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Coggiola Osvaldo Crescimento e Crise Do Capitalismo No Pos Guerra
Coggiola Osvaldo Crescimento e Crise Do Capitalismo No Pos Guerra
O PODER E A GLÓRIA
Crescimento e Crise no Capitalismo de Pós‐Guerra (1945‐2000)
Osvaldo Coggiola
“A questão ‐ ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
‐ A questão ‐ replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso”
(Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas)
“Não existe crise permanente, mas crises periódicas em permanência”
(Karl Marx, O Capital)
As décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial foram ulteriormente batizadas como “os
trinta anos gloriosos” (1945‐1975) do capitalismo. As crises que as pontuaram foram
“recessões”: aconteceram em 1948‐49; 1952‐53, 1957‐58, 1960‐61, 1966‐67, 1970‐71. Elas
foram de curta duração em relação à tendência geral expansiva da economia capitalista
mundial.
CRESCIMENTO DO PIB (%) 1913-1998
Países 1913-1950 1950-1973 1973-1998
EUA 2,84 3,93 2,99
Japão 2,21 9,29 2,97
Alemanha 0,3 5,68 1,76
Mundo 1,85 4,91 3,01
A expansão econômica se apoiou num crescimento sem precedentes da produtividade do
trabalho: ela cresceu 3% ao ano, em média (a média para todo o período de 1870 a 1973 foi de
2,4% anual). O acesso ao consumo do operariado dos países centrais (e, em parte, também nos
periféricos) aumentou em função da queda do valor dos bens‐salário, embora a taxa de mais‐
valia também aumentasse, em função do progresso técnico. O conceito de “trinta anos
gloriosos”, no entanto, foi uma construção ideológica ex post facto. Disse Eric Hobsbawm:
“Depois que passou o grande boom, nos perturbados anos 70, à espera dos traumáticos 80, os
observadores – sobretudo, os economistas – começaram a perceber que o mundo, em
particular o mundo do capitalismo desenvolvido, passara por uma fase excepcional de sua
história; talvez uma fase única. Buscaram nomes para descrevê‐la: os ‘trinta anos gloriosos’
dos franceses (les trente glorieuses), a Era de Ouro de um quarto de século dos anglo‐
americanos. O dourado fulgiu com mais brilho contra o pano de fundo baço e escuro das
posteriores décadas de crise”. Além disso, esses “trinta gloriosos” (ou “era dourada”) tiveram
também pré‐condições políticas e sociais, bem pouco gloriosas, como pressuposto da
expansão econômica.
A Segunda Guerra Mundial fora o método capitalista para encontrar uma saída à depressão
econômica mundial da década de 1930, originada na crise de 1929, em termos capitalistas: a
destruição das forças produtivas, do potencial produtivo da humanidade. A ordem de pós‐
guerra começou a ser delineada pela “Carta do Atlântico”, esboçada em agosto de 1941 em
encontro do presidente norte‐americano Roosevelt com o primeiro‐ministro britânico Winston
Churchill, com vistas a "estabelecer um amplo e permanente sistema de segurança geral".
A guerra, porém, depois de provocar a morte de 80 milhões de pessoas, concluiu com
explosões sociais revolucionárias em vários países, e com o literal afundamento do capitalismo
em territórios (Leste europeu, Bálcãs, China) que abrigavam mais de um quinto da população
1
mundial, o que aconteceu no breve lapso histórico de quatro anos (final de 1945 – final de
1949). No carro‐chefe da economia mundial capitalista, os EUA, somente após 1942, com a
entrada na Segunda Guerra Mundial, o país conseguiu sair de fato da crise da década de 1930.
Através de uma economia de guerra, toda a capacidade produtiva foi posta em
funcionamento. No final da guerra, os EUA emergiram‐se como potência capitalista
hegemônica, limitada devido a relação de forças entre as classes de um lado, e pela tendência
da guerra inter‐imperialista em se transformar em revolução social de outro. É diante deste
quadro que se estruturou a nova ordem econômica mundial após 1945.
Os acordos de “partilha do mundo” de Yalta e Potsdam foram impulsionados para pôr um
limite a um processo de decomposição econômica e política mundial, através da colaboração
contra‐revolucionária com a burocracia da URSS. A preocupação essencial das potências
capitalistas, nessa conjuntura em absoluto “gloriosa”, foi a preservação das estruturas
capitalistas nos bastiões históricos (e ainda, em boa medida, econômicos) do capital, na
Europa ocidental e suas áreas coloniais.
O “bloco socialista”, por sua vez, resultou tanto de medidas defensivas da burocracia da URSS
contra a ofensiva capitalista em suas “áreas de influência”, como do desfecho revolucionário
da luta de classes em países que estavam fora delas (as revoluções na China e nos Bálcãs).
Apresentado no Ocidente como monolítico e expansivo, pelas necessidades ideológicas da
“guerra fria”, o bloco estava, ao contrário, eivado de contradições internas (que se
manifestaram inicialmente na ruptura Stalin‐Tito, em 1948, e atingiram ponto culminante com
a ruptura sino‐soviética em 1962, que tornou público um conflito já latente desde a tomada do
poder pelo Partido Comunista Chinês, em 1949).
Mais decisivo ainda, a história do chamado “campo socialista” foi percorrida, a partir
levantamento popular na Alemanha oriental, em 1953, por revoltas operárias contra o
domínio burocrático (Hungria e Polônia 1956, Tchecoslováquia 1968, Polônia e Iugoslávia na
década de 1970), que cresceram e se estenderam até a década de 1980.
No mundo capitalista, a hegemonia dos EUA tornou‐se inconteste, e abrangeu todos os
campos, inclusive o da produção cultural (através da “indústria da cultura”), posta ao serviço
da reprodução dessa hegemonia. Em relação a isso, é preciso salientar que “a re‐formação do
capitalismo é a americanização do capitalismo, e a ideologia‐cultura do consumismo é a sua
base lógica. Mas identificar o imperialismo cultural e da mídia com os EUA, ou mesmo com o
capitalismo dos EUA, é um erro profundo e profundamente mistificador. Isto significa que, se a
influência americana pudesse ser excluída, o imperialismo cultural e da mídia desapareceria.
Isto só poderia ser verdade em um sentido puramente de definição. A americanização em si é
uma forma contingente de um processo que é necessário para o capitalismo global, para a
ideologia‐cultura do consumismo. A conexão entre a americanização e a dependência cultural
começou com os cartéis da indústria cinematográfica de Hollywood na década de 20 e com o
‘sistema de estrelas’ no qual foi baseado. O modo como isso foi seguido é um caso de
paradigma das inter‐relações entre as esferas econômicas, políticas e ideológico‐cultural,
estruturadas pelos interesses econômicos daqueles que possuíam e controlavam a indústria e
os canais através dos quais seus produtos eram comercializados e distribuídos” (Leslie Sklair).
Do “Capitalismo de Guerra” a Bretton Woods
A intervenção norte‐americana na Segunda Guerra Mundial foi gradual: sendo o país mais
poderoso, interessava‐se pelo enfraquecimento das forças em combate na Europa para entrar
somente no final da guerra, como já fizera na Primeira Guerra, quando os EUA ficaram com os
espólios dos demais países. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos Estados Unidos, a
produção industrial duplicou em cinco anos, perfazendo entre 40% e 45% do total da
produção, período no qual o “setor civil” não variou em valor absoluto. Os empregos
industriais passaram de 10 para 17 milhões entre 1939 e 1943, o total de empregos de 47 a 54
2
milhões no mesmo período. Se o PIB aumentou de 150%, a concentração econômica
espantosa determinou a feição definitiva do capital monopolista nos Estados Unidos — 250
sociedades industriais passam a controlar 66,5% da produção total, uma percentagem
equivalente àquela controlada por 75 mil empresas antes da guerra.
As exportações dos Estados Unidos passaram de pouco mais de 5 bilhões de dólares em 1941,
para quase 14,5 bilhões em 1944. No período 1938‐1944, a produção de guerra passou de 2
para 100, nos Estados Unidos; de 4 para 100, na Inglaterra; de 16 para 100, na Alemanha; de 8
para 100, no Japão. A transformação das economias capitalistas em economias de guerra, e os
diversos pontos de partida para atingir tal objetivo, determinaram, em última instância, a
superioridade aliada: Fritz Sternberg calculou em 80 bilhões de dólares o valor do material de
guerra produzido pelos Estados Unidos, a Inglaterra e o Canadá no período prévio ao
desembarque de 6 de junho de 1944. No mesmo período, a Alemanha e seus aliados tiveram
uma produção equivalente a 15 bilhões, isto é, uma superioridade de mais de cinco para um
em favor dos Aliados, do ponto de vista dos recursos econômicos consagrados ao esforço
bélico.
O fato da Segunda Guerra Mundial ter sido a única solução possível para a crise econômica
marca uma diferença importante em relação à Primeira Guerra, na qual a questão principal era
a redistribuição do mundo entre as potências imperialistas e não, para todos os protagonistas,
a anexação à máquina capitalista enguiçada, de um motor artificial (a economia armamentista
e, posteriormente, a economia de guerra) que seria, doravante, uma peça essencial para o
funcionamento da economia capitalista mundial.
O catedrático de história contemporânea da Universidade de Cambridge, David Thomson,
afirmou que “talvez o fato básico fosse que as convulsões da guerra tivessem tornado possível
uma retomada da expansão comunista, contida desde 1919”. Não só pelo avanço avassalador
dos exércitos soviéticos a partir de 1943, mas também pelo desenvolvimento de uma ampla
resistência classista e popular, presente na Europa inteira e até no próprio centro do campo
“aliado”, os Estados Unidos, assim como no mundo colonial: a sublevação da Índia, da China,
do norte da África, da América Latina. A derrota da burguesia francesa e o enfraquecimento da
burguesia inglesa possibilitaram um grande avanço dessa revolta, culminando na vitória dos
japoneses sobre os ingleses no Pacífico. Ela deu ensejo para a sublevação das massas das
Filipinas, de Cingapura, do Oriente Médio, ainda durante a guerra mundial.
Nas metrópoles, já em 1941, os mineiros franceses fizeram greve no norte do país, apesar da
ocupação alemã. Após as greves, muitos jovens requisitados para o STO (Serviço de Trabalho
Obrigatório) na Alemanha prennent le maquis, iniciaram uma resistência civil armada que seria
encampada e dirigida pelo PC francês, no sentido de uma aliança com o representante da
burguesia anti‐nazista, o general de Gaulle (refugiado na Inglaterra). Desde 1942, as greves
também explodiram na Grécia ocupada pelos nazistas. Na Itália, o movimento grevista foi
explosivo em 1943, ameaçando criar uma situação de duplo poder, e foi o pano de fundo do
movimento dos partigiani e do golpe de estado do próprio Conselho Fascista que derrubou
Mussolini nesse mesmo ano.
Nos Estados Unidos, houve greves dos mineiros, dirigidas e encabeçadas pelo burocrata John
L. Lewis, em maio e novembro de 1943; e greve dos ferroviários no mesmo ano. Apesar da
legislação anti‐grevista, em 1944 houve 224 greves não‐autorizadas, com 388 mil grevistas.
Roosevelt proibiu as greves dos mineiros e dos ferroviários, vetadas durante o período de
guerra. Na própria Alemanha, o atentado contra Hitler de julho de 1944 foi preparado junto
com uma hipotética greve geral. Na Iugoslávia ocupada pelos nazistas, os guerrilheiros já eram
300 mil em 1943 e em outubro do ano seguinte, o comunista Tito entrou em Belgrado à sua
cabeça. Do ponto de vista militar, foi decisiva a derrota do exército nazista na União Soviética.
Mas a derrota não foi alheia a esses fatores. Na URSS, o transplante da indústria, na segunda
3
metade de 1941 e no começo de 1942, e a sua reconstrução no leste, determinaram o
crescimento rápido da produção bélica e sua reorganização sobre novas bases, que dependeu
da urgente transferência da indústria pesada das zonas ocidentais e centrais da Rússia
européia e da Ucrânia para a retaguarda longínqua, fora do alcance do exército alemão e da
sua aviação (tal feito teria sido impossível num país onde existisse propriedade privada da
grande indústria: na França ocupada pelos nazistas, o grande patronato industrial colaborou
quase na sua totalidade com o exército de ocupação).
Depois da derrota inicial, que quase dizimou o exército soviético, a recomposição da força
militar da União Soviética foi uma façanha econômico‐social. A nova indústria, reconstituída
nas regiões não ocupadas, produziu 800 mil tanques entre 1941 e 1945, 400 mil aviões só em
1944. Como termo de comparação basta dizer que na Inglaterra não invadida, e que “ganhou a
guerra nos ares”, essa cifra corresponde à produção total da guerra, não de um ano só. Foram
mobilizados, na União Soviética, todos os recursos naturais e humanos. A ajuda aliada não
cobriu 10% da produção soviética. Foi uma vitória histórica do planejamento estatal, uma
vitória moral dos princípios do socialismo.
A consciência dos aliados sobre a necessidade de evitar uma derrota revolucionária do
nazismo foi tal que as bases da ordem mundial do pós‐guerra começaram a ser lançadas já em
janeiro de 1942, quando Roosevelt e Churchill lançam o plano das “Nações Unidas”. Também
em janeiro de 1942, os Estados Unidos convocam a Conferência Pan‐Americana do Rio de
Janeiro, com vistas a alinhar firmemente atrás de si a America Latina (chegou‐se a utilizar a
ameaça de invasão militar contra as renitentes Argentina e Chile). A partir de 1943 se
sucederam as cúpulas dos aliados, nas quais procurou‐se associar claramente a burocracia
stalinista à ordem mundial do pós‐guerra: novembro de 1943, Cairo; dezembro de 1943,
Teerã; fevereiro de 1945, Yalta; agosto de 1945, Potsdam. Em Yalta, se estabeleceu que a
União Soviética conservaria os territórios que lhe foram concedidos pelo pacto Hitler‐Stalin. Os
EUA, para invadir o norte da África, compactuaram com um declarado fascista francês, o
general Darlan que, quando precisou da ajuda americana, tornou‐se um “democrata”. No dia
da libertação de Paris ‐ festejado em todo o mundo ‐ na Argélia e em Madagascar, as tropas
francesas reprimiam em massa às populações locais.
O delineamento de uma “nova ordem econômica mundial” precedeu, durante a guerra, o
estabelecimento da ordem política internacional, realizado na Conferência de San Francisco
(1945) que deu origem às Nações Unidas. A conferência de Bretton Woods estabeleceu, em
julho de 1944, regras para as relações comerciais e financeiras entre os países capitalistas
industrializados. O presidente da conferência foi o norte‐americano Henry Morgenthau, autor
de um projeto de “ruralização” da Alemanha. A confiança do Reino Unido e dos EUA em sua
vitória na Segunda Guerra Mundial era completa. A conferência estabeleceu uma ordem
monetária internacional “totalmente negociada”, “negociação”, no entanto, realizada sob a
presença implícita de exércitos ainda em pé de guerra.
Para reconstruir as relações capitalistas mundiais enquanto a guerra ainda grassava, 730
delegados de 44 nações se encontraram em New Hampshire para a conferência monetária e
financeira das (ainda formalmente inexistentes) Nações Unidas (oficialmente, no entanto, a
conferência foi chamada de United Nations Monetary and Financial Conference).1 Os
delegados deliberaram e assinaram o Acordo de Bretton Woods (Bretton Woods Agreement),
1
A lista de países representados em Bretton Woods incluía: África do Sul, Austrália, Bélgica, Bolívia, Brasil, Canadá,
Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Checoslováquia, Dinamarca, Equador, El Salvador, Egito, Estados Unidos,
Etiópia, Filipinas, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Holanda, Honduras, Índia, Irã, Iraque, Iugoslávia, Libéria,
Luxemburgo, México, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, Reino Unido, República
Dominicana, União Soviética, Uruguai e Venezuela. Apenas dois países, EUA e Inglaterra, tinham condições de influir
nas decisões do encontro, sendo que o primeiro estava numa posição muito superior, pois a guerra fora travada
fora do seu território (a URSS participou marginalmente).
4
definindo um sistema de regras, instituições e procedimentos para regular a política
econômica internacional, criando o Banco Internacional para a Reconstrução e
Desenvolvimento (International Bank for Reconstruction and Development, ou BIRD) (mais
tarde dividido entre o Banco Mundial e o "Banco para investimentos internacionais") e o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Essas organizações começaram a funcionar em 1946,
depois que um número suficiente de países ratificou o acordo. No mesmo ano, 23 países,
denominados “fundadores”, iniciaram negociações tarifárias, o que resultou em 45.000
concessões comerciais e alfandegárias. A “Organização Internacional do Comércio” planejada,
no entanto, não saiu do papel, e foi substituída em 1947 pelo GATT (General Agreement on
Tariffs and Trade, Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio).2
As principais disposições do “sistema Bretton Woods” foram: a obrigação de cada país adotar
uma política monetária que mantivesse a taxa de câmbio de suas moedas dentro de um
determinado valor indexado ao dólar ‐ em torno de 1% ‐ cujo valor, por sua vez, estaria ligado
ao ouro numa base fixa de 35 dólares por onça troy, unidade de peso equivalente a 31 gramas
(estabelecendo taxas de câmbio fixas,3 com o objetivo da estabilidade cambial) e a provisão
pelo FMI de financiamento para dificuldades temporárias de pagamento.4 As bases políticas do
sistema foram dadas pela concentração de poder em um pequeno número de Estados
capitalistas, e a presença de uma potência dominante capaz de assumir a hegemonia (os EUA).
Os representantes dos EUA propuseram a criação de um “Fundo de Estabilização” (que,
finalmente, seria o FMI), que deveria oferecer recursos para os países, garantindo a
reconstrução. Keynes defendeu a criação do Clearing Union, um Banco Central internacional,
que seria o responsável pela emissão de moedas que serviriam como referência internacional.
Keynes buscava também mitigar a hegemonia dos EUA. Bretton Woods oficializou o duplo
papel do dólar no cenário internacional, a atuação como reserva monetária e a função de
moeda de crédito. E, apesar do “domínio intelectual” de Keynes sobre a conferência, ela
representou uma completa vitória política dos EUA.5 A proposta norte americana vinha
2
Em dezembro de 1945, os EUA tinham convidado seus aliados a iniciar negociações para criar um acordo
multilateral para redução recíproca das tarifas de comércio, tentando criar uma “Organização Internacional do
Comércio” (ITO ‐ International Trade Organization). Houve um Comitê Preparatório de fevereiro de 1946 até
novembro de 1947. O projeto de criação da OIC era ambicioso, pois, além de estabelecer disciplinas para o
comércio de bens, continha normas sobre emprego, práticas comerciais restritivas, investimentos estrangeiros e
serviços. Significava um plano de “disciplinamento do mundo” aos interesses econômicos das potências dominantes
(que não conseguiu, no entanto, superar as contradições entre e dentro delas). Em 1948 as negociações da Carta da
OIC não foram completadas. A Carta não entrou em vigor, pois o Congresso norte‐americano nunca a aprovou. Em
outubro de 1947 um acordo foi alcançado pelo GATT; 23 países assinaram o “Protocolo de Provisão de Aplicação do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio” com o objetivo de evitar uma onda protecionista: diversos países haviam
tomado medidas para proteger os produtos nacionais e evitar a entrada de produtos de outros países, com altos
impostos para importação. O GATT, instituição provisória, foi o único instrumento multilateral a tratar do comércio
internacional de 1948 até o estabelecimento, em 1995, da OMC.
3
Ao fixarem um determinado valor em ouro para a sua moeda, os países simultaneamente fixavam uma
determinada taxa de câmbio em relação ao dólar americano. Como duas quantidades iguais a uma terceira são
iguais entre si, estava encontrado um sistema de fixação das taxas de câmbio das moedas nacionais em relação às
outras. Era nisso que consistia o regime de taxas de câmbio fixas. O FMI deveria decidir dentro de 72 horas a
aprovação ou não na mudança no câmbio de um país filiado. Caso o FMI não aprovasse, a insistência na variação no
câmbio poderia acarretar a sua expulsão.
4
Keynes idealizara um fundo com amplos recursos e poderes. O que os norte‐americanos acabaram fazendo foi
bem diferente. Destruíram a idéia de saques automáticos, concordaram com recursos muito modestos, criaram
uma série de exigências para saques e empréstimos e deram ao diretor‐executivo de seu próprio país direito de
veto. Em 22 de julho de 1944, as principais nações do mundo saíram de Bretton Woods com um sistema dólar‐ouro.
O dólar seria livremente aceito com o compromisso de ser trocado por uma paridade fixa com o ouro. Os bancos
centrais dos países se comprometiam a comprar dólares caso a paridade estabelecida fosse ameaçada. O dólar
substituía o ouro e tornava‐se a verdadeira moeda mundial.
5
Keynes se opôs a que as sedes do BIRD e do FMI ficassem em Washington. Ele as queria "a uma distância segura
da política do Congresso [dos EUA] e dos cochichos nacionalistas das embaixadas". Sugeriu que as instituições
5
reforçada com os estatutos do BIRD, depois Banco Mundial, elaborados um mês antes.
Privilegiava a estabilidade das taxas de câmbio e o levantamento de restrições ao comércio
internacional, de modo a favorecer seus investimentos no estrangeiro.
A Hegemonia dos EUA
O arranjo estabelecido em Bretton Woods refletiu a ascensão dos EUA como potência
hegemônica, e o declínio da Inglaterra. Ao final da guerra os EUA foram os grandes vitoriosos
não apenas no plano militar, mas principalmente no econômico. Os países do Eixo ‐ Alemanha,
Itália e Japão ‐ foram derrotados militarmente e terminaram com suas economias arrasadas;
os principais países aliados, Inglaterra e França, embora vitoriosos, tiveram como saldo de
guerra além dos danos humanos e materiais, forte perda de reservas e endividamento junto
aos EUA, decorrentes das compras de armamentos e provisões de guerra. Abria‐se uma etapa
em que os EUA, no papel de potência hegemônica no mundo ocidental, cumpririam,
simultaneamente, o papel de fonte autônoma de demanda efetiva e a função de “emprestador
de última instância” ou “prestamista internacional”, através da atuação de seu banco central,
o Federal Reserve, FED, com importante papel como regulador da liquidez internacional do
sistema.
Exemplo claro foi o empréstimo feito pelos EUA à Inglaterra em dezembro de 1945, US$ 3,75
bilhões, reembolsáveis em cinqüenta anos à taxa de juros anual de 2%. Esta operação
destinou‐se a dar cobertura ao Banco Central inglês, que, exaurido pelo dispêndio militar, teve
um crescimento dramático em seu estoque de ativos financeiros estrangeiros em libras
esterlinas, que ao longo da guerra passou de 600 milhões para 3,6 bilhões. A Inglaterra não
poderia fazer frente a uma conversão desses títulos em libras, moeda forte ou ouro, e
portanto não poderia garantir a conversibilidade de sua moeda: não lhe restava alternativa
senão recorrer ao crédito norte americano e ceder às suas exigências.
Harry D. White (EUA) e John M. Keynes (Inglaterra) em Bretton Woods
Para John Maynard Keynes, a conferência de Bretton Woods pretendia terminar com a "era da
mendicância", segundo suas palavras: a sucessão de guerras comerciais, protecionismo,
desemprego, hiperinflações e miséria nas décadas de 1920 e de 1930. Na platéia estavam os
futuros ministros dos governos militares brasileiros Roberto Campos e Octavio Gouvêa de
Bulhões, o economista Eugenio Gudin e o ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Artur de
Souza Costa. O Brasil foi signatário do acordo. A União Soviética também assinou o acordo,
mas jamais o ratificou. Do esboço de Keynes saíram várias idéias básicas: sepultar o ouro como
garantia necessária do comércio internacional, a "relíquia bárbara", como chamava o
economista inglês ao padrão‐ouro.
fossem sediadas fora dos EUA ou, pelo menos, em Nova York. Mas as duas ficaram a menos de três quadras da Casa
Branca. Atualmente, 177 países, praticamente todos os da ONU (que são 192), estão filiados ao BIRD e ao FMI.
6
O raciocínio era que ao só emitirem suas moedas em função da quantidade de ouro que
possuíam em seus bancos centrais, países diante de um déficit em sua balança comercial
apenas podiam corrigir seus desequilíbrios por meio de um freio nas importações. Ao perder
reservas, os governos encolhiam na mesma proporção a quantidade de moeda em circulação,
ou desvalorizavam unilateralmente suas moedas, criando recessão e desemprego. Keynes
previa uma instituição internacional para regular o fluxo econômico mundial, um fundo com
moeda própria, composto por divisas dos países membros, para socorrer países que tivessem
problemas em seus balanços de pagamentos. Seriam permitidos saques nas reservas do fundo
para países que apresentassem desequilíbrios. Mas, ao se submeterem à tutela de um
organismo internacional, as nações integrantes do acordo se comprometeriam a obter
aprovação para mudar o valor de sua moeda, ou seja, a manter suas taxas de câmbio fixas.
