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O PODER E A GLÓRIA  
Crescimento e Crise no Capitalismo de Pós‐Guerra (1945‐2000) 
Osvaldo Coggiola 
“A questão ‐ ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes. 
‐ A questão ‐ replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso”  
(Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas) 
“Não existe crise permanente, mas crises periódicas em permanência” 
(Karl Marx, O Capital) 
As  décadas  posteriores  à  Segunda  Guerra  Mundial  foram  ulteriormente  batizadas  como  “os 
trinta  anos  gloriosos”  (1945‐1975)  do  capitalismo.  As  crises  que  as  pontuaram  foram 
“recessões”:  aconteceram  em  1948‐49;  1952‐53,  1957‐58,  1960‐61,  1966‐67,  1970‐71.  Elas 
foram  de  curta  duração  em  relação  à  tendência  geral  expansiva  da  economia  capitalista 
mundial.  
CRESCIMENTO DO PIB (%) 1913-1998
Países 1913-1950 1950-1973 1973-1998
EUA 2,84 3,93 2,99
Japão 2,21 9,29 2,97
Alemanha 0,3 5,68 1,76
Mundo 1,85 4,91 3,01

A  expansão  econômica  se  apoiou  num  crescimento  sem  precedentes  da  produtividade  do 
trabalho: ela cresceu 3% ao ano, em média (a média para todo o período de 1870 a 1973 foi de 
2,4% anual). O acesso ao consumo do operariado dos países centrais (e, em parte, também nos 
periféricos) aumentou em função da queda do valor dos bens‐salário, embora a taxa de mais‐
valia  também  aumentasse,  em  função  do  progresso  técnico.  O  conceito  de  “trinta  anos 
gloriosos”,  no  entanto,  foi  uma  construção  ideológica  ex  post  facto.  Disse  Eric  Hobsbawm: 
“Depois que passou o grande boom, nos perturbados anos 70, à espera dos traumáticos 80, os 
observadores  –  sobretudo,  os  economistas  –  começaram  a  perceber  que  o  mundo,  em 
particular  o  mundo  do  capitalismo  desenvolvido,  passara  por  uma  fase  excepcional  de  sua 
história;  talvez  uma  fase  única.  Buscaram  nomes  para  descrevê‐la:  os  ‘trinta  anos  gloriosos’ 
dos  franceses  (les  trente  glorieuses),  a  Era  de  Ouro  de  um  quarto  de  século  dos  anglo‐
americanos.  O  dourado  fulgiu  com  mais  brilho  contra  o  pano  de  fundo  baço  e  escuro  das 
posteriores décadas de crise”. Além disso, esses “trinta gloriosos” (ou “era dourada”) tiveram 
também  pré‐condições  políticas  e  sociais,  bem  pouco  gloriosas,  como  pressuposto  da 
expansão econômica.  
A  Segunda  Guerra  Mundial  fora  o  método  capitalista  para  encontrar  uma  saída  à  depressão 
econômica mundial da década de 1930, originada na crise de 1929, em termos capitalistas: a 
destruição  das  forças  produtivas,  do  potencial  produtivo  da  humanidade.  A  ordem  de  pós‐
guerra  começou  a  ser  delineada  pela  “Carta  do  Atlântico”,  esboçada  em  agosto  de  1941  em 
encontro do presidente norte‐americano Roosevelt com o primeiro‐ministro britânico Winston 
Churchill, com vistas a "estabelecer um amplo e permanente sistema de segurança geral".  
A  guerra,  porém,  depois  de  provocar  a  morte  de  80  milhões  de  pessoas,  concluiu  com 
explosões sociais revolucionárias em vários países, e com o literal afundamento do capitalismo 
em territórios (Leste europeu, Bálcãs, China) que abrigavam mais de um quinto da população 

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mundial,  o  que  aconteceu  no  breve  lapso  histórico  de  quatro  anos  (final  de  1945  –  final  de 
1949).  No  carro‐chefe  da  economia  mundial  capitalista,  os  EUA,  somente  após  1942,  com  a 
entrada na Segunda Guerra Mundial, o país conseguiu sair de fato da crise da década de 1930. 
Através  de  uma  economia  de  guerra,  toda  a  capacidade  produtiva  foi  posta  em 
funcionamento.  No  final  da  guerra,  os  EUA  emergiram‐se  como  potência  capitalista 
hegemônica, limitada devido a relação de forças entre as classes de um lado, e pela tendência 
da  guerra  inter‐imperialista  em  se  transformar  em  revolução  social  de  outro.  É  diante  deste 
quadro que se estruturou a nova ordem econômica mundial após 1945. 
Os  acordos  de  “partilha  do  mundo”  de  Yalta  e  Potsdam  foram  impulsionados  para  pôr  um 
limite a um processo de decomposição econômica e política mundial, através da colaboração 
contra‐revolucionária  com  a  burocracia  da  URSS.  A  preocupação  essencial  das  potências 
capitalistas,  nessa  conjuntura  em  absoluto  “gloriosa”,  foi  a  preservação  das  estruturas 
capitalistas  nos  bastiões  históricos  (e  ainda,  em  boa  medida,  econômicos)  do  capital,  na 
Europa ocidental e suas áreas coloniais.  
O “bloco socialista”, por sua vez, resultou tanto de medidas defensivas da burocracia da URSS 
contra a ofensiva capitalista em suas “áreas de influência”, como do desfecho revolucionário 
da  luta  de  classes  em  países  que  estavam  fora  delas  (as  revoluções  na  China  e  nos  Bálcãs). 
Apresentado  no  Ocidente  como  monolítico  e  expansivo,  pelas  necessidades  ideológicas  da 
“guerra  fria”,  o  bloco  estava,  ao  contrário,  eivado  de  contradições  internas  (que  se 
manifestaram inicialmente na ruptura Stalin‐Tito, em 1948, e atingiram ponto culminante com 
a ruptura sino‐soviética em 1962, que tornou público um conflito já latente desde a tomada do 
poder pelo Partido Comunista Chinês, em 1949). 
Mais  decisivo  ainda,  a  história  do  chamado  “campo  socialista”  foi  percorrida,  a  partir 
levantamento  popular  na  Alemanha  oriental,  em  1953,  por  revoltas  operárias  contra  o 
domínio  burocrático  (Hungria  e  Polônia  1956,  Tchecoslováquia  1968,  Polônia  e  Iugoslávia  na 
década de 1970), que cresceram e se estenderam até a década de 1980. 
No  mundo  capitalista,  a  hegemonia  dos  EUA  tornou‐se  inconteste,  e  abrangeu  todos  os 
campos, inclusive o da produção cultural (através da “indústria da cultura”), posta ao serviço 
da reprodução dessa hegemonia. Em relação a isso, é preciso salientar que “a re‐formação do 
capitalismo  é  a  americanização  do  capitalismo,  e  a  ideologia‐cultura  do  consumismo  é  a  sua 
base lógica. Mas identificar o imperialismo cultural e da mídia com os EUA, ou mesmo com o 
capitalismo dos EUA, é um erro profundo e profundamente mistificador. Isto significa que, se a 
influência  americana  pudesse  ser  excluída,  o  imperialismo  cultural  e  da  mídia  desapareceria. 
Isto só poderia ser verdade em um sentido puramente de definição. A americanização em si é 
uma  forma  contingente  de  um  processo  que  é  necessário  para  o  capitalismo  global,  para  a 
ideologia‐cultura do consumismo. A conexão entre a americanização e a dependência cultural 
começou com os cartéis da indústria cinematográfica de Hollywood na década de 20 e com o 
‘sistema  de  estrelas’  no  qual  foi  baseado.  O  modo  como  isso  foi  seguido  é  um  caso  de 
paradigma  das  inter‐relações  entre  as  esferas  econômicas,  políticas  e  ideológico‐cultural, 
estruturadas pelos interesses econômicos daqueles que possuíam e controlavam a indústria e 
os canais através dos quais seus produtos eram comercializados e distribuídos” (Leslie Sklair). 
Do “Capitalismo de Guerra” a Bretton Woods 
A  intervenção  norte‐americana  na  Segunda  Guerra  Mundial  foi  gradual:  sendo  o  país  mais 
poderoso, interessava‐se pelo enfraquecimento das forças em combate na Europa para entrar 
somente no final da guerra, como já fizera na Primeira Guerra, quando os EUA ficaram com os 
espólios  dos  demais  países.  Durante  a  Segunda  Guerra  Mundial,  nos  Estados  Unidos,  a 
produção  industrial  duplicou  em  cinco  anos,  perfazendo  entre  40%  e  45%  do  total  da 
produção,  período  no  qual  o  “setor  civil”  não  variou  em  valor  absoluto.  Os  empregos 
industriais passaram de 10 para 17 milhões entre 1939 e 1943, o total de empregos de 47 a 54 

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milhões  no  mesmo  período.  Se  o  PIB  aumentou  de  150%,  a  concentração  econômica 
espantosa  determinou  a  feição  definitiva  do  capital  monopolista  nos  Estados  Unidos  —  250 
sociedades  industriais  passam  a  controlar  66,5%  da  produção  total,  uma  percentagem 
equivalente àquela controlada por 75 mil empresas antes da guerra. 
As exportações dos Estados Unidos passaram de pouco mais de 5 bilhões de dólares em 1941, 
para quase 14,5 bilhões em 1944. No período 1938‐1944, a produção de guerra passou de 2 
para 100, nos Estados Unidos; de 4 para 100, na Inglaterra; de 16 para 100, na Alemanha; de 8 
para 100, no Japão.  A transformação das economias capitalistas em economias de guerra, e os 
diversos  pontos  de  partida  para  atingir  tal  objetivo,  determinaram,  em  última  instância,  a 
superioridade aliada: Fritz Sternberg calculou em 80 bilhões de dólares o valor do material de 
guerra  produzido  pelos  Estados  Unidos,  a  Inglaterra  e  o  Canadá  no  período  prévio  ao 
desembarque de 6 de junho de 1944. No mesmo período, a Alemanha e seus aliados tiveram 
uma produção equivalente a 15 bilhões, isto é, uma superioridade de mais de cinco para um 
em  favor  dos  Aliados,  do  ponto  de  vista  dos  recursos  econômicos  consagrados  ao  esforço 
bélico. 
O  fato  da  Segunda  Guerra  Mundial  ter  sido  a  única  solução  possível  para  a  crise  econômica 
marca uma diferença importante em relação à Primeira Guerra, na qual a questão principal era 
a redistribuição do mundo entre as potências imperialistas e não, para todos os protagonistas, 
a anexação à máquina capitalista enguiçada, de um motor artificial (a economia armamentista 
e,  posteriormente,  a  economia  de  guerra)  que  seria,  doravante,  uma  peça  essencial  para  o 
funcionamento da economia capitalista mundial. 
O  catedrático  de  história  contemporânea  da  Universidade  de  Cambridge,  David  Thomson, 
afirmou que “talvez o fato básico fosse que as convulsões da guerra tivessem tornado possível 
uma retomada da expansão comunista, contida desde 1919”. Não só pelo avanço avassalador 
dos  exércitos  soviéticos  a partir  de  1943,  mas  também  pelo  desenvolvimento  de  uma  ampla 
resistência  classista e popular, presente na  Europa  inteira e até  no próprio centro do  campo 
“aliado”, os Estados Unidos, assim como no mundo colonial: a sublevação da Índia, da China, 
do norte da África, da América Latina. A derrota da burguesia francesa e o enfraquecimento da 
burguesia  inglesa  possibilitaram  um  grande  avanço  dessa  revolta,  culminando  na  vitória  dos 
japoneses  sobre  os  ingleses  no  Pacífico.  Ela  deu  ensejo  para  a  sublevação  das  massas  das 
Filipinas, de Cingapura, do Oriente Médio, ainda durante a guerra mundial. 
 Nas metrópoles, já em 1941, os mineiros franceses fizeram greve no norte do país, apesar da 
ocupação alemã. Após as greves, muitos jovens requisitados para o STO (Serviço de Trabalho 
Obrigatório) na Alemanha prennent le maquis, iniciaram uma resistência civil armada que seria 
encampada  e  dirigida  pelo  PC  francês,  no  sentido  de  uma  aliança  com  o  representante  da 
burguesia  anti‐nazista,  o  general  de  Gaulle  (refugiado  na  Inglaterra).  Desde  1942,  as  greves 
também  explodiram  na  Grécia  ocupada  pelos  nazistas.  Na  Itália,  o  movimento  grevista  foi 
explosivo em 1943, ameaçando criar uma situação de duplo poder, e foi o pano de fundo do 
movimento  dos  partigiani  e  do  golpe  de  estado  do  próprio  Conselho  Fascista  que  derrubou 
Mussolini nesse mesmo ano.  
Nos Estados Unidos, houve greves dos mineiros, dirigidas e encabeçadas pelo burocrata John 
L.  Lewis,  em  maio  e  novembro  de  1943;  e  greve  dos  ferroviários  no  mesmo  ano.  Apesar  da 
legislação  anti‐grevista,  em  1944  houve  224  greves  não‐autorizadas,  com  388  mil  grevistas. 
Roosevelt  proibiu  as  greves  dos  mineiros  e  dos  ferroviários,  vetadas  durante  o  período  de 
guerra.  Na própria Alemanha, o atentado contra  Hitler de julho  de 1944 foi  preparado junto 
com uma hipotética greve geral. Na Iugoslávia ocupada pelos nazistas, os guerrilheiros já eram 
300 mil em 1943 e em outubro do ano seguinte, o comunista Tito entrou em Belgrado à sua 
cabeça. Do ponto de vista militar, foi decisiva a derrota do exército nazista na União Soviética. 
Mas a derrota não foi alheia a esses fatores. Na URSS, o transplante da indústria, na segunda 

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metade  de  1941  e  no  começo  de  1942,  e  a  sua  reconstrução  no  leste,  determinaram  o 
crescimento rápido da produção bélica e sua reorganização sobre novas bases, que dependeu 
da  urgente  transferência  da  indústria  pesada  das  zonas  ocidentais  e  centrais  da  Rússia 
européia e da Ucrânia para a retaguarda longínqua, fora do alcance do exército alemão e da 
sua  aviação  (tal  feito  teria  sido  impossível  num  país  onde  existisse  propriedade  privada  da 
grande  indústria:  na  França  ocupada  pelos  nazistas,  o  grande  patronato  industrial  colaborou 
quase na sua totalidade com o exército de ocupação).  
Depois  da  derrota  inicial,  que  quase  dizimou  o  exército  soviético,  a  recomposição  da  força 
militar  da  União  Soviética  foi  uma  façanha  econômico‐social.  A  nova  indústria,  reconstituída 
nas regiões não ocupadas, produziu 800 mil tanques entre 1941 e 1945, 400 mil aviões só em 
1944. Como termo de comparação basta dizer que na Inglaterra não invadida, e que “ganhou a 
guerra nos ares”, essa cifra corresponde à produção total da guerra, não de um ano só. Foram 
mobilizados,  na  União  Soviética,  todos  os  recursos  naturais  e  humanos.  A  ajuda  aliada  não 
cobriu  10%  da  produção  soviética.  Foi  uma  vitória  histórica  do  planejamento  estatal,  uma 
vitória moral dos princípios do socialismo.  
A  consciência  dos  aliados  sobre  a  necessidade  de  evitar  uma  derrota  revolucionária  do 
nazismo foi tal que as bases da ordem mundial do pós‐guerra começaram a ser lançadas já em 
janeiro de 1942, quando Roosevelt e Churchill lançam o plano das “Nações Unidas”. Também 
em  janeiro  de  1942,  os  Estados  Unidos  convocam  a  Conferência  Pan‐Americana  do  Rio  de 
Janeiro,  com  vistas  a  alinhar  firmemente  atrás  de  si  a  America  Latina  (chegou‐se  a  utilizar  a 
ameaça  de  invasão  militar  contra  as  renitentes  Argentina  e  Chile).  A  partir  de  1943  se 
sucederam  as  cúpulas  dos  aliados,  nas  quais  procurou‐se  associar  claramente  a  burocracia 
stalinista  à  ordem  mundial  do  pós‐guerra:  novembro  de  1943,  Cairo;  dezembro  de  1943, 
Teerã;  fevereiro  de  1945,  Yalta;  agosto  de  1945,  Potsdam.  Em  Yalta,  se  estabeleceu  que  a 
União Soviética conservaria os territórios que lhe foram concedidos pelo pacto Hitler‐Stalin. Os 
EUA,  para  invadir  o  norte  da  África,  compactuaram  com  um  declarado  fascista  francês,  o 
general Darlan que, quando precisou da ajuda americana, tornou‐se um “democrata”. No dia 
da libertação de Paris ‐ festejado em todo o mundo ‐ na Argélia e em Madagascar, as tropas 
francesas reprimiam em massa às populações locais.  
O  delineamento  de  uma  “nova  ordem  econômica  mundial”  precedeu,  durante  a  guerra,  o 
estabelecimento  da  ordem  política  internacional,  realizado  na  Conferência  de  San  Francisco 
(1945)  que  deu  origem  às  Nações  Unidas.  A  conferência  de  Bretton  Woods  estabeleceu,  em 
julho  de  1944,  regras  para  as  relações  comerciais  e  financeiras  entre  os  países  capitalistas 
industrializados. O presidente da conferência foi o norte‐americano Henry Morgenthau, autor 
de um projeto de “ruralização” da Alemanha. A confiança do Reino Unido e dos EUA em sua 
vitória  na  Segunda  Guerra  Mundial  era  completa.  A  conferência  estabeleceu  uma  ordem 
monetária  internacional  “totalmente  negociada”,  “negociação”,  no  entanto,  realizada  sob  a 
presença implícita de exércitos ainda em pé de guerra. 
Para  reconstruir  as  relações  capitalistas  mundiais  enquanto  a  guerra  ainda  grassava,  730 
delegados de 44 nações se encontraram em New Hampshire para a conferência monetária e 
financeira  das  (ainda  formalmente  inexistentes)  Nações  Unidas  (oficialmente,  no  entanto,  a 
conferência  foi  chamada  de  United  Nations  Monetary  and  Financial  Conference).1  Os 
delegados deliberaram e assinaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement), 
                                                            
1
 A lista de países representados em Bretton Woods incluía: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá, 
Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Checoslováquia, Dinamarca, Equador, El Salvador, Egito, Estados Unidos, 
Etiópia,  Filipinas,  França,  Grécia,  Guatemala,  Haiti,  Holanda,  Honduras,  Índia,  Irã,  Iraque,  Iugoslávia,  Libéria, 
Luxemburgo, México, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Reino Unido, República 
Dominicana, União Soviética, Uruguai e Venezuela. Apenas dois países, EUA e Inglaterra, tinham condições de influir 
nas  decisões  do  encontro,  sendo  que  o  primeiro  estava  numa  posição  muito  superior,  pois  a  guerra  fora  travada 
fora do seu território (a URSS participou marginalmente). 

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definindo  um  sistema  de  regras,  instituições  e  procedimentos  para  regular  a  política 
econômica  internacional,  criando  o  Banco  Internacional  para  a  Reconstrução  e 
Desenvolvimento  (International  Bank  for  Reconstruction  and  Development,  ou  BIRD)  (mais 
tarde  dividido  entre  o  Banco  Mundial  e  o  "Banco  para  investimentos  internacionais")  e  o 
Fundo  Monetário  Internacional  (FMI).  Essas  organizações  começaram  a  funcionar  em  1946, 
depois  que  um  número  suficiente  de  países  ratificou  o  acordo.  No  mesmo  ano,  23  países, 
denominados  “fundadores”,  iniciaram  negociações  tarifárias,  o  que  resultou  em  45.000 
concessões comerciais e alfandegárias. A “Organização Internacional do Comércio” planejada, 
no  entanto,  não  saiu  do  papel,  e  foi  substituída  em  1947  pelo  GATT  (General  Agreement  on 
Tariffs and Trade, Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio).2 
As principais disposições do “sistema Bretton Woods” foram: a obrigação de cada país adotar 
uma  política  monetária  que  mantivesse  a  taxa  de  câmbio  de  suas  moedas  dentro  de  um 
determinado valor indexado ao dólar ‐ em torno de 1% ‐ cujo valor, por sua vez, estaria ligado 
ao ouro numa base fixa de 35 dólares por onça troy, unidade de peso equivalente a 31 gramas 
(estabelecendo  taxas  de  câmbio  fixas,3  com  o  objetivo  da  estabilidade  cambial)  e  a  provisão 
pelo FMI de financiamento para dificuldades temporárias de pagamento.4 As bases políticas do 
sistema  foram  dadas  pela  concentração  de  poder  em  um  pequeno  número  de  Estados 
capitalistas, e a presença de uma potência dominante capaz de assumir a hegemonia (os EUA).  
Os  representantes  dos  EUA  propuseram  a  criação  de  um  “Fundo  de  Estabilização”  (que, 
finalmente,  seria  o  FMI),  que  deveria  oferecer  recursos  para  os  países,  garantindo  a 
reconstrução. Keynes defendeu a criação do Clearing Union, um Banco Central internacional, 
que seria o responsável pela emissão de moedas que serviriam como referência internacional. 
Keynes  buscava  também  mitigar  a  hegemonia  dos  EUA.  Bretton  Woods  oficializou  o  duplo 
papel  do  dólar  no  cenário  internacional,  a  atuação  como  reserva  monetária  e  a  função  de 
moeda  de  crédito.  E,  apesar  do  “domínio  intelectual”  de  Keynes  sobre  a  conferência,  ela 
representou  uma  completa  vitória  política  dos  EUA.5  A  proposta  norte  americana  vinha 

                                                            
2
  Em  dezembro  de  1945,  os  EUA  tinham  convidado  seus  aliados  a  iniciar  negociações  para  criar  um  acordo 
multilateral  para  redução  recíproca  das  tarifas  de  comércio,  tentando  criar  uma  “Organização  Internacional  do 
Comércio”  (ITO  ‐  International  Trade  Organization).  Houve  um  Comitê  Preparatório  de  fevereiro  de  1946  até 
novembro  de  1947.  O  projeto  de  criação  da  OIC  era  ambicioso,  pois,  além  de  estabelecer  disciplinas  para  o 
comércio  de  bens,  continha  normas  sobre  emprego,  práticas  comerciais  restritivas,  investimentos  estrangeiros  e 
serviços. Significava um plano de “disciplinamento do mundo” aos interesses econômicos das potências dominantes 
(que não conseguiu, no entanto, superar as contradições entre e dentro delas). Em 1948 as negociações da Carta da 
OIC não foram completadas. A Carta não entrou em vigor, pois o Congresso norte‐americano nunca a aprovou. Em 
outubro de 1947 um acordo foi alcançado pelo GATT; 23 países assinaram o “Protocolo de Provisão de Aplicação do 
Acordo  Geral  de  Tarifas  e  Comércio”  com  o  objetivo  de  evitar  uma  onda  protecionista:  diversos  países  haviam 
tomado medidas para proteger os produtos nacionais e evitar a entrada de produtos de outros países, com altos 
impostos para importação. O GATT, instituição provisória, foi o único instrumento multilateral a tratar do comércio 
internacional de 1948 até o estabelecimento, em 1995, da OMC. 
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  Ao  fixarem  um  determinado  valor  em  ouro  para  a  sua  moeda,  os  países  simultaneamente  fixavam  uma 
determinada  taxa  de  câmbio  em  relação  ao  dólar  americano.  Como  duas  quantidades  iguais  a  uma  terceira  são 
iguais entre si, estava encontrado um sistema de fixação das taxas de câmbio das moedas nacionais em relação às 
outras.  Era  nisso  que  consistia  o  regime  de  taxas  de  câmbio  fixas.  O  FMI  deveria  decidir  dentro  de  72  horas  a 
aprovação ou não na mudança no câmbio de um país filiado. Caso o FMI não aprovasse, a insistência na variação no 
câmbio poderia acarretar a sua expulsão. 
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  Keynes  idealizara  um  fundo  com  amplos  recursos  e  poderes.  O  que  os  norte‐americanos  acabaram  fazendo  foi 
bem  diferente.  Destruíram  a  idéia  de  saques  automáticos,  concordaram  com  recursos  muito  modestos,  criaram 
uma  série  de  exigências  para  saques  e  empréstimos  e  deram  ao  diretor‐executivo  de  seu  próprio  país  direito  de 
veto. Em 22 de julho de 1944, as principais nações do mundo saíram de Bretton Woods com um sistema dólar‐ouro. 
O dólar seria livremente aceito com o compromisso de ser trocado por uma paridade fixa com o ouro. Os bancos 
centrais  dos  países  se  comprometiam  a  comprar  dólares  caso  a  paridade  estabelecida  fosse  ameaçada.  O  dólar 
substituía o ouro e tornava‐se a verdadeira moeda mundial. 
5
 Keynes se opôs a que as sedes do BIRD e do FMI ficassem em Washington. Ele as queria "a uma distância segura 
da  política  do  Congresso  [dos  EUA]  e  dos  cochichos  nacionalistas  das  embaixadas".  Sugeriu  que  as  instituições 

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reforçada  com  os  estatutos  do  BIRD,  depois  Banco  Mundial,  elaborados  um  mês  antes. 
Privilegiava  a  estabilidade  das  taxas  de  câmbio  e  o  levantamento  de  restrições  ao  comércio 
internacional, de modo a favorecer seus investimentos no estrangeiro. 
A Hegemonia dos EUA 
O  arranjo  estabelecido  em  Bretton  Woods  refletiu  a  ascensão  dos  EUA  como  potência 
hegemônica, e o declínio da Inglaterra. Ao final da guerra os EUA foram os grandes vitoriosos 
não apenas no plano militar, mas principalmente no econômico. Os países do Eixo ‐ Alemanha, 
Itália e Japão ‐ foram derrotados militarmente e terminaram com suas economias arrasadas; 
os  principais  países  aliados,  Inglaterra  e  França,  embora  vitoriosos,  tiveram  como  saldo  de 
guerra além dos danos humanos e materiais, forte perda de reservas e endividamento junto 
aos EUA, decorrentes das compras de armamentos e provisões de guerra. Abria‐se uma etapa 
em  que  os  EUA,  no  papel  de  potência  hegemônica  no  mundo  ocidental,  cumpririam, 
simultaneamente, o papel de fonte autônoma de demanda efetiva e a função de “emprestador 
de última instância” ou “prestamista internacional”, através da atuação de seu banco central, 
o  Federal  Reserve,  FED,  com  importante  papel  como  regulador  da  liquidez  internacional  do 
sistema. 
Exemplo claro foi o empréstimo feito pelos EUA à Inglaterra em dezembro de 1945, US$ 3,75 
bilhões,  reembolsáveis  em  cinqüenta  anos  à  taxa  de  juros  anual  de  2%.  Esta  operação 
destinou‐se a dar cobertura ao Banco Central inglês, que, exaurido pelo dispêndio militar, teve 
um  crescimento  dramático  em  seu  estoque  de  ativos  financeiros  estrangeiros  em  libras 
esterlinas,  que  ao  longo  da  guerra  passou  de  600  milhões  para  3,6  bilhões.  A  Inglaterra  não 
poderia  fazer  frente  a  uma  conversão  desses  títulos  em  libras,  moeda  forte  ou  ouro,  e 
portanto  não  poderia  garantir  a  conversibilidade  de  sua  moeda:  não  lhe  restava  alternativa 
senão recorrer ao crédito norte americano e ceder às suas exigências. 

 
Harry D. White (EUA) e John M. Keynes (Inglaterra) em Bretton Woods 

Para John Maynard Keynes, a conferência de Bretton Woods pretendia terminar com a "era da 
mendicância",  segundo  suas  palavras:  a  sucessão  de  guerras  comerciais,  protecionismo, 
desemprego, hiperinflações e miséria nas décadas de 1920 e de 1930. Na platéia estavam os 
futuros  ministros  dos  governos  militares  brasileiros  Roberto  Campos  e  Octavio  Gouvêa  de 
Bulhões,  o  economista  Eugenio  Gudin  e  o  ministro  da  Fazenda  de  Getúlio  Vargas,  Artur  de 
Souza  Costa.  O  Brasil  foi  signatário  do  acordo.  A  União  Soviética  também  assinou  o  acordo, 
mas jamais o ratificou. Do esboço de Keynes saíram várias idéias básicas: sepultar o ouro como 
garantia  necessária  do  comércio  internacional,  a  "relíquia  bárbara",  como  chamava  o 
economista inglês ao padrão‐ouro.  

                                                                                                                                                                              
fossem sediadas fora dos EUA ou, pelo menos, em Nova York. Mas as duas ficaram a menos de três quadras da Casa 
Branca. Atualmente, 177 países, praticamente todos os da ONU (que são 192), estão filiados ao BIRD e ao FMI.   

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O  raciocínio  era  que  ao  só  emitirem  suas  moedas  em  função  da  quantidade  de  ouro  que 
possuíam  em  seus  bancos  centrais,  países  diante  de  um  déficit  em  sua  balança  comercial 
apenas podiam corrigir seus desequilíbrios por meio de um freio nas importações. Ao perder 
reservas, os governos encolhiam na mesma proporção a quantidade de moeda em circulação, 
ou  desvalorizavam  unilateralmente  suas  moedas,  criando  recessão  e  desemprego.  Keynes 
previa  uma  instituição  internacional  para  regular  o  fluxo  econômico  mundial,  um  fundo  com 
moeda própria, composto por divisas dos países membros, para socorrer países que tivessem 
problemas em seus balanços de pagamentos. Seriam permitidos saques nas reservas do fundo 
para  países  que  apresentassem  desequilíbrios.  Mas,  ao  se  submeterem  à  tutela  de  um 
organismo  internacional,  as  nações  integrantes  do  acordo  se  comprometeriam  a  obter 
aprovação para mudar o valor de sua moeda, ou seja, a manter suas taxas de câmbio fixas. 
O  fundamental  do  “sistema”  era  o  papel  central  do  dólar  como  moeda  pivô.  De  1944  até  o 
início  da  década  de  1950,  a  escassez  de  dólares  manifestou‐se  em  superávits  nas  contas 
correntes dos EUA e na demanda internacional de dólares para constituir reservas (nem cabia 
cogitar na conversibilidade em ouro das moedas dos outros países industrializados). As taxas 
de câmbio eram fixas, mas com mecanismos de flexibilidade e ajustamento, para permitir aos 
governos  corrigir  problemas  no  balanço  de  pagamentos,  por  meio  dessa  taxa,  em  vez  de 
controles de importação ou deflação doméstica. O FMI foi criado para a operação do sistema, 
supostamente  “para  suprir  instrumentos  de  crédito  destinados  a  aliviar  dificuldades 
temporárias no balanço de pagamentos e problemas decorrentes de endividamento externo”. 
Os créditos provinham das cotas de cada um dos países membros. O Banco  Mundial tinha o 
papel  de  fornecer  financiamento  para  a  reconstrução  da  Europa  destruída  pela  guerra,  e 
depois para os “países em desenvolvimento”, outorgando‐lhes financiamentos de longo prazo 
para projetos de investimento e programas de desenvolvimento. 
Evocou‐se até a possibilidade de um papel‐moeda mundial, "moeda dos bancos centrais", que 
não  pudesse  ser  atingida  pelos  ataques  inflacionistas  nacionais,  regulada  por  um  conselho 
mundial de governadores dos bancos centrais (ou de ministros das Finanças), que aplicariam 
uma disciplina estrita: sua emissão dependeria exclusivamente das necessidades do comércio 
mundial,  e  não  das  necessidades  próprias  de  qualquer  país.  Seria  "boa  como  ouro",  sendo 
emitida  em  quantidades  limitadas  e  medidas,  o  que  resolveria  o  problema  da  penúria  da 
liquidez  internacional.  A  proposta  neste  sentido  foi  feita  por  Keynes  em  1943;  ele  chegou  a 
propor um nome para essa moeda, bancor. 
A  proposta  “visionária”  chocou  com  dificuldades  intransponíveis.  Não  era  verdade  que  tal 
sistema  estivesse  ao  abrigo  da  inflação  das  diversas  moedas  "nacionais":  se  a  balança  de 
pagamentos de um país fosse deficitária, e se recusasse a deflação para evitar a crise, acabaria 
por desfazer‐se de todo seu ouro, se não obtivesse uma quantidade suplementar de "moeda 
de  reserva  mundial".  Assim,  a  inflação  universal  expulsaria  o  ouro  das  reservas  de  troca, 
compostas,  cada  vez  mais,  exclusivamente  por  "moeda  mundial”.  A  quantidade  emitida,  por 
sua vez, deveria aumentar em proporção maior que as trocas mundiais, sob pena de condenar 
os países centrais do comércio mundial à deflação: a inflação das moedas nacionais acabaria 
por se repercutir sobre a "moeda mundial". Tal moeda, gerida por um "conselho mundial", um 
ente  de  peritos  "independentes"  de  todos  os  governos  e  potências,  seria  uma  ficção  (uma 
solidariedade total entre as potências imperialistas seria uma quimera). 
Em vez disso, passou‐se para o sistema do Gold Exchange Standard: os ajustes automáticos da 
massa monetária às reservas de ouro e, portanto, a flutuação automática do poder de compra 
global, eram suprimidos. No novo sistema, a reserva de troca de qualquer banco central já não 
era  constituída  unicamente  por  ouro  e  por  algumas  divisas  privilegiadas  (principalmente  o 
dólar e a libra esterlina). Um mecanismo, garantido pelo FMI, fez com que, quando as reservas 
de ouro de um país diminuíssem, pudessem ser compensadas, quer pelas "moedas de reserva" 
(dólar  e  libra  esterlina),  quer  por  créditos  internacionais,  ou  ainda  por  uma  combinação  de 

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ambos. No regime do Gold Exchange Standard, o preço do ouro representava o valor do dólar 
fixado pelo Federal Reserve dos EUA em relação ao ouro. 
A  proposta  de  Keynes,  como  vimos,  era  a  criação  do  International  Clearing  Union  (ICU), 
composta pelos bancos centrais dos países representados que ficariam com o compromisso de 
registrar  e  compensar  todos  os  pagamentos  internacionais  a  partir  do  bancor.  O  ICU 
funcionaria  como  um  banco  central  supranacional  podendo  conceder  crédito  aos  países 
associados  que  estivessem  em  dificuldades  no  seu  balanço  de  pagamentos.  Seria  permitido 
aos  países  adotar  restrições  cambiais  e  comerciais  sempre  que  necessário  para  tornar 
compatível  o  pleno  emprego  com  o  equilíbrio  nas  contas  externas.  Keynes  considerava 
importante o controle dos fluxos de capitais de curto prazo.6 
A  proposta  norte‐americana,  de  Harry  White,7  mantinha  o  ouro  como  meio  de  pagamento 
internacional, mas apenas o dólar teria seu valor diretamente fixado em ouro.8 E, ao invés do 
ICU, foi criado o FMI, mais limitado. Mas, nos círculos da grande finança de Wall Street, tanto a 
criação do FMI quanto o controle dos fluxos de capitais foram considerados um passo atrás na 
busca  de  uma  ordem  liberal  como  nos  tempos  do  padrão‐ouro.  A  idéia  de  que  os  EUA 
bancariam  uma  instituição  internacional  disputando  o  monopólio  dos  bancos  no  mercado 
internacional de crédito foi criticada pelos grandes banqueiros de Nova York, que abominavam 
a  idéia  de  ter  que  dividir  seu  poder  sobre  o  crédito  internacional:  o  FMI,  diziam,  poderia 
incentivar  a  irresponsabilidade  fiscal  na  medida  em  que  os  países  em  dificuldades  no  seu 
balanço de pagamentos teriam direito a obter crédito oficial do novo organismo. A associação 
dos banqueiros norte‐americanos declarou que “um sistema de cotas em uma associação que 
dá  aos  devedores  a  impressão  de  que  terão  sempre  direitos  a  créditos  até  um  determinado 
montante  não  é  digno  de  confiança  em  princípio,  e  gera  esperanças  que  não  poderão  ser 
concretizadas”. 
Os  Articles  of  Agreement  que  deram  vida  ao  FMI  entraram  em  vigor  em  27  de  dezembro  de 
1945,  quando  se  verificou  a  ratificação  e  assinatura  deles  por  29  países,  correspondentes  à 
subscrição  de  80%  do  valor  das  quotas  originalmente  fixadas  como  sendo  o  "capital  social" 
                                                            
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 Keynes morreria pouco mais de um ano depois da conferência de Bretton Woods. Sua influência na determinação 
da  ordem  econômica  de  pós‐guerra  pertence  mais  ao  domínio  da  lenda  (nessa  ordem,  os  interesses  do 
imperialismo norte‐americano se imporiam, com poucas idéias e muitas armas, e com as necessidades decorrentes 
da luta de classes mundial e do enfrentamento com a URSS). O papel de Keynes foi simbólico, isto sim, da última 
participação,  com  algum  peso  próprio,  do  Império  Britânico  nos  affaires  políticos  mundiais.  Durante  a  guerra, 
Keynes tinha sido feito nobre (em 1942) e, em 1944, o governo britânico expediu seu White Paper on Employement 
Policy,  com  o  que  concedia  ao  “keynesianismo”  o  caráter  de  doutrina  oficial  do  país.  Cinqüenta  anos  depois  de 
Bretton Woods, José Roberto Campos, membro da delegação brasileira, lembrou que, incluindo os delegados e o 
pessoal de apoio, estavam no Grand Hotel pouco mais de 300 homens. Na época não havia mulheres diplomatas ou 
economistas. E os casados não podiam levar suas mulheres: “O pessoal dizia que essa era a principal estratégia do 
presidente  da  conferência,  Henry  Morgenthau”.  Campos  lembrou  que,  nos  corredores  do  hotel,  dizia‐se:  "Esse 
judeu sabe que 300 homens juntos, depois de 20 dias sem mulher, vão assinar qualquer coisa". Houve uma única 
exceção.  Lorde  Keynes  foi  autorizado  a  levar  sua  mulher,  a  dançarina  Lídia  Lokopova,  "uma  loirinha  miudinha  e 
saltitante",  lembrou  Campos:  “Foi  uma  curiosa  exceção.  Como  comentavam  os  participantes  da  conferência,  a 
exigência de castidade não foi descumprida. Keynes era conhecido homossexual”. Esse tipo de observação parece 
ter sido a principal contribuição da delegação brasileira ao mitificado encontro de Bretton Woods. 
7
  Harry  Dexter  White  era  assessor  técnico  do  departamento  do  Tesouro  dos  Estados  Unidos.  Depois  de  Bretton 
Woods,  foi  taxado  de  comunista  e  perseguido  pelo  Comitê  de  Atividades  Antiamericanas  do  senador  Joseph  Mc 
Carthy; tendo como um dos seus “inquisidores” o então senador republicano, Richard Nixon. 
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 Além de garantir a supremacia  política dos EUA nas relações econômicas internacionais, a proposta arrematava 
uma  tendência  secular.  Segundo  Triffin:  “O  século  que  se  encerrou  com  a  Primeira  Guerra  Mundial  assistiu  à 
substituição  gradativa  da  moeda‐mercadoria  internacional  (ouro  e  prata)  pelas  moedas  fiduciárias  nacionais,  que 
circulavam apenas dentro das fronteiras de cada país. Esse processo chegou ao seu final na década de 1920, e em 
princípios da década de 1930, com o desaparecimento universal do ouro da circulação monetária ativa, e mesmo 
das  reservas  de  caixa  dos  bancos  comerciais  e  de  depósito”.  A  configuração  geral  deste  padrão  foi  instituída, 
oficialmente,  na  Conferência  de  Gênova,  em  1922.  A  proibição  da  posse  de  ouro  monetário  pelos  particulares 
ocorreu em 1933, nos EUA. 

8
 

inicial. Em março do ano seguinte foi realizada a primeira reunião do Board of Governors. Em 
1º de março de 1947, o Fundo começou as suas operações, tendo o primeiro empréstimo sido 
concedido  à  França.  O  sistema  estabelecido  em  Bretton  Woods  era,  segundo  a  “nova 
ortodoxia” (keynesiana) destinado a eliminar da seguinte maneira os problemas de balanço de 
pagamentos: se o país acusasse déficit teria que decidir (em consulta com o FMI) se o mesmo 
era  temporário  ou  "fundamental".  Se  temporário,  podia  tomar  empréstimo  de  reservas 
(divisas  estrangeiras)  ao  FMI  para  financiar  suas  importações  líquidas  até  que  o  déficit  fosse 
eliminado, em outras palavras, tomar de empréstimo reservas com as quais teria meios para 
estabilizar  a  taxa  cambial  de  sua  moeda,  comprando‐a  ela  própria  a  fim  de  erradicar‐Ihe  a 
oferta  excessiva  no  mercado  de  divisas  estrangeiras.  Se  o  déficit  fosse  considerado 
"fundamental",  o  FMI  autorizaria  o  país  a  deixar  que  caísse  sua  taxa  cambial  (isto  é,  que 
desvalorizasse a moeda) a fim de eliminar o déficit. 
Um Liberalismo Dirigido 
A  ideologia  dominante  era  menos  o  liberalismo  do  que  o  “anti‐protecionismo”,  contra  a 
proliferação  de  controles  e  barreiras  de  comércio  típica  da  década  de  1930,  quando  os 
controles  das  trocas  minaram  o  sistema  internacional  de  pagamentos,  o  que  supostamente 
tinha  provocado  a  “grande  depressão”.  A  política  de  beggar‐thy‐neighbor  ("empobrece  teu 
vizinho"), com os governos usando tarifas alfandegárias para aumentar a sua competitividade 
e  reduzir  os  déficits  do  balanço  de  pagamentos,  e  as  desvalorizações  competitivas,  tinham 
resultado  em  deflação,  diminuição  da  produção,  desemprego  em  massa  e  declínio 
generalizado do comércio mundial, que ficou restrito a blocos monetários (grupos de nações 
que empregavam uma moeda equivalente, como o bloco da libra esterlina), limitando o fluxo 
internacional de capitais e os investimentos estrangeiros.  
A  conseqüência  da  crise  de  1929  (o  acirramento  da  concorrência  internacional)  era 
apresentada  como  sendo  a  sua  própria  causa.  A  ideologia  dos  “planejadores  de  Bretton 
Woods”, o “liberalismo controlado”, era na verdade a expressão ideológica da saída da crise, 
possibilitada  pela  guerra  mundial,  e  da  superação  dos  principais  conflitos  inter‐imperialistas, 
pela  derrota  bélica  do  Eixo.  O  conceito  de  “segurança  econômica”,  com  um  “sistema 
econômico  liberal  internacional”  como  garantia  de  paz,  tinha  sido  desenvolvido  por  Cordell 
Hull, Secretário de Estado dos EUA de 1933 a 1944.9  

 
Secretário de Estado Cordell Hull, o hot warrior 

Para Harry White, representante do Tesouro dos EUA em Bretton Woods: “A falta de um alto 
grau  de  colaboração  econômica  entre  as  nações  industrializadas  resultará,  inevitavelmente, 
em guerra econômica que será o prelúdio e instigador de guerra militar em uma escala ainda 

                                                            
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 Cordell Hull argumentava que a causa fundamental das duas guerras mundiais estava nas guerras comerciais (os 
acordos bilaterais de controle de comércio e trocas da Alemanha e o sistema de preferência imperial praticado pela 
Inglaterra  com  os  membros  ou  antigos  membros  do  Império  Britânico):  “Comércio  sem  obstáculos  significa  paz; 
altas  tarifas,  barreiras  comerciais  e  competição  econômica  injusta,  guerra.  Se  conseguíssemos  tornar  o  comércio 
mais livre, (com) menos discriminações e obstruções, de tal modo que um país não ficaria mortalmente invejoso de 
outro e os padrões de vida de todos os países pudessem crescer, eliminando com isso a insatisfação econômica que 
alimenta a guerra, teríamos uma chance razoável de paz durável”. 

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maior”.  Os  Estados  capitalistas  concordaram  em  cooperar  para  regular  o  sistema  econômico 
internacional, com tarifas baixas e encorajando a redução de barreiras ao comércio e ao fluxo 
de capitais. A concentração de poder nos EUA “facilitou” (seria melhor dizer forçou) o acordo 
entre os Estados presentes. 
Os  EUA  emergiram  da  Segunda  Guerra  Mundial  como  a  mais  forte  economia  capitalista  do 
mundo,  com  rápido  crescimento  industrial,  forte  acumulação  de  capital  e  alto  grau  de 
monopolização. Já no final da I Guerra Mundial, os EUA haviam se tornado o maior credor do 
mundo e, ao final da década de 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial 
global  (França,  Inglaterra  e  Alemanha  juntas  detinham  28%).10  Condições  necessárias  para  a 
ulterior  supremacia  internacional  do  dólar  já  existiam:  a  acumulação  nos  EUA  de  uma  parte 
considerável da reserva mundial de ouro, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma 
só autoridade com poder para atuar como “garantidor de última instância”. Depois da crise de 
1929,  no  entanto,  a  única  época  em  que  nos  EUA  houvera  emprego  e  “prosperidade 
econômica”  totais  fora  durante  a  Segunda  Guerra  Mundial,  pois  o  socorro  do  New  Deal  à 
indústria  fora  só  emergencial;  e  em  1939  existiam  ainda  9,5  milhões  de  desempregados  nos 
EUA,  ou  17,2%  da  PEA.  Na  guerra,  por  outro  lado,  os  EUA  não  sofreram  destruições  em  seu 
território,  e  enriqueceram  vendendo  armas  e  emprestando  dinheiro  aos  países  aliados;  a 
produção industrial dos EUA em 1945 era mais do que o dobro da produção anual da década 
precedente.  
A guerra mundial obrigara à criação de novas áreas de produção, que exigiram a construção de 
centenas  de  novas  fábricas,  financiadas  pelo  governo,  e  vendidas  ao  final  do  conflito  aos 
gigantes  industriais  a  preços  nominais.  Para  dirigir  o  Departamento  de  Produção  de  Guerra 
(War Production Board), sucessor do Escritório de  Direção da Produção (Office of Production 
Management) comandado por William Knudsen, ex presidente da General Motors, Roosevelt 
nomeou Donald M. Nelson, ex‐executivo da Sears Roebuck. O general Brehon Somervell, chefe 
dos  Serviços  de  Fornecimento  para  as  forças  armadas  (Services  of  Supply)  representava  os 
interesses do mundo financeiro e empresarial: o poder real estava em suas mãos. Durante os 
anos  de  guerra,  com  mais  e  mais  poder  e  dinheiro,  os  militares,  alguns  deles  oriundos  de 
grandes  corporações,  e  comissionados  durante  o  conflito,  progressivamente  passaram  a 
decidir  sobre  todas  as  facetas  da  vida  americana.  Paulatinamente  formou‐se  um  consórcio 
entre  militares  e  indústria,  que  passou  a  utilizar‐se  dos  meios de  propaganda  de  massa para 
alimentar seus interesses mútuos.  
No final de 1943 eram produzidos materiais de guerra em quantidade excedente, de tal sorte 
que  se  projetou  uma  redução  de  produção  da  ordem  de  US$  1  bilhão  por  mês  ao  longo  de 
1944. De julho de 1940 até agosto de 1945, fábricas e estaleiros norte‐americanos produziram 
quase 300.000 aviões, 86.000 tanques, três milhões de metralhadoras, 71.000 navios, além de 
aço, petróleo e alumínio. O Estado tinha sido decisivo para a constituição de grandes indústrias 
na produção de armas em grande escala: os dirigentes dessas empresas não eram “capitalistas 

                                                            
10
  Os  EUA  tinham  15%  das  reservas  de  ouro  em  1899.  A  “fuga  de  ouro”  foi  contida  com  a  Gold  Standard  Act  de 
1900, que pôs fim ao bimetalismo (o dólar era cotado em ouro e prata), ajustou o dólar com  firmeza ao padrão‐
ouro e obrigou os bancos privados a terem um respaldo nesse metal para a emissão de notas. A quantidade de ouro 
nas  mãos  do  público  triplicou  entre  1899  e  1910,  como  também  a  do  Tesouro.  O  montante  de  ouro  da  reserva 
mundial correspondente aos EUA passou de 15% a 30%, ao mesmo tempo em que muitos outros países (Áustria‐
Hungria, Rússia, Japão) adotaram também o padrão‐ouro. Para Marx, já no século XIX, “o metal, na realidade, só 
[era]  necessário  para  saldar  o  comércio  internacional  quando  seu  equilíbrio  estava  momentaneamente 
perturbado”. A participação direta do ouro realizando funções monetárias na circulação interna foi gradualmente 
abolida  após  o  fim  da  Primeira  Guerra  Mundial,  em  todos  os  países  capitalistas,  proibindo‐se,  inclusive,  o 
entesouramento privado de ouro monetário, função esta que se tornou monopólio dos bancos centrais. No padrão 
ouro‐câmbio o ouro é complementado pelo padrão monetário do país líder como reserva internacional dos demais 
países, realizando juntamente com o ouro a função de liquidação de saldos internacionais. 

