fluxogramas para analisar a necessidade e importância dos procedi-
mentos e enfrentou a “cultura das normas imutáveis’’ vencendo a própria inibição de negociar
mudanças com líderes de nível hierárquico mais alto.
“... nós fomos direto ao operador, ver o que ele fazia, como ele fazia, se era necessário
(...) existiam partes que não eram necessárias, mesmo legalmente (...) No início houve al-
guns atritos (...) Hoje é totalmente diferente, nós incluímos partes legais, parte de GMP (Good
Manufacturing Practices) e a parte prática (...) Nós conseguimos satisfazer os três’’, afirmava
a supervisora Delma.
A proposta aprovada resulta numa redução anual de 32.000 cópias xerox e 450.000
assinaturas, para um único produto. A qualidade do dossiê melhorou e os funcionários ga-
nharam precioso tempo para atividades mais nobres.
A linha de produção de injetáveis só podia mudar de produto duas vezes por semana,
mas a fabricação de lotes grandes era incompatível com as flutuações de demanda e gerava
problemas de atendimento dos pedidos.
O grupo, formado por representantes da produção, manutenção, controle de qualidade
e armazém, trabalhou por cinco meses para reduzir o tempo de preparação – set-up – das
máquinas.
Com ajuda de um diagrama de Pareto, foram descobertos os pontos essenciais a serem
atacados. Após uma série de ensaios e modificações, conseguiu-se atingir um tempo de set-
up três vezes menor que o original.
No meio do trabalho, o grupo deparou-se com um desafio: “Discutimos a ideia com o
grupo e só seria viável se tivéssemos um conjunto novo de enchimento (...) um mecânico deu
uma ideia excelente ( ...) nós fabricávamos um produto que usava um ferramental que esta-
va encostado (...) ele sabia pela sua experiência que se você regulasse a máquina poderia
compensar a diferença de ferramental (...) fizemos um teste que deu certo’’, declara o chefe
de departamento/área Kerginaldo.
Os ganhos, seguidos de um treinamento realizado com operadores e mecânicos, permi-
tiram que as duas trocas por semana fossem transformadas em duas trocas por dia, aumen-
tando significativamente a flexibilidade da linha e eliminando os problemas de modulação da
produção.
Perspectivas
Apesar de a divisão industrial ter claramente revertido a situação de crise que
atravessava, a empresa como um todo ainda deve enfrentar alguns problemas e
desafios no futuro próximo.
No final de 1993 foi realizado um “II Workshop da Qualidade’’, envolvendo
um número maior de funcionários que o anterior. O foco desse workshop foi a
consolidação e expansão da implementação em toda a divisão industrial de cé-
lulas autogerenciadas, além de uma segunda fase de implantação de projetos de
melhoramento.
Nessa terceira fase, portanto, passa a ser prioritária a busca da evolução do
modelo de organização do trabalho, como meio de dotar a organização de maior
flexibilidade e capacidade de resposta às mudanças ambientais.
A criação dos times de melhoramento pelo PAQT provocou o surgimento de outros ti-
pos de grupo. Espontaneamente organizaram-se alguns times para a solução de problemas
específicos. Além desses, algumas áreas passaram a apresentar maior grau de autonomia
e capacidade de auto-organização. Esses grupos diferenciam-se dos anteriores por estarem
ligados à estrutura formal e às tarefas de produção do dia a dia.
Células desse tipo surgiram no armazém e na preparação de injetáveis. No primeiro, o
antigo líder foi naturalmente se afastando do grupo, à medida que este assumia suas fun-
ções. A oficialização do “experimento’’ foi apenas um ato de reconhecimento. Na segunda,
um período de treinamento técnico-operacional foi suficiente para que o grupo passasse a
caminhar independentemente.
Nos dois casos, os grupos assumiram o controle da divisão das tarefas e das questões
administrativas. Passou a existir também um treinamento informal para aumentar a flexibili-
dade na organização de trabalho.
“Fazemos uma reunião, um grupo e falamos: a prioridade hoje é aqui, hoje é ali (...)
temos Kanban, então devemos seguir o Kanban, seguir o horário (...) (a parte de hora extra)
Nós decidimos sozinhos (...) se ficamos após o horário ou se compensamos amanhã’’, decla-
ram os operadores Arnóbio e Borgo.