O fundamental do “sistema” era o papel central do dólar como moeda pivô. De 1944 até o
início da década de 1950, a escassez de dólares manifestou‐se em superávits nas contas
correntes dos EUA e na demanda internacional de dólares para constituir reservas (nem cabia
cogitar na conversibilidade em ouro das moedas dos outros países industrializados). As taxas
de câmbio eram fixas, mas com mecanismos de flexibilidade e ajustamento, para permitir aos
governos corrigir problemas no balanço de pagamentos, por meio dessa taxa, em vez de
controles de importação ou deflação doméstica. O FMI foi criado para a operação do sistema,
supostamente “para suprir instrumentos de crédito destinados a aliviar dificuldades
temporárias no balanço de pagamentos e problemas decorrentes de endividamento externo”.
Os créditos provinham das cotas de cada um dos países membros. O Banco Mundial tinha o
papel de fornecer financiamento para a reconstrução da Europa destruída pela guerra, e
depois para os “países em desenvolvimento”, outorgando‐lhes financiamentos de longo prazo
para projetos de investimento e programas de desenvolvimento.
Evocou‐se até a possibilidade de um papel‐moeda mundial, "moeda dos bancos centrais", que
não pudesse ser atingida pelos ataques inflacionistas nacionais, regulada por um conselho
mundial de governadores dos bancos centrais (ou de ministros das Finanças), que aplicariam
uma disciplina estrita: sua emissão dependeria exclusivamente das necessidades do comércio
mundial, e não das necessidades próprias de qualquer país. Seria "boa como ouro", sendo
emitida em quantidades limitadas e medidas, o que resolveria o problema da penúria da
liquidez internacional. A proposta neste sentido foi feita por Keynes em 1943; ele chegou a
propor um nome para essa moeda, bancor.
A proposta “visionária” chocou com dificuldades intransponíveis. Não era verdade que tal
sistema estivesse ao abrigo da inflação das diversas moedas "nacionais": se a balança de
pagamentos de um país fosse deficitária, e se recusasse a deflação para evitar a crise, acabaria
por desfazer‐se de todo seu ouro, se não obtivesse uma quantidade suplementar de "moeda
de reserva mundial". Assim, a inflação universal expulsaria o ouro das reservas de troca,
compostas, cada vez mais, exclusivamente por "moeda mundial”. A quantidade emitida, por
sua vez, deveria aumentar em proporção maior que as trocas mundiais, sob pena de condenar
os países centrais do comércio mundial à deflação: a inflação das moedas nacionais acabaria
por se repercutir sobre a "moeda mundial". Tal moeda, gerida por um "conselho mundial", um
ente de peritos "independentes" de todos os governos e potências, seria uma ficção (uma
solidariedade total entre as potências imperialistas seria uma quimera).
Em vez disso, passou‐se para o sistema do Gold Exchange Standard: os ajustes automáticos da
massa monetária às reservas de ouro e, portanto, a flutuação automática do poder de compra
global, eram suprimidos. No novo sistema, a reserva de troca de qualquer banco central já não
era constituída unicamente por ouro e por algumas divisas privilegiadas (principalmente o
dólar e a libra esterlina). Um mecanismo, garantido pelo FMI, fez com que, quando as reservas
de ouro de um país diminuíssem, pudessem ser compensadas, quer pelas "moedas de reserva"
(dólar e libra esterlina), quer por créditos internacionais, ou ainda por uma combinação de
7
ambos. No regime do Gold Exchange Standard, o preço do ouro representava o valor do dólar
fixado pelo Federal Reserve dos EUA em relação ao ouro.
A proposta de Keynes, como vimos, era a criação do International Clearing Union (ICU),
composta pelos bancos centrais dos países representados que ficariam com o compromisso de
registrar e compensar todos os pagamentos internacionais a partir do bancor. O ICU
funcionaria como um banco central supranacional podendo conceder crédito aos países
associados que estivessem em dificuldades no seu balanço de pagamentos. Seria permitido
aos países adotar restrições cambiais e comerciais sempre que necessário para tornar
compatível o pleno emprego com o equilíbrio nas contas externas. Keynes considerava
importante o controle dos fluxos de capitais de curto prazo.6
A proposta norte‐americana, de Harry White,7 mantinha o ouro como meio de pagamento
internacional, mas apenas o dólar teria seu valor diretamente fixado em ouro.8 E, ao invés do
ICU, foi criado o FMI, mais limitado. Mas, nos círculos da grande finança de Wall Street, tanto a
criação do FMI quanto o controle dos fluxos de capitais foram considerados um passo atrás na
busca de uma ordem liberal como nos tempos do padrão‐ouro. A idéia de que os EUA
bancariam uma instituição internacional disputando o monopólio dos bancos no mercado
internacional de crédito foi criticada pelos grandes banqueiros de Nova York, que abominavam
a idéia de ter que dividir seu poder sobre o crédito internacional: o FMI, diziam, poderia
incentivar a irresponsabilidade fiscal na medida em que os países em dificuldades no seu
balanço de pagamentos teriam direito a obter crédito oficial do novo organismo. A associação
dos banqueiros norte‐americanos declarou que “um sistema de cotas em uma associação que
dá aos devedores a impressão de que terão sempre direitos a créditos até um determinado
montante não é digno de confiança em princípio, e gera esperanças que não poderão ser
concretizadas”.
Os Articles of Agreement que deram vida ao FMI entraram em vigor em 27 de dezembro de
1945, quando se verificou a ratificação e assinatura deles por 29 países, correspondentes à
subscrição de 80% do valor das quotas originalmente fixadas como sendo o "capital social"
6
Keynes morreria pouco mais de um ano depois da conferência de Bretton Woods. Sua influência na determinação
da ordem econômica de pós‐guerra pertence mais ao domínio da lenda (nessa ordem, os interesses do
imperialismo norte‐americano se imporiam, com poucas idéias e muitas armas, e com as necessidades decorrentes
da luta de classes mundial e do enfrentamento com a URSS). O papel de Keynes foi simbólico, isto sim, da última
participação, com algum peso próprio, do Império Britânico nos affaires políticos mundiais. Durante a guerra,
Keynes tinha sido feito nobre (em 1942) e, em 1944, o governo britânico expediu seu White Paper on Employement
Policy, com o que concedia ao “keynesianismo” o caráter de doutrina oficial do país. Cinqüenta anos depois de
Bretton Woods, José Roberto Campos, membro da delegação brasileira, lembrou que, incluindo os delegados e o
pessoal de apoio, estavam no Grand Hotel pouco mais de 300 homens. Na época não havia mulheres diplomatas ou
economistas. E os casados não podiam levar suas mulheres: “O pessoal dizia que essa era a principal estratégia do
presidente da conferência, Henry Morgenthau”. Campos lembrou que, nos corredores do hotel, dizia‐se: "Esse
judeu sabe que 300 homens juntos, depois de 20 dias sem mulher, vão assinar qualquer coisa". Houve uma única
exceção. Lorde Keynes foi autorizado a levar sua mulher, a dançarina Lídia Lokopova, "uma loirinha miudinha e
saltitante", lembrou Campos: “Foi uma curiosa exceção. Como comentavam os participantes da conferência, a
exigência de castidade não foi descumprida. Keynes era conhecido homossexual”. Esse tipo de observação parece
ter sido a principal contribuição da delegação brasileira ao mitificado encontro de Bretton Woods.
7
Harry Dexter White era assessor técnico do departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Depois de Bretton
Woods, foi taxado de comunista e perseguido pelo Comitê de Atividades Antiamericanas do senador Joseph Mc
Carthy; tendo como um dos seus “inquisidores” o então senador republicano, Richard Nixon.
8
Além de garantir a supremacia política dos EUA nas relações econômicas internacionais, a proposta arrematava
uma tendência secular. Segundo Triffin: “O século que se encerrou com a Primeira Guerra Mundial assistiu à
substituição gradativa da moeda‐mercadoria internacional (ouro e prata) pelas moedas fiduciárias nacionais, que
circulavam apenas dentro das fronteiras de cada país. Esse processo chegou ao seu final na década de 1920, e em
princípios da década de 1930, com o desaparecimento universal do ouro da circulação monetária ativa, e mesmo
das reservas de caixa dos bancos comerciais e de depósito”. A configuração geral deste padrão foi instituída,
oficialmente, na Conferência de Gênova, em 1922. A proibição da posse de ouro monetário pelos particulares
ocorreu em 1933, nos EUA.
8
inicial. Em março do ano seguinte foi realizada a primeira reunião do Board of Governors. Em
1º de março de 1947, o Fundo começou as suas operações, tendo o primeiro empréstimo sido
concedido à França. O sistema estabelecido em Bretton Woods era, segundo a “nova
ortodoxia” (keynesiana) destinado a eliminar da seguinte maneira os problemas de balanço de
pagamentos: se o país acusasse déficit teria que decidir (em consulta com o FMI) se o mesmo
era temporário ou "fundamental". Se temporário, podia tomar empréstimo de reservas
(divisas estrangeiras) ao FMI para financiar suas importações líquidas até que o déficit fosse
eliminado, em outras palavras, tomar de empréstimo reservas com as quais teria meios para
estabilizar a taxa cambial de sua moeda, comprando‐a ela própria a fim de erradicar‐Ihe a
oferta excessiva no mercado de divisas estrangeiras. Se o déficit fosse considerado
"fundamental", o FMI autorizaria o país a deixar que caísse sua taxa cambial (isto é, que
desvalorizasse a moeda) a fim de eliminar o déficit.
Um Liberalismo Dirigido
A ideologia dominante era menos o liberalismo do que o “anti‐protecionismo”, contra a
proliferação de controles e barreiras de comércio típica da década de 1930, quando os
controles das trocas minaram o sistema internacional de pagamentos, o que supostamente
tinha provocado a “grande depressão”. A política de beggar‐thy‐neighbor ("empobrece teu
vizinho"), com os governos usando tarifas alfandegárias para aumentar a sua competitividade
e reduzir os déficits do balanço de pagamentos, e as desvalorizações competitivas, tinham
resultado em deflação, diminuição da produção, desemprego em massa e declínio
generalizado do comércio mundial, que ficou restrito a blocos monetários (grupos de nações
que empregavam uma moeda equivalente, como o bloco da libra esterlina), limitando o fluxo
internacional de capitais e os investimentos estrangeiros.
A conseqüência da crise de 1929 (o acirramento da concorrência internacional) era
apresentada como sendo a sua própria causa. A ideologia dos “planejadores de Bretton
Woods”, o “liberalismo controlado”, era na verdade a expressão ideológica da saída da crise,
possibilitada pela guerra mundial, e da superação dos principais conflitos inter‐imperialistas,
pela derrota bélica do Eixo. O conceito de “segurança econômica”, com um “sistema
econômico liberal internacional” como garantia de paz, tinha sido desenvolvido por Cordell
Hull, Secretário de Estado dos EUA de 1933 a 1944.9
Secretário de Estado Cordell Hull, o hot warrior
Para Harry White, representante do Tesouro dos EUA em Bretton Woods: “A falta de um alto
grau de colaboração econômica entre as nações industrializadas resultará, inevitavelmente,
em guerra econômica que será o prelúdio e instigador de guerra militar em uma escala ainda
9
Cordell Hull argumentava que a causa fundamental das duas guerras mundiais estava nas guerras comerciais (os
acordos bilaterais de controle de comércio e trocas da Alemanha e o sistema de preferência imperial praticado pela
Inglaterra com os membros ou antigos membros do Império Britânico): “Comércio sem obstáculos significa paz;
altas tarifas, barreiras comerciais e competição econômica injusta, guerra. Se conseguíssemos tornar o comércio
mais livre, (com) menos discriminações e obstruções, de tal modo que um país não ficaria mortalmente invejoso de
outro e os padrões de vida de todos os países pudessem crescer, eliminando com isso a insatisfação econômica que
alimenta a guerra, teríamos uma chance razoável de paz durável”.
9
maior”. Os Estados capitalistas concordaram em cooperar para regular o sistema econômico
internacional, com tarifas baixas e encorajando a redução de barreiras ao comércio e ao fluxo
de capitais. A concentração de poder nos EUA “facilitou” (seria melhor dizer forçou) o acordo
entre os Estados presentes.
Os EUA emergiram da Segunda Guerra Mundial como a mais forte economia capitalista do
mundo, com rápido crescimento industrial, forte acumulação de capital e alto grau de
monopolização. Já no final da I Guerra Mundial, os EUA haviam se tornado o maior credor do
mundo e, ao final da década de 1920, o país respondia por mais de 42% da produção industrial
global (França, Inglaterra e Alemanha juntas detinham 28%).10 Condições necessárias para a
ulterior supremacia internacional do dólar já existiam: a acumulação nos EUA de uma parte
considerável da reserva mundial de ouro, e a unificação da moeda nacional, emitida por uma
só autoridade com poder para atuar como “garantidor de última instância”. Depois da crise de
1929, no entanto, a única época em que nos EUA houvera emprego e “prosperidade
econômica” totais fora durante a Segunda Guerra Mundial, pois o socorro do New Deal à
indústria fora só emergencial; e em 1939 existiam ainda 9,5 milhões de desempregados nos
EUA, ou 17,2% da PEA. Na guerra, por outro lado, os EUA não sofreram destruições em seu
território, e enriqueceram vendendo armas e emprestando dinheiro aos países aliados; a
produção industrial dos EUA em 1945 era mais do que o dobro da produção anual da década
precedente.
A guerra mundial obrigara à criação de novas áreas de produção, que exigiram a construção de
centenas de novas fábricas, financiadas pelo governo, e vendidas ao final do conflito aos
gigantes industriais a preços nominais. Para dirigir o Departamento de Produção de Guerra
(War Production Board), sucessor do Escritório de Direção da Produção (Office of Production
Management) comandado por William Knudsen, ex presidente da General Motors, Roosevelt
nomeou Donald M. Nelson, ex‐executivo da Sears Roebuck. O general Brehon Somervell, chefe
dos Serviços de Fornecimento para as forças armadas (Services of Supply) representava os
interesses do mundo financeiro e empresarial: o poder real estava em suas mãos. Durante os
anos de guerra, com mais e mais poder e dinheiro, os militares, alguns deles oriundos de
grandes corporações, e comissionados durante o conflito, progressivamente passaram a
decidir sobre todas as facetas da vida americana. Paulatinamente formou‐se um consórcio
entre militares e indústria, que passou a utilizar‐se dos meios de propaganda de massa para
alimentar seus interesses mútuos.
No final de 1943 eram produzidos materiais de guerra em quantidade excedente, de tal sorte
que se projetou uma redução de produção da ordem de US$ 1 bilhão por mês ao longo de
1944. De julho de 1940 até agosto de 1945, fábricas e estaleiros norte‐americanos produziram
quase 300.000 aviões, 86.000 tanques, três milhões de metralhadoras, 71.000 navios, além de
aço, petróleo e alumínio. O Estado tinha sido decisivo para a constituição de grandes indústrias
na produção de armas em grande escala: os dirigentes dessas empresas não eram “capitalistas
10
Os EUA tinham 15% das reservas de ouro em 1899. A “fuga de ouro” foi contida com a Gold Standard Act de
1900, que pôs fim ao bimetalismo (o dólar era cotado em ouro e prata), ajustou o dólar com firmeza ao padrão‐
ouro e obrigou os bancos privados a terem um respaldo nesse metal para a emissão de notas. A quantidade de ouro
nas mãos do público triplicou entre 1899 e 1910, como também a do Tesouro. O montante de ouro da reserva
mundial correspondente aos EUA passou de 15% a 30%, ao mesmo tempo em que muitos outros países (Áustria‐
Hungria, Rússia, Japão) adotaram também o padrão‐ouro. Para Marx, já no século XIX, “o metal, na realidade, só
[era] necessário para saldar o comércio internacional quando seu equilíbrio estava momentaneamente
perturbado”. A participação direta do ouro realizando funções monetárias na circulação interna foi gradualmente
abolida após o fim da Primeira Guerra Mundial, em todos os países capitalistas, proibindo‐se, inclusive, o
entesouramento privado de ouro monetário, função esta que se tornou monopólio dos bancos centrais. No padrão
ouro‐câmbio o ouro é complementado pelo padrão monetário do país líder como reserva internacional dos demais
países, realizando juntamente com o ouro a função de liquidação de saldos internacionais.
10
típicos”; o Estado era seu cliente exclusivo; fornecia‐lhes o essencial do seu financiamento, e
uma parte importante do seu trabalho de pesquisa e desenvolvimento técnico.
Em 1944, o presidente da General Electric propôs uma economia de guerra permanente:
deveria existir um contínuo relacionamento entre a indústria e os militares, núcleo de uma
futura mobilização geral e a garantia de uma produção militar substancial, a qual, presumia,
continuaria no mundo de pós‐guerra. Cada produtor importante de material de guerra deveria
designar um executivo, com patente de coronel da reserva, para funcionar como elemento de
ligação com o Pentágono.
Para os industriais norte‐americanos, a alternativa seria a preservação do “Estado Militar”,
garante de lucros sem precedentes. O programa de cooperação proposto em 1944 seria
administrado pelo governo federal, pelo presidente e pelos departamentos de Guerra e
Marinha, ficando o Congresso só com a missão de votar os fundos necessários. O papel da
indústria seria cooperar na parte que lhe competia. Durante a guerra, o balanço do poder
interno dos EUA foi deslocado: em 1939, apenas 10% dos funcionários civis federais, cerca de
80 mil pessoas, trabalhavam para agências de segurança nacional. No final da guerra, a
administração federal crescera de 800 mil para cerca de quatro milhões de funcionários, dos
quais 75% ocupava‐se de atividades ligadas aos militares. No pós‐guerra a burocracia militar
manteve‐se intacta, enquanto as relações com a indústria e o meio financeiro foram
preservadas e ampliadas, mesmo com a queda do orçamento de defesa ao final do conflito.
No final da guerra, os EUA detinham a maioria dos investimentos externos mundiais, da
produção manufaturada e das exportações; eles produziam a metade do carvão mundial, 2/3
do petróleo e mais da metade da eletricidade. E, sobretudo, detinham mais de 60% das
reservas mundiais de ouro (com valor de US$ 26 bilhões, para um total estimado em US$ 40
bilhões) e a bomba atômica (“exclusividade” que foi quebrada pela URSS em 1948). Os EUA
estavam em posição de ganhar mais do que qualquer outro país com a liberação do comércio
mundial. Mas, como disse então William Clayton, Secretário de Estado dos EUA para Assuntos
Econômicos: "Precisamos de mercados ‐ grandes mercados ‐ por todo o mundo, onde
podermos comprar e vender."
Houve previsões de que a paz traria de volta a depressão e o desemprego devido ao fim da
produção bélica e ao retorno dos soldados ao mercado de trabalho, sem falar no “aumento da
inquietude trabalhista” (lutas operárias). Os EUA queriam uma “ordem econômica mundial” na
qual pudessem penetrar em mercados previamente fechados e abrir novas oportunidades
para investimentos estrangeiros para suas empresas.
A Conferência de Bretton Woods foi a conclusão de dois anos e meio de planejamento da
reconstrução do pós‐guerra pelos EUA e Inglaterra, buscando um sistema internacional de
pagamentos que permitisse que o comércio progredisse sem o medo de desvalorizações
monetárias repentinas ou flutuações selvagens das taxas de câmbio. Na ausência de um
mercado europeu forte para suas exportações, a economia dos EUA seria incapaz de sustentar
a prosperidade que ela alcançara durante a guerra. Além disso, a inflação afetara os salários
nos EUA: por isso, no final de 1945, já haviam acontecido greves importantes nas indústrias do
automóvel, da eletricidade e do aço. O magnata norte‐americano Bernard Baruch propunha
"eliminar o subsídio ao trabalho e a competição acirrada nos mercados exportadores, bem
como prevenir a reconstrução de máquinas de guerra".
Europa e Japão: Revolução, Repressão e Colaboração
Nas metrópoles européias, a política colaboracionista das burocracias socialdemocratas e
stalinistas, cobrou o preço de importantes concessões sociais, com vistas a conter a
decomposição capitalista e situações revolucionárias. Na França, essa política atingiu dois
objetivos: 1) O desarmamento das forças armadas irregulares, como um aspecto da
reconstituição do Estado imperialista francês, e 2) A liquidação de toda possibilidade de um
11
levantamento de classe como desdobramento final da luta anti‐nazista. Em 1945, nas minas do
norte, por exemplo, foi necessária toda a autoridade do PCF para impedir que as múltiplas
paralisações “degenerassem” em uma greve geral que teria coberto todo o território. O
general de Gaulle decidiu a integração das FFI e dos FTP (Forças Francesas do Interior e Franco‐
Atiradores e Partisanos) no exército regular. Em outubro de 1944, decretou a dissolução das
Milícias Patrióticas. O PCF protestou inicialmente com violência contra essa medida. Mas
terminou por aceitá‐la diante das ordens de Maurice Thorez, seu secretário‐geral, que voltou
da URSS em novembro de 1944. Existia um projeto insurrecional da resistência comunista
interior, mas ele foi combatido por Stalin.
De Gaulle carecia de base e política social própria para reconstituir o Estado (a quase
totalidade da burguesia francesa fora colaboracionista). O PCF lhe forneceu essa base. Em
conseqüência, por um lado, colaborou com a reconstituição do imperialismo francês,
praticamente desfeito durante a guerra, tomando parte nos massacres de Sétif e de Guelma
(na África do Norte), ao mesmo tempo em que, em nome da luta contra o “imperialismo
japonês”, encorajou os ex‐FTP integrados no exército do general Leclerc a participar da
retomada da Indochina “francesa”, chamando a preservar o quadro da União Francesa, isto é,
a apoiar a guerra colonial do imperialismo francês contra o Vietnã. Isto permitiu não apenas a
reconstituição do Estado, mas a reciclagem, dentro do mesmo, dos funcionários do regime
colaboracionista de Vichy.
A colaboração da URSS com os “aliados” foi decisiva para desarmar os elementos da guerra
civil com que o segundo conflito mundial culminou na maioria dos países da Europa ocidental.
Foi ela que permitiu o desarmamento dos partigiani italianos, que tinham derrubado a
ditadura de Mussolini. Na Grécia, a resistência antinazista se desdobrou em guerra civil. A
revolução grega de dezembro de 1944, apesar do controle total do país pelas tropas
irregulares da ELAS, foi esmagada pela intervenção das tropas britânicas, depois da capitulação
dos dirigentes stalinistas que devolveram as armas, seguindo as diretivas de Stalin de
unificação das forças patrióticas numa Frente Nacional.
As concessões sociais configuraram finalmente o chamado “Estado de Bem‐Estar” (com
incremento do “salário indireto”, previdência social, seguro‐desemprego, principalmente),
ampliando, também, o mercado interno de consumo. Esse regime foi mal chamado de
“keynesiano”, pois sua nota fundamental foi a incorporação orgânica das direções das
organizações operárias à gerência, direta ou indireta, do Estado capitalista.11 Esse processo
abrangeu todos os países capitalistas avançados, e foi o segredo dos “trinta anos gloriosos” (do
capital).
O plano inicial dos EUA após a guerra visava impedir que a nações derrotadas pudessem voltar
a confrontar novamente as grandes potências. A idéia de Morgenthau era desmembrar a
Alemanha e transformá‐la numa nação agrária. Destino semelhante esperava pelo Japão: o
plano norte‐americano pretendia castigar severamente o povo japonês por sua “aventura
militarista”, impedindo que o Japão tirasse qualquer benefício da nova ordem internacional.
Mas tudo mudou após o início da guerra fria: a política externa norte‐americana assumiu como
prioridade o desenvolvimento de seus aliados na Europa e na Ásia, como ficou provado na
11
Na década de 1960, o papel central na Europa seria assumido pela Alemanha, onde o governo da
socialdemocracia (SPD) alemã tornou‐se modelo mundial do Welfare State. Previamente, o SPD, no congresso de
Bad Godesberg (novembro de 1959), tornou‐se “revisionista”. As teses revisionistas que, em maio de 1958, já
haviam triunfado no congresso do Partido Socialista Austríaco, foram apresentadas por Benedikt Kautsky, filho de
Karl Kautsky: «De um partido da classe operária, o SPD tornou‐se um partido do povo», rezava seu título. A
socialdemocracia renunciava a reclamar a socialização dos meios de produção e de troca. A livre escolha dos
consumidores, a livre escolha do local de trabalho, a livre iniciativa dos empreiteiros, a livre concorrência, deviam
ser considerados como fatores positivos: «O Estado tanto quanto necessário; a liberdade tanto quanto possível». O
congresso do SPD considerou que “toda a economia concentrada nas mãos do Estado destrói a liberdade”.