10
 

típicos”; o Estado era seu cliente exclusivo; fornecia‐lhes o essencial do seu financiamento, e 
uma parte importante do seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento técnico. 
Em  1944,  o  presidente  da  General  Electric  propôs  uma  economia  de  guerra  permanente: 
deveria  existir  um  contínuo  relacionamento  entre  a  indústria  e  os  militares,  núcleo  de  uma 
futura  mobilização  geral  e  a  garantia  de  uma  produção  militar  substancial,  a  qual,  presumia, 
continuaria no mundo de pós‐guerra. Cada produtor importante de material de guerra deveria 
designar um executivo, com patente de coronel da reserva, para funcionar como elemento de 
ligação com o Pentágono.  
Para  os  industriais  norte‐americanos,  a  alternativa  seria  a  preservação  do  “Estado  Militar”, 
garante  de  lucros  sem  precedentes.  O  programa  de  cooperação  proposto  em  1944  seria 
administrado  pelo  governo  federal,  pelo  presidente  e  pelos  departamentos  de  Guerra  e 
Marinha,  ficando  o  Congresso  só  com  a  missão  de  votar  os  fundos  necessários.  O  papel  da 
indústria  seria  cooperar  na  parte  que  lhe  competia.  Durante  a  guerra,  o  balanço  do  poder 
interno dos EUA foi deslocado: em 1939, apenas 10% dos funcionários civis federais, cerca de 
80  mil  pessoas,  trabalhavam  para  agências  de  segurança  nacional.  No  final  da  guerra,  a 
administração federal crescera de 800 mil para cerca de quatro milhões de funcionários, dos 
quais  75%  ocupava‐se  de  atividades  ligadas  aos  militares.  No  pós‐guerra  a  burocracia  militar 
manteve‐se  intacta,  enquanto  as  relações  com  a  indústria  e  o  meio  financeiro  foram 
preservadas e ampliadas, mesmo com a queda do orçamento de defesa ao final do conflito. 
No  final  da  guerra,  os  EUA  detinham  a  maioria  dos  investimentos  externos  mundiais,  da 
produção manufaturada e das exportações; eles produziam a metade do carvão mundial, 2/3 
do  petróleo  e  mais  da  metade  da  eletricidade.  E,  sobretudo,  detinham  mais  de  60%  das 
reservas mundiais de ouro (com valor de US$ 26 bilhões, para um total estimado em US$ 40 
bilhões)  e  a  bomba  atômica  (“exclusividade”  que  foi  quebrada  pela  URSS  em  1948).  Os  EUA 
estavam em posição de ganhar mais do que qualquer outro país com a liberação do comércio 
mundial. Mas, como disse então William Clayton, Secretário de Estado dos EUA para Assuntos 
Econômicos:  "Precisamos  de  mercados  ‐  grandes  mercados  ‐  por  todo  o  mundo,  onde 
podermos comprar e vender." 
Houve  previsões  de  que  a  paz  traria  de  volta  a  depressão  e  o  desemprego  devido  ao  fim  da 
produção bélica e ao retorno dos soldados ao mercado de trabalho, sem falar no “aumento da 
inquietude trabalhista” (lutas operárias). Os EUA queriam uma “ordem econômica mundial” na 
qual  pudessem  penetrar  em  mercados  previamente  fechados  e  abrir  novas  oportunidades 
para investimentos estrangeiros para suas empresas.  
A  Conferência  de  Bretton  Woods  foi  a  conclusão  de  dois  anos  e  meio  de  planejamento  da 
reconstrução  do  pós‐guerra  pelos  EUA  e  Inglaterra,  buscando  um  sistema  internacional  de 
pagamentos  que  permitisse  que  o  comércio  progredisse  sem  o  medo  de  desvalorizações 
monetárias  repentinas  ou  flutuações  selvagens  das  taxas  de  câmbio.  Na  ausência  de  um 
mercado europeu forte para suas exportações, a economia dos EUA seria incapaz de sustentar 
a prosperidade que ela alcançara durante a guerra. Além disso, a inflação afetara os salários 
nos EUA: por isso, no final de 1945, já haviam acontecido greves importantes nas indústrias do 
automóvel,  da  eletricidade  e  do  aço.  O  magnata  norte‐americano  Bernard  Baruch  propunha 
"eliminar  o  subsídio  ao  trabalho  e  a  competição  acirrada  nos  mercados  exportadores,  bem 
como prevenir a reconstrução de máquinas de guerra". 
Europa e Japão: Revolução, Repressão e Colaboração  
Nas  metrópoles  européias,  a  política  colaboracionista  das  burocracias  socialdemocratas  e 
stalinistas,  cobrou  o  preço  de  importantes  concessões  sociais,  com  vistas  a  conter  a 
decomposição  capitalista  e  situações  revolucionárias.  Na  França,  essa  política  atingiu  dois 
objetivos:  1)  O  desarmamento  das  forças  armadas  irregulares,  como  um  aspecto  da 
reconstituição  do  Estado  imperialista  francês,  e  2)  A  liquidação  de  toda  possibilidade  de  um 

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levantamento de classe como desdobramento final da luta anti‐nazista. Em 1945, nas minas do 
norte,  por  exemplo,  foi  necessária  toda  a  autoridade  do  PCF  para  impedir  que  as  múltiplas 
paralisações  “degenerassem”  em  uma  greve  geral  que  teria  coberto  todo  o  território.  O 
general de Gaulle decidiu a integração das FFI e dos FTP (Forças Francesas do Interior e Franco‐
Atiradores e Partisanos) no exército regular. Em outubro de 1944, decretou a dissolução das 
Milícias  Patrióticas.  O  PCF  protestou  inicialmente  com  violência  contra  essa  medida.  Mas 
terminou por aceitá‐la diante das ordens de Maurice Thorez, seu secretário‐geral, que voltou 
da  URSS  em  novembro  de  1944.  Existia  um  projeto  insurrecional  da  resistência  comunista 
interior, mas ele foi combatido por Stalin. 
De  Gaulle  carecia  de  base  e  política  social  própria  para  reconstituir  o  Estado  (a  quase 
totalidade  da  burguesia  francesa  fora  colaboracionista).  O  PCF  lhe  forneceu  essa  base.  Em 
conseqüência,  por  um  lado,  colaborou  com  a  reconstituição  do  imperialismo  francês, 
praticamente desfeito durante a guerra, tomando parte nos massacres de Sétif e de Guelma 
(na  África  do  Norte),  ao  mesmo  tempo  em  que,  em  nome  da  luta  contra  o  “imperialismo 
japonês”,  encorajou  os  ex‐FTP  integrados  no  exército  do  general  Leclerc  a  participar  da 
retomada da Indochina “francesa”, chamando a preservar o quadro da União Francesa, isto é, 
a apoiar a guerra colonial do imperialismo francês contra o Vietnã. Isto permitiu não apenas a 
reconstituição  do  Estado,  mas  a  reciclagem,  dentro  do  mesmo,  dos  funcionários  do  regime 
colaboracionista de Vichy. 
A  colaboração  da  URSS  com  os  “aliados”  foi  decisiva  para  desarmar  os  elementos  da  guerra 
civil com que o segundo conflito mundial culminou na maioria dos países da Europa ocidental. 
Foi  ela  que  permitiu  o  desarmamento  dos  partigiani  italianos,  que  tinham  derrubado  a 
ditadura  de  Mussolini.  Na  Grécia,  a  resistência  antinazista  se  desdobrou  em  guerra  civil.  A 
revolução  grega  de  dezembro  de  1944,  apesar  do  controle  total  do  país  pelas  tropas 
irregulares da ELAS, foi esmagada pela intervenção das tropas britânicas, depois da capitulação 
dos  dirigentes  stalinistas  que  devolveram  as  armas,  seguindo  as  diretivas  de  Stalin  de 
unificação das forças patrióticas numa Frente Nacional.  
As  concessões  sociais  configuraram  finalmente  o  chamado  “Estado  de  Bem‐Estar”  (com 
incremento  do  “salário  indireto”,  previdência  social,  seguro‐desemprego,  principalmente), 
ampliando,  também,  o  mercado  interno  de  consumo.  Esse  regime  foi  mal  chamado  de 
“keynesiano”,  pois  sua  nota  fundamental  foi  a  incorporação  orgânica  das  direções  das 
organizações  operárias  à  gerência,  direta  ou  indireta,  do  Estado  capitalista.11  Esse  processo 
abrangeu todos os países capitalistas avançados, e foi o segredo dos “trinta anos gloriosos” (do 
capital). 
O plano inicial dos EUA após a guerra visava impedir que a nações derrotadas pudessem voltar 
a  confrontar  novamente  as  grandes  potências.  A  idéia  de  Morgenthau  era  desmembrar  a 
Alemanha  e  transformá‐la  numa  nação  agrária.  Destino  semelhante  esperava  pelo  Japão:  o 
plano  norte‐americano  pretendia  castigar  severamente  o  povo  japonês  por  sua  “aventura 
militarista”,  impedindo  que  o  Japão  tirasse  qualquer  benefício  da  nova  ordem  internacional. 
Mas tudo mudou após o início da guerra fria: a política externa norte‐americana assumiu como 
prioridade  o  desenvolvimento  de  seus  aliados  na  Europa  e  na  Ásia,  como  ficou  provado  na 

                                                            
11
  Na  década  de  1960,  o  papel  central  na  Europa  seria  assumido  pela  Alemanha,  onde  o  governo  da 
socialdemocracia (SPD) alemã tornou‐se modelo mundial do Welfare State. Previamente, o SPD, no  congresso de 
Bad  Godesberg  (novembro  de  1959),  tornou‐se  “revisionista”.  As  teses  revisionistas  que,  em  maio  de  1958,  já 
haviam triunfado no congresso do Partido Socialista Austríaco, foram apresentadas por Benedikt Kautsky, filho de 
Karl  Kautsky:  «De  um  partido  da  classe  operária,  o  SPD  tornou‐se  um  partido  do  povo»,  rezava  seu  título.  A 
socialdemocracia  renunciava  a  reclamar  a  socialização  dos  meios  de  produção  e  de  troca.  A  livre  escolha  dos 
consumidores, a livre escolha do local de trabalho, a livre iniciativa dos empreiteiros, a livre concorrência, deviam 
ser considerados como fatores positivos: «O Estado tanto quanto necessário; a liberdade tanto quanto possível». O 
congresso do SPD considerou que “toda a economia concentrada nas mãos do Estado destrói a liberdade”. 

12
 

aprovação  do  Plano  Marshall  em  1947,12  na  dispensa  das  reparações  de  guerra  e  no 
cancelamento de parte das dívidas. A idéia de uma economia pós‐guerra de livre comércio e 
livre movimentação de capitais mostrou‐se inviável.13  
O  Plano  Marshall  vigorou  entre  1948  e  1952.  A  “reconstrução”  promovida  pelos  recursos 
transferidos  pelos  EUA  baseou‐se  fundamentalmente  na  recuperação  dos  mercados  internos 
dos  países,  embora  tenha  sido  bastante  considerável  a  expansão  do  comércio  internacional 
neste período. Outra dificuldade que o Plano resolvia era a da formação de uma demanda que 
assegurasse  o  escoamento  da  crescente  produção  dos  EUA:  o  Plano  Marshall  era,  antes  do 
mais, um subsídio estatal aos exportadores norte‐americanos. Depois, foi aprovada uma ajuda 
equivalente  para  o  Japão  (“Plano  Colombo”)  após  a  Guerra  da  Coréia  (1950‐53).  Nos  anos 
seguintes  houve  tolerância  e  apoio  dos  EUA  aos  seus  aliados  em  relação  a  medidas 
protecionistas  (subsídios  às  exportações  e  restrições  às  importações  americanas), 
desvalorizações  cambiais  e  abertura  às  importações  a  termos  vantajosos,  ainda  que  tais 
medidas  tornassem  suas  exportações  menos  competitivas.  Os  EUA  também  promoveram 
volumosos investimentos e missões de transferência de tecnologia. 
A  social‐democracia  (a  II  Internacional)  teve  papel  decisivo  na  desativação  da  “bomba 
revolucionária”  (no  período  que  o  historiador  François  Fonvielle  Alquier,  parafraseando 
Georges  Lefebvre,  chamou  de  “O  Grande  Medo  de  Pós‐Guerra”).  A  mola‐mestra  da 
reconstituição da II Internacional, neste período, foi o SPD alemão. Este conheceu uma grave 
crise logo após a queda de Hitler e a derrota alemã, quando os resistentes antinazistas do SPD 
iniciaram  uma  dinâmica  unitária  com  os  comunistas  ("Unidade!  Nunca  mais  divisão  e  luta 
fratricida'',  foram  as  palavras  de  ordem  então  lançadas)  e  outras  organizações  de  esquerda, 
em  que  se  colocavam  as  bases  de  uma  Frente  Única  Operária  anticapitalista,  e  da  revolução 
proletária alemã, como pivô da revolução européia.  
Em  Turíngia  (baluarte  histórico  do  SPD)  chegou‐se  a  criar  um  Partido  dos  Trabalhadores, 
unificando  socialistas  e  comunistas.  Os  Estados  Maiores  dos  exércitos  ocupantes  intervieram 
para bloquear essa perspectiva. Ao leste alemão, o SPD consentiu na sua absorção pelo partido 
stalinista  (PC),  que  criaria  as  bases  do  poder  burocrático  na  RDA.  No  oeste,  o  SPD  foi 
reorganizado  com  base  na  interdição  do  Partido  Comunista  Alemão  e  com  participação  dos 
serviços  de  informações  norte‐americanos.14  O  SPD  foi  um  dos  pilares  da  divisão  alemã  e  da 
                                                            
12
  Aprovado  durante  a  Conferência  de  Paris,  em  1947,  o  Plano  contou  com  o  apoio  dos  16  países  presentes  ao 
encontro. No ano seguinte à reunião, foi criada a Organização para a Cooperação Econômica Européia. Os maiores 
beneficiados  pelos  US$  13  bilhões  (US$  140  bilhões,  em  valores  de  1994)  liberados  pelos  EUA  foram  Inglaterra 
(24%), França (20%), Alemanha ocidental (11%) e Itália (10%). O socorro financeiro não foi apenas em empréstimos, 
mas também em equipamentos. A ajuda durou até 1952, mas mesmo depois disso os EUA continuaram a resolver 
problemas de balanço de pagamentos dos países e problemas de escassez de dólares. O Plano representou 2% do 
PIB norte americano e não se traduziu em restrições: no primeiro ano do Plano o PIB per capita dos EUA estava 25% 
acima daquele de 1940, e parte desses fundos de reconstrução serviram para financiar e dinamizar as exportações 
americanas  para  o  mercado  europeu.  Mostrando  que  o  “super‐imperialismo”  era  impossível,  os  EUA  foram 
obrigados a financiar, por razões de segurança econômica e política, seus futuros rivais no mercado mundial. 
13
  Hobsbawm  resumiu:  “A  peculiaridade  da  Guerra  Fria  era  a  de  que,  tem  termos  objetivos,  não  existia  perigo 
iminente de guerra mundial. Apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, sobretudo do lado americano, os 
governos  das  duas  potências  aceitaram  a  distribuição  global  de  forças  no  fim  da  Segunda  Guerra  Mundial,  que 
equivalia  a  um  equilíbrio  de  poder  desigual,  mas  não  contestado  em  sua  essência.  A  URSS  controlava  parte  do 
globo,  ou  sobre  ela  exercia  predominante  influência  e  não  tentava  ampliá‐la  com  uso  de  força  militar.  Os  EUA 
exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista. Em troca não intervinha na zona aceita de 
hegemonia soviética”. 
14
 Foi principalmente a ação e a autoridade da burocracia que pesaram para combater a tendência objetiva para a 
unidade  e  a  revolução  operária  na  Alemanha,  que  teve  inúmeras  manifestações:  criação  de  um  “partido  dos 
trabalhadores”  unindo  ex‐prisioneiros  socialistas  e  comunistas  na  Turingia,  em  abril  de  1945;  de  um  “partido 
socialista unificado” em Brünswick; de um “comitê de unidade” socialista‐comunista no campo de concentração de 
Buchenwald.  Se  foram  as  tropas  inglesas  as  que  dissolveram,  em  Hamburgo,  o  “Comitê  de  Ação”  socialista‐
comunista, foi a burocracia russa a responsável pela dissolução dos Comitês Anti‐Fascistas no país todo. 

13
 

divisão do proletariado, consagrada em 1961 pelo Muro de Berlim , assim como da cisão dos 
sindicatos  europeus,  financiada  pela  CIA.  O  SPD  alemão,  e  a  socialdemocracia  européia  em 
geral,  procurariam  vôo  próprio  na  política  européia,  através  da  Ostpolitik,  política  de 
intermediação entre a burocracia russa e leste‐européia e o ocidente capitalista. 

“Trinta anos gloriosos”: Espanha 

No Japão, com o Estado controlado pela sua força militar de ocupação, os EUA promoveram 
uma sorte de “revolução capitalista”, com reforma agrária incluída, para eliminar o poder da 
“classe  feudal”  responsável  pelo  militarismo  japonês.  As  relações  trabalhistas,  supostamente 
pouco conflitantes, no Japão, tiveram mais a ver com o esmagamento do movimento operário 
no período do "expurgo vermelho" do pós‐guerra, do que com uma (mal) suposta "docilidade 
natural" do operário japonês. A base da acumulação do capitalismo japonês de pós‐guerra foi 
a  derrota  do  movimento  operário  independente,  para  o  qual  contribuiu  a  ocupação  do  país, 
depois das bombas atômicas de Hiroxima e Nagasaki, e a integração dos sindicatos ao Estado e 
à própria empresa capitalista.  
O controle das relações de trabalho foi mantido no interior das empresas, graças à repressão 
ao movimento sindical independente, que o governo japonês impôs na primeira metade dos 
anos  50,  garantindo  a  elas  a  construção  própria  das  relações  de  trabalho.  Os  sindicatos 
domesticados se integraram cada vez mais na estrutura supervisora da empresa, convertendo‐
se  em  sócios  do  capital  e  cooperando  com  a  iniciativa  privada  no  esforço  de  competir  nos 
mercados internacionais. A participação sindical na gestão empresarial foi o aspecto decisivo, 
subordinando as mudanças nos processos de trabalho. 
Os socialistas (PSJ) se achavam divididos em quatro facções, que se uniram em 1945. Em 1947‐
1948 o PSJ participou de um gabinete de coalizão; pela primeira vez na história japonesa um 
socialista, Katayama Tetsu, foi primeiro‐ministro.  Mas o governo caiu, em  meio a escândalos 
financeiros. Os partidos conservadores foram os principais beneficiários do novo meio rural. A 
nova classe média camponesa constituiu a clientela política do partido da “nova direita”, o PLD 
(Partido  Liberal  Democrático).  Na  indústria  esboçou‐se  um  plano  para  destruir  1200 
companhias, os maiores zaibatsu. Isto favoreceu o aparecimento de novos empresários, como 
os fundadores da Sony e da Matsushita. E, nas eleições de 1949, o Partido Comunista japonês 
obteve,  pela  primeira  vez,  mais  de  três  milhões  de  votos.  O  Japão  vivia  uma  situação  pré‐
revolucionária,  em  que,  segundo  Joe  Moore  (em  Japanese  Workers  and  the  Struggle  for 
Power),  as  reivindicações  estritamente  sindicais  foram  superadas  pela  luta  pelo  controle 
operário  da  indústria  e  da  produção.  O  jornal  Yomiuri,  a  Mitsui  e  a  Toshiba  foram  ocupados 
pelos trabalhadores. 
Os movimentos operários e estudantis lançaram reivindicações políticas (contra a ocupação da 
Coréia do Sul pelos EUA, contra o Tratado de Defesa Mútua EUA‐Japão). A burguesia japonesa 
tentou recuperar o poder, matando o movimento operário na fábrica. Os operários rejeitavam 
o aumento dos ritmos de produção, as horas extras obrigatórias e a rotatividade do trabalho. 
Era a primeira tentativa de “racionalização” fabril, que levaria ao “toyotismo”. A campanha de 
racionalização atingiu seu ponto culminante durante a recessão posterior ao fim da guerra da 

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Coréia  (na  qual  o  Japão  foi  o  maior  fornecedor  dos  EUA).  Nas  siderúrgicas,  o  fabricante  de 
armas  japonês  Nippon  Steel  (Nikko)  demitiu  mil  operários,  desencadeando  forte  resistência 
dos trabalhadores, mas a patronal dividiu o sindicato e desmantelou a greve. Foi contra essas 
lutas que as autoridades de ocupação lançaram o “expurgo vermelho”, que pôs na ilegalidade 
o PCJ e demitiu 50 mil operários, na sua maioria ativistas sindicais. A operação estendeu‐se a 
muitos outros âmbitos da vida social, e teve o apoio do Partido Socialista (PSJ). Na década de 
1960,  um  empregado  japonês  trabalhava  2150  horas  anuais,  contra  uma  média  de  1650  no 
restante do mundo capitalista (nos EUA e na Inglaterra essa média era de 1900). 

 
“Trinta anos gloriosos”: Coréia 

Na  Inglaterra,  o  Labour  Party,  em  1940,  depois  da  derrocada  da  França  e  da  queda  de 
Chamberlain, havia ingressado no gabinete de Churchill, onde alentou consideráveis reformas 
sociais.  O  Plano  Beveridge  foi  elaborado  em  1942  sob  a  égide  do  trabalhista  Ernest  Bevin;  a 
reforma  democrática  do  sistema  de  ensino  começou  em  1944  com  a  Education  Bill.    Após  o 
término da guerra, o Labour Party rompeu a sua coligação com Churchill e os conservadores. 
Nas  eleições  parlamentares  de  5  de  julho  de  1945  conquistou  uma  vitória  espetacular,  com 
quase 12 milhões de votos, passando a dispor, pela primeira vez na história, de uma maioria 
absoluta no Parlamento. O governo de Clement Attlee introduziu reformas de política social, 
como o serviço público de saúde sem caráter de seguro privado. Em abril de 1949, Inglaterra 
ingressou  na  OTAN  (Organização  do  Tratado  do  Atlântico  Norte),  o  que  foi  chamado  pelo 
ministro  do  Exterior,  Devin,  como  "resolute  acceptance  of  American  leadership"  ("decidida 
aceitação da liderança americana").  
Não  foi  a  menor  das  ironias  o  Portugal  fascista  de  Salazar  figurar  entre  os  fundadores  desse 
Pacto que, segundo o seu Preâmbulo, deveria servir à "defesa dos princípios da democracia". 
Pelo  menos  o  governo  trabalhista  aceitou  o  triunfo  da  Revolução  chinesa  e  reconheceu  a 
República Popular da China. Nas eleições para a Câmara dos Comuns de 1950, o Labour Party 
conseguiu aumentar o seu número de votos para 13,3 milhões.  A Europa renunciava, depois 
da guerra mundial, a toda pretensão de liderança política mundial, mas buscaria recuperar, na 
economia, o terreno perdido na arena bélica. 
A Carta das Nações Unidas foi assinada um ano depois de Bretton Woods, em 26 de junho de 
1945, e entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Mas o termo “Nações Unidas” já 
aparecia na "Declaração das Nações Unidas" de 1º de janeiro de 1942, em que 26 nações se 
engajavam  a  continuar  juntas  a  guerra  contra  as  potências  do  Eixo.  A  ONU  foi  fruto  dos 
acordos entre a burocracia da URSS e as potências capitalistas vitoriosas na II Guerra Mundial, 
que compreendiam a divisão do mundo em “esferas de influência”. Declarava‐se “baseada no 

15
 

princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”, sendo, na verdade, dirigida por 
um  pequeno  grupo  deles  que  dispunha  do  direito  de  veto  no  Conselho  de  Segurança, 
possuindo  o  comando  da  organização.  Na  criação  da  ONU,  Alemanha  e  Japão  não 
participaram, pois estavam ainda em guerra contra os aliados.15 A URSS, por sua vez, embora 
participante da ONU, recusou o seu ingresso no FMI ou no BIRD.  
Essas duas organizações têm um sistema decisório que não é baseado no princípio de que cada 
país tem um voto, como na ONU, mas na cota de capital que cada país tem no FMI e no Banco 
Mundial.  Isso  deu  uma  representação  enorme  a  países  como  os  EUA,  a  Grã‐Bretanha  e  a 
França:  com  pouco  menos  de  18%  das  cotas,  os  EUA  passaram  a  controlar  o  FMI.  Embora  o 
FMI ou o BIRD não tivessem o poder normativo (legal) da ONU, possuíram, desde o seu início, 
um poder político real muito superior. 

“Igualdade soberana”: Palestina 

China: o Elo Fraco 
Pelos acordos EUA‐URSS‐Inglaterra, a China deveria ficar em mãos do governo nacionalista do 
Kuomintang (Chiang‐Kai‐Shek), mas boa parte de seu território estava nas mãos dos Exércitos 
(4° e 8°) controlados pelo Partido Comunista (PCC). Em julho de 1946, Chiang pôs em marcha a 
ofensiva contra os "vermelhos", com um exército enorme, apoiado por 500 aviões, pilotados 
majoritariamente por oficiais norte‐americanos. No curso das negociações de paz entre o PCC 
e  o  Kuomintang,  a  URSS  reconheceu  diplomaticamente  o  governo  do  Kuomintang,  na 
suposição de que o PCC seria derrotado numa nova guerra civil (em 1950, após a proclamação 
da República Popular da China, Stálin reconheceu haver cometido um sério erro de avaliação).  
Enfrentando  primeiro  a  ofensiva  de  Chiang  mediante  a  guerra  de  guerrilhas,  Mao  Ze  Dong 
(líder  do  PCC)  lançou  em  março  de  1947  a  Campanha  do  Noroeste,  cuja  palavra  de  ordem 
central  era  "Reforma  agrária  imediata!".  Os  4°  e  8°  Exércitos  se  transformaram  no  Exército 
Popular  de  Libertação  (EPL).  Abandonados  por  Stalin,  cujo  conselho  apontando  para  a 
formação  de  um  governo  de  frente  nacional  com  Chiang  Kai‐Shek  eles  tinham  rechaçado,  e 
cercados,  pois  o  Exército  da  URSS  havia  entregue  a  Manchúria  para  Chiang,  os  líderes 
comunistas  chineses  confrontaram  a  poderosa  ofensiva  das  tropas  nacionalistas.  A  única 
possibilidade que lhes restava (igual à situação que tiveram de enfrentar os líderes do PC da 
Iugoslávia  em  1942‐1943)  era  a  mobilização  revolucionária  das  massas.  Surgiram  comitês 
camponeses e grupos de resistência que se organizaram para defender e estender a reforma 
agrária e para esmagar o representante dos latifundiários.  

                                                            
15
  A  25  de  abril  de  l945  realizou‐se,  na  cidade  de  São  Francisco  (EUA),  a  conferência  com  representantes  de 
cinqüenta nações em guerra contra as potências do eixo, que criou a Organização das Nações Unidas (ONU). Nas 
proféticas  palavras  do  Secretário  de  Estado  dos  EUA,  Cordell  Hull,  “já  não  haverá  necessidade  de  esferas  de 
influência, de alianças, de balanças de poder ou de nenhum outro acordo especial que, durante um passado infeliz, 
as  nações  requereram  para  salvaguardar  a  sua  segurança”.  Em  dezembro  de  1948  foi  aprovada  a  Declaração 
Universal  dos  Direitos  do  Homem,  que  contém  trinta  artigos  e  é  precedida  de  um  preâmbulo,  que  proclama  os 
direitos fundamentais, isto é, que, em teoria, os governos, os Estados, ou a própria ONU, não teriam legitimidade 
para retirá‐los de qualquer indivíduo. Em 1948, também, a ONU resolveu em favor da fundação do Estado de Israel, 
sancionando a expulsão compulsória dos povos árabes que habitavam a Palestina. 

16
 

O  avanço  do  exército  de  Mao  foi  o  produto  do  recrutamento  massivo  do  campesinato 
revolucionário  e  do  paralelo  colapso  do  exército  camponês  de  Chiang,  que  foi  contaminado 
pela  revolução  e  pela  fome  de  terras.  O  próprio  PC  chinês  sofreu  uma  modificação  em  sua 
composição  social:  os  filhos  educados  dos  camponeses  acomodados,  que  constituíam  a 
espinha  dorsal  de  seus  quadros  até  esse  momento,  foram  submersos  pelo  afluxo  de  novos 
militantes.  O  teve  sua  composição  social  modificada.  A  economia,  por  outro  lado,  se 
deteriorava  nas  regiões  controladas  por  Chiang:  o  salário  de  um  trabalhador  qualificado 
permitia  comprar,  em  1946,  350  quilos  de  arroz  por  ano;  em  1948,  só  40.  A  inflação  era 
galopante:  de  janeiro  de  1946  até  agosto  de  1948,  os  preços  multiplicaram‐se  por  67.  A 
burguesia especulava e investia no estrangeiro.  
Um dólar valia 12 milhões de fabi (um fósforo, 200 fabi). De agosto de 1948, até abril de 1949, 
o  índice  de  preços  passou,  em  Xangai,  de  100  para  13.574.000  (ou  seja,  os  preços 
multiplicaram‐se por 135.740). Uma papelaria comprou, por exemplo, 800 caixas de notas de 2 
mil yuan (1 yuan = 3 milhões de fabi) para... fabricar papel. A própria burguesia ‐ incluindo os 
generais  do  exército  de  Chiang  ‐  vendia  aos  comunistas  as  armas  recém‐entregues  pelos 
Estados Unidos. A corrupção era total. A população pobre experimentava enorme repugnância 
diante do exército e do governo de Chiang. Além disso, este aparecia como agente direto dos 
Estados  Unidos,  e  isto  num  país  (a  China)  que  levara  mais  de  um  século  lutando  contra  as 
potências estrangeiras. Os guerrilheiros chineses não foram beneficiados com qualquer auxílio 
russo. Desde a guerra Stalin lhes dera motivo para amarga indignação. As tropas soviéticas que 
ocuparam  a  Manchúria  após  a  rendição  do  Japão  trataram  a  região  como  se  fosse  território 
inimigo conquistado, e não uma parte da China: os soldados russos trataram as indústrias da 
Manchúria como presa de guerra, desmontaram fábricas e instalações e embarcaram‐nas para 
a União Soviética.  
O exército dirigido pelo PCC, o Exército Popular de Libertação, apoiado na rebelião de milhões 
de  camponeses,  foi  inclinando  a  balança  em  seu  favor.  Rechaçados  os  primeiros  ataques  de 
guerrilha, passou então para a "guerra de posições". O exército de Chiang se desestruturou, e 
muitos  de  seus  efetivos  passam  para  o  EPL.  Chiang  era  totalmente  incapaz  de  pôr  fim  à 
corrupção  entre  seus  próprios  homens.  Em  1948,  o  EPL  passou  à  ofensiva  na  Manchúria,  no 
Norte  e  na  China  Central.  Em  janeiro  de  1949  entrou  vitoriosamente  em  Pequim,  obrigando 
Chiang a fugir. Em dezembro, Chiang e o que restava de seu governo refugiaram‐se na ilha de 
Formosa (Taiwan). A embaixada da URSS foi a última legação estrangeira a ficar ao seu lado, 
até o último momento.  
Em  1°  de  outubro  de  1949  foi  proclamada  a  República  Popular  da  China  (RPC).  A  política  do 
PCC no governo da RPC foi assim resumida por Mao, em 1950: "Nós entendemos que a meta 
desta  revolução  não  é  acabar  com  a  burguesia  em  geral,  mas  é  acabar  com  a.  opressão 
nacional e feudal; que as medidas tomadas nesta revolução não visam a abolir, mas a proteger 
a propriedade privada, e que, como resultado desta revolução, a classe trabalhadora poderá 
constituir  a  força  que  conduzirá  a  China  ao  socialismo,  embora  o  capitalismo  possa  ainda 
crescer  em  certa  medida  durante  um  tempo  bastante  longo.  'Terra  para  os  pequenos 
proprietários' significa a transferência da terra dos exploradores feudais para os camponeses, 
transformando  a  propriedade  privada  dos  senhores  feudais  em  propriedade  privada  dos 
camponeses, emancipados das relações agrárias feudais, permitindo assim a transformação de 
um país agrícola em um país industrial". 
Mas, com o PCC no poder, deu‐se uma rápida transição para a economia socialista. As coisas 
aconteceram  muito  mais  rapidamente  do  que  Mao  e  a  direção  do  PCC  anunciavam.  A 
passagem  para  uma  economia  onde  predominava  a  propriedade  estatal  social  foi 
surpreendentemente rápida, e a causa disso foi política. A burguesia chinesa exilada começou 
de  imediato  um  processo  de  boicote.  O  sinal  foi  dado  pela  potência  vitoriosa  da  Segunda 
Guerra: os Estados Unidos, que estenderam logo um cordão de isolamento ao redor da "China 

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Vermelha", negando‐lhe reconhecimento diplomático (na ONU, o governo de Chiang, o KMT, 
foi reconhecido como o legítimo governo chinês, apesar de exercer sua autoridade só na ilha 
de  Formosa)  e  intercâmbio  econômico.  Chegou‐se  a  proibir  que  qualquer  cidadão  norte‐
americano  pusesse  os  pés  na  RPC.  Assim  tratou  o  "mundo  livre"  uma  revolução  que,  no 
entanto,  não  lhe  manifestou  de  início  qualquer  hostilidade,  pois  dele  precisava  para 
desenvolver sua economia. 
Quando a República Popular da China foi proclamada, o nível da produção agrícola e industrial 
da  China  era  inferior  àquele  anterior  à  Segunda  Guerra  Mundial.  Em  12  anos,  a  inflação 
multiplicara  os  preços  por  8  bilhões;  os  transportes  estavam  totalmente  desorganizados;  a 
maioria  das  instalações  do  "coração  industrial  da  China"  (a  Manchúria)  tinham  sido 
desmanteladas  pela  URSS  ou  destruídas  pelo  exército  de  Chiang.  O  governo  da  RPC  tentou 
enfrentar  esses  problemas  através  da  política  definida  por  Mão. Em  1949,  mesmo  depois da 
nacionalização de certas indústrias chave, e das propriedades dos dirigentes do KMT, o capital 
privado  controlava  ainda  48,7%  da  produção  industrial.  Foram  adotadas  então  uma  série  de 
medidas:  um  Tratado  de  Cooperação  com  a  URSS,  assinado  por  Mao  e  Stalin,  que  resultou 
num  empréstimo  da  URSS  de  300  milhões  de  dólares  em  cinco  anos  (apenas  3  %  dos 
investimentos; os 97% restantes seriam fornecidos pela China); a adoção de uma série de leis: 
sindical, de reforma agrária, de casamento (que anulava a tradicional poligamia masculina), de 
divórcio;  a  constituição  de  três  companhias  mistas  com  a  URSS,  que  enviou  à  China  vários 
técnicos; aumentos salariais de 100%. 
Depois de um ano de governo, o premiê da RPC, Chou En‐lai, pôde anunciar: o território está 
pacificado, a unidade nacional realizada, a inflação está contida desde março de 1950, e 90% 
das estradas de ferro estão reconstruídas. Mas ao boicote econômico da burguesia (evasão de 
capitais), existente desde o início, somou‐se, a partir de 1950, a intervenção da RPC na Guerra 
da  Coréia.  Nesse  país,  Syngman  Rhee  liderava  o  governo  pró‐americano  e  ameaçava  as 
fronteiras da China (dessa guerra resultou a divisão do país em Sul e Norte, existente até hoje). 
A  RPC  viu‐se  na  obrigação  de  realizar  grandes  investimentos  no  orçamento  da  defesa  e  a 
avançar  na  estatização  da  economia.  O  Jen  Min  Ji  Pao  (jornal  do  PCC),  de  25  de  outubro  de 
1950,  conclamou  então  a  "corrigir  radicalmente  a  política  de  generosidade"  para  com  a 
burguesia. A partir de 1950, os elementos sociais de uma mudança política se definiram: nos 
campos,  atividade  dos  “tribunais  populares”,  com  execuções  e  condenações  a  trabalhos 
forçados  aos  antigos  proprietários;  uma  campanha  política  nacional  contra  o  imperialismo 
norte‐americano;  a  repressão  às  atividades  das  Igrejas,  sobretudo  às  missões  estrangeiras; 
finalmente, as tropas chinesas ocuparam o Tibete, em 1950; o PCC lançou o Movimento dos 
três  anti  (contra  a  corrupção,  contra  o  desperdício  e  contra  a  burocratização).  Gerou‐se  um 
clima geral de tensão, onde não faltou o medo de uma grande fome, em 1951. 
Na  Manchúria,  o  dirigente  comunista  Kao  Kang  deu  início  a  um  plano  pelo  aumento  da 
produção,  seguindo  o  "modelo  soviético".  Tratou‐se  de  uma  vasta  mudança  que  só  seria 
oficialmente sancionada em dezembro de 1952, quando Chou En‐lai anunciou o Primeiro Plano 
Qüinqüenal, e em outubro de 1953, quando o PCC anuncia a "Nova linha geral para a transição 
ao  socialismo".  De  fato,  no  início  de  1952,  quatro  quintos  da  indústria  pesada  já  haviam 
passado para as mãos do Estado; no fim de 1952, a reforma agrária estava em 75% realizada: 
12 milhões de hectares passam para 90 milhões de pessoas; os empresários privados ficaram 
com  apenas  um  terço  do  comércio  atacadista,  metade  do  varejista  e  um  terço  da  produção 
industrial. 
O  governo  criou  uma  Comissão  da  Planificação  do  Estado  (com  Kao  Kang),  e  no  Plano 
Qüinqüenal deu‐se prioridade à indústria pesada: anunciou‐se um investimento de 18 bilhões 
de  dólares,  num  ritmo  incrível:  25  %  do  produto  nacional  seria  consagrado  à  indústria,  em 
1956  (na  época  da  sua  industrialização,  os  EUA  nunca  investiram  mais  de  20%  do  PIB  nesse 
ítem). Um esforço semelhante só era possível através de uma rápida estatização do excedente 

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nacional.  O  ritmo  da  "socialização  da  economia"  superou  todos  os  planos  dos  dirigentes  do 
PCC. Em 1955, decidiu‐se a coletivização da agricultura. Um ano depois, 96 % dos camponeses 
encontravam‐se organizados em um milhão de cooperativas: o Plano previa que só um terço 
dos camponeses se encontraria nessa condição no fim de 1957.  
A coletivização completa só estava prevista para 1960, o que já era muito rápido. A produção 
agrária continuava sendo a base da economia chinesa. O ponto de partida foi muito baixo: em 
1951,  o  parque  de  tratores  era  de  duas  mil  unidades  (um  trator  para  cada  120.000  acres, 
contra  um  para  cada  119  nos  EUA,  ou  um  para  cada  998  na  URSS).  O  PCC  encamparia 
definitivamente o movimento em 1956, com as Três Transformações Socialistas ‐ expropriação 
da  burguesia  industrial,  expropriação  do  comércio  urbano  e  implantação  de  um  movimento 
cooperativo  no  campo.  As  Três  Transformações  limitavam‐se,  na  verdade,  a  sancionar  uma 
situação já existente na sociedade chinesa. A Revolução Chinesa tinha se transformado, num 
processo  sem  solução  de  continuidade,  em  revolução  socialista,  a  revolução  social  mais 
abrangente da história contemporânea. 
Gasto Público e Economia Armamentista 
Terminado  o  conflito  mundial,  os  seus  resultados  determinaram  uma  nova  situação  na 
economia  capitalista.  Na  Europa,  com  o  Plano  Marshall,  os  Estados  Unidos  promoveram, 
através  de  grandes  intervenções  estatais,  o  redirecionamento  das  economias  nacionais, 
revelando  a  miragem  do  “liberalismo”  de  Bretton  Woods.  Para  obter  dólares,  os  países 
dependiam de exportações ou de empréstimos. A primeira condição não existia porque esses 
países  estavam  com  suas  economias  destruídas.  A  segunda  condição  foi  suprida  pelos  EUA, 
mas não nos quadros do que havia sido estipulado em Bretton Woods.  
O “Plano” lançado em julho de 1947 por George Marshall, secretário do Tesouro dos EUA, para 
a  reconstrução  da  Europa,  fez  com  que,  de  1949  a  1953,  os  EUA  transferissem  em 
empréstimos e subvenções US$ 33 bilhões. De 1949 a 1952, do seu lado, as instituições criadas 
em  Bretton  Woods  enviaram  à  Europa  apenas  US$  3  bilhões.  Um  dos  problemas  do  recém‐
criado sistema monetário internacional ‐ na verdade, seu próprio princípio de funcionamento ‐ 
começava a se tornar claro.  
Em 1950, o balanço de pagamentos norte‐americano ‐ resultado de exportações e movimento 
de capitais, empréstimos e transferências ‐ apresentou déficit. Saíam dólares mais velozmente 
dos  EUA  para  a  Europa  e  Japão  do  que  a  rapidez  de  recuperação  desses  países  permitia 
contabilizar como vendas norte‐americanas e investimentos deles nos EUA. Para acelerar essa 
recuperação,  os  EUA  toleravam  também  uma  série  de  práticas  comerciais  restritivas.  A 
conclusão  é  que  a  recuperação  do  pós‐guerra  dependia  dos  déficits  norte‐americanos  ‐  em 
soma, da capacidade do governo dos EUA de imprimir dólares. Pelas regras de Bretton Woods, 
isso  tinha  um  limite,  a  capacidade  das  reservas  em  ouro  dos  EUA  de  garantirem  aos  bancos 
centrais de outros países a conversão, quando eles precisassem, de seus dólares em metal.   
A  intervenção  estatal  se  tornou  um  imperativo  para  a  reconstrução  do  capitalismo  europeu, 
que  era  decisiva  para  os  EUA.  Para  os  EUA,  a  guerra  mundial  fora  o  grande  ativador 
econômico;  os  demais  países  em  guerra  converteram‐se  de  exportadores  para  importadores 
de mercadorias e de capital. O parque industrial militar virou fator decisivo para a realização 
da  mais‐valia.  O  monopólio  da  emissão  de  uma  moeda  de  aceitação  mundial,  como 
determinado  em  Bretton  Woods,  foi  fundamental  para  o  financiamento  da  expansão 
capitalista.  As  pesquisas  feitas  com  dinheiro  público  para  garantir  a  defesa  nacional,  eram 
transformadas  em  elementos  da  reestruturação  produtiva  (energia  nuclear,  aviação, 
telecomunicação,  computação):  as  inovações  surgidas  nos  centros  de  pesquisas  militares 
acabaram transformadas em bens industriais produzidos pelos monopólios privados.  
Com uma nova recessão nos EUA, em 1947 (que fez muitos temerem a repetição do craque de 
1929), houve uma nova expansão do complexo industrial‐militar, sob justificativa de defesa do 

19
 

“mundo livre” (logo depois os EUA entraram, sob cobertura da ONU, na guerra da Coréia: os 
Estados  Unidos  ocuparam  a  Coréia  do  Sul,  e  lá  se  mantiveram  durante  mais  de  50  anos, 
cobertos  por  uma  resolução  do  Conselho  de  Segurança  da  ONU.  Mais  de  4  milhões  de 
coreanos  morreram  na  Guerra  da  Coréia  durante  os  anos  1950‐1953).16  A  manutenção  das 
indústrias  voltadas  para  a  guerra,  não  dependendo  da  demanda  privada,  reduziu  a 
necessidade  de  novos  mercados  externos  para  garantir  a  expansão  industrial.  Os  gastos 
militares  somaram,  a  partir  da  guerra  da  Coréia  (1950),  quantidades  nunca  antes  atingidas. 
Nessas condições teve lugar a expansão do sistema capitalista internacional.  
Os gastos militares eram, para o sistema mundial capitalista, a principal causa da expansão, e 
ainda  da  diminuição  de  uma  parte  das  desproporções  que  antes  limitavam  a  capacidade  de 
expansão. Os encargos militares davam solução ao problema colocado pela realização da mais‐
valia: preservavam a taxa de lucro no conjunto da economia e abriam, para as indústrias não‐
armamentistas,  mercados  que  de  outro  modo  não  teriam  existido.17  Na  década  de  1940,  os 
capitalistas americanos aproveitaram a reserva de mão de obra desempregada e a capacidade 
industrial ociosa que foi criada pela depressão, utilizando‐as para fins militares e para apoiar a 
economia de guerra.  
Os  EUA  puderam  então  produzir  armamentos  à  vontade,  sem  a  necessidade  de  novos 
investimentos  para  ampliação  da  capacidade  industrial  instalada:  o  PIB  dobrou,  em  termos 
reais,  entre  1939  e  1944;  a  taxa  de  desemprego  da  força  de  trabalho  caiu  de  17%  em  1939, 
para  1%  em  1944.  No  auge  da  II  Guerra  Mundial,  em  1944,  os  gastos  militares  dos  EUA 
alcançaram 38% do seu PIB. No pico da Guerra da Coréia, em 1953, 14%. Na Guerra do Vietnã, 
em  1966,  alcançavam  9,4%  do  PIB.  De  um  bilhão  de  dólares  anuais  gastos  com  despesas 
militares diretas em 1939, depois da guerra, os EUA passaram a gastar 12,9 bilhões em 1949, e 
43,3 bilhões em 1958 (US News and World Report, 1º de março de 1957).  
Durante a guerra, os EUA chegaram a destinar ao setor militar 42% de seu PIB (1943 e 1944), 
36%  em  1945,  11%  em  1946,  caindo  para  a  média  de  6%  entre  1947/1950,  e  de  novo 
aumentando  para  12,5%  entre  1950/1955,  em  função  dos  gastos  com  a  Guerra  da  Coréia. 
Michael  Kidron  caracterizou  que  a  economia  dos  países  capitalistas  tinha  virado  uma 
“economia  de  armamentos”:  o  setor  armamentista,  criando  uma  demanda  agregada 
improdutiva,  funcionava como um “volante de equilíbrio” da valorização do capital, evitando 
crises de sobre‐produção, mas criando fortes pressões inflacionárias.  
Para  Peter  Jeffries,  a  nova  era  começara  em  1940  (com  a  guerra  mundial)  com  “rápidos 
progressos  técnicos  situados  ao  redor  das  necessidades  bélicas”,  repassados  depois  para  o 
setor  “civil”:  entre  1954  e  1962,  a  produção  da  indústria  elétrica  e  mecânica,  na  Inglaterra, 
aumentara  em  40%,  com  um  aumento  da  mão  de  obra  de  só  11%.  No  Japão  (1955‐1960)  a 
produtividade elevara‐se de 55%, contra 25% dos salários reais. E o “milagre alemão” tinha por 
base  o  forte  desemprego  do  país  até  o  início  da  década  de  1960,  que  permitira  uma 
                                                            
16
 Até a Segunda Guerra ocupada pelo Japão, em 25 de junho de 1950 o bloqueio da Coréia do Norte pela Coréia do 
Sul,  deu  início  a  uma  guerra  entre  ambas,  envolvendo  China  e  União  Soviética  de  um  lado  e  os  EUA  do  outro.  O 
objetivo estratégico era evitar a expansão da Revolução Chinesa (1949), eventualmente criando uma plataforma de 
ataque contra China. A guerra produziu milhões de mortos. Em 27 de julho de 1953 foi assinado um armistício entre 
o comandante do exército norte‐coreano e um representante da ONU, criando uma zona desmilitarizada entre os 
dois países. 
17
 Isto está provado pela evidência empírica. Um estudo oficial dos EUA (Departamento de Comércio) demonstrou 
que, em épocas de grandes guerras – guerra civil americana, as duas guerras mundiais do século XX, a da Coréia e a 
do  Vietnã  –  os  ciclos  do  capital  foram  marcados  por  fases  prolongadas  de  expansão,  muito  acima  da  média 
histórica, e por fases de contração e crise muito curtas. Assim, entre dezembro de 1914 e agosto de 1918, ocorreu 
na  economia  dos  EUA  uma  expansão  de  quarenta  e  quatro  meses,  e  uma  contração  de  apenas  sete  meses;  no 
período  entre  junho  de  1938  e  fevereiro  de  1945,  a  expansão  durou  oitenta  meses  e  a  contração  apenas  oito 
meses; entre fevereiro de 1961 e dezembro de 1969 (Guerra do Vietnã), a expansão se prolongou por cento e seis 
meses e a contração por apenas oito meses. 

20
 

estagnação dos salários: de 7% do comércio mundial (em 1950), Alemanha passara para 20% 
(em  1960),  quase  igualando  os  EUA.  Para  Jeffries,  isso  demonstrava  o  aguçamento  da 
concorrência  no  mercado  mundial,  e  que  a  queda  tendência    da  taxa  média  de  lucro 
continuava agindo, em que pese a expansão da produção capitalista permitir um (conjuntural) 
aumento da massa dos lucros.    
Paralelamente se desenvolveu o que Ernest Mandel, em O Capitalismo Tardio, denominou “a 
constituição  da  investigação  (produção  de  conhecimentos)  em  um  ramo  independente  da 
produção”. Os investimentos em ciência e tecnologia cresceram 15 vezes nos EUA entre 1947 
e  1967,  enquanto  o  PIB  o  fez  apenas  3  vezes  no  mesmo  período.  O  motor  desses 
investimentos  foi  a  pesquisa  militar.  A  própria  natureza  da  indústria  armamentista  (com 
investimentos  que  exigem  uma  grande  massa  de  capital,  e  produção  para  um  mercado 
“cativo”)  faz  dela  um  fator  extraordinário  de  monopolização  e  parasitismo  econômico.  A 
fixação arbitrária de preços eleva artificialmente seus benefícios, contra‐balançando a  queda 
tendencial da taxa de lucro, que a própria indústria militar acelera. Em fases deflacionárias, os 
preços do “complexo industrial‐militar” mantêm a tendência inflacionária.   
Em 1947, por outro lado, a União Soviética fez os testes de sua primeira bomba atômica. Este 
fato  marcou  o  antagonismo  crescente  entre  este  país  e  os  EUA,  resultando  na  “guerra  fria”, 
corrida  armamentista  baseada  no  poder  nuclear.  Nos  quarenta  anos  que  se  seguiram,  os 
principais  protagonistas  acumularam  capacidade  nuclear  suficiente  para  destruir  todo  o 
planeta várias vezes, além de se tornarem grandes produtores e exportadores de armamentos 
não nucleares. O contexto em que se insere o período de prosperidade e crescimento, que vai 
do pós‐guerra até o início dos anos 70, teve sua especificidade delineada pela lógica da “guerra 
fria”: um mundo dividido ideologicamente em dois sistemas econômicos e políticos, capitalista 
e socialista, sob as lideranças dos EUA e da União Soviética. A polarização política e econômica 
dos  blocos  antagonistas  estabelece  o  referencial  ideológico  com  que  seriam  introduzidos  no 
discurso econômico ocidental o Welfare State e suas regulamentações sociais, com a aceitação 
do papel do estado como regulador, planejador, produtor ou coordenador de investimentos.  
José  Martins  pontuou:  “O  verdadeiro  problema  é  que  o  regime  capitalista  tem  que 
desenvolver  a  produção  de  algum  tipo  de  valor  de  uso  cujo  consumo  impeça  o  seu  retorno 
para a esfera produtiva, cujo consumo faça com que ele desapareça na própria circulação do 
capital.  Esses  antibióticos  contra  a  superprodução  são  justamente  aquelas  mercadorias  que 
não podem ser consumidas nem como meios de produção, nem como meios de reprodução da 
força  de  trabalho.  Deve‐se  lembrar  que  a  produção  dessas  mercadorias  é  capaz  de  elevar  a 
taxa geral de lucro sem alterar a produtividade da força de trabalho, quer dizer, a taxa de mais 
valia.  As  modernas  formas  de  consumo  improdutivo,  individuais  (bens  de  luxo)  ou  estatais 
(armamentos)  mostraram‐se,  historicamente,  as  mais  adequadas  para  cumprir  esse  papel”. 
Mas, se o boom armamentista motorizou a economia até certo nível, foi depois sob influência 
das  forças  do  mercado  que  a  expansão  prosseguiu.  Tratou‐se,  a  partir  de  então,  de  uma 
expansão  capitalista  “normal”:  a  multiplicação  das  indústrias  de  bens  de  produção  e  o 
desenvolvimento do mercado civil eram as condições que permitiam realizar a mais‐valia. 
Em  1963,  Harry  Magdoff  calculava  que  os  armamentos  compreendiam  36%  dos  bens  de 
consumo  duráveis  produzidos  anualmente  (nos  EUA).    A  importância  do  gasto  armamentista 
foi  tal  que  Joan  Robinson  declarava,  em  1962,  que  “uma  seqüência  de  17  anos  sem  uma 
recessão mundial séria é uma experiência inédita para o capitalismo (mas) não se provou que 
as  recessões  possam  ser  evitadas,  exceto  pelos  dispêndios  em  armamentos,  e  como,  para 
justificar  as  armas,  a  tensão  internacional  tem  de  ser  mantida,  parece  que  o  tratamento  é 
muito pior do que a doença”. Essa tensão internacional  ‐ EUA vs. URSS, ou “comunismo versus 
mundo  livre”‐  forneceria  justamente  o  álibi  ideológico  para  os  golpes  militares  latino‐
americanos.  O  armamentismo  não  teve,  portanto,  só  um  papel  econômico,  mas  também 
político, do ponto de vista da hegemonia continental e mundial dos EUA.  