Eles mesmos assinam “cartão de ponto, controlando as faltas e os abonos. Eles regem
o ritmo de trabalho (...) quando atrasa a matéria-prima, eles mesmos vão atrás (...) onde eles
precisam fazer contato, no controle, nas compras, na expedição, no armazém (...) eles estão
se entendendo muito bem’’, comenta Kerginaldo.
“Nós não temos um chefe direto (...) temos um facilitador para romper algum obstáculo
(...) agora a responsabilidade é do grupo, quem não fizer, o grupo avalia (...) você se sente
mais responsável para fazer as coisas, você enxerga muito mais coisas’’, afirmam os opera-
dores Almir e Ricardo.
Além de cuidar do dia a dia, os grupos também passaram a realizar ações de melho-
ramento. No armazém, após a oficialização do grupo, a qualidade de informação sobre o
estoque, o principal indicador de performance da área teve seu índice elevado de 79% para
96%.
As duas áreas destacam-se pela organização e house-keeping e estão gerando nas de-
mais uma pressão para criação ou oficialização de novos grupos. Essa pressão coincide com
a estratégia da organização, de transferir poder para os níveis operacionais. A consolidação
e expansão das células é uma das grandes metas para 1994.
CONCLUSÕES
Síntese comentada
No ambiente turbulento das organizações contemporâneas, os movimentos
de mudança não podem ser analisados sob a ótica da causalidade simples e do
determinismo cartesiano. Eles exigem um olhar complexo, compatível com o
emaranhado de relações culturais, de poder, formais e informais existentes nes-
ses sistemas.
anos, especialmente pela possibilidade de realização rápida dos planos estratégicos. Infelizmente,
a cultura é tradicionalmente foco de pouca atenção nesses processos e até que um novo equilíbrio
seja atingido, muito tempo passa e muita troca de pessoal costuma ocorrer. Períodos de três a cinco
anos são normais para que um processo dessa natureza se complete. Ver WALTER, G. A. Culture
collisions in mergers and aquisitions. In: FROST et al. Organizational culture. Newbury Park: Sage,
1985, 420 p. Ver também MALEKZADEH, A. R.; NAHAVANDI, A. Making mergers work by mana-
ging cultures. The Journal of Business Strategy, p. 55-57, May/June 1990. Os autores propõem uma
caracterização de quatro diferentes tipos de combinação cultural, indo da total absorção à completa
separação. São elas: desculturação, assimilação, integração e separação.
32
A estratégia de ação de uma organização é raramente não-controversa. Ela aglutina muitos
pontos de vista e interesses diferentes. O desacordo é raramente analítico; ele reflete em geral
interesses conflitantes. Ver HUFF, A. S. Arhetorical examination of strategic change. In: PONDY, L.
et al. Organizational symbolism. Greenwich: Jai Press, 1983, 308 p.
Na empresa estudada, parecem especialmente difíceis as decisões que envolvem troca de pes-
soas, em particular no nível gerencial. Essa característica pode ser ligada a três fatores: primeiro,
à estrutura matricial, de poder difuso e processo decisório lento; segundo, à existência de redes
informais de poder; e, terceiro, a um traço cultural ligado à preservação dos quadros gerenciais,
mesmo em épocas de crise.
Ver GIOIA, D. A.; CHITTIPEDDI, K. Op. cit. Os autores utilizam os conceitos de sensemaking –
33
que opera no sentido dos níveis mais baixos para os mais altos na hierarquia – e sensegiving – que
opera no sentido oposto – para mostrar a construção de uma nova rede de significados num proces-
so de mudança a partir da ação da liderança. As sucessivas interações entre liderança e grupos de li-
derados constroem o novo ambiente cultural reforçando os laços de confiança e comprometimento.
Martin e Powers constataram empiricamente a relação entre histórias e comprometimento or-
34
ganizacional. Comparada a dados estatísticos objetivos, o impacto de sagas e mitos é muito maior.
Ver MARTIN, L.; POWERS, M. Truth or corporate propaganda: the value of a good war story. In:
PONDY et al. Op. cit.
35
Os administradores conduzem a organização; os heróis a criam e recriam, vencendo desafios e
revertendo situações difíceis. Eles tornam as grandes conquistas plausíveis e colocam-nas ao alcan-
ce humano, fornecem modelos de comportamento e modificam e preservam os valores centrais da
organização, personificando-os. Ver FREITAS, M. E. Op. cit. p. 59-61.