12
aprovação do Plano Marshall em 1947,12 na dispensa das reparações de guerra e no
cancelamento de parte das dívidas. A idéia de uma economia pós‐guerra de livre comércio e
livre movimentação de capitais mostrou‐se inviável.13
O Plano Marshall vigorou entre 1948 e 1952. A “reconstrução” promovida pelos recursos
transferidos pelos EUA baseou‐se fundamentalmente na recuperação dos mercados internos
dos países, embora tenha sido bastante considerável a expansão do comércio internacional
neste período. Outra dificuldade que o Plano resolvia era a da formação de uma demanda que
assegurasse o escoamento da crescente produção dos EUA: o Plano Marshall era, antes do
mais, um subsídio estatal aos exportadores norte‐americanos. Depois, foi aprovada uma ajuda
equivalente para o Japão (“Plano Colombo”) após a Guerra da Coréia (1950‐53). Nos anos
seguintes houve tolerância e apoio dos EUA aos seus aliados em relação a medidas
protecionistas (subsídios às exportações e restrições às importações americanas),
desvalorizações cambiais e abertura às importações a termos vantajosos, ainda que tais
medidas tornassem suas exportações menos competitivas. Os EUA também promoveram
volumosos investimentos e missões de transferência de tecnologia.
A social‐democracia (a II Internacional) teve papel decisivo na desativação da “bomba
revolucionária” (no período que o historiador François Fonvielle Alquier, parafraseando
Georges Lefebvre, chamou de “O Grande Medo de Pós‐Guerra”). A mola‐mestra da
reconstituição da II Internacional, neste período, foi o SPD alemão. Este conheceu uma grave
crise logo após a queda de Hitler e a derrota alemã, quando os resistentes antinazistas do SPD
iniciaram uma dinâmica unitária com os comunistas ("Unidade! Nunca mais divisão e luta
fratricida'', foram as palavras de ordem então lançadas) e outras organizações de esquerda,
em que se colocavam as bases de uma Frente Única Operária anticapitalista, e da revolução
proletária alemã, como pivô da revolução européia.
Em Turíngia (baluarte histórico do SPD) chegou‐se a criar um Partido dos Trabalhadores,
unificando socialistas e comunistas. Os Estados Maiores dos exércitos ocupantes intervieram
para bloquear essa perspectiva. Ao leste alemão, o SPD consentiu na sua absorção pelo partido
stalinista (PC), que criaria as bases do poder burocrático na RDA. No oeste, o SPD foi
reorganizado com base na interdição do Partido Comunista Alemão e com participação dos
serviços de informações norte‐americanos.14 O SPD foi um dos pilares da divisão alemã e da
12
Aprovado durante a Conferência de Paris, em 1947, o Plano contou com o apoio dos 16 países presentes ao
encontro. No ano seguinte à reunião, foi criada a Organização para a Cooperação Econômica Européia. Os maiores
beneficiados pelos US$ 13 bilhões (US$ 140 bilhões, em valores de 1994) liberados pelos EUA foram Inglaterra
(24%), França (20%), Alemanha ocidental (11%) e Itália (10%). O socorro financeiro não foi apenas em empréstimos,
mas também em equipamentos. A ajuda durou até 1952, mas mesmo depois disso os EUA continuaram a resolver
problemas de balanço de pagamentos dos países e problemas de escassez de dólares. O Plano representou 2% do
PIB norte americano e não se traduziu em restrições: no primeiro ano do Plano o PIB per capita dos EUA estava 25%
acima daquele de 1940, e parte desses fundos de reconstrução serviram para financiar e dinamizar as exportações
americanas para o mercado europeu. Mostrando que o “super‐imperialismo” era impossível, os EUA foram
obrigados a financiar, por razões de segurança econômica e política, seus futuros rivais no mercado mundial.
13
Hobsbawm resumiu: “A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, tem termos objetivos, não existia perigo
iminente de guerra mundial. Apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, sobretudo do lado americano, os
governos das duas potências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que
equivalia a um equilíbrio de poder desigual, mas não contestado em sua essência. A URSS controlava parte do
globo, ou sobre ela exercia predominante influência e não tentava ampliá‐la com uso de força militar. Os EUA
exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista. Em troca não intervinha na zona aceita de
hegemonia soviética”.
14
Foi principalmente a ação e a autoridade da burocracia que pesaram para combater a tendência objetiva para a
unidade e a revolução operária na Alemanha, que teve inúmeras manifestações: criação de um “partido dos
trabalhadores” unindo ex‐prisioneiros socialistas e comunistas na Turingia, em abril de 1945; de um “partido
socialista unificado” em Brünswick; de um “comitê de unidade” socialista‐comunista no campo de concentração de
Buchenwald. Se foram as tropas inglesas as que dissolveram, em Hamburgo, o “Comitê de Ação” socialista‐
comunista, foi a burocracia russa a responsável pela dissolução dos Comitês Anti‐Fascistas no país todo.
13
divisão do proletariado, consagrada em 1961 pelo Muro de Berlim , assim como da cisão dos
sindicatos europeus, financiada pela CIA. O SPD alemão, e a socialdemocracia européia em
geral, procurariam vôo próprio na política européia, através da Ostpolitik, política de
intermediação entre a burocracia russa e leste‐européia e o ocidente capitalista.
No Japão, com o Estado controlado pela sua força militar de ocupação, os EUA promoveram
uma sorte de “revolução capitalista”, com reforma agrária incluída, para eliminar o poder da
“classe feudal” responsável pelo militarismo japonês. As relações trabalhistas, supostamente
pouco conflitantes, no Japão, tiveram mais a ver com o esmagamento do movimento operário
no período do "expurgo vermelho" do pós‐guerra, do que com uma (mal) suposta "docilidade
natural" do operário japonês. A base da acumulação do capitalismo japonês de pós‐guerra foi
a derrota do movimento operário independente, para o qual contribuiu a ocupação do país,
depois das bombas atômicas de Hiroxima e Nagasaki, e a integração dos sindicatos ao Estado e
à própria empresa capitalista.
O controle das relações de trabalho foi mantido no interior das empresas, graças à repressão
ao movimento sindical independente, que o governo japonês impôs na primeira metade dos
anos 50, garantindo a elas a construção própria das relações de trabalho. Os sindicatos
domesticados se integraram cada vez mais na estrutura supervisora da empresa, convertendo‐
se em sócios do capital e cooperando com a iniciativa privada no esforço de competir nos
mercados internacionais. A participação sindical na gestão empresarial foi o aspecto decisivo,
subordinando as mudanças nos processos de trabalho.
Os socialistas (PSJ) se achavam divididos em quatro facções, que se uniram em 1945. Em 1947‐
1948 o PSJ participou de um gabinete de coalizão; pela primeira vez na história japonesa um
socialista, Katayama Tetsu, foi primeiro‐ministro. Mas o governo caiu, em meio a escândalos
financeiros. Os partidos conservadores foram os principais beneficiários do novo meio rural. A
nova classe média camponesa constituiu a clientela política do partido da “nova direita”, o PLD
(Partido Liberal Democrático). Na indústria esboçou‐se um plano para destruir 1200
companhias, os maiores zaibatsu. Isto favoreceu o aparecimento de novos empresários, como
os fundadores da Sony e da Matsushita. E, nas eleições de 1949, o Partido Comunista japonês
obteve, pela primeira vez, mais de três milhões de votos. O Japão vivia uma situação pré‐
revolucionária, em que, segundo Joe Moore (em Japanese Workers and the Struggle for
Power), as reivindicações estritamente sindicais foram superadas pela luta pelo controle
operário da indústria e da produção. O jornal Yomiuri, a Mitsui e a Toshiba foram ocupados
pelos trabalhadores.
Os movimentos operários e estudantis lançaram reivindicações políticas (contra a ocupação da
Coréia do Sul pelos EUA, contra o Tratado de Defesa Mútua EUA‐Japão). A burguesia japonesa
tentou recuperar o poder, matando o movimento operário na fábrica. Os operários rejeitavam
o aumento dos ritmos de produção, as horas extras obrigatórias e a rotatividade do trabalho.
Era a primeira tentativa de “racionalização” fabril, que levaria ao “toyotismo”. A campanha de
racionalização atingiu seu ponto culminante durante a recessão posterior ao fim da guerra da
14
Coréia (na qual o Japão foi o maior fornecedor dos EUA). Nas siderúrgicas, o fabricante de
armas japonês Nippon Steel (Nikko) demitiu mil operários, desencadeando forte resistência
dos trabalhadores, mas a patronal dividiu o sindicato e desmantelou a greve. Foi contra essas
lutas que as autoridades de ocupação lançaram o “expurgo vermelho”, que pôs na ilegalidade
o PCJ e demitiu 50 mil operários, na sua maioria ativistas sindicais. A operação estendeu‐se a
muitos outros âmbitos da vida social, e teve o apoio do Partido Socialista (PSJ). Na década de
1960, um empregado japonês trabalhava 2150 horas anuais, contra uma média de 1650 no
restante do mundo capitalista (nos EUA e na Inglaterra essa média era de 1900).
“Trinta anos gloriosos”: Coréia
Na Inglaterra, o Labour Party, em 1940, depois da derrocada da França e da queda de
Chamberlain, havia ingressado no gabinete de Churchill, onde alentou consideráveis reformas
sociais. O Plano Beveridge foi elaborado em 1942 sob a égide do trabalhista Ernest Bevin; a
reforma democrática do sistema de ensino começou em 1944 com a Education Bill. Após o
término da guerra, o Labour Party rompeu a sua coligação com Churchill e os conservadores.
Nas eleições parlamentares de 5 de julho de 1945 conquistou uma vitória espetacular, com
quase 12 milhões de votos, passando a dispor, pela primeira vez na história, de uma maioria
absoluta no Parlamento. O governo de Clement Attlee introduziu reformas de política social,
como o serviço público de saúde sem caráter de seguro privado. Em abril de 1949, Inglaterra
ingressou na OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), o que foi chamado pelo
ministro do Exterior, Devin, como "resolute acceptance of American leadership" ("decidida
aceitação da liderança americana").
Não foi a menor das ironias o Portugal fascista de Salazar figurar entre os fundadores desse
Pacto que, segundo o seu Preâmbulo, deveria servir à "defesa dos princípios da democracia".
Pelo menos o governo trabalhista aceitou o triunfo da Revolução chinesa e reconheceu a
República Popular da China. Nas eleições para a Câmara dos Comuns de 1950, o Labour Party
conseguiu aumentar o seu número de votos para 13,3 milhões. A Europa renunciava, depois
da guerra mundial, a toda pretensão de liderança política mundial, mas buscaria recuperar, na
economia, o terreno perdido na arena bélica.
A Carta das Nações Unidas foi assinada um ano depois de Bretton Woods, em 26 de junho de
1945, e entrou em vigor em 24 de outubro do mesmo ano. Mas o termo “Nações Unidas” já
aparecia na "Declaração das Nações Unidas" de 1º de janeiro de 1942, em que 26 nações se
engajavam a continuar juntas a guerra contra as potências do Eixo. A ONU foi fruto dos
acordos entre a burocracia da URSS e as potências capitalistas vitoriosas na II Guerra Mundial,
que compreendiam a divisão do mundo em “esferas de influência”. Declarava‐se “baseada no
15
princípio da igualdade soberana de todos os seus membros”, sendo, na verdade, dirigida por
um pequeno grupo deles que dispunha do direito de veto no Conselho de Segurança,
possuindo o comando da organização. Na criação da ONU, Alemanha e Japão não
participaram, pois estavam ainda em guerra contra os aliados.15 A URSS, por sua vez, embora
participante da ONU, recusou o seu ingresso no FMI ou no BIRD.
Essas duas organizações têm um sistema decisório que não é baseado no princípio de que cada
país tem um voto, como na ONU, mas na cota de capital que cada país tem no FMI e no Banco
Mundial. Isso deu uma representação enorme a países como os EUA, a Grã‐Bretanha e a
França: com pouco menos de 18% das cotas, os EUA passaram a controlar o FMI. Embora o
FMI ou o BIRD não tivessem o poder normativo (legal) da ONU, possuíram, desde o seu início,
um poder político real muito superior.
China: o Elo Fraco
Pelos acordos EUA‐URSS‐Inglaterra, a China deveria ficar em mãos do governo nacionalista do
Kuomintang (Chiang‐Kai‐Shek), mas boa parte de seu território estava nas mãos dos Exércitos
(4° e 8°) controlados pelo Partido Comunista (PCC). Em julho de 1946, Chiang pôs em marcha a
ofensiva contra os "vermelhos", com um exército enorme, apoiado por 500 aviões, pilotados
majoritariamente por oficiais norte‐americanos. No curso das negociações de paz entre o PCC
e o Kuomintang, a URSS reconheceu diplomaticamente o governo do Kuomintang, na
suposição de que o PCC seria derrotado numa nova guerra civil (em 1950, após a proclamação
da República Popular da China, Stálin reconheceu haver cometido um sério erro de avaliação).
Enfrentando primeiro a ofensiva de Chiang mediante a guerra de guerrilhas, Mao Ze Dong
(líder do PCC) lançou em março de 1947 a Campanha do Noroeste, cuja palavra de ordem
central era "Reforma agrária imediata!". Os 4° e 8° Exércitos se transformaram no Exército
Popular de Libertação (EPL). Abandonados por Stalin, cujo conselho apontando para a
formação de um governo de frente nacional com Chiang Kai‐Shek eles tinham rechaçado, e
cercados, pois o Exército da URSS havia entregue a Manchúria para Chiang, os líderes
comunistas chineses confrontaram a poderosa ofensiva das tropas nacionalistas. A única
possibilidade que lhes restava (igual à situação que tiveram de enfrentar os líderes do PC da
Iugoslávia em 1942‐1943) era a mobilização revolucionária das massas. Surgiram comitês
camponeses e grupos de resistência que se organizaram para defender e estender a reforma
agrária e para esmagar o representante dos latifundiários.
15
A 25 de abril de l945 realizou‐se, na cidade de São Francisco (EUA), a conferência com representantes de
cinqüenta nações em guerra contra as potências do eixo, que criou a Organização das Nações Unidas (ONU). Nas
proféticas palavras do Secretário de Estado dos EUA, Cordell Hull, “já não haverá necessidade de esferas de
influência, de alianças, de balanças de poder ou de nenhum outro acordo especial que, durante um passado infeliz,
as nações requereram para salvaguardar a sua segurança”. Em dezembro de 1948 foi aprovada a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, que contém trinta artigos e é precedida de um preâmbulo, que proclama os
direitos fundamentais, isto é, que, em teoria, os governos, os Estados, ou a própria ONU, não teriam legitimidade
para retirá‐los de qualquer indivíduo. Em 1948, também, a ONU resolveu em favor da fundação do Estado de Israel,
sancionando a expulsão compulsória dos povos árabes que habitavam a Palestina.
16
O avanço do exército de Mao foi o produto do recrutamento massivo do campesinato
revolucionário e do paralelo colapso do exército camponês de Chiang, que foi contaminado
pela revolução e pela fome de terras. O próprio PC chinês sofreu uma modificação em sua
composição social: os filhos educados dos camponeses acomodados, que constituíam a
espinha dorsal de seus quadros até esse momento, foram submersos pelo afluxo de novos
militantes. O teve sua composição social modificada. A economia, por outro lado, se
deteriorava nas regiões controladas por Chiang: o salário de um trabalhador qualificado
permitia comprar, em 1946, 350 quilos de arroz por ano; em 1948, só 40. A inflação era
galopante: de janeiro de 1946 até agosto de 1948, os preços multiplicaram‐se por 67. A
burguesia especulava e investia no estrangeiro.
Um dólar valia 12 milhões de fabi (um fósforo, 200 fabi). De agosto de 1948, até abril de 1949,
o índice de preços passou, em Xangai, de 100 para 13.574.000 (ou seja, os preços
multiplicaram‐se por 135.740). Uma papelaria comprou, por exemplo, 800 caixas de notas de 2
mil yuan (1 yuan = 3 milhões de fabi) para... fabricar papel. A própria burguesia ‐ incluindo os
generais do exército de Chiang ‐ vendia aos comunistas as armas recém‐entregues pelos
Estados Unidos. A corrupção era total. A população pobre experimentava enorme repugnância
diante do exército e do governo de Chiang. Além disso, este aparecia como agente direto dos
Estados Unidos, e isto num país (a China) que levara mais de um século lutando contra as
potências estrangeiras. Os guerrilheiros chineses não foram beneficiados com qualquer auxílio
russo. Desde a guerra Stalin lhes dera motivo para amarga indignação. As tropas soviéticas que
ocuparam a Manchúria após a rendição do Japão trataram a região como se fosse território
inimigo conquistado, e não uma parte da China: os soldados russos trataram as indústrias da
Manchúria como presa de guerra, desmontaram fábricas e instalações e embarcaram‐nas para
a União Soviética.
O exército dirigido pelo PCC, o Exército Popular de Libertação, apoiado na rebelião de milhões
de camponeses, foi inclinando a balança em seu favor. Rechaçados os primeiros ataques de
guerrilha, passou então para a "guerra de posições". O exército de Chiang se desestruturou, e
muitos de seus efetivos passam para o EPL. Chiang era totalmente incapaz de pôr fim à
corrupção entre seus próprios homens. Em 1948, o EPL passou à ofensiva na Manchúria, no
Norte e na China Central. Em janeiro de 1949 entrou vitoriosamente em Pequim, obrigando
Chiang a fugir. Em dezembro, Chiang e o que restava de seu governo refugiaram‐se na ilha de
Formosa (Taiwan). A embaixada da URSS foi a última legação estrangeira a ficar ao seu lado,
até o último momento.
Em 1° de outubro de 1949 foi proclamada a República Popular da China (RPC). A política do
PCC no governo da RPC foi assim resumida por Mao, em 1950: "Nós entendemos que a meta
desta revolução não é acabar com a burguesia em geral, mas é acabar com a. opressão
nacional e feudal; que as medidas tomadas nesta revolução não visam a abolir, mas a proteger
a propriedade privada, e que, como resultado desta revolução, a classe trabalhadora poderá
constituir a força que conduzirá a China ao socialismo, embora o capitalismo possa ainda
crescer em certa medida durante um tempo bastante longo. 'Terra para os pequenos
proprietários' significa a transferência da terra dos exploradores feudais para os camponeses,
transformando a propriedade privada dos senhores feudais em propriedade privada dos
camponeses, emancipados das relações agrárias feudais, permitindo assim a transformação de
um país agrícola em um país industrial".
Mas, com o PCC no poder, deu‐se uma rápida transição para a economia socialista. As coisas
aconteceram muito mais rapidamente do que Mao e a direção do PCC anunciavam. A
passagem para uma economia onde predominava a propriedade estatal social foi
surpreendentemente rápida, e a causa disso foi política. A burguesia chinesa exilada começou
de imediato um processo de boicote. O sinal foi dado pela potência vitoriosa da Segunda
Guerra: os Estados Unidos, que estenderam logo um cordão de isolamento ao redor da "China
17
Vermelha", negando‐lhe reconhecimento diplomático (na ONU, o governo de Chiang, o KMT,
foi reconhecido como o legítimo governo chinês, apesar de exercer sua autoridade só na ilha
de Formosa) e intercâmbio econômico. Chegou‐se a proibir que qualquer cidadão norte‐
americano pusesse os pés na RPC. Assim tratou o "mundo livre" uma revolução que, no
entanto, não lhe manifestou de início qualquer hostilidade, pois dele precisava para
desenvolver sua economia.
Quando a República Popular da China foi proclamada, o nível da produção agrícola e industrial
da China era inferior àquele anterior à Segunda Guerra Mundial. Em 12 anos, a inflação
multiplicara os preços por 8 bilhões; os transportes estavam totalmente desorganizados; a
maioria das instalações do "coração industrial da China" (a Manchúria) tinham sido
desmanteladas pela URSS ou destruídas pelo exército de Chiang. O governo da RPC tentou
enfrentar esses problemas através da política definida por Mão. Em 1949, mesmo depois da
nacionalização de certas indústrias chave, e das propriedades dos dirigentes do KMT, o capital
privado controlava ainda 48,7% da produção industrial. Foram adotadas então uma série de
medidas: um Tratado de Cooperação com a URSS, assinado por Mao e Stalin, que resultou
num empréstimo da URSS de 300 milhões de dólares em cinco anos (apenas 3 % dos
investimentos; os 97% restantes seriam fornecidos pela China); a adoção de uma série de leis:
sindical, de reforma agrária, de casamento (que anulava a tradicional poligamia masculina), de
divórcio; a constituição de três companhias mistas com a URSS, que enviou à China vários
técnicos; aumentos salariais de 100%.
Depois de um ano de governo, o premiê da RPC, Chou En‐lai, pôde anunciar: o território está
pacificado, a unidade nacional realizada, a inflação está contida desde março de 1950, e 90%
das estradas de ferro estão reconstruídas. Mas ao boicote econômico da burguesia (evasão de
capitais), existente desde o início, somou‐se, a partir de 1950, a intervenção da RPC na Guerra
da Coréia. Nesse país, Syngman Rhee liderava o governo pró‐americano e ameaçava as
fronteiras da China (dessa guerra resultou a divisão do país em Sul e Norte, existente até hoje).
A RPC viu‐se na obrigação de realizar grandes investimentos no orçamento da defesa e a
avançar na estatização da economia. O Jen Min Ji Pao (jornal do PCC), de 25 de outubro de
1950, conclamou então a "corrigir radicalmente a política de generosidade" para com a
burguesia. A partir de 1950, os elementos sociais de uma mudança política se definiram: nos
campos, atividade dos “tribunais populares”, com execuções e condenações a trabalhos
forçados aos antigos proprietários; uma campanha política nacional contra o imperialismo
norte‐americano; a repressão às atividades das Igrejas, sobretudo às missões estrangeiras;
finalmente, as tropas chinesas ocuparam o Tibete, em 1950; o PCC lançou o Movimento dos
três anti (contra a corrupção, contra o desperdício e contra a burocratização). Gerou‐se um
clima geral de tensão, onde não faltou o medo de uma grande fome, em 1951.
Na Manchúria, o dirigente comunista Kao Kang deu início a um plano pelo aumento da
produção, seguindo o "modelo soviético". Tratou‐se de uma vasta mudança que só seria
oficialmente sancionada em dezembro de 1952, quando Chou En‐lai anunciou o Primeiro Plano
Qüinqüenal, e em outubro de 1953, quando o PCC anuncia a "Nova linha geral para a transição
ao socialismo". De fato, no início de 1952, quatro quintos da indústria pesada já haviam
passado para as mãos do Estado; no fim de 1952, a reforma agrária estava em 75% realizada:
12 milhões de hectares passam para 90 milhões de pessoas; os empresários privados ficaram
com apenas um terço do comércio atacadista, metade do varejista e um terço da produção
industrial.
O governo criou uma Comissão da Planificação do Estado (com Kao Kang), e no Plano
Qüinqüenal deu‐se prioridade à indústria pesada: anunciou‐se um investimento de 18 bilhões
de dólares, num ritmo incrível: 25 % do produto nacional seria consagrado à indústria, em
1956 (na época da sua industrialização, os EUA nunca investiram mais de 20% do PIB nesse
ítem). Um esforço semelhante só era possível através de uma rápida estatização do excedente
18
nacional. O ritmo da "socialização da economia" superou todos os planos dos dirigentes do
PCC. Em 1955, decidiu‐se a coletivização da agricultura. Um ano depois, 96 % dos camponeses
encontravam‐se organizados em um milhão de cooperativas: o Plano previa que só um terço
dos camponeses se encontraria nessa condição no fim de 1957.
A coletivização completa só estava prevista para 1960, o que já era muito rápido. A produção
agrária continuava sendo a base da economia chinesa. O ponto de partida foi muito baixo: em
1951, o parque de tratores era de duas mil unidades (um trator para cada 120.000 acres,
contra um para cada 119 nos EUA, ou um para cada 998 na URSS). O PCC encamparia
definitivamente o movimento em 1956, com as Três Transformações Socialistas ‐ expropriação
da burguesia industrial, expropriação do comércio urbano e implantação de um movimento
cooperativo no campo. As Três Transformações limitavam‐se, na verdade, a sancionar uma
situação já existente na sociedade chinesa. A Revolução Chinesa tinha se transformado, num
processo sem solução de continuidade, em revolução socialista, a revolução social mais
abrangente da história contemporânea.
Gasto Público e Economia Armamentista
Terminado o conflito mundial, os seus resultados determinaram uma nova situação na
economia capitalista. Na Europa, com o Plano Marshall, os Estados Unidos promoveram,
através de grandes intervenções estatais, o redirecionamento das economias nacionais,
revelando a miragem do “liberalismo” de Bretton Woods. Para obter dólares, os países
dependiam de exportações ou de empréstimos. A primeira condição não existia porque esses
países estavam com suas economias destruídas. A segunda condição foi suprida pelos EUA,
mas não nos quadros do que havia sido estipulado em Bretton Woods.