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Na  América  Latina,  o  papel  preponderante  foi  assumido  pelos  institutos  políticos  dos  EUA, 
pelos pactos bilaterais ou pelos tratados regionais, sob patrocínio norte‐americano.18 Era um 
método  de  dominação  mais  barato,  porque  evitava  a  custosa  (e  arriscada)  tarefa  de  manter 
permanentemente  tropas  nos  territórios  considerados  como  de  "interesse  vital"  (embora  a 
ocupação  direta  fosse  sempre  o  último  recurso,  como  o  demonstrou  a  lista  de  intervenções 
militares, as bases militares disseminadas pelo mundo). Depois da guerra mundial, a pressão 
política e militar sobre América Latina completou‐se com a assinatura (1947) do Tratado Inter‐
americano  de  Assistência  Recíproca  (TIAR),  prevendo  o  direito  de  intervenção  militar  em 
qualquer  país  latino‐americano  em  caso  de  agressão  externa.  A  República  Dominicana  foi 
vitima em 1965 desse tratado, quando foi invadida pelos marines, travestidos em soldados da 
OEA. 
O  gasto  armamentista,  além  disso,  ao  concentrar  percentagens  cada  vez  maiores  do  avanço 
científico  e  tecnológico,  propiciava  atividades  intensivas  em  capital  (constante,  ou  seja, 
máquinas e equipamentos), o que conclui acelerando a queda tendencial da taxa de lucro, isto 
é, a quantidade cada vez menor de mais‐valia extraída em relação ao capital total. Preparava, 
também,  a  chamada  “exclusão  social”,  o  crescente  desemprego  de  trabalhadores  não 
qualificados.  Para  eles  a  indústria  armamentista,  que  tem  uma  pronunciada  tendência  à 
qualificação,  era  um  território  particularmente  inóspito:  nos  EUA  essas  indústrias  usavam 
proporcionalmente  23%  a  mais  de  trabalho  de  profissionais  especializados,  69%  a  mais  de 
trabalho qualificado e 25% a mais de trabalho semi‐qualificado do que a indústria em geral. A 
crise  do  “modelo”  estava,  portanto,  inscrita  em  seu  nascedouro.  A  proporção  entre  a  renda 
dos 20% mais ricos da população mundial, e dos 20% mais pobres, cresceu de 30 a 1 em 1960, 
para 78 a 1 em 1994. 
Inflação e Desequilíbrios 
Nas economias centrais, o gasto público garantiu o pleno emprego que vigorou durante mais 
de duas décadas. De um lado, o aumento da produtividade tendia, em que pese a rapidez da 
expansão  econômica,  a  diminuir  o  ritmo  de  crescimento  do  emprego  produtivo,  mas,  por 
outro  lado,  os  pedidos  do  Estado  e  o  consumo  das  camadas  improdutivas  faziam  recuar  os 
limites  da  realização  da  mais‐valia.  A  extensão  do  trabalho  improdutivo,  e  do  gasto  público 
aplicado  em  atividades  que  não  produziam  valor,  compensava  as  tendências  ao  inchaço  do 
desemprego estrutural induzido pela elevação da produtividade. 
O  financiamento  público  da  produção,  por  outro  lado,  gerou  a  inflação  que  se  transformou, 
para o capital, num meio de prosseguir e intensificar a acumulação, independentemente dos 
obstáculos  criados  pelas  flutuações  conjunturais.  Numa  época  dominada  pela  extensão  dos 
cartéis  internacionais  e  das  firmas  multinacionais  no  mercado  dos  principais  produtos  (em 
geral,  de  quatro  a  seis  empresas  abocanhavam  60‐80%  da  produção)  a  inflação  virou  um 
imposto  privado  que  o  capital  percebia  dos  consumidores,  pelo  desaparecimento  da 
concorrência de preços. Altas taxas de inflação dão origem a uma luta mais aguda para manter 
padrões de vida. Na década de 1950, a inflação nos países “desenvolvidos” era, em média, de 
2% anual; pulou para 4% na década de 1960; entre 1969 e 1973, subiu para 6,4% na Europa, e 
4,9%  nos  EUA,  quando,  segundo  Michel  Aglietta,  passou‐se  “da  inflação  reptante  para  a 
inflação cumulativa”. 
 Friedman e os monetaristas atribuíram a aceleração da inflação nos anos posteriores à Guerra 
da Coréia às tentativas dos governos de manter o desemprego abaixo da taxa "natural", à qual 
                                                            
18
  Foi  criada,  por  exemplo,  a  Escola  Militar  do  Caribe  (posteriormente  School  of  Americas)  na  zona  do  Canal  de 
Panamá, escola que desde 1961 teve o centro das suas atividades no treino “contra‐insurgente” dos oficiais latino‐
americanos. A economia de esforços que este investimento militar significava para os EUA está ilustrada por estas 
cifras, de 1967: o custo médio de um soldado norte‐americano era de 5.400 dólares, o de um das forças armadas 
“complementares”, 540. 

22
 

a  economia  supostamente  se  ajustaria  (o  emprego  da  palavra  "natural"  considera  o 
capitalismo  como  sistema  econômico  inevitável).  O  nível  relativamente  alto  do  emprego  no 
mundo capitalista nos vinte e cinco posteriores à guerra mundial foi certamente um fator para 
acelerar  a  inflação  ‐  embora  variem  as  opiniões  sobre  quanto  peso  se  deveria  atribuir  aos 
aspectos  mais  estruturais  do  pleno  emprego,  tais  como  o  poder  crescente  e  a  confiança  das 
organizações sindicais contra o funcionamento automático do mercado. 
Friedman elaborou uma teoria sugerindo que o alto nível de emprego era na verdade contrário 
aos interesses da classe trabalhadora porque, segundo ele, seria mais lucrativo ao capitalista 
empregar mais mão de obra que a compatível com a "taxa natural" de desemprego apenas se 
os  salários  reais  caíssem.  Para  Friedman  todas  as  formas  de  “política  de  renda”  eram 
irrelevantes,  desde  que  a  inflação  dependia  apenas  das  forças  básicas  do  mercado;  os 
“inflacionistas de custo”, por sua vez, depositaram esperanças na possibilidade de persuadir os 
sindicatos  a  fazer  reivindicações  salariais  mais  modestas.  Uma  vez  que  tais  políticas 
“voluntárias”  não  tiveram  êxito  (e  não  se  imagina  como  poderia  ser  o  contrário)  houve 
exigência crescente, em países europeus, de que se combatesse mais diretamente o poder dos 
sindicatos mediante restrições legais às suas atividades (o direito de organizar piquetes, etc.) 
ou imposição de penalidades financeiras aos grevistas: sugeriu‐se que os grevistas perdessem 
o direito às pensões por desemprego, que os benefícios da previdência social às famílias dos 
mesmos fossem considerados como dívidas, que o salário do grevista fosse tributado em 50% 
etc.  Essas  tentativas  (mal‐sucedidas)  para  reduzir  a  força  da  classe  trabalhadora  eram 
consideradas como mera remoção de imperfeições anteriores ao “sistema de mercado”. 
Se o Banco Mundial “seguia” a situação dos países “subdesenvolvidos”, a OCSE, Organização 
para  a  Cooperação  e  Segurança  Econômica  nasceu  em  1960  em  Paris  dos  trabalhos 
preparatórios,  conduzidos  na  gestão  dos  EUA  do  Plano  Marshall,  para  o  estabelecimento  da 
administração  para  a  cooperação  européia  (OCDE)  e  americana  (ECA).  A  OCSE  passou  a 
coordenar os interesses dos 29 países mais desenvolvidos do mundo. 
Este  poder  permitiu  aos  oligopólios  obrigar  à  população,  inclusive  à  de  baixos  recursos,  a 
praticar uma espécie de poupança forçada, a fixar (pela “formação ‐monopólica‐ dos preços”) 
seu  montante  em  função  de  seu  programa  de  investimentos,  e  apropriá‐la  sem  reembolso 
nem  juros.  A  inflação  virou  um  meio  para  intensificar  a  acumulação  e  ampliar  suas  bases 
sociais, superposta aos mecanismos tradicionais (emissão de ações e obrigações, empréstimos 
bancários)  que  centralizavam  a  poupança  das  classes  médias  para  transformá‐la  em  capital, 
obrigando toda a população a contribuir compulsoriamente para a acumulação capitalista. 
As  instituições  multilaterais  (FMI,  BIRD  e  GATT)  deram  reforço  adicional  para  a  dominação 
americana  através  da  imposição  de  políticas  econômicas  ao  conjunto  da  economia  mundial. 
Com  os  acordos  de  Bretton  Woods,  e  com  o  dólar  assumindo  o  papel  central  na  economia 
mundial,  ficou  clara  a  centralidade  mundial  dos  capitais  dos  EUA.  As  instituições 
supranacionais  foram  o  reflexo  desta  nova  hierarquia.  O  período  entre  o  final  da  II  Guerra 
Mundial e o final dos anos sessenta caracterizou‐se assim por uma afirmação hegemônica do 
capital dos EUA, que neste período atingiu o seu ápice.   
Para  garantir  sua  supremacia  mundial,  houve  um  forte  desenvolvimento  das  firmas 
multinacionais  americanas,  particularmente  na  Europa,  mas  este  se  revelou  insuficiente:  o 
déficit  crônico  do  balanço  de  pagamentos  americano  marcou  um  fracasso  que  ameaçava  o 
papel  privilegiado  do  dólar  no  sistema  monetário  internacional  (embora  uma  fração 
importante  dos  investimentos  de  capitais  norte‐americanos  no  estrangeiro,  tanto  na  Europa 
ocidental como nos países semi‐coloniais, não ocasionasse transferências reais de capitais dos 
EUA, sendo financiada por capitais de empréstimo, no local). 

23
 

Déficit do Balanço de Pagamentos dos EUA

 
Os EUA, detentores da moeda de reserva, seguiram uma ampla política  de  investimentos no 
exterior  com  um  déficit  sistemático  do  balanço  de  pagamentos.  As  despesas  "invisíveis" 
cronicamente deficitárias eram uma das causas do déficit crônico da balança de pagamentos 
dos  Estados  Unidos.  Dentre  elas  é  necessário  mencionar,  em  primeiro  lugar,  as  despesas 
militares  no  estrangeiro.  Por  bastante  tempo,  esse  déficit  foi  de  fraca  dimensão  devido  aos 
excedentes comerciais dos EUA: mais de seis bilhões de dólares em 1964, ano de seu apogeu. 
Estes  excedentes  conseguiam  compensar  as  despesas  militares  da  manutenção  da  política 
externa  intervencionista,  e  permitiam,  por  outro  lado,  um  grande  investimento  no  exterior. 
Mas a repatriação dos lucros das empresas dos EUA no exterior, para equilibrar o balanço de 
pagamentos, não aconteceu: devido à crescente estagnação da economia dos EUA, os lucros 
foram  crescentemente  reinvestidos  na  própria  área  do  investimento  externo.  E  o  superávit 
comercial foi se extinguindo, até desaparecer em 1971.19  
Crescimento Mundial e Miragens Econômicas 
Nesse  quadro  se  produziram,  simultaneamente,  uma  trans‐nacionalização  da  economia 
mundial, e um crescimento sustentado sem precedentes do comércio internacional. Nos EUA, 
as  importações  líquidas  como  percentagem  do  consumo  aumentaram  de  ‐3,1%  em  1910‐19 
para 5,65% em 1945‐49, e 14% em 1961. Na década de 1950, o comércio mundial cresceu a 
um  ritmo  de  6%  anual,  chegando  a  7,5%  na  década  de  1960,  com  um  recorde  de  9,5%  em 
1963‐66.  Para  Michael  Kidron,  "foi  o  comércio  a  chave  para  a  economia  de  pós‐guerra".  No 
total, entre 1950 e 1970, o comércio mundial cresceu em 350%, enquanto a produção mundial 
crescia 200%. No período 1950‐1973 o aumento das trocas mundiais foi da ordem de 8% ao 
ano  em  valores  reais,  acompanhado  de  mudanças  no  tamanho  relativo  das  economias 
nacionais. 
O "sistema de Bretton Woods" apenas funcionou durante um espaço de tempo estritamente 
limitado.  Muitos  países,  em  especial  os  europeus,  não  aderiram  a  um  regime  de  livre 
conversibilidade  senão  no  final  dos  anos  1950,  depois  que  alguns  deles  (a  França  e  a  Grã‐
Bretanha,  por  exemplo)  realizaram,  sem  a  autorização  do  FMI,  desvalorizações  cambiais 
importantes,  muitas  vezes  maiores  que  os  limites  autorizados  no  convênio  constitutivo  do 
Fundo. A rigor, o modelo de paridades fixas e controladas pelo FMI só vigorou no decorrer dos 
anos 60, quando outros problemas se acumularam, como os déficits contínuos nas transações 
correntes  dos  EUA,  que  imprimiram  mais  dólares  do  que  suas  reservas  em  ouro  poderiam 
suportar.  

                                                            
19
 Isto acabaria impondo a desvalorização do dólar como única saída para não comprometer um sistema monetário 
internacional através do qual os EUA exploravam o mundo.    

24
 

No início dos anos 1960, a ausência de recursos suficientes para que o FMI lidasse com crises 
financeiras nos próprios países desenvolvidos ‐ como a crise da libra esterlina em 1960‐61 ‐ fez 
com  que  "acordos  gerais  de  empréstimos"  fossem  negociados  entre  os  principais  bancos 
centrais, dando origem ao chamado “Grupo dos Dez”. Desde meados dessa década, o governo 
americano solicitou a seus parceiros superavitários que contivessem dentro de estritos limites 
a conversão em ouro de suas enormes reservas em dólar, no que foram atendidos por países 
complacentes (e dependentes militarmente) como a Alemanha e o Japão, mas contestados por 
"dissidentes" como a França. Outros problemas eram representados pela ausência de liquidez 
internacional  para  responder  ao  crescimento  do  comércio  mundial,  por  exemplo,  o  que  se 
tentou  contornar  pela  criação  de  uma  nova  moeda  de  referência  internacional,  o  “direito 
especial de saque” (DES), em decisão adotada durante a conferência do FMI realizada no Rio 
de Janeiro em 1967.  
Os  participantes  mundiais  que  mais  dinamizaram  o  período  foram  os  países  da  Europa 
Ocidental  e  o  Japão.  A  reconstrução  no  período  de  pós‐guerra  e  a  guerra  da  Coréia 
estimularam as exportações japonesas e européias. Europa se integrou em um bloco regional 
através  dos  Tratados  da  Comunidade  Européia  do  Carvão  e  do  Aço  (1951),  da  Comunidade 
Européia  de  Energia  Atômica  (1957)  e  da  Comunidade  Econômica  Européia  (1957),  o  que 
viabilizou  um  grande  crescimento  do  comércio  intra‐regional,  que  representava  18,3%  do 
comércio mundial em 1953, passando para 31,2% em 1973. Nesse período, a taxa do comércio 
europeu  com  terceiros  países  foi  inferior  ao  crescimento  do  comércio  mundial.  Os  países 
capitalistas da Europa tinham por sua  conta mais de 50% das exportações mundiais.  Mesmo 
eliminada  desta  quantidade  as  trocas  intra‐Mercado  Comum,  a  percentagem  era  superior  a 
40%.  Segundo  Ekkehart  Krippendorf,  “a  Comunidade  Econômica  Européia  constituiu  a 
manifestação  concreta  das  tensões  e  conflitos  concorrentes  entre  o  capital  americano  e 
europeu (mas que eram) frutos do triunfal esforço americano por reconstruir o capitalismo na 
Europa  ocidental  dentro  de  um  mercado  maior,  moderno  e  politicamente  adequado”,  o  que 
equivale a descrever o tiro que saiu pela culatra. 
Nesse  período,  a  economia  dos  EUA,  durante  o  mítico  “longo  boom”  do  pós‐guerra,  não  foi 
poupada de crises: entre 1947 e 1949 e a produção industrial caiu, em média, 1,84% ao ano; 
em  1954,  a  queda  foi  de  5,80%;  em  1958  foi  de  6,41.  O  mais,  importante,  porém,  foi  a  sua 
crescente  perda  de  competitividade  em  relação  à  Europa  e  à  Ásia  “emergente”,  que  se 
revelaria de modo violento a partir da década de 1970. 
A  economia  japonesa  expandiu‐se  rapidamente  de  meados  dos  anos  1950  até  a  década  de 
1960,  tendo  sofrido  só  duas  breves  recessões,  em  1962  e  em  1965.  A  taxa  média  de 
crescimento  anual  esteve  próxima  dos  11%  em  termos  reais,  durante  a  década  de  1960. 
Compare‐se  isto  com  os  4,6%  da  República  Federal  da  Alemanha  e  os  4,3%  dos  EUA,  no 
período  de  1960  a  1972.  Essa  taxa  também  ficou  bem  acima  do  dobro  da  média  da  taxa  de 
crescimento  do  próprio  Japão  de  antes  da  guerra,  que  era  cerca  de  4%  ao  ano.  A  rápida 
expansão japonesa foi impulsionada pelo investimento da indústria privada em novas fábricas 
e equipamentos. O elevado nível de poupança das famílias proporcionou aos bancos, e outras 
instituições  financeiras,  amplos  recursos  para  um  pesado  investimento  no  setor  privado.  O 
aumento  dos  gastos  de  capital  foi  associado  com  a  introdução  de  novas  tecnologias,  muitas 
vezes  sob  licença  de  empresas  estrangeiras.  O  investimento  para  a  modernização  tornou  as 
indústrias  japonesas  mais  competitivas  no  mercado  mundial,  criou  novos  produtos,  deu  às 
empresas  japonesas  as  vantagens  da  produção  em  massa  e  melhorou  a  produtividade.  Em 
1968  o  Japão  chegou  ao  segundo  lugar  mundial,  atrás  apenas  dos  EUA,  em  termos  de  PIB 
(excluídos os países socialistas).20 

                                                            
20
 Para um PIB mundial de pouco mais de US$ 50 trilhões, em 2007, o PIB do Japão era de US$ 4,272 trilhões, o da 
Alemanha de 2,807 trilhões, o da França de 2,075 trilhões, o da Itália 1,8 trilhões, o da Espanha 1,361 trilhões, o da 

25
 

A  conseqüência  foi  a  rápida  recuperação  do  comércio  externo  dos  países  aliados  e  o  forte 
aumento  das  importações  norte‐americanas.  Aos  poucos  o  superávit  na  conta  de  transações 
correntes dos EUA foi diminuindo até em 1971 apresentar seu primeiro déficit. À medida que o 
fortalecimento dos países aliados se consolidava, surgiam questionamentos quanto à liderança 
dos EUA. A partir de fevereiro 1965, a França passou a questionar o papel do dólar como meio 
de pagamento internacional: o presidente Charles de Gaulle reclamou do exorbitant privilège 
dos  EUA  no  sistema  monetário  internacional,  da  capacidade  exclusiva  dos  EUA  de  financiar 
seus  déficits  no  balanço  de  pagamentos  na  sua  própria  moeda,  e  propunha  a  ampliação  do 
papel  do  ouro  no  sistema  internacional.  Desde  o  início  do  seu  mandato  colocou  a  culpa  na 
entrada de dólares pela inflação na França: afirmando que não estaria mais obrigado a aceitar 
a moeda norte‐americana, a França passou a trocar seus dólares excedentes pelo ouro de Fort 
Knox. 
A  partir  da  década  de  1960,  foi  a  vez  das  economias  asiáticas,  especialmente  Hong  Kong, 
Taiwan, Malásia, Coréia do Sul, Singapura e Tailândia (os chamados new industrial countries –
NICs), que adotaram uma política comercial orientada para as exportações. Entre 1963 e 1983 
a  proporção  das  exportações  mundiais  de  mercadorias  procedentes  dessas  economias 
aumentou de 2,4% para 9,7%, com mercadorias têxteis no início e depois com a exportação de 
produtos  eletrônicos  e  de  tecnologia  de  informação.  Os  chamados  “Tigres  Asiáticos” 
(Singapura,  Hong‐Kong,  Coréia  e  Taiwan)  passaram,  ao  longo  de  trinta  anos,  de  países 
“subdesenvolvidos” a “desenvolvidos”, com taxas de crescimento médias do PIB próximas dos 
6%  durante  décadas.  A  esse  grupo  de  países  juntam‐se  o  Japão,  Malásia,  Tailândia  e 
Indonésia.21 Os “Tigres” são países pequenos ‐ Hong‐Kong e Cingapura representam um caso 
especial  de  cidades‐estados  –  ou  postos  numa  situação  geopolítica  única  (Coréia  do  Sul).  A 
política industrial no Japão, Coréia e Taiwan esteve longe do liberalismo. 
    Renda per População Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Coef. Taxa
capita 1992 (em crescimento crescimento crescimento investimento  C/Y  abertura
(US$) 1993  milhares)  Ppc (60- PIB (65-80) PIB (80-92) % (Ex/PIB)%
88) 
Japão  21.090 124.318 5,6 7,1 4,1 32 7,8 10
Cingapura  20.470 2.814 5,9 10,7 6,7 41 6,1 174
Hong-Kong  21.670 5.805 6,4 8,6 5,6 29 5,2 144
Taiwan  9.243 21.125 6,6 9,6 8,5 36 4,2 65
Coreia  9.810 43.663 6,4 9,8 9,2 39 4,2 29
Malasia  8.630 18.610 3,5 7,3 5,9 34 5,8 78
Tailândia  6.390 57.992 3,9 7,5 8,2 40 4,9 36
Indonésia  3.140 184.274 5,5 7,7 5,7 35 6,1 29

A  internacionalização  financeira  acompanhou  o  processo,  comandada  pelos  EUA.  Antes  da 


Primeira  Guerra  Mundial  não  havia  controle  sobre  transações  financeiras  internacionais, 
apesar  dos  fluxos  de  capitais  internacionais  atingirem  níveis  elevados.  No  período  entre 
guerras, a despeito do movimento internacional de capitais ter diminuído, houve imposição do 
controle  do  fluxo  de  capital.  Entre  1945  e  1970  houve  um  relaxamento  dos  controles,  a 

                                                                                                                                                                              
Holanda 0,645 trilhões, o da Bélgica 0,376 trilhões, o da Suíça 0,303 trilhões, o da Dinamarca 0,203 trilhões, o da 
Finlândia 0,188 trilhões. 
21
  No  início  da  década  de  1960,  países  como  a  Coréia  eram  mais  pobres  do  que  muitos  países  da  África  a  Sul  do 
Saara. Desde então, os países do Leste asiático cresceram mais rapidamente que qualquer outra região do mundo, e 
deixaram  para  trás  países  como  a  Argentina,  México  e  Brasil.  Este  grupo  de  países  passou  a  ser  conhecido  como 
“Economias Asiáticas Altamente Performantes" (EAAP).  Em termos de poder de compra constante (PPP), os “Tigres 
Asiáticos”  multiplicaram  seu  de  rendimento  per  capita,  entre  1960  e  1985,  por  um  fator  superior  a  quatro, 
enquanto em dólares correntes atingiram um aumento superior a dez vezes entre 1960 e 1990. 

26
 

mobilidade do capital financeiro era mais limitada, as taxas de câmbio eram fixas.22 No final do 
período,  entre  1968  e  1973,  houve  uma  grande  expansão  dos  investidores  em  mercados 
estrangeiros.  
Em 1960, oito bancos americanos tinham 124 filiais no exterior, com ativos avaliados em US$ 
12  bilhões.  Em  1970,  79  bancos  americanos  tinham  532  filiais  no  exterior,  cujos  ativos 
somavam  US$  145  bilhões.  A  década  de  1970  testemunhou  o  rápido  crescimento  das  filiais 
multinacionais e da atividade bancária com euromoedas. A expansão internacional dos bancos 
americanos  continuou  e,  por  volta  de  1980,  havia  159  bancos  americanos  com  787  filiais,  e 
ativos  de  US$  311  bilhões.  O  montante  dos  ativos  estrangeiros  de  bancos  internacionais 
aumentou,  entre  1970  e  1982,  de  US$  92  bilhões  para  US$  1,513  trilhões,  com  uma  taxa  de 
crescimento  anual  médio  de  22%.23  A  "super‐capitalização”  nos  países  imperialistas 
evidenciava  a  existência  de  vários  bilhões  de  dólares  não  investidos  a  longo  prazo,  que  só 
procuravam  lucros  rápidos  e  que  eram  transferidos  rapidamente  de  um  país  para  outro  em 
função da taxa de lucro obtida e das previsões de flutuações de poder de compradas diversas 
moedas  nacionais:  este  hot  money  foi  acusado  por  algumas  das  numerosas  borrascas  que 
atingiram a libra esterlina desde o fim da Segunda Guerra Mundial.24  
A  segunda  categoria  de  movimentos  internacionais  de  capital  estava  ligada  às  grandes 
multinacionais,  com  ramificações  em  grande  número  de  países,  e  dimensões  gigantescas  (a 
totalidade anual dos seus negócios já ultrapassava o orçamento de qualquer Estado capitalista 
médio),  com  transferências  de  dezenas  de  milhões  de  dólares,  provocando  importantes 
flutuações  do  valor  das  divisas,  sempre  que  estivesse  à  vista  a  menor  ameaça  de 
desvalorização  monetária.  Até  mesmo  uma  flutuação  da  taxa  de  câmbio  de  2%  podia 
representar  um  ganho  ou  uma  perda  de  milhões  de  dólares  para  uma  firma  com  grandes 
reservas líquidas. O movimento especulativo, e aquele vinculado à concentração internacional 
de capitais, não eram basicamente diferentes, e possuíam tendência para se interpenetrarem. 
Um  desequilíbrio  de  fundo  se  perfilava:  quando  as  autoridades  monetárias  dos  países 
industrializados apresentassem a moeda norte‐americana para transformá‐la (convertê‐la) em 
ouro, ao preço oficial de US$ 35 a onça, o Acordo de Bretton Woods vacilaria. As reservas em 
ouro dos Estados Unidos caíram de 653 milhões de onças, em fins de 1957, para 509 milhões, 
em 1960. O sistema de Bretton Woods, que em 1958 apenas começava a funcionar, já estava 
falindo  em  1960.  Segundo  Triffin,  "se  os  bancos  centrais  tivessem  reagido  ao  problema  do 
dólar como fizeram com a libra esterlina em 1931, teria sido em 1960, ou logo em seguida, que 
a convertibilidade do dólar teria que ter sido suspensa. O dólar sobreviveu mais de dez anos 
como  moeda  dominante  somente  graças  a  sua  crescente  não‐conversibilidade  de  facto,  que 
todos julgavam do próprio interesse não forçar os EUA a declararem de jure”.  
Os  bancos  centrais  aceitaram  deter  dólares  enquanto  tinham  confiança  de  que  podiam 
convertê‐los  em  ouro  à  paridade  de  US$  35  a  onça.  A  expansão  do  comércio  internacional 
acarretou  para  eles  maior  necessidade  de  reservas  em  dólares,  o  que  exigia  um  déficit  no 
                                                            
22
 Embora, para Keynes: “Determinamos continuar controlando nossa taxa interna de juros, de modo que possamos 
mantê‐la tão baixa como melhor convenha a nossos próprios fins, sem interferência dos vai e vem dos movimentos 
internacionais de capitais ou fugas de capital especulativo”. Nos estatutos de Bretton Woods, o artigo VI confirmava 
a  opção  dos  Estados  nacionais  de  controlar  os  fluxos  internacionais  de  capitais  para  evitar  desarranjos  nos 
mercados  cambiais:  “os  membros  poderão  exercer  todos  os  controles  necessários  para  regular  os  movimentos 
internacionais  de  capitais”.  Este  arranjo  institucional  internacional  se  coadunava  com  as  políticas  econômicas 
nacionais centradas no intervencionismo estatal, encarregado de prevenir flutuações bruscas e incertezas inerentes 
ao funcionamento dos diversos mercados. 
23
  A  crise  internacional  da  dívida,  em  1982,  desencadeou  uma  redução  do  ritmo  de  crescimento  dos  ativos  em 
moeda estrangeira dos bancos internacionais e da criação de filiais multinacionais.    
24
 Para vários países semi‐coloniais, que gravitavam na zona de influência do imperialismo britânico, principalmente 
alguns países árabes, grandes exportadores de petróleo, a desvalorização da libra esterlina em novembro de 1967 
significou que o valor das reservas de troca que tinham acumulado foi seriamente amputado de um só golpe. 

27
 

balanço de pagamentos dos EUA. Mas as taxas de expansão das reservas em ouro dos EUA não 
acompanharam  a  taxa  de  acumulação  de  dólares  no  exterior.  A  crescente  inevitabilidade  de 
uma  desvalorização  da  moeda  americana  minou  a  confiança  no  sistema.  Países  como 
Alemanha  e  Japão,  com  superávits  no  balanço  de  pagamentos,  relutavam  em  valorizar  suas 
moedas,  o  que  reduziria  a  competitividade  de  suas  exportações.  A  manutenção  de  taxas  de 
câmbio fixas, em situação de desequilíbrios persistentes de balanço de pagamentos, tornar‐se‐
ia insustentável. 
A  crise  política  (eventualmente  revolucionária)  começou  a  virar  também  fator  de  crise 
econômica: bruscos movimentos de capitais (ultrapassando três bilhões de dólares) fizeram a 
viagem  Paris‐Zurique  e  Paris‐Frankfurt  desde  maio  de  1968,  depois  da  greve  geral,  e 
ocasionaram  a  crise  monetária  de  novembro  de  1968.25  Desde  maio  de  1968  a  situação 
competitiva  da  indústria  francesa  deteriorou‐se  fortemente,  pelo  crescimento  dos  custos 
salariais,  ou  pela  inflação  acelerada,  com  um  déficit  acentuado  da  balança  comercial. 
Mundialmente,  os  anos  1967‐68  marcaram  uma  acentuação  da  luta  operária  e  popular:  a 
“Comuna de  Xangai” (janeiro de 1967), durante a “revolução cultural” chinesa, a Assembléia 
Popular na Bolívia de 1970‐71, as mobilizações revolucionárias na América Latina nas décadas 
de 1960 e 70, no esteio da revolução cubana de 1959‐61. Na Europa ocidental, o proletariado 
protagonizou situações revolucionárias, desde o maio francês de 1968, passando pelo “outono 
quente” italiano (1969) até a revolução portuguesa (1974‐75). Nos próprios EUA, uma grande 
quantidade de conflitos ocorreu entre o trabalho e o capital a partir da década de 1950, com a 
juventude protagonizando uma maciça mobilização anti‐bélica a partir de 1968. 
Tecnologia e Regulação 
Os  “trinta  anos  gloriosos”  da  economia  capitalista  mundial  de  pós‐guerra  foram  explicados 
pela  “terceira  revolução  tecnológica”,  com  o  controle  generalizado  das  máquinas  por 
aparelhagem  eletrônica,  bem  como  pela  lenta  introdução  da  energia  nuclear.  Mas  o  que 
dominou  a  expansão  pós  1945  foi  a  produção  de  bens  duráveis  de  consumo  (automóvel, 
televisão,  discos),  de  meios  de  transporte  (navios  de  grande  porte  e  aviões  a  jato), 
armamentos,  mecanização  da  construção  civil,  etc.  Ou  seja,  um  desdobramento 
“modernizado” de ramos da produção que já se encontravam presentes na fase precedente, 
não uma nova revolução tecnológica.26 Segundo Ernest Mandel: “Essa expansão (boom do pós‐
guerra) tinha dado um impulso poderoso a um novo avanço das forças produtivas, a uma nova 
revolução  tecnológica.  Propiciou  um  novo  salto  para  a  concentração  de  capitais  e  a 
internacionalização da produção, as forças produtivas ultrapassando cada vez mais os limites 
do Estado burguês nacional (tendência que começou a se manifestar desde o início do século, 
mas que se amplificou consideravelmente desde 1948)”.  
David  Landes  questionou  “a  aparente  ruptura  representada  pelas  taxas  mais  altas  de 
crescimento  do  período  após‐guerra.  Que  há  no  curso  do  desenvolvimento  tecnológico  para 
explicar  essa  ruptura?  A  resposta  pode  ser:  nada,  ou  quase  nada.  Certamente,  não  há 
dificuldade  em  enumerar  um  conjunto  de  novos  produtos  e  processos.  Mas  a  maioria  deles 
                                                            
25
  O  imperialismo  norte‐americano  não  foi  poupado  pela  onda  revolucionária  desse  ano:  em  janeiro  de  1968, 
durante as comemorações do Ano Novo Lunar (Tet) no calendário vietnamita, tropas do Exército norte‐vietnamita e 
guerrilheiros  vietcongues  efetuaram  uma  ofensiva  coordenada,  com  84.000  efetivos,  atacando  simultaneamente 
cinco grandes cidades, 36 capitais de província, 64 capitais de distrito e cinqüenta aldeias, de norte a sul do Vietnã, 
governado  por  um  agente  das  tropas  e  do  governo  dos  EUA  (Johnson‐Kissinger).  Embora  a  ofensiva  fosse  um 
fracasso militar, marcou uma virada no conflito, que se constituiria no maior desastre bélico dos EUA no pós‐guerra. 
26
 Em explicação da onda expansiva do pós‐guerra, Ernest Mandel argumentou que “dois fatores decisivos explicam 
a ‘onda longa com tonalidade básica expansiva’ desenvolvida desde 1940‐1945 até 1966: 1) as derrotas históricas 
dos trabalhadores, que permitiram ao fascismo e à guerra elevar a taxa de mais‐valia; 2) o incremento resultante na 
acumulação de capital (investimentos) conjuntamente com o ritmo acelerado de inovação tecnológica e a redução 
do tempo de rotação do capital fixo, que levaram na terceira revolução industrial a uma expansão no longo prazo 
do mercado, para a extensão da reprodução do capital numa escala internacional”. 

28
 

remonta aos anos do entre ‐ guerras. Por mais que os gastos com pesquisa e desenvolvimento 
tenham  aumentado  desde  1945,  não  está  claro  que  eles  tenham  aumentado 
significativamente mais depressa do que numa ou duas gerações anteriores. Além disso, tanto 
quanto os avanços tecnológicos dos anos do após‐guerra apóiam‐se numa base científica, trata 
de  uma  base  química  e  elétrica  que  remonta  a  um  século  atrás,  ou  mais  até...  Que  provas 
incontestáveis existem de uma ligação, durante esses anos, entre a ciência, num extremo, e a 
expansão  econômica,  no  outro?  A  resposta  é:  não  muitas  e,  mesmo  assim,  irregulares. 
Praticamente, o melhor que se pode fazer é apontar para uma correlação entre os gastos com 
P&D e as taxas de crescimento das diferentes indústrias”. 
Foi  postulado  que  o  “ciclo  virtuoso  dos  anos  dourados”  se  estruturou  a  partir  da  “sinergia 
entre  os  aumentos  de  produtividade,  dos  salários  reais  e  da  geração  de  empregos”.  Para 
Mattos, “a associação de fatores técnico‐produtivos (oligopolização dos mercados, ganhos de 
escala, investimentos frente à demanda, preços rígidos à baixa, rentabilidade e produtividade 
crescente  nos  setores  líderes,  vendas  em  ascensão)  com  fatores  políticos  (salários  reais 
crescentes,  definidos  no  âmbito  das  negociações  coletivas  entre  capital  e  trabalho),  fatores 
sociais  (Estado  transferindo  renda  para  os  excluídos  do  mercado  de  trabalho  organizado  e 
investido  na  área  social)  e  institucionais  (moeda‐crédito  internacional  estável  e  abundante) 
gerou um ciclo virtuoso de crescimento durante mais de vinte anos”. 
A  “escola  da  regulação”  francesa  preferiu  concentrar‐se  nos  elementos  “estatísticos”,  ou  de 
adaptação,  do  capitalismo,  a  partir  do  estudo  de  Michel  Aglietta,  Régulation  et  Crise  du 
Capitalisme,  centrado  no  caso  norte‐americano.  O  chamado  “regime  de  acumulação” 
explicaria  a  adaptabilidade  do  capitalismo  a  situações  históricas  diversas.  O  “fordismo”  seria 
baseado  na  produção  em  massa  de  produtos  homogêneos,  utilizando  a  tecnologia  rígida  da 
linha  de  montagem,  com  máquinas  especializadas  e  rotinas  de  trabalho  padronizadas 
(taylorista).  Conseguia‐se  uma  maior  produtividade  através  das  economias  de  escala,  assim 
como  da  desqualificação,  intensificação  e  homogeneização  do  trabalho.  Isto  dera  origem  ao 
trabalhador  de  massa,  organizado  em  sindicatos  burocráticos,  que  negociam  salários 
uniformes  que  crescem  em  proporção  aos  aumentos  na  produtividade.  Os  padrões  de 
consumo homogêneos refletiriam a homogeneização da produção, e forneceriam um mercado 
para  os  bens  de  consumo  padronizados,  enquanto  os  salários  mais  altos  ofereceriam  uma 
demanda  crescente  para  fazer  face  à  oferta  crescente.  O  equilíbrio  geral  entre  a  oferta  e  a 
procura  fora,  assim,  atingido  por  meio  de  políticas  keynesianas,  enquanto  o  equilíbrio  geral 
entre salários e lucros se alcançaria através de acordos coletivos supervisionados pelo Estado. 
A  educação,  treinamento,  socialização,  do  operariado  de  massa  fora  organizada  através  das 
instituições de massa de um Welfare State burocrático. Coletivamente, estas instituições, que 
surgiram  na  década  de  1950,  definiram  um  círculo  virtuoso  de  nível  de  vida  crescente  e 
produtividade crescente, salários em aumento e lucros em aumento, estabilidade econômica e 
harmonia social. 
A  expansão,  na  verdade,  não  se  baseou  no  livre  e  espontâneo  desenvolvimento  das  forças 
produtivas  capitalistas,  mas  na  intervenção  externa  do  Estado,  como  consumidor  e  como 
financiador  do  consumo,  seja  do  consumo  pessoal  nos  velhos  países  capitalistas  ou  da 
industrialização artificial das nações atrasadas. A primeira experiência em grande escala deste 
tipo  tinha  tido  lugar  nos  EUA  na  década  de  1930,  como  meio  para  tirar  a  economia  norte‐
americana da depressão, e tinha sido consagrada teoricamente pela “teoria” keynesiana que, 
fazendo da necessidade virtude, glorificou a política intervencionista ex post facto.  
Segundo a crença geral, como notou a “escola da regulação”, nos EUA, o que devia fazer‐se era 
aumentar  os  salários  na  indústria  em  geral.  O  maior  poder  de  compra  que  isto  gerava 
constituiria  o  mercado  necessário  para  a  recuperação  e  para  estimular  os  empresários  a 
aumentar a produção e a ocupação. Segundo John Estay: “Este ponto de vista encontrava um 
grande  apoio  popular,  e  era  a  panacéia  favorita  para  restabelecer  os  bons  tempos.  Foi 

29
 

prontamente  aceita  pelos  políticos  e  de  forma  entusiasta  pelos  líderes  operários.  Teve  um 
papel importante na política econômica do New Deal, enormemente influenciada pelos pontos 
de vista dos teóricos do subconsumo. Encontrou sua expressão concreta na política de salários 
da Lei de Recuperação Nacional da Indústria, na Lei de  Salários e Horas que estabeleceu  um 
mínimo de salários e um máximo de horas e na ajuda prestada pelo New Deal à recuperação e 
expansão dos sindicatos”. 
A  intervenção  do  Estado  na  política  salarial,  generalizada  nos  países  capitalistas  no  segundo 
pós‐guerra,  exigiu  um  grau  inédito  de  integração  dos  sindicatos  ao  Estado  (e  reforçou  a 
“aristocracia operária” nos países imperialistas). A intervenção estatal como garantia do ciclo 
do  capital  em  seu  conjunto  foi  particularmente  marcante  na  Europa,  onde  o  primeiro 
problema que se apresentou no pós‐guerra foi o de reparar as devastações produzidas durante 
o  conflito.  Em  todo  o  continente  a  destruição  material  havia  sido  enorme  e  havia  existido 
muito pouco investimento neto. Ao mesmo tempo havia existido tal progresso nas técnicas e 
produtos  industriais  durante  a  guerra,  especialmente  nos  EUA,  que  voltar  simplesmente  aos 
esquemas  pré‐bélicos  teria  deixado  a  Europa  a  mercê  dos  EUA  nos  aspectos  econômicos 
tradicionais,  e  do  “novo  gigante  russo”  nos  militares.  Era  particularmente  importante  ‐  e 
custoso  ‐  modernizar  os  serviços  básicos  de  transporte  e  de  energia,  dos  quais  dependia  a 
recuperação  (eles  haviam  protagonizado  os  debates  sobre  a  propriedade  pública  antes  da 
guerra)  e  coordená‐los  a  nível  nacional.  Esses  setores  foram  objeto  da  primeira  onda  de 
nacionalizações que ocorreu depois da guerra. 

“Trinta anos gloriosos”: Indonésia 

O Caminho para a Crise 
Mas, em 1966‐65, os índices oficiais da economia norte‐americana, representativos dos lucros, 
das  reservas  internacionais,  da  utilização  da  capacidade  instalada,  do  nível  de  emprego, 
atingiram seu ponto de inflexão. No qüinqüênio de 1965‐66 a 1970‐71, a taxa de utilização da 
capacidade instalada nos EUA caiu 23%, e a taxa de desemprego subiu 29%; os lucros também 
caíram vertiginosamente. Nos países da OCDE, a capacidade ociosa da indústria foi de 30% em 
média; as horas trabalhadas caíram 15%, a produtividade industrial diminuiu 5%, a produção 
industrial contraiu‐se 15%, a demanda interna desceu 2%, o comércio exterior retraiu‐se 10%, 
as  taxas  de  juros  bateram  recordes  e  os  preços  ao  consumidor  aumentaram  15%  em  média. 
Um  regime  de  padrão‐ouro  (ou  padrão  ouro‐dólar)  condenava  os  preços  a  quedas 
extremamente severas, enquanto durasse a fenda crescente entre a produtividade do trabalho 
em estagnação nas minas auríferas e a produtividade do trabalho em rápida expansão no resto 
da indústria: a expansão capitalista estava paralisada pelo valor elevado do ouro e os preços‐
ouro cada vez mais baixos da maior parte das mercadorias.27 
A economia capitalista internacional conhecia uma "crise de liquidez internacional". Antes de 
1940, a totalidade das reservas de troca de todos os países era mais ou menos igual ao valor 
das importações anuais mundiais. Em 1964, estas reservas (das quais somente 60% em ouro) 
                                                            
27
 Tendência secular: desde a I Guerra Mundial, se eliminada a inflação internacional, expressos em ouro, os preços 
da maioria das mercadorias baixaram de maneira considerável. 

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não  representavam  já  mais  do  que  43%  das  importações  mundiais.  Segundo  Solomon:  “A 
grave queda do superávit comercial dos EUA em 1968 foi disfarçada por uma enorme melhoria 
nas contas de capital”. A degradação das contas americanas era iminente; para financiar este 
déficit o governo dos EUA começou a ampliar a emissão de dólares, criando problemas para os 
demais  países  que  tinham  que  emitir  moeda  para  continuarem  sobre  a  premissa  de  câmbio 
fixo. Tais aumentos de emissões acabaram por criar fortes pressões inflacionárias: “O período 
de 1965 a 1971 foi turbulento, revelando a necessidade de uma reforma no sistema monetário 
internacional, e contribuiu em elevado grau para apressar o processo de crise”. 
O  estabelecimento  de  um  duplo  preço  do  ouro  (o  mercado  livre  particular,  e  o  preço  pago 
pelos bancos centrais) em março de 1968, marcou uma primeira etapa do abandono do preço 
de  35  dólares  por  onça,  estabelecido  em  1934.  Esta  reforma  procurava  expressar  a  inflação 
generalizada,  sem  suprimir  seus  motivos.  Os  preços  subiram  (em  papel‐moeda),  enquanto  o 
preço do ouro permaneceu estável. No mesmo período se registrou um forte desenvolvimento 
da  produtividade  do  trabalho  em  quase  todos  os  ramos  industriais,  sem  que  se  tivesse 
produzido nada de equivalente na indústria do ouro. A expectativa em um aumento no preço 
do  ouro  (isto  é,  uma  desvalorização  do  dólar)  estimulou  o  entesouramento  durante  alguns 
anos. Em 1966 e 1967 o equivalente de toda a produção de ouro do mundo capitalista entrou 
mais nos cofres dos especuladores do que nas reservas dos bancos centrais. 
A  baixa  no  valor  das  mercadorias  em  relação  ao  valor  do  ouro  exprimia‐se  numa  alta 
acentuada dos seus preços: o papel‐moeda se encontrava em estado de inflação pronunciada. 
O aumento do preço do ouro era uma desvalorização geral de todas as moedas relacionadas 
com o padrão‐ouro. Era, para o imperialismo norte‐americano, uma desvalorização do dólar, 
principalmente em relação a divisas como o marco alemão, o franco suíço, e até o yen e a lira 
italiana. A camada industrial da burguesia dos EUA podia, com esta virada, reduzir a enorme 
diferença dos seus gastos salariais em relação aos dos seus concorrentes imediatos e, por essa 
via,  fazer  parar  a  alta  inquietante  das  importações  para  o  mercado  norte‐americano,  ao 
mesmo tempo estimulando as exportações americanas.  
A  posição  privilegiada  que  o  dólar  ocupara  durante  duas  décadas  no  sistema  monetário 
internacional  refletia  a  situação  excepcional  da  economia  norte‐americana  e  a  força  do  seu 
imperialismo  no  sistema  capitalista  internacional.  Esta  situação  modificou‐se  gradualmente, 
com o declínio relativo dos EUA: a sua supremacia internacional sofria abalos. O superávit do 
comércio  exterior,  de  cerca  de  US$  5  bilhões  em  1960,  despencara  para  um  nível  dez  vezes 
menor em 1969. As saídas de capitais, que em 1965 eram de US$ 5,7 bilhões, foram do dobro 
em 1969. O alarme tocou: a reserva de ouro dos EUA era menor que o volume de dólares em 
circulação fora do país. Europa e Japão viviam períodos de forte crescimento, se fechavam a 
mercadorias  dos  EUA  e  viravam  concorrentes.  Os  EUA  também  arcavam  com  o  grosso  das 
despesas  da  "segurança"  (guerra  fria).  Participaram  da  guerra  da  Coréia,  mantinham  tropas 
nos  principais  pontos  de  conflitos  potenciais  e  estavam  prestes  a  se  envolver  na  longa  e 
desastrosa  aventura  do  Vietnã.  Nas  eleições  presidenciais  de  1960,  com  a  chance  de  o 
democrata  John  Kennedy  vencer  o  republicano  Richard  Nixon,  os  investidores  internacionais 
ensaiaram uma corrida ao ouro, vendendo dólares. Esboçava‐se o caminho que levaria Nixon a 
suspender a conversibilidade do dólar. 
Não  se  podia  planificar  globalmente  a  moeda  à  escala  mundial,  à  esfera  da  circulação,  sem 
planificar simultaneamente a produção. A combinação de uma "moeda dirigida" e a anarquia 
da produção conduziu a uma inflação permanente em todos os países imperialistas. A crise do 
sistema monetário internacional passou, por isso, a expressar a perspectiva de uma crise geral, 
com convulsões que se sucederam a um ritmo cada vez mais acelerado: crise da libra esterlina 
seguida  da  sua  desvalorização  em  novembro  de  1967;  crise  do  dólar  em  março  de  1968, 
seguida do estabelecimento do duplo preço do ouro; crise do franco francês, acompanhada da 
sua desvalorização dissimulada, revalorização do marco alemão e nova crise da libra esterlina 

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em novembro de 1968.  A causa da inflação em dólar era o conjunto das medidas tendentes a 
evitar uma crise econômica catastrófica: a política de armamento e de guerra, o aumento dos 
créditos  no  sector  privado,  o  endividamento  crescente  do  Estado,  das  empresas  e  dos 
particulares.  
Havia, portanto uma contradição entre o dólar, instrumento anti‐cíclico nos EUA e no mundo 
capitalista, por um lado, e moeda de  reserva do sistema monetário internacional, por outro; 
entre  o  dólar,  meio  de  troca  internacional,  e  o  dólar,  meio  de  pagamento  internacional:  no 
primeiro papel, o dólar deveria ser tão abundante quanto possível, no segundo, deveria ser tão 
estável  quando  possível.  Os  que  vendiam  e  compravam  produtos  aos  EUA  estavam 
interessados em um abastecimento abundante, até mesmo inflacionista, em dólares. Mas os 
que possuíam bens em dólares (obrigações públicas e privadas, depósitos bancários, títulos de 
seguros)  estavam  interessados  na  estabilidade  do  poder  de  compra  do  dólar.  Os  bancos 
centrais  em  todo  o  mundo  e  a  maior  parte  dos  bancos  particulares  encontravam‐se  na 
segunda  categoria;  grande  parte  dos  monopólios  industriais  estava  incluída  na  primeira 
(sobretudo quando endividados em dólares). 
Segundo Robert Brenner, “o declínio do dinamismo do mundo capitalista desenvolvido esteve 
enraizado numa forte queda das taxas de lucro, causada pela crônica tendência para a criação 
de sobre‐capacidade no setor industrial mundial, que recua ao período do final dos anos 1960 
e início dos anos 1970”. O desemprego aumentou de 3,5% em finais de 1969 para 5% no verão 
de 1970. Por todo o ano de 1971, o desemprego girou em torno de 6,3 e 6,6% à medida que a 
produção  real  declinava  lentamente  sob  a  política  de  “gradualismo”  seguida  pelo  governo 
Nixon.  Mas  o  ímpeto  altista  dos  preços  e  salários  continuou,  apesar  da  economia 
relativamente frouxa e a elevada taxa de desemprego. Os preços ao consumidor subiram cerca 
de  6%  em  1970  e  mais  4%  em  1971.  No  qüinqüênio  posterior  (1970‐71  a  1975‐76)  os  lucros 
subiram muito em relação aos salários e a utilização da capacidade instalada cresceu 10%, mas 
o desemprego continuou crescendo, em 35%. 
A  exacerbação  da  luta  de  classes  acompanhou  a  tendência  para  a  crise,  e  a  acentuou.  Nos 
primeiros  vinte  anos  de  pós‐guerra,  apesar  da  forte  expansão  da  produção,  a  reconstituição 
contínua do exército de reserva industrial permitiu  a manutenção de uma taxa de mais‐valia 
bastante elevada. Os salários reais aumentavam com mais lentidão que a produtividade física. 
Os  lucros  seguiam  sendo  elevados,  apesar  do  aumento  da  composição  orgânica  do  capital. 
Tudo  parecia  caminhar  no  melhor  dos  mundos.  No  início  da  década  de  sessenta,  a  situação 
começou  a  mudar.  O  exército  de  reserva  industrial  começa  a  diminuir  estruturalmente  (em 
alguns  países,  a  emigração  e  a  expansão  vertiginosa  do  emprego  no  setor  de  serviços  foram 
sua causa determinante; em outros, a própria amplitude da expansão industrial). 
Os operários começaram a recuperar o atraso na divisão do bolo da prosperidade. Os salários 
reais aumentaram mais rápido do que a produtividade física. A taxa de mais‐valia começou a 
baixar.  Com  o  incremento  da  composição  orgânica  do  capital,  a  taxa  de  lucros  se  inclinou 
perigosamente. Grã‐Bretanha, onde o pleno emprego havia sido alcançado e mantido tempo 
antes,  antecedeu  estas  mudanças.  Abriu‐se,  ao  mesmo  tempo,  uma  fase  de  competição 
internacional exacerbada e de luta de classes acentuada. Cada potência imperialista tratou de 
recuperar  no  mercado  mundial  o  que  perdia  no  mercado  interno  (o  que  mais  se  expandiu 
foram as exportações alemãs e japonesas). Cada potência imperialista tratou de impor à sua 
própria classe operária os gastos da corrida pelas exportações, mediante políticas de salários, 
limitações voluntárias, impostos sobre os salários, e limitações do direito de greve. 
Em meados da década de 1970, finalmente, se produziu a primeira queda da produção desde 
1945:  nos  EUA,  em  1974,  a  produção  caiu  10,4%,  a  capacidade  ociosa  foi  até  32%  e  o 
desemprego  situou‐se  na  casa  dos  9%.  Nas  “recuperações”  posteriores,  essas  quedas  não 
foram  reabsorvidas.  O  resultado  final  da  fase  de  expansão  mundial  seria  o  fim  da 

32
 

conversibilidade do dólar, a ameaça de perda da hegemonia industrial dos EUA, o novo papel 
mundial da Alemanha e do Japão,28 a crise fiscal do Estado norte‐americano, a desvalorização 
do  dólar,  a  inflação  nos  países  centrais,  a  expansão  de  um  sistema  monetário  internacional 
privado (eurodólares). A falta de rentabilidade do capital e a não realização da mais‐valia fazia 
com que o ciclo acumulação capitalista não se cumprisse. Foi nos anos 1970 que se produziram 
as duas grandes recessões capitalistas: de 1973 à 1975, chamada de “choque do petróleo”, e a 
segunda em 1979, atingindo seu ponto mais alto em 1981, chamada de “segundo choque do 
petróleo”. 
Desvalorização, Desaceleração e Reação 
A expansão prévia fora possibilitada, menos pelo livre desenvolvimento das forças produtivas 
do  capital,  e  mais  pela  intervenção  extra‐econômica  do  Estado.  A  expansão  longa  do  pós‐
guerra não teria se verificado sem a intervenção de poderosos processos reguladores, mais ou 
menos  intencionais,  que  alguns  chamaram  de  “regulação  monopolista”,  com  a  a  ação 
específica do Estado. Tom Kemp já constatava, em plena expansão de pós‐guerra, os sintomas 
de  parasitismo  na  sua  locomotiva  norte‐americana:  “A  estagnação  relativa  da  economia 
americana  se  deve  a  que  a  própria  natureza  das  relações  capitalistas  se  opõe  à  realização 
completa  das  potencialidades  contidas  no  desenvolvimento  das  técnicas  do  século  XX  nas 
forças  produtivas.  Num  informe  apresentado  ao  Congresso  em  1961,  os  conselheiros 
econômicos da presidência dos EUA notavam que se produzia uma cisão cada vez maior entre 
o  rendimento  real  e  o  rendimento  potencial,  cisão  que  provocava  uma  perda  anual  de  500 
dólares  por  família  americana  (isto  é,  duas  vezes  o  gasto  em  educação).  O  desperdício 
provocado  pelo  regime  capitalista  ainda  assim  é  bem  inferior  ao  aumento  dos  recursos  que 
seria possível num regime de economia planejada”.   
Através dos recursos políticos do Estado e por meio da centralização econômica, o capitalismo 
encontrara  os  meios  para  superar  conjunturalmente  a  crise.  Esses  meios  extra‐econômicos, 
não  obstante,  desnudavam  um  regime  que  sobrevivia  para  além  de  si  mesmo:  não  eram  as 
forças  produtivas  do  capital  que,  desenvolvendo‐se  livremente,  superavam  os  obstáculos  ao 
seu  desenvolvimento,  senão  a  intervenção  de  uma  força  exterior,  do  poder  econômico  do 
Estado,  das  guerras  (Coréia,  Indochina  e  Vietnã,  para  limitarmo‐nos  às  protagonizadas  pelos 
EUA).29  A  intervenção  estatal,  porém,  possui  limites  para  sustentar  a  expansão  do  ciclo  do 

                                                            
28
 A economia da Alemanha ocidental, depois da recessão de 1966‐67, encontrou‐se numa situação privilegiada. Os 
preços  permaneceram  praticamente  estáveis,  sua  capacidade  concorrencial  aumentou  em  relação  aos  seus 
concorrentes "naturais", Grã‐Bretanha, Japão, França e Itália, e mais ainda em relação aos EUA: de junho de 1965 a 
junho de 1969, o índice dos preços de consumo aumentou de 7 pontos na Alemanha, de 9 na Itália, de 10 nos EUA, 
de 12 na França e de 14 na Grã‐Bretanha. Na Alemanha, a taxa de crescimento da massa monetária total, de 1962 a 
1967, manteve‐se só 5% por cima da taxa de crescimento do PIB, enquanto em França a mesma alcançou 15%. Os 
encargos  militares  e  improdutivos  na  Alemanha  que  eram  bastante  mais  fracos  do  que  os  de  qualquer  grande 
potência  imperialista,  isto  é,  o  mecanismo  interno  da  inflação  automática  era  mais  moderado  do  que  nas  outras 
potências. Finalmente, o marco alemão não era moeda de reserva e, por isso, estava mais ao abrigo do que outras 
divisas de futuros movimentos especulativos: os capitais que se afastaram do franco francês e da libra esterlina se 
orientaram para a Alemanha. 
29
  A  Guerra  da  Coréia  impôs  a  divisão  do  país,  que  perdura  até  hoje.  Na  Indochina,  o  decadente  imperialismo 
francês  lutava  contra  a  organização  nacionalista  indochinesa  Vietminh  (Liga  para  a  Independência  do  Vietnã), 
nascida  em  1941  na  resistência  à  ocupação  japonesa.  Somente  depois  da  derrota  francesa  em  Dien  Bien  Phu,  os 
franceses  aceitaram  negociar  uma  “independência”,  que  dividiria  o  país,  constituindo  o  Vietnã  do  Norte 
independente  e  o  Vietnã  do  Sul,  uma  monarquia  sob  influencia  francesa  e  americana.  Na  década  de  1960,  o 
“pacifista” John Kennedy passou a enviar “especialistas militares” para “assessorar” o exército do Vietnã do Sul. Seu 
sucessor, Lyndon Johnson, aumentou a escalada de guerra. Em agosto de 1964, o incidente do Golfo de Tonquim 
(uma  provocação  dos  EUA)  justificaria  a  intervenção  maciça.  A  guerra  custaria  mais  de  um  milhão  de  vidas 
vietnamitas e a morte 47 mil soldados americanos; outros 313 mil ficaram feridos, a um custo de US$ 200 bilhões. A 
guerra só terminou em 1975, depois de intervenções dos EUA no Camboja e no Laos. Os EUA, no entanto, tinham 
saído, oficialmente, da guerra em 1973. A lista de crimes cometida nesses países, sob ordem direta do Secretario de 
Estado  Kissinger,  foi  quase  interminável:  torturas,  assassinatos,  envenenamento  massivo  por  meio  do  agente 

33
 

capital. O gasto armamentista, de fato, mantém a demanda agregada, mas, em última análise, 
utiliza  a  mais‐valia  improdutivamente.  Há  cada  vez  menos  mais‐valia  disponível  para  as 
crescentes exigências de renovação e expansão de capital constante, circulante e fixo. O limite 
da “economia mista” era o ponto em que os gastos governamentais se apropriavam de uma 
parte tão grande do valor, que muito pouco ficava disponível para continuar a acumulação de 
capital privado.   