36
Van der Erve utiliza o conceito de curva “S’’ para analisar a evolução das organizações. Para o
autor existe um momento adequado para o salto de uma curva para outra. Se a persistência, além
do tempo correto, pode levar à estagnação, saltos excessivos podem gerar turbulências e inviabi-
lizar o sistema. VAN DER ERVE, M. The power of tomorrow’s management. Management Decision,
Yorkshire, v. 28, n. 7, p. 55-63, 1990.
37
É interessante notar a existência de grupos de cultura forte, preservando essa cultura mesmo
quando dentro de organizações. É normalmente o caso de profissionais especializados, como os
médicos. Sua impermeabilidade a mudanças vem de sua rede própria de relações e significados.
Será utilizada na análise a abordagem das organizações como sistemas de controle social. Ver
38
MOTTA, F. C. P.; VASCONCELOS, I. F. F. G.; WOOD JR., T. Controle social nas organizações. Revista de
Administração de Empresas – RAE, v. 33, n. 5, p. 68-87, São Paulo, set./out. 1993.
39
Quando entra em contato com a organização, o indivíduo se confronta com expectativas am-
bíguas: ao mesmo tempo que vê na organização as possibilidades de suprir algumas necessidades,
também se vê obrigado a renunciar a certa margem de liberdade. Ao ser mergulhado na cultura
da organização, ele tende a internar seus símbolos. Como os dirigentes e certa elite na empresa
detêm maior poder na determinação das diretrizes organizacionais, interpretando o sistema maior
de inserção da organização no macroambiente, são seus valores que vão permear a cultura orga-
nizacional. Socialização pode ser definida como o processo pelo qual um indivíduo com amplas
possibilidades desenvolve padrões de comportamento restrito, adequando-se às normas grupais. É
a qualidade do processo que vai determinar o grau de lealdade e comprometimento do indivíduo
e, potencialmente, sua produtividade. Individuação é o processo pelo qual o indivíduo procura in-
fluenciar a organização, na expectativa de maximizar sua satisfação pessoal. O processo de indivi-
duação mais aceito pela organização poderia ser denominado de individualismo criativo, no qual
o funcionário aceita os valores e regras básicas e questiona, ou rejeita, somente o que é periférico.
40
Alguns autores têm sido bastante críticos com as novas práticas gerenciais, apontando-as como
taylorismo simbólico, pois mantêm a crença básica no one best way. Por isso, elas não sobreviveriam
muito tempo, pois sofreriam das mesmas contradições do modelo que tentam superar.
41
ROUANET, S. P. O mal-estar na modernidade. São Paulo: IDE, 1993. v. 23, p. 40-53.
BEER, S. Origins of team tensegrity. In: SPEJO, R.; SCHWANINGER, M. Organizational fitness:
42
corporate effectiveness through management cybernetics. Frankfurt: Campus, 1993. Ver também
no mesmo volume GOMES, P. Organising for autonomy; e SHECTER, D. Beer’s tensegrity and the
challenge of democratic management.
1
Os autores agradecem a Eva Stal e Roderico Moraes, diretores do Instituto Uniemp, pela va-
liosa colaboração.
DISCUSSÃO GERAL
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A Newsweek em sua edição de 14 de junho de 1993, além de publicar o artigo de Privat (1993),
dedicou considerável espaço à questão da alteração do perfil do mercado de trabalho sob o impacto
das mudanças na economia mundial.
Nesse sentido, cabe lembrar que o sucesso econômico do Japão, sobre o qual
muito se tem falado e escrito, não parece ter conexão direta com o aproveitamen-
to de pesquisas feitas pelas universidades. Segundo Porter (1990), “a pesquisa
universitária é limitada e o intercâmbio entre empresas e universidades é modes-
to, comparado com o de muitos outros países. Há uma série de laboratórios na-
cionais no Japão, ligados a vários ministérios, que têm tido algum papel em pes-
quisa e desenvolvimento. Muitos dos melhores graduados em áreas científicas,
no entanto, escolhem posições nos laboratórios de pesquisa das maiores compa-
nhias japonesas. É aí que a maior parte da pesquisa relevante no país ocorre’’.
Na Coreia do Sul, embora a formação nas universidades seja de excelente
nível, como no Japão, a pesquisa universitária é igualmente modesta. Neste inte-
grante do grupo dos Tigres Asiáticos a pesquisa ocorre, sobretudo, em institutos
especializados financiados em parte ou totalmente pelo governo e focados na
indústria. Entretanto, as universidades beneficiam-se dos achados das pesquisas
quando se aliam fortemente a esses institutos. Os conhecimentos assim adquiri-
dos são, por sua vez, repassados à sociedade, não só através dos cursos conven-
cionais, mas também dos concorridos programas para executivos.