O “Plano” lançado em julho de 1947 por George Marshall, secretário do Tesouro dos EUA, para
a reconstrução da Europa, fez com que, de 1949 a 1953, os EUA transferissem em
empréstimos e subvenções US$ 33 bilhões. De 1949 a 1952, do seu lado, as instituições criadas
em Bretton Woods enviaram à Europa apenas US$ 3 bilhões. Um dos problemas do recém‐
criado sistema monetário internacional ‐ na verdade, seu próprio princípio de funcionamento ‐
começava a se tornar claro.
Em 1950, o balanço de pagamentos norte‐americano ‐ resultado de exportações e movimento
de capitais, empréstimos e transferências ‐ apresentou déficit. Saíam dólares mais velozmente
dos EUA para a Europa e Japão do que a rapidez de recuperação desses países permitia
contabilizar como vendas norte‐americanas e investimentos deles nos EUA. Para acelerar essa
recuperação, os EUA toleravam também uma série de práticas comerciais restritivas. A
conclusão é que a recuperação do pós‐guerra dependia dos déficits norte‐americanos ‐ em
soma, da capacidade do governo dos EUA de imprimir dólares. Pelas regras de Bretton Woods,
isso tinha um limite, a capacidade das reservas em ouro dos EUA de garantirem aos bancos
centrais de outros países a conversão, quando eles precisassem, de seus dólares em metal.
A intervenção estatal se tornou um imperativo para a reconstrução do capitalismo europeu,
que era decisiva para os EUA. Para os EUA, a guerra mundial fora o grande ativador
econômico; os demais países em guerra converteram‐se de exportadores para importadores
de mercadorias e de capital. O parque industrial militar virou fator decisivo para a realização
da mais‐valia. O monopólio da emissão de uma moeda de aceitação mundial, como
determinado em Bretton Woods, foi fundamental para o financiamento da expansão
capitalista. As pesquisas feitas com dinheiro público para garantir a defesa nacional, eram
transformadas em elementos da reestruturação produtiva (energia nuclear, aviação,
telecomunicação, computação): as inovações surgidas nos centros de pesquisas militares
acabaram transformadas em bens industriais produzidos pelos monopólios privados.
Com uma nova recessão nos EUA, em 1947 (que fez muitos temerem a repetição do craque de
1929), houve uma nova expansão do complexo industrial‐militar, sob justificativa de defesa do
19
“mundo livre” (logo depois os EUA entraram, sob cobertura da ONU, na guerra da Coréia: os
Estados Unidos ocuparam a Coréia do Sul, e lá se mantiveram durante mais de 50 anos,
cobertos por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Mais de 4 milhões de
coreanos morreram na Guerra da Coréia durante os anos 1950‐1953).16 A manutenção das
indústrias voltadas para a guerra, não dependendo da demanda privada, reduziu a
necessidade de novos mercados externos para garantir a expansão industrial. Os gastos
militares somaram, a partir da guerra da Coréia (1950), quantidades nunca antes atingidas.
Nessas condições teve lugar a expansão do sistema capitalista internacional.
Os gastos militares eram, para o sistema mundial capitalista, a principal causa da expansão, e
ainda da diminuição de uma parte das desproporções que antes limitavam a capacidade de
expansão. Os encargos militares davam solução ao problema colocado pela realização da mais‐
valia: preservavam a taxa de lucro no conjunto da economia e abriam, para as indústrias não‐
armamentistas, mercados que de outro modo não teriam existido.17 Na década de 1940, os
capitalistas americanos aproveitaram a reserva de mão de obra desempregada e a capacidade
industrial ociosa que foi criada pela depressão, utilizando‐as para fins militares e para apoiar a
economia de guerra.
Os EUA puderam então produzir armamentos à vontade, sem a necessidade de novos
investimentos para ampliação da capacidade industrial instalada: o PIB dobrou, em termos
reais, entre 1939 e 1944; a taxa de desemprego da força de trabalho caiu de 17% em 1939,
para 1% em 1944. No auge da II Guerra Mundial, em 1944, os gastos militares dos EUA
alcançaram 38% do seu PIB. No pico da Guerra da Coréia, em 1953, 14%. Na Guerra do Vietnã,
em 1966, alcançavam 9,4% do PIB. De um bilhão de dólares anuais gastos com despesas
militares diretas em 1939, depois da guerra, os EUA passaram a gastar 12,9 bilhões em 1949, e
43,3 bilhões em 1958 (US News and World Report, 1º de março de 1957).
Durante a guerra, os EUA chegaram a destinar ao setor militar 42% de seu PIB (1943 e 1944),
36% em 1945, 11% em 1946, caindo para a média de 6% entre 1947/1950, e de novo
aumentando para 12,5% entre 1950/1955, em função dos gastos com a Guerra da Coréia.
Michael Kidron caracterizou que a economia dos países capitalistas tinha virado uma
“economia de armamentos”: o setor armamentista, criando uma demanda agregada
improdutiva, funcionava como um “volante de equilíbrio” da valorização do capital, evitando
crises de sobre‐produção, mas criando fortes pressões inflacionárias.
Para Peter Jeffries, a nova era começara em 1940 (com a guerra mundial) com “rápidos
progressos técnicos situados ao redor das necessidades bélicas”, repassados depois para o
setor “civil”: entre 1954 e 1962, a produção da indústria elétrica e mecânica, na Inglaterra,
aumentara em 40%, com um aumento da mão de obra de só 11%. No Japão (1955‐1960) a
produtividade elevara‐se de 55%, contra 25% dos salários reais. E o “milagre alemão” tinha por
base o forte desemprego do país até o início da década de 1960, que permitira uma
16
Até a Segunda Guerra ocupada pelo Japão, em 25 de junho de 1950 o bloqueio da Coréia do Norte pela Coréia do
Sul, deu início a uma guerra entre ambas, envolvendo China e União Soviética de um lado e os EUA do outro. O
objetivo estratégico era evitar a expansão da Revolução Chinesa (1949), eventualmente criando uma plataforma de
ataque contra China. A guerra produziu milhões de mortos. Em 27 de julho de 1953 foi assinado um armistício entre
o comandante do exército norte‐coreano e um representante da ONU, criando uma zona desmilitarizada entre os
dois países.
17
Isto está provado pela evidência empírica. Um estudo oficial dos EUA (Departamento de Comércio) demonstrou
que, em épocas de grandes guerras – guerra civil americana, as duas guerras mundiais do século XX, a da Coréia e a
do Vietnã – os ciclos do capital foram marcados por fases prolongadas de expansão, muito acima da média
histórica, e por fases de contração e crise muito curtas. Assim, entre dezembro de 1914 e agosto de 1918, ocorreu
na economia dos EUA uma expansão de quarenta e quatro meses, e uma contração de apenas sete meses; no
período entre junho de 1938 e fevereiro de 1945, a expansão durou oitenta meses e a contração apenas oito
meses; entre fevereiro de 1961 e dezembro de 1969 (Guerra do Vietnã), a expansão se prolongou por cento e seis
meses e a contração por apenas oito meses.
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estagnação dos salários: de 7% do comércio mundial (em 1950), Alemanha passara para 20%
(em 1960), quase igualando os EUA. Para Jeffries, isso demonstrava o aguçamento da
concorrência no mercado mundial, e que a queda tendência da taxa média de lucro
continuava agindo, em que pese a expansão da produção capitalista permitir um (conjuntural)
aumento da massa dos lucros.
Paralelamente se desenvolveu o que Ernest Mandel, em O Capitalismo Tardio, denominou “a
constituição da investigação (produção de conhecimentos) em um ramo independente da
produção”. Os investimentos em ciência e tecnologia cresceram 15 vezes nos EUA entre 1947
e 1967, enquanto o PIB o fez apenas 3 vezes no mesmo período. O motor desses
investimentos foi a pesquisa militar. A própria natureza da indústria armamentista (com
investimentos que exigem uma grande massa de capital, e produção para um mercado
“cativo”) faz dela um fator extraordinário de monopolização e parasitismo econômico. A
fixação arbitrária de preços eleva artificialmente seus benefícios, contra‐balançando a queda
tendencial da taxa de lucro, que a própria indústria militar acelera. Em fases deflacionárias, os
preços do “complexo industrial‐militar” mantêm a tendência inflacionária.
Em 1947, por outro lado, a União Soviética fez os testes de sua primeira bomba atômica. Este
fato marcou o antagonismo crescente entre este país e os EUA, resultando na “guerra fria”,
corrida armamentista baseada no poder nuclear. Nos quarenta anos que se seguiram, os
principais protagonistas acumularam capacidade nuclear suficiente para destruir todo o
planeta várias vezes, além de se tornarem grandes produtores e exportadores de armamentos
não nucleares. O contexto em que se insere o período de prosperidade e crescimento, que vai
do pós‐guerra até o início dos anos 70, teve sua especificidade delineada pela lógica da “guerra
fria”: um mundo dividido ideologicamente em dois sistemas econômicos e políticos, capitalista
e socialista, sob as lideranças dos EUA e da União Soviética. A polarização política e econômica
dos blocos antagonistas estabelece o referencial ideológico com que seriam introduzidos no
discurso econômico ocidental o Welfare State e suas regulamentações sociais, com a aceitação
do papel do estado como regulador, planejador, produtor ou coordenador de investimentos.
José Martins pontuou: “O verdadeiro problema é que o regime capitalista tem que
desenvolver a produção de algum tipo de valor de uso cujo consumo impeça o seu retorno
para a esfera produtiva, cujo consumo faça com que ele desapareça na própria circulação do
capital. Esses antibióticos contra a superprodução são justamente aquelas mercadorias que
não podem ser consumidas nem como meios de produção, nem como meios de reprodução da
força de trabalho. Deve‐se lembrar que a produção dessas mercadorias é capaz de elevar a
taxa geral de lucro sem alterar a produtividade da força de trabalho, quer dizer, a taxa de mais
valia. As modernas formas de consumo improdutivo, individuais (bens de luxo) ou estatais
(armamentos) mostraram‐se, historicamente, as mais adequadas para cumprir esse papel”.
Mas, se o boom armamentista motorizou a economia até certo nível, foi depois sob influência
das forças do mercado que a expansão prosseguiu. Tratou‐se, a partir de então, de uma
expansão capitalista “normal”: a multiplicação das indústrias de bens de produção e o
desenvolvimento do mercado civil eram as condições que permitiam realizar a mais‐valia.
Em 1963, Harry Magdoff calculava que os armamentos compreendiam 36% dos bens de
consumo duráveis produzidos anualmente (nos EUA). A importância do gasto armamentista
foi tal que Joan Robinson declarava, em 1962, que “uma seqüência de 17 anos sem uma
recessão mundial séria é uma experiência inédita para o capitalismo (mas) não se provou que
as recessões possam ser evitadas, exceto pelos dispêndios em armamentos, e como, para
justificar as armas, a tensão internacional tem de ser mantida, parece que o tratamento é
muito pior do que a doença”. Essa tensão internacional ‐ EUA vs. URSS, ou “comunismo versus
mundo livre”‐ forneceria justamente o álibi ideológico para os golpes militares latino‐
americanos. O armamentismo não teve, portanto, só um papel econômico, mas também
político, do ponto de vista da hegemonia continental e mundial dos EUA.
21
Na América Latina, o papel preponderante foi assumido pelos institutos políticos dos EUA,
pelos pactos bilaterais ou pelos tratados regionais, sob patrocínio norte‐americano.18 Era um
método de dominação mais barato, porque evitava a custosa (e arriscada) tarefa de manter
permanentemente tropas nos territórios considerados como de "interesse vital" (embora a
ocupação direta fosse sempre o último recurso, como o demonstrou a lista de intervenções
militares, as bases militares disseminadas pelo mundo). Depois da guerra mundial, a pressão
política e militar sobre América Latina completou‐se com a assinatura (1947) do Tratado Inter‐
americano de Assistência Recíproca (TIAR), prevendo o direito de intervenção militar em
qualquer país latino‐americano em caso de agressão externa. A República Dominicana foi
vitima em 1965 desse tratado, quando foi invadida pelos marines, travestidos em soldados da
OEA.
O gasto armamentista, além disso, ao concentrar percentagens cada vez maiores do avanço
científico e tecnológico, propiciava atividades intensivas em capital (constante, ou seja,
máquinas e equipamentos), o que conclui acelerando a queda tendencial da taxa de lucro, isto
é, a quantidade cada vez menor de mais‐valia extraída em relação ao capital total. Preparava,
também, a chamada “exclusão social”, o crescente desemprego de trabalhadores não
qualificados. Para eles a indústria armamentista, que tem uma pronunciada tendência à
qualificação, era um território particularmente inóspito: nos EUA essas indústrias usavam
proporcionalmente 23% a mais de trabalho de profissionais especializados, 69% a mais de
trabalho qualificado e 25% a mais de trabalho semi‐qualificado do que a indústria em geral. A
crise do “modelo” estava, portanto, inscrita em seu nascedouro. A proporção entre a renda
dos 20% mais ricos da população mundial, e dos 20% mais pobres, cresceu de 30 a 1 em 1960,
para 78 a 1 em 1994.
Inflação e Desequilíbrios
Nas economias centrais, o gasto público garantiu o pleno emprego que vigorou durante mais
de duas décadas. De um lado, o aumento da produtividade tendia, em que pese a rapidez da
expansão econômica, a diminuir o ritmo de crescimento do emprego produtivo, mas, por
outro lado, os pedidos do Estado e o consumo das camadas improdutivas faziam recuar os
limites da realização da mais‐valia. A extensão do trabalho improdutivo, e do gasto público
aplicado em atividades que não produziam valor, compensava as tendências ao inchaço do
desemprego estrutural induzido pela elevação da produtividade.
O financiamento público da produção, por outro lado, gerou a inflação que se transformou,
para o capital, num meio de prosseguir e intensificar a acumulação, independentemente dos
obstáculos criados pelas flutuações conjunturais. Numa época dominada pela extensão dos
cartéis internacionais e das firmas multinacionais no mercado dos principais produtos (em
geral, de quatro a seis empresas abocanhavam 60‐80% da produção) a inflação virou um
imposto privado que o capital percebia dos consumidores, pelo desaparecimento da
concorrência de preços. Altas taxas de inflação dão origem a uma luta mais aguda para manter
padrões de vida. Na década de 1950, a inflação nos países “desenvolvidos” era, em média, de
2% anual; pulou para 4% na década de 1960; entre 1969 e 1973, subiu para 6,4% na Europa, e
4,9% nos EUA, quando, segundo Michel Aglietta, passou‐se “da inflação reptante para a
inflação cumulativa”.
Friedman e os monetaristas atribuíram a aceleração da inflação nos anos posteriores à Guerra
da Coréia às tentativas dos governos de manter o desemprego abaixo da taxa "natural", à qual
18
Foi criada, por exemplo, a Escola Militar do Caribe (posteriormente School of Americas) na zona do Canal de
Panamá, escola que desde 1961 teve o centro das suas atividades no treino “contra‐insurgente” dos oficiais latino‐
americanos. A economia de esforços que este investimento militar significava para os EUA está ilustrada por estas
cifras, de 1967: o custo médio de um soldado norte‐americano era de 5.400 dólares, o de um das forças armadas
“complementares”, 540.
22
a economia supostamente se ajustaria (o emprego da palavra "natural" considera o
capitalismo como sistema econômico inevitável). O nível relativamente alto do emprego no
mundo capitalista nos vinte e cinco posteriores à guerra mundial foi certamente um fator para
acelerar a inflação ‐ embora variem as opiniões sobre quanto peso se deveria atribuir aos
aspectos mais estruturais do pleno emprego, tais como o poder crescente e a confiança das
organizações sindicais contra o funcionamento automático do mercado.
Friedman elaborou uma teoria sugerindo que o alto nível de emprego era na verdade contrário
aos interesses da classe trabalhadora porque, segundo ele, seria mais lucrativo ao capitalista
empregar mais mão de obra que a compatível com a "taxa natural" de desemprego apenas se
os salários reais caíssem. Para Friedman todas as formas de “política de renda” eram
irrelevantes, desde que a inflação dependia apenas das forças básicas do mercado; os
“inflacionistas de custo”, por sua vez, depositaram esperanças na possibilidade de persuadir os
sindicatos a fazer reivindicações salariais mais modestas. Uma vez que tais políticas
“voluntárias” não tiveram êxito (e não se imagina como poderia ser o contrário) houve
exigência crescente, em países europeus, de que se combatesse mais diretamente o poder dos
sindicatos mediante restrições legais às suas atividades (o direito de organizar piquetes, etc.)
ou imposição de penalidades financeiras aos grevistas: sugeriu‐se que os grevistas perdessem
o direito às pensões por desemprego, que os benefícios da previdência social às famílias dos
mesmos fossem considerados como dívidas, que o salário do grevista fosse tributado em 50%
etc. Essas tentativas (mal‐sucedidas) para reduzir a força da classe trabalhadora eram
consideradas como mera remoção de imperfeições anteriores ao “sistema de mercado”.
Se o Banco Mundial “seguia” a situação dos países “subdesenvolvidos”, a OCSE, Organização
para a Cooperação e Segurança Econômica nasceu em 1960 em Paris dos trabalhos
preparatórios, conduzidos na gestão dos EUA do Plano Marshall, para o estabelecimento da
administração para a cooperação européia (OCDE) e americana (ECA). A OCSE passou a
coordenar os interesses dos 29 países mais desenvolvidos do mundo.
Este poder permitiu aos oligopólios obrigar à população, inclusive à de baixos recursos, a
praticar uma espécie de poupança forçada, a fixar (pela “formação ‐monopólica‐ dos preços”)
seu montante em função de seu programa de investimentos, e apropriá‐la sem reembolso
nem juros. A inflação virou um meio para intensificar a acumulação e ampliar suas bases
sociais, superposta aos mecanismos tradicionais (emissão de ações e obrigações, empréstimos
bancários) que centralizavam a poupança das classes médias para transformá‐la em capital,
obrigando toda a população a contribuir compulsoriamente para a acumulação capitalista.
As instituições multilaterais (FMI, BIRD e GATT) deram reforço adicional para a dominação
americana através da imposição de políticas econômicas ao conjunto da economia mundial.
Com os acordos de Bretton Woods, e com o dólar assumindo o papel central na economia
mundial, ficou clara a centralidade mundial dos capitais dos EUA. As instituições
supranacionais foram o reflexo desta nova hierarquia. O período entre o final da II Guerra
Mundial e o final dos anos sessenta caracterizou‐se assim por uma afirmação hegemônica do
capital dos EUA, que neste período atingiu o seu ápice.
Para garantir sua supremacia mundial, houve um forte desenvolvimento das firmas
multinacionais americanas, particularmente na Europa, mas este se revelou insuficiente: o
déficit crônico do balanço de pagamentos americano marcou um fracasso que ameaçava o
papel privilegiado do dólar no sistema monetário internacional (embora uma fração
importante dos investimentos de capitais norte‐americanos no estrangeiro, tanto na Europa
ocidental como nos países semi‐coloniais, não ocasionasse transferências reais de capitais dos
EUA, sendo financiada por capitais de empréstimo, no local).
23
Os EUA, detentores da moeda de reserva, seguiram uma ampla política de investimentos no
exterior com um déficit sistemático do balanço de pagamentos. As despesas "invisíveis"
cronicamente deficitárias eram uma das causas do déficit crônico da balança de pagamentos
dos Estados Unidos. Dentre elas é necessário mencionar, em primeiro lugar, as despesas
militares no estrangeiro. Por bastante tempo, esse déficit foi de fraca dimensão devido aos
excedentes comerciais dos EUA: mais de seis bilhões de dólares em 1964, ano de seu apogeu.
Estes excedentes conseguiam compensar as despesas militares da manutenção da política
externa intervencionista, e permitiam, por outro lado, um grande investimento no exterior.
Mas a repatriação dos lucros das empresas dos EUA no exterior, para equilibrar o balanço de
pagamentos, não aconteceu: devido à crescente estagnação da economia dos EUA, os lucros
foram crescentemente reinvestidos na própria área do investimento externo. E o superávit
comercial foi se extinguindo, até desaparecer em 1971.19
Crescimento Mundial e Miragens Econômicas
Nesse quadro se produziram, simultaneamente, uma trans‐nacionalização da economia
mundial, e um crescimento sustentado sem precedentes do comércio internacional. Nos EUA,
as importações líquidas como percentagem do consumo aumentaram de ‐3,1% em 1910‐19
para 5,65% em 1945‐49, e 14% em 1961. Na década de 1950, o comércio mundial cresceu a
um ritmo de 6% anual, chegando a 7,5% na década de 1960, com um recorde de 9,5% em
1963‐66. Para Michael Kidron, "foi o comércio a chave para a economia de pós‐guerra". No
total, entre 1950 e 1970, o comércio mundial cresceu em 350%, enquanto a produção mundial
crescia 200%. No período 1950‐1973 o aumento das trocas mundiais foi da ordem de 8% ao
ano em valores reais, acompanhado de mudanças no tamanho relativo das economias
nacionais.
O "sistema de Bretton Woods" apenas funcionou durante um espaço de tempo estritamente
limitado. Muitos países, em especial os europeus, não aderiram a um regime de livre
conversibilidade senão no final dos anos 1950, depois que alguns deles (a França e a Grã‐
Bretanha, por exemplo) realizaram, sem a autorização do FMI, desvalorizações cambiais
importantes, muitas vezes maiores que os limites autorizados no convênio constitutivo do
Fundo. A rigor, o modelo de paridades fixas e controladas pelo FMI só vigorou no decorrer dos
anos 60, quando outros problemas se acumularam, como os déficits contínuos nas transações
correntes dos EUA, que imprimiram mais dólares do que suas reservas em ouro poderiam
suportar.
19
Isto acabaria impondo a desvalorização do dólar como única saída para não comprometer um sistema monetário
internacional através do qual os EUA exploravam o mundo.
24
No início dos anos 1960, a ausência de recursos suficientes para que o FMI lidasse com crises
financeiras nos próprios países desenvolvidos ‐ como a crise da libra esterlina em 1960‐61 ‐ fez
com que "acordos gerais de empréstimos" fossem negociados entre os principais bancos
centrais, dando origem ao chamado “Grupo dos Dez”. Desde meados dessa década, o governo
americano solicitou a seus parceiros superavitários que contivessem dentro de estritos limites
a conversão em ouro de suas enormes reservas em dólar, no que foram atendidos por países
complacentes (e dependentes militarmente) como a Alemanha e o Japão, mas contestados por
"dissidentes" como a França. Outros problemas eram representados pela ausência de liquidez
internacional para responder ao crescimento do comércio mundial, por exemplo, o que se
tentou contornar pela criação de uma nova moeda de referência internacional, o “direito
especial de saque” (DES), em decisão adotada durante a conferência do FMI realizada no Rio
de Janeiro em 1967.
Os participantes mundiais que mais dinamizaram o período foram os países da Europa
Ocidental e o Japão. A reconstrução no período de pós‐guerra e a guerra da Coréia
estimularam as exportações japonesas e européias. Europa se integrou em um bloco regional
através dos Tratados da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951), da Comunidade
Européia de Energia Atômica (1957) e da Comunidade Econômica Européia (1957), o que
viabilizou um grande crescimento do comércio intra‐regional, que representava 18,3% do
comércio mundial em 1953, passando para 31,2% em 1973. Nesse período, a taxa do comércio
europeu com terceiros países foi inferior ao crescimento do comércio mundial. Os países
capitalistas da Europa tinham por sua conta mais de 50% das exportações mundiais. Mesmo
eliminada desta quantidade as trocas intra‐Mercado Comum, a percentagem era superior a
40%. Segundo Ekkehart Krippendorf, “a Comunidade Econômica Européia constituiu a
manifestação concreta das tensões e conflitos concorrentes entre o capital americano e
europeu (mas que eram) frutos do triunfal esforço americano por reconstruir o capitalismo na
Europa ocidental dentro de um mercado maior, moderno e politicamente adequado”, o que
equivale a descrever o tiro que saiu pela culatra.
Nesse período, a economia dos EUA, durante o mítico “longo boom” do pós‐guerra, não foi
poupada de crises: entre 1947 e 1949 e a produção industrial caiu, em média, 1,84% ao ano;
em 1954, a queda foi de 5,80%; em 1958 foi de 6,41. O mais, importante, porém, foi a sua
crescente perda de competitividade em relação à Europa e à Ásia “emergente”, que se
revelaria de modo violento a partir da década de 1970.
A economia japonesa expandiu‐se rapidamente de meados dos anos 1950 até a década de
1960, tendo sofrido só duas breves recessões, em 1962 e em 1965. A taxa média de
crescimento anual esteve próxima dos 11% em termos reais, durante a década de 1960.