 
Secretário de Estado Henry Kissinger, o intelectual bombardeador 

Para Gianfranco Pala, “o contraste começou a se manifestar nos EUA a partir da metade dos 
anos  1960.  Por  volta  de  1965‐66  alguns  índices  relevantes  da  economia  americana,  como  as 
relações  lucros‐salários  e  vendas‐insumos,  ou  a  utilização  dos  investimentos,  atingiram  seu 
ápice.  Em  1970‐71  esses  mesmos  índices  recomeçaram  a  aumentar,  indicando  os  primeiros 
sintomas,  incertos  e  provisórios,  da  retomada  do  capital  multinacional  de  base  americana. 
Contemporaneamente,  o  desemprego,  que  em  1966  tinha  atingido  seu  nível  mais  baixo, 
voltava a crescer vertiginosamente nos anos 1970”. No início dos anos 1970, o governo norte‐
americano  buscou  convencer  os  demais  países  a  valorizarem  suas  moedas  de  forma 
coordenada;  assim,  o  dólar  seria  desvalorizado  sem  que  o  preço  oficial  do  ouro  em  dólar 
variasse. Os rivais comerciais, em especial Alemanha e Japão, não aceitaram. Por outro lado, 
os EUA brecaram todas as propostas de reforma monetária que restringisse o papel do dólar 
no  sistema  monetário  internacional.  Empresas  e  investidores  tinham  contraído  empréstimos 
aproveitando as taxas de juros mais altas na Europa do que nos EUA, e passaram o "mico" ‐ os 
dólares  ‐  para  os  bancos  centrais  europeus.  Pelos  acordos  de  Bretton  Woods,  eles  deveriam 
comprá‐los, mas não estavam mais dispostos a fazê‐lo. 
Os lucros das empresas americanas declinaram a partir de 1965, e fracassaram nos seguintes 
15 anos em recuperar seus níveis da década de 1960. O investimento neto anual acompanhou 
essa tendência, caindo de uma média anual de 4% do PIB no período 1966‐70, para 3,1% em 
1971‐75, e 2,9% em 1976‐80. A produtividade também: o aumento médio anual caiu de 2,45% 
no  período  1948‐73  para  0,08%  (!)  no  período  1973‐79.  Par  Michel  Beaud,  também,  os 
elementos  já  estavam  presentes  no  final  da  década  de  1960  sob  a  forma  de  “aumento  dos 
custos, saturação dos mercados, acentuação da concorrência, o que criava a tendência para a 
queda da rentabilidade (com o) esgotamento dos esquemas de acumulação dos anos 50 e 60 
(saturação dos mercados e resistência do mundo do trabalho)”. E foi a partir dos sintomas de 
crise  acumulados  desde  a  década  de  1960  que  os  EUA  começaram  a  quebrar  a  “ordem 
econômica internacional” no sentido da “desregulamentação”: o suposto “neoliberalismo” da 
década de 1980 afundou as suas raízes no “regulacionismo” da década de 1960.  

                                                                                                                                                                              
laranja, incêndio de aldeias usando Napalm, etc., e motivaram a abertura de  processos criminais contra Kissinger 
em  diversos  países  Depois  da  ofensiva  vietcong  do  Tet,  em  1968,  a  imprensa  e  a  opinião  pública  americana 
passaram a considerar a derrota como uma possibilidade real; a juventude norte‐americana passou maciçamente 
para o campo da oposição à guerra, protagonizando uma das maiores batalhas políticas do país, que influenciou a 
vida e a cultura de toda uma geração. 

34
 

Para Fred Block, os EUA “passo a passo romperam as regras da antiga ordem e obrigaram ou 
forçaram  outros  países  a  rompê‐las.  O  rompimento  das  regras  era  considerado  necessário  a 
cada  passo,  para  salvar  o  sistema  monetário  internacional  de  uma  crise  ainda  maior.  A 
primeira  alteração  importante  das  regras  foi  a  criação  da  reserva  comum  de  ouro  em  1961, 
que livrava os EUA de uma parte da responsabilidade pela manutenção do preço do ouro ao 
nível de 35 dólares a onça. O passo seguinte foi a renúncia unilateral dos EUA da obrigação de 
prover  ouro  a  compradores  privados  ao  preço  de  35  dólares  a  onça,  em  1968.  Três  anos 
depois, produziu‐se a decisão de fechar o guichê do ouro também aos compradores oficiais. Os 
EUA renunciaram igualmente a suas obrigações informais como país de moeda de reserva ao 
obstruir  o  acesso  aos  seus  mercados  de  capitais;  e  a  imposição  de  um  aumento  tarifário  de 
10%  sobre  as  importações,  em  agosto  de  1971,  foi  uma  violação  flagrante  das  regras  que 
governavam  o  comércio  internacional.  Por  último,  os  EUA  foram  em  grande  medida 
responsáveis pela última violação importante das regras, a suspensão do regime de taxas de 
câmbio fixas”.  

Presidente Richard Nixon, o inquisidor desvalorizador 

Em  agosto  de  1971,  os  EUA  deram  o  golpe  de  graça  na  “ordem  econômica”  elaborada  em 
1945, quebrando a conversibilidade ouro/dólar, e criando as condições para a crise de 1973‐
75.  Sem  consultar  os  demais  países,  o  governo  Nixon  acabou  com  a  conversibilidade  do 
dólar.30  O  modelo  que  tinha  permitido  aos  EUA  financiarem  a  reconstrução  do  capitalismo 
mundo, receber rendas do mundo inteiro, cobrar juros de todos, no seu papel de  banqueiro 
mundial,  chegara  ao  esgotamento.  A  quebra  da  conversibilidade  atendeu  menos  às 
necessidades  de  um  setor  específico  da  burguesia  ianque,  do  que  às  necessidades  gerais  do 
Estado norte‐americano. 
Por 26 anos, desde a conferência de 1945, os EUA haviam mantido o compromisso de oferecer 
reservas  em  ouro  como  lastro  para  o  dólar.  Ao  longo  dos  26  anos  anteriores  à  decisão  de 
Nixon, o mundo fora irrigado de dólares. Nixon corria o risco de ter de honrar uma corrida por 
resgates de dólares em ouro. Nas palavras de Hobsbawm: “O dólar, moeda‐chave da economia 
mundial do pós‐guerra planejada e garantida pelos EUA, enfraqueceu. Em teoria apoiado pelos 
lingotes  de  Fort  Knox,  que  abrigava  quase  três  quartos  das  reservas  de  ouro  do  mundo,  na 
prática consistia sobretudo em dilúvios de papel ou moeda contábil ‐ mas como a estabilidade 
do  dólar  era  garantida  por  sua  ligação  com  determinada  quantidade  de  ouro,  os  cautelosos 
europeus, encabeçados pelos ultra‐cautelosos franceses de olho, no metal, preferiram trocar 
papel potencialmente desvalorizado por sólidos lingotes. O ouro, portanto, rolou do Fort Knox, 
                                                            
30
  Richard  Nixon,  após  reunir‐se  com  seus  assessores  na  residência  de  Camp  David,  anunciou  que  suspendera  a 
conversibilidade  do  dólar  em  ouro.  Rondando  as  decisões  de  Camp  David  estavam  inflação  em  alta,  os  estragos 
políticos  e  econômicos  causados  pela  guerra  no  Vietnã,  greves,  a  perda  violenta  de  competitividade  do  parque 
industrial americano, um crônico déficit público e o primeiro déficit comercial do país desde 1893.Terminara a era 
em  que  os  EUA  podiam  ser  "a  vaca  leiteira  de  todo  o  mundo",  disse  seu  Secretário  de  Estado.  Pela  TV,  Nixon 
anunciou um pacote de congelamento de preços e salários, restrição a importações e alívio fiscal, ao mesmo tempo 
em  que  rompia  com  os  compromissos  de  Bretton  Woods.  Combinou  apelos  ao  nacionalismo  com  suspeitas 
paranóicas de conspiração contra o dólar: "Essa medida não conquistará amigos entre os traficantes de dinheiro." 
Batizou  seu  pacote  de  "Nova  Política  Econômica"  e  qualificou‐o  de  “mais  importante  conjunto  de  medidas 
econômicas desde 1933” (ano do New Deal). 

35
 

o  preço  aumentando  com  o  crescimento  da  demanda.  Durante  a  maior  parte  da  década  de 
1960, a estabilidade do dólar, e com ela a do sistema de pagamento internacional, não mais se 
baseava nas reservas dos EUA, mas na disposição dos bancos centrais europeus ‐ sob pressão 
americana ‐ de não trocar seus dólares por ouro, e entrar num "Pool do Ouro" para estabilizar 
o preço do metal no mercado. Isso não durou. Em 1968 o "Pool do Ouro", esgotado, dissolveu‐
se.  De  fato,  acabou  a  conversibilidade  do  dólar.  Foi  formalmente  abandonada  em  agosto  de 
1971, e com ela a estabilidade do sistema de pagamentos internacional, e chegou ao fim o seu 
controle pelos EUA ou por qualquer outra economia nacional”. 
A  maior  parte  das  moedas  tornou‐se  flutuante,  e  foi  apenas  com  o  Smithsonian  Agreement, 
celebrado em Washington a 18 de dezembro de 1971, que foi oficializada uma desvalorização 
de 7,89% do dólar, fixando o preço da onça troy do ouro em 38 dólares. Essa decisão trouxe 
um reajuste geral das moedas, enquanto que as margens de flutuações cambiais, fixadas em 
1% quando dos acordos de Bretton Woods, passavam a 2,25%. O dólar ficava inconversível; a 
parte do estoque de ouro dos EUA já era de só 28% do estoque mundial (contra mais de 60% 
ao finalizar a II Guerra Mundial) e o déficit do seu balanço de pagamentos atingia 23,5 bilhões 
de  dólares.  Ao  quebrarem  a  conversão  automática  do  dólar  em  ouro,  os  EUA  obrigaram  os 
países que tinham dólares acumulados a guardá‐los (já que não poderiam mais ser convertidos 
em  ouro)  ou  vendê‐los  no  mercado  livre  (em  geral  com  prejuízo).  Em  março  de  1973 
praticamente todos os países tinham desistido de fixar o valor de suas moedas em ouro, e a 
flutuação cambial tinha se firmado como padrão mundial. O preço do ouro não parou de subir 
durante toda década de 1970, alcançando o recorde em janeiro de 1980: US$ 873 a onça.31 
Após a pancada de Nixon, o sistema monetário vivera de crise em crise. Em dezembro de 1971, 
um acordo entre os principais países desenvolvidos ampliara a faixa de flutuação cambial para 
2,25%.  O  golpe  derradeiro  em  Bretton  Woods  veio  com  uma  nova  desvalorização  do  dólar 
frente  ao  ouro,  em  fevereiro  de  1973.32  Em  discurso  em  26  de  abril  de  1973,  John  Connaly, 
secretário  do  Tesouro  dos  Estados  Unidos,  resumiu:  “A  era  de  supremacia  americana  nas 
finanças  internacionais,  que  começou  na  Segunda  Guerra  Mundial,  já  terminou.  O  sistema 
monetário e comercial que proporcionou a base para a era de pós‐guerra desmoronou‐se. Não 
adianta  nos  enganarmos,  dizendo  que  foi  apenas  abalado,  que  o  reconstruiremos.  Ele 
desapareceu para sempre”. 
Tivemos então uma fase inflacionária nos “países desenvolvidos” (Niall Ferguson chamou‐a de 
“Grande  Inflação”),  que  se  deslocou  para  a  periferia,  e  a  partir  dos  anos  1990  uma  fase 
deflacionista. Até 1973, os EUA exportavam pouco menos de 8% do seu PIB. As taxas médias 
anuais de crescimento da economia mundial acumuladas no período 1950‐73 foram de 4,9 %, 
em contraste com o período 1973‐92: 3,0 %.  
A crise da fase expansiva do pós‐guerra, e da ordem econômica internacional correspondente, 
foi  explicada  pelo  esgotamento  do  exército  industrial  de  reserva  nos  países  centrais,  o 
acirramento da concorrência entre eles e o das lutas sociais, combinados às crises do sistema 
monetário internacional, que levaram à estabilização das taxas de mais‐valia e à queda da taxa 
de lucros (apesar da crescente automação). 

                                                            
31
  Depois,  durante  a  maior  parte  dos  anos  1980  e  1990  o  ouro  manteve  um  discreto  comportamento,  sempre 
abaixo da faixa dos US$ 300. 
32
  Terminado  o  regime  de  taxas  de  câmbio  fixas,  o  FMI  concordou  em  estabelecer  um  regime  em  que  cada  país 
membro definisse o valor da sua moeda em relação às demais segundo um de vários métodos possíveis: indexação 
em  relação  a  uma  outra  moeda,  flutuação  livre  (free  float),  flutuação  administrada  (managed  ou  dirty  float)  ou 
movimento intimamente relacionado com o de outra moeda. A maioria de países (uns 50) utiliza o regime de taxa 
de câmbio flexível, seguindo o regime de taxas administradas (cerca de 45). Cerca de 40 países têm a sua moeda 
pegged a outra, seja o dólar ou o franco. 

36
 

 
Uma  “nova  ordem”  deveria  surgir  da  nova  onda  de  desenvolvimento  capitalista,  que 
combinasse  a  revolução  tecnológica  na  área  da  informação,  centrada,  sobretudo,  nos  EUA 
(fazendo surgir os setores da “nova economia”), com a universalização do mercado capitalista 
mundial,  através  da  incorporação  do  “socialismo  real”.  Com  isso,  os  mesmos  fatores  que 
levaram  à  queda  da  taxa  de  lucros  na  fase  precedente  levariam  a  uma  nova  onda  da 
reprodução  capitalista:  revolução  da  produtividade  do  trabalho,  elevação  da  taxa  de  mais‐
valia,  barateamento  do  capital  constante,  redução  do  tempo  de  rotação,  através  do 
desenvolvimento  do  setor  terciário  (computação,  telecomunicações),  combinados  à  redução 
da  composição  orgânica  do  capital.  Simultaneamente,  o  “plano  Kissinger”  elaborava  uma 
resposta  dos  EUA  ao  entrelaçamento  da  crise  econômica  mundial  com  a  crise  política  do 
imperialismo norte‐americano.  
Na  América  Latina,  “quintal”  histórico  dos  EUA,  as  ditaduras  militares  surgidas  na  década  de 
1970  não  se  distinguiram  apenas  por  um  grau  muito  maior  de  brutalidade  do  que  as 
precedentes, mas também pela militarização da economia e por um entrosamento direto com 
os EUA nas operações repressivas (”Plano Condor”). O intervencionismo militar e político dos 
EUA  multiplicou‐se  em  todo  o  mundo,  do  Sudeste  asiático  (Vietnã  –  onde  o  Estado  norte‐
americano gastou mais de us$ 200 bilhões ‐, Laos, Camboja) até Oriente Médio, em especial no 
conflito árabe‐israelense.33 

                                                            
33
  O  escritor  conservador  Christopher  Hitchens  (em  The  Trial  of  Henry  Kissinger)  denunciou  a  culpabilidade  do 
Secretário de Estado em crimes contra a humanidade, de Camboja até o Chile, descrevendo seu personagem como 
“um oportunista, um criminoso de luvas brancas e um traficante de comissões ocultas que fez pactos com os piores 
ditadores”. A acusação se sustenta em documentos dos gabinetes de Nixon e Kissinger, que provam a colaboração 
entre Washington e as ditaduras no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai, os países que formaram parte do 
Plano Condor. Para Hitchens, “a influência dos EUA na América Latina durante a década de 1970 foi criminosa”. As 
“façanhas” de Kissinger foram do Vietnã até Camboja, passando por Chile, Bangladesh, Grécia e Timor Oriental, mas 
sempre com o apoio da administração da “democracia americana”, para a qual ele fez o “trabalho sujo”. A falência 
financeira do Estado na América Latina foi o resultado das ditaduras militares, e a “herança” aceita pelos governos 
civis  que  os  substituíram  a  partir  de  meados  da  década  de  1980.  As  “democracias”  latino‐americanas  se 

37
 

Crise do Fordismo? 
Nas metrópoles capitalistas, para Fernando Mattos, “muitos acordos coletivos deixaram de ser 
renovados  e  os  salários,  diante  da  nova  realidade,  deixaram  de  ser  vistos  como  fonte  de 
demanda  global  e  passaram  a  ser  encarado  como  custo  pelas  empresas.  Esta  reversão  da 
expectativa  e  as  mudanças  de  mentalidade,  geradas  pela  nova  conjuntura,  representaram  a 
falência da perspectiva keynesiana que predominou durante os ‘anos dourados’”. 
Os  regulacionistas  ensaiaram  uma  explicação  para  esse  processo.  Com  a  crise  do  “modelo” 
fordista  surgiam  novos  métodos  de  produção:  “A  subseqüente  crise  do  fordismo  leva  à 
fragmentação econômica, social e política da qual deve surgir um novo regime ‘pós‐fordista’. À 
medida  que  a  produção  fordista  se  aproxima  de  seus  limites,  surgem  novos  métodos  de 
produção.  A  saturação  dos  mercados  de  massa  leva  a  uma  crescente  diferenciação  dos 
produtos,  com  uma  nova  ênfase  no  estilo  e/ou  na  qualidade.  Produtos  mais  diferenciados 
exigem  turnos  de  trabalho  mais  curtos  e,  portanto,  unidades  de  produção  menores  e  mais 
flexíveis.  Novas  tecnologias  fornecem  os  meios  pelos  quais  se  pode  realizar  vantajosamente 
esta  produção  flexível.  Entretanto,  estas  novas  formas  de  produção  têm  implicações 
profundas.  Uma  produção  mais  flexível  requer  máquinas  mais  flexíveis  e  de  finalidades 
genéricas, e mais operários ‘polivalentes’, altamente qualificados, para operá‐las. Uma maior 
qualificação  e  flexibilidade  exigem  que  os  operários  tenham  um  grau  mais  alto  de 
responsabilidade  e  autonomia.  Uma  produção  mais  flexível  também  requer  formas  mais 
flexíveis de controle de produção, ao passo que relações de produção mais flexíveis requerem 
o desmantelamento das burocracias corporativas.  
“Os interesses de uma força de trabalho mais diferenciada  não podem mais ser eficazmente 
representados  por  sindicatos  e  partidos  políticos  fordistas,  monolíticos  e  burocráticos.  São 
necessários acordos descentralizados para negociar sistemas de pagamento mais complexos e 
individualizados,  que  recompensam  a  qualificação  e  a  iniciativa.  A  diferenciação  dos 
trabalhadores de massa leva ao surgimento de novas identidades que não são mais definidoras 
ocupacionalmente, mas sim articuladas no consumo idiossincrático, em novos estilos de vida e 
novas formas culturais, que reforçam a demanda por produtos mais diferenciados. Tudo isso 
vai corroendo as velhas identidades políticas. As necessidades de bem‐estar, saúde, educação 
e treinamento de uma força de trabalho diferenciada não podem mais ser satisfeitas por um 
Welfare  State  burocrático  e  padronizado,  mas  apenas  por  instituições  diferenciadas,  capazes 
de responder de maneira flexível às necessidades individuais”.  
Para Georges Benko tal crise seria fundada no esgotamento do paradigma tecnológico: “A crise 
do  fordismo  conota  antes  de  tudo  o  esgotamento  do  paradigma  tecnológico  fordista:  esse 
esgotamento  se  manifesta  pela  desaceleração  do  crescimento  da  produtividade,  que,  em 
conexão  com  a  saturação  da  norma  de  consumo  fordista  e  o  desenvolvimento  do  trabalho 
improdutivo (inflação dos ‘custos de organização’ que asseguram, no essencial, a circulação do 
capital  e  a  gestão  estatal  ‘providencial’  da  reprodução  da  relação  capitalista),  resulta  em 
problemas estruturais de rentabilidade”. Segundo David Harvey, a crise do modo de regulação 
fordista revelou‐se, sobretudo, no momento em que as corporações econômicas verificaram a 
existência  de  capacidade  excedente  inutilizável  (sobretudo  fábricas  e  equipamentos  ociosos) 
em  condições  de  intensificação  da  competição,  obrigando‐as  a  racionalizar,  reestruturar  e 
intensificar o controle do trabalho. Nesse movimento, a “mudança tecnológica, a automação, a 
busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de 
controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital 

                                                                                                                                                                              
comprometeram  com  o  pagamento  da  dívida  externa,  enormemente  incrementada  (a  maior  de  todo  o  Terceiro 
Mundo) o que significava transformar América Latina em um pivô da recuperação dos lucros do capital financeiro 
internacional,  especialmente  norte‐americano.  Os  processos  hiper‐inflacionários  seriam  sua  conseqüência, 
marcando as economias latino‐americanas na segunda metade da década de 1980. 

38
 

passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais 
de deflação”.   
Para  os  regulacionistas,  as  crises  estruturais  do  capitalismo  impuseram  a  necessidade  de 
superar soluções de curto prazo, buscando “formas de organização e de estruturas produtivas 
capazes  de  promover  uma  retomada  duradoura  do  crescimento  e  de  criar  empregos”, 
possibilitando a ampliação da acumulação através da flexibilização, produzindo uma forma de 
acumulação denominada  de flexível, que assume cinco formas principais: adaptabilidade dos 
equipamentos na organização produtiva, polivalência dos trabalhadores, enfraquecimento de 
conquistas  trabalhistas,  definição  salarial  individualizada  ou  circunscrita  a  cada  firma  e 
desregulamentação fiscal.  
David Harvey, ao descrever essa situação de acumulação flexível, relacionou‐a ao processo de 
compressão do espaço‐tempo: “A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com 
a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho dos mercados de 
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza‐se pelo surgimento de setores de 
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos 
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadoras de inovação comercial, tecnológica e 
organizacional.  A  acumulação  flexível  envolve  rápidas  mudanças  dos  padrões  do 
desenvolvimento  desigual,  tanto  entre  setores  como  entre  regiões  geográficas,  criando,  por 
exemplo,  um  vasto  movimento  no  emprego  no  chamado  ‘setor  de  serviços’,  bem  como 
conjuntos  industriais  completamente  novos  em  regiões  até  então  subdesenvolvidas.  Ela 
também  envolve  um  novo  movimento  que  chamarei  de  ‘compressão  do  espaço‐tempo’  no 
mundo  capitalista  —  os  horizontes  temporais  da  tomada  de  decisões  privada  e  pública  se 
estreitam,  enquanto  a  comunicação  via  satélite  e  a  queda  dos  custos  de  transporte 
possibilitaram a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado”. 
As  fraquezas  das  explicações  embutidas  na  “regulação”  surgem  do  englobamento  de 
elementos  pertencentes  a  níveis  diversos,  que  vão  do  econômico  ao  político,  passando  pelo 
psicológico,  sociológico  e  institucional.  Não  apresenta  uma  explicação  clara  das  relações 
existentes  entre  as  “relações  sociais”,  as  “formas  institucionais”  ou  as  “estruturas”,  nem  do 
grau  de  importância  de  cada  um  destes  elementos  no  processo  de  regulação.  O  conceito  de 
regulação,  tal  como  é  aplicado  (adaptação  da  produção  à  procura)  traz  em  si  o  conceito  de 
equilíbrio: valoriza as forças “equilibrantes” em detrimento das forças “desequilibrantes” que, 
juntamente com as primeiras, formam uma unidade contraditória e, portanto, inseparável, em 
permanente ação no quadro da economia capitalista. 
Para  além  dos  conceitos  teóricos,  o  que  os  regulacionistas  descreveram  como  etapas 
“fordistas”,  “regimes  intensivos”  o  “regulagens  monopólicas”  são  características  particulares 
do funcionamento do sistema  capitalista, que se baseiam nas relações de propriedade  deste 
regime social, e nas leis de reprodução do capital. Ignorar ou desprezar essa questão faz girar 
todos  os  raciocínios  no  vazio.  A  “regulação”  fragmenta  o  capitalismo  em  normas  e  regimes 
diversos, relativizando primeiro, e omitindo depois, que o capitalismo constitui uma totalidade 
indivisível,  um  modo  de  produção,  historicamente  transitório  e  assentado  na  exploração  do 
trabalho assalariado.  
Não se poderia decompor o capitalismo em fragmentos, nem analisar as “relações salariais”, as 
“relações  mercantis”  e  as  “formas  de  concorrência”  em  si  mesmas,  divorciadas  do  regime 
social que as sustenta. Por esse caminho, a realidade aparecia invertida, o capitalismo, em vez 
de ser o determinante do monopólio, a produção em série ou as oscilações do consumo, passa 
a  ser  governado  por  “toyotismos”  autônomos,  “acumulações  intensivas”  independentes  e 
“regulagens monetárias”, com vida própria. 
Simon Clarke afirmou que não havia nada de “pós‐fordista” na reestruturação produtiva: “Não 
há  nada  de  pós‐fordista  nessa  reestruturação.  O  sucesso  da  ofensiva  capitalista  removeu 

39
 

muitas barreiras que antes impediam que a mudança tecnológica criasse condições nas quais 
novas  tecnologias  não  são  introduzidas  em  termos  qualitativamente  diferentes  de  qualquer 
das  suas  precedentes;  tal  como  a  linha  de  produção  de  Ford,  são  introduzidas  apenas  para 
aumentar os lucros. Alguns setores do trabalho se beneficiaram da introdução do Five Dollars 
Day.  Mas,  assim  como  as  pressões  competitivas  vindas  de  novas  formas  do  fordismo,  mais 
desenvolvidas  e  mais  flexíveis,  logo  forçaram  Ford  a  introduzir  os  homens  de  Pinkerton  e  o 
Departamento  de  Serviço,  também  os  especialistas  flexíveis  e  os  especialistas  em  nichos  do 
mercado  já  estão  sofrendo  a  pressão  de  competidores  que  conseguiram  reconciliar  as 
economias  de  escopo  com  economias  de  escala.  A  crise  do  fordismo  não  é  nada  de  novo;  é 
apenas a mais recente manifestação da crise do capitalismo”. 
Bolha Verde e Euromoedas 
Após as medidas monetárias de Nixon, ficaram retidos na Europa e Ásia 80 bilhões de dólares. 
O que fazer com esse dinheiro? John Walls resumiu as soluções encontradas: 1) Buscar novos 
“tomadores”  (de  empréstimos)  na  periferia  do  mundo  industrial;  2)  Aumentar  o  volume  dos 
empréstimos de médio e longo prazo; 3) Diminuir a taxa de juros, devido ao excesso de fundos 
disponíveis e à concorrência entre as instituições financeiras. Com isso beneficiou‐se a tomada 
de empréstimos pelos países “periféricos”, que acabou mobilizando a “economia mundial da 
dívida”. 
O fim da “bolha do dólar” fez surgir uma “bolha” ainda maior, o mercado de euromoedas, que 
tiveram  um  grande  crescimento  e  ampliação  do  seu  espaço  de  atuação.  Os  euromercados, 
designação  originária  de  depósitos  e  investimentos  feitos  fora  do  país  de  origem,  surgem 
inicialmente no final dos anos 1940, com os aportes financeiros norte‐americanos na Europa 
sob o Plano Marshall, e se fortaleceram na década seguinte, com a expansão internacional dos 
grandes bancos e a criação de filiais nas principais praças financeiras internacionais. A partir do 
final dos anos 1960, os euromercados, também conhecidos como mercados off‐shore, tiveram 
seu  crescimento  estimulado  pelo  excesso  de  dólares  gerado  pelos  déficits  do  balanço  de 
pagamentos  norte‐americano,  e  pelo  aporte  adicional  de  petrodólares,  a  partir  das  crises do 
petróleo de  1973 e 1979, tratadas adiante.  Nos anos 1970, boa parte do endividamento  dos 
países  atrasados  foi  contraída  junto  a  esses  mercados,  que  reciclaram  os  fluxos  financeiros 
oriundos das aplicações em “petrodólares”. 
A  função  de  reserva  do  dólar  estava  sendo  desgastada  pela  percepção  de  que  havia  um 
desequilíbrio  estrutural  constante  no  balanço  de  pagamentos  norte  americano.  Rolf  e  Burtle 
resumiram a origem mais imediata do mercado de euromoedas: “Os persistentes e crescentes 
déficits  americanos  haviam  minado  o  sistema  durante  duas  décadas,  particularmente  nos 
cinco ou seis anos anteriores ao seu fim. Mas não foram os déficits comerciais como tais que 
precipitaram o seu fim, mas os vastos movimentos de capital a curto‐prazo entre nações. Em 
1971,  o  déficit  americano  básico  era  de  pouco  mais  de  9  bilhões  de  dólares,  a  quantia  mais 
elevada  do  pós‐guerra,  mas  menos  do  que  um  terço  do  déficit  total  dos  Estados  Unidos  de 
29,8 bilhões de dólares.  
“Foi essa grande cascata de dólares espalhando‐se pelo resto do mundo e, em especial, pelos 
países de moeda forte que rompeu o sistema. Além dos fluxos de dentro dos Estados Unidos, 
existem  vastas  quantidades  de  dinheiro  fora  de  seus  países  de  origem  que  se  chamam 
euromoedas. Estas podem ser enviadas de um país para outro com grande velocidade; são tão 
móveis quanto um telefonema ou uma mensagem de telex. Além do mais, esses fundos não 
estão sujeitos a qualquer autoridade monetária supranacional, já que não há nenhuma”.34 
                                                            
34
  Nos  primórdios  desse novo  sistema  financeiro mundial  não  havia  “revolução  da  microeletrônica”:  não existiam 
calculadoras  eletrônicas,  mensagens  “via  fax”,  nem  sistemas  digitalizados,  de  leitura  ótica,  informatizados, 
robotizados,  etc.  Mas  isso  não  impedia  que  essas  euromoedas  já  fossem  “tão  móveis  quanto  um  telefonema  ou 
uma mensagem de telex”. 

40
 

Para  José  Martins:  “Desde  seu  início,  esse  novo  sistema  monetário  internacional  –  e  seu 
corolário, o sistema de taxas cambiais flutuantes – já exprimia claramente as contradições de 
uma gigantesca internacionalização do capital industrial dos Estados Unidos nos anos 1960 e 
as  tentativas  vacilantes  e  ineficazes  dos  diversos  governos  nacionais  para  defender  sua 
autonomia  de  ação  frente  aquele  embrionário  processo  de  globalização.  Na  origem  dessa 
transição  de  um  sistema  monetário  internacional  para  outro,  portanto,  desenrolava‐se  uma 
transição ainda mais fundamental das condições produtivas de capital no mercado mundial. As 
instabilidades  e  descontroles  que  se  assistia  nos  mercados  monetários  e  financeiros 
internacionais  eram  antes  de  tudo  manifestações  de  novas  condições  da  produção  e  da 
acumulação  do  capital  global.  Eram  geradas  pela  adaptação  das  formas  mais  superficiais  do 
mercado  capitalista  às  necessidades  de  valorização  e  reprodução  ampliada  da  produção  de 
mais‐valia  (lucro).  O  mais  importante,  entretanto,  era  que  o  novo  sistema  monetário  e  de 
crédito  internacional  estava  sendo  reformado  não  só  para  financiar  a  explosiva  produção 
global do capital, mas, sobretudo, para que os governos e os capitalistas pudessem enfrentar 
os  choques  cíclicos  e  periódicos  de  superprodução  com  mãos  mais  livres  e  instituições 
governamentais mais flexíveis”. 
Foi  deflagrava  uma  profunda  luta  inter‐imperialista:  na  visão  dos  países  europeus,  os  EUA 
haviam abusado durantes anos de sua liderança na política monetária. Primeiro “fez emanar 
dólares‐ouro  de  suas  máquinas”  destinados  a  financiar  seu  crescente  déficit  na  balança  de 
pagamentos e a afiançar seu predomínio político e econômico sobre o Ocidente. Os europeus 
viram  na  suspensão  da  convertibilidade  do  dólar  a  culminação  do  abuso  de  poder  por  parte 
dos norte‐americanos, pois com essa medida o governo dos EUA se livrava definitivamente do 
saneamento econômico interno e transpassava ao “estrangeiro” toda a carga do ajuste. E os 
demais  países  simplesmente  não  tinham  outra  opção  senão  aceitar  esta  decisão  unilateral 
diante da maré de dólares que se estendia em escala mundial.  
Com  a  crise  mundial,  nos  anos  1970,  a  produção  de  armamento  se  transformou  no  único 
mercado  capitalista  que  não  retrocedia.  Mas  a  sua  expansão  foi  insuficiente  para  mobilizar 
todo o capital ocioso gerado pela crise, impulsionando ao mesmo tempo uma enorme inflação, 
pois grande parte desse capital ocioso eram créditos incobráveis contra empresas e nações na 
bancarrota.  Por  outro  lado,  a  semi‐industrialização  de  (alguns)  países  atrasados  se  realizou 
com  base  num  fantástico  desenvolvimento  parasitário,  expresso  na  monumental  dívida 
externa desses países que, sendo um retrocesso às formas usurárias do capital, evidenciaram 
que  o  capital  era  cada  vez  mais  incapaz  de  reproduzir‐se  produtivamente  (como  capital 
industrial).  
O  desemprego  na  CEE  pulou  2,6%  em  1973,  para  8,8%  em  1981,  e  para  13,5%  em  1985, 
atingindo a cifra de 42 milhões para os países da OCDE. A taxa de lucros, após‐impostos, nos 
EUA, caiu de 8,3 em 1961‐65 para 5,3 em 1970, não experimentando recuperação significativa 
posterior.  A  taxa  de  crescimento  anual  das  exportações,  motor  da  expansão  de  pós‐guerra, 
caiu de 7,2 em 1950‐73, para 3,9 em 1973‐1990. Cabe salientar que, já em 1972, André Gunder 
Frank  via  a  crise  econômica  se  consolidar  como  uma  “crise  estrutural”,  com  transformações 
até então desconhecidas: declínio relativo da produção, no declínio dos lucros e investimentos, 
e  numa  luta  renovada  pelos  mercados.  As  crises  de  acumulação  teriam  a  característica  de 
introduzirem mudanças qualitativas na divisão internacional do trabalho.35 

                                                            
35
 A crise conduziria a um padrão de acumulação diferente, concentrado na produção de bens de capital voltados 
para exportação, não a bens de consumo para o mercado interno. Esse modelo necessitaria de custos de produção 
baixos para ganhar competitividade no mercado internacional. A sua viabilidade econômica não pressupunha uma 
redistribuição  de  renda,  mas  um  aumento  brutal  da  exploração  da  força  de  trabalho,  com  governos  altamente 
repressivos, constituição de estados tecnocráticos e ideologias da segurança nacional, particularmente na América 
Latina,  permitindo  uma  recomposição  das  taxas  de  lucro,  deslocando  para  as  periferias  as  tensões  políticas  do 
sistema. 

41
 

O Choque do Petróleo 
Para Eric Hobsbawm, “a história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas 
referências e resvalou para a instabilidade e crise”. Em 1973 iniciou‐se uma desaceleração das 
trocas  mundiais,  explicada  por  dois  fatores:  o  impacto  do  aumento  do  petróleo,  e  o  forte 
crescimento  da  inflação  causada  pela  expansão  monetária.  O  corte  no  fornecimento 
promovido pelos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),36 durante 
a “guerra do Yom Kippur”, fez a cotação do produto subir US$ 2,50, para US$ 11,50 o barril, 
em 1974. Isto elevou os gastos do Ocidente com energia e provocou uma forte crise nos países 
industrializados.  
O emprego mundial de combustíveis líquidos em proporção ao emprego de energia total havia 
aumentado de 34% em 1962, para 43% em 1971. Na Europa e no Japão o consumo de petróleo 
aumentara em 57% e 71%, respectivamente. Em 1970, o uso dos derivados não‐energéticos do 
petróleo  (lubrificantes,  fertilizantes  e  a  base  para  o  asfalto)  aumentou  cerca  de  10%.  Desta 
forma,  a  demanda  de  petróleo  para  os  países  que  passavam  por  um  forte  processo  de 
industrialização era inelástica a curto prazo. Assim, a elevação do preço do barril gerou efeitos 
sobre todas as economias, ocasionando um processo generalizado de inflação, desemprego e 
crescimento pífio. 
A  partir  de  1973,  o  petróleo  passou  a  ser  usado  como  arma  política  pelos  estados  árabes, 
como  reação  da  OPEP  aos  países  que  apoiaram  Israel  na  guerra  do  Yom  Kippur.  Já 
anteriormente,  durante  a  Guerra  dos  Seis  Dias  (1967),  alguns  exportadores  árabes  tentaram 
impor um embargo, que fracassou porque havia muita capacidade ociosa de produção da qual 
se poderia lançar mão. Mas, em 1973, o mercado mundial tinha mudado; parecia que todos os 
poços do mundo produziam a plena capacidade, por causa do aquecimento da demanda. Os 
Estados Unidos tinham se tornado o maior importador mundial. E, dessa vez, não havia onde 
buscar petróleo extra.  
O  embargo  criou  pânico  global.  Compradores  competiam  furiosamente  para  obter  o  que 
conseguissem,  o  que  empurrou  ainda  mais  os  preços  para  cima.  Nos  Estados  Unidos,  a 
gravidade da situação só foi plenamente compreendida pelos consumidores nas irritantes filas 
de abastecimento ‐ longas esperas para obter quantidades limitadas de gasolina (na verdade, 
as filas foram resultado dos controles do governo que impediam a flexibilidade e acentuaram a 
escassez no mercado). Toda a ordem internacional parecia transformada. 
A guerra de 1973 foi provocada pela invasão do território israelense pela Síria ao norte e pelo 
Egito  ao  sul,  no  feriado  judeu  do  Yom  Kippur.  Israel  respondeu  violentamente,  e  o  conflito 
armado  terminou  em  impasse.  Sob  a  influência  dos  EUA,  da  União  Soviética  e  das  Nações 
Unidas,  foram  feitos  acordos  de  Paz  em  1973,  1974  e  1975,  que  mantiveram  os  territórios 
conquistados anteriormente por Israel sem nenhuma mudança.37  

                                                            
36
 Composta por  Angola, Argélia,  Líbia, Nigéria, Venezuela, Equador, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Iraque, 
Kuwait  e  Qatar.  Devido  à  queda  nos  preços  do  petróleo  que  se  verificava  no  final  dos  anos  1950  (a  produção 
mundial era maior que a demanda), essas nações fundaram a OPEP para minimizar as perdas devidas à queda dos 
preços, aumentar a receita dos países membros, e garantir um aumento do controle sobre a produção de petróleo, 
determinando  as  políticas  de  produção.  A  OPEP  também  servia  para  combater  a  queda  dos  preços,  pois  as 
principais  nações  compradoras  do  produto  (EUA,  Inglaterra  e  Holanda),  faziam  pressão  para  que  os  preços  se 
reduzissem. Com isso, a OPEP aumentou os royalties que eram pagos pelas transnacionais, alterando assim a base 
de cálculo para o preço do petróleo, e onerando também tais empresas com um imposto. 
37
 Em 1967 acontecera a Guerra dos Seis Dias. Egito, Síria e Jordânia, sob o comando de Gamal Abdel Nasser, rais do 
Egito, prepararam uma ação conjunta contra Israel. No entanto, com apoio dos EUA, os israelenses realizaram um 
ataque frontal, garantindo a vitória: o o Estado israelense anexou Jerusalém, ocupou a Cisjordânia, a Península do 
Sinai, a faixa de Gaza e as colinas de Golan. Desobedecendo às determinações da ONU, que exigia a devolução dos 
territórios, Israel manteve suas conquistas. Isso provocou, em 1973, a quarta guerra árabe‐israelense. Após a morte 
de  Nasser,  e  para  recuperar  os  territórios  que  haviam  perdido  para  Israel,  Egito  e  Síria  planejaram  uma  nova 

42
 

A reação dos países árabes foi o aumento do preço do petróleo que, evidentemente, não teve 
neste conflito sua causa fundamental. Após os estadunidenses terem apoiado Israel na guerra, 
a  Organização  dos  Países  Árabes  Exportadores  de  Petróleo  (OPAEP)  decidiu  estabelecer  um 
embargo sobre os Estados Unidos (e a Holanda), o que culminou, em 1974, com a criação, a 
partir da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), da Agência 
Internacional de Energia  (AIE),  com sede em Paris. Sua criação foi uma resposta coletiva dos 
países  importadores  de  petróleo  às  medidas  da  OPAEP.  O  embargo  teve  maior  impacto  nos 
Estados Unidos devido às suas políticas restritivas em relação à importação de petróleo mais 
barato.  
O embargo culminou com a dissolução das restrições americanas ao petróleo estrangeiro (na 
década  de  1980),  dissolução  não  muito  posterior  à  transformação  dos  EUA  em  importador 
líquido de petróleo em meados da década de 1970. Ele induziu, também, a criação de reservas 
estratégicas  de  petróleo  nos  EUA  e  outros  países,  com  o  objetivo  de  se  criar  uma  proteção 
contra  choques  internacionais  na  oferta  e  nos  preços  do  petróleo.  Os  países  da  OCDE 
passaram de um superávit comercial de 11 bilhões de dólares em 1973, para um déficit de 22 
bilhões  em  1974.  Já  para  os  países  em  desenvolvimento  e  não  produtores  de  petróleo  o 
déficit, que antes era de 9 bilhões, passou para 25 bilhões. Os países da OCDE demandavam 
petróleo  numa  escala  muito  maior  que  o  resto  dos  países,  o  impacto  em  seus  balanços  de 
pagamentos  foi  numa  escala  muito  maior.  A  recessão  gerou  uma  drástica  redução  das 
importações por parte destes países. 
O  golpe  político  também  foi  forte:  através  da  OPEP,  os  Estados  árabes  do  Oriente  Médio 
tinham  feito  o  possível  para  impedir  o  apoio  a  Israel,  cortando  fornecimentos  de  petróleo  e 
ameaçando com embargos. Ao fazer isso, descobriram sua capacidade de multiplicar o preço 
do petróleo no mundo. E os Ministérios das Relações Exteriores do mundo todo não podiam 
deixar  de  observar  que  os  todo‐poderosos  EUA  não  faziam  nem  podiam  fazer  nada 
imediatamente  a  respeito.  O  choque  do  petróleo  foi  designado  responsável  pela  inflação 
mundial  de 1974, o que exagera as responsabilidades deste aumento de preço e o poder de 
influência dos países árabes. O aumento de preço do petróleo em quatro vezes pelos países da 
OPEP pode ser visto como um fator adicional, que aumentou os efeitos de um movimento que 
já estava em curso desde o início da década de 1970.  
O aumento do preço do petróleo não representou mais do que 2% no processo inflacionário 
para  os  países  centrais.  A  inflação  foi  alimentada  pelo  efeito  cumulativo  de  mais  de  três 
decênios  de  práticas  inflacionárias.  Foi  amplificada  pela  especulação  desenfreada  dos  anos 
1972/73 com o ouro, os terrenos, as construções, os diamantes, as jóias e as obras de arte e, 
sobretudo,  as  matérias‐primas,  isto  é,  todos  os  “valores‐refúgio”,  que  são  tanto  mais 
apreciados quanto mais o papel‐moeda se deprecia. Ela foi reforçada pela prática dos “preços 
administrados” impostos pelos monopólios. E acentuada pelos gastos militares colossais.  
Por outro lado, a idéia de que a crise do petróleo tenha provocado deflação, devido a cortes na 
produção  e  na  demanda,  provocados  pela  saída  de  capitais  dos  países  centrais  para  a  OPEP, 
também  é  falsa.  Estes  capitais  não  ficaram  entesourados  nos  cofres  dos  países  árabes,  ao 
contrário,  eles  voltaram,  sob  a  forma  de  “petrodólares”,  para  os  países  centrais.  Como  a 
maioria dos países da OPEP eram países subdesenvolvidos, estes recursos excedentes oriundos 
do  aumento  do  preço  do  petróleo,  passaram  a  ser  utilizados  para  financiar  seus  planos  de 
desenvolvimento.  Contratando  obras,  produtos  e  serviços  dos  países  desenvolvidos,  os 
petrodólares realimentaram as economias destes países acentuando a tendência inflacionária 
geral pela alta dos custos e pelo aumento de liquidez. Os países membros da OPEP ocuparam 

                                                                                                                                                                              
ofensiva,  concretizada  em  6  de  outubro  de  1973,  dia  em  que  os  judeus  comemoravam  o  Dia  do  Perdão  ou  Yom 
Kippur. No início da Guerra do Yom Kippur, os árabes estavam em vantagem, mas a imediata ajuda norte‐americana 
ao Estado de Israel mudou os rumos da guerra, e este manteve o domínio sobre as áreas ocupadas. 