Esses dois exemplos, Japão e Coreia do Sul, ressaltam a importância de a
universidade buscar maior aproximação com a indústria e os centros de pesquisa.
A distância entre eles certamente acabará sendo negativa para o setor produtivo
e crítica para a universidade. Isolada, estática, autofágica e desvinculada da rea-
lidade, a universidade tenderia a se tornar um centro de conservadorismo técnico
e político, um verdadeiro cartório de homologação de conhecimentos academica-
mente corretos (Kuhn, 1990).3
Evidencia-se, assim, a necessidade de repensar a universidade no contexto
de uma nova aliança estratégica com o setor produtivo. Caberia à universidade
passar de centro privilegiado do saber para a condição de receptadora, sistema-
tizadora e socializadora – nunca de forma acrítica – do conhecimento produzido
por ela e por outras instâncias da sociedade, no processo de geração de riqueza.
Para tanto, é necessária a criação de espaços de troca e parceria em que represen-
tantes do setor produtivo possam, além de repassar conhecimentos adquiridos,
influenciar na seleção de currículos e participar de projetos de pesquisa.
O caso escolhido para este estudo é um gerador desses espaços, o Instituto
Uniemp. Criado no Brasil em fevereiro de 1992, enquanto um fórum perma-
nente de relacionamento universidade-empresa, congrega hoje cerca de 30 em-
presas de destaque e aproximadamente 50 universidades. Este instituto, além
da parceria em pesquisas e da transferência de conhecimento, coloca para si o
desafio de “agir como catalisador do processo de mudança da mentalidade dos
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Kuhn (1990) analisou criticamente a forma de geração de conhecimentos no ambiente aca-
dêmico.
empresários brasileiros que têm, até agora, investido muito pouco em pesquisa
e desenvolvimento, mas sentem a necessidade de um grande esforço de atua-
lização tecnológica em seu negócio, para se manterem competitivos em seus
mercados específicos’’.4
A experiência é recente para uma avaliação conclusiva, mas certamente per-
mite uma análise preliminar da viabilidade do papel a que se propõe o Instituto,
enquanto gerador de espaços para a concretização de alianças entre dois setores
hoje tão distantes no Brasil.
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Material de divulgação do Instituto Uniemp – fórum permanente das relações universidade-
empresa.
Porter cria com seu modelo um quadro de referências sobre o qual várias
análises podem ser feitas. A partir de sua definição, a tarefa a nós colocada é,
então, a de utilizá-lo para analisar a questão das alianças entre universidades e
empresas.
O primeiro ponto que vem à tona é a aparente contradição entre rivalidade e
aliança. A posição de Porter é clara; ele valoriza a competição como criadora de
cérebro e músculos empresariais e coloca sérias limitações à utilização de alian-
ças, especialmente entre concorrentes. O caminho a ser seguido é o da limitação
dessas associações a aspectos periféricos de atuação das empresas.
Quanto às alianças entre universidades e empresas, o princípio de não-
interferência nas atividades centrais das organizações – aquelas que originam e
sustentam sua vantagem competitiva – deve permanecer intocável. O campo de
cooperação deve ser no meio-termo entre o desenvolvimento tecnológico bási-
co – de caráter acadêmico – e a aplicação industrial – de caráter empresarial.
Mecanismos devem ser criados não só para permitir esse nível de cooperação,
mas também para gerar pesquisa básica já no nascedouro, orientada para as
futuras aplicações práticas.
Não é simples estabelecer esse todo integrado, desde o desenvolvimento
primário da tecnologia até a chegada do produto ao mercado, até porque os ho-
rizontes de tempo das universidades e empresas são diferentes. Por outro lado,
não são poucos os exemplos de clusters envolvendo empresas, centros de pes-
quisa e universidades, representando verdadeiros pólos de geração e aplicação
prática de tecnologia de ponta. A pesquisa cooperativa tem, além disso, grande
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Ver Lazo (1992). O autor fez um apanhado geral da literatura disponível sobre o assunto, reali-
zando uma sistematização de conceitos e teorias.
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Ver Stal e Moraes (1992).