Compare‐se isto com os 4,6% da República Federal da Alemanha e os 4,3% dos EUA, no
período de 1960 a 1972. Essa taxa também ficou bem acima do dobro da média da taxa de
crescimento do próprio Japão de antes da guerra, que era cerca de 4% ao ano. A rápida
expansão japonesa foi impulsionada pelo investimento da indústria privada em novas fábricas
e equipamentos. O elevado nível de poupança das famílias proporcionou aos bancos, e outras
instituições financeiras, amplos recursos para um pesado investimento no setor privado. O
aumento dos gastos de capital foi associado com a introdução de novas tecnologias, muitas
vezes sob licença de empresas estrangeiras. O investimento para a modernização tornou as
indústrias japonesas mais competitivas no mercado mundial, criou novos produtos, deu às
empresas japonesas as vantagens da produção em massa e melhorou a produtividade. Em
1968 o Japão chegou ao segundo lugar mundial, atrás apenas dos EUA, em termos de PIB
(excluídos os países socialistas).20
20
Para um PIB mundial de pouco mais de US$ 50 trilhões, em 2007, o PIB do Japão era de US$ 4,272 trilhões, o da
Alemanha de 2,807 trilhões, o da França de 2,075 trilhões, o da Itália 1,8 trilhões, o da Espanha 1,361 trilhões, o da
25
A conseqüência foi a rápida recuperação do comércio externo dos países aliados e o forte
aumento das importações norte‐americanas. Aos poucos o superávit na conta de transações
correntes dos EUA foi diminuindo até em 1971 apresentar seu primeiro déficit. À medida que o
fortalecimento dos países aliados se consolidava, surgiam questionamentos quanto à liderança
dos EUA. A partir de fevereiro 1965, a França passou a questionar o papel do dólar como meio
de pagamento internacional: o presidente Charles de Gaulle reclamou do exorbitant privilège
dos EUA no sistema monetário internacional, da capacidade exclusiva dos EUA de financiar
seus déficits no balanço de pagamentos na sua própria moeda, e propunha a ampliação do
papel do ouro no sistema internacional. Desde o início do seu mandato colocou a culpa na
entrada de dólares pela inflação na França: afirmando que não estaria mais obrigado a aceitar
a moeda norte‐americana, a França passou a trocar seus dólares excedentes pelo ouro de Fort
Knox.
A partir da década de 1960, foi a vez das economias asiáticas, especialmente Hong Kong,
Taiwan, Malásia, Coréia do Sul, Singapura e Tailândia (os chamados new industrial countries –
NICs), que adotaram uma política comercial orientada para as exportações. Entre 1963 e 1983
a proporção das exportações mundiais de mercadorias procedentes dessas economias
aumentou de 2,4% para 9,7%, com mercadorias têxteis no início e depois com a exportação de
produtos eletrônicos e de tecnologia de informação. Os chamados “Tigres Asiáticos”
(Singapura, Hong‐Kong, Coréia e Taiwan) passaram, ao longo de trinta anos, de países
“subdesenvolvidos” a “desenvolvidos”, com taxas de crescimento médias do PIB próximas dos
6% durante décadas. A esse grupo de países juntam‐se o Japão, Malásia, Tailândia e
Indonésia.21 Os “Tigres” são países pequenos ‐ Hong‐Kong e Cingapura representam um caso
especial de cidades‐estados – ou postos numa situação geopolítica única (Coréia do Sul). A
política industrial no Japão, Coréia e Taiwan esteve longe do liberalismo.
Renda per População Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Coef. Taxa
capita 1992 (em crescimento crescimento crescimento investimento C/Y abertura
(US$) 1993 milhares) Ppc (60- PIB (65-80) PIB (80-92) % (Ex/PIB)%
88)
Japão 21.090 124.318 5,6 7,1 4,1 32 7,8 10
Cingapura 20.470 2.814 5,9 10,7 6,7 41 6,1 174
Hong-Kong 21.670 5.805 6,4 8,6 5,6 29 5,2 144
Taiwan 9.243 21.125 6,6 9,6 8,5 36 4,2 65
Coreia 9.810 43.663 6,4 9,8 9,2 39 4,2 29
Malasia 8.630 18.610 3,5 7,3 5,9 34 5,8 78
Tailândia 6.390 57.992 3,9 7,5 8,2 40 4,9 36
Indonésia 3.140 184.274 5,5 7,7 5,7 35 6,1 29
Holanda 0,645 trilhões, o da Bélgica 0,376 trilhões, o da Suíça 0,303 trilhões, o da Dinamarca 0,203 trilhões, o da
Finlândia 0,188 trilhões.
21
No início da década de 1960, países como a Coréia eram mais pobres do que muitos países da África a Sul do
Saara. Desde então, os países do Leste asiático cresceram mais rapidamente que qualquer outra região do mundo, e
deixaram para trás países como a Argentina, México e Brasil. Este grupo de países passou a ser conhecido como
“Economias Asiáticas Altamente Performantes" (EAAP). Em termos de poder de compra constante (PPP), os “Tigres
Asiáticos” multiplicaram seu de rendimento per capita, entre 1960 e 1985, por um fator superior a quatro,
enquanto em dólares correntes atingiram um aumento superior a dez vezes entre 1960 e 1990.
26
mobilidade do capital financeiro era mais limitada, as taxas de câmbio eram fixas.22 No final do
período, entre 1968 e 1973, houve uma grande expansão dos investidores em mercados
estrangeiros.
Em 1960, oito bancos americanos tinham 124 filiais no exterior, com ativos avaliados em US$
12 bilhões. Em 1970, 79 bancos americanos tinham 532 filiais no exterior, cujos ativos
somavam US$ 145 bilhões. A década de 1970 testemunhou o rápido crescimento das filiais
multinacionais e da atividade bancária com euromoedas. A expansão internacional dos bancos
americanos continuou e, por volta de 1980, havia 159 bancos americanos com 787 filiais, e
ativos de US$ 311 bilhões. O montante dos ativos estrangeiros de bancos internacionais
aumentou, entre 1970 e 1982, de US$ 92 bilhões para US$ 1,513 trilhões, com uma taxa de
crescimento anual médio de 22%.23 A "super‐capitalização” nos países imperialistas
evidenciava a existência de vários bilhões de dólares não investidos a longo prazo, que só
procuravam lucros rápidos e que eram transferidos rapidamente de um país para outro em
função da taxa de lucro obtida e das previsões de flutuações de poder de compradas diversas
moedas nacionais: este hot money foi acusado por algumas das numerosas borrascas que
atingiram a libra esterlina desde o fim da Segunda Guerra Mundial.24
A segunda categoria de movimentos internacionais de capital estava ligada às grandes
multinacionais, com ramificações em grande número de países, e dimensões gigantescas (a
totalidade anual dos seus negócios já ultrapassava o orçamento de qualquer Estado capitalista
médio), com transferências de dezenas de milhões de dólares, provocando importantes
flutuações do valor das divisas, sempre que estivesse à vista a menor ameaça de
desvalorização monetária. Até mesmo uma flutuação da taxa de câmbio de 2% podia
representar um ganho ou uma perda de milhões de dólares para uma firma com grandes
reservas líquidas. O movimento especulativo, e aquele vinculado à concentração internacional
de capitais, não eram basicamente diferentes, e possuíam tendência para se interpenetrarem.
Um desequilíbrio de fundo se perfilava: quando as autoridades monetárias dos países
industrializados apresentassem a moeda norte‐americana para transformá‐la (convertê‐la) em
ouro, ao preço oficial de US$ 35 a onça, o Acordo de Bretton Woods vacilaria. As reservas em
ouro dos Estados Unidos caíram de 653 milhões de onças, em fins de 1957, para 509 milhões,
em 1960. O sistema de Bretton Woods, que em 1958 apenas começava a funcionar, já estava
falindo em 1960. Segundo Triffin, "se os bancos centrais tivessem reagido ao problema do
dólar como fizeram com a libra esterlina em 1931, teria sido em 1960, ou logo em seguida, que
a convertibilidade do dólar teria que ter sido suspensa. O dólar sobreviveu mais de dez anos
como moeda dominante somente graças a sua crescente não‐conversibilidade de facto, que
todos julgavam do próprio interesse não forçar os EUA a declararem de jure”.
Os bancos centrais aceitaram deter dólares enquanto tinham confiança de que podiam
convertê‐los em ouro à paridade de US$ 35 a onça. A expansão do comércio internacional
acarretou para eles maior necessidade de reservas em dólares, o que exigia um déficit no
22
Embora, para Keynes: “Determinamos continuar controlando nossa taxa interna de juros, de modo que possamos
mantê‐la tão baixa como melhor convenha a nossos próprios fins, sem interferência dos vai e vem dos movimentos
internacionais de capitais ou fugas de capital especulativo”. Nos estatutos de Bretton Woods, o artigo VI confirmava
a opção dos Estados nacionais de controlar os fluxos internacionais de capitais para evitar desarranjos nos
mercados cambiais: “os membros poderão exercer todos os controles necessários para regular os movimentos
internacionais de capitais”. Este arranjo institucional internacional se coadunava com as políticas econômicas
nacionais centradas no intervencionismo estatal, encarregado de prevenir flutuações bruscas e incertezas inerentes
ao funcionamento dos diversos mercados.
23
A crise internacional da dívida, em 1982, desencadeou uma redução do ritmo de crescimento dos ativos em
moeda estrangeira dos bancos internacionais e da criação de filiais multinacionais.
24
Para vários países semi‐coloniais, que gravitavam na zona de influência do imperialismo britânico, principalmente
alguns países árabes, grandes exportadores de petróleo, a desvalorização da libra esterlina em novembro de 1967
significou que o valor das reservas de troca que tinham acumulado foi seriamente amputado de um só golpe.
27
balanço de pagamentos dos EUA. Mas as taxas de expansão das reservas em ouro dos EUA não
acompanharam a taxa de acumulação de dólares no exterior. A crescente inevitabilidade de
uma desvalorização da moeda americana minou a confiança no sistema. Países como
Alemanha e Japão, com superávits no balanço de pagamentos, relutavam em valorizar suas
moedas, o que reduziria a competitividade de suas exportações. A manutenção de taxas de
câmbio fixas, em situação de desequilíbrios persistentes de balanço de pagamentos, tornar‐se‐
ia insustentável.
A crise política (eventualmente revolucionária) começou a virar também fator de crise
econômica: bruscos movimentos de capitais (ultrapassando três bilhões de dólares) fizeram a
viagem Paris‐Zurique e Paris‐Frankfurt desde maio de 1968, depois da greve geral, e
ocasionaram a crise monetária de novembro de 1968.25 Desde maio de 1968 a situação
competitiva da indústria francesa deteriorou‐se fortemente, pelo crescimento dos custos
salariais, ou pela inflação acelerada, com um déficit acentuado da balança comercial.
Mundialmente, os anos 1967‐68 marcaram uma acentuação da luta operária e popular: a
“Comuna de Xangai” (janeiro de 1967), durante a “revolução cultural” chinesa, a Assembléia
Popular na Bolívia de 1970‐71, as mobilizações revolucionárias na América Latina nas décadas
de 1960 e 70, no esteio da revolução cubana de 1959‐61. Na Europa ocidental, o proletariado
protagonizou situações revolucionárias, desde o maio francês de 1968, passando pelo “outono
quente” italiano (1969) até a revolução portuguesa (1974‐75). Nos próprios EUA, uma grande
quantidade de conflitos ocorreu entre o trabalho e o capital a partir da década de 1950, com a
juventude protagonizando uma maciça mobilização anti‐bélica a partir de 1968.
Tecnologia e Regulação
Os “trinta anos gloriosos” da economia capitalista mundial de pós‐guerra foram explicados
pela “terceira revolução tecnológica”, com o controle generalizado das máquinas por
aparelhagem eletrônica, bem como pela lenta introdução da energia nuclear. Mas o que
dominou a expansão pós 1945 foi a produção de bens duráveis de consumo (automóvel,
televisão, discos), de meios de transporte (navios de grande porte e aviões a jato),
armamentos, mecanização da construção civil, etc. Ou seja, um desdobramento
“modernizado” de ramos da produção que já se encontravam presentes na fase precedente,
não uma nova revolução tecnológica.26 Segundo Ernest Mandel: “Essa expansão (boom do pós‐
guerra) tinha dado um impulso poderoso a um novo avanço das forças produtivas, a uma nova
revolução tecnológica. Propiciou um novo salto para a concentração de capitais e a
internacionalização da produção, as forças produtivas ultrapassando cada vez mais os limites
do Estado burguês nacional (tendência que começou a se manifestar desde o início do século,
mas que se amplificou consideravelmente desde 1948)”.
David Landes questionou “a aparente ruptura representada pelas taxas mais altas de
crescimento do período após‐guerra. Que há no curso do desenvolvimento tecnológico para
explicar essa ruptura? A resposta pode ser: nada, ou quase nada. Certamente, não há
dificuldade em enumerar um conjunto de novos produtos e processos. Mas a maioria deles
25
O imperialismo norte‐americano não foi poupado pela onda revolucionária desse ano: em janeiro de 1968,
durante as comemorações do Ano Novo Lunar (Tet) no calendário vietnamita, tropas do Exército norte‐vietnamita e
guerrilheiros vietcongues efetuaram uma ofensiva coordenada, com 84.000 efetivos, atacando simultaneamente
cinco grandes cidades, 36 capitais de província, 64 capitais de distrito e cinqüenta aldeias, de norte a sul do Vietnã,
governado por um agente das tropas e do governo dos EUA (Johnson‐Kissinger). Embora a ofensiva fosse um
fracasso militar, marcou uma virada no conflito, que se constituiria no maior desastre bélico dos EUA no pós‐guerra.
26
Em explicação da onda expansiva do pós‐guerra, Ernest Mandel argumentou que “dois fatores decisivos explicam
a ‘onda longa com tonalidade básica expansiva’ desenvolvida desde 1940‐1945 até 1966: 1) as derrotas históricas
dos trabalhadores, que permitiram ao fascismo e à guerra elevar a taxa de mais‐valia; 2) o incremento resultante na
acumulação de capital (investimentos) conjuntamente com o ritmo acelerado de inovação tecnológica e a redução
do tempo de rotação do capital fixo, que levaram na terceira revolução industrial a uma expansão no longo prazo
do mercado, para a extensão da reprodução do capital numa escala internacional”.
28
remonta aos anos do entre ‐ guerras. Por mais que os gastos com pesquisa e desenvolvimento
tenham aumentado desde 1945, não está claro que eles tenham aumentado
significativamente mais depressa do que numa ou duas gerações anteriores. Além disso, tanto
quanto os avanços tecnológicos dos anos do após‐guerra apóiam‐se numa base científica, trata
de uma base química e elétrica que remonta a um século atrás, ou mais até... Que provas
incontestáveis existem de uma ligação, durante esses anos, entre a ciência, num extremo, e a
expansão econômica, no outro? A resposta é: não muitas e, mesmo assim, irregulares.
Praticamente, o melhor que se pode fazer é apontar para uma correlação entre os gastos com
P&D e as taxas de crescimento das diferentes indústrias”.
Foi postulado que o “ciclo virtuoso dos anos dourados” se estruturou a partir da “sinergia
entre os aumentos de produtividade, dos salários reais e da geração de empregos”. Para
Mattos, “a associação de fatores técnico‐produtivos (oligopolização dos mercados, ganhos de
escala, investimentos frente à demanda, preços rígidos à baixa, rentabilidade e produtividade
crescente nos setores líderes, vendas em ascensão) com fatores políticos (salários reais
crescentes, definidos no âmbito das negociações coletivas entre capital e trabalho), fatores
sociais (Estado transferindo renda para os excluídos do mercado de trabalho organizado e
investido na área social) e institucionais (moeda‐crédito internacional estável e abundante)
gerou um ciclo virtuoso de crescimento durante mais de vinte anos”.
A “escola da regulação” francesa preferiu concentrar‐se nos elementos “estatísticos”, ou de
adaptação, do capitalismo, a partir do estudo de Michel Aglietta, Régulation et Crise du
Capitalisme, centrado no caso norte‐americano. O chamado “regime de acumulação”
explicaria a adaptabilidade do capitalismo a situações históricas diversas. O “fordismo” seria
baseado na produção em massa de produtos homogêneos, utilizando a tecnologia rígida da
linha de montagem, com máquinas especializadas e rotinas de trabalho padronizadas
(taylorista). Conseguia‐se uma maior produtividade através das economias de escala, assim
como da desqualificação, intensificação e homogeneização do trabalho. Isto dera origem ao
trabalhador de massa, organizado em sindicatos burocráticos, que negociam salários
uniformes que crescem em proporção aos aumentos na produtividade. Os padrões de
consumo homogêneos refletiriam a homogeneização da produção, e forneceriam um mercado
para os bens de consumo padronizados, enquanto os salários mais altos ofereceriam uma
demanda crescente para fazer face à oferta crescente. O equilíbrio geral entre a oferta e a
procura fora, assim, atingido por meio de políticas keynesianas, enquanto o equilíbrio geral
entre salários e lucros se alcançaria através de acordos coletivos supervisionados pelo Estado.
A educação, treinamento, socialização, do operariado de massa fora organizada através das
instituições de massa de um Welfare State burocrático. Coletivamente, estas instituições, que
surgiram na década de 1950, definiram um círculo virtuoso de nível de vida crescente e
produtividade crescente, salários em aumento e lucros em aumento, estabilidade econômica e
harmonia social.
A expansão, na verdade, não se baseou no livre e espontâneo desenvolvimento das forças
produtivas capitalistas, mas na intervenção externa do Estado, como consumidor e como
financiador do consumo, seja do consumo pessoal nos velhos países capitalistas ou da
industrialização artificial das nações atrasadas. A primeira experiência em grande escala deste
tipo tinha tido lugar nos EUA na década de 1930, como meio para tirar a economia norte‐
americana da depressão, e tinha sido consagrada teoricamente pela “teoria” keynesiana que,
fazendo da necessidade virtude, glorificou a política intervencionista ex post facto.
Segundo a crença geral, como notou a “escola da regulação”, nos EUA, o que devia fazer‐se era
aumentar os salários na indústria em geral. O maior poder de compra que isto gerava
constituiria o mercado necessário para a recuperação e para estimular os empresários a
aumentar a produção e a ocupação. Segundo John Estay: “Este ponto de vista encontrava um
grande apoio popular, e era a panacéia favorita para restabelecer os bons tempos. Foi
29
prontamente aceita pelos políticos e de forma entusiasta pelos líderes operários. Teve um
papel importante na política econômica do New Deal, enormemente influenciada pelos pontos
de vista dos teóricos do subconsumo. Encontrou sua expressão concreta na política de salários
da Lei de Recuperação Nacional da Indústria, na Lei de Salários e Horas que estabeleceu um
mínimo de salários e um máximo de horas e na ajuda prestada pelo New Deal à recuperação e
expansão dos sindicatos”.
A intervenção do Estado na política salarial, generalizada nos países capitalistas no segundo
pós‐guerra, exigiu um grau inédito de integração dos sindicatos ao Estado (e reforçou a
“aristocracia operária” nos países imperialistas). A intervenção estatal como garantia do ciclo
do capital em seu conjunto foi particularmente marcante na Europa, onde o primeiro
problema que se apresentou no pós‐guerra foi o de reparar as devastações produzidas durante
o conflito. Em todo o continente a destruição material havia sido enorme e havia existido
muito pouco investimento neto. Ao mesmo tempo havia existido tal progresso nas técnicas e
produtos industriais durante a guerra, especialmente nos EUA, que voltar simplesmente aos
esquemas pré‐bélicos teria deixado a Europa a mercê dos EUA nos aspectos econômicos
tradicionais, e do “novo gigante russo” nos militares. Era particularmente importante ‐ e
custoso ‐ modernizar os serviços básicos de transporte e de energia, dos quais dependia a
recuperação (eles haviam protagonizado os debates sobre a propriedade pública antes da
guerra) e coordená‐los a nível nacional. Esses setores foram objeto da primeira onda de
nacionalizações que ocorreu depois da guerra.
“Trinta anos gloriosos”: Indonésia
O Caminho para a Crise
Mas, em 1966‐65, os índices oficiais da economia norte‐americana, representativos dos lucros,
das reservas internacionais, da utilização da capacidade instalada, do nível de emprego,
atingiram seu ponto de inflexão. No qüinqüênio de 1965‐66 a 1970‐71, a taxa de utilização da
capacidade instalada nos EUA caiu 23%, e a taxa de desemprego subiu 29%; os lucros também
caíram vertiginosamente. Nos países da OCDE, a capacidade ociosa da indústria foi de 30% em
média; as horas trabalhadas caíram 15%, a produtividade industrial diminuiu 5%, a produção
industrial contraiu‐se 15%, a demanda interna desceu 2%, o comércio exterior retraiu‐se 10%,
as taxas de juros bateram recordes e os preços ao consumidor aumentaram 15% em média.
Um regime de padrão‐ouro (ou padrão ouro‐dólar) condenava os preços a quedas
extremamente severas, enquanto durasse a fenda crescente entre a produtividade do trabalho
em estagnação nas minas auríferas e a produtividade do trabalho em rápida expansão no resto
da indústria: a expansão capitalista estava paralisada pelo valor elevado do ouro e os preços‐
ouro cada vez mais baixos da maior parte das mercadorias.27
A economia capitalista internacional conhecia uma "crise de liquidez internacional". Antes de
1940, a totalidade das reservas de troca de todos os países era mais ou menos igual ao valor
das importações anuais mundiais. Em 1964, estas reservas (das quais somente 60% em ouro)
27
Tendência secular: desde a I Guerra Mundial, se eliminada a inflação internacional, expressos em ouro, os preços
da maioria das mercadorias baixaram de maneira considerável.
30
não representavam já mais do que 43% das importações mundiais. Segundo Solomon: “A
grave queda do superávit comercial dos EUA em 1968 foi disfarçada por uma enorme melhoria
nas contas de capital”. A degradação das contas americanas era iminente; para financiar este
déficit o governo dos EUA começou a ampliar a emissão de dólares, criando problemas para os
demais países que tinham que emitir moeda para continuarem sobre a premissa de câmbio
fixo. Tais aumentos de emissões acabaram por criar fortes pressões inflacionárias: “O período
de 1965 a 1971 foi turbulento, revelando a necessidade de uma reforma no sistema monetário
internacional, e contribuiu em elevado grau para apressar o processo de crise”.
O estabelecimento de um duplo preço do ouro (o mercado livre particular, e o preço pago
pelos bancos centrais) em março de 1968, marcou uma primeira etapa do abandono do preço
de 35 dólares por onça, estabelecido em 1934. Esta reforma procurava expressar a inflação
generalizada, sem suprimir seus motivos. Os preços subiram (em papel‐moeda), enquanto o
preço do ouro permaneceu estável. No mesmo período se registrou um forte desenvolvimento
da produtividade do trabalho em quase todos os ramos industriais, sem que se tivesse
produzido nada de equivalente na indústria do ouro. A expectativa em um aumento no preço
do ouro (isto é, uma desvalorização do dólar) estimulou o entesouramento durante alguns
anos. Em 1966 e 1967 o equivalente de toda a produção de ouro do mundo capitalista entrou
mais nos cofres dos especuladores do que nas reservas dos bancos centrais.
A baixa no valor das mercadorias em relação ao valor do ouro exprimia‐se numa alta
acentuada dos seus preços: o papel‐moeda se encontrava em estado de inflação pronunciada.
O aumento do preço do ouro era uma desvalorização geral de todas as moedas relacionadas
com o padrão‐ouro. Era, para o imperialismo norte‐americano, uma desvalorização do dólar,
principalmente em relação a divisas como o marco alemão, o franco suíço, e até o yen e a lira
italiana. A camada industrial da burguesia dos EUA podia, com esta virada, reduzir a enorme
diferença dos seus gastos salariais em relação aos dos seus concorrentes imediatos e, por essa
via, fazer parar a alta inquietante das importações para o mercado norte‐americano, ao
mesmo tempo estimulando as exportações americanas.
A posição privilegiada que o dólar ocupara durante duas décadas no sistema monetário
internacional refletia a situação excepcional da economia norte‐americana e a força do seu
imperialismo no sistema capitalista internacional. Esta situação modificou‐se gradualmente,
com o declínio relativo dos EUA: a sua supremacia internacional sofria abalos. O superávit do
comércio exterior, de cerca de US$ 5 bilhões em 1960, despencara para um nível dez vezes
menor em 1969. As saídas de capitais, que em 1965 eram de US$ 5,7 bilhões, foram do dobro
em 1969. O alarme tocou: a reserva de ouro dos EUA era menor que o volume de dólares em
circulação fora do país. Europa e Japão viviam períodos de forte crescimento, se fechavam a
mercadorias dos EUA e viravam concorrentes. Os EUA também arcavam com o grosso das
despesas da "segurança" (guerra fria). Participaram da guerra da Coréia, mantinham tropas
nos principais pontos de conflitos potenciais e estavam prestes a se envolver na longa e
desastrosa aventura do Vietnã. Nas eleições presidenciais de 1960, com a chance de o
democrata John Kennedy vencer o republicano Richard Nixon, os investidores internacionais
ensaiaram uma corrida ao ouro, vendendo dólares. Esboçava‐se o caminho que levaria Nixon a
suspender a conversibilidade do dólar.