43
 

papel importante no escoamento da produção. O acúmulo de capitais, devido ao alto valor do 
petróleo,  desencadeou  um  processo  de  industrialização,  crescendo  vertiginosamente  as 
importações de equipamentos de infra‐estrutura, vindos principalmente de Alemanha, EUA e 
Japão. 
Petróleo e Renda Diferencial 
A  imensa  acumulação  de  capital  dos  países  árabes,  prevista  pelo  Banco  Mundial,  não  se 
concretizou. A previsão de 650 bilhões de dólares em reservas foi revista em 1978, quando as 
reservas  de  câmbio  desses  países  estavam  em  280  bilhões.  Os  grandes  gastos  no 
“desenvolvimento”,  nesses  países,  fizeram  que  eles  se  tornassem  logo  deficitários  no  seu 
balanço de pagamentos. A importação de máquinas e fábricas prontas pelos países da OPEP foi 
vista  como  o  motor  de  uma  nova  fase  de  expansão  do  capitalismo,  o  que  não  se  confirmou 
porque,  entre  outras  coisas,  a  dinâmica  dos  preços  era  incerta;  os  países  desenvolvidos 
buscavam uma progressiva substituição de energia, o que lhes tornaria menos dependentes da 
OPEP  e  diminuiria  o  poder  de  pressão  da  organização  dos  países  árabes;  além  do  que,  a 
industrialização  não  era  fácil  nos  países  árabes,  devido  à  sua  “estrutura  sócio‐econômica 
arcaica”, isto é, à monumental concentração de renda, e a pobreza da maioria da população, 
que contribui para o raquitismo do mercado interno. 
Na  recessão  de  1974/75  o  cartel  do  petróleo  conseguiu  manter  sua  economia  relativamente 
estável, ao contrário dos demais países do “Terceiro Mundo” que mergulharam em profunda 
crise.  Esta  manutenção  se  deveu  fundamentalmente  à  diminuição  da  produção  do  petróleo 
para  a  manutenção  do  preço  internacional,  volume  que  foi  controlado  de  perto  pela  OPEP. 
Apesar  da  diminuição  da  produção,  estes  países  mantiveram  assim  uma  renda  nacional  alta 
que foi empregada nas importações. Estas grandes somas de capitais foram controladas pelos 
governos  dos  Estados  membros  da  OPEP.  No  âmbito  dos  países  produtores  de  petróleo,  a 
renda  aumentou  em  aproximadamente  75  bilhões  de  dólares  entre  1973  e  1974.  Na  Arábia 
Saudita a renda per capita, que em 1971 era de US$ 540, passou para US$ 3.500 em 1974. Este 
aumento de renda não representou proporcional aumento de gastos destes países, o aumento 
de importações por eles realizadas em 1974 representou cerca de US$ 12,3 bilhões, um sexto 
do  aumento  das  rendas.  E,  já  no  ano  seguinte,  1975,  os  países  da  OCDE  voltaram  a  ter 
superávit, por meio da redução de importações, o que ocasionou numa queda de 24 bilhões 
no superávit dos países da OPEP. 
A  origem  desses  capitais  excedentes  é  a  exploração  de  petróleo,  mineral,  fonte  de  energia, 
encontrado de forma bruta na natureza. Os proprietários destas jazidas são os Estados onde o 
mineral  é  encontrado:  o  que  é  pago  ao  dono  da  terra  /  jazida,  não  deixa  de  ser  uma  renda 
fundiária. Os exploradores diretos das minas de petróleo, na maioria dos casos, não eram os 
Estados proprietários, e sim as grandes companhias multinacionais exploradoras de petróleo, 
que  tinham  sua  tecnologia  contratada  pelos  Estados  membros  da  OPEP,  ou  a  eles  pagavam 
renda pela exploração das jazidas. A mudança na relação do capital com a propriedade agrária 
em nível internacional pode ser a explicação para a crise do petróleo de 1973.  
Nas  esferas  de  produção  que  dependem  diretamente  da  natureza,  a  lei  do  valor  (o  valor  da 
mercadoria equivale ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção) atua de 
maneira modificada. Na produção capitalista de mercadorias o aumento da produtividade do 
trabalho pode fazer os preços baixarem através da concorrência. Nos ramos da produção que 
dependem diretamente da natureza, a lei atua modificada já que aqueles dependem mais das 
condições  naturais  que  da  atividade  do  homem.  Na  esfera  da  produção  energética  as 
principais mercadorias são o petróleo e o carvão. A produtividade do trabalho na extração do 
petróleo  é  maior  do  que  na  extração  do  carvão,  cujas  minas  são  cada  vez  mais  difíceis  de 
explorar.  Sendo  menos  rentável,  o  carvão  deveria  ser  eliminado,  pela  concorrência,  pelo 
petróleo, o que não ocorreu. 

44
 

Historicamente a produção de carvão é anterior à do petróleo, e a tecnologia utilizada em sua 
exploração é mais simples. Contudo, os EUA passaram a extrair petróleo a um preço individual 
de produção mais baixo que o carvão e, com a crescente necessidade de energia, buscaram‐se 
novas  fontes,  descobrindo‐se  as  enormes  reservas  da  Venezuela  e  do  Oriente  Médio,  que 
tinham condições naturais muito melhores que as dos EUA. Nos anos sessenta a produção de 
petróleo superou a de carvão.  
De forma geral, o carvão deveria ser totalmente suprimido pelo petróleo. Isto não ocorreu, em 
primeiro lugar, porque no setor de energia a produtividade do trabalho mais elevada não pode 
ser generalizada, isto devido ao fato de estar ligada a uma base natural, que são os poços, e 
estes não se reproduzem à vontade. Em segundo lugar devido a que os EUA, Alemanha, Grã‐
Bretanha  e  França,  protegiam  suas  fontes  naturais  de  energia  intervindo  no  processo  de 
formação  do  valor.  Estes  países  adotaram  medidas  para  evitar  a  dependência  do  petróleo 
importado, como a restrição das importações, a subvenção à produção nacional e a introdução 
de impostos à importação, que foram incorporados ao preço do petróleo importado. 
Assim sendo, o preço se forma a partir da fonte menos rentável, que é o carvão europeu, de 
forma que sua exploração proporcione lucro. A fonte mais rentável, que é o petróleo médio‐ 
oriental, não chega ao mercado consumidor pelo seu verdadeiro valor devido aos acréscimos 
que sofre com a carga de impostos. O petróleo dos EUA, por sua vez, atinge um lucro médio 
maior do que o carvão europeu. Não eram os países produtores os que mais ganhavam com a 
produção de petróleo. O preço individual fixado no Golfo Pérsico oscilava, entre 1953 e 1973, 
entre $ 1,60 e $ 2,75 o barril; com os impostos, porém, ia para $ 10,00 no mercado mundial.   
A criação da OPEP iniciou um novo confronto: a crise resultante, na verdade, era uma luta por 
uma  nova  repartição  da  renda  diferencial.  Formada  pelas  classes  dominantes  dos  países 
exportadores  de  petróleo,  a  OPEP  elevou  o  preço  do  petróleo  bruto,  impondo  limites  à 
concorrência entre os países produtores, com a formação de um cartel. Os países capitalistas 
desenvolvidos não ficaram reféns da OPEP, buscaram e pesquisaram novas fontes de energia, 
entre elas a atômica, a solar, e a produção do petróleo sintético, além de pesquisas em outras 
regiões do mundo em busca de novas jazidas de petróleo. Os países subdesenvolvidos também 
procuraram saída, entre elas o Programa do Pro Álcool no Brasil, que teve vida curta. Vejamos 
algumas interpretações a respeito da origem desta crise, que fazem parte de uma controvérsia 
a  respeito  da  autonomia  ou  da  dependência  dos  Estados  da  OPEP  em  relação  aos  países 
desenvolvidos.  
A primeira delas apresenta os estados da OPEP como cumprindo ordens sob a tutela direta do 
imperialismo norte‐americano, contra seus concorrentes (europeus e japonês). Segundo esta 
interpretação, os EUA teriam sido responsáveis pelo aumento do preço do barril de petróleo 
em 1973, e pela crise que se sucedeu. Através das classes dominantes dos principais Estados 
petroleiros,  que  estariam  sob  as  ordens  das  sociedades  multinacionais  e  dos  EUA,  a  fim  de 
serem beneficiadas pelas instituições públicas e privadas daquele país. Mas os EUA não teriam 
nenhum interesse em agravar uma crise do sistema monetário que já estava presente desde o 
início da década de 1970.  
A segunda interpretação parte do princípio de uma completa autonomia dos países árabes em 
relação  ao  capitalismo  internacional,  e  identifica  o  aumento  do  preço  do  petróleo,  e  a 
mudança da relação com o capital internacional como um combate antiimperialista, parte de 
uma  luta  dos  povos  do  “Terceiro  Mundo”  por  sua  independência  política  e  econômica, 
explicação que, obviamente, ignora as relações de classe nesses países. 
A disputa internacional em torno do preço do petróleo foi uma luta pela apropriação da renda 
diferencial  (aquela  originada  nas  diferenças  naturais  de  fertilidade,  ou  riqueza,  do  meio 
natural).  Comportou  também  uma  disputa  inter‐monopolista  pois,  em  escala  mundial,  a 
“fatura  petroleira”  devia  ser  paga,  em  primeiro  lugar,  pelos  países  e  empresas  grandes 

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consumidoras de energia que dependiam das importações (a maioria dos países europeus e o 
Japão),  o  que  fortalecia  à  burguesia  norte‐americana  diante  deles  e,  dentro  dos    EUA,  pelo 
setor empresarial que se encontrava na mesma situação. O “choque do petróleo” inscreveu‐
se, portanto, dentro do acirramento das disputas entre os monopólios e os países capitalistas 
centrais,  provocado,  porém,  por  uma  crise  pré‐existente.  As  grandes  refinadoras  e 
distribuidoras de petróleo (as “sete irmãs”) foram, em graus diversos, as máximas beneficiadas 
pelo aumento da “fatura petroleira”.  
Os  estados  da  OPEP,  possuindo  certa  autonomia  frente  aos  países  desenvolvidos,  devido  ao 
controle  dos  poços  de  petróleo,  eram  também  dependentes  deles;  sendo  países 
“subdesenvolvidos”,  não  possuem  autonomia  tecnológica,  nem  financeira.  Tem  sua  riqueza 
apenas  na  propriedade  dos  poços  de  petróleo,  mas  devem  vender  a  energia,  como  países 
dependentes do mercado internacional. A explicação da crise econômica mundial pela “crise 
do  petróleo”  foi  uma  tentativa  ideológica  de  ocultar  as  verdadeiras  raízes  daquela  crise, 
situadas nas leis da acumulação capitalista, estas operando em escala mundial. 
Crise e Recuperação  
As taxas de dois dígitos de crescimento econômico real que o Japão manteve durante os anos 
1960 e o início da década de 1970 terminaram com a primeira crise do petróleo em 1973‐74 e, 
desde a segunda crise do petróleo (1979‐80), foram comuns as taxas de crescimento de menos 
de 4%. A indústria japonesa, que enfrentou aumentos dramáticos tanto nos custos de energia 
como  nos  de  mão‐de‐obra  resultantes  das  crises  do  petróleo,  fez  esforços  para  reduzir  as 
necessidades de energia e mão de obra e para introduzir novas tecnologias. 
Usualmente,  identifica‐se  a  crise  de  1973‐74  com  a  gestão  conservadora  dos  governos  da 
OCDE para superá‐la. A diminuição da produção e a continuidade do desemprego e da inflação 
resultaram das políticas econômicas governamentais e ajudaram os países ricos a superarem a 
crise (sob a ótica dos interesses das classes dominantes). As medidas tomadas foram, dentre 
várias: 1. Controle da dívida pública; 2. Correção da taxa de câmbio; 3. Controle do balanço de 
pagamentos; 4. Controle dos níveis de preços e salários. 
O  choque,  além  do  mais,  só  ocorreu  após  a  aprovação  de  dois  grandes  aliados  dos  Estados 
Unidos  no  Oriente  Médio:  Arábia  Saudita  e  Irã.  A  partir  do  superávit  de  capital,  os  países 
produtores  de  petróleo  ampliaram  suas  despesas,  principalmente  com  a  importação  de 
produtos  vindos  dos  países  desenvolvidos.  Parte  deste  capital  foi  depositado  em  bancos 
estadunidenses  e  alemães,  que  passaram  a  dispor  de  capital  excedente,  pressionando  os 
países  que  estavam  sofrendo  com  a  crise  para  que  estes  contraíssem  dívidas  em  elevadas 
cifras, com juros flutuantes. O mecanismo da “crise da dívida” estava lançado. 
Para  Etienne  Laurent  (François  Chesnais)  e  Michel  Dauberny,  a  amplitude  da  queda  da 
produção  industrial  em  1974‐1975,  e  o  relançamento  da  inflação,  demonstravam  a  beira  do 
precipício  em  que  se  encontrava  a  economia  imperialista  (a  OCDE  se  limitava  a  dizer  que  a 
recessão era “a mais profunda conhecida desde os anos 30”), numa economia que funcionava 
sobre  a  base  de  uma  injeção  continua  de  créditos  associados  às  despesas  parasitárias  dos 
estados, em primeiro lugar as despesas com armamentos.  
As causas imediatas da baixa brutal da produção se encontrariam na explosão inflacionária a 
partir do segundo semestre de 1972: “A inflação é a forma mais fácil da burguesia combater os 
efeitos das contradições mais profundas do modo de produção capitalista”. O expansionismo 
militar dos EUA, acompanhado da corrida espacial, produziu uma violenta inflação através do 
estouro  dos  déficits  dos  EUA.  A  crise  do  petróleo  fora,  por  outro  lado,  uma  expressão  da 
concorrência  inter‐imperialista  e  não  poderia,  portanto,  ser  responsabilizada  pela  inflação 
galopante de 1973 e muito menos pela crise e decréscimo da produção industrial. . 

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A  queda  da  produção  industrial  veio  acompanhada  de  um  recuo  no  volume  de  trocas 
comerciais, avaliada em 7% no ano de 1975. No curso da recessão de 1974‐1975, o número de 
falências nas empresas comerciais e industriais aumentou em mais de 30% nos EUA e em mais 
de 60% na Grã‐Bretanha. Na França, o número de falências, de uma média anual de 10 mil no 
período  de  1968‐1973,  subiu  para  15  mil  em  1975,  com  grande  aumento  do  desemprego, 
particularmente  nos  anos  1975‐1976:  havia  um  “processo  de  desmembramento  do  mercado 
mundial”.  Os  surtos  de  recuperação  econômica  alcançados  pela  Alemanha  e  Japão  após  a 
Segunda Guerra Mundial, comumente usados como exemplos de capacidade de recuperação 
da economia capitalista, entravam em crise ainda mais aguda em função de sua submissão aos 
EUA.  Avaliações  unilaterais  deixavam  escapar  o  conjunto  da  crise,  realçando  a  falência  das 
construções teóricas que se baseavam no milagre alemão e japonês. 
A queda da produção industrial de 1973 foi anunciada por uma queda nas ações das bolsas de 
valores. Mas o fenômeno mais importante foi marcado pelas primeiras iniciativas dos governos 
para conter a crise: uma retomada dos impulsos inflacionários alimentados pelos gigantescos 
déficits  orçamentários  dos  principais  países  industriais,  com  de  créditos  injetados  no  circuito 
econômico para impedir seu colapso. Sem esses créditos, falências em cascata aconteceriam. 
A intervenção dos bancos centrais e dos governos para salvar do perigo os grandes trustes e 
corporações,  realçavam  que  as  raízes  da  crise  da  produção  de  1974‐1975  não  haviam  sido 
eliminadas, pelo contrário, se elevariam ainda mais. 
Contrariando Ernest Mandel, a respeito do significado da crise de 1974‐75, Laurent e Dauberny 
não concordaram em que a “função histórica” dessa recessão fora terminar com o sistema de 
pleno  emprego,  e  criar  um  sistema  de  desemprego  massivo  e  permanente.  Essa  seria  uma 
avaliação  unilateral  e  limitada,  que  não  levava  em  consideração  o  estágio  imperialista  do 
capitalismo,  o  fato  de  que  milhões  de  trabalhadores  viviam  nos  países  semi‐coloniais  e 
próximos  aos  grandes  centros  imperialistas,  o  que  já  garantia  há  muito  tempo  uma  pressão 
gigantesca  sobre  os  trabalhadores  dos  países  industrializados.  Mas  mais  do  que  isso,  o 
desemprego de milhões de trabalhadores significava para a burguesia uma renúncia a colocar 
em  movimento  uma  força  de  trabalho  que  poderia  produzir  mais‐valia.  Só  o  caráter 
crescentemente especulativo da economia explicaria esta tendência contraditória. 
A recuperação da rentabilidade dos capitalistas, a contenção da queda das taxas de lucro, se 
produzia em níveis inferiores aos de 1966, não apenas pelas repercussões da inflação, mas por 
uma situação de grande desproporção entre a remuneração dos investimentos especulativos 
em  oposição  aos  investimentos  produtivos.  A  crise  de  1974‐75,  portanto,  não  era  uma  crise 
clássica  de  superprodução:  o  capitalismo  sobrevivia  só  ao  custo  da  destruição  crescente  de 
forças  produtivas.  Após  a  Segunda  Guerra  Mundial,  este  processo  seguira  com  a  corrida 
armamentista e com o crescimento de capitais fictícios e especulativos sem correspondência 
com a produção. A crise de 1974 ‐ 1975 era, portanto, um momento da mesma trajetória de 
destruição periódica de forças produtivas como forma de relançar novos ciclos especulativos e 
guerras  de  destruição.  Em  1975,  os  países  da  OCDE  já  podiam  apresentar  um  aumento  da 
produção  em  5%,  da  demanda  interna  em  3%,  da  produtividade  do  trabalho  industrial  em 
12%, uma queda dos preços das mercadorias essenciais em cerca de 40%, um freio da inflação 
ao ritmo médio de 9%, e o aumento dos lucros em 25%, em média; houve uma recuperação 
econômica no qüinqüênio 1975‐80: 
ÍNDICE DE HORAS TRABALHADAS NA INDÚSTRIA DE MANUFATURAS (1970 = 100) 
País  1970 1975\70 1980\75 1980\70 
Alemanha Ocidental 100,0 92,2 103,0 95,0 
Japão  100,0 89,6 106,2 95,2 
Reino Unido (Homens) 100,0 95,1 98,1 93,3 
Reino Unido (Mulheres)  100,0 97,6 101,4 98,9 
EUA  100,0 99,0 100,8 99,9 
França  100,0 93,1 97,4 90,6 
Fonte: ONU, Statical Yearbook. 

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O qüinqüênio 1970‐75 foi importante para que os governos conseguissem impor seus planos 
de recuperação, que ficaria mais acentuada no período 1975‐80, ao qual sobreveio uma nova 
crise,  em  1982.  O  mesmo  comportamento  econômico  de  recuperação  capitalista  pós‐1975 
pode ser verificado nas taxas de investimento e de formação bruta de capital fixo: 
INVESTIMENTO (% DO PIB) 
País  1970 1975 1980 1985 
Alemanha Ocidental 27,6 19,8 23,5 20,3 
Japão  39,1 32,8 32,3 28,2 
Reino Unido  19,6 18,6 16,8 17,3 
EUA  17,8 16,8 18,6 19,2 
França  26,1 23,0 23,6 18,9 
Fonte: FMI. Estadísticas Financieras Internacionales, 1986.  
FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (% DO PIB) 
País  1970 1975 1980 1985 
Alemanha Ocidental 25,5 20,4 24,1 19,6 
Japão  35,5 32,5 31,6 30,1 
Reino Unido  18,9 20,1 18,1 17,1 
EUA  17,6 17,0 18,5 19,6 
França  23,4 23,3 21,9 18,8 
Fonte: FMI. Estadísticas Financieras Internacionales, 1986. 

Os dados não são conclusivos por si mesmos. Contudo, eles mostram que a economia mundial 
esteve mais lenta na primeira metade do decênio de 1970. Para alguns se tratou de uma crise 
ocasionada  por  fenômenos  econômicos  conjunturais,  para  outros  da  gestão  da  depressão 
provocada por uma crise de superprodução que se iniciara antes, em 1966. De qualquer forma, 
uma nova arrancada se deu só depois de 1975, quando o “keynesianismo militar” da economia 
dos EUA levou a indústria bélica ao paroxismo da produção. Os gastos militares concorreram 
para estimular artificialmente a demanda agregada da sociedade. 
Além  disso,  o  terreno  de  enfrentamento  entre  grupos  industriais  e  financeiros  ‐  até  então 
essencialmente  nacional  –  foi  crescentemente  transferido  para  o  mercado  mundial:  cada 
grupo econômico tentou conquistar a posição mais vantajosa em mercados mais estreitos, em 
uma conjuntura de concorrência exacerbada. A partir disso, as políticas econômicas nacionais 
de  regulação  conjuntural  cederam  lugar  às  políticas  de  sustentação  dos  grupos  trans‐
nacionalizados, para lhes ajudar a aumentar a sua competitividade. 
A  crise  encontrava  sua  manifestação  na  saturação  do  próprio  mercado,  na  inatividade  do 
capital, na impossibilidade de venda das mercadorias e na progressiva queda da taxa de lucro. 
O  capital  nasce  para  auto‐valorizar‐se,  para  criar  mais‐valia,  para  obter  lucros:  face  a  uma 
excepcional  dificuldade  generalizada  de  consegui‐lo,  devido  à  própria  estrutura  do  sistema 
produtivo,  que  tende  à  sobre‐produção  dos  bens  de  capital  (daí  o  estreitamento  da  taxa  de 
lucro) e mercadorias (limite do mercado), a produção como um todo entra em crise. Todavia, o 
fim  da  grande  reconstrução  pós‐bélica  coincidiu  com  uma  falta  de  liquidez  na  economia. 
Muitos  detentores  de  títulos  e  divisas,  no  final  do  processo,  demandavam  liquidez.  Isto  fora 
precariamente superado em 1968 quando, frente às primeiras manifestações de uma crise de 
sobre‐produção  e  de  saturação  dos  mercados,  foram  abandonadas  muitas  das  restrições 
monetárias  até  o  momento  adotadas,  e  começou  a  verificar‐se  um  excesso  de  capital 
monetário.  
Foi  só  um  adiamento  da  crise.  A  valorização  do  capital  tornou‐se  mais  difícil,  com  uma 
diminuição  tendencial  da  taxa  de  lucro  nos  países  centrais.  A  tentativa  espasmódica  de 
reordenar  o  “mercado  de  trabalho”  inseriu‐se  neste  contexto.  Dado  que  o  próprio  modo  de 
produção  tendeu  a  dificultar  as  condições  para  a  extração  de  mais‐valia,  e,  portanto,  para  a 
expansão  da  taxa  de  lucro,  buscou‐se  uma  nova  divisão  internacional  do  trabalho:  algumas 
fases  produtivas  foram  transferidas  para  regiões  onde  os  trabalhadores  recebessem  salários 
miseráveis por trabalhos quase forçados. Aproveitando‐se de um exército industrial de reserva 

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de imensas proporções, e de condições de extrema pobreza e fome, os capitalistas tentavam 
conseguir uma taxa de mais‐valia mais elevada.   
Reestruturação Produtiva 
Nos  países  capitalistas  centrais,  por  sua  vez,  o  “fordismo”  se  transformou  em  estratégia  de 
limitação  dos  salários,  com  o  objetivo  de  reduzir  o  consumo  doméstico,  para  aumentar  ao 
mesmo tempo o lucro e o excedente exportável. Essa “crise do fordismo” seria o resultado da 
utilização  em  grande  escala  das  “novas  tecnologias”.38  A  automação  decorrente  foi, 
essencialmente, uma tentativa de sair da crise econômica, através do aumento da composição 
orgânica  do  capital,  para  aumentar  a  taxa  de  mais‐valia  e,  portanto,  a  taxa  de  lucro,  que 
experimentou uma queda brusca no fim do período de expansão: o aumento da produtividade 
do trabalho caiu, nos EUA, de 3,2% anual, no período de 1958 a 1966, para 1,6% no período 
1966‐1974 (situando‐se por baixo do crescimento demográfico); a taxa de lucro passou, entre 
1973 e 1982, nos EUA, de 18,8% para  4,2%; no Japão, de 35% para 14,3%; na Alemanha,  de 
14,1% para 8,1%; na Inglaterra, de 6,6% para 0,6%.  
As “novas tecnologias” (ou NTI, Novas Tecnologias da Informação) visaram atacar a queda da 
produtividade  do  trabalho  (mediante  o  aumento  do  seu  controle  pelo  capital)  e  da  taxa  de 
lucro,  mediante  a  redução  do  tempo  de  trabalho  necessário  ou,  como  foi  sintetizado, 
“produzir  com  estoque  reduzido,  em  particular  o  de  processo;  capacitar  o  seu  aparelho 
produtivo  para  a  flexibilidade;  organizar  a  produção  e  o  trabalho  de  forma  a  aumentar 
significativamente  o  controle  sobre  o  processo  produtivo;  reduzir  substancialmente  o  tempo 
necessário para produzir”. Perseguindo cada um seu fim individual (abaratar os custos e elevar 
os  lucros)  os  capitalistas  afundaram,  no  entanto,  a  taxa  de  lucro  do  capital  global.  A 
concorrência  e  as  desigualdades  do  desenvolvimento  capitalista  se  exacerbaram:  se  o 
aumento  do  custo  de  trabalho  foi  de  100  para  144  nos  EUA,  entre  1964  e  1982,  o  custo 
relativo do trabalho foi de 100 para 206 na Alemanha Oriental, e de 100 para 204 no Japão. 
Com  uma  elevação  rápida  dos  salários,  algumas  firmas  tiveram  um  incentivo  maior  para 
substituir trabalho por capital.39  
Os investimentos maciços na informática desde os anos 1970, que atingiram  até 10% do PIB 
dos EUA, não produziram os resultados esperados. O impacto das tecnologias informáticas na 
produtividade foi limitado. Com a exceção do setor das telecomunicações, só os fabricantes de 
computadores  e  de  programas  se  beneficiaram  com  a  revolução  telemática.  As  causas 
imediatas  foram  variadas:  programas  mal  concebidos,  de  difícil  uso,  pouco  confiáveis,  mal 
correspondentes  ao  trabalho  que  supostamente  deviam  auxiliar.  Sua  rápida  obsolescência 
impôs  um  esforço  de  manutenção  e  de  formação  de  pessoal  onipresentes  e  onerosos.  A 
transferência de tarefas subalternas para pessoal melhor remunerado, a desqualificação cada 
vez mais rápida e a desmotivação da mão de obra tiveram um custo econômico e social.  

                                                            
38
  Na  década  de  1940,  o  pai  da  cibernética  moderna  ‐  Norbert  Wiener  –  declarou  que  já  estavam  reunidas  as 
condições  técnicas  para  a  aplicação  em  grande  escala  da  automatização.  Se  isso  não  aconteceu,  foi  devido  às 
condições  econômicas:  o  período  de  expansão  capitalista  atenuava  a  concorrência  internacional,  e  tornava 
antieconômica a obsolescência antecipada dos capitais existentes. 
39
 Pela concorrência entre os capitais, e o equacionamento da taxa de lucro, as empresas e os ramos industriais em 
que a produtividade do trabalho se eleva acima da média social apropriam‐se de uma parte da mais‐valia produzida 
em  outras  empresas  ou  ramos  industriais,  onde  a  produtividade  do  trabalho  está  abaixo  da  média  social.  O 
mecanismo concreto por meio do qual se opera esta transferência da mais‐valia de uma empresa ou ramo industrial 
para  outros,  é  o  da  formação  dos  preços  de  mercado.  As  empresas  e  ramos  tecnicamente  “de  ponta”  realizam 
lucros  extraordinários  vendendo  ao  preço  do  mercado  porque  os  seus  custos  de  produção  são  inferiores  aos dos 
concorrentes que determinam esses custos. As empresas e ramos atrasados não chegam a realizar o lucro médio, 
ou vendem com prejuízo, porque os seus custos de produção são superiores aos dos concorrentes que, trabalhando 
à produtividade média social, determinam os preços do mercado. 

49
 

O  dinamismo  das  novas  tecnologias  se  encontrou  diretamente  associado  à  taxa  de  lucro 
derivada  de  sua  aplicação  produtiva.  Como,  por  outro  lado,  esse  benefício  depende  da 
possibilidade de extrair a maior fatia possível do valor criado pelo trabalho; quanto menor é a 
proporção do mesmo no processo de produção (dominado cada vez mais pela importância do 
capital  constante),  maior  é  o  grau  de  exploração  do  trabalhador  necessário  para  obter  um 
aumento no lucro para uma dada quantidade de capital. Os diversos autores que se ocupam 
das conseqüências da introdução de tecnologias baseadas na informática e na microeletrônica 
na esfera da produção, sublinharam o caráter diferenciado dessa "revolução tecnológica" em 
relação às anteriores: o anterior conceito de máquina a decompunha em três partes principais 
(motor, transmissão e ferramenta).  
O  surgimento  do  microprocessador  permitiu  o  aparecimento  de  máquinas  programáveis, 
fazendo com que as máquinas agora fossem compostas de motor, transmissão, ferramenta e 
controle (o microprocessador é a parte principal do controle de uma máquina programável). O 
desenvolvimento da calculadora eletrônica, primeiro artefato a ser produzido em larga escala 
pelas  "novas  tecnologias",  era  antigo:  em  1950,  havia  10  ou  15 em  funcionamento  nos  EUA, 
35.000 em 1966, 40.000 em 1968, 85.000 em 1975. Com o início da crise econômica mundial, 
o  mercado  mundial  de  microprocessadores,  que  era  de  30.000  em  1973,  passou  para  10 
milhões em 1977, e atingiu 150 milhões em 1980.40   
Até os anos 1960, informática apenas engatinhava e a automação não era ainda um fenômeno 
central  da  economia  capitalista  mundial.  A  partir  de  1973‐75,  a  crise  econômica  mundial 
acirrou a concorrência capitalista e determina a marcha acelerada em direção da automação 
para  abaixar  violentamente  a  estrutura  dos  custos.  O  teatro  principal  dessas  transformações 
foi a indústria militar, menos afetada pela crise devido a que seus pedidos são garantidos pelo 
Estado:  as  "novas  tecnologias  da  informação"  no  campo  civil  foram  uma  derivação  de  sua 
aplicação militar.41 
Economia da Incerteza 
Os elementos que prefiguravam a crise da economia capitalista já se encontravam presentes 
no período de expansão. A crise tornou‐se evidente no outono (do hemisfério norte) de 1973, 
depois que quadruplicou o preço do petróleo. Mas, antes de tomar a aparência de uma crise 
                                                            
40
  Para  Benjamin  Coriat,  a  principal  novidade  consistiria  na  escala  e  nos  setores  em  que  a  automação  foi  usada 
desde a década de 1970: "As inovações tecnológicas atuais estão dando origem a uma transformação de grandes 
dimensões  e  com  rupturas  qualitativas.  A  automação  atual  não  continua  a  tendência  das  aplicações  passadas. As 
aplicações  anteriores,  que  começaram  na  década  de  50  e  60  correspondiam  principalmente  às  indústrias  de 
processo  contínuo:  petroquímica,  vidro,  cimento  e  outras.  A  nova  tendência  de  automação  da  década  de  70 
corresponde  às  indústrias  de  processos  discretos,  isto  é,  a  produção  em  série.  A  atual  automação  não  apenas  se 
refere às novas tecnologias, mas também à sua aplicação nos setores de produção em série, que tradicionalmente 
utilizavam a mão‐de‐obra de forma intensiva: plantas automotoras, fábricas têxteis e de outros bens de consumo 
duráveis". 
41
 Para Pierre Souyri, no entanto, o capital escava desse modo sua própria fossa: "A generalização da automação, 
isto é, a sua utilização tanto no Departamento I quanto no Departamento II, nos escritórios assim como nos ateliês, 
não constitui apenas um novo passo adiante no aumento da produtividade do trabalho, que Marx dizia que era uma 
tendência  necessária  do  desenvolvimento  do  capital.  Ela  é  a  realização  dessa  tendência  até  o  momento  da 
intervenção,  dentro  do  desenvolvimento  histórico  do  modo  de  produção  capitalista,  de  uma  mutação  qualitativa 
que inaugura a dissolução desse modo de produção. A partir do momento em que a aplicação sistemática da ciência 
à  indústria  provoca  uma  redução  do  tempo  de  trabalho  necessário  à  produção,  ao  ponto  do  capital  variável  não 
entrar  mais  no  processo  produtivo  senão  como  um  elemento  residual,  o  capitalismo  atinge  os  seus  limites 
históricos. Assim, com efeito, a força produtiva do trabalho se encontra convertida em força produtiva do capital 
fixo:  o  trabalho  como  mercadoria  não  constitui  senão  uma  categoria  em  vias  de  regressão,  e  na  medida  em  que 
essa regressão se opera, os outros elementos constitutivos das relações capitalistas de produção ‐ o produto como 
mercadoria portador da mais‐valia realizada a ser reconvertida em capital, e o próprio capital como trabalho morto 
produzido  pelo  trabalho  vivo  ‐  tendem  a  se  tornar  caducos.  A  generalização  da  automação  se  soma  à  realização 
obtida  da  tendência  pela  qual  ‘o  capital  trabalha  para  a  sua  própria  dissolução  como  força  dominante  da 
produção’". 

50
 

das matérias primas, essa crise já tinha começado a se manifestar sob forma monetária (com a 
declaração  de  não‐conversibilidade  do  dólar  pelo  governo  norte‐americano).  A  partir  da 
declaração  da  não‐conversibilidade  das  moedas,  não  entre  elas  próprias,  mas  delas  em 
conjunto em relação a uma mercadoria de valor universal (o ouro), o valor dos patrimônios e 
dos  capitais  ficava  na  incerteza.  Qualquer  medida  governamental  podia  acabar  com  o 
patrimônio  de  um  capitalista.  O  processo  da  regulação  do  capitalismo  passara  a  ser,  por 
primeira vez, político.42 
As explicações sobre o fim do regime monetário de Bretton Woods referiram‐se ao aumento 
da  circulação  de  dólares  devido  aos  déficits  no  balanço  de  pagamentos  dos  EUA,  e  ao 
crescimento  exponencial  do  mercado  de  eurodólares  na  segunda  metade  dos  anos  1960, 
levando  ao  aumento  desordenado  da  liquidez  internacional:  ambos  fenômenos  criaram  um 
excedente  de  dólares  incompatível  com  a  quantidade  de  ouro  disponível  em  Fort  Knox,  que 
deveria  servir  de  lastro  para  o  dólar.  Essa  análise  superestima  o  papel  dos  “mercados”  na 
quebra do acordo de Bretton Woods: o governo norte‐americano teria ficado refém do poder 
avassalador  dos  capitais  privados  multinacionais.  Ao  contrário,  a  decisão  visou  preservar  a 
hegemonia econômica e política mundial do capital e do Estado norte‐americanos.  
A  justificativa  para  romper  com  o  acordo  baseou‐se  no  argumento  de  que  o  desequilíbrio 
externo dos  EUA era determinado por práticas comerciais desleais dos países europeus e do 
Japão. O fim do padrão dólar‐ouro não foi uma derrota do capitalismo norte‐americano, nem 
uma  imposição  natural  dos  mercados,  mas  uma  política,  que  fez  surgir  um  novo  padrão 
monetário,  o  “dólar  flexível”,  inédito  na  história  das  relações  internacionais,  mais  vantajoso 
para os EUA. Também marcou a volta da grande finança ao centro do poder. 
A partir de 1973 o sistema financeiro internacional conviveu com taxas de câmbio flutuantes, 
determinadas  “pelo  mercado”,  e  sujeitas  a  intervenções  dos  bancos  centrais  e  a  acordos 
multilaterais.  Em  janeiro  de  1976,  em  reunião  realizada  em  Kingston,  o  FMI  alterou  seus 
estatutos para levar em conta o novo regime de taxas flutuantes. O preço oficial do ouro foi 
abolido,  e  deu‐se  maior  importância  à  participação  dos  Direitos  Especiais  de  Saque  (ou  DES, 
forma  de  moeda  internacional  criada  pelo  FMI  para  transações  internacionais  entre  bancos 
centrais,  cujo  valor  corresponde  à  média  ponderada  das  cinco  principais  moedas 
internacionais:  dólar,  yen,  marco  alemão,  franco  francês  e  libra  esterlina)  nas  reservas 
internacionais, alocados aos países‐membros como proporção das cotas de subscrição no FMI.  
O comportamento alterado tanto das taxas de crescimento como das de inflação, deu início a 
um  período  que  foi  caracterizado  pelo  termo  "estagflação"  (coexistência  de  inflação  com 
desemprego e estagnação econômica). A “Curva de Philips”, que associa a taxa de inflação e a 
taxa  de  desemprego,  como  inversamente  proporcionais,  foi  praticamente  refutada:  no  início 
nessa  década,  com  a  ocorrência  simultânea  de  inflação  e  estagnação,  que  demonstrou  a 
insuficiência da abordagem “ortodoxa” da inflação. 
No  mesmo  período,  o  capital  financeiro  dos  EUA,  seguido  pelos  países  capitalistas  em 
conjunto, criou as bases para a ampla valorização fictícia do capital. Os primeiros bancos a se 
internacionalizarem  em  grande  escala,  como  vimos,  foram  os  norte‐americanos:  no  longo 
período  que  vai  de  1918  a  1960  as  sucursais  bancárias  norte‐americanas  no  exterior 
duplicaram (de 61 a 124), mas nos quinze anos seguintes o número das mesmas se multiplicou 
sete vezes; assim, em 1975, existiam quase 900 filiais de bancos norte‐americanos no exterior. 
Nesta  proliferação  internacional  de  sucursais,  os  bancos  japoneses  e  europeus  seguiram  o 

                                                            
42
 As potências econômicas passaram a coordenar suas políticas de câmbio por meio de reuniões anuais do Grupo 
dos 5 (EUA, Japão, Alemanha, França e Grã‐Bretanha) que, depois, agregou Itália e Canadá, tornando‐se o G‐7.  Na 
expressão de Paul Volcker, o “czar” da economia dos EUA que precedeu Alan Greenspan, “desde 1971 e a decisão 
americana de não mais vincular dólar e ouro, o mundo viveu com um não‐sistema monetário internacional” 

51
 

caminho  aberto  pelos  norte‐americanos.  A  “financeirização”  percorreu,  em  grau  maior  ou 
menor, todas as fases do desenvolvimento capitalista contemporâneo. 
Europa,  acumuladora  de  enormes  saldos  comerciais  em  dólares,  era  chamada  a  pagar  pela 
crise,  com  a  desvalorização  de  suas  reservas.  No  próprio  Japão,  temido  como  substituto  do 
“eixo atlântico”, a explosão da crise foi violenta. Segundo Costas Kossis: “A crise internacional 
de meados de 1970, que significou o fim do longo boom, foi particularmente aguda no Japão. 
O  colapso  do  acordo  monetário  internacional  de  Bretton  Woods,  em  1971,  trouxe  uma 
revalorização  severa  do  yen,  e  abalou  a  competitividade  do  capital  japonês.  O  aumento 
massivo no preço do petróleo após o embargo de 1973 representou outro grande impacto, já 
que  cerca  de  90%  das  necessidades  energéticas  do  Japão  eram  cobertas  com  importações. 
Caiu a rentabilidade das empresas, a inflação subiu a 24,5% em 1974 (apenas a Grã‐Bretanha 
teve  um  desempenho  pior),  a  produção  da  mineração  e  da  manufatura  caiu  quase  20%  em 
1974,  o  investimento  em  equipamentos  caiu  e  cresceu  o  desemprego.  Durante  um  período, 
houve pânico no comércio e o milagre japonês parecia ter acabado”. 
Para Skidelsky, economista keynesiano, o gigantesco déficit em contas correntes permitiu aos 
EUA  financiar  suas  "pretensões  imperiais".  No  regime  de  ouro  antes  de  1914,  não  emergia 
desequilíbrio  global.  "A  podridão",  diz,  começou  com  a  conferência  de  Gênova  de  1922,  que 
permitiu aos países deter parte de suas reservas numa moeda forte, como a libra esterlina ou 
o dólar. O tratado de Bretton Woods, de 1944, adotou a proposta de taxas cambiais fixas, mas 
não conseguiu impor um remédio contra o acúmulo de superávits pelos países. O privilégio do 
dólar americano na época acomodou todo mundo, porque os europeus podiam exportar com 
taxa  cambial  desvalorizada  para  os  EUA,  e  estes  cobriam  seus  custos  na  defesa  de  Europa 
Ocidental.  
O "privilégio exorbitante" denunciado por de Gaulle permitiu aos EUA continuar sua "missão 
imperial" na Guerra Fria, para satisfação de parceiros e aliados. A posição privilegiada do dólar 
sobreviveu ao colapso do regime de câmbio fixo, em 1971. Na teoria, a taxa flutuante removia 
a necessidade de reservas, na medida em que o ajuste nos desequilíbrios de contas correntes 
deveria  ser  automático.  Mas  a  necessidade  de  reservas  "sobreviveu  de  forma  inesperada", 
para se proteger de movimentos especulativos de hot money que desviavam a taxa cambial do 
valor  de  equilíbrio.  Os  EUA  continuaram  a  ter  os  benefícios  políticos  dos  direitos  de 
"senhoriagem"  do  dólar  americano:  aceitaram  moeda  desvalorizada  na  Ásia  porque  isso 
assegurava persistência de relações políticas desequilibradas. 
Desenvolvimento Desigual e Crise Mundial 
A ordem econômica internacional do pós‐guerra, centrada no “sistema de Bretton Woods” e 
no  papel  do  FMI,  fora  a  mais  séria  tentativa  feita,  em  toda  a  história  do  capitalismo,  para 
superar as conseqüências do seu desenvolvimento desigual. Como constatou Peter Burnham: 
“O principal obstáculo à acumulação acelerada, em 1945, era o desenvolvimento desigual do 
capitalismo  a  nível  mundial,  que  havia  produzido  um  grande  desequilíbrio  na  produção  e  no 
comércio  entre  os  hemisférios  ocidental  e  oriental,  desequilíbrio  que  se  manifestava  como 
‘brecha  do  dólar’.  Por  conseguinte,  a  estratégia  econômica  dos  Estados  nacionais  europeus 
girava em torno à busca de uma solução para as crises recorrentes do balanço de pagamentos, 
que manifestavam o desenvolvimento desigual.  
“Para  esses  Estados  nacionais,  a  necessidade  de  maximizar  a  acumulação  se  traduzia  na 
necessidade  de  acumular  divisas.  A  Grã‐Bretanha  (atuando  em  representação  dos  Estados 
europeus)  e  os  EUA  entraram  em  negociações  para  restabelecer  os  circuitos  globais  de 
acumulação. Dadas as condições de desequilíbrio estrutural, os objetivos multilaterais dos EUA 
(a plena conversibilidade monetária imediata, o comércio não discriminado e a diminuição de 

52
 

tarifas  alfandegárias)  foram  resistidos  com  êxito  pela  Grã‐Bretanha  e,  ao  contrário  da 
percepção popular, o sistema de Bretton Woods foi efetivamente adiado até 1959”.43 
A  explosão  da  crise  pôs  em  evidência  todas  as  desigualdades  passadas,  acrescidas  daquelas 
criadas  pela  própria  “expansão”.  O  desequilíbrio  em  favor  do  Japão  foi  seu  aspecto  mais 
evidente. Em 1950 a produção de aço bruto do Japão era apenas 5,8% da produção dos EUA, 
mas  em  1980  já  a  havia  superado.  Em  1988  o  superou  na  produção  de  automóveis  para 
passageiros.  Da  mesma  forma,  enquanto  o  período  1981‐1988  viu  Reagan  tentar  sem  êxito 
levantar a economia dos EUA através de um empréstimo de mais de 531 bilhões de dólares, o 
Japão chegou a ser o principal país credor do mundo, e seus ativos líquidos de 11,5 bilhões de 
dólares em 1980 aumentaram para 291,7 bilhões em 1988.  
Em 1973, o Japão ainda era uma economia substancialmente menor e mais pobre do que os 
Estados  Unidos.  Seu  PIB  per  capita  era  apenas  55%  do  norte‐americano,  enquanto  seu  PIB 
total era apenas 27%. Na década de 1980, o PIB real do Japão cresceu a uma taxa de 8,9%, com 
a  produção  per  capita  crescendo  a  uma  taxa  de  7,7%.  Para  Elmar  Altvater,  isto  deveu‐se  a 
condições  excepcionais:  “Liberado  da  necessidade  de  manter  um  gasto  militar  alto  com 
respeito  ao  PIB,  e  sem  nenhum  limite  legal  para  a  jornada  de  trabalho,  o  Estado  japonês, 
implementando inovações nos processos produtivos, alcançou uma reconstrução dramática”. 
Isto  fez  supor  que  o  Japão  seria  capaz  de  liderar  um  novo  ciclo  de  acumulação  e  expansão 
capitalista,  com  centro  nas  economias  asiáticas  (no  Japão  em  especial,  tese  defendida  pelos 
defensores da teoria dos “ciclos longos”, em especial Giovanni Arrighi). A depressão japonesa 
na década de 1990 (bem antes da “crise asiática”) derrubou essa expectativa, baseada numa 
especulação teórica.  
Para  Paul  Krugman,  “o  crescimento  do  Japão  nas  décadas  de  1950  e  1960  se  assemelha  ao 
crescimento de Cingapura nas décadas de 1970 e 1980. A era do milagre japonês faz parte do 
passado.  O  Japão  ainda  consegue  crescer  mais  rapidamente  do  que  as  outras  nações 
avançadas, mas essa diferença nas taxas de crescimento tornou‐se bem menor do que passado 
e continua diminuindo. A história da grande desaceleração do crescimento japonês tem estado 
estranhamente ausente da vasta literatura polêmica sobre o Japão e seu papel na economia 
mundial. Grande parte dessa literatura parece parada no tempo, com os autores escrevendo 
como  se  o  Japão  ainda  fosse  a  economia  de  crescimento  milagroso  da  década  de  1960  e  do 
início da década de 1970... Mesmo uma plena recuperação (do Japão) atingirá apenas um nível 
bem inferior ao que muitos observadores sensatos previram há vinte anos”. 
Os  acordos  de  Bretton  Woods,  portanto,  apenas  adiaram  as  conseqüências  da  desigualdade 
econômica, ampliando a sua base. As contradições inter‐imperialistas reapareceram com toda 
a sua força, no plano econômico, depois de terem “desaparecido” no plano militar, pondo em 
evidência que a expansão acentuara a desigualdade do desenvolvimento capitalista mundial. 
Para o mesmo autor: “A luta dos Estados nacionais na economia global é uma luta de irmãos 
políticos  em  guerra  competindo  para  evitar  que  as  conseqüências  da  crise  de  sobre‐
acumulação irrompam em seu território graças ao desenvolvimento desigual”.  
Com  relação  aos  países  “subdesenvolvidos”,  o  fosso  que  os  separava  dos  países  centrais 
cresceu. Entre 1980 e 1990, a parte dos EUA nas exportações mundiais se manteve em torno 
de 12%; a da Europa cresceu de 37 % para 41%; a do Japão de 7% para quase 9%; enquanto a 
da África caiu de 5% para 2,5%, e a da América Latina de 6,5% para menos de 4%, o que levou 
a  concluir  num  “desacoplamento  (involuntário)  do  Hemisfério  Sul  do  mercado  mundial”.  A 
polarização social se acentuou: entre 1970 e 1975, a renda anual por habitante aumentou 180 

                                                            
43
  Coincidindo,  Samuel  Kilsztajn  constatou  que  “a  conversibilidade  entre  as  moedas  com  o  padrão  dólar‐ouro, 
prevista em Bretton Woods, existiu somente durante o curto período de 1958 a 1960” (!). 

53
 

dólares nos países do Norte, 80 dólares nos países do Leste, e 1 dólar nos países do “Terceiro 
Mundo”.  
As taxas de crescimento dos “milagres asiáticos” também se reduziram, ou seja, se tornaram 
“normais”. Paul Krugman chegou a afirmar que não havia qualquer "milagre asiático",44 e que 
as outras economias nada tinham a aprender com a experiência dos “Tigres Asiáticos”, devida 
a fatores excepcionais, pelo que se devia desfazer o mito do seu crescimento.45 
TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB PER CAPITA, EM PPP
    1960-70  1970-80 1980-92 1960-92 
País
Japão  9.5 3.9 3.3 5.4
Singapura  6.2 9.1 5.1 6.6
Hong-Kong  7.0 6.7 5.8 6.4
Taiwan  5.4 7.5 6.0 6.3
Coréia do Sul  5.7 7.2 6.8 6.8
Malásia  4.6 7.1 4.1 4.7
Tailândia  5.4 4.2 4.8 4.8

 Com a explosão dos preços do petróleo, a crise evidenciou seu caráter mundial, ao passo que 
se  transformou  em  catástrofe  para  os  países  periféricos.  Em  1973‐74,  o  preço  do  petróleo 
cresceu  drasticamente.  Os  países  atrasados  experimentaram  um  forte  aumento  no  custo  de 
suas  importações,  e  a  ascensão  do  preço  do  petróleo  gerou  um  grande  problema  de 
reciclagem para o sistema monetário internacional.  
Os desequilíbrios das contas correntes de 1% a 1,5% do PIB, durante os anos de 1950 e 1960, 
dobraram para 2% a 3% nos anos 1970. A ascensão do preço do petróleo fez com que os países 
industrializados, em 1974, começassem a apresentar um déficit considerável da ordem de US$ 
20  bilhões  de  Diretos  Especiais  de  Saque  (DES).  Os  países  “em  desenvolvimento”  e 
importadores de petróleo, por sua vez, que já apresentavam déficits em suas contas correntes 
da  ordem  de  5  bilhões  de  DES  em  1973,  viram  essas  cifras  aumentarem  significativamente 
para o patamar de 80,5 bilhões de DES em 1981. 
                                                            
44
 Segundo Krugman: “O caso de Cingapura é o mais extremo. Outras economias em rápido crescimento do Leste 
Asiático  não  aumentaram  a  participação  da  força  de  trabalho  no  mesmo  grau,  nem  melhoraram  tão 
substancialmente  os  níveis  educacionais,  nem  elevaram  tanto  a  parcela  de  investimentos.  Não  obstante,  a 
conclusão  básica  é  a  mesma:  são  surpreendentemente  poucos  os  indícios  de  melhoria  da  eficiência.  Kim  e  Lau 
concluíram,  quanto  aos  quatro  "tigres"  asiáticos,  que  "a  hipótese  de  que  não  houve  progresso  técnico  durante  o 
período  do  pós‐guerra  não  pode  ser  rejeitada  para  os  quatro  países  recém‐industrializados  do  Leste  Asiático". 
Young, mais poeticamente, observou que, uma vez descontado o rápido crescimento dos insumos, o desempenho 
da  produtividade  dos  "tigres"  despenca  "das  alturas  do  Olimpo  para  as  planícies  da  Tessália".  Essa  conclusão 
contraria tanto o pensamento convencional, que é extremamente difícil para os economistas divulga‐Ia. Ninguém 
dá  ouvidos.  Em  1982,  um  estudante  de  pós‐graduação  de  Harvard,  Yuan  Tsao,  encontrou  poucas  evidências  de 
aumento  de  eficiência  em  sua  dissertação  sobre  Cingapura,  mas  seu  trabalho  foi  ignorado  ou  descartado  como 
inacreditável”. 
45
 Por exemplo, na Malásia, o IDE cresceu de 300 milhões de dólares anuais em inícios da década de 1980, para mais 
de  2  bilhões  no  final  da  década.  O  maior  investidor  era  o  Japão,  seguido  por  Taiwan  e  os  EUA.  Os  principais 
investimentos foram em produtos elétricos e eletrônicos, químicos, borracha, metais básicos e petróleo. A maioria 
dos investimentos foi orientada para as exportações: criaram‐se mais de 80 mil empregos na indústria eletrônica, o 
país tornou‐se o terceiro produtor mundial de semi‐condutores. No final da década, 80 a Siemens construiu aqui a 
sua  quarta  maior  fábrica  do  mundo  para  produzir  mega‐chips.  A  National  Semiconductor,  Motorola,  Hitachi, 
Seagate,  Intel  e  Nixdorf  construíram  importantes  fábricas.  A  Sharp  e  Sony  passaram  a  produzir  televisores  e 
monitores;  a  Matsushita  exporta  grande  parte  da  sua  produção  de  ar  condicionado  a  partir  deste  país,  operação 
que  foi  crescendo  com  a  apreciação  do  yen  e  em  detrimento  de  suas  fábricas  no  Japão.  A  chave:  mão  de  obra 
qualificada  e  barata,  incentivos  fiscais,  repressão  de  todo  movimento  sindical;  para  montar  plataformas  de 
exportação  (as  EAAPs  tinham  o  “grau  de  orientação  para  o  exterior”  mais  elevado  entre  todas  as  regiões  do 
mundo),  com  elevado  peso  também  da  indústria  de  têxteis  e  vestuário,  essencialmente  intensiva  em  trabalho.  O 
“milagre asiático” não fugiu da luta de classes, nem das relações internacionais próprias do imperialismo.  