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Ver Plano Operacional de 1993 do Uniemp. Além dessas, o Instituto possui outras diretrizes,
internas, ligadas a sua amplitude de atuação.
Após esse primeiro momento, o grupo original foi substituído por outro,
composto por representantes, que se encarregou de dar consistência jurídica e
existência legal ao Instituto. Hoje, na prática, seu órgão máximo é o Conselho
de Deliberação, formado por representantes de oito universidades e oito empre-
sas – altos executivos e reitores. Operacionalmente existe a Diretoria Executiva,
composta por três membros e assessorada por coordenadores de projeto. É este o
grupo responsável pelo desdobramento das diretrizes gerais e das ações e metas
específicas que constituem os planos operacionais anuais. Está a cargo dessa re-
duzida equipe, também, a efetiva execução dos planos. Existe na estrutura orga-
nizacional o Conselho Técnico-Científico, um órgão de apoio. Todos os mandatos
são de três anos, renováveis.
Passado um ano de vida oficial, o Instituto conta com aproximadamente 30
empresas associadas – cada uma contribuindo com mil dólares mensalmente – e
50 universidades ou instituições de nível superior – que se afiliaram sem ônus.
Apesar de encontrar-se virtualmente em processo de estruturação interna e con-
quista de espaço de atuação, o Uniemp já contabiliza alguns resultados e reali-
zações importantes diante de uma conjuntura a princípio complexa. No Quadro
15.3 estão descritas resumidamente algumas dessas realizações, a maioria ainda
em curso.
Aprendizado em Gestão
• Criação de um fórum nacional de aprendizado em gestão, reunindo especialistas das áreas
empresarial e acadêmica
• O objetivo geral – ambicioso – é discutir e elaborar propostas para a geração de um pensa-
mento gerencial brasileiro
Capacitação de Pequenas Empresas
• Com recursos do Sebrae – ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo –,
objetiva estruturar módulos de treinamento, visando capacitar pequenas empresas, fornece-
doras de produtos e serviços para grandes companhias, a gerir seus recursos para melhor
atender seus clientes
Convênio com IBM
• Criação de um sistema de informação com a implantação de um banco de dados, doado pela
IBM, a ser instalado no Instituto e na Fapesp – órgão estadual de fomento ao desenvolvimen-
to tecnológico
• Conectará empresas, universidades brasileiras e instituições no exterior
Desenvolvimento Sustentável
• Estabelecimento de um convênio com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sus-
tentável – FBDS –, para a obtenção de financiamentos internacionais para projetos do Insti-
tuto relacionados a questões ambientais
Eventos
• Promoção de seminários, conferências e discussões voltados para a troca de experiências na
área de cooperação universidade-empresa, para a difusão de conhecimento tecnológico e
para a questão da reforma de currículos em cursos superiores
Pró-algodão
• Busca apoiar os esforços de revitalização da cotonicultura no estado do Ceará
• Envolve esforço amplo de empresários, universidades e governo, incluindo desde a geração
de energia, a irrigação, a cultura e o processamento até a tecelagem e a moda
Referências bibliográficas
GARRETTE, Bernard; DUSSAUGE, Pierre. Les alliances stratégiques: analyse et mode
d’emploi. França: Groupe HEC, 1991.
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1990.
KURZ, Robert. O colapso da modernização: da derrocada do socialismo de caserna à crise
da economia mundial. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1992.
LAZO, Rubem W. Alianças estratégicas, um aprendizado sem fronteiras; quando e como
aliar-se à concorrência. Dissertação (Mestrado) – EAESP. São Paulo: Fundação Getúlio
Vargas, 1992.
PORTER, Michael. A vantagem competitiva das nações. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
. The competitive advantage of nations. In: MONTGOMERY, Cynthia A., PORTER,
Michael E. (Org.) Strategy: seeking and securing competitive advantage. Boston: Harvard
Business Review Book, 1992.
PRIVAT, Pascal. Death of the career. Newsweek, p. 16-17, 14 June, 1993.
STAL, Eva; MORAES, Roderico. Interação empresa-universidade no Brasil. Programa Ibe-
roamericano de Ciencia y Tecnología para el Desarrollo – Cyted-d. São Paulo, 1992.
Formato 17 x 24 cm
Tipologia Charter 11/13
Papel Offset 75 g/m2 (miolo)
Supremo 240 g/m2 (capa)
Número de páginas 344
Impressão Digital Page