Não se podia planificar globalmente a moeda à escala mundial, à esfera da circulação, sem
planificar simultaneamente a produção. A combinação de uma "moeda dirigida" e a anarquia
da produção conduziu a uma inflação permanente em todos os países imperialistas. A crise do
sistema monetário internacional passou, por isso, a expressar a perspectiva de uma crise geral,
com convulsões que se sucederam a um ritmo cada vez mais acelerado: crise da libra esterlina
seguida da sua desvalorização em novembro de 1967; crise do dólar em março de 1968,
seguida do estabelecimento do duplo preço do ouro; crise do franco francês, acompanhada da
sua desvalorização dissimulada, revalorização do marco alemão e nova crise da libra esterlina
31
em novembro de 1968. A causa da inflação em dólar era o conjunto das medidas tendentes a
evitar uma crise econômica catastrófica: a política de armamento e de guerra, o aumento dos
créditos no sector privado, o endividamento crescente do Estado, das empresas e dos
particulares.
Havia, portanto uma contradição entre o dólar, instrumento anti‐cíclico nos EUA e no mundo
capitalista, por um lado, e moeda de reserva do sistema monetário internacional, por outro;
entre o dólar, meio de troca internacional, e o dólar, meio de pagamento internacional: no
primeiro papel, o dólar deveria ser tão abundante quanto possível, no segundo, deveria ser tão
estável quando possível. Os que vendiam e compravam produtos aos EUA estavam
interessados em um abastecimento abundante, até mesmo inflacionista, em dólares. Mas os
que possuíam bens em dólares (obrigações públicas e privadas, depósitos bancários, títulos de
seguros) estavam interessados na estabilidade do poder de compra do dólar. Os bancos
centrais em todo o mundo e a maior parte dos bancos particulares encontravam‐se na
segunda categoria; grande parte dos monopólios industriais estava incluída na primeira
(sobretudo quando endividados em dólares).
Segundo Robert Brenner, “o declínio do dinamismo do mundo capitalista desenvolvido esteve
enraizado numa forte queda das taxas de lucro, causada pela crônica tendência para a criação
de sobre‐capacidade no setor industrial mundial, que recua ao período do final dos anos 1960
e início dos anos 1970”. O desemprego aumentou de 3,5% em finais de 1969 para 5% no verão
de 1970. Por todo o ano de 1971, o desemprego girou em torno de 6,3 e 6,6% à medida que a
produção real declinava lentamente sob a política de “gradualismo” seguida pelo governo
Nixon. Mas o ímpeto altista dos preços e salários continuou, apesar da economia
relativamente frouxa e a elevada taxa de desemprego. Os preços ao consumidor subiram cerca
de 6% em 1970 e mais 4% em 1971. No qüinqüênio posterior (1970‐71 a 1975‐76) os lucros
subiram muito em relação aos salários e a utilização da capacidade instalada cresceu 10%, mas
o desemprego continuou crescendo, em 35%.
A exacerbação da luta de classes acompanhou a tendência para a crise, e a acentuou. Nos
primeiros vinte anos de pós‐guerra, apesar da forte expansão da produção, a reconstituição
contínua do exército de reserva industrial permitiu a manutenção de uma taxa de mais‐valia
bastante elevada. Os salários reais aumentavam com mais lentidão que a produtividade física.
Os lucros seguiam sendo elevados, apesar do aumento da composição orgânica do capital.
Tudo parecia caminhar no melhor dos mundos. No início da década de sessenta, a situação
começou a mudar. O exército de reserva industrial começa a diminuir estruturalmente (em
alguns países, a emigração e a expansão vertiginosa do emprego no setor de serviços foram
sua causa determinante; em outros, a própria amplitude da expansão industrial).
Os operários começaram a recuperar o atraso na divisão do bolo da prosperidade. Os salários
reais aumentaram mais rápido do que a produtividade física. A taxa de mais‐valia começou a
baixar. Com o incremento da composição orgânica do capital, a taxa de lucros se inclinou
perigosamente. Grã‐Bretanha, onde o pleno emprego havia sido alcançado e mantido tempo
antes, antecedeu estas mudanças. Abriu‐se, ao mesmo tempo, uma fase de competição
internacional exacerbada e de luta de classes acentuada. Cada potência imperialista tratou de
recuperar no mercado mundial o que perdia no mercado interno (o que mais se expandiu
foram as exportações alemãs e japonesas). Cada potência imperialista tratou de impor à sua
própria classe operária os gastos da corrida pelas exportações, mediante políticas de salários,
limitações voluntárias, impostos sobre os salários, e limitações do direito de greve.
Em meados da década de 1970, finalmente, se produziu a primeira queda da produção desde
1945: nos EUA, em 1974, a produção caiu 10,4%, a capacidade ociosa foi até 32% e o
desemprego situou‐se na casa dos 9%. Nas “recuperações” posteriores, essas quedas não
foram reabsorvidas. O resultado final da fase de expansão mundial seria o fim da
32
conversibilidade do dólar, a ameaça de perda da hegemonia industrial dos EUA, o novo papel
mundial da Alemanha e do Japão,28 a crise fiscal do Estado norte‐americano, a desvalorização
do dólar, a inflação nos países centrais, a expansão de um sistema monetário internacional
privado (eurodólares). A falta de rentabilidade do capital e a não realização da mais‐valia fazia
com que o ciclo acumulação capitalista não se cumprisse. Foi nos anos 1970 que se produziram
as duas grandes recessões capitalistas: de 1973 à 1975, chamada de “choque do petróleo”, e a
segunda em 1979, atingindo seu ponto mais alto em 1981, chamada de “segundo choque do
petróleo”.
Desvalorização, Desaceleração e Reação
A expansão prévia fora possibilitada, menos pelo livre desenvolvimento das forças produtivas
do capital, e mais pela intervenção extra‐econômica do Estado. A expansão longa do pós‐
guerra não teria se verificado sem a intervenção de poderosos processos reguladores, mais ou
menos intencionais, que alguns chamaram de “regulação monopolista”, com a a ação
específica do Estado. Tom Kemp já constatava, em plena expansão de pós‐guerra, os sintomas
de parasitismo na sua locomotiva norte‐americana: “A estagnação relativa da economia
americana se deve a que a própria natureza das relações capitalistas se opõe à realização
completa das potencialidades contidas no desenvolvimento das técnicas do século XX nas
forças produtivas. Num informe apresentado ao Congresso em 1961, os conselheiros
econômicos da presidência dos EUA notavam que se produzia uma cisão cada vez maior entre
o rendimento real e o rendimento potencial, cisão que provocava uma perda anual de 500
dólares por família americana (isto é, duas vezes o gasto em educação). O desperdício
provocado pelo regime capitalista ainda assim é bem inferior ao aumento dos recursos que
seria possível num regime de economia planejada”.
Através dos recursos políticos do Estado e por meio da centralização econômica, o capitalismo
encontrara os meios para superar conjunturalmente a crise. Esses meios extra‐econômicos,
não obstante, desnudavam um regime que sobrevivia para além de si mesmo: não eram as
forças produtivas do capital que, desenvolvendo‐se livremente, superavam os obstáculos ao
seu desenvolvimento, senão a intervenção de uma força exterior, do poder econômico do
Estado, das guerras (Coréia, Indochina e Vietnã, para limitarmo‐nos às protagonizadas pelos
EUA).29 A intervenção estatal, porém, possui limites para sustentar a expansão do ciclo do
28
A economia da Alemanha ocidental, depois da recessão de 1966‐67, encontrou‐se numa situação privilegiada. Os
preços permaneceram praticamente estáveis, sua capacidade concorrencial aumentou em relação aos seus
concorrentes "naturais", Grã‐Bretanha, Japão, França e Itália, e mais ainda em relação aos EUA: de junho de 1965 a
junho de 1969, o índice dos preços de consumo aumentou de 7 pontos na Alemanha, de 9 na Itália, de 10 nos EUA,
de 12 na França e de 14 na Grã‐Bretanha. Na Alemanha, a taxa de crescimento da massa monetária total, de 1962 a
1967, manteve‐se só 5% por cima da taxa de crescimento do PIB, enquanto em França a mesma alcançou 15%. Os
encargos militares e improdutivos na Alemanha que eram bastante mais fracos do que os de qualquer grande
potência imperialista, isto é, o mecanismo interno da inflação automática era mais moderado do que nas outras
potências. Finalmente, o marco alemão não era moeda de reserva e, por isso, estava mais ao abrigo do que outras
divisas de futuros movimentos especulativos: os capitais que se afastaram do franco francês e da libra esterlina se
orientaram para a Alemanha.
29
A Guerra da Coréia impôs a divisão do país, que perdura até hoje. Na Indochina, o decadente imperialismo
francês lutava contra a organização nacionalista indochinesa Vietminh (Liga para a Independência do Vietnã),
nascida em 1941 na resistência à ocupação japonesa. Somente depois da derrota francesa em Dien Bien Phu, os
franceses aceitaram negociar uma “independência”, que dividiria o país, constituindo o Vietnã do Norte
independente e o Vietnã do Sul, uma monarquia sob influencia francesa e americana. Na década de 1960, o
“pacifista” John Kennedy passou a enviar “especialistas militares” para “assessorar” o exército do Vietnã do Sul. Seu
sucessor, Lyndon Johnson, aumentou a escalada de guerra. Em agosto de 1964, o incidente do Golfo de Tonquim
(uma provocação dos EUA) justificaria a intervenção maciça. A guerra custaria mais de um milhão de vidas
vietnamitas e a morte 47 mil soldados americanos; outros 313 mil ficaram feridos, a um custo de US$ 200 bilhões. A
guerra só terminou em 1975, depois de intervenções dos EUA no Camboja e no Laos. Os EUA, no entanto, tinham
saído, oficialmente, da guerra em 1973. A lista de crimes cometida nesses países, sob ordem direta do Secretario de
Estado Kissinger, foi quase interminável: torturas, assassinatos, envenenamento massivo por meio do agente
33
capital. O gasto armamentista, de fato, mantém a demanda agregada, mas, em última análise,
utiliza a mais‐valia improdutivamente. Há cada vez menos mais‐valia disponível para as
crescentes exigências de renovação e expansão de capital constante, circulante e fixo. O limite
da “economia mista” era o ponto em que os gastos governamentais se apropriavam de uma
parte tão grande do valor, que muito pouco ficava disponível para continuar a acumulação de
capital privado.
Secretário de Estado Henry Kissinger, o intelectual bombardeador
Para Gianfranco Pala, “o contraste começou a se manifestar nos EUA a partir da metade dos
anos 1960. Por volta de 1965‐66 alguns índices relevantes da economia americana, como as
relações lucros‐salários e vendas‐insumos, ou a utilização dos investimentos, atingiram seu
ápice. Em 1970‐71 esses mesmos índices recomeçaram a aumentar, indicando os primeiros
sintomas, incertos e provisórios, da retomada do capital multinacional de base americana.
Contemporaneamente, o desemprego, que em 1966 tinha atingido seu nível mais baixo,
voltava a crescer vertiginosamente nos anos 1970”. No início dos anos 1970, o governo norte‐
americano buscou convencer os demais países a valorizarem suas moedas de forma
coordenada; assim, o dólar seria desvalorizado sem que o preço oficial do ouro em dólar
variasse. Os rivais comerciais, em especial Alemanha e Japão, não aceitaram. Por outro lado,
os EUA brecaram todas as propostas de reforma monetária que restringisse o papel do dólar
no sistema monetário internacional. Empresas e investidores tinham contraído empréstimos
aproveitando as taxas de juros mais altas na Europa do que nos EUA, e passaram o "mico" ‐ os
dólares ‐ para os bancos centrais europeus. Pelos acordos de Bretton Woods, eles deveriam
comprá‐los, mas não estavam mais dispostos a fazê‐lo.
Os lucros das empresas americanas declinaram a partir de 1965, e fracassaram nos seguintes
15 anos em recuperar seus níveis da década de 1960. O investimento neto anual acompanhou
essa tendência, caindo de uma média anual de 4% do PIB no período 1966‐70, para 3,1% em
1971‐75, e 2,9% em 1976‐80. A produtividade também: o aumento médio anual caiu de 2,45%
no período 1948‐73 para 0,08% (!) no período 1973‐79. Par Michel Beaud, também, os
elementos já estavam presentes no final da década de 1960 sob a forma de “aumento dos
custos, saturação dos mercados, acentuação da concorrência, o que criava a tendência para a
queda da rentabilidade (com o) esgotamento dos esquemas de acumulação dos anos 50 e 60
(saturação dos mercados e resistência do mundo do trabalho)”. E foi a partir dos sintomas de
crise acumulados desde a década de 1960 que os EUA começaram a quebrar a “ordem
econômica internacional” no sentido da “desregulamentação”: o suposto “neoliberalismo” da
década de 1980 afundou as suas raízes no “regulacionismo” da década de 1960.
laranja, incêndio de aldeias usando Napalm, etc., e motivaram a abertura de processos criminais contra Kissinger
em diversos países Depois da ofensiva vietcong do Tet, em 1968, a imprensa e a opinião pública americana
passaram a considerar a derrota como uma possibilidade real; a juventude norte‐americana passou maciçamente
para o campo da oposição à guerra, protagonizando uma das maiores batalhas políticas do país, que influenciou a
vida e a cultura de toda uma geração.
34
Para Fred Block, os EUA “passo a passo romperam as regras da antiga ordem e obrigaram ou
forçaram outros países a rompê‐las. O rompimento das regras era considerado necessário a
cada passo, para salvar o sistema monetário internacional de uma crise ainda maior. A
primeira alteração importante das regras foi a criação da reserva comum de ouro em 1961,
que livrava os EUA de uma parte da responsabilidade pela manutenção do preço do ouro ao
nível de 35 dólares a onça. O passo seguinte foi a renúncia unilateral dos EUA da obrigação de
prover ouro a compradores privados ao preço de 35 dólares a onça, em 1968. Três anos
depois, produziu‐se a decisão de fechar o guichê do ouro também aos compradores oficiais. Os
EUA renunciaram igualmente a suas obrigações informais como país de moeda de reserva ao
obstruir o acesso aos seus mercados de capitais; e a imposição de um aumento tarifário de
10% sobre as importações, em agosto de 1971, foi uma violação flagrante das regras que
governavam o comércio internacional. Por último, os EUA foram em grande medida
responsáveis pela última violação importante das regras, a suspensão do regime de taxas de
câmbio fixas”.
Em agosto de 1971, os EUA deram o golpe de graça na “ordem econômica” elaborada em
1945, quebrando a conversibilidade ouro/dólar, e criando as condições para a crise de 1973‐
75. Sem consultar os demais países, o governo Nixon acabou com a conversibilidade do
dólar.30 O modelo que tinha permitido aos EUA financiarem a reconstrução do capitalismo
mundo, receber rendas do mundo inteiro, cobrar juros de todos, no seu papel de banqueiro
mundial, chegara ao esgotamento. A quebra da conversibilidade atendeu menos às
necessidades de um setor específico da burguesia ianque, do que às necessidades gerais do
Estado norte‐americano.
Por 26 anos, desde a conferência de 1945, os EUA haviam mantido o compromisso de oferecer
reservas em ouro como lastro para o dólar. Ao longo dos 26 anos anteriores à decisão de
Nixon, o mundo fora irrigado de dólares. Nixon corria o risco de ter de honrar uma corrida por
resgates de dólares em ouro. Nas palavras de Hobsbawm: “O dólar, moeda‐chave da economia
mundial do pós‐guerra planejada e garantida pelos EUA, enfraqueceu. Em teoria apoiado pelos
lingotes de Fort Knox, que abrigava quase três quartos das reservas de ouro do mundo, na
prática consistia sobretudo em dilúvios de papel ou moeda contábil ‐ mas como a estabilidade
do dólar era garantida por sua ligação com determinada quantidade de ouro, os cautelosos
europeus, encabeçados pelos ultra‐cautelosos franceses de olho, no metal, preferiram trocar
papel potencialmente desvalorizado por sólidos lingotes. O ouro, portanto, rolou do Fort Knox,
30
Richard Nixon, após reunir‐se com seus assessores na residência de Camp David, anunciou que suspendera a
conversibilidade do dólar em ouro. Rondando as decisões de Camp David estavam inflação em alta, os estragos
políticos e econômicos causados pela guerra no Vietnã, greves, a perda violenta de competitividade do parque
industrial americano, um crônico déficit público e o primeiro déficit comercial do país desde 1893.Terminara a era
em que os EUA podiam ser "a vaca leiteira de todo o mundo", disse seu Secretário de Estado. Pela TV, Nixon
anunciou um pacote de congelamento de preços e salários, restrição a importações e alívio fiscal, ao mesmo tempo
em que rompia com os compromissos de Bretton Woods. Combinou apelos ao nacionalismo com suspeitas
paranóicas de conspiração contra o dólar: "Essa medida não conquistará amigos entre os traficantes de dinheiro."
Batizou seu pacote de "Nova Política Econômica" e qualificou‐o de “mais importante conjunto de medidas
econômicas desde 1933” (ano do New Deal).
35
o preço aumentando com o crescimento da demanda. Durante a maior parte da década de
1960, a estabilidade do dólar, e com ela a do sistema de pagamento internacional, não mais se
baseava nas reservas dos EUA, mas na disposição dos bancos centrais europeus ‐ sob pressão
americana ‐ de não trocar seus dólares por ouro, e entrar num "Pool do Ouro" para estabilizar
o preço do metal no mercado. Isso não durou. Em 1968 o "Pool do Ouro", esgotado, dissolveu‐
se. De fato, acabou a conversibilidade do dólar. Foi formalmente abandonada em agosto de
1971, e com ela a estabilidade do sistema de pagamentos internacional, e chegou ao fim o seu
controle pelos EUA ou por qualquer outra economia nacional”.
A maior parte das moedas tornou‐se flutuante, e foi apenas com o Smithsonian Agreement,
celebrado em Washington a 18 de dezembro de 1971, que foi oficializada uma desvalorização
de 7,89% do dólar, fixando o preço da onça troy do ouro em 38 dólares. Essa decisão trouxe
um reajuste geral das moedas, enquanto que as margens de flutuações cambiais, fixadas em
1% quando dos acordos de Bretton Woods, passavam a 2,25%. O dólar ficava inconversível; a
parte do estoque de ouro dos EUA já era de só 28% do estoque mundial (contra mais de 60%
ao finalizar a II Guerra Mundial) e o déficit do seu balanço de pagamentos atingia 23,5 bilhões
de dólares. Ao quebrarem a conversão automática do dólar em ouro, os EUA obrigaram os
países que tinham dólares acumulados a guardá‐los (já que não poderiam mais ser convertidos
em ouro) ou vendê‐los no mercado livre (em geral com prejuízo). Em março de 1973
praticamente todos os países tinham desistido de fixar o valor de suas moedas em ouro, e a
flutuação cambial tinha se firmado como padrão mundial. O preço do ouro não parou de subir
durante toda década de 1970, alcançando o recorde em janeiro de 1980: US$ 873 a onça.31
Após a pancada de Nixon, o sistema monetário vivera de crise em crise. Em dezembro de 1971,
um acordo entre os principais países desenvolvidos ampliara a faixa de flutuação cambial para
2,25%. O golpe derradeiro em Bretton Woods veio com uma nova desvalorização do dólar
frente ao ouro, em fevereiro de 1973.32 Em discurso em 26 de abril de 1973, John Connaly,
secretário do Tesouro dos Estados Unidos, resumiu: “A era de supremacia americana nas
finanças internacionais, que começou na Segunda Guerra Mundial, já terminou. O sistema
monetário e comercial que proporcionou a base para a era de pós‐guerra desmoronou‐se. Não
adianta nos enganarmos, dizendo que foi apenas abalado, que o reconstruiremos. Ele
desapareceu para sempre”.
Tivemos então uma fase inflacionária nos “países desenvolvidos” (Niall Ferguson chamou‐a de
“Grande Inflação”), que se deslocou para a periferia, e a partir dos anos 1990 uma fase
deflacionista. Até 1973, os EUA exportavam pouco menos de 8% do seu PIB. As taxas médias
anuais de crescimento da economia mundial acumuladas no período 1950‐73 foram de 4,9 %,
em contraste com o período 1973‐92: 3,0 %.
A crise da fase expansiva do pós‐guerra, e da ordem econômica internacional correspondente,
foi explicada pelo esgotamento do exército industrial de reserva nos países centrais, o
acirramento da concorrência entre eles e o das lutas sociais, combinados às crises do sistema
monetário internacional, que levaram à estabilização das taxas de mais‐valia e à queda da taxa
de lucros (apesar da crescente automação).
31
Depois, durante a maior parte dos anos 1980 e 1990 o ouro manteve um discreto comportamento, sempre
abaixo da faixa dos US$ 300.
32
Terminado o regime de taxas de câmbio fixas, o FMI concordou em estabelecer um regime em que cada país
membro definisse o valor da sua moeda em relação às demais segundo um de vários métodos possíveis: indexação
em relação a uma outra moeda, flutuação livre (free float), flutuação administrada (managed ou dirty float) ou
movimento intimamente relacionado com o de outra moeda. A maioria de países (uns 50) utiliza o regime de taxa
de câmbio flexível, seguindo o regime de taxas administradas (cerca de 45). Cerca de 40 países têm a sua moeda
pegged a outra, seja o dólar ou o franco.
36
Uma “nova ordem” deveria surgir da nova onda de desenvolvimento capitalista, que
combinasse a revolução tecnológica na área da informação, centrada, sobretudo, nos EUA
(fazendo surgir os setores da “nova economia”), com a universalização do mercado capitalista
mundial, através da incorporação do “socialismo real”. Com isso, os mesmos fatores que
levaram à queda da taxa de lucros na fase precedente levariam a uma nova onda da
reprodução capitalista: revolução da produtividade do trabalho, elevação da taxa de mais‐
valia, barateamento do capital constante, redução do tempo de rotação, através do
desenvolvimento do setor terciário (computação, telecomunicações), combinados à redução
da composição orgânica do capital. Simultaneamente, o “plano Kissinger” elaborava uma
resposta dos EUA ao entrelaçamento da crise econômica mundial com a crise política do
imperialismo norte‐americano.
Na América Latina, “quintal” histórico dos EUA, as ditaduras militares surgidas na década de
1970 não se distinguiram apenas por um grau muito maior de brutalidade do que as
precedentes, mas também pela militarização da economia e por um entrosamento direto com
os EUA nas operações repressivas (”Plano Condor”). O intervencionismo militar e político dos
EUA multiplicou‐se em todo o mundo, do Sudeste asiático (Vietnã – onde o Estado norte‐
americano gastou mais de us$ 200 bilhões ‐, Laos, Camboja) até Oriente Médio, em especial no
conflito árabe‐israelense.33
33
O escritor conservador Christopher Hitchens (em The Trial of Henry Kissinger) denunciou a culpabilidade do
Secretário de Estado em crimes contra a humanidade, de Camboja até o Chile, descrevendo seu personagem como
“um oportunista, um criminoso de luvas brancas e um traficante de comissões ocultas que fez pactos com os piores
ditadores”. A acusação se sustenta em documentos dos gabinetes de Nixon e Kissinger, que provam a colaboração
entre Washington e as ditaduras no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai, os países que formaram parte do
Plano Condor. Para Hitchens, “a influência dos EUA na América Latina durante a década de 1970 foi criminosa”. As
“façanhas” de Kissinger foram do Vietnã até Camboja, passando por Chile, Bangladesh, Grécia e Timor Oriental, mas
sempre com o apoio da administração da “democracia americana”, para a qual ele fez o “trabalho sujo”. A falência
financeira do Estado na América Latina foi o resultado das ditaduras militares, e a “herança” aceita pelos governos
civis que os substituíram a partir de meados da década de 1980. As “democracias” latino‐americanas se
37
Crise do Fordismo?
Nas metrópoles capitalistas, para Fernando Mattos, “muitos acordos coletivos deixaram de ser
renovados e os salários, diante da nova realidade, deixaram de ser vistos como fonte de
demanda global e passaram a ser encarado como custo pelas empresas. Esta reversão da
expectativa e as mudanças de mentalidade, geradas pela nova conjuntura, representaram a
falência da perspectiva keynesiana que predominou durante os ‘anos dourados’”.