54
 

Saldo das Transações Correntes (em milhões de DES) 

1972 1973 1974 1975 1979 1981


Países industrializados 7.954 9.531 -20.820 4.091 -20.474 -16.480
Países em desenvolvimento
exportadores de petróleo
373 1.967 40.381 14.771 43.125 38.531
Países em desenvolvimento
importadores de petróleo
-5.791 -5.276 -18.482 -25.676 -37.638 -80.571

A internacionalização das forças produtivas atingira níveis sem precedentes, tanto no que diz 
respeito  ao  comércio  quanto  à  própria  produção:  a  parte  exportada  da  produção  mundial 
passou  de  8,5%  para  15,8%  entre  1955  e  1974,  e  já  em  1971,  a  produção  das  filiais  norte‐
americanas  situadas  no  estrangeiro  atingia  172  bilhões  de  dólares,  enquanto  a  exportação 
direta chegava a 43,5 bilhões de dólares. A monopolização também crescia: desde meados dos 
anos  1970,  50%  das  exportações  americanas  se  efetuavam  fora  do  mercado,  no  interior  de 
filiais de uma mesma “multinacional”. Essa foi a base da chamada “globalização”.  
Seu conteúdo real foi dado pela internacionalização, menos das trocas comerciais , e mais das 
operações do capital, sob a tríplice forma de capital industrial, do comercial e, sobretudo, do 
capital‐dinheiro  concentrado,  que  se  valoriza  na  esfera  financeira,  mas  que  se  alimenta  de 
exações na esfera produtiva onde se formam o valor, a mais‐valia, e as outras variedades do 
sobre‐produto. A globalização é a das trocas comerciais só de forma subalterna, sendo que a 
estrutura  das  trocas  só  é  compreensível  se  analisadas  as  operações  do  capital  nas  suas  três 
figuras.  As  empresas  transnacionais  são  responsáveis,  como  casas‐matriz,  filiais,  ou 
contratadoras  de  serviços  de  terceirização  além‐fronteiras,  por  pelo  menos  dois  terços  das 
trocas  internacionais  de  bens  e  serviços.  Aproximadamente  50%  do  comércio  mundial 
pertence  à  categoria  “intra‐grupo”.  Entre  1980  e  1990  o  comércio  mundial  cresceu 
modestamente,  a  ritmos  inferiores  àqueles  do  período  1960‐74,  e  inferior  também  ao 
crescimento das inversões diretas, ou às transações nos mercados financeiros internacionais.  
Sistema de Crédito e Armamentismo 
O crescimento da produção e da produtividade do trabalho durante as décadas posteriores à 
Segunda  Guerra  Mundial  encontrou  um  gargalo  na  segunda  metade  dos  anos  1960,  quanto 
também  se  verificou  uma  tendência  ao  estancamento  econômico  no  “bloco  socialista”,  cada 
vez mais integrado ao mercado mundial (seu ritmo de crescimento passou de 11,5% em 1950‐
55 para 3,5% na primeira metade da década de 80).  
As evidências da crise (queda da produtividade e da taxa de lucro, “corrida ao ouro”, e crise 
monetária em 1971) deram lugar à crise declarada a partir de 1973. A queda da taxa de lucro 
indicava que a massa do capital existente era excessiva em relação ao rendimento (mais‐valia) 
que podia extrair da exploração dos trabalhadores. Para superar essa situação era necessária 
uma crise, cujo papel seria, de um lado, eliminar uma grande parte do capital “excedente” e 
superar,  por  essa  via,  a  competição  entre  os  capitalistas.  Por  outro  lado,  a  crise  deveria  re‐
estruturar as condições sociais e políticas do processo de exploração, para recuperar, em uma 
nova  escala  histórica,  o  nível  da  taxa  de  mais‐valia.  A  crise  tornou  evidentes  as  contradições 
acumuladas no período “de expansão”, e sua magnitude possuía relação com a extensão e a 
profundidade daquele.  
O desenvolvimento que o capitalismo possui em cada fase histórica condiciona o caráter e a 
profundidade  das  suas  crises,  bem  como  o  papel  que  estas  podem  cumprir,  quer  destruindo 
forças  produtivas  e  restaurando  as  condições  de  valorização  do  capital,  quer  criando  as 
condições para a destruição das relações de produção vigentes. Do ponto de vista econômico, 
houve  diferenças  substanciais  entre  a  crise  dos  anos  trinta  e  a  de  1973‐1983.  No  primeiro 
período  houve  uma  desintegração  da  ordem  econômica  internacional,  com  um  colapso  do 
volume  do  comércio  mundial,  levantamento  de  barreiras  comerciais,  controle  de  câmbios  e 

55
 

blocos  comerciais  discriminatórios.  O  mercado  de  capital  internacional  caiu  também  sob  o 
peso  da  mora  e  da  insegurança  criada  pela  hostilidade  entre  os  principais  países  capitalistas 
avançados.  
No período de 1973‐1983 o crescimento dos países avançados caiu muito em relação à “época 
dourada” do pós‐guerra. Boa parte da queda foi “administrada” e refletia preocupações pelos 
problemas  dos  balanços  de  pagamentos  e  a  inflação,  que  eram  causados  ou  aguçados  pelos 
choques  petroleiros  da  OPEP.  A  queda  do  PIB  foi  moderada  em  comparação  com  os  anos 
trinta.  
O  preço  pago  por  este  suposto  “controle”  do  capital  e  suas  instituições  sobre  a  crise,  foi  a 
extensão  e  profundidade  inéditas  desta,  e  o  grau  nunca  antes  atingido  de  parasitismo 
econômico,  expressa  no  desenvolvimento  sem  precedentes  da  especulação  financeira,  que 
levou alguns a considerar este aspecto separadamente do conjunto da crise, sob o termo de 
“financeirização  da  riqueza”.  Na  verdade,  trata‐se  de  aspectos  inseparáveis.  O  capital 
comercial e o bancário crescem com o volume da produção capitalista e medeiam o processo 
de reprodução do capital (ainda que, historicamente, tenham se desenvolvido antes do capital 
industrial). Mas, como elementos da circulação do capital, eles não abrigam a criação de valor, 
apenas  o  realizam,  de  modo  que  são  estruturalmente  dependentes  do  capital  industrial, 
prolongamentos deste, que se tornam autônomos externamente.  
A  aceleração  dos  negócios,  em  época  de  conjuntura  favorável,  leva  à  multiplicação  das 
operações de compra, venda e crédito, bem como o estímulo à função de meio de pagamento 
do  dinheiro.  A  separação  externa  entre  capital  comercial  e  bancário  faz  com  que  se 
movimentem  além  dos  limites  impostos  pela  reprodução  do  capital  industrial,  violando  a 
dependência  interna  que  guardam  em  relação  a  este.  Por  isso  a  conexão  interna  é 
restabelecida  mediante  uma  crise  comercial,  bancária  e  financeira,  formas  de  aparência  das 
crises  da  economia  real,  apreendidas  como  contradições  que  se  passam  exclusivamente  no 
âmbito da circulação monetária, mas que em verdade resultam da anarquia do processo global 
de  reprodução  do  capital  industrial,  unidade  do  seu  tempo  de  produção  e  circulação.  A 
capacidade  excedente  de  produção  –  a  razão  entre  capacidade  de  produção  total  e  a 
realização da produção ‐ só fica evidente quando a fase de expansão do crescimento atinge o 
seu  ponto  mais  alto.  O  surgimento  de  novas  instalações  fabris  para  suprir  a  demanda  por 
mercadorias  aumenta  a  capacidade  de  produção,  porém,  no  momento  que  a  expansão 
termina é que a capacidade excedente ou ociosa é percebida.46  
A saída para a crise foi procurada, por isso, na expansão do crédito para o consumo, ampliando 
artificialmente  o  mercado  (Marx  já  assinalava  que  sem  o  desenvolvimento  do  sistema  de 
crédito e dos sinais monetários de substituição [moeda de crédito], o regime capitalista teria 
encontrado  os  seus  limites  no  volume  de  produção  dos  metais  preciosos),  e  criando‐se  uma 
massa  cada  vez  maior  de  “capital  fictício”.  As  formas  de  “dinheiro  de  crédito”  são  títulos  de 
dívida,  meros  compromissos  formais  de  pagamento  de  preços  de  mercadorias,  cujos  valores 
devem  ser  sido  medidos  anteriormente  pelo  dinheiro.  Um  título  de  dívida  não  pode  ser,  ao 
mesmo  tempo,  medida  de  valor,  mas  pode  funcionar  como  meio  de  circulação  e  de 
pagamento, no lugar do dinheiro, por transferência entre credores. 
O gasto em consumo (e não em investimento) abriu o caminho para a recuperação econômica 
posterior  a  1975.  O  capital  acumulado  pela  expansão  foi  redirecionado  para  setores 
improdutivos  ‐  militar,  financeiro  especulativo  ‐  resultando  na  descontinuidade  do  ciclo  de 
reprodução  do  capital,  que  seria  proporcionado  por  investimentos  produtivos.  O  gasto  em 
investimento  cresceu  menos  que  50%  da  taxa  normal  das  quatro  grandes  recuperações 
anteriores desde a Segunda Guerra Mundial, apesar da taxa de lucro posterior a 1975 crescer 
                                                            
46
  “As  condições  de  exploração  são  limitadas  pela  força  produtiva  da  sociedade;  as  outras,  pela 
desproporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da sociedade” (Marx). 

56
 

mais rápido do que a média nas recuperações anteriores.  A razão é que as empresas reduziam 
os empréstimos e tratavam de restabelecer condições de liquidez mais favoráveis. O gasto e o 
consumo militar também foram elementos de ponta na recuperação de 1983.47  
A  corrida  armamentista  visava  também  o  desmantelamento  da  URSS  e  do  “bloco  socialista”, 
que, depois de um forte crescimento econômico no entre – guerras (na URSS), e no imediato 
pós‐guerra  (no  “bloco”  todo),  vira  fracassar  a  "modernização"  pós‐stalinista  tentada  por 
Kruschev, que se revelou incapaz de desburocratizar em profundidade e aumentar a eficiência 
da  economia.  O  grande  ônus,  para  a  URSS,  era  a  corrida  armamentista:  em  1955,  os  EUA 
consagravam 10% do seu PIB à produção de armamentos, sendo a percentagem para a URSS 
de 14%.  Esses percentuais, oficiais, por outro lado, parecem ter estado aquém da realidade: se 
a CIA continuava convencida, ainda em 1976, de que a URSS não consumia mais do que 15% 
do seu PIB em gastos de defesa; o físico “dissidente” Andrei Sakharov, um dos pais da bomba 
atômica  soviética,  estimava  esses  gastos  em  40%  do  PIB.  A  URSS  deu  início  a  concessões 
políticas internacionais e estratégicas aos EUA, com vistas a relaxar essa pressão insuportável 
sobre a economia soviética, que mantinha um enorme aparelho militar convencional e nuclear 
no quadro do Pacto de Varsóvia, que estava mais orientado a ameaçar as repúblicas da URSS, a 
Europa oriental e a China. 
GASTOS MILITARES DOS EUA EM MILHÕES DE DÓLARES
1981 1982 1983
Salários 36.930 38.489 44.896
Reforma de militares 13.840 15.036 16.600
Operação e manutenção 55.548 62.271 69.392
Aquisições 48.025 65.701 89.547
Investigações e desenvolvimento 16.609 20.058 24.257
Construções militares 3.398 5.026 5.436
Alojamentos familiares 2.004 2.239 2.777
Outros gastos 2.031 5.239 4.654
178.386 214.060 257.469
Energia atômica 3.651 4.673 5.506
Outras atividades 369 133 58
Total 182.405 218.865 263.123

Mas  a  “mágica”  creditícia  e  do  gasto  improdutivo  (armamentista)  do  capital  não  conseguiria 
superar  as  suas  contradições,  já  analisadas  por  Marx  no  volume  III  de  O  Capital.  Uma 
hierarquia  ascendente  de  títulos  de  crédito  substitui  o  dinheiro  na  função  de  meio  de 
pagamento,  constituindo  o  eixo  do  que  Marx  denominou  “sistema  de  crédito”:  “O  crédito 
acelera  as  erupções  violentas  da  contradição  ‐  crise  ‐  e,  portanto,  os  elementos  de 
desintegração  do  antigo  modo  de  produção.  O  sistema  de  crédito  aparece  como  o  principal 
nível de sobre‐produção e super‐especulação no comércio somente porque uma maior parte 
do  capital  social  é  empregado  por  pessoas  que  não  são  seus  proprietários  que, 
conseqüentemente,  vêem  as  coisas  de  maneira  diferente  do  proprietário.  Isso  demonstra 
simplesmente que a auto‐expansão do capital permite um livre desenvolvimento real apenas 

                                                            
47
 Essa tendência não foi privativa dos grandes países capitalistas. Relatórios do SIPRI (Instituto de Pesquisas para a 
Paz, de Estocolmo) informavam que em 1980 os gastos militares no Terceiro Mundo superavam os 80 bilhões de 
dólares,  correspondendo  ao  Oriente  Médio  38,4  bilhões.  Proporcionalmente,  os  gastos  militares  dos  países  do 
Terceiro  Mundo  já  eram  maiores  que  os  das  super‐potências:  em  1969,  quando  os  EUA  e  a  URSS  consumiam 
aproximadamente 8,5% do seu PIB (conjunto) em gastos de defesa, Egito consumia 13,3%, Iraque, 10%, e Israel ... 
25,1%. A queda percentual dos gastos militares dos EUA e da OTAN durante a década de 1970 não correspondia a 
uma tendência “pacifista”: tratou‐se de uma racionalização do gasto, depois da derrota norte‐americana no Vietnã, 
paralela  a  um  intervencionismo  político  crescente  dos  EUA  nas  áreas  chamadas  de  “interesse  vital”.  Foi  nessa 
década, exatamente, que os EUA superaram à URSS como os maiores exportadores de armas ao Terceiro Mundo, 
ao mesmo tempo em que alimentavam as sangrentas ditaduras militares de América Latina. 

57
 

até certo ponto, de modo que, de fato, constitui um freio e uma barreira iminente à produção 
que são continuamente transgredidos pelos sistemas de créditos”.48 

Os “trinta anos gloriosos” no Vietnã 

Especulação e Inflação Periférica 
Assim,  nos  anos  80,  tivemos  o  despontar  da  crise  da  dívida  externa,  a  rápida  ascensão  do 
Japão, dos tigres asiáticos, do sudeste asiático e da China continental (segundo Jim Rohwer, a 
recusa dos governos asiáticos em “oferecer redes de proteção social” foi o segredo da rápida 
expansão econômica dos “tigres” da região). A política de gastos armamentistas terminou com 
a  recessão  nos  EUA.  Finalmente,  houve  o  estouro  de  empréstimos  contraídos  por  grandes 
empresas com o intuito de conquistar lucros especulativos de curto prazo.  
A especulação financeira foi uma conseqüência da expansão do crédito, através da criação de 
novos “produtos financeiros” (que atingiriam seu máximo desenvolvimento com os chamados 
“derivativos de crédito”) vinculados ao financiamento do crédito.49 Os países atrasados foram 
o principal campo da recuperação financeira do capital.  
A dívida externa desses países, nas décadas de 1970 e 1980, cresceu de aproximadamente US$ 
50  bilhões  para  pouco  mais  de  US$  1,6  trilhão,  ou  seja,  um  crescimento  de  32  vezes.  Essa 
dívida foi financiada por  governos estrangeiros, organismos internacionais e bancos privados 

                                                            
48
  Em  1929,  o  economista  marxista  Henryk  Grossmann  (da  “Escola  de  Frankfurt”)  já  criticara  as  tentativas  de 
emancipar a especulação da crise da produção capitalista: a especulação “possibilita aos capitais sobre‐acumulados 
uma  ‘aplicação’  lucrativa;  estes  lucros  não  emanam  das  utilidades,  mas  que  são  transferências  de  capital.  A 
economia política burguesa não quer ver estas conexões. Ela observa apenas os fenômenos tal como se apresentam 
na superfície e se perde por isso na aparência. Porque o capital é exportado? Porque se buscam crescentemente os 
títulos  estrangeiros?  Com  o  avanço  da  acumulação  de  capital  e  o  incremento  da  massa  de  grandes  e  pequenos 
capitalistas, a necessidade da extensão da especulação da Bolsa se apresenta a amplas massas de capitalistas, dado 
que a massa dos capitais inativos que busca aplicação durante a crise e a depressão é cada vez maior”. 
49
 Os "derivativos" financeiros ‐ instrumentos derivados de ativos subjacentes ou de índices financeiros ‐ são usados 
para controlar os riscos decorrentes da posse de ativos. Surgiram em meados da década de 1970, como um seguro 
contra  a  crescente  volatilidade  das  moedas  e  das  taxas  de  juros,  subseqüentes  ao  esgotamento  do  sistema  de 
Bretton  Woods.  Os  derivativos  são  comprados,  vendidos  e  negociados  em  bolsas  de  futuros  financeiros  ou 
diretamente entre bancos e outros agentes (mercado de balcão). A “securitização” ‐ substituição dos tradicionais 
empréstimos bancários pela emissão de títulos negociáveis por empresas ‐ aumentou a quantidade e variedade dos 
ativos financeiros negociáveis, criando um campo de especulação financeira sem precedentes. 

58
 

internacionais.  Além  disso,  estava  escriturada  em  moeda  estrangeira  (normalmente  em 
dólares).  
A principal característica do crescimento do endividamento na década de 1970 foi o aumento 
nos montantes emprestados por credores privados. O processo especulativo, portanto, surgiu 
como  paliativo  para  a  crise  de  sobre‐produção  da  década  de  1970,  levando  à  ampliação  dos 
seus  efeitos,  culminando  com  o  aumento  espetacular  da  dívida  interna  dos  EUA  (com  as 
famílias  endividadas  em  150%  das  suas  receitas)  e  com  a  crise  internacional  das  dívidas,  em 
1982.50  
EMPRÉSTIMOS GOVERNAMENTAIS E PRIVADOS PARA OS PAÍSES “EM 
DESENVOLVIMENTO” (EM %) 

1970 1973 1979


Governo 46,4 30,9 28,1
Privado 53,6 69,1 71,9
A  economia  norte‐americana  se  afundava  na  crise,  acompanhada  pela  inflação  e 
desvalorização  do  dólar.  O  final  desta  fase  começou  com  a  crise  da  dívida,  que  deu  os 
contornos  da  conjuntura  dos  anos  1980  e  sua  “crise  de  crédito”.  Em  outubro  de  1979,  o 
governo  Carter,  através  do  Presidente  do  Federal  Reserve,  Paul  Volcker,  elevou  brutalmente 
sua  taxa  de  juros,  de  um  patamar  entre  6%  e  8%  para  18%  anuais,  para  quebrar  o  ciclo  de 
inflação  ascendente,  e  reforçar  o  financiamento  da  economia‐norte  americana  através  da 
colocação  de  papéis  do  Tesouro  nos  mercados  financeiros.  Essa  decisão  dos  EUA  gerou  um 
abalo  econômico  mundial,  levando  várias  empresas  e  países  periféricos  à  bancarrota,  e 
também forçou os demais países capitalistas a um “ajuste recessivo” e a políticas econômicas 
deflacionistas, confirmadas pelos Acordos de Plaza e Louvre (1985) que deram suporte a uma 
nova desvalorização do dólar. 
Isto  criou  uma  demanda  por  instrumentos  financeiros  de  transferência  de  risco  de  preço,  os 
chamados mercados de derivativos: mercados futuros de moedas, operações de swap e hedge. 
A nova política monetária implementada pelo FED (Banco Central dos EUA) buscou resgatar a 
supremacia financeira norte‐americana. Lançou, assim, a corrida para a especulação financeira 
desenfreada, à qual não conseguiria impor limites. A forte colocação no mercado internacional 
de títulos do Tesouro norte‐americano pôs os EUA na posição financiar seus déficits através da 
poupança internacional, estabelecendo os termos de uma "diplomacia do dólar": a crescente 
dívida pública dos EUA passou a ter um peso tão grande na composição de ativos de bancos e 
fundos  de  pensão,  que  se  tornou  o  principal  instrumento  de  regulação  dos  mercados 
monetário e financeiro internacional, comandada pela política conjunta do FED e do Tesouro 
norte‐americano. 
As  transformações  dos  mercados  financeiros  internacionais,  baseadas  na  ampliação  do 
endividamento  público  norte‐americano  e  europeu,  e  na  forte  internacionalização  dos 
mercados de capitais através da securitização de títulos (a transformação de ativos financeiros 
em instrumentos negociáveis no mercado: em 1980, a Bolsa de Chicago inaugurou uma nova 
era  para  os  mercados  futuros,  ao  incluir  nos  ativos  futuros  as  transações  com  moedas) 
modificaram  as  formas  de  captação  de  recursos  financeiros.  Os  financiamentos  através  de 
créditos dos bancos comerciais perderam espaço para os mercados de emissão e negociação 
direta de títulos da dívida. Esta nova tendência já se iniciara em meados dos anos 1960, com a 

                                                            
50
 Em 15 de agosto de 1982 o México declarou que não teria condições de pagar sua dívida externa. Vários países 
acompanharam a iniciativa mexicana, e no final da década, 40 países estavam renegociando suas dívidas junto aos 
bancos  comerciais.  As  conseqüências  foram  severas,  não  apenas  para  as  partes  diretamente  envolvidas,  como 
também  no  funcionamento  do  sistema  financeiro  internacional.  Isto  teve  um  custo  elevado  para  os  países 
endividados, que passaram por um período de estagnação na década de 1980. Mais de 50% dos saldos comerciais 
de Brasil e do México foi utilizado para o serviço da dívida nas décadas de 1970 e 1980. 

59
 

inflação  ascendente,  quando  os  bancos  buscaram  novas  formas  de  captação,  livres  das 
imposições  sofridas  pelos  depósitos  bancários  junto  ao  banco  central.  O  mesmo  ocorria  no 
âmbito  das  grandes  empresas,  que  se  tornaram  independentes  dos  bancos  para  efeito  de 
financiamento,  com  a  colocação  de  títulos  próprios  no  mercado  financeiro,  os  commercial 
papers. A guinada na política econômica norte‐americana, em 1979, reforçou a tendência para 
a  “desregulamentação”  dos  mercados  financeiros,  e  a  progressiva  quebra  dos  controles 
nacionais às movimentações financeiras. Entramos num período caracterizado pela crescente 
importância do mercado internacional de títulos, os bonds, emitidos por governos, empresas 
estatais e empresas privadas. 
INFLAÇÃO (%) 1970-1981
Período EUA Japão Alemanha
1970 5,9 7,7 3,4
1971 4,3 6,1 5,3
1972 3,3 4,5 5,5
1972 6,2 11,7 6,9
1974 11 24,5 7
1976 9,1 11,8 6
1976 5,8 9,3 4,5
1977 6,5 8,1 3,9
1978 7,7 3,8 2,6
1979 11,3 3,6 4,1
1980 13,5 8 5,5
1981 10,7 5,1 6

A elevação dos juros à longo prazo repercutiu na economia mundial. A crise da dívida que se 
produziu no início da década de 1980 no Brasil, México e em outros países, teve sua origem na 
elevação dos juros reais à longo prazo. Essa elevação aumenta os títulos públicos emitidos pelo 
estado  como  parte  da  reconstituição  dos  mercados financeiros, crescendo a dívida tanto em 
termos  absolutos  quanto  relativos.  O  montante  dos  mercados  financeiros  à  escala 
internacional passou de 10 trilhões em 1980 para mais de 35 trilhões de dólares em 1990: a 
parte da dívida pública passou de 18% para 25% em apenas 10 anos. 
O crescimento das sociedades de investimento financeiro foi testemunha da reconstituição do 
mercado  financeiro:  sua  rentabilidade  tornou‐se  muito  maior  e  rápida,  impulsionando  os 
grupos industriais a acelerarem o seu processo de financeirização (lucros “não operacionais”). 
A  acumulação  passou  a  basear‐se  na  reconstituição  e  no  crescimento  rápido  do  mercado 
financeiro,  e  no  crescimento  dos  grupos  de  caráter  especulativo.  Os  EUA  passaram  a 
aproveitar‐se  da  posição  econômica,  política,  tecnológica  e  financeira  dominante.  A  dívida 
pública  norte‐americana  representava,  em  1995,  45%  da  dívida  pública  mundial,  4%  do  PIB 
norte‐americano,  20%  do  seu  orçamento  federal.  Os  EUA  passaram  a  ser  “importadores  de 
capital”  desde  1983:  tornaram‐se  uma  potência  centralizadora  dos  mercados  financeiros  em 
benefício de si próprio em escala internacional. 
A escalada da economia especulativa teve como conseqüência a flexibilização do mercado de 
trabalho, com crescente precariedade dos contratos trabalhistas, queda contínua dos salários 
reais, perda da estabilidade e dos benefícios. O capital financeiro não era o mesmo do início do 
século:  não  se  poderia  analisá‐lo  sem  levar  em  conta,  por  exemplo,  o  papel  dos  fundos  de 
pensão.  O  capital  é  sempre  uma  totalidade  diferenciada  na  qual  se  articulam  os  grandes 
mercados,  as  grandes  empresas  e  os  diversos  estados  nacionais:  não  havia  um  “capitalismo 
global” que teria perdido sua base nacional e sim a ordenação de um sistema mundialmente 
hierarquizado, conforme a articulação da grande capital. Os mercados financeiros localizados 
nos  países  imperialistas  organizam  os  mecanismos  pelos  quais  se  estabelece  a  subordinação 
dos países dominados.  

60
 

Nos  anos  1980,  os  fundos  especulativos  investiram  em  junk  bonds,  títulos  “podres”, 
investimentos incertos que provocaram craques nas bolsas americanas e internacionais, e os 
savings  and  loans,  cadernetas  de  poupança  que  foram  à  falência  seqüencial  nos  EUA.  A 
falência  dos  investimentos  revelou  que  a  maior  parte  dos  fundos  de  pensão  tinha  sido 
investida, a despeito dos controles oficiais, em setores especulativos de alto risco. As garantias 
legais existiam nos EUA: a lei obrigava os fundos de pensão a estarem no seguro, o que não 
impediu que muitos não estivessem, levando, no caso de sua concordata ou falência, a que os 
aposentados se encontrassem “legalmente” de mãos atadas. As tendências de fundo eram a 
explosão do capital especulativo e o crescimento correlativo da precariedade do emprego.  
Segundo  os  cálculos  de  1994  do  BIS,  US$  13  trilhões  passaram  a  girar  pelo  mundo  em 
velocidade  jamais  vista,  ao  comando  de  teclas  de  computador.  O  mega‐investidor  George 
Soros ganhou 1 bilhão de dólares em 1992, apostando contra a libra esterlina. Conseqüências: 
a  libra  teve  de  ser  desvalorizada  e  retirada  do  mecanismo  de  flutuação  criado  no  mercado 
europeu.  Em  1971,  o  volume  de  empréstimos  internacionais  de  médio  e  longo  prazo  feitos 
pelo  capital  privado  foi  de  10  bilhões  de  dólares.  Em  1995,  ele  chegou  a  1,3  trilhão:  cresceu 
130 vezes em apenas duas décadas e meia. O dinheiro volátil, das bolsas de valores, do câmbio 
ou dos juros, passou a sustentar transações diárias entre 2 e 3 trilhões de dólares.  
Os mercados de câmbio foram o segmento do mercado financeiro global que registrou o maior 
crescimento:  na  década  de  1980  seu  volume  de  transações  decuplicou.  As  transações  nos 
mercados de câmbio superaram o crescimento dos fluxos comerciais (apesar de, entre 1965 e 
1990,  o  comércio  mundial  de  mercadorias  e  serviços  ter  aumentado  14  vezes),  dos 
investimentos externos direto e o crescimento do PIB dos países da OCDE: 
COMPARAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO (DE 1980 A 1988) DOS FLUXOS COMERCIAIS, FINANCEIROS, DE 
INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO E O CRESCIMENTO DO PIB DOS PAÍSES DA OCDE (COEFICIENTE MULTIPLICADOR) 
PIB dos países  Fluxos  Transações  nos  Fluxos  
da OCDE  comerciais   mercados  de  de IED 
câmbio 
1,95  2  8,5 3,5 
 

 
“Revolução Conservadora” e Novo Choque do Petróleo 
O  novo  patamar  das  taxas  de  juros  estabelecia  o  piso  para  as  taxas  de  lucro  e  acumulação 
esperadas,  criando  assim  as  bases  para  a  predominância  do  capital  financeiro  e  a  crescente 
“financeirização  da  riqueza”.  Às  empresas  produtivas  restava  buscar,  na  periferia,  fatores  de 
produção a baixíssimos custos no que se referia à mão de obra e recursos naturais. O paulatino 
incremento  da  participação  de  ganhos  de  natureza  financeira  também  se  apresentava  como 
alternativa para a equalização das taxas de lucro próxima dos valores esperados.  
O  governo  Reagan  (1981)  implementou  também  uma  nova  política  tributária:  as  maiores 
fortunas  e  os  ganhos  de  capital  foram  em  muito  desonerados.  Os  cortes  compensatórios 
dirigiram‐se  preponderantemente  para  os  gastos  sociais.  O  mesmo  realizou  o  governo 

61
 

Thatcher (1979) na Grã‐Bretanha. Na Alemanha a “onda” chegou em 1982, com Helmuth Kohl. 
Surgia a era do (mal chamado) “neoliberalismo”, ou (pior ainda) “revolução conservadora”.51 
A  política  de  estabilização  do  dólar  e  combate  a  inflação,  através  dos  juros  altos  e  do 
endividamento do tesouro americano, foi iniciada com Jimmy Carter e continuada com Ronald 
Reagan. Os juros, que chegaram a ser negativos, dada a elevada inflação nos EUA, atingiram 
mais de 20% ao ano, levando México e Argentina a declararem moratória em 1982. Este fato 
quase levou a uma quebra generalizada dos grandes bancos e empresas. 
Sob o governo Reagan houve também o incremento da corrida armamentista, com o projeto 
“guerra  nas  estrelas”  como  o  carro  chefe.  Para  além  dos  objetivos  geopolíticos,  referentes  a 
forçar  a  URSS  a  se  desgastar  economicamente,  havia  uma  política  de  reconfiguração  da 
composição da indústria, bem como de redirecionamento dos gastos públicos (que, contra o 
mito  “neoliberal”,  estiveram  longe  de  experimentar  uma  queda),52  com  um  aumento 
estrutural  na  participação  dos  gastos  militares  no  orçamento.  A  microeletrônica  obteve  um 
forte  desenvolvimento,  aplicada  ao  sistema  produtivo,  com  a  difusão  da  automação,  da 
robótica e da informatização crescente. As telecomunicações mudaram radicalmente, abrindo‐
se a era do celular e da Internet. 
DESEMPREGO (% DA POPULAÇÃO ATIVA TOTAL) 1970/1982

Período EUA Japão Alemanha


1970 4,8 1,1 0,8
1971 5,8 1,2 0,9
1972 5,5 1,4 0,8
1973 4,8 1,3 0,8
1974 5,5 0,4 1,6
1975 8,3 1,9 3,6
1976 7,6 2 3,7
1977 6,9 2 3,6
1978 6 2,2 3,5
1979 5,8 2,1 3,2
1980 7 2 3
1981 7,5 2,2 4,4
1982 9,5 2,4 6,1

As mudanças também fragilizaram a classe operária, com a diminuição dos postos de trabalho, 
e  a  exigência  de  novas  qualificações.  Mas  isto  não  era  uma  decorrência  “natural”  das  novas 
                                                            
51
 Para os então chamados “novos economistas”, a crise era devida à indevida intervenção estatal no mercado que, 
em  sua  forma  “pura”,  não  comportaria  crise  nenhuma.  Surgiu  a  imagem  de  uma  ofensiva  rampante  do  neo‐
liberalismo, como vitória da ofensiva desencadeada com a tomada do poder pelo grupo de Paul Volcker, nos EUA, e 
de Margareth Thatcher, na Inglaterra: “O triunfo da ortodoxia liberal, a partir do final dos anos setenta, sancionou o 
caráter  irreversível  do  processo  de  mundialização  econômica.  Expostos  à  mobilidade  crescente  dos  capitais,  os 
Estados não estão somente limitados no manejo de seus instrumentos tradicionais de política econômica. Também 
estão submetidos a concorrência pela captação da poupança e dos investimentos. Essa concorrência os lança numa 
corrida  para  a  desregulamentação,  as  privatizações  e  as  reduções  impositivas  que  compromete  os  compromissos 
sociais surgidos durante o período keynesiano” (Chesnais). Citando os traços comuns dessas políticas, falou‐se em 
ofensiva “neo‐liberal”: ajuste fiscal; redução do tamanho do Estado; fim das restrições ao capital externo; abertura 
do  sistema  financeiro;  desregulamentação;  reestruturação  do  sistema  previdenciário.  Para  Göran  Thernborn:  “O 
neoliberalismo  é  uma  superestrutura  ideológica  e  política  que  acompanha  uma  transformação  histórica  do 
capitalismo moderno”.     
52
 Como afirma Philippe Delmas: “É paradoxal pretender que o Estado recue enquanto a sua porção de despesas do 
PIB  não  cessa  de  aumentar.  É  difícil  sustentar  que  ele  não  interfere  nas  empresas,  quando  sua  dívida  perturba 
profunda  e  sensivelmente  os  mercados  financeiros:  a  dívida  pública  norte‐americana  aumentou  mais  depois  de 
1981  do  que  no  período  em  que  financiava  a  Segunda  Guerra  Mundial.  É  altamente  contraditório  afirmar  que  o 
Estado  é  neutro  quando  se  constata  que  três  quartos  do  aumento  da  concentração  de  riquezas  se  devem  às 
mudanças  das  leis  fiscais.  O  Estado  do  liberalismo  dogmático  não  é  um  Estado  ausente,  mas  sim  dissimulado  e 
incompetente. É espetacular ver como ele emprega o equivalente ao PIB italiano para reparar as conseqüências de 
uma  desregulamentação  mal  concebida  das  caixas  de  poupança,  após  de  ter  recusado  investir  um  milésimo  da 
quantia para sustentar as indústrias do futuro e demitido os funcionários que propuseram tal absurdo”. 

62
 

tecnologias, que encontraram suas principais aplicações no incremento do gasto improdutivo e 
do  parasitismo,  no  setor  financeiro,  no  comercial  e,  sobretudo,  no  setor  de  armamentos  (se 
utilizadas  em  uma  sociedade  estruturada  sobre  outras  bases,  socialistas,  essas  mesmas 
tecnologias  seriam  um  poderoso  instrumento  de  libertação  do  trabalho  humano,  não  de 
incremento  da  exploração  econômica  e  da  alienação  social).  A  super‐exploração  decorrente 
das  novas  tecnologias  exigiu  como  pré‐condição  social  e  política  a  derrota  e  o  retrocesso  do 
movimento operário organizado, que Reagan impôs ao vencer a queda de braço com o forte 
sindicato dos controladores aéreos, e Margaret Thatcher com a vitória contra o mais antigo e 
forte setor do sindicalismo inglês, na greve dos mineiros de 1984. 
Era uma tentativa de reverter as tendências políticas mundiais. Depois da derrota no Vietnã, os 
EUA  amargaram  a  queda  de  um  de  seus  principais  aliados  no  Oriente  Médio:  a  monarquia 
iraniana, em 1978‐79. Do ponto de vista das relações internacionais, o “ocidente” perdera um 
de  seus  mais  importantes  peões.  Com  seus  2.600  quilômetros  de  fronteira  com  a  União 
Soviética,  o  Irã  era  uma  base  ideal  para  os  sofisticados  aparelhos  americanos  de 
acompanhamento eletrônico das atividades militares e espaciais soviéticas.  
Mais do que isso, o Irã era uma fonte vital de petróleo para Europa, Japão e os EUA. E, para 
completar,  empenhava‐se  de  bom  grado  na  missão  de  "policiar"  o  estratégico  Golfo  Pérsico. 
Mas a derrota ocidental no Irã não se limitava à perda de um "protetorado": era a admissão do 
fracasso do sistema de "Estados‐clientes", que florescera nos anos da guerra fria. A chamada 
“defesa  ocidental”  baseara‐se  em  pactos  regionais  centrados  em  "Estados‐clientes"  ‐  países 
intermediários  que  se  alinhavam  aos  interesses  estratégicos  americanos  em  troca  de  ajuda 
econômica  e  militar:  com  a  revolução  iraniana,  os  "Estados‐clientes"  já  não  eram  mais 
confiáveis. 
Eram  tempos  de  détente,  na  qual  os  Estados  Unidos  e  União  Soviética  passaram  a  buscar  a 
“pacificação”  do  Oriente  Médio,  sobre  a  base  das  fronteiras  e  equilíbrios  estabelecidos 
conjuntamente depois da Segunda Guerra Mundial. Esse esforço conjunto das superpotências 
resultou  na  aproximação  entre  Egito  e  Israel,  formalizada  em  1979  com  a  assinatura  dos 
acordos  de  Camp  David,  assinados  pelo  presidente  egípcio  Anuar  Sadat  e  pelo  primeiro‐
ministro  israelense  Menahem  Begin.  O  Egito  transformou‐se  no  primeiro  país  muçulmano  a 
assinar um tratado de paz com o Estado judeu. Na década de 1980, Israel devolveu parte de 
Golan  à  Síria,  e  o  Sinai  ao  Egito,  mas  assentou  colonos  na  Cisjordânia  e  na  faixa  de  Gaza.  A 
revolução  iraniana  foi  o  fator  que  introduziu  um  novo  fator  de  desequilíbrio  no  desenho  do 
Oriente Médio. 
Entre 1978 e 1981 tivemos, então, a segunda crise de petróleo. A “revolução islâmica” no Irã e 
a guerra Irã‐Iraque provocaram a queda na produção e a disparada dos preços. A política da 
OPEP tornou‐se mais agressiva. Oito altas de preço se sucederam. Na Europa, convocaram‐se 
reuniões de emergência ‐ como as da Agência Internacional de Energia, entidade que congrega 
as  dezenove  nações  mais  industrializadas  do  Ocidente,  e  a  da  Comunidade  Econômica 
Européia.  
No  porto  holandês  de  Rotterdam  ‐  principal  terminal  petrolífero  da  Europa  –  onde  está 
instalado o principal centro do "mercado livre" do petróleo (o produto oferecido para entrega 
imediata fora dos contratos de longo prazo e dos preços estipulados pela OPEP): em tempos 
normais, em Rotterdam, negocia‐se o petróleo a preços abaixo dos fixados pela OPEP. Mas em 
março de 1979, enquanto a Arábia Saudita vendia seu barril a 13,33 dólares, de acordo com o 
estipulado na OPEP, no mercado livre de Rotterdam o óleo chegava a 23 dólares o barril. Havia 
consumidores dispostos a pagar o que fosse para garantir seus estoques. O Irã, enquanto sua 
produção  não  fosse  regularizada,  não  firmaria  contratos  de  longo  prazo,  mas  ofereceria  seu 
produto no "mercado livre" a 18 a 20 dólares por barril. 

63
 

EVOLUÇÃO DO PREÇO DO PETRÓLEO (DÓLAR/BARRIL) 1970/1979

P erío d o P reço
1970 1 ,7 3
1971 2 ,1 4
1972 2 ,4 5
1973 3 ,3 7
1974 1 1 ,2 5
1975 1 1 ,0 2
1976 1 1 ,8 9
1977 1 2 ,8 8
1978 1 2 ,8 8
1º trim e stre d e 1979 1 3 ,8 9
2º trim e stre d e 1979 1 7 ,1 7
3º trim e stre d e 1979 2 0 ,6 7
4º trim e stre d e 1979 2 3 ,9 1

A crise iraniana marcou o pontapé inicial do novo rebuliço no mercado mundial de petróleo. 
Outros  países  (Arábia  Saudita,  Kuwait  e  Iraque)  concordaram  em  elevar  sua  produção  diária 
provisoriamente,  de  modo  a  compensar  a  falta  do  produto  iraniano.  Ainda  assim,  ficaram 
faltando  dois  milhões  de  barris  por  dia  no  mercado  mundial.  E  os  países  que  elevaram  sua 
produção só concordaram em fazê‐lo com a condição de colocarem seu produto no "mercado 
livre", não de vendê‐lo aos preços da OPEP.  
Arábia Saudita, por exemplo, ao elevar sua produção de 8,5 milhões de barris por dia para 9,5 
milhões, passou a vender o milhão adicional por 14,54 dólares o barril ‐ 1,21 a mais do que seu 
preço normal. Faltava petróleo no mercado. Era a crise completa. O Irã permanecia abaixo de 
seus níveis de produção: de seus poços saíam pouco mais dos 700.000 barris diários de que o 
país precisava para seu consumo interno. O governo pretendia situar a produção em 4 milhões 
de barris por dia, com 3,3 milhões para a exportação, sem voltar aos 6,5 milhões de barris por 
dia, dos quais 5,8 milhões para exportação. 
A crise prolongou‐se, e em 1980 alguns carregamentos de óleo bruto eram negociados a mais 
de 40 dólares o barril. Em março de 1982, a OPEP decidiu fixar cotas de produção, limitando o 
total  a  18  milhões  de  barris  diários,  para  manter  a  cotação.  Como  a  Carta  da  OPEP  permitia 
que essas cotas fossem somente referenciais, somente três países decidiram aplicá‐las. A “pró‐
ocidental”  Arábia  Saudita  reduziu  sua  produção  em  dois  terços.    O  crescimento  médio  das 
economias dos países da OCDE, previsto inicialmente para 3,5% em 1979, ficou pouco abaixo 
dos  2,5%.  Após  o  “segundo  choque”,  o  consumo  mundial  de  petróleo  aumentou 
vagarosamente.  Houve  guerras  de  preço,  entre  produtores  de  dentro  e  fora  da  OPEP.  Em 
março de 1983, a OPEP concordou em reduzir o preço do barril (de US$34,00 para US$29,00).  
Em razão da queda nas vendas, a OPEP, que sofria a concorrência da política de diversificação 
de recursos energéticos praticada pelos países ocidentais e pela exploração de reservas fora de 
seu  controle,  baixou  em  15%  o  preço  de  referência  para  o  óleo.  Finalmente,  em  1986,  sob 
pressão  de  partidários  da  limitação  de  produção,  uma  conferência  extraordinária  da  OPEP 
reuniu‐se  em  Genebra  e  decidiu  manter  um  teto  de  17  milhões  de  barris  diários.  A  nova 
economia política do petróleo diferia daquela da década de 70 pela criação dos mercados spot 
e  de  futuros  do  petróleo,  com  crescente  abertura  dos  mercados  petrolíferos  mundiais  e  sua 
internacionalização.53   
Recuperação e Financeirização 
O novo cenário para a luta de classes foi criado em escala mundial. Os capitalistas americanos 
reagiram ao “terremoto de 1980/81” com uma inaudita reestruturação produtiva global. Nos 
                                                            
53
 Todo dia são gastos 2 bilhões de dólares com o combustível. Um quarto disto é consumido pelos EUA: no país que 
consome mais energia do mundo, 40% correspondem a petróleo,  20 milhões de barris por dia ao preço; a balança 
comercial dos EUA é deficitária. 

64
 

vinte  anos  seguintes,  à  medida  que  se  sucediam  novos  e  mais  potentes  abalos  no  mercado 
mundial,  aconteceu  a  globalização  da  indústria  capitalista,  a  expansão  do  mercado  e  da 
indústria mundial, até o último rincão do globo, exatamente na medida dos impactos daqueles 
abalos periódicos e da necessidade serem superados.  
A  agregação  contínua  de  novos  espaços  de  valorização  do  capital,  ou  reformas  e 
reestruturação dos antigos, com a expansão do trabalho assalariado e do exército industrial de 
reserva, ocorreu teve o objetivo de se contrapor à tendência declinante da taxa de lucro. E isso 
só  poderia  ser  realizado  com  novos  patamares  de  acumulação  do  capital  industrial  e, 
conseqüentemente,  elevação  das  taxas  de  exploração  da  força  de  trabalho  global  e 
potenciação de novas crises periódicas mais e mais ameaçadoras ao sistema. Robert Brenner 
destacou  uma  “reviravolta  do  setor  manufatureiro  dos  Estados  Unidos”  e  “um  momento 
crítico para a economia mundial como um todo”, além de “uma virada histórica nas tendências 
da competitividade, ou da ascensão paralela na taxa de lucro do setor de manufaturados”. 
É  impressionista  afirmar,  como  fez  François  Chesnais,  que  teria  ocorrido  “o  fim  do  ciclo  do 
capitalismo sob o domínio do capital industrial... a autonomia total que imprime sua marca ao 
conjunto  de  operações  da  economia  contemporânea  [que]  leva  a  marca  da  ultra‐
financeirização, do domínio do capital rentista (rentier). O sistema, pela primeira vez em toda 
sua  história,  confiou  completamente  aos  mercados  o  destino  da  moeda  e  das  finanças.  Os 
governos  e  as  elites  que  dirigem  os  principais  países  capitalistas  adiantados  deixaram  que  o 
capital‐dinheiro se tornasse hoje uma força incontrolável”. 
 Foi  “culpa  dos  governos  e  as  elites”,  então?54  Isso  significaria  esquecer  que  as  crises 
econômicas  capitalistas  não  são  provocadas  pela  natureza,  por  desequilíbrios  do  sistema 
financeiro,  ataques  especulativos,  excessos  ou  insuficiências  de  intervenção  do  Estado  na 
economia,  ou  qualquer  outra  determinação  externa  ao  processo  de  valorização  e  de 
acumulação do capital. O limite do capital é ele mesmo. Isso quer dizer que a crise do capital 
acontece,  exatamente,  devido  ao  seu  enorme  sucesso.  E  ela  não  acontece  em  algum  ponto 
baixo da acumulação, mas em seus pontos mais elevados.   
Depois da crise de 1974‐75, houve uma recuperação leve até 1979, quando houve uma nova 
queda  (“segundo  choque  do  petróleo”)  até  1982.  A  recuperação  ulterior  não  recuperou  as 
cifras  de  produção  de  1979,  que  só  foram  superadas  em  1984  pelos  EUA  e  o  Japão.  Na 
recuperação  econômica  dos  EUA,  que  começou  em  1982  e  fez  a  glória  da  reaganomics 
neoliberal,  houve  crescimento  na  economia  norte‐americana,  o  desemprego  foi  reduzido,  a 
inflação  baixou,  a  produção  e  o  investimento  cresceram.  O  slogan  republicano  antes  das 
eleições de novembro de 1984 foi: "Você ainda não viu nada!".  
A recuperação explicou‐se por vários fatores: (1) maior demanda adicional gerada pelo déficit 
orçamentário; (2) pesados gastos públicos no maior programa armamentista da história norte‐
americana,  aproximadamente  um  terço  do  total  de  gastos  mundiais  com  armamentos;  (3) 
baixos custos salariais e lucros altos, devido ao reduzido poder de negociação dos sindicatos e 
à  queda  dos  salários  reais;  (4)  baixos  custos  de  insumos  básicos,  resultantes  da  recessão 
anterior  e  da  disposição  dos  países  super‐endividados  do  Terceiro  Mundo  em  vender  abaixo 
do custo; (5) financiamento pelo resto do mundo para sustentar tanto o déficit orçamentário 
quanto o de balança de pagamentos através de enorme influxo de capital atraído pelas altas 
taxas de juros.  
Houve  rápido  crescimento  do  endividamento  do  governo  federal  e  a  maior  dependência  do 
sistema bancário em relação aos depósitos de estrangeiros; o crescimento constante do déficit 
de  conta  corrente  norte‐americano  transformaria  a  mais  rica  nação  do  mundo  na  maior 
devedora internacional antes do da década.  
                                                            
54
 Ou seja, os governos estariam precisando de um “novo Keynes” para corrigi‐los? Candidatos não faltam... 

65
 

A reaganomics subentendeu que não houvesse diferença entre tomadas de empréstimo pelo 
governo e aumento de impostos, mas impostos e tomadas de empréstimo têm conseqüências 
diferentes nas taxas de juros e nos déficits comerciais: em determinado momento o dinheiro 
tomado  emprestado,  ao  contrário  dos  impostos,  deve  ser  reposto.  Déficits  enormes  podiam 
enfraquecer a confiança no dólar e levar ao medo da inadimplência.  
O “milagre” de uma economia funcionando com déficits crescentes e, contudo, tendo a moeda 
mais  forte,  embora  apoiada  por  investimentos  de  todo  o  mundo,  não  podia  durar  para 
sempre. Durante o primeiro semestre de 1985, a economia norte‐americana reduziu o ritmo 
significativamente, e começou a preparar a “aterrissagem forçada”. 

 
Nas décadas de 1980 e 1990 expandiu‐se também, o “mercado financeiro global”, com várias 
dimensões: o mercado cambial; os empréstimos bancários internacionais; os papéis de médio 
prazo; a negociação internacional de ações e derivativos (conjunto de instrumentos financeiros 
"derivados" de vários produtos que são usados para fazer hedge de riscos financeiros ou para 
“apostar” em variações de preços, de moedas e de taxas de juros). Foi estimado que o estoque 
total  de  ativos  financeiros  negociados  no  mercado  global  de  capitais  expandiu‐se  de  US$  5 
trilhões, em 1980, para US$ 35 trilhões, em 1992. Estimativas relativas ao financiamento pelos 
mercados  internacionais  divulgadas  pelo  Banco  para  Compensações  Internacionais  (BCI) 
mostraram  um  aumento  de  seis  vezes  entre  1982  e  1998,  passando  de  US$  1,3  trilhão  para 
US$  8,2  trilhões.  Mas  o  inchaço  do  setor  especulativo  ilumina  a  crise  do  sistema  como  um 
todo, não a criação de um “novo capitalismo” (a dimensão do “rentismo” é, certamente, nova, 
mas não o próprio fenômeno).55 
A  inversão  realizada  pelo  pensamento  capitalista  da  relação  crise‐especulação  cumpre  uma 
função ideológica, ignorando que as bases da expansão especulativa foram lançadas em plena 
“expansão  produtiva”,  com  a  espantosa  internacionalização  do  sistema  bancário  desde  a 
década de 1960. O pensamento vulgar supõe que a especulação é uma das causas básicas da 
crise  e  que  sua  eliminação  abriria  imediatamente  o  caminho  do  progresso  para  o  capital 
produtivo. O certo é o inverso, pois a crise econômica, a paralisação e o retrocesso das forças 
produtivas  são  o  que  multiplicam  as  tendências  de  aventura  especulativa.  A  crise  é  sempre 
uma  manifestação  da  queda  mais  ou  menos  brusca  da  taxa  de  lucro  na  órbita  da  produção, 
que  obstaculiza  ou  impede  a  reprodução  das  massas  de  capital  nessa  esfera.  Nessa  mesma 
medida  aumenta  a  voracidade  do  capital  por  obter  lucro  às  custas  da  exploração  mais 
acentuada dos trabalhadores, ou às custas de seus próprios rivais. A especulação, companheira 
                                                            
55
  O  peso  inédito  do  capital  financeiro  foi  decisivo,  sim,  na  concentração  empresarial  mundial.  Nunca  se  deve 
esquecer, porém, que, em última instância, o ciclo do crédito se contrai e se expande seguindo o ciclo industrial, os 
bancos  concentram  e  redistribuem  a  mais‐valia  gerada  no  processo  de  produção,  e  inclusive  os  capitais  fictícios 
emitidos  sem  contrapartida  real  dependem  das  atividades  industriais.  Qualquer  que  seja  a  sua  separação  da 
produção,  os  capitais  financeiros  não  são  “puros  papéis”,  enquanto  o  mercado  lhes  reconhecer  algum  preço.  O 
mesmo  vale  para  os  títulos  públicos.  O  que  explica  a  circulação  de  qualquer  forma  de  dinheiro  é  a  existência  de 
valores surgidos de atividades reais e direitos derivados da geração de mais‐valia já criada ou a ser criada. 