Os regulacionistas ensaiaram uma explicação para esse processo. Com a crise do “modelo”
fordista surgiam novos métodos de produção: “A subseqüente crise do fordismo leva à
fragmentação econômica, social e política da qual deve surgir um novo regime ‘pós‐fordista’. À
medida que a produção fordista se aproxima de seus limites, surgem novos métodos de
produção. A saturação dos mercados de massa leva a uma crescente diferenciação dos
produtos, com uma nova ênfase no estilo e/ou na qualidade. Produtos mais diferenciados
exigem turnos de trabalho mais curtos e, portanto, unidades de produção menores e mais
flexíveis. Novas tecnologias fornecem os meios pelos quais se pode realizar vantajosamente
esta produção flexível. Entretanto, estas novas formas de produção têm implicações
profundas. Uma produção mais flexível requer máquinas mais flexíveis e de finalidades
genéricas, e mais operários ‘polivalentes’, altamente qualificados, para operá‐las. Uma maior
qualificação e flexibilidade exigem que os operários tenham um grau mais alto de
responsabilidade e autonomia. Uma produção mais flexível também requer formas mais
flexíveis de controle de produção, ao passo que relações de produção mais flexíveis requerem
o desmantelamento das burocracias corporativas.
“Os interesses de uma força de trabalho mais diferenciada não podem mais ser eficazmente
representados por sindicatos e partidos políticos fordistas, monolíticos e burocráticos. São
necessários acordos descentralizados para negociar sistemas de pagamento mais complexos e
individualizados, que recompensam a qualificação e a iniciativa. A diferenciação dos
trabalhadores de massa leva ao surgimento de novas identidades que não são mais definidoras
ocupacionalmente, mas sim articuladas no consumo idiossincrático, em novos estilos de vida e
novas formas culturais, que reforçam a demanda por produtos mais diferenciados. Tudo isso
vai corroendo as velhas identidades políticas. As necessidades de bem‐estar, saúde, educação
e treinamento de uma força de trabalho diferenciada não podem mais ser satisfeitas por um
Welfare State burocrático e padronizado, mas apenas por instituições diferenciadas, capazes
de responder de maneira flexível às necessidades individuais”.
Para Georges Benko tal crise seria fundada no esgotamento do paradigma tecnológico: “A crise
do fordismo conota antes de tudo o esgotamento do paradigma tecnológico fordista: esse
esgotamento se manifesta pela desaceleração do crescimento da produtividade, que, em
conexão com a saturação da norma de consumo fordista e o desenvolvimento do trabalho
improdutivo (inflação dos ‘custos de organização’ que asseguram, no essencial, a circulação do
capital e a gestão estatal ‘providencial’ da reprodução da relação capitalista), resulta em
problemas estruturais de rentabilidade”. Segundo David Harvey, a crise do modo de regulação
fordista revelou‐se, sobretudo, no momento em que as corporações econômicas verificaram a
existência de capacidade excedente inutilizável (sobretudo fábricas e equipamentos ociosos)
em condições de intensificação da competição, obrigando‐as a racionalizar, reestruturar e
intensificar o controle do trabalho. Nesse movimento, a “mudança tecnológica, a automação, a
busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a dispersão geográfica para zonas de
controle do trabalho mais fácil, as fusões e medidas para acelerar o tempo de giro do capital
comprometeram com o pagamento da dívida externa, enormemente incrementada (a maior de todo o Terceiro
Mundo) o que significava transformar América Latina em um pivô da recuperação dos lucros do capital financeiro
internacional, especialmente norte‐americano. Os processos hiper‐inflacionários seriam sua conseqüência,
marcando as economias latino‐americanas na segunda metade da década de 1980.
38
passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais
de deflação”.
Para os regulacionistas, as crises estruturais do capitalismo impuseram a necessidade de
superar soluções de curto prazo, buscando “formas de organização e de estruturas produtivas
capazes de promover uma retomada duradoura do crescimento e de criar empregos”,
possibilitando a ampliação da acumulação através da flexibilização, produzindo uma forma de
acumulação denominada de flexível, que assume cinco formas principais: adaptabilidade dos
equipamentos na organização produtiva, polivalência dos trabalhadores, enfraquecimento de
conquistas trabalhistas, definição salarial individualizada ou circunscrita a cada firma e
desregulamentação fiscal.
David Harvey, ao descrever essa situação de acumulação flexível, relacionou‐a ao processo de
compressão do espaço‐tempo: “A acumulação flexível é marcada por um confronto direto com
a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho dos mercados de
trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza‐se pelo surgimento de setores de
produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos
mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadoras de inovação comercial, tecnológica e
organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do
desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como
conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas. Ela
também envolve um novo movimento que chamarei de ‘compressão do espaço‐tempo’ no
mundo capitalista — os horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se
estreitam, enquanto a comunicação via satélite e a queda dos custos de transporte
possibilitaram a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variado”.
As fraquezas das explicações embutidas na “regulação” surgem do englobamento de
elementos pertencentes a níveis diversos, que vão do econômico ao político, passando pelo
psicológico, sociológico e institucional. Não apresenta uma explicação clara das relações
existentes entre as “relações sociais”, as “formas institucionais” ou as “estruturas”, nem do
grau de importância de cada um destes elementos no processo de regulação. O conceito de
regulação, tal como é aplicado (adaptação da produção à procura) traz em si o conceito de
equilíbrio: valoriza as forças “equilibrantes” em detrimento das forças “desequilibrantes” que,
juntamente com as primeiras, formam uma unidade contraditória e, portanto, inseparável, em
permanente ação no quadro da economia capitalista.
Para além dos conceitos teóricos, o que os regulacionistas descreveram como etapas
“fordistas”, “regimes intensivos” o “regulagens monopólicas” são características particulares
do funcionamento do sistema capitalista, que se baseiam nas relações de propriedade deste
regime social, e nas leis de reprodução do capital. Ignorar ou desprezar essa questão faz girar
todos os raciocínios no vazio. A “regulação” fragmenta o capitalismo em normas e regimes
diversos, relativizando primeiro, e omitindo depois, que o capitalismo constitui uma totalidade
indivisível, um modo de produção, historicamente transitório e assentado na exploração do
trabalho assalariado.
Não se poderia decompor o capitalismo em fragmentos, nem analisar as “relações salariais”, as
“relações mercantis” e as “formas de concorrência” em si mesmas, divorciadas do regime
social que as sustenta. Por esse caminho, a realidade aparecia invertida, o capitalismo, em vez
de ser o determinante do monopólio, a produção em série ou as oscilações do consumo, passa
a ser governado por “toyotismos” autônomos, “acumulações intensivas” independentes e
“regulagens monetárias”, com vida própria.
Simon Clarke afirmou que não havia nada de “pós‐fordista” na reestruturação produtiva: “Não
há nada de pós‐fordista nessa reestruturação. O sucesso da ofensiva capitalista removeu
39
muitas barreiras que antes impediam que a mudança tecnológica criasse condições nas quais
novas tecnologias não são introduzidas em termos qualitativamente diferentes de qualquer
das suas precedentes; tal como a linha de produção de Ford, são introduzidas apenas para
aumentar os lucros. Alguns setores do trabalho se beneficiaram da introdução do Five Dollars
Day. Mas, assim como as pressões competitivas vindas de novas formas do fordismo, mais
desenvolvidas e mais flexíveis, logo forçaram Ford a introduzir os homens de Pinkerton e o
Departamento de Serviço, também os especialistas flexíveis e os especialistas em nichos do
mercado já estão sofrendo a pressão de competidores que conseguiram reconciliar as
economias de escopo com economias de escala. A crise do fordismo não é nada de novo; é
apenas a mais recente manifestação da crise do capitalismo”.
Bolha Verde e Euromoedas
Após as medidas monetárias de Nixon, ficaram retidos na Europa e Ásia 80 bilhões de dólares.
O que fazer com esse dinheiro? John Walls resumiu as soluções encontradas: 1) Buscar novos
“tomadores” (de empréstimos) na periferia do mundo industrial; 2) Aumentar o volume dos
empréstimos de médio e longo prazo; 3) Diminuir a taxa de juros, devido ao excesso de fundos
disponíveis e à concorrência entre as instituições financeiras. Com isso beneficiou‐se a tomada
de empréstimos pelos países “periféricos”, que acabou mobilizando a “economia mundial da
dívida”.
O fim da “bolha do dólar” fez surgir uma “bolha” ainda maior, o mercado de euromoedas, que
tiveram um grande crescimento e ampliação do seu espaço de atuação. Os euromercados,
designação originária de depósitos e investimentos feitos fora do país de origem, surgem
inicialmente no final dos anos 1940, com os aportes financeiros norte‐americanos na Europa
sob o Plano Marshall, e se fortaleceram na década seguinte, com a expansão internacional dos
grandes bancos e a criação de filiais nas principais praças financeiras internacionais. A partir do
final dos anos 1960, os euromercados, também conhecidos como mercados off‐shore, tiveram
seu crescimento estimulado pelo excesso de dólares gerado pelos déficits do balanço de
pagamentos norte‐americano, e pelo aporte adicional de petrodólares, a partir das crises do
petróleo de 1973 e 1979, tratadas adiante. Nos anos 1970, boa parte do endividamento dos
países atrasados foi contraída junto a esses mercados, que reciclaram os fluxos financeiros
oriundos das aplicações em “petrodólares”.
A função de reserva do dólar estava sendo desgastada pela percepção de que havia um
desequilíbrio estrutural constante no balanço de pagamentos norte americano. Rolf e Burtle
resumiram a origem mais imediata do mercado de euromoedas: “Os persistentes e crescentes
déficits americanos haviam minado o sistema durante duas décadas, particularmente nos
cinco ou seis anos anteriores ao seu fim. Mas não foram os déficits comerciais como tais que
precipitaram o seu fim, mas os vastos movimentos de capital a curto‐prazo entre nações. Em
1971, o déficit americano básico era de pouco mais de 9 bilhões de dólares, a quantia mais
elevada do pós‐guerra, mas menos do que um terço do déficit total dos Estados Unidos de
29,8 bilhões de dólares.
“Foi essa grande cascata de dólares espalhando‐se pelo resto do mundo e, em especial, pelos
países de moeda forte que rompeu o sistema. Além dos fluxos de dentro dos Estados Unidos,
existem vastas quantidades de dinheiro fora de seus países de origem que se chamam
euromoedas. Estas podem ser enviadas de um país para outro com grande velocidade; são tão
móveis quanto um telefonema ou uma mensagem de telex. Além do mais, esses fundos não
estão sujeitos a qualquer autoridade monetária supranacional, já que não há nenhuma”.34
34
Nos primórdios desse novo sistema financeiro mundial não havia “revolução da microeletrônica”: não existiam
calculadoras eletrônicas, mensagens “via fax”, nem sistemas digitalizados, de leitura ótica, informatizados,
robotizados, etc. Mas isso não impedia que essas euromoedas já fossem “tão móveis quanto um telefonema ou
uma mensagem de telex”.
40
Para José Martins: “Desde seu início, esse novo sistema monetário internacional – e seu
corolário, o sistema de taxas cambiais flutuantes – já exprimia claramente as contradições de
uma gigantesca internacionalização do capital industrial dos Estados Unidos nos anos 1960 e
as tentativas vacilantes e ineficazes dos diversos governos nacionais para defender sua
autonomia de ação frente aquele embrionário processo de globalização. Na origem dessa
transição de um sistema monetário internacional para outro, portanto, desenrolava‐se uma
transição ainda mais fundamental das condições produtivas de capital no mercado mundial. As
instabilidades e descontroles que se assistia nos mercados monetários e financeiros
internacionais eram antes de tudo manifestações de novas condições da produção e da
acumulação do capital global. Eram geradas pela adaptação das formas mais superficiais do
mercado capitalista às necessidades de valorização e reprodução ampliada da produção de
mais‐valia (lucro). O mais importante, entretanto, era que o novo sistema monetário e de
crédito internacional estava sendo reformado não só para financiar a explosiva produção
global do capital, mas, sobretudo, para que os governos e os capitalistas pudessem enfrentar
os choques cíclicos e periódicos de superprodução com mãos mais livres e instituições
governamentais mais flexíveis”.
Foi deflagrava uma profunda luta inter‐imperialista: na visão dos países europeus, os EUA
haviam abusado durantes anos de sua liderança na política monetária. Primeiro “fez emanar
dólares‐ouro de suas máquinas” destinados a financiar seu crescente déficit na balança de
pagamentos e a afiançar seu predomínio político e econômico sobre o Ocidente. Os europeus
viram na suspensão da convertibilidade do dólar a culminação do abuso de poder por parte
dos norte‐americanos, pois com essa medida o governo dos EUA se livrava definitivamente do
saneamento econômico interno e transpassava ao “estrangeiro” toda a carga do ajuste. E os
demais países simplesmente não tinham outra opção senão aceitar esta decisão unilateral
diante da maré de dólares que se estendia em escala mundial.
Com a crise mundial, nos anos 1970, a produção de armamento se transformou no único
mercado capitalista que não retrocedia. Mas a sua expansão foi insuficiente para mobilizar
todo o capital ocioso gerado pela crise, impulsionando ao mesmo tempo uma enorme inflação,
pois grande parte desse capital ocioso eram créditos incobráveis contra empresas e nações na
bancarrota. Por outro lado, a semi‐industrialização de (alguns) países atrasados se realizou
com base num fantástico desenvolvimento parasitário, expresso na monumental dívida
externa desses países que, sendo um retrocesso às formas usurárias do capital, evidenciaram
que o capital era cada vez mais incapaz de reproduzir‐se produtivamente (como capital
industrial).
O desemprego na CEE pulou 2,6% em 1973, para 8,8% em 1981, e para 13,5% em 1985,
atingindo a cifra de 42 milhões para os países da OCDE. A taxa de lucros, após‐impostos, nos
EUA, caiu de 8,3 em 1961‐65 para 5,3 em 1970, não experimentando recuperação significativa
posterior. A taxa de crescimento anual das exportações, motor da expansão de pós‐guerra,
caiu de 7,2 em 1950‐73, para 3,9 em 1973‐1990. Cabe salientar que, já em 1972, André Gunder
Frank via a crise econômica se consolidar como uma “crise estrutural”, com transformações
até então desconhecidas: declínio relativo da produção, no declínio dos lucros e investimentos,
e numa luta renovada pelos mercados. As crises de acumulação teriam a característica de
introduzirem mudanças qualitativas na divisão internacional do trabalho.35
35
A crise conduziria a um padrão de acumulação diferente, concentrado na produção de bens de capital voltados
para exportação, não a bens de consumo para o mercado interno. Esse modelo necessitaria de custos de produção
baixos para ganhar competitividade no mercado internacional. A sua viabilidade econômica não pressupunha uma
redistribuição de renda, mas um aumento brutal da exploração da força de trabalho, com governos altamente
repressivos, constituição de estados tecnocráticos e ideologias da segurança nacional, particularmente na América
Latina, permitindo uma recomposição das taxas de lucro, deslocando para as periferias as tensões políticas do
sistema.
41
O Choque do Petróleo
Para Eric Hobsbawm, “a história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas
referências e resvalou para a instabilidade e crise”. Em 1973 iniciou‐se uma desaceleração das
trocas mundiais, explicada por dois fatores: o impacto do aumento do petróleo, e o forte
crescimento da inflação causada pela expansão monetária. O corte no fornecimento
promovido pelos países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP),36 durante
a “guerra do Yom Kippur”, fez a cotação do produto subir US$ 2,50, para US$ 11,50 o barril,
em 1974. Isto elevou os gastos do Ocidente com energia e provocou uma forte crise nos países
industrializados.
O emprego mundial de combustíveis líquidos em proporção ao emprego de energia total havia
aumentado de 34% em 1962, para 43% em 1971. Na Europa e no Japão o consumo de petróleo
aumentara em 57% e 71%, respectivamente. Em 1970, o uso dos derivados não‐energéticos do
petróleo (lubrificantes, fertilizantes e a base para o asfalto) aumentou cerca de 10%. Desta
forma, a demanda de petróleo para os países que passavam por um forte processo de
industrialização era inelástica a curto prazo. Assim, a elevação do preço do barril gerou efeitos
sobre todas as economias, ocasionando um processo generalizado de inflação, desemprego e
crescimento pífio.
A partir de 1973, o petróleo passou a ser usado como arma política pelos estados árabes,
como reação da OPEP aos países que apoiaram Israel na guerra do Yom Kippur. Já
anteriormente, durante a Guerra dos Seis Dias (1967), alguns exportadores árabes tentaram
impor um embargo, que fracassou porque havia muita capacidade ociosa de produção da qual
se poderia lançar mão. Mas, em 1973, o mercado mundial tinha mudado; parecia que todos os
poços do mundo produziam a plena capacidade, por causa do aquecimento da demanda. Os
Estados Unidos tinham se tornado o maior importador mundial. E, dessa vez, não havia onde
buscar petróleo extra.
O embargo criou pânico global. Compradores competiam furiosamente para obter o que
conseguissem, o que empurrou ainda mais os preços para cima. Nos Estados Unidos, a
gravidade da situação só foi plenamente compreendida pelos consumidores nas irritantes filas
de abastecimento ‐ longas esperas para obter quantidades limitadas de gasolina (na verdade,
as filas foram resultado dos controles do governo que impediam a flexibilidade e acentuaram a
escassez no mercado). Toda a ordem internacional parecia transformada.
A guerra de 1973 foi provocada pela invasão do território israelense pela Síria ao norte e pelo
Egito ao sul, no feriado judeu do Yom Kippur. Israel respondeu violentamente, e o conflito
armado terminou em impasse. Sob a influência dos EUA, da União Soviética e das Nações
Unidas, foram feitos acordos de Paz em 1973, 1974 e 1975, que mantiveram os territórios
conquistados anteriormente por Israel sem nenhuma mudança.37
36
Composta por Angola, Argélia, Líbia, Nigéria, Venezuela, Equador, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Irã, Iraque,
Kuwait e Qatar. Devido à queda nos preços do petróleo que se verificava no final dos anos 1950 (a produção
mundial era maior que a demanda), essas nações fundaram a OPEP para minimizar as perdas devidas à queda dos
preços, aumentar a receita dos países membros, e garantir um aumento do controle sobre a produção de petróleo,
determinando as políticas de produção. A OPEP também servia para combater a queda dos preços, pois as
principais nações compradoras do produto (EUA, Inglaterra e Holanda), faziam pressão para que os preços se
reduzissem. Com isso, a OPEP aumentou os royalties que eram pagos pelas transnacionais, alterando assim a base
de cálculo para o preço do petróleo, e onerando também tais empresas com um imposto.
37
Em 1967 acontecera a Guerra dos Seis Dias. Egito, Síria e Jordânia, sob o comando de Gamal Abdel Nasser, rais do
Egito, prepararam uma ação conjunta contra Israel. No entanto, com apoio dos EUA, os israelenses realizaram um
ataque frontal, garantindo a vitória: o o Estado israelense anexou Jerusalém, ocupou a Cisjordânia, a Península do
Sinai, a faixa de Gaza e as colinas de Golan. Desobedecendo às determinações da ONU, que exigia a devolução dos
territórios, Israel manteve suas conquistas. Isso provocou, em 1973, a quarta guerra árabe‐israelense. Após a morte
de Nasser, e para recuperar os territórios que haviam perdido para Israel, Egito e Síria planejaram uma nova
42
A reação dos países árabes foi o aumento do preço do petróleo que, evidentemente, não teve
neste conflito sua causa fundamental. Após os estadunidenses terem apoiado Israel na guerra,
a Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo (OPAEP) decidiu estabelecer um
embargo sobre os Estados Unidos (e a Holanda), o que culminou, em 1974, com a criação, a
partir da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OCDE), da Agência
Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris. Sua criação foi uma resposta coletiva dos
países importadores de petróleo às medidas da OPAEP. O embargo teve maior impacto nos
Estados Unidos devido às suas políticas restritivas em relação à importação de petróleo mais
barato.
O embargo culminou com a dissolução das restrições americanas ao petróleo estrangeiro (na
década de 1980), dissolução não muito posterior à transformação dos EUA em importador
líquido de petróleo em meados da década de 1970. Ele induziu, também, a criação de reservas
estratégicas de petróleo nos EUA e outros países, com o objetivo de se criar uma proteção
contra choques internacionais na oferta e nos preços do petróleo. Os países da OCDE
passaram de um superávit comercial de 11 bilhões de dólares em 1973, para um déficit de 22
bilhões em 1974. Já para os países em desenvolvimento e não produtores de petróleo o
déficit, que antes era de 9 bilhões, passou para 25 bilhões. Os países da OCDE demandavam
petróleo numa escala muito maior que o resto dos países, o impacto em seus balanços de
pagamentos foi numa escala muito maior. A recessão gerou uma drástica redução das
importações por parte destes países.
O golpe político também foi forte: através da OPEP, os Estados árabes do Oriente Médio
tinham feito o possível para impedir o apoio a Israel, cortando fornecimentos de petróleo e
ameaçando com embargos. Ao fazer isso, descobriram sua capacidade de multiplicar o preço
do petróleo no mundo. E os Ministérios das Relações Exteriores do mundo todo não podiam
deixar de observar que os todo‐poderosos EUA não faziam nem podiam fazer nada
imediatamente a respeito. O choque do petróleo foi designado responsável pela inflação
mundial de 1974, o que exagera as responsabilidades deste aumento de preço e o poder de
influência dos países árabes. O aumento de preço do petróleo em quatro vezes pelos países da
OPEP pode ser visto como um fator adicional, que aumentou os efeitos de um movimento que
já estava em curso desde o início da década de 1970.
O aumento do preço do petróleo não representou mais do que 2% no processo inflacionário
para os países centrais. A inflação foi alimentada pelo efeito cumulativo de mais de três
decênios de práticas inflacionárias. Foi amplificada pela especulação desenfreada dos anos
1972/73 com o ouro, os terrenos, as construções, os diamantes, as jóias e as obras de arte e,
sobretudo, as matérias‐primas, isto é, todos os “valores‐refúgio”, que são tanto mais
apreciados quanto mais o papel‐moeda se deprecia. Ela foi reforçada pela prática dos “preços
administrados” impostos pelos monopólios. E acentuada pelos gastos militares colossais.
Por outro lado, a idéia de que a crise do petróleo tenha provocado deflação, devido a cortes na
produção e na demanda, provocados pela saída de capitais dos países centrais para a OPEP,
também é falsa. Estes capitais não ficaram entesourados nos cofres dos países árabes, ao
contrário, eles voltaram, sob a forma de “petrodólares”, para os países centrais. Como a
maioria dos países da OPEP eram países subdesenvolvidos, estes recursos excedentes oriundos
do aumento do preço do petróleo, passaram a ser utilizados para financiar seus planos de
desenvolvimento. Contratando obras, produtos e serviços dos países desenvolvidos, os
petrodólares realimentaram as economias destes países acentuando a tendência inflacionária
geral pela alta dos custos e pelo aumento de liquidez. Os países membros da OPEP ocuparam
ofensiva, concretizada em 6 de outubro de 1973, dia em que os judeus comemoravam o Dia do Perdão ou Yom
Kippur. No início da Guerra do Yom Kippur, os árabes estavam em vantagem, mas a imediata ajuda norte‐americana
ao Estado de Israel mudou os rumos da guerra, e este manteve o domínio sobre as áreas ocupadas.
43
papel importante no escoamento da produção. O acúmulo de capitais, devido ao alto valor do
petróleo, desencadeou um processo de industrialização, crescendo vertiginosamente as
importações de equipamentos de infra‐estrutura, vindos principalmente de Alemanha, EUA e
Japão.
Petróleo e Renda Diferencial
A imensa acumulação de capital dos países árabes, prevista pelo Banco Mundial, não se
concretizou. A previsão de 650 bilhões de dólares em reservas foi revista em 1978, quando as
reservas de câmbio desses países estavam em 280 bilhões. Os grandes gastos no
“desenvolvimento”, nesses países, fizeram que eles se tornassem logo deficitários no seu
balanço de pagamentos. A importação de máquinas e fábricas prontas pelos países da OPEP foi
vista como o motor de uma nova fase de expansão do capitalismo, o que não se confirmou
porque, entre outras coisas, a dinâmica dos preços era incerta; os países desenvolvidos
buscavam uma progressiva substituição de energia, o que lhes tornaria menos dependentes da
OPEP e diminuiria o poder de pressão da organização dos países árabes; além do que, a
industrialização não era fácil nos países árabes, devido à sua “estrutura sócio‐econômica
arcaica”, isto é, à monumental concentração de renda, e a pobreza da maioria da população,
que contribui para o raquitismo do mercado interno.
Na recessão de 1974/75 o cartel do petróleo conseguiu manter sua economia relativamente
estável, ao contrário dos demais países do “Terceiro Mundo” que mergulharam em profunda
crise. Esta manutenção se deveu fundamentalmente à diminuição da produção do petróleo
para a manutenção do preço internacional, volume que foi controlado de perto pela OPEP.
Apesar da diminuição da produção, estes países mantiveram assim uma renda nacional alta
que foi empregada nas importações. Estas grandes somas de capitais foram controladas pelos
governos dos Estados membros da OPEP. No âmbito dos países produtores de petróleo, a
renda aumentou em aproximadamente 75 bilhões de dólares entre 1973 e 1974. Na Arábia
Saudita a renda per capita, que em 1971 era de US$ 540, passou para US$ 3.500 em 1974. Este
aumento de renda não representou proporcional aumento de gastos destes países, o aumento
de importações por eles realizadas em 1974 representou cerca de US$ 12,3 bilhões, um sexto
do aumento das rendas. E, já no ano seguinte, 1975, os países da OCDE voltaram a ter
superávit, por meio da redução de importações, o que ocasionou numa queda de 24 bilhões
no superávit dos países da OPEP.
A origem desses capitais excedentes é a exploração de petróleo, mineral, fonte de energia,
encontrado de forma bruta na natureza. Os proprietários destas jazidas são os Estados onde o
mineral é encontrado: o que é pago ao dono da terra / jazida, não deixa de ser uma renda
fundiária. Os exploradores diretos das minas de petróleo, na maioria dos casos, não eram os
Estados proprietários, e sim as grandes companhias multinacionais exploradoras de petróleo,
que tinham sua tecnologia contratada pelos Estados membros da OPEP, ou a eles pagavam
renda pela exploração das jazidas. A mudança na relação do capital com a propriedade agrária
em nível internacional pode ser a explicação para a crise do petróleo de 1973.
Nas esferas de produção que dependem diretamente da natureza, a lei do valor (o valor da
mercadoria equivale ao tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção) atua de
maneira modificada. Na produção capitalista de mercadorias o aumento da produtividade do
trabalho pode fazer os preços baixarem através da concorrência. Nos ramos da produção que
dependem diretamente da natureza, a lei atua modificada já que aqueles dependem mais das
condições naturais que da atividade do homem. Na esfera da produção energética as
principais mercadorias são o petróleo e o carvão. A produtividade do trabalho na extração do
petróleo é maior do que na extração do carvão, cujas minas são cada vez mais difíceis de
explorar. Sendo menos rentável, o carvão deveria ser eliminado, pela concorrência, pelo
petróleo, o que não ocorreu.
44
Historicamente a produção de carvão é anterior à do petróleo, e a tecnologia utilizada em sua
exploração é mais simples. Contudo, os EUA passaram a extrair petróleo a um preço individual
de produção mais baixo que o carvão e, com a crescente necessidade de energia, buscaram‐se
novas fontes, descobrindo‐se as enormes reservas da Venezuela e do Oriente Médio, que
tinham condições naturais muito melhores que as dos EUA. Nos anos sessenta a produção de
petróleo superou a de carvão.
De forma geral, o carvão deveria ser totalmente suprimido pelo petróleo. Isto não ocorreu, em
primeiro lugar, porque no setor de energia a produtividade do trabalho mais elevada não pode
ser generalizada, isto devido ao fato de estar ligada a uma base natural, que são os poços, e
estes não se reproduzem à vontade. Em segundo lugar devido a que os EUA, Alemanha, Grã‐
Bretanha e França, protegiam suas fontes naturais de energia intervindo no processo de
formação do valor. Estes países adotaram medidas para evitar a dependência do petróleo
importado, como a restrição das importações, a subvenção à produção nacional e a introdução
de impostos à importação, que foram incorporados ao preço do petróleo importado.
Assim sendo, o preço se forma a partir da fonte menos rentável, que é o carvão europeu, de
forma que sua exploração proporcione lucro. A fonte mais rentável, que é o petróleo médio‐
oriental, não chega ao mercado consumidor pelo seu verdadeiro valor devido aos acréscimos
que sofre com a carga de impostos. O petróleo dos EUA, por sua vez, atinge um lucro médio
maior do que o carvão europeu. Não eram os países produtores os que mais ganhavam com a
produção de petróleo. O preço individual fixado no Golfo Pérsico oscilava, entre 1953 e 1973,
entre $ 1,60 e $ 2,75 o barril; com os impostos, porém, ia para $ 10,00 no mercado mundial.
A criação da OPEP iniciou um novo confronto: a crise resultante, na verdade, era uma luta por
uma nova repartição da renda diferencial. Formada pelas classes dominantes dos países
exportadores de petróleo, a OPEP elevou o preço do petróleo bruto, impondo limites à
concorrência entre os países produtores, com a formação de um cartel. Os países capitalistas
desenvolvidos não ficaram reféns da OPEP, buscaram e pesquisaram novas fontes de energia,
entre elas a atômica, a solar, e a produção do petróleo sintético, além de pesquisas em outras
regiões do mundo em busca de novas jazidas de petróleo. Os países subdesenvolvidos também
procuraram saída, entre elas o Programa do Pro Álcool no Brasil, que teve vida curta. Vejamos
algumas interpretações a respeito da origem desta crise, que fazem parte de uma controvérsia
a respeito da autonomia ou da dependência dos Estados da OPEP em relação aos países
desenvolvidos.
A primeira delas apresenta os estados da OPEP como cumprindo ordens sob a tutela direta do
imperialismo norte‐americano, contra seus concorrentes (europeus e japonês). Segundo esta
interpretação, os EUA teriam sido responsáveis pelo aumento do preço do barril de petróleo
em 1973, e pela crise que se sucedeu. Através das classes dominantes dos principais Estados
petroleiros, que estariam sob as ordens das sociedades multinacionais e dos EUA, a fim de
serem beneficiadas pelas instituições públicas e privadas daquele país. Mas os EUA não teriam
nenhum interesse em agravar uma crise do sistema monetário que já estava presente desde o
início da década de 1970.
A segunda interpretação parte do princípio de uma completa autonomia dos países árabes em
relação ao capitalismo internacional, e identifica o aumento do preço do petróleo, e a
mudança da relação com o capital internacional como um combate antiimperialista, parte de
uma luta dos povos do “Terceiro Mundo” por sua independência política e econômica,
explicação que, obviamente, ignora as relações de classe nesses países.
A disputa internacional em torno do preço do petróleo foi uma luta pela apropriação da renda
diferencial (aquela originada nas diferenças naturais de fertilidade, ou riqueza, do meio
natural). Comportou também uma disputa inter‐monopolista pois, em escala mundial, a
“fatura petroleira” devia ser paga, em primeiro lugar, pelos países e empresas grandes
45
consumidoras de energia que dependiam das importações (a maioria dos países europeus e o
Japão), o que fortalecia à burguesia norte‐americana diante deles e, dentro dos EUA, pelo
setor empresarial que se encontrava na mesma situação. O “choque do petróleo” inscreveu‐
se, portanto, dentro do acirramento das disputas entre os monopólios e os países capitalistas
centrais, provocado, porém, por uma crise pré‐existente. As grandes refinadoras e
distribuidoras de petróleo (as “sete irmãs”) foram, em graus diversos, as máximas beneficiadas
pelo aumento da “fatura petroleira”.
Os estados da OPEP, possuindo certa autonomia frente aos países desenvolvidos, devido ao
controle dos poços de petróleo, eram também dependentes deles; sendo países
“subdesenvolvidos”, não possuem autonomia tecnológica, nem financeira. Tem sua riqueza
apenas na propriedade dos poços de petróleo, mas devem vender a energia, como países
dependentes do mercado internacional. A explicação da crise econômica mundial pela “crise
do petróleo” foi uma tentativa ideológica de ocultar as verdadeiras raízes daquela crise,
situadas nas leis da acumulação capitalista, estas operando em escala mundial.
Crise e Recuperação
As taxas de dois dígitos de crescimento econômico real que o Japão manteve durante os anos
1960 e o início da década de 1970 terminaram com a primeira crise do petróleo em 1973‐74 e,
desde a segunda crise do petróleo (1979‐80), foram comuns as taxas de crescimento de menos
de 4%. A indústria japonesa, que enfrentou aumentos dramáticos tanto nos custos de energia
como nos de mão‐de‐obra resultantes das crises do petróleo, fez esforços para reduzir as
necessidades de energia e mão de obra e para introduzir novas tecnologias.
Usualmente, identifica‐se a crise de 1973‐74 com a gestão conservadora dos governos da
OCDE para superá‐la. A diminuição da produção e a continuidade do desemprego e da inflação
resultaram das políticas econômicas governamentais e ajudaram os países ricos a superarem a
crise (sob a ótica dos interesses das classes dominantes). As medidas tomadas foram, dentre
várias: 1. Controle da dívida pública; 2. Correção da taxa de câmbio; 3. Controle do balanço de
pagamentos; 4. Controle dos níveis de preços e salários.
O choque, além do mais, só ocorreu após a aprovação de dois grandes aliados dos Estados
Unidos no Oriente Médio: Arábia Saudita e Irã. A partir do superávit de capital, os países
produtores de petróleo ampliaram suas despesas, principalmente com a importação de
produtos vindos dos países desenvolvidos. Parte deste capital foi depositado em bancos
estadunidenses e alemães, que passaram a dispor de capital excedente, pressionando os
países que estavam sofrendo com a crise para que estes contraíssem dívidas em elevadas
cifras, com juros flutuantes. O mecanismo da “crise da dívida” estava lançado.
Para Etienne Laurent (François Chesnais) e Michel Dauberny, a amplitude da queda da
produção industrial em 1974‐1975, e o relançamento da inflação, demonstravam a beira do
precipício em que se encontrava a economia imperialista (a OCDE se limitava a dizer que a
recessão era “a mais profunda conhecida desde os anos 30”), numa economia que funcionava
sobre a base de uma injeção continua de créditos associados às despesas parasitárias dos
estados, em primeiro lugar as despesas com armamentos.
As causas imediatas da baixa brutal da produção se encontrariam na explosão inflacionária a
partir do segundo semestre de 1972: “A inflação é a forma mais fácil da burguesia combater os
efeitos das contradições mais profundas do modo de produção capitalista”. O expansionismo
militar dos EUA, acompanhado da corrida espacial, produziu uma violenta inflação através do
estouro dos déficits dos EUA. A crise do petróleo fora, por outro lado, uma expressão da
concorrência inter‐imperialista e não poderia, portanto, ser responsabilizada pela inflação
galopante de 1973 e muito menos pela crise e decréscimo da produção industrial. .
46
A queda da produção industrial veio acompanhada de um recuo no volume de trocas
comerciais, avaliada em 7% no ano de 1975. No curso da recessão de 1974‐1975, o número de
falências nas empresas comerciais e industriais aumentou em mais de 30% nos EUA e em mais
de 60% na Grã‐Bretanha. Na França, o número de falências, de uma média anual de 10 mil no
período de 1968‐1973, subiu para 15 mil em 1975, com grande aumento do desemprego,
particularmente nos anos 1975‐1976: havia um “processo de desmembramento do mercado
mundial”. Os surtos de recuperação econômica alcançados pela Alemanha e Japão após a
Segunda Guerra Mundial, comumente usados como exemplos de capacidade de recuperação
da economia capitalista, entravam em crise ainda mais aguda em função de sua submissão aos
EUA. Avaliações unilaterais deixavam escapar o conjunto da crise, realçando a falência das
construções teóricas que se baseavam no milagre alemão e japonês.
A queda da produção industrial de 1973 foi anunciada por uma queda nas ações das bolsas de
valores. Mas o fenômeno mais importante foi marcado pelas primeiras iniciativas dos governos
para conter a crise: uma retomada dos impulsos inflacionários alimentados pelos gigantescos
déficits orçamentários dos principais países industriais, com de créditos injetados no circuito
econômico para impedir seu colapso. Sem esses créditos, falências em cascata aconteceriam.
A intervenção dos bancos centrais e dos governos para salvar do perigo os grandes trustes e
corporações, realçavam que as raízes da crise da produção de 1974‐1975 não haviam sido
eliminadas, pelo contrário, se elevariam ainda mais.
Contrariando Ernest Mandel, a respeito do significado da crise de 1974‐75, Laurent e Dauberny
não concordaram em que a “função histórica” dessa recessão fora terminar com o sistema de
pleno emprego, e criar um sistema de desemprego massivo e permanente. Essa seria uma
avaliação unilateral e limitada, que não levava em consideração o estágio imperialista do
capitalismo, o fato de que milhões de trabalhadores viviam nos países semi‐coloniais e
próximos aos grandes centros imperialistas, o que já garantia há muito tempo uma pressão
gigantesca sobre os trabalhadores dos países industrializados. Mas mais do que isso, o
desemprego de milhões de trabalhadores significava para a burguesia uma renúncia a colocar
em movimento uma força de trabalho que poderia produzir mais‐valia. Só o caráter
crescentemente especulativo da economia explicaria esta tendência contraditória.
A recuperação da rentabilidade dos capitalistas, a contenção da queda das taxas de lucro, se
produzia em níveis inferiores aos de 1966, não apenas pelas repercussões da inflação, mas por
uma situação de grande desproporção entre a remuneração dos investimentos especulativos
em oposição aos investimentos produtivos. A crise de 1974‐75, portanto, não era uma crise
clássica de superprodução: o capitalismo sobrevivia só ao custo da destruição crescente de
forças produtivas. Após a Segunda Guerra Mundial, este processo seguira com a corrida
armamentista e com o crescimento de capitais fictícios e especulativos sem correspondência
com a produção. A crise de 1974 ‐ 1975 era, portanto, um momento da mesma trajetória de
destruição periódica de forças produtivas como forma de relançar novos ciclos especulativos e
guerras de destruição. Em 1975, os países da OCDE já podiam apresentar um aumento da
produção em 5%, da demanda interna em 3%, da produtividade do trabalho industrial em
12%, uma queda dos preços das mercadorias essenciais em cerca de 40%, um freio da inflação
ao ritmo médio de 9%, e o aumento dos lucros em 25%, em média; houve uma recuperação
econômica no qüinqüênio 1975‐80:
ÍNDICE DE HORAS TRABALHADAS NA INDÚSTRIA DE MANUFATURAS (1970 = 100)
País 1970 1975\70 1980\75 1980\70
Alemanha Ocidental 100,0 92,2 103,0 95,0
Japão 100,0 89,6 106,2 95,2
Reino Unido (Homens) 100,0 95,1 98,1 93,3
Reino Unido (Mulheres) 100,0 97,6 101,4 98,9
EUA 100,0 99,0 100,8 99,9
França 100,0 93,1 97,4 90,6
Fonte: ONU, Statical Yearbook.
47
O qüinqüênio 1970‐75 foi importante para que os governos conseguissem impor seus planos
de recuperação, que ficaria mais acentuada no período 1975‐80, ao qual sobreveio uma nova
crise, em 1982. O mesmo comportamento econômico de recuperação capitalista pós‐1975
pode ser verificado nas taxas de investimento e de formação bruta de capital fixo:
INVESTIMENTO (% DO PIB)
País 1970 1975 1980 1985
Alemanha Ocidental 27,6 19,8 23,5 20,3
Japão 39,1 32,8 32,3 28,2
Reino Unido 19,6 18,6 16,8 17,3
EUA 17,8 16,8 18,6 19,2
França 26,1 23,0 23,6 18,9
Fonte: FMI. Estadísticas Financieras Internacionales, 1986.
FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL FIXO (% DO PIB)
País 1970 1975 1980 1985
Alemanha Ocidental 25,5 20,4 24,1 19,6
Japão 35,5 32,5 31,6 30,1
Reino Unido 18,9 20,1 18,1 17,1
EUA 17,6 17,0 18,5 19,6
França 23,4 23,3 21,9 18,8
Fonte: FMI. Estadísticas Financieras Internacionales, 1986.
Os dados não são conclusivos por si mesmos. Contudo, eles mostram que a economia mundial
esteve mais lenta na primeira metade do decênio de 1970. Para alguns se tratou de uma crise
ocasionada por fenômenos econômicos conjunturais, para outros da gestão da depressão
provocada por uma crise de superprodução que se iniciara antes, em 1966. De qualquer forma,
uma nova arrancada se deu só depois de 1975, quando o “keynesianismo militar” da economia
dos EUA levou a indústria bélica ao paroxismo da produção. Os gastos militares concorreram
para estimular artificialmente a demanda agregada da sociedade.
Além disso, o terreno de enfrentamento entre grupos industriais e financeiros ‐ até então
essencialmente nacional – foi crescentemente transferido para o mercado mundial: cada
grupo econômico tentou conquistar a posição mais vantajosa em mercados mais estreitos, em
uma conjuntura de concorrência exacerbada. A partir disso, as políticas econômicas nacionais
de regulação conjuntural cederam lugar às políticas de sustentação dos grupos trans‐
nacionalizados, para lhes ajudar a aumentar a sua competitividade.
A crise encontrava sua manifestação na saturação do próprio mercado, na inatividade do
capital, na impossibilidade de venda das mercadorias e na progressiva queda da taxa de lucro.
O capital nasce para auto‐valorizar‐se, para criar mais‐valia, para obter lucros: face a uma
excepcional dificuldade generalizada de consegui‐lo, devido à própria estrutura do sistema
produtivo, que tende à sobre‐produção dos bens de capital (daí o estreitamento da taxa de
lucro) e mercadorias (limite do mercado), a produção como um todo entra em crise. Todavia, o
fim da grande reconstrução pós‐bélica coincidiu com uma falta de liquidez na economia.
Muitos detentores de títulos e divisas, no final do processo, demandavam liquidez. Isto fora
precariamente superado em 1968 quando, frente às primeiras manifestações de uma crise de
sobre‐produção e de saturação dos mercados, foram abandonadas muitas das restrições
monetárias até o momento adotadas, e começou a verificar‐se um excesso de capital
monetário.
Foi só um adiamento da crise. A valorização do capital tornou‐se mais difícil, com uma
diminuição tendencial da taxa de lucro nos países centrais. A tentativa espasmódica de
reordenar o “mercado de trabalho” inseriu‐se neste contexto. Dado que o próprio modo de
produção tendeu a dificultar as condições para a extração de mais‐valia, e, portanto, para a
expansão da taxa de lucro, buscou‐se uma nova divisão internacional do trabalho: algumas
fases produtivas foram transferidas para regiões onde os trabalhadores recebessem salários
miseráveis por trabalhos quase forçados. Aproveitando‐se de um exército industrial de reserva
48
de imensas proporções, e de condições de extrema pobreza e fome, os capitalistas tentavam
conseguir uma taxa de mais‐valia mais elevada.
Reestruturação Produtiva
Nos países capitalistas centrais, por sua vez, o “fordismo” se transformou em estratégia de
limitação dos salários, com o objetivo de reduzir o consumo doméstico, para aumentar ao
mesmo tempo o lucro e o excedente exportável. Essa “crise do fordismo” seria o resultado da
utilização em grande escala das “novas tecnologias”.38 A automação decorrente foi,
essencialmente, uma tentativa de sair da crise econômica, através do aumento da composição
orgânica do capital, para aumentar a taxa de mais‐valia e, portanto, a taxa de lucro, que
experimentou uma queda brusca no fim do período de expansão: o aumento da produtividade
do trabalho caiu, nos EUA, de 3,2% anual, no período de 1958 a 1966, para 1,6% no período
1966‐1974 (situando‐se por baixo do crescimento demográfico); a taxa de lucro passou, entre
1973 e 1982, nos EUA, de 18,8% para 4,2%; no Japão, de 35% para 14,3%; na Alemanha, de
14,1% para 8,1%; na Inglaterra, de 6,6% para 0,6%.
As “novas tecnologias” (ou NTI, Novas Tecnologias da Informação) visaram atacar a queda da
produtividade do trabalho (mediante o aumento do seu controle pelo capital) e da taxa de
lucro, mediante a redução do tempo de trabalho necessário ou, como foi sintetizado,
“produzir com estoque reduzido, em particular o de processo; capacitar o seu aparelho
produtivo para a flexibilidade; organizar a produção e o trabalho de forma a aumentar
significativamente o controle sobre o processo produtivo; reduzir substancialmente o tempo
necessário para produzir”. Perseguindo cada um seu fim individual (abaratar os custos e elevar
os lucros) os capitalistas afundaram, no entanto, a taxa de lucro do capital global. A
concorrência e as desigualdades do desenvolvimento capitalista se exacerbaram: se o
aumento do custo de trabalho foi de 100 para 144 nos EUA, entre 1964 e 1982, o custo
relativo do trabalho foi de 100 para 206 na Alemanha Oriental, e de 100 para 204 no Japão.
Com uma elevação rápida dos salários, algumas firmas tiveram um incentivo maior para
substituir trabalho por capital.39
Os investimentos maciços na informática desde os anos 1970, que atingiram até 10% do PIB
dos EUA, não produziram os resultados esperados. O impacto das tecnologias informáticas na
produtividade foi limitado. Com a exceção do setor das telecomunicações, só os fabricantes de
computadores e de programas se beneficiaram com a revolução telemática. As causas
imediatas foram variadas: programas mal concebidos, de difícil uso, pouco confiáveis, mal
correspondentes ao trabalho que supostamente deviam auxiliar. Sua rápida obsolescência
impôs um esforço de manutenção e de formação de pessoal onipresentes e onerosos. A
transferência de tarefas subalternas para pessoal melhor remunerado, a desqualificação cada
vez mais rápida e a desmotivação da mão de obra tiveram um custo econômico e social.
38
Na década de 1940, o pai da cibernética moderna ‐ Norbert Wiener – declarou que já estavam reunidas as
condições técnicas para a aplicação em grande escala da automatização. Se isso não aconteceu, foi devido às
condições econômicas: o período de expansão capitalista atenuava a concorrência internacional, e tornava
antieconômica a obsolescência antecipada dos capitais existentes.
39
Pela concorrência entre os capitais, e o equacionamento da taxa de lucro, as empresas e os ramos industriais em
que a produtividade do trabalho se eleva acima da média social apropriam‐se de uma parte da mais‐valia produzida
em outras empresas ou ramos industriais, onde a produtividade do trabalho está abaixo da média social. O
mecanismo concreto por meio do qual se opera esta transferência da mais‐valia de uma empresa ou ramo industrial
para outros, é o da formação dos preços de mercado. As empresas e ramos tecnicamente “de ponta” realizam
lucros extraordinários vendendo ao preço do mercado porque os seus custos de produção são inferiores aos dos
concorrentes que determinam esses custos. As empresas e ramos atrasados não chegam a realizar o lucro médio,
ou vendem com prejuízo, porque os seus custos de produção são superiores aos dos concorrentes que, trabalhando
à produtividade média social, determinam os preços do mercado.
49
O dinamismo das novas tecnologias se encontrou diretamente associado à taxa de lucro
derivada de sua aplicação produtiva. Como, por outro lado, esse benefício depende da
possibilidade de extrair a maior fatia possível do valor criado pelo trabalho; quanto menor é a
proporção do mesmo no processo de produção (dominado cada vez mais pela importância do
capital constante), maior é o grau de exploração do trabalhador necessário para obter um
aumento no lucro para uma dada quantidade de capital. Os diversos autores que se ocupam
das conseqüências da introdução de tecnologias baseadas na informática e na microeletrônica
na esfera da produção, sublinharam o caráter diferenciado dessa "revolução tecnológica" em
relação às anteriores: o anterior conceito de máquina a decompunha em três partes principais
(motor, transmissão e ferramenta).
O surgimento do microprocessador permitiu o aparecimento de máquinas programáveis,
fazendo com que as máquinas agora fossem compostas de motor, transmissão, ferramenta e
controle (o microprocessador é a parte principal do controle de uma máquina programável). O
desenvolvimento da calculadora eletrônica, primeiro artefato a ser produzido em larga escala
pelas "novas tecnologias", era antigo: em 1950, havia 10 ou 15 em funcionamento nos EUA,
35.000 em 1966, 40.000 em 1968, 85.000 em 1975. Com o início da crise econômica mundial,
o mercado mundial de microprocessadores, que era de 30.000 em 1973, passou para 10
milhões em 1977, e atingiu 150 milhões em 1980.40
Até os anos 1960, informática apenas engatinhava e a automação não era ainda um fenômeno
central da economia capitalista mundial. A partir de 1973‐75, a crise econômica mundial
acirrou a concorrência capitalista e determina a marcha acelerada em direção da automação
para abaixar violentamente a estrutura dos custos. O teatro principal dessas transformações
foi a indústria militar, menos afetada pela crise devido a que seus pedidos são garantidos pelo
Estado: as "novas tecnologias da informação" no campo civil foram uma derivação de sua
aplicação militar.41
Economia da Incerteza
Os elementos que prefiguravam a crise da economia capitalista já se encontravam presentes
no período de expansão. A crise tornou‐se evidente no outono (do hemisfério norte) de 1973,
depois que quadruplicou o preço do petróleo. Mas, antes de tomar a aparência de uma crise
40
Para Benjamin Coriat, a principal novidade consistiria na escala e nos setores em que a automação foi usada
desde a década de 1970: "As inovações tecnológicas atuais estão dando origem a uma transformação de grandes
dimensões e com rupturas qualitativas. A automação atual não continua a tendência das aplicações passadas. As
aplicações anteriores, que começaram na década de 50 e 60 correspondiam principalmente às indústrias de
processo contínuo: petroquímica, vidro, cimento e outras. A nova tendência de automação da década de 70
corresponde às indústrias de processos discretos, isto é, a produção em série. A atual automação não apenas se
refere às novas tecnologias, mas também à sua aplicação nos setores de produção em série, que tradicionalmente
utilizavam a