66
 

inseparável  da  crise,  é  a  obtenção  de  uma  valorização  fictícia  do  capital,  na  medida  em  que 
não se opera nenhum acréscimo da riqueza material.  
Combinado  com  o  retrocesso  produtivo  e  social,  o  desenvolvimento  especulativo  atingiu 
dimensão qualitativa. As transações monetárias internacionais, que triplicaram em cinco anos, 
atingiram  cotidianamente  em  1992  a  soma  astronômica  de  quase  um  trilhão  de  dólares,  um 
montante  mais  ou  menos  equivalente  à  totalidade  das  reservas  em  ouro  e  em  divisas  dos 
países membros do Fundo Monetário Internacional. 
A  crise  evidenciada  na  década  de  1970  tocava,  portanto,  limites  do  capitalismo,  perfazendo 
uma  crise  do  próprio  padrão  de  reprodução  do  capital,  que  só  seria  superada  à  custa  de 
modificações  substanciais  no  padrão  de  reprodução,  ou  das  próprias  relações  capitalistas  de 
produção. Dadas as dificuldades dessas modificações, tais crises tendem a ser prolongadas e a 
devastar mais profundamente as forças produtivas acumuladas. A depressão econômica global 
é  diferente  de  uma  crise  periódica.  É  uma  ruptura  do  mercado  mundial,  que  interrompe  a 
sucessão  mais  ou  menos  regular  das  fases  de  um  ciclo  periódico.56  A  sua  erupção  também 
depende das condições endógenas de determinado ciclo econômico.  
As  “redes  de  proteção”  do  capital  (suas  instituições  políticas  e  outros  fatores  exógenos  ao 
processo  de  produção  e  acumulação  do  capital)  não  são  mais  capazes  de  impedir  que  a 
violência da fase de retração e crise atinja a economia global em toda sua plenitude. Durante 
essas  crises,  o  ciclo  econômico  normal  não  deixa  de  operar,  mas  com  predomínio  da  crise 
sobre  a  reanimação  econômica.  É  nelas  que  aparece  o  choque  mais  violento  entre  forças 
produtivas e  relações de  produção, e  gestam‐se as condições sociais e políticas para ruptura 
revolucionária das relações de produção. 
Crise Longa e Parasitismo 
Elmar Altvater observou que fora o próprio “modelo” que gerara sua crise: “A mobilidade de 
capital parece ter exercido um importante papel no colapso do regime de tipo fixo. O sistema 
de nível ajustável da década de 1960 foi menos capaz de gerar especulação estabilizadora do 
que  os  tipos  fixos  da  década  de  1900,  uma  vez  eliminados  os  controles  do  capital.  A 
mobilidade  do  capital  reduziu  também  o  controle  que  as  autoridades  monetárias  nacionais 
podiam exercer sobre as suas próprias economias, influenciando as taxas de juros”. 
Todo o período de boom econômico, os “trinta anos gloriosos”, não fizeram senão acentuar as 
desigualdades de desenvolvimento da economia mundial, levando‐as a um grau de paroxismo. 
Os  países  da  Europa  ocidental  (com  Alemanha),  passaram  a  exportar  44%  das  mercadorias 
mundiais,  os  EUA,  12%,  e  o  Japão,  15%:  mais  de  dois  terços  das  exportações  industriais 
mundiais.  Somados  o  Canadá,  a  África  do  Sul,  a  Austrália,  a  Nova  Zelândia  e  os  países  da 
Europa  do  Leste,  a  proporção  passava  dos  80%.  Com  um  quarto  da  população  mundial,  os 
países  desenvolvidos  representam  80%  da  produção  mundial  e  três  quartos  do  consumo  de 
produtos industrializados.  
Os  países  desenvolvidos  de  “economia  de  mercado”  garantiam  60%  da  produção 
manufatureira mundial, a ex URSS e os países da Europa do Leste, 20%, e os países “em vias de 
desenvolvimento”,  os  20%  restantes,  sendo  que  o  essencial  desses  20%  corresponde  a  um 
reduzido  número  de  países:  China,  Índia,  Brasil,  México  e  os  “tigres  asiáticos”.  Entre  estes 

                                                            
56
 Desde meados do século XIX (1854), até 1991, ocorreram 31 ciclos econômicos na economia dos EUA, segundo 
um  estudo  do  Departamento  do  Comércio,  de  1993.  As  fases  de  expansão  duraram  em  torno  de  três  anos  (35 
meses), as de contração um ano e meio (18 meses). De 1945 a 1991 foram registrados nove ciclos, com fases de 
expansão de mais de quatro anos (50 meses) e s de contração de pouco menos de um ano (11 meses). Cada ciclo 
completo se repetiu a cada cinco anos. E essa repetição aconteceu indiscriminadamente em todas as décadas do 
pós‐guerra (1945/1991). 

67
 

últimos,  a  Coréia  do  Sul,  o  Taiwan,  Hong  Kong  e  Singapura  representam  a  metade  das 
exportações industriais dos países do Sul. 
Cunhou‐se  o  termo  de  “longa  crise”.  Flamant  e  Singer‐Kerel  resumiram  o  panorama,  em 
meados  da  década  de  1990,  depois  de  duas  décadas  de  crise:  “As  duas  últimas  décadas 
marcam  uma  cisão.  Depois  de  um  quarto  de  século  de  crescimento,  de  extensão  das  trocas 
internacionais e de ordem monetária, novas dificuldades aparecem. A primeira foi a queda do 
aumento da produtividade nos países desenvolvidos. A segunda, até 1983, o encarecimento do 
preço da energia, através de choques brutais. A terceira, a prática generalizada e anárquica de 
taxas  de  câmbio  flutuantes.  A  última  e  mais  grave  é  a  extensão  do  desemprego  em  grande 
escala”. A crise iniciada na década de 1970 inaugurara um longo período de desaceleração da 
economia mundial. 
Taxa Média de Crescimento Mundial do PIB, em % 

5 4,9
4,5
4 3,8
3,5
3
2,5 2,7
2
1,5
1 1
0,5
0
60- 70- 80- 90-
69 79 89 93
 

Segundo  Manuel  Castells,  “o  específico  de  uma  crise  estrutural  é  que  o  processo  de 
acumulação não pode retomar até que se eliminem ou diminuam os obstáculos. Geralmente, 
essa solução significa que se produzirá uma transformação básica nas relações entre as classes, 
entre as frações do capital e entre o capital e as forças produtivas”.  Ernest Mandel considerou 
a  catástrofe  de  1973‐75  como  “a  primeira  recessão  generalizada  da  economia  capitalista 
internacional desde a Segunda Guerra”.  
Cathérine Lévi resumia as desilusões acumuladas a respeito de uma saída para a crise: “Não é 
a  primeira  vez  desde  a  Segunda  Guerra  que  a  economia  atravessa  uma  fase  difícil.  Já  logo 
depois do choque petroleiro de 1975, todos os índices estavam no vermelho. Mas a crise atual 
parece  mais  grave  e  profunda.  Se  nos  dois  casos  o  PIB  caiu,  desde  1976,  porém,  houve 
recuperação,  ainda  que  fosse  necessário  esperar  até  1985  para  falar  em  prosperidade.  Hoje, 
tudo  é  diferente,  porque  a  crise  está  definitivamente  instalada.  Desde  meados  dos  anos  90, 
todos os índices se deterioram, o desemprego atinge proporções inquietantes. Sem que seja 
possível dissociar o episódio atual daquele de 1975, pois se trata de uma mesma crise”.  
A  destruição  da  “ordem  econômica  internacional”  fora  iniciada,  como  vimos,  pelos  próprios 
EUA na década de 60, diante da insuficiência do quadro institucional existente para conter as 
tendências  para  a  crise.  O  governo  Reagan  não  fez  senão  coroar  a  política  de  seus 
predecessores, e tropeçou, de saída, com a “crise das dívidas” e a recessão de 1982‐83, o que 
o levou, em nome do “liberalismo”, a recrudescer o intervencionismo mediante a ação efetiva 
do FMI, que  incrementou  o seu poder de empréstimo, obrigando os bancos privados a fazer 
empréstimos  involuntários  como  preço  da  preservação  de  seus  ativos.  Esses  empréstimos 
privados multiplicaram o poder de concessão de crédito do FMI.  
A  “contra‐ofensiva”  dos  EUA  teve  como  base  a  sua  cada  vez  maior  supremacia  militar,  em 
contraste com o fato do país não produzir mais do que um quinto dos bens manufaturados no 

68
 

mundo,  contra  mais  da  metade  em  1950.  No  setor  automobilístico,  sua  grande  indústria 
histórica, sua porção na produção mundial passou de 76% em 1950 a 17% em 1990.  
Os EUA “contribuíram” com 12 % das exportações industriais mundiais em 1990, contra 22% 
em  1960.  A  sua  balança  comercial  tornou‐se  deficitária  dos  anos  70,  sendo  que  o  déficit  só 
aumentou nos anos 1980. E, ao contrário do Japão, o emprego industrial nos EUA continuou 
decrescente, passando de 21% do emprego total em 1976 a 16,5% em 1988. 

“Trinta anos gloriosos”: América Latina 

Lester  Thurow  fez  o  réquiem  antecipado  do  neoliberalismo  monetarista  e  da  “economia  da 
oferta”: “Infelizmente, a América abdicou de uma responsabilidade que só ela pode exercer. O 
sistema comercial internacional não vai cuidar de si, como parece pensar o governo Reagan. É 
uma instituição feita pelo homem, que requer manutenção e revisões feitas pelo homem. As 
organizações  internacionais  não  são,  ipso  facto,  más,  como  a  administração  Reagan  parece 
pensar”.  Intervencionismo  estatal  e  desregulamentação,  apresentados  como  opostos,  são 
duas caras da mesma moeda, irmãos inimigos que crescem simultaneamente, se alimentando 
da mesma fonte: o caos econômico provocado pela crise do capital.    
Ao mesmo tempo em que os Estados intervinham diretamente, através do G‐7, ou através das 
instituições  internacionais  (pelos  poderes  reforçados  do  FMI),  para  “disciplinar”  a  moeda,  o 
que passou a caracterizar a finança internacional foi a volatilidade das moedas, a existência de 
flutuações fortes, freqüentes e imprevisíveis, dos preços do dinheiro sob todas as suas formas 
(taxa de câmbio, juros).  
Em que pese a intervenção estatal cotidiana, os volumes consagrados à especulação financeira 
(fugindo  a  qualquer  regulamentação)  tornaram  evidente  a  existência  de  uma  base  sem 
precedentes para o colapso do sistema capitalista mundial: os valores dos contratos pendentes 
no mercado de derivativos expandiram‐se entre 1987 e 1993 de US$ 1,6 trilhões para US$ 10 
trilhões,  com  um  incremento  anual  médio  de  quase  36%,  enquanto  os  fluxos  financeiros 
internacionais  quadruplicaram  no  mesmo  período,  passando  de  US$  395  bilhões  para  US$ 
1,597 trilhões.   

69
 

A Nova “Americanização” 
As  cifras  relativas  à  produção  são,  no  entanto,  as  decisivas,  por  mais  impressionantes  que 
sejam as da especulação. A taxa média de crescimento do PIB per capita da economia mundial 
diminuiu de 2,6% anual em 1960/70 a 1,6% em 1970/80, chegando a 1,3% entre 1980/1987. O 
crescimento do PIB per capita da economia capitalista mundial diminuiu pela metade. A crise, 
além disso, acentuou todas as desigualdades do desenvolvimento capitalista.  
Para  Peter  Drew:  “Nos  anos  60,  todas  as  zonas  da  economia  capitalista  mundial  cresceram, 
mesmo  que  a  ritmos  desiguais.  A  partir  dos  anos  70,  o  mesmo  não  acontece.  A  economia 
capitalista mundial já não se desenvolve como um todo, mas dividiu‐se em duas partes. De um 
lado, os países industrializados e a Ásia continuam desfrutando de um crescimento do PIB per 
capita; por outro, a África, a América Latina e o Oriente Médio experimentam uma diminuição 
do mesmo. Na realidade, os países da OCDE e Ásia formam uma unidade, já que o crescimento 
rápido de alguns dos países mais recentemente industrializados da Ásia (Coréia do Sul, Taiwan, 
Singapura,  Hong  Kong),  se  deve  a  investimentos  colossais  de  capital  originado  nos  países 
imperialistas.  É  claro  que  as  tendências  depressivas  se  impuseram  em  muitas  partes  do 
mundo. Mas também é importante o fato de que a queda é acumulativa e não cíclica, isto é, 
trata‐se  de  um  círculo  de  empobrecimento  que  se  estende  progressivamente.  Uma  vez 
abatido, um continente não é capaz de recuperar‐se”. Uma olhada nas exportações dos países 
“periféricos” permite constatar essa desigualdade. 
Exportação de produtos manufaturados por região (em % de 1975)

Ásia meridional   9,81 

Ásia oriental   60,13 

América Latina   21,95 

Oriente Médio e África setentrional   5,06 

África subsaariana  3,04 

A  migração  do  capital  para  Ásia  oriental,  com  o  salto  espetacular  dos  “tigres  asiáticos”, 
obedeceu à própria lógica da crise. Henryk Grossmann já dizia (em 1929!) que "para preservar‐
se  provisoriamente  da  derrubada  total  de  sua  rentabilidade",  os  capitais  sobre‐acumulados 
nos  principais  países  imperialistas  migravam  para  “os  subúrbios  do  sistema”,  buscando  mais 
altas taxas de mais‐valia.  
CUSTO MÉDIO DA MÃO-DE-OBRA
Por hora trabalhada na indústria de transformação, em US$   
Alemanha  21,30  França  15,25 Grã‐Bretanha 12,42 Coréia    4,16
Suécia  20,93  EUA  14,83 Espanha 11,88 Taiwan    3,98
Suiça  20,86  Austrália  12,98 Israel  7,69 Portugal    3,57
Itália  16,29  Japão  12,84 Grécia  5,49 Brasil    2,79
 
PAÍS  SALÁRIOS ENCARGOS TOTAL 
Alemanha  16 12 28
EUA 16 6 22
Japão  16 5 21
Itália  9 11 20
França  9 8 17
Brasil  3 5 8
Fonte: Bureau of Labor Statistics, BLS Report  

Esse comportamento se explicava menos pela rentabilidade obtida por capitais individuais, e 
mais como tentativa de sobrevivência do capital em seu conjunto. Dada a composição orgânica 

70
 

da  massa  do  capital,  quanto  maior  seja  a  população  de  fora  do  sistema  sob  o  seu  domínio, 
transformada  em  assalariada,  maior  será  o  período  em  que  o  capital  poderá  seguir 
acumulando  sem  atingir  o  ponto  de  sobre‐saturação.  Nos  "tigres  asiáticos",  grande  parte  da 
população abandonou a pequena produção mercantil, agrária e urbana, para viver de salário, 
trabalhando para o capital excedente (das metrópoles capitalistas) ali investido. 
Nos  próprios  países  centrais,  a  situação  se  degradava  constantemente.  Em  1970,  os  salários 
constituíam  67%  da  renda  pessoal  americana,  uma  relação  que  se  mantivera  constante 
durante décadas. Em 1994, eles eram responsáveis por apenas 54% desse total. Em 1960, os 
salários  constituíam  26%  do  total  de  vendas.  Em  1994,  menos  de  20%.  Entre  1973  e  1993  a 
renda média  disponível aos 20% mais pobres caiu quase 23%, de $17.601 a $13.596 ao ano, 
para uma família de três pessoas (em dólares de 1993). 
Em  The  End  of  Work,  Jeremy  Rifkin  estabeleceu  uma  relação  simples:  “O  ritmo  acelerado  da 
automação  está  levando  a  economia  global  rapidamente  para  a  era  da  fábrica  sem 
trabalhadores.  Entre  1981  e  1991,  mais  de  1,8  milhões  de  empregos  na  área  industrial 
desapareceram nos EUA. Na Alemanha, os fabricantes têm demitido trabalhadores ainda mais 
rapidamente,  eliminando  mais  de  500  mil  empregos  apenas  em  um  período  de  12  meses, 
entre 1992 e 1993. O declínio dos empregos no setor da produção faz parte de uma tendência 
de longo prazo que tem crescentemente substituído seres humanos por máquinas no local de 
trabalho”.  Para  Fred  Block,  ao  contrário,  “esse  aumento  global  do  desemprego,  secular  e 
aparentemente  irreversível,  está  ligado  à  operação  do  sistema  financeiro  internacional.  As 
mudanças  no  sistema,  ocorridas  no  final  da  década  de  1970,  exacerbaram  os  problemas  do 
desemprego  global.  A  primeira  delas  foi  o  aumento  da  mobilidade  internacional  do  capital 
como resultado do relaxamento de controles prévios”.  
A  explosão  do  capital  especulativo  foi  acompanhada  por  um  crescimento  correlativo  da 
precariedade  do  emprego.  A  emergência  da  especulação  financeira  se  traduziu  na 
multiplicação do número de fusões industriais e de golpes da Bolsa que transformam a oferta 
de  trabalho:  os  empregos  estáveis  e  relativamente  bem  pagos  foram  substituídos  por 
empregos instáveis e mal remunerados. Não estamos diante de uma monumental “economia 
de  escala”,  baseada  na  automação  e  na  “mundialização”,  progresso  que  seria  pago  com  um 
inevitável período de desemprego e queda salarial.  
Se  isso  fosse  verdade,  deveria  verificar‐se  um  aumento  acelerado  da  produtividade  do 
trabalho. Ora, aconteceu o contrário, o aumento da produtividade norte‐americana foi baixo 
desde  a  década  de  1970.  O  crescimento  anual  da  produção  por  trabalhador  permaneceu  na 
casa de 1% ao ano, muito abaixo dos 3% anuais das décadas de 1950 e 1960. Barry Bluestone e 
Bennett  Harrison  sublinharam  o  caráter  não  conjuntural  (ou  cíclico)  dessa  queda,  isto  é,  sua 
natureza  histórica:  “De  1870  a  1973,  a  produtividade  cresceu  com  um  índice  médio  de  2,4% 
por ano. Na era imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, a produtividade estava 
em  plena  explosão,  crescendo  mais  de  3%  ao  ano.  Depois  de  1973,  o  crescimento  da 
produtividade  despencou  totalmente,  por  razões  que  muitos  economistas  consideram  um 
mistério.  Durante  25  anos,  a  produtividade  vêm  crescendo  cerca  de  1%  ao  ano  ‐  um  ritmo 
ainda pior do que o da Grande Depressão”. 
O crescimento da monopolização econômica se deu cada vez menos através do investimento 
produtivo, e cada vez mais através fusões e aquisições que, nos países desenvolvidos, pularam 
de 62,2% do total de “investimentos” (1991) para 89,5% (1996); nos países atrasados, o salto 
foi  de  25,5%  para  65,2%,  no  mesmo  período.  A  fusão  da  McDonnell‐Douglas  com  a  Boeing, 
abocanhando 75% das vendas do setor da aviação civil, simbolizou este processo e evidenciou, 
através  da  intervenção  direta  do  Estado  norte‐americano,  que  a  crise  capitalista  e  o 
acirramento  da  competição  entre  os  monopólios  (no  caso,  da  Boeing  contra  o  consórcio 
europeu  Airbus)  forçavam  os  Estados  a  assumir  um  papel  ainda  mais  ativo  na  defesa  dos 

71
 

interesses dos grupos capitalistas nacionais: o papel desempenhado pelo Pentágono na fusão 
da Boeing e da McDonnell o confirmou. 
No  acordo  pela  desregulamentação  das  telecomunicações  se  verificou  uma  verdadeira 
“americanização”  do  mercado  mundial:  ele  só  foi  assinado  depois  dos  EUA  obterem 
significativas concessões dos outros países envolvidos. O que revelou esse acordo não foi um 
quadro  idílico  de  “globalização  do  capital”,  e  uma  utópica  loteria  na  qual  todos  ganhariam, 
mas a aspereza dos choques entre as grandes potências capitalistas e o estreitamento da base 
nacional  do  capital  mundial,  cada  vez  mais  concentrado  nas  mãos  de  poucos  grupos 
econômicos,  a  monopolização  e  a  destruição  do  capital  mais  débil  pelo  mais  forte,  isto  é,  o 
processo vivo da crise capitalista.  
A  internacionalização  econômica  tropeçou  com  obstáculos  intransponíveis.  Para  Edward 
Graham:  “Os  principais  obstáculos  para  um  acordo  de  investimento  global  são  políticos.  Na 
raiz disso está a oposição entre os objetivos das nações soberanas e aqueles das corporações 
globais. Tais confrontos criam a necessidade de um mecanismo para resolver de forma efetiva 
a  disputa  empresa‐Estado:  criar  tal  mecanismo  (ou  atualizar  os  existentes)  seria  um  dos 
principais  objetivos  de  um  acordo  de  investimento  internacional”.  E  para  Vivien  Schmidt,  “o 
Estado ‐ Nação tal qual nós o conhecemos está em declínio. Este é um problema sério, já que o 
Estado ‐ Nação continuará sendo o principal interlocutor num mundo cada vez mais complexo, 
e o único a falar com autoridade tanto com as autoridades supra‐nacionais como com as sub‐
nacionais”. Dito de modo mais claro, a internacionalização das forças produtivas sociais torna 
cada  vez  mais  obsoleto  o  quadro  estreito  dos  Estados  nacionais;  no  entanto,  estes  não  só 
continuam sendo necessários, senão cada vez mais necessários, em virtude do caos econômico 
criado  pela  própria  internacionalização  econômica,  da  concorrência  acirrada  entre  grupos 
capitalistas nacionais, sem falar da preservação da ordem capitalista contra as reivindicações, 
ou até um eventual movimento revolucionário, dos explorados. 
Nessas  condições,  a  “globalização”  se  apresentou  como  menos  uma  questão  econômica,  e 
mais como uma questão política e até de segurança, como constatou Le Monde (“Até agora, o 
peso  esmagador  das  sociedades  transnacionais  na  economia  não  tem  seu  equivalente  no 
domínio político”), e afirmou Erik Peterson: “A integração cada vez maior da economia global 
está  criando  maior  competição  entre  as  políticas  econômicas  nacionais,  principalmente  nos 
países  capitalistas  avançados.  A  forma  como  se  lidará  com  estas  políticas  domésticas  em 
competição  na  virada  do  século  e  depois  terá  profundas  implicações  não  apenas  para  a 
economia  internacional,  mas  também,  de  forma  mais  ampla,  para  as  relações  políticas  e  a 
segurança internacional”.   
O desemprego vinculou‐se menos com o progresso tecnológico “global”, e mais com a guerra 
econômica  internacional.  A  guerra  econômica,  por  sua  vez,  vinculou‐se  à  exacerbação  do 
desenvolvimento desigual. Entre 1960 e 1982, o PIB dos países asiáticos do Pacífico, incluindo 
a China, cresceu de 7,8% do PIB mundial a 16,4%. Com percentual do PIB dos EUA, o da Ásia do 
Pacífico cresceu de 18% a 53,2%. A participação da região nas exportações mundiais mais do 
que duplicou entre 1960 e 1985, passando de 7,5% a 17%. Em 1965, essas economias asiáticas, 
em  seu  conjunto,  produziram  US$  183  bilhões  em  bens  e  serviços  ‐  um  nível  75%  abaixo 
daquele dos EUA. Em 1983, a sua produção total havia crescido a US$ 1,7 trilhões, apenas 50% 
abaixo dos EUA e menos de 30% abaixo da produção européia.  
Os  EUA  jogaram  todo  seu  peso  político  internacional  para  reverter  essa  situação.  O  governo 
dos EUA passou a exigir uma política expansiva de gastos públicos da Europa e do Japão, para 
que  pudessem  absorver  exportações  norte‐americanas.  Nesse  quadro,  a  noção  de 
“globalização”  teve  como  finalidade  apagar  a  realidade  das  contradições  capitalistas 
internacionais. Ou, como constatou Dani Rodrik: “Até mesmo com a revolução no transporte e 
nas  comunicações,  e  o  progresso  substancial  na  liberalização  do  comércio  nas  últimas  três 

72
 

décadas,  as  economias  nacionais  permaneceram  bastante  isoladas  umas  das  outras.  Esse 
isolamento  tem  uma  implicação  crítica:  a  maioria  dos  governos  do  mundo  avançado  e 
industrializado,  não  são  tão  abalados  pela  globalização  econômica  como  se  imagina.  Eles 
mantêm bastante autonomia na regulação de suas economias, na designação de suas políticas 
sociais,  e  para  a  manutenção  de  instituições  que  diferem  daquelas  de  seus  parceiros 
econômicos”.  
Por  trás  da  “globalização”,  portanto,  acirrou‐se  a  concorrência  internacional.  Isto  ficou 
obscurecido pelos que defenderam que teria sido superada a fase da “internacionalização” do 
capital,  substituída  pela  “mundialização”.  A  “burguesia  mundial”  seria  independente  dos 
Estados. O problema seria a sobrevivência do “desenvolvimento” e do “subdesenvolvimento”, 
e não as relações de subordinação econômica e política, próprias do capitalismo mundial, em 
sua fase imperialista.57  
A  globalização  tornou  “global”  a  crise.  O  Wall  Street  Journal  alertou,  em  1997,  para  um 
horizonte de “crescente excesso de capacidade de produção, saturação de produtos em todo o 
mundo, guerras de preço e chacoalhadas”, sob o título “Investimentos em excesso são ameaça 
à economia mundial”: por trás da “globalização (da especulação) financeira” não havia senão 
uma  crise  de  sobre‐produção,  ou  seja,  que  as  origens  das  dificuldades  econômicas  se 
encontravam  no  que  Marx,  em  O  Capital,  já  chamara  de  “sobre‐acumulação  absoluta”.  Essa 
crise se potenciou pelo endividamento sem precedentes. Os craques das Bolsas de valores, as 
fugas de capitais e as crises monetárias não foram acidentes de percurso. Quando, em 1987, 
caiu a bolsa de Nova York, o Banco Central ordenou abrir todas as torneiras financeiras para 
socorrer  as  empresas  que  haviam  ficado  insolventes,  o  que  conseguiu  deter  o  colapso 
econômico, mesmo que ao preço de uma paralisação que se prolongou até 1990. O mesmo se 
conseguiu  quando  caiu  o  México  em  1994,  com  um  empréstimo  liderado  por  Clinton  de  50 
bilhões de dólares, também a custo de uma recessão. 
INDÚSTRIA MUNDIAL. PRODUÇÃO, PRODUTIVIDADE E EMPREGO NAS TRÊS PRINCIPAIS ECONOMIAS – 1979‐2004 
Variações (%) Médias Anuais 
País  1979‐2004  1979‐1990 1990‐1995 1995‐2000 2000‐2004 2002‐2003  2003‐2004 
Estados Unidos       
Produção  3.0  2.3  3.6 5.4 1.3 4.5 4.3 
Produtividade  4.2  3.0  3.7 5.7 6.4 9.9 4.7 
Emprego  ‐1.2  ‐0.8 ‐0.5 ‐0.1 ‐4.5 ‐4.8 ‐1.2 
Japão        
Produção  2.9  4.7  0.4 2.0 2.1 9.6 5.5 
Produtividade  4.0  3.8  3.3 4.1 5.0 11.0 6.9 
Emprego  ‐0.7  1.0  ‐1.6 ‐1.9 ‐3.0 ‐2.2 ‐2.4 
Alemanha       
Produção  0.9  1.2  ‐1.0 2.2 1.1 ‐0.2 4.6 
Produtividade  2.7  2.1  2.9 3.7 2.8 2.5 4.6 
Emprego  ‐1.3  ‐0.1 ‐4.2 ‐0.8 ‐1.5 ‐2.6 ‐1.5 
 Fonte:  United States Department of Labor ‐ International Comparisons of Manufacturing Productivity and Unit Labor Cost Trends. 
Washington, 2005.    

A  crise  teve  seu  epicentro  nos  EUA  que,  através  de  sua  política  monetária  e financeira, e do 
reforço do dólar como moeda de troca e de reserva internacional, transferiu‐a em parte para 
seus  concorrentes  e,  sobretudo,  para  o  mundo  semi‐colonial  (agora  acrescido  do  ex  “bloco 
socialista”),58  procedendo  a  uma  intensa  reestruturação  interna  para  recuperar  sua 
                                                            
57
 Isto inocenta os governos e os Estados nacionais, e suas políticas, absolvidos em nome da “globalização”. Assim o 
faz o próprio “subcomandante Marcos” num texto sobre a “Quarta Guerra Mundial”: “Uma das bases fundamentais 
do poder do Estado capitalista moderno, o mercado nacional, é liquidada pela canhonada da economia financeira 
global.  O  novo  capitalismo  internacional  torna  os  capitalismos  nacionais  caducos  e  esfomeia,  até  a  inanição,  os 
poderes  públicos.  O  golpe  foi  tão  brutal  que  os Estados  nacionais  não  têm  força  para  defender  os  interesses  dos 
cidadãos”. Sobretudo se não o desejarem... 
58
  Fazendo  assim  de  modo  a  que,  como  pontuou  José  Martins,  “Ásia,  Leste  Europeu,  América  Latina,  etc.,  são 
irreversivelmente  transformados  em  territórios  de  caça  das  potências  dominantes  para  a  produção  de  mais‐valia 

73
 

competitividade.  A  pré‐condição  foi  o  chamado  “golpe  de  1979”,  com  a  decisão  do  FED 
(Tesouro) dos EUA de “aumentar as taxas de juros até onde fosse necessário para acabar com 
a inflação”. A taxa de crescimento anual médio da produção industrial dos EUA superou à de 
seus principais concorrentes no mercado mundial, com uma indústria nacional que atinge três 
trilhões de dólares anuais (um terço do produto industrial do planeta: o PIB dos EUA alcança 
treze trilhões de dólares anuais).  
O Fim do “Socialismo Real” 
O processo também afetou, e terminou de afundar, os “países socialistas”. O ápice da crise da 
URSS  e  demais  países  do  Leste  europeu  deu‐se  ao  final  da  década  dos  80.  Apesar  do 
isolamento  e  do  embargo  imposto  ao  país  para  produtos  de  alta  tecnologia,  na  década  de 
1980  a  URSS  era  muito  mais  dependente  do  que  nas  décadas  precedentes  do  mercado 
mundial,  especialmente  em  alimentos,  ração  animal  e  máquinas  avançadas.  A  inflação  e  as 
oscilações  na  economia  mundial,  com  depreciação  nos  preços  das  matérias  primas,  geraram 
flutuações que impactaram severamente as vendas soviéticas para o exterior.  
Na década de 1980, 90% das exportações soviéticas para o mundo capitalista compunham‐se 
de  petróleo,  gás,  matérias  primas  e  metais  preciosos  (petróleo  e  gás  representavam 
aproximadamente  dois  terços).  Em  função  do  atraso  tecnológico  e  da  baixa  qualidade  e 
competitividade  de  seus  produtos  manufaturados,  portanto  não  utilizáveis  no  comércio 
internacional, a URSS respondeu à queda nos preços aumentando enormemente o volume de 
suas exportações, característica das economias “subdesenvolvidas”, submetidas à depreciação 
nas relações de troca no mercado mundial. 
Em 1986, deu‐se um novo desmoronamento nos preços do petróleo no mercado internacional 
e uma nova contração no comércio mundial. O valor global das exportações soviéticas baixou 
8% em 1986 e mais 4% em 1987. O comércio com os países capitalistas caiu mais, em termos 
percentuais,  do  que  a  queda  ocorrida  no  comércio  mundial  como  um  todo.  Somente  entre 
1985  e  1986,  as  exportações  para  os  países  capitalistas  retrocederam  19,5%,  enquanto  as 
importações caíram 23%.  A redução no valor líquido das exportações limitou drasticamente a 
capacidade de importação, acentuando a escassez de bens de consumo e produtos agrícolas. 
Por  outro  lado  já  não  estavam  garantidos  os  recursos  necessários  à  continuidade  da 
importação  de  máquinas  modernas  para  a  renovação  do  parque  produtivo.  O  aumento  das 
exportações  também  desviou  recursos  energéticos  e  matérias  primas,  necessários  aos  novos 
investimentos. 
Esses  dois  últimos  fatores  comprometeram  ainda  mais  a  continuidade  de  um  modelo 
extensivo de crescimento. Além disso, o aumento das exportações de energia não afetava só o 
parque produtivo, como implicava em restrição ao consumo para a população, aumentando a 
escassez  em  um  país  de  invernos  rigorosos.  Outros  fatores,  de  caráter  exógeno,  ligados  à 
contração na economia capitalista, aceleraram a crise.  
Como para boa parte dos “países em desenvolvimento”, o incremento do comércio externo do 
bloco  do  Comecon  com  o  mundo  capitalista  tinha  sido  financiado  por  créditos  bancários 
oriundos  neste  último.  Os  “países  socialistas”  contraíram  dívidas  com  os  bancos  ocidentais. 
Com a desaceleração capitalista e o maior risco de  perdas, os bancos não só passaram a ser 
mais prudentes e rigorosos na concessão de empréstimos, como também elevaram os juros. 
Para os países do Leste europeu e a URSS, a maior dificuldade na obtenção de financiamento, 
bem como a elevação dos juros, não só dificultou as importações, como elevou rapidamente 

                                                                                                                                                                              
absoluta. Não passam de suportes para a extensão das produções industriais e da mais‐valia relativa nos EUA, União 
Européia e Japão. Só podem ser plataformas de exportação para as economias dominantes”.  

74
 

sua dívida com o exterior e os encargos a pagar em dólares.59 Os “ajustes” e a “austeridade” 
no Leste europeu passaram a ser ditados pelo FMI. Escassez de alimentos, bens de consumo e 
energia, e estagnação do crescimento econômico: eis os ingredientes econômicos explosivos, 
que estiveram na base da crise que desintegrou a URSS entre 1989 e 1991. 
DIVIDA EXTERNA DA URSS E DOS PAISES DE EUROPA DO LESTE (1970‐1987) 
(Em bilhões de dólares) 
ANO      1970    1976    1982    1987 
BULGARIA     0,6      2.9      1,9      5,1 
HUNGRIA      0.6      2.8      7.0    16.2 
POLONIA      0.9    11,3    24.4    36,2 
R.D.A.       0,9      5,2    10,7    10,2 
RUMANIA     1,0      2,4      9,5      4,3 
CHECOSLOVAQUIA    0,0      1,3      3,0      3,5 
URSS      0,6    16,1    18,4    25,3 
Fonte: Comisión económica para Europa de la Naciones Unidas, Cuadernos del Este nº 9 (Universidad Complutense, 
Madri). 

PERCENTAGEM DE CRESCIMENTO POR QÜINQÜÊNIO (URSS) 
  1966‐70  1971‐75  1976‐80  1981‐85 
Produto social global  43  36  23  20 
Produto material  41  28  21  17‐18 
líquido utilizado 
Produto material  33  24  18  15 
líquido por habitante 

A  economia  soviética  viu‐se  lançada  na  via  da  dependência  tecnológica  crescente  e  do 
endividamento  vis‐à‐vis  das  economias  capitalistas.  A  corrida  armamentista  foi  a  “cereja  do 
bolo”: os gastos em defesa, que não consumiam mais do que 5‐6% do PIB dos EUA, consumiam 
(estimadamente) entre 15% e 30% da produção anual soviética.   
O questionamento de burocracia "por baixo" também cresceu, com uma resistência constante 
nas fábricas da União Soviética, e grandes levantamentos populares no Leste europeu: depois 
de Hungria e Polônia, foi a vez de Tchecoslováquia em 1968 (com uma nova invasão mortífera 
das tropas do Pacto de Varsóvia, isto é, da URSS), em 1970 da Polônia (levante dos estaleiros 
de  Sczeczin),  até  chegar  ao  espetacular  levantamento  de  1980/81  na  mesma  Polônia,  com  a 
formação  do  sindicato  Solidarnósc.  A  censura  impediu  saber  que  a  União  Soviética  não 
permanecia alheia a esse processo: a revolta operária de Novotcherkass, em 1962 na Sibéria, 
foi  sufocada  em  sangue,  só  vindo  a  ser  conhecida  depois.  Na  URSS  havia  um  proletariado 
renovado: metade dos operários tinha  menos de 30 anos; 85% das pessoas tinham recebido 
educação secundária (contra 44% em 1970), tendo aumentado 12 vezes em 10 anos o número 
de  estudantes  de  nível  médio.  Moshe  Lewin  viu  nessas  novas  camadas  sociais  a  base  da 
perestroika, encabeçada por Mikhail Gorbachev a partir de 1985.  
A questão internacional mais grave era a unidade alemã: a divisão da Alemanha consagrava a 
divisão da Europa. A construção do Muro de Berlim, em 1961, fora, para a camada burocrática 
dirigente, tanto uma garantia de sobrevivência quanto de coexistência com o bloco adversário. 
O  aparelho  estatal  da  República  Democrática  Alemã  estava  sob  tutela  direta  da  URSS  e  seu 
exército.  O  país  era  a  décima  primeira  economia  do  mundo,  com  apenas  17  milhões  de 
habitantes, mas o nível de vida era baixo e a repressão (espionagem incluída) insuportável. De 
1947  a  1961,  2  milhões  700  mil  trabalhadores  abandonaram  a  RDA.  Para  os  berlinenses  do 
                                                            
59
  Em  1991,  a  dívida  externa  da  URSS  já  atingira  US$  91  bilhões.  Outro  fator  foi  a  nova  escalada  da  pressão 
armamentista  desencadeada  pelo  governo  Reagan  e  seu  programa  “Guerra  nas  Estrelas”.  O  novo  surto 
armamentista dos EUA não se deu por real necessidade de defesa, mas sim como opção do Estado capitalista de 
aumento  das  despesas  públicas  como  forma  de  manter  aquecida  a  economia  e  a  demanda  efetiva  para  suas 
indústrias. Isso pressionou mais uma vez os gastos de defesa na URSS, que já eram pesados quando a economia se 
expandia,  e  tornaram‐se  insuportáveis  numa  economia  cambaleante.  Assim,  o  efeito  mais  devastador  sobre  a 
economia soviética veio do que supostamente era o ponto forte do Estado soviético: o gigantesco complexo militar‐
industrial, baseado em um orçamento de defesa insustentável para a economia do país. 

75
 

Leste,  o  “espelho”  do  consumismo  ocidental  e  da  sua  (suposta)  liberdade  se  encontrava  do 
outro lado da rua (do Muro). 
Meros  quatro  anos  depois  de  lançada  a  perestroika,  e  de  Gorbachev  ter  atingido  níveis 
excepcionais  de  popularidade  mundial,  a  “nova”  política  da  burocracia  ruía,  no  seu  elo  mais 
fraco, a RDA. A queda do Muro, a 9 de novembro de 1989, depois de fugas em massa devidas à 
abertura da fronteira húngara com a Áustria, foi resultado da pressão popular contida. A onda 
expansiva do fim do símbolo da fortaleza burocrática se estendeu como um raio nos países do 
Leste,  provocando  a  revolta  popular  na  Romênia  contra  o  reinado  “socialista”  da  família 
Ceaucescu,  a  revolta  popular  na  Hungria,  a  “revolução  de  veludo”  na  Tchecoslováquia.  No 
PCUS,  as  antigas  frações  opositoras  (Yeltsin,  Medvedev)  se  organizaram  como  partidos 
políticos independentes, defendendo a “democracia” (e não mais o socialismo). 
A “questão operária” fervia na URSS, com inúmeras greves (como a dos mineiros de Kuzbass, 
na Sibéria). Mas a organização da classe operária, depois de décadas de repressão burocrática 
e confusão política, no maior país do planeta, não era um processo fácil nem rápido. A questão 
nacional  era  mais  concentrada  e  imediata:  as  revoltas  das  “repúblicas  soviéticas”  (como  a 
Armênia  e,  sobretudo,  a  Ucrânia)  e  também  das  nacionalidades  esmagadas,  sem  “república” 
própria  (como  a  Tchetchênia)  criavam  um  clima  de  guerra  civil.  Um  setor  do  aparelho 
burocrático  (da  GPU)  tentou  um  golpe  de  estado  contra  Gorbachev,  em  agosto  de  1991, 
quando  este  estava  prestes  a  negociar  um  novo  “Tratado  da  União”.  Apesar  do  fracasso  do 
golpe, este não deixou de ferir mortalmente (na verdade, de dar o golpe de graça) à tentativa 
gorbacheviana:  transitar  para  o  capitalismo  no  quadro  estatal  da  URSS  e  sob  o  governo  do 
PCUS (no estilo da China).  
E  assim  concluía,  não  o  “socialismo”,  mas  a  tentativa  utópica  e  desastrada  de  construir  o 
“socialismo  num  país  (ou  num  bloco)  só”,  que  remontava  à  vitória  da  burocracia  stalinista 
década de 1920, em “concorrência pacífica” com o mundo capitalista. A tentativa de superar, a 
partir de um país atrasado (mas dotado de dimensões e riquezas continentais, segundo Stalin), 
o ponto mais alto do desenvolvimento econômico (o mercado mundial capitalista), que custara 
milhões  de  vidas  (pela  repressão  e  pelas  novas  guerras)  terminara  numa  catástrofe  que,  por 
um  breve  período,  alimentou  a  miragem  capitalista  de  um  reinado  eterno  do  capital,  e  do 
próprio “fim da História”.    
Comércio Mundial e Dólar de Guerra 
No mundo capitalista, o final dos anos 1980 e o início da década de 1990 foram marcados pela 
crise  dos  modelos  fundo‐monetaristas  de  estabilização  em  vigor,  a  eclosão  da  hiper‐inflação 
nos  países  periféricos,  e  o  surgimento  de  uma  “estabilização”,  baseada  na  introdução  de 
âncora  cambial  (dólar),  especifica  deste  momento  histórico:  México  (1989),  Chile  (1990), 
Argentina  (1991),  Brasil  (1994),  vários  outros  países  da  América  Latina,  países  asiáticos  e  do 
Leste  europeu,  vieram  a  introdução  desta  modalidade  de  estabilização  em  momentos 
históricos diferenciados, com estrutura básica semelhante.60  
Uma tentativa de substituir o dólar pelo euro como moeda comercial, realizada pelo governo 
iraquiano de Saddam Hussein (até então aliado dos EUA contra a “revolução islâmica”) foi um 
dos motivos para a “Operação Tempestade no Deserto”, deflagrada pelo governo de George 
Bush entre fevereiro e maio de 1991, visando o controle estratégico do Golfo Pérsico (a rota 
fundamental  do  petróleo  do  Oriente  Médio),  a  militarização  da  região  (com  980  ogivas 
                                                            
60
 A âncora cambial possibilitou a recuperação do câmbio fixo, num momento em que este já havia sido extinto em 
1971. Para bancar o câmbio fixo, o superávit do balanço de pagamentos passou a ser obtido a partir de um grande 
déficit  nas  transações  correntes,  compensados  por  um  superávit  na  conta  de  capitais.  Formavam‐se  grandes 
reservas sem que se tivesse o superávit clássico. Tratava‐se de um superávit artificial, a partir da elevação da taxa 
de juro interno. Quanto maior era o déficit na conta corrente (balança comercial e de serviços) maior a necessidade 
de financiá‐lo. 

76
 

nucleares instaladas na Turquia, em seis porta‐aviões e 25 navios e submarinos), o incentivo à 
indústria  armamentista  (com  a  experimentação  inédita  das  “bombas  inteligentes”  e 
“cirúrgicas”),  e  a  submissão  geopolítica  da  Europa  (que  criticou,  mas  nada  fez  contra,  a 
invasão)  petro‐dependente  ainda  em  grande  medida  dos  países  do  Golfo.  No  maior  ataque 
aéreo  até  então  realizado,  foram  despejadas  sobre  o  Iraque  o  equivalente  a  18  bombas 
atômicas, produzindo 30 mil mortes só nos primeiros dias. Saddam Hussein não foi derrubado 
(o que aconteceria em 2003), mas o bloqueio ao que o Iraque foi submetido produziu centenas 
de milhares de mortes nos anos sucessivos. A criação de um cenário de guerra internacional 
era fundamental, para incentivar a economia armamentista (essa é a sua função principal), e 
também para impor uma militarização mundial que facilitasse as imposições norte‐americanas 
sobre  seus  concorrentes  econômicos  (Europa  e  Japão),  ou  seja,  para  neles  descarregar  os 
custos da sua própria crise interna, mas tropeçou com mobilizações de massa mundiais, e nos 
próprios EUA, sob a bandeira de “no blood for oil”.  
No núcleo da crise econômica estavam os mercados de dívidas públicas, gerando uma intensa 
disputa entre os EUA, Europa e Japão, determinando o movimento da economia mundial. Na 
periferia,  as  dívidas  privadas  foram  recicladas  e  transformadas  em  dívidas  públicas.  A  crise 
capitalista exigia a conquista de novos mercados para o capital dos países industrializados. A 
política  adotada  visava  estabilizar  a  crise  iniciada  nos  anos  1970,  contornada  pelos  EUA  e 
repassada para os países subdesenvolvidos através da explosão da dívida externa e interna. As 
políticas com fundamento na âncora cambial provocaram um endividamento externo e público 
jamais registrado na história dos Estados periféricos que, pagando tão caro para ter reservas 
em dólar, fizeram com que os EUA tivessem dispêndio reduzido para sua política monetária. 
O  que  deu  base  para  a  implantação  deste  modelo  foi  o  excedente  de  capital‐dinheiro  na 
economia  mundial,  com  a queda da  taxa de juros dos EUA, o grande volume de recursos do 
crime organizado com a expansão da produção e comercialização de drogas juntamente com o 
tráfico  de  armas,  que  passaram  a  representar  em  torno  de  US$  1  trilhão  por  ano,  a 
renegociação  da  dívida  externa  através  do  “Plano  Brady”,  que  revitalizou  um  grande  volume 
de  recursos  na  forma  de  títulos  que  se  considerava  perdido,  passando  a  servir  de  base  para 
novos créditos, e o crescente parasitismo ou deslocamento de capital que estava imobilizado, 
mas  que  passava  para  a  esfera  financeira  atuando  no  mercado  de  títulos  públicos  e  no 
mercado  de  câmbio,  somado  aos  grandes  lucros  financeiros  que  não  conseguiam  ser 
reinvestidos produtivamente, e a expansão dos fundos privados de pensões.  

 
Assembléia de Governadores do FMI 

Esse  “crédito  fácil”  provocou  um  estouro  no  mercado  de  títulos,  que  teve  sua  origem  na 
política  do  Banco  Central  americano  (FED)  e  da  Alemanha  (Bundesbank),  e  permitiu  um 
crescimento  do  crédito  nos  anos  1990.  Nos  EUA,  este  processo  esteve  ligado  também  ao 
interesse do FED de ajudar os bancos comerciais que estavam em dificuldades, originadas na 
crise  da  dívida  dos  anos  1980,  pois  ao  garantirem  taxas  de  juros  de  curto  prazo  de  3%,  os 
bancos  comerciais  tomavam  dinheiro  emprestado  com  essa  taxa,  e  compravam  títulos  de 
longo  prazo  que  rendiam  de  6%  a  7%  ao  ano.  Ao  embolsarem  a  diferença  entre  as  taxas 
restabeleciam  seus  lucros.  Na  Alemanha  estava  relacionado  ao  aumento  do  estoque  de 
dinheiro, resultado do custo da unificação alemã. Esses juros baixos permitiram a corrida aos 

77
 

títulos públicos no mundo inteiro. O cenário mundial que propiciou a introdução do “modelo” 
foi influenciado não só pela queda da taxa de juros nos EUA, como também pela dissolução da 
URSS e o chamado “fim do socialismo”, que propiciou um novo campo de investimento para o 
capital  financeiro,  e  foi  capitalizado,  política  e  ideologicamente,  como  uma  vitória  do  “livre 
mercado”. 
O  “neoliberalismo”  resultante  foi  apresentado  por  Niall  Ferguson  como  responsável  pela 
queda  da  inflação:  “A  inflação  caiu  em  parte  porque  muitos  dos  itens  que  compramos,  de 
roupas a computadores, ficaram mais baratos como resultado da inovação tecnológica e da re‐
localização da produção para as economias de baixos salários da Asia. Ela também foi reduzida 
por  causa  de  uma  transformação  mundial  na  política  monetária,  que  começou  com  os 
aumentos inspirados no monetarismo em índices de curto prazo, implementados pelo Banco 
da  Inglaterra  e  o  Federal  Reserve  dos  Estados  Unidos,  no  final  dos  anos  1970  e  começo  dos 
anos  1980;  isso  continuou  com  a  multiplicação  da  independência  dos  bancos  centrais  dos 
países e de objetivos explícitos nos anos 1990... Alguns dos condutores estruturais da inflação 
também enfraqueceram. Os sindicatos se tornaram menos poderosos. Indústrias estatais que 
perdiam dinheiro têm sido privatizadas.  
“Mas,  talvez  mais  importante  que  tudo,  a  clientela  social  com  um  interesse  em  reais  lucros 
positivos dos títulos tem crescido. No mundo desenvolvido, uma crescente parte da riqueza é 
possuída  por  fundos  privados  de  pensão  e  outras  instituições  de  poupança,  dos  quais  é 
exigido,  ou  pelo  menos  deles  se  espera,  que  mantenham  uma  elevada  proporção  dos  seus 
ativos na forma de títulos do governo e outros investimentos de renda fixa. Uma pesquisa dos 
fundos  de  pensão  nas  onze  maiores  economias  do  mundo  revelou  que  os  títulos  somavam 
mais  de  um  quarto  dos  seus  ativos,  proporção  substancialmente  mais  baixa  do  que  em 
décadas  anteriores,  mas,  ainda  assim,  uma  parcela  substancial.  Na  medida  em  que  os  anos 
passam,  a  proporção  da  população  que  vive  da  renda  desses  fundos  tem  aumentado,  do 
mesmo modo que cresce a parcela de aposentados”. 
Durante a “Rodada Uruguai” de negociações comerciais, voltou‐se a discutir sobre a criação de 
um  organismo  internacional  destinado  a  regulamentar  o  comércio  internacional,  não  apenas 
de bens, mas também de serviços, além de investimentos e propriedade intelectual: a Ata da 
Rodada  Uruguai  incluiu  um  novo  Acordo  de  Tarifas  Aduaneiras  e  Comércio  (GATT  94),  que 
manteve a vigência do GATT 47, acrescentado do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços 
(GATS),  o  Acordo  sobre  Investimentos  (TRIMS),  o  Acordo  sobre  direitos  de  Propriedade 
Intelectual (TRIPS), além de acordos destinados a regulamentar procedimentos de solução de 
controvérsias,  medidas  antidumping,  medidas  de  salvaguarda,  medidas  compensatórias, 
valoração aduaneira, licenciamento, procedimentos, etc.  
A  Ata  estabeleceu  o  acordo  constitutivo  da  Organização  Mundial  de  Comércio  (OMC),  que 
entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995.61 O objetivo da OMC era garantir grande aumento 
nas garantias de acesso aos mercados nacionais, através de vinculações tarifarias dos produtos 
industrializados,  e  eliminar  100%  das  restrições  não  tarifarias  de  produtos  agrícolas.  Quase 
uma  década  e  meia  mais  tarde,  esses  objetivos  não  foram  atingidos,  e  alguns  estão  mais 
longínquos  do  que  estavam  em  1995.  Para  um  apologista  do  capital,  no  entanto,  “o  período 
entre  1970  e  1995,  e  principalmente  a  última  década,  presenciou  a  mais  espetacular 
harmonização  institucional  e  integração  econômica  entre  nações  jamais  vista  na  história 
mundial. Durante as décadas de 1970 e 1980 cresceu a integração econômica, cuja extensão 
só se percebeu nitidamente com o colapso do comunismo em 1989. Em 1995 percebeu‐se o 
surgimento de um sistema econômico global dominante.  

                                                            
61
  Em  2003,  em  uma  reunião  da  OMC,  por  proposta  do  Brasil,  África  do  Sul  e  Índia,  foi  criado  o  G20  (países  em 
desenvolvimento), a partir daí o GATT teve o poder de julgar, fiscalizar e punir países. 

78
 

“O conjunto de instituições em comum está exemplificado pela nova Organização Mundial do 
Comércio  (OMC),  estabelecida  com  o  consenso  de  mais  de  120  economias,  e  onde 
praticamente todas as demais desejam entrar. Parte do novo acordo de comércio envolve uma 
codificação  dos  princípios  básicos  do  comércio  de  bens  e  serviços.  Igualmente,  o  Fundo 
Monetário  Internacional  (FMI)  conta  hoje  com  um  grau  de  afiliação  quase  universal,  com  os 
países  membros  comprometidos  a  princípios  básicos  de  circulação  e  conversão  da  moeda”. 
Para  desgraça  do  autor  das  palavras  (Jeffrey  Sachs),  logo  depois  estourou  a  “crise  asiática”, 
que levaria a diversos “atores globais” a propor... a dissolução do FMI. 
Um Balanço Geral  
Durante o pós‐guerra, o ponto álgido atingido pela abstração do capital e a internacionalização 
sem precedentes da produção, entraram em choque também sem precedentes com o reforço 
das  fronteiras  nacionais  e  da  exploração  imperialista  (processo  expressado  na  guerra 
comercial, financeira e industrial; na formação de blocos regionais ao redor das potências; no 
endividamento  interno  e  externo;  no  reforço  policial  e  militar  dos  Estados  e  a  virulência  dos 
conflitos  bélicos  regionais).  Se  o  desenvolvimento  capitalista  se  caracterizou  historicamente 
pela contradição entre o caráter cada vez mais social da produção e o caráter cada vez mais 
privado  da  apropriação,  na  era  imperialista  esta  contradição  se  desdobra  naquela  entre  o 
caráter  cada  vez  mais  internacional  da  produção  e  o  caráter  cada  vez  mais  nacional  da 
apropriação.  A  expansão  mundial  do  capital  não  diminuiu  o  desenvolvimento  desigual  entre 
nações e regiões: ao contrário, agravou‐o. 
No  carro‐chefe  da  economia  capitalista  mundial,  a  tendência  para  o  declínio  da  produção 
capitalista verificou‐se na seqüência histórica da taxa de lucro, com uma queda empiricamente 
verificável a partir da crise de 1929 (lembremos que a Bolsa de Nova York somente recuperou 
seu desempenho pré‐1929 em 1954, isto é, um quarto de século mais tarde). 
   1929  1933  1945  1946  1948  1949  1966  1967 
Taxa de mais‐valia (Pv): 
0,8434  0,6520 0,6090 0,6596 0,7113 0,6772 0,6061 0,5826 
Cv./Cv. 
C.O.C.: Cc./Cv  0,1554  0,2022 0,1669 0,1660 0,1558 0,1711 0,1478 0,1452 
Taxa de Lucro: Pv/ Cc.+Cv  0,7123  0,5202 0,5074 0,5502 0,6005 0,5613 0,5165 0,4980 
  
   1969  1970  1974  1975  1979  1980  1981  1982 
Taxa de mais‐valia Pv./Cv.  0,5403  0,5083 0,5076 0,5234 0,4986 0,4768 0,5020  0,4873 
C.O.C.: Cc./Cv  0,1554  0,2022 0,1669 0,1660 0,1558 0,1711 0,1478 0,1452 
Taxa de Lucro:Pv/Cc.+Cv  0,7123  0,5202 0,5074 0,5502 0,6005 0,5613 0,5165 0,4980 
   
   1989  1991  1993   2000  2003  2004  2005  
Taxa de Mais‐valia: Pv./Cv  0,5346  0,5174  0,5188  0,5210  0,5391  0,5608  0,5379  
C.O.C.: Cc./Cc+Cv.  0,1730  0,1823  0,1887  0,1502  0,1740  0,1911  0,1895  
Taxa de Lucro: Pv/ Cc+Cv  0,4421  0,4231  0,4209  0,4427  0,4453  0,4536  0,4359  
Fonte: José Luis González González. Tendencia histórica de la tasa de ganancia en Estados Unidos de América (1929 ‐ 2006). In: 
www.geocities.com/redculturalin/tasadeganancia2007.html. Outubro de 2008 (C.O.C: composição orgânica do capital). 

O autor desse estudo do comportamento da taxa de lucro norte‐americana (a partir de dados 
oficiais  da  “contabilidade  nacional”  dos  EUA)  concluiu:  “Em  1929  a  taxa  de  lucro  nos  EUA 
sofreu uma queda irreversível, entrando na primeira crise global do capitalismo, caindo de 70% 
para  taxas  de  menos  de  39%,  remontando  para  quase  45%  na  virada  do  milênio,  depois  de 
auges  (até  um  60%  em  1948)  que  não  foram  mais  do  que  recuperações  induzidas,  que  não 
conseguiram  recuperar  o  nível  da  taxa  de  lucro  anterior  a  1929.  A  alienação  monetária 
“keynesiana” e “neoclássica”, que impõe uma visão do ponto de vista da massa [de lucro] nos 

79
 

faz  ver  a  realidade  invertida.  Efetivamente,  se  nos  atermos  somente  à  concentração  e 
centralização crescente do capital, impulsionada pelo Estado, os dados são otimistas”.  
O  crescimento  econômico  de  pós‐guerra,  centrado  nos  países  “desenvolvidos”,  tendeu  a 
ocultar a natureza profunda do seu processo: no segundo pós‐guerra, o capital usou a fundo as 
possibilidades  do  gasto  armamentista,  do  desenvolvimento  parasitário  com  a  formação  de 
capital  fictício,  do  desenvolvimento  artificial  das  nações  atrasadas,  com  vistas  à  criação  de 
mercados para exportar seus capitais  e mercadorias, e desse modo se contrapor à queda da 
taxa de lucro na metrópole, de modo sistemático. O parque industrial militar fez da produção 
de armas um fator decisivo para a realização de parte da riqueza. O domínio militar, por outro 
lado, facilitava a conquista de mercado para o restante da economia.  
Para os EUA, o monopólio da emissão de uma moeda de aceitação mundial, primeiro lastreada 
em  ouro  e  depois  sem  nenhum  lastro  (a  partir  de  1971),  foi  sem  dúvida  um  dos  fatores 
fundamentais  para  o  financiamento  daquela  expansão.  A  corrida  armamentista,  por  sua  vez, 
não  só  se  punha  para  proteger  seu  território,  como,  sobretudo,  funcionava  como  principal 
centro produtor de novas tecnologias. As pesquisas feitas com dinheiro público para garantir a 
defesa  nacional,  foram  transformadas  nos  elementos  motores  da  reestruturação  produtiva 
(energia nuclear, aviação, telecomunicação, computação, microinformática). A escalada bélica 
dos EUA (e também da Europa) foi menos produto de conflitos de "novo tipo", localizados ou 
regionais, do que algo inerente ao próprio equilíbrio capitalista. Certamente, é indissociável à 
expansão  do  capital  a  força  coercitiva  do  Estado,  como  "pacificador"  interno  e  avalista  da 
expansão externa. Mas, sobretudo, os gastos públicos na economia de armamentos possuem 
dimensão funcional em relação ao processo de valorização do capital.  
Rosa Luxemburgo foi a primeira marxista a identificá‐lo em A Acumulação de Capital; nesses 
“gastos  improdutivos”,  a  mercadoria  adquirida  pelo  Estado  não  participa  do  processo 
produtivo,  são  gastos  para  aquisição  de  meios  de  destruição  das  forças  produtivas.  Rosa 
Luxemburgo identificou no caráter indireto do sistema tributário o mecanismo pelo qual havia 
apropriação de parcela do capital social, e sua transformação em fonte para o financiamento 
estatal  de  uma  mais‐valia  adicional,  gerada  nos  processos  de  produção  de  armas,  sem  que 
fosse um elemento  de favorável para novas crises de superprodução. Apesar do significativo 
comércio  internacional  de  abastecimento  de  bandos  criminosos,  ou  de  grupos  “étnicos”  em 
luta,  ou  de  guerrilhas  dos  mais  variados  matizes,  isto  não  é  comparável  à  aquisição  de 
sofisticadas  plataformas  e  armas  de  alta  tecnologia,  desenvolvidas  e  produzidas  por  grandes 
corporações e financiadas pelo Estado num regime de monopsônio. 
A intervenção do Estado, assim, se revelou vital para a reprodução do capital no conjunto dos 
países  capitalistas,  o  que  evidencia  o  esgotamento  da  força  histórica  do  capital  (nenhum 
“neoliberalismo” afetou essa tendência básica): 
GASTOS GOVERNAMENTAIS COMO PORCENTAGEM DO PIB - 1913-1999

Países 1913 1938 1950 1973 1999


EUA 8 19,8 21,4 31,1 30,1
Japão 14,2 30,3 19,8 22,9 38,1
Alemanha 17,7 42,4 30,4 42 47,6

Com o esgotamento do auge, ou “trinta anos gloriosos”, “algo de fundamental parece haver‐se 
modificado, no último quarto de século, no modo como funciona o capitalismo. Na década de 
1970,  muitos  falaram  em  crise.  Na  de  1980,  a  maioria  falou  em  reestruturação  e 
reorganização. Na de 1990, já não temos certeza de que a crise dos anos 1970 foi realmente 
solucionada”  (Giovanni  Arrighi).  Pressão  inflacionária,  recessão,  desequilíbrios  cambiais  e 
comerciais, foram os sintomas imediatos: a produtividade entrou em declínio, a taxa de lucro e 
a  acumulação  de  capital  diminuíram,  declinando  também  os  investimentos  produtivos, 
envolvendo  a  economia  mundial  num  prolongado  período  de  tendência  à  estagnação.  A 

80
 

destruição  ambiental,  por  sua  vez,  começou  a  por  em  xeque  à  própria  “ciência  econômica” 
baseada  no  “mercado”  (que  começou  a  se  perguntar  seriamente  se  o  capitalismo  não  vai 
destruir o planeta), pois “se a análise econômica permite traduzir o meio‐ambiente em termos 
monetários, ainda assim ele fica numa situação exterior ao mercado, que exige que uma oferta 
explícita encontre uma procura explícita”. 
Nos países da OCDE, as dívidas públicas ultrapassaram US$ 13 trilhões em 1995, quase o valor 
do  PIB  dos  EUA.  Somente  nos  Estados  Unidos  a  dívida  pública  cresceu  cinco  vezes  (US$  5 
trilhões em 1996) durante o período Reagan‐Bush. A inflação, certamente, é inimiga do poder 
de  compra  dos  salários  dos  trabalhadores,  mas  também  do  valor  real  dos  ativos  financeiros, 
principalmente dos títulos da dívida pública. A dívida pública americana passou a equivaler a 
quase dois anos da produção industrial do país. 
A  internacionalização  produtiva,  a  “globalização”,  foi  a  miragem  que  camuflou  o  reforço  das 
economias  (e  dos  Estados)  nacionais,  no  quadro  de  um  acirramento  da  concorrência  inter‐
capitalista  mundial.  Não  houve  nenhuma  evidência  de  que  a  “trans‐nacionalização”  e  a 
“globalização” tivessem significado a superação da contradição entre a economia mundial e as 
economias  nacionais,  e  menos  ainda  entre  os  Estados  nacionais  ‐  a  contradição  entre  a 
internacionalização crescente das forças produtivas e a sobrevivência das fronteiras nacionais. 
O  setor  financeiro,  decisivo,  expressa  isso  em  sua  plenitude.  A  sua  internacionalização 
crescente  e  a  velocidade  espantosa  dos  fluxos  de  capitais  não  impediram  que,  na  economia 
mundial,  a  demanda  interna  dos  países  absorva  cerca  de  80%  da  produção  e  gere  90%  dos 
empregos. A poupança doméstica financia mais de 95% da formação de capital. Os fundos de 
pensão dos EUA têm apenas 6% dos seus ativos totais fora do país. Os da Alemanha, 5%. Os do 
Japão, 9%. As companhias de seguro de vida dos EUA têm 4% do sua carteira de investimento 
em  atividades  estrangeiras.  As  da  Inglaterra,  12%.  A  conclusão  do  FMI  foi  que  “a  tendência 
geral  na  direção  da  diversificação  internacional  é  ofuscada  pela  pequena  participação  dos 
títulos estrangeiros nos portfolios dos investidores institucionais”. 
No  acirramento  da  concorrência  nacional,  a  manutenção  do  dólar  (depois  da  sua 
desvalorização  em  1971)  como  moeda  de  troca,  unidade  de  reserva  e  meio  de 
entesouramento foi decisiva, e obtida por meios políticos. Sendo o dólar o valor de referência 
para  as  reservas  internacionais  e  para  as  trocas  comerciais  internacionais,  os  EUA  têm  uma 
“senhoriagem”,62  maior  do  que  qualquer  outro  país.  A  emissão  de  moeda  é  usada  não  para 
financiar  déficits  de  bancos  estatais,  mas  para  aumentar  a  oferta  de  crédito  para  os  bancos 
privados. Quando estes pedem nova moeda, o Estado, ao emitir, cria capital monetário e não 
renda‐dinheiro. A “senhoriagem” não é uma privação de valor por parte do Estado, mas uma 
criação de liquidez, enquadrada como capital monetário, que favorece a classe capitalista.  
Os enormes déficits comerciais dos EUA foram financiados predominantemente por fluxos de 
capitais  provenientes  do  exterior  sob  forma  de  empréstimos  às  empresas,  garantidos  pela 
economia e o dólar norte‐americano. O dólar enquanto tal garante, portanto, aos capitalistas, 
um  canal  de  acumulação.  O  capital  internacional,  precisando  encontrar  novos  circuitos  de 
auto‐valorização,  consegui‐o  passeando  pelo  mundo,  com  investimentos  de  carteira  ou, 
menos,  produtivos  (em  proporção  de  85%  contra  15%).  O  que  mais  pesa  na  decisão  de 
investimento é o risco de cambio: variações da taxa de câmbio levaram a colapsos dramáticos 
(Ásia, Rússia, Brasil). Formas de dolarização direta ou indireta (currency board  argentino) lhe 
fizeram  frente,  garantindo  margens  de  segurança  aos  capitalistas.63  A  vulnerabilidade  desses 
                                                            
62
  Capacidade  que  um  sujeito  emitente  de  moeda  tem  de  adquirir  valor  a  custos  mínimos,  como  soberano  ou 
autoridade estatal: imprimindo moeda a um custo mínimo (o de um dólar é de 3 centésimos de si mesmo), aceita 
por todos, será trocada com uma determinada quantidade de mercadorias, com um ganho equivalente à diferença 
entre o custo e o valor monetário emitido (no caso, 97 centavos por unidade). 
63
  Para  incrementar  o  fluxo  de  investimentos  e,  portanto,  abrandar  a  queda  tendencial  da  taxa  de  lucro, 
aumentando as formas de acumulação, o capital norte‐americano buscou garantir, na adoção da própria moeda de 

81
 

modelos começou a ser revelada com a crise mexicana em 1994, quando os capitais voláteis 
saíram rapidamente do país, gerando uma crise cambial, que culminou com a desvalorização 
de 33% de sua moeda em menos de uma semana. 
O  deslocamento  produtivo  para  a  periferia,  em  busca  de  baixos  salários,  por  sua  vez,  não 
implicou num progresso econômico relativo (e menos ainda social) nos países periféricos, mas 
um retrocesso. Apontou um colunista de Le Monde: “Empregos, certamente, são criados nos 
setores exportadores do Sul. Mas as condições de viabilidade desses empregos e, em primeiro 
lugar,  a  abertura  comercial,  tem  como  efeito  uma  liquidação  ainda  maior  dos  empregos  nos 
setores tradicionais não competitivos. Com raras exceções, os países do Terceiro Mundo criam 
menos  empregos  após  a  abertura  do  que  antes”.  Uma  estrutura  econômica  baseada  nas 
plataformas de exportação exige uma desregulamentação radical nos fluxos de importação das 
empresas  envolvidas  na  sua  indústria  montadora.  Devem  ser  derrubadas  radicalmente  as 
barreiras  ao  livre‐comércio  das  máquinas,  peças,  insumos  e  componentes  utilizados  na 
montagem  e  exportação  das  commodities  industriais.  Esse  processo  é  absolutamente 
diferente da antiga “substituição de importações”. 
A  saída  do  capital  para  a crise  (o  incremento  de  sua  composição  orgânica)  teve  também  um 
efeito  social  deletério  nas  metrópoles  capitalistas.  Segundo  Richard  Peet,  "há  uma  diferença 
entre  tecnologia,  enquanto  conhecimento  fornecedor  de  princípios  que  podem  ser 
empregados utilmente, e técnicas, enquanto modos específicos de aplicar esses princípios na 
fabricação  de  produtos  específicos  ou  na  prestação  de  serviços.  O  potencial  libertador  das 
novas  tecnologias  de  processamento  de  informação,  centradas  no  computador,  é  de  fato 
realizado através de técnicas que já deslocaram milhões de trabalhadores da manufatura. No 
futuro essas técnicas também destruirão milhões de empregos da indústria de serviços, muitos 
dos quais envolvem um processamento simples de informação". 
DESEMPREGO (%) 1950-1998
Países 1950-1973 1974-1983 1984-1993 1994-1998
EUA 4,6 7,4 6,7 5,3
Japão 1,6 2,1 2,3 3,4
Alemanha 2,5 4,1 6,2 9

Kaplinsky  concluiu  que  "a  introdução  de  novas  tecnologias  de  automação,  associadas  como 
estão ao aprofundamento das crises econômicas, deve levar a elevados e duradouros níveis de 
desemprego,  provavelmente  com  um  excesso  de  12%  da  força  de  trabalho.  As  tendências 
contrárias oferecidas por novos produtos, pela busca de novas habilidades, pela introdução da 
semana  curta  e  pela  resistência  às  novas  tecnologias  de  automação,  não  trarão  alterações 
substanciais a essa perspectiva". A "libertação do trabalho" foi transformada em "colapso do 
trabalho".  Em  1985,  o  desemprego  mundial  estava  estimado  em  mais  de  800  milhões  de 
pessoas  (para  uma  população  economicamente  ativa  ‐  PEA  ‐  mundial  estimada,  pela  OIT  em 
1986, em 2 bilhões de pessoas).  
Nos países centrais (Europa, Japão e EUA) o desemprego superava largamente os 40 milhões 
de pessoas. Isto não tem apenas um efeito deletério sobre os salários ‐ com os salários reais 
em queda, e  muito  mais a participação relativa dos salários nas rendas nacionais e na renda 
mundial ‐ mas também sobre a própria segurança e estabilidade no emprego. O achatamento 
salarial  foi  um  dos  principias  motores  do  desemprego,  ao  provocar  um  inusitado 
                                                                                                                                                                              
referência, um momento necessário para enfrentar a crise: a adoção, na Argentina, do plan de convertibilidad  de 
1991, e depois os casos da Guatemala e do Equador, fizeram parte de uma política de re‐colonização obrigada pela 
própria  crise  do  capital  em  seu  epicentro.  O  principio  da  “estabilização”  consiste  na  criação  de  uma  âncora  nas 
reservas  cambiais,  ter  uma  moeda  nacional  estável  pressupõe  “ancorá‐la”  na  existência  de  grande  volume  de 
reservas. Este volume de moeda estrangeira em dólar é o que garantiria a fixação de um valor à moeda e daria as 
condições  para  mantê‐lo.  Ou  seja,  a  força  da  moeda  viria  da  posse  de  outra  moeda,  sem  que  os  países 
“estabilizados” tenham qualquer controle sobre a sua emissão. 

82
 

prolongamento  da  jornada  de  trabalho.  Uma  das  principais  causas  do  desemprego  nos  EUA, 
segundo  Juliet  Schor,  “tem  sido  uma  constante  redução  das  tarifas  salariais  por  horas.  Esta 
erosão  teve  um  profundo  efeito  sobre  as  horas;  para  manter  o  seu  nível  de  vida,  estes 
empregados se vêem obrigados a trabalhar longas jornadas”.  
O  crescimento  do  trabalho  temporário  e/ou  precário  foi  muito  mais  veloz  do  que  o 
crescimento do emprego em geral. O trabalho não estruturado ou “informal” ocupou o lugar 
principal como “esponja” da mão‐de‐obra. Em 1991, esse tipo de trabalho representava dois 
terços  do  emprego  na  África  setentrional  é  mais  da  metade  na  Ásia:  entre  1980  e  1987, 
aumentou  56%  na  América  Latina.  Um  informe  da  OIT  revelou  a  extensão  mundial  da 
precariedade:  "cabe  considerar  como  protegidos  socialmente  uns  800  milhões  de 
trabalhadores de uma população ativa mundial de quase 2 bilhões. Os 1,15 bilhões restantes ‐
isto é, 60% da população ativa total‐ não estão protegidos no que se refere ao seguro social 
básico nem à legislação trabalhista". O uso das novas tecnologias de informação (informática e 
eletrônica) também determinaria novas formas de organização da produção e, em decorrência 
disso, novas formas de gestão do trabalho.64 
Para  Piore  e  Sabel,  a  causa  da  crise  não  estaria  na  estrutura  do  capitalismo,  mas  na  sua 
superestrutura institucional: "A crise é o resultado da incapacidade da estrutura institucional 
de  finais  dos  anos  sessenta,  para  adaptar‐se  à  difusão  da  tecnologia  da  produção  em  série. 
Essa  explicação  é  compatível  com  uma  importante  implicação,  a  saber,  que  se  poderia  ter 
evitado a crise dos anos sessenta ou reduzido em grande medida seus efeitos, manipulando as 
instituições ou reformando‐as de acordo com seus princípios. A explicação implica que, cedo 
ou  tarde,  dada  a  ordem  econômica  internacional  e  as  técnicas  nacionais  vigentes  de 
estabilização  industrial,  a  persistência  da  prosperidade  dependeria  de  uma  reorganização 
básica da estrutura institucional: é possível que uma gestão ilustrada da crise tivesse evitado a 
própria crise mundial, mas não a necessidade de levar a cabo reformas fundamentais". A crise 
não  seria,  pois,  a  do  modo  de  produção,  mas  a  de  um  "paradigma  industrial"  dentro  do 
mesmo.65 Ora, só um terço do aumento na produtividade durante o período de 1995 a 1999 
poderia ser atribuído à “revolução da informação”. Gordon estabeleceu que a maior parte do 
aumento  da  produtividade  atribuído  à  informatização,  originou‐se  na  realidade  na  área  da 
produção de computadores, com efeito limitado sobre o resto da economia. Segundo estudo 
de  Gordon,  a  produtividade  na  produção  de  computadores  aumentou  de  18%  ao  ano  entre 
1972 e 1995, a 42% ao ano a partir de 1995.66 

                                                            
64
 Segundo Coriat: “Na medida em que se desenvolveu a eletronização da fabricação, rapidamente revelou‐se uma 
particularidade dos novos meios de trabalho automatizados: a capacidade de adaptar os modos operacionais e de 
manipulação  a  vários  tipos  diferentes  de  tarefas.  Essa  propriedade  permite  que  se  conceba  as  linhas  flexíveis  de 
produção em oposição às rígidas provenientes da automatização clássica e da Organização Científica do Trabalho”. 
As  novas  tecnologias  e  seus  correspondentes  métodos  de  gestão,  então,  podem  ser  considerados  como  uma 
tentativa de quebrar a resistência operária contra os ritmos de trabalho e a desqualificação crescente do mesmo. 
65
 Para Karl Marx, o “paradigma” da automação era um fator de auto‐dissolução do capital: o processo de produção, 
sob  o  maquinismo  capitalista,  já  não  era,  tendencialmente,  um  processo  de  trabalho:  "O  processo  de  produção 
deixa  de  ser  um  processo  de  trabalho,  no  sentido  em  que  o  trabalho  constituiria  a  sua  unidade  dominante.  Nos 
numerosos pontos do sistema mecânico, o trabalho aparece apenas como corpo consciente, sob a forma de alguns 
trabalhos  vivos.  Dispersos,  submetidos  ao  processo  de  conjunto  da  maquinaria,  não  formam  mais  do  que  um 
elemento  do  sistema,  cuja  unidade  não  reside  nos  trabalhadores  vivos,  mas  na  maquinaria  viva  (ativa)  que,  em 
relação à atividade isolada e insignificante do trabalho vivo, aparece como um organismo gigantesco. Neste estádio, 
o trabalho objetivado aparece realmente, no processo de trabalho, como o poder dominante face ao trabalho vivo, 
enquanto que, até aí, o capital era apenas o poder formal e desse modo se apropriava do trabalho". A progressiva 
eliminação do trabalho vivo do processo de produção tende a eliminar o motor e o fundamento do capitalismo, que 
é  a  apropriação  do  sobre‐trabalho  vivo  (pois  o  trabalho  objetivado,  morto,  não  produz  sobre‐trabalho).  A 
automação, potenciada pela tecnologia eletrônica (informática), acentua essa contradição inerente ao capitalismo. 
66
 Segundo o estudo de Gordon do processo técnico no período entre 1887 e 1996, o período de máximo progresso 
técnico, manifestado no crescimento anual da produtividade de múltiplos fatores, foi o período entre 1950 e 1964, 

83
 

Seria  um  (qualitativamente)  “novo”  capitalismo?  Para  Michel  Husson,  o  capitalismo  corrente 
teria  uma  estrutura  de  custos  particular:  uma  colocação  de  fundos  inicial  importante  e 
concentrada no tempo, onde as despesas de trabalho qualificado ocupam um lugar crescente; 
uma  desvalorização  rápida  dos  investimentos,  que  devem  ser  amortizados  e  rentabilizados 
num  período  curto;  custos  variáveis  de  produção  ou  de  reprodução  relativamente  baixos;  a 
possibilidade de apropriação mais ou menos gratuita da inovação ou do produto (programação 
informática, obra de arte, medicamento, informação). Não há qualquer problema particular: a 
valorização  do  capital  passa,  como  sempre,  pela  formação  de  um  preço  que  deve  cobrir  os 
custos  variáveis  da  produção,  a  amortização  do  capital  fixo,  calculada  em  função  da  sua 
duração de vida econômica, mais a taxa média de lucro. Quando a inovação permite produzir 
mais barato as mesmas mercadorias, o primeiro capital a utilizá‐la beneficia de uma vantagem, 
ou  de  uma  renda  (uma  mais‐valia  “extraordinária”,  segundo  Marx)  que  dá  uma  retribuição 
transitória  ao  avanço  tecnológico.  Os  seus  concorrentes  serão  levados  a  introduzir  a  mesma 
inovação, a fim de beneficiarem também destes sobre‐lucros, ou simplesmente para resistirem 
à concorrência.  
Para  Robert  Kurz,  “tendencialmente,  o  capitalismo  tornou‐se  ‘incapaz  de  explorar’;  pela 
primeira  vez  na  história  capitalista  está  diminuindo  também  em  termos  absolutos  ‐ 
independentemente  do  movimento  conjuntural  ‐  a  massa  global  do  trabalho  abstrato 
produtivamente  explorado,  e  isso  em  virtude  da  intensificação  permanente  da  força 
produtiva”.67 E assim: “Uma vez que essa crise consiste precisamente na eliminação tendencial 
do trabalho produtivo e, com isso, na supressão negativa do trabalho abstrato pelo capital e 
dentro do capital, ela já não pode ser criticada ou até superada a partir de um ponto de vista 
ontológico  do  trabalho,  da  classe  trabalhadora,  ou  da  luta  das  classes  trabalhadoras.  Nessa 
crise,  e  em  virtude  dela,  revela‐se  todo  o  marxismo  da  história  como  parte  integrante  do 
mundo  burguês  da  mercadoria  moderna,  sendo  por  isso  atingido  ele  próprio  pela  crise”.  Em 
conseqüência,  seria  necessária  “uma  revolução  de  fato,  mas  não  daquele  tipo  no  qual  uma 
classe  dentro  da  forma‐mercadoria  (e  constituída  por  ela)  tivesse  que  derrotar  outra  classe, 
como  sujeito  antípoda”.  Por  essa  via,  a  evolução  do  mundo  contemporâneo  vira  um 
movimento de sombras chinesas, uma abstração que conclui por não dar conta do movimento 
concreto  da  história  e  das  forças  sociais  atuantes,  em  especial  a  transformação  da  classe 
trabalhadora e suas formas de organização social e política.   
Os  resultados  do  deslocamento  (ou  “redistribuição  industrial”,  como  é  chamada)  da 
“globalização”,  se  fizeram  evidentes  já  na  década  de  1990.    Segundo  a  ONU,  dos  US$  23 
trilhões que compunham a riqueza monetária mundial em meados dos anos 1990, apenas US$ 
5  trilhões  correspondem  à  imensa  maioria  dos  países  (os  chamados  “em  desenvolvimento”): 
mantidas  as  tendências,  as  disparidades  econômicas  entre  os  países  industrializados  e  o 
mundo  em  desenvolvimento  “passarão  de  iníquas  para  desumanas”,  afirmou.  Os  20%  mais 
pobres  do  mundo  ficavam,  em  1993,  com  apenas  1,4%  do  total  da  renda  do  planeta,  uma 
queda  de  0,9%  em  relação  a  1960.  Os  20%  mais  ricos  viram  a  sua  fatia  saltar,  no  mesmo 
período,  de  70%  para  85%  da  riqueza  mundial.  358  bilionários  tinham  ativos  superiores  à 
renda  anual  somada  de  países  em  que  vivem  2,3  bilhões  de  pessoas  (45%  da  população 
mundial). E 33% da população dos países em desenvolvimento (1,3 bilhão) viviam com menos 
de US$1 por dia. Deles, 550 milhões no sul da Ásia, 215 milhões na África subsaariana e 150 
milhões  na  América  Latina.  O  crescimento  sem  precedentes  do  “exército  industrial  de 
reserva”, não serve só para deixar desempregados ociosos, mas também para achatar salários, 

                                                                                                                                                                              
quando alcançou aproximadamente 1,8%. O período de menor crescimento da produtividade de múltiplos fatores, 
neste século, foi entre 1988 e 1996, um crescimento de aproximadamente 0,5%. 
67
 Para Marx, a intensificação da força produtiva através do incremento relativo do capital constante em relação ao 
variável tornava absurda a medida do valor pelo tempo de trabalho vivo (não que este desaparecesse, mas o seu 
peso relativo comparado com o trabalho “morto” tendia a uma magnitude insignificante). 

84
 

introduzir  a  “flexibilização  laboral”  sob  todas  as  suas  formas,  quebrar  todas  as  conquistas 
sociais  e  reintroduzir  as  formas  mais  arcaicas  e  bárbaras  de  exploração  do  trabalho: 
escravidão, trabalho infantil, e até prostituição infantil em grande escala. 
O colapso da URSS e do “bloco socialista” inscreveu‐se no quadro da crise econômica mundial, 
e  foi  um  fator  de  aceleração  daquela.  A  crise  de  agosto  de  1998  marcou  os  limites  e  as 
enormes  convulsões  nacionais  e  sociais  da  penetração  capitalista  na  Rússia.  Provocou  uma 
crise mundial, como revelou a quebra do LTCM e as fraudes financeiras descobertas, da qual se 
buscou  sair  ampliando  as  fronteiras  da  restauração  capitalista  e  passando  à  privatização  do 
campo.  A  burocracia  apropriou‐se  das  empresas,  mas  não  criou  um  processo  completo  de 
acumulação e de reprodução, o que suporia um conjunto de relações sociais estruturadas em 
termos de mercado: até a venda de matérias‐primas ao exterior tem características precárias. 
Rússia  carece  de  sistema  bancário,  de  moeda,  de  um  sistema  legal  e  de  um  regime  de 
impostos  devidamente  assentados  e  universalmente  reconhecidos.  A  falência  russa  provou, 
para  parte  dos  círculos  governantes  ocidentais,  que  a  “transição  para  o  mercado”  beirava  o 
fracasso. A restauração capitalista, que já era dada como certa e como pressuposto em todas 
as  considerações  do  período  pós‐1991,  encontrou‐se  em  um  beco.  A  “transição  para  o 
mercado”  na  ex‐URSS  não  pôde  senão  incorporar  todas  as  tendências  desagregadoras  do 
“mercado” no quadro histórico do capital monopolista. 
A colonização econômica do antigo “bloco socialista” só acirrou a concorrência internacional, e 
se  transformou,  de  saída  para  a  crise,  em  fator  da  própria  crise.  As  indústrias  se  instalaram 
para  produzirem  na  China  produtos  de  segunda  linha,  sem  respeito  à  propriedade  industrial 
(pirataria),  muito  menos  ao  direito  do  consumidor  e,  com  isso,  constituir  grandes  fortunas, 
fruto de apropriação indébita, sobretudo dos consumidores nos países subdesenvolvidos. Este 
processo de enriquecimento se assemelha ao processo de uma “acumulação primitiva” atípica. 
Entretanto,  o  maior  atrativo  está  na  possibilidade  da  lavagem  de  dinheiro  de  drogas, 
corrupção,  contrabando  e  demais  “proezas”  do  crime  organizado.  As  fábricas  chinesas 
pirateiam software, músicas, vídeos e produtos de grife norte‐americanos, no valor de bilhões 
de dólares: quase todas as operações pertencem a companhias estrangeiras, dos EUA ou que 
procedem de nações que são grandes aliadas e parceiras comerciais dos EUA. 
O  acordo  comercial  da  China  com  os  EUA,  de  1999,  definiu  a  inserção  da  China  no  mercado 
mundial  na  nova  etapa.  O  acordo  previu  a  redução  das  tarifas  de  importação  dos  principais 
produtos  agrícolas,  desmantelando  o  monopólio  estatal  da  soja.  As  tarifas  de  importação  de 
automóveis,  da  China,  baixaram  de  80%  para  25%.  Permitiu‐se  a  formação  de  sociedades 
mistas,  com  até  49%  de  capital  estrangeiro.  Os  bancos  estrangeiros  poderiam  atuar  em 
território  chinês  como  entidades  nacionais.  O  acordo  abriu  o  caminho  para  que  China 
ingressasse na Organização Mundial do Comércio (OMC), outorgando as mesmas vantagens a 
todas as nações imperialistas.   
A  burocracia  “comunista”  chinesa  deu  esse  passo  sob  a  pressão  da  sua  própria  crise, 
conseqüência da abertura econômica registrada desde 1978. Os créditos “podres” do sistema 
bancário  chinês  eram,  na virada  do  milênio,  da  ordem  dos  500 bilhões  de  dólares,  bancados 
pelo orçamento do Estado. O ingresso da China na OMC significou que o sistema legal interno 
da  China  se  transformasse  com  base  nos  princípios  da  liberdade  de  empresa  e  de  comércio. 
Abriu‐se a via da colonização política. Desse modo o imperialismo mundial pretendia eliminar 
a contradição entre a necessidade de desenvolvimento e independência da China, e a ordem 
mundial  da  globalização  capitalista.  A  sujeição  econômica  da  China  deveria  viabilizar  a  sua 
subordinação política, militar e estratégica. 
As  gigantescas  exportações  chinesas  não  foram  resultado  de  uma  política  nacional  de 
produtividade  e  comandadas  por  modernas  empresas  chinesas.  Segundo  dados  da  própria 
alfândega  chinesa,  quase  dois  terços  (mais  de  60%)  das  exportações  são  realizados  por 

85
 

empresas estrangeiras. Em categorias como peças de computador e aparelhos eletrônicos ao 
consumidor, as empresas estrangeiras ficam com uma parcela ainda maior de controle sobre 
as exportações. E com a maior parte dos lucros: “O que a China obteve nos últimos anos foi 
somente  alguns  belos  números.  Quem  fica  com  o  verdadeiro  lucro  são  as  empresas 
americanas  e  estrangeiras”,  disse  Mey  Xinyu,  economista  do  Instituto  de  Pesquisa  do 
Ministério do Comércio chinês. Na China, a restauração capitalista provocou um desemprego 
inédito,  migração  de  milhões  do  campo  para  a  cidade  (base  dos  inacreditavelmente  baixos 
salários  da  indústria  chinesa)  em  virtude  da  dissolução  das  comunas  agrárias,  e  também 
grandes greves, reprimidas com extrema violência. A possibilidade de um movimento político 
de  massas,  porém,  foi  questionada  pela  derrota  que  fora  imposta  ao  movimento  operário  e 
juvenil  a  partir  do  massacre  da  Praça  Tienanmen,  em  1989:  essa  foi  a  base  da  relativa 
estabilidade política da burocracia “comunista” chinesa, em contraste com a desagregação que 
sofreu sua homônima da ex‐URSS e da Europa do Leste. 
Mas  a  colonização  econômica  do  Terceiro  Mundo  e  do  ex  “bloco  socialista”  não  diminuiu  o 
impacto  da  crise  no  centro  do  sistema.  O  “boom”  do  endividamento  mundial  acarretou  em 
uma crise, nos anos 90 no mercado imobiliário japonês, diminuindo em larga escala o valor dos 
títulos.  No  seu  bojo  ocorreu  a  “crise  asiática”,  desencadeando  a  propagação  da  deflação  no 
Extremo  Oriente,  seguido  pela  Rússia  e  pelo  Brasil.  As  crises  financeiras  da  década  de  1990 
(México,  Tailândia,  Indonésia,  Coréia,  Rússia,  Brasil)  que,  contrariamente  às  precedentes, 
estavam relacionadas a créditos concedidos por agentes privados, consagrou o papel do FMI 
como "tábua de salvação" dos investidores, com seus "planos emergenciais" visando proteger 
os  estabelecimentos  financeiros  dos  países  desenvolvidos,  fazendo  com  que  a  fatura  fosse 
paga pelos povos dos países onde tinham realizado seus negócios.  
O  FMI  concentrou‐se  no  financiamento  dos  déficits  da  balança  de  pagamentos  e  depois,  a 
partir  da  década  de  1980,  na  reestruturação  de  economias  muito  endividadas,  através  de 
programas de “ajuste estrutural”. A única finalidade desses programas era garantir a quitação 
da dívida externa. O FMI é um centro de (problemática) organização política do imperialismo 
financeiro:  cinco  países  “desenvolvidos”  possuem  39%  dos  votos  de  suas  instâncias,  e  o 
conjunto dos “desenvolvidos” controla aproximadamente 60% dos votos. 
Dez Maiores Cotistas do FMI 

Posição     País Membro     Cotas (milhões DES)   % das cotas  


1º   Estados Unidos  37.149,30  17,46 
2º   Japão  13.312,80  6,26 
3º   Alemanha  13.008,20  6,11 
4º   Reino Unido  10.738,50  5,05 
5º   França  10.738,50  5,05 
6º   Itália  7.055,50  3,32 
7º  Arábia Saudita  
6.985,50  3,28 
8º   República Popular da China 6.369,20  2,99 
9º   Canadá  6.369,20  2,99 
10º   Rússia  5.945,40  2,79 

Acordos  de  comércio  também  proliferaram  em  nível  regional.  O  NAFTA  (Acordo  Norte‐
americano de Livre Comércio) é modelo de acordo que liga e envolve países desenvolvidos e 
em desenvolvimento, assim como a APEC (Cooperação Econômica Ásia‐Pacífico), e ambos são  
usados como base para novos acordos nos marcos da OMC. O Tratado de Maastricht (Europa) 
é o exemplo principal de um acordo vinculante entre países privilegiados. Acordos de comércio 
regionais entre países desprivilegiados, como a ASEAN (que nucleia países do Sudeste asiático), 
SADC  (Cooperação  de  Desenvolvimento  Meridional  Africana),  SAFTA  (Acordo  de  Comércio 

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Livre do Sul Asiático) e MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul), também emergiram. Todos 
estes acordos regionais consistem na transferência de poder de decisão do nível nacional para 
instituições regionais.  
Outro tratado foi promovido, sem sucesso, o Acordo Multilateral em Investimentos (AMI), para 
alargar  os  direitos  dos  investidores  estrangeiros  muito  além  das  suas  posições  atuais  na 
maioria  dos  países  e  reduzir  severamente  os  direitos  e  poderes  dos  governos  para  regular  a 
entrada, o estabeleci‐ mento e as operações de companhias e investidores estrangeiros. Esta é 
atualmente  também  a  tentativa  mais  importante  para  estender  a  “mundialização”  e  a 
“liberalização”  econômica.  A  AMI  aboliria  o  poder  e  o  direito  soberano  de  nações  para 
determinar  as  políticas  econômicas,  sociais  e  culturais.  Todas  estas  instituições  e  acordos 
compartilham  as  mesmas  metas:  prover  a  mobilidade  para  bens,  serviços  e  capitais, 
aumentando o controle dos investidores sobre as políticas gerais.   
A  substituição  das  “instituições  de  Bretton  Woods”  pelos  acordos  políticos  diretos  entre 
Estados,  sem  a  ficção  da  “participação  geral”  (como  no  FMI,  no  BM,  ou  na  ONU),  foi‐se 
mostrando cada vez mais ineficaz. Já em 1996, o New York Times avaliava que “O G‐7, fundado 
há 20 anos, parece cada vez menos eficiente, por não refletir as realidades de um mundo no 
qual as economias emergentes da Ásia e da América Latina estão crescendo quase duas vezes 
mais  que  as  das  nações  industrializadas.  Quando  o  G‐7  tentou  resolver  a  crise  do  peso 
mexicano,  surgiram  divergências  sobre  o  pacote  proposto  pelos  EUA,  com  os  europeus 
acusando  Washington  de  estar  tentando  induzi‐los  a  salvar  os  investimentos  americanos.  A 
posição  que  o  grupo  escolheu  para  si,  de  guardião  do  sistema  econômico  internacional, 
desperta ressentimento crescente e torna‐se cada vez mais difícil justificar esse papel. O G‐7 é 
uma instituição que está chegando ao ocaso”.  
Virada do Século e Virada da Mesa 
Para  Gianfranco  Pala,  “a  internacionalização  do  capital  não  suprime  e  não  limita  os  Estados 
nacionais,  seja  no  sentido  de  uma  integração  pacífica  dos  capitais  ‘sob’  os  Estados  –  todo 
processo de internacionalização se produz sob o domínio do capital de um determinado país ‐, 
seja  no  sentido  da  sua  extinção  sob  o  super‐Estado  (norte)americano,  como  se  o  capital 
americano digerisse pura e simplesmente as outras burguesias”. 
Uma recuperação limitada da taxa de  benefício, na  década de 1990, a um nível superior aos 
anos 1970 e 1980, ainda que muito abaixo do período de pós‐guerra, foi revelada por diversos 
estudos  (taxa  de  retorno,  participação  dos  lucros  na  renda)  e  evidências  (rendimento  das 
ações,  balanços  das  corporações)  nos  países  da  OCDE  na  década  de  1990.  Partindo  do 
postulado de que o trabalho é a única fonte de valor e que o lucro de nutre da mais‐valia, a 
explicação  desta  recomposição  da  rentabilidade  se  encontra  no  avanço  da  flexibilidade 
trabalhista,  a  pressão  do  desemprego  e  a  expansão  da  pobreza.  Ainda  que  não  se  tenha 
consumado  uma  regressão  decisiva  nas  condições  de  vida  dos  trabalhadores  nos  países 
avançados, a precarização do trabalho redundou numa recomposição do benefício. Para que 
esta recuperação ultrapassasse o curto prazo, este aumento da taxa de exploração teria que se 
estabilizar. 
Ao  final  de  uma  crise,  a  rentabilidade  só  se  recompõe  se  um  processo  de  depuração  de 
quebras e fusões “limpa” o mercado das empresas menos lucrativas. Na crise pós‐ 1970 não se 
produziu  um  craque  geral  tipo  1929,  mas  a  somatória  dos  colapsos  econômicos  acontecidos 
em quase todos os países periféricos, e em segmentos das economias centrais pode comparar‐
se  com  a  “grande  depressão”.  A  massificação  do  desemprego,  as  ondas  de  fusões,  a 
reestruturação  forçosa  de  todas  as  empresas,  evidenciam  a  consumação  de  um  grande 
processo de perdas, quebras e trocas de propriedade. No entanto, um traço do capitalismo de 
pós‐guerra  que  se  reforçou  é  a  postergação  do  “saneamento”  dos  capitais  obsoletos,  com 
medidas de resgate instrumentadas pelos Estados.  

87
 

Esses auxílios são habitualmente outorgados aos bancos em perigo, mas também mantêm em 
pé as empresas devedoras e insolventes. Através destes salva‐vidas demarca‐se a crise à órbita 
financeira e se freia sua extensão à esfera produtiva. A desvalorização de capitais excedentes 
fica assim adiada, mas também se neutraliza a recuperação plena de taxa de lucro. As fortes 
convulsões  financeiras  que  se  sucederam  periodicamente  desde  o  craque  da  Bolsa  de  Nova 
York  de  1987  (desvalorizações  européias,  Baring  Brothers,  insolvência  no  Japão,  tequila 
mexicano,  crise  asiática)  popularizaram  a  interpretação  da  crise  como  um  fenômeno 
primordialmente  especulativo.  Partindo  da  crítica  ao  “inchamento  da  bolha”,  convoca‐se  a 
“disciplinar o capital financeiro” e a “controlar os movimentos especulativos internacionais”. O 
objetivo  seria  impedir  que  o  “capital  industrial  são”  continue  asfixiado  pela  “ociosidade 
financeira” da “economia‐cassino”. 
O  peso  inédito  do  capital  financeiro  foi  decisivo  para  a  concentração  empresarial  mundial:  a 
participação das 200 maiores empresas no Produto Bruto Mundial (PBM) passou de 24% em 
1982 para 30% em 1995, 33% em 1997, superando os 35% na virada do século. As primeiras 
500  empresas  perfazem  45%  do  produto  mundial  (65%  ao  se  considerar  o  conjunto  das 
“multinacionais”, em torno de 35 mil). A quase totalidade daquelas possui sua casa matriz nos 
países  centrais:  em  1995,  89%  do  faturamento  das  500  maiores  empresas  correspondia  a 
firmas originarias do chamado G‐7.  
Considerando‐se as dez maiores corporações mundiais ‐ Mitsubishi, Mutsui, Itochu, Sumimoto, 
General Motors, Marubeni, Ford, Exxon, Nissho e Shell ‐ o seu faturamento conjunto passou a 
corresponder  a  US$  1,4  trilhão  de  dólares  (equivalente  ao  PIB  conjunto  de  Brasil,  México, 
Argentina,  Chile,  Venezuela,  Colômbia,  Peru  e  Uruguai).  Metade  dos  prédios,  máquinas  e 
laboratórios  desses  grupos  e  mais  da  metade  de  seus  funcionários  estão  em  unidades  do 
exterior,  e  61%  do  seu  faturamento  é  obtido  em  operações  fora  do  país  de  origem.  Se  o 
faturamento  se  expandir  para  as  100  maiores  corporações,  descobre‐se  que  um  terço  do 
comércio  internacional  (US$  1  trilhão  em  1990)  refere‐se  a  trocas  entre  unidades  das 
multinacionais. Elas empregam 20% da  força de trabalho do setor secundário e terciário nos 
países periféricos, e 40% dos países centrais. 
Na crise asiática de 1997 (em julho, a moeda tailandesa se desvalorizou, e, após ela, caíram as 
da Malásia, Indonésia e Filipinas, o que repercutiu também em Taiwan, Hong Kong e Coréia do 
Sul), o socorro do FMI falhou, e a crise alcançou uma dimensão que não conseguiu ser contida. 
Depois disso, tivemos o craque da Bolsa em Hong Kong e suas repercussões mundiais.  Na crise 
russa de 1998, ou “crise do rublo”, o sistema bancário nacional da Rússia entrou em colapso, 
com uma suspensão parcial de pagamentos internacionais, a desvalorização da moeda russa e 
o  congelamento  dos  depósitos  em  moeda  estrangeira.  O  FMI  concedeu  vários  empréstimos 
multimilionários  para  conter  a  queda  livre  da  divisa,  evitando  um  impacto  irreparável  no 
mercado internacional. O “fim do socialismo” transformava‐se no pesadelo do capitalismo. 
A  crise,  porém,  não  deu  lugar  a  uma  “alternativa  multipolar”,  porque  não  era  uma  “crise  do 
dólar”  (embora  assim se manifestasse  inicialmente),  ou  da  “hegemonia  americana”,  mas das 
próprias relações capitalistas, em escala mundial. O uso do dólar nas transações internacionais 
reforçou‐se, no mesmo tempo em que sua “reputação” diminuía com seguidas desvalorizações 
frente ao ouro, no decorrer da década de 1970. O ouro desaparecia de fato como referência 
de  valor  das  moedas  nacionais,  e  o  dólar  reforçava  o  mesmo  papel  de  moeda  de  reserva 
internacional, que exercia no antigo sistema de Bretton Woods: o sistema monetário mundial 
se libertava das suas últimas reminiscências metálicas. Desfazia‐se de seus últimos resíduos de 
um  padrão  concreto  de  medida  do  valor  e  assumia  a  sua  própria  natureza  abstrata,  a  de 
simples  medida  de  uma  determinada  quantidade  de  tempo  de  trabalho  abstrato  (valor) 
contido  nas  mercadorias.  Tudo  isso  aconteceu  através  da  centralização  do  poder  monetário 
dos EUA sobre o resto do mundo. 

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O capítulo fundamental da tentativa de superar a queda da taxa de lucro média verificou‐se, 
no entanto, no centro do sistema, que comanda a dinâmica econômica mundial.  Como visto, 
nos anos 1980, a produtividade cresceu a uma taxa anual de 3,0% nos EUA, a 3,8% no Japão e 
a 2,1% na Alemanha. Em seguida, na primeira metade da década dos anos 1990, os capitalistas 
dos  EUA  impuseram  aos  trabalhadores  um  incremento  de  produtividade  de  3,7%  ao  ano,  os 
japoneses 3,3%, e os alemães 2,9%. Finalmente, nos últimos cinco anos do século passado, a 
exploração da classe operária cresceu aceleradamente nos EUA (6,4% ao ano), no Japão (5,0%) 
e na Alemanha (3,7%).Logo depois, no entanto, tivemos a crise japonesa e a crise das moedas 
dos  “mercados  emergentes”.  Brasil,  a  partir  de  1997,  passou  a  adotar  uma  taxa  de  câmbio 
flexível  e,  depois  de  perder  quase  US$  32  bilhões  em  menos  de  cinco  meses,  e  adotou  o 
câmbio  flutuante  em  15  de  janeiro  de  1999,  seguido  por  uma  forte  desvalorização.  A  nova 
queda de Wall Street, em 2000, derrubou a Bolsa de ações das empresas baseadas nas “novas 
tecnologias”,  na  chamada  "crise  das  ponto.com",  que  deixou  uma  esteira  de  falências, 
fechamentos,  compras  e  fusões  no  setor  da  internet  e  das  telecomunicações,  e  um  grande 
buraco nas contas das empresas. Em apenas três anos a crise apagou do mapa quase cinco mil 
companhias,  e  algumas  das  grandes  corporações  de  telecomunicações  foram  protagonistas 
dos maiores escândalos contábeis da história. 
Seus efeitos arrastaram o resto das economias, e a crise acabou se convertendo em global. O 
FMI, novamente, elaborou uma série de pacotes de "resgate" para salvar as economias mais 
afetadas e promoveu uma série de “reformas estruturais”. A generalização da crise financeira 
internacional  evidenciou  as  bases  frágeis  em  que  se  apoiaram  as  recuperações  da  economia 
mundial  depois  da  crise  iniciada  na  década  de  1970.  Em  novembro  de  2000,  finalmente, 
George W. Bush, filho do seu pai e cristão renascido (das drogas e do álcool) pelos braços do 
pastor  Billy  Graham,  foi  eleito  presidente  dos  EUA,  porque  a  Suprema  Corte  decidiu  que, 
mesmo  considerando  a  necessidade  de  recontar  os  votos  na  Flórida,  mais  importante  era 
“respeitar os prazos eleitorais”. Com a fraude eleitoral consumada, os EUA encararam o século 
XXI  dispostos  a  reconquistar,  e  re‐valorizar  (para  si)  os  espaços  econômicos  e  políticos 
mundiais. À suivre... 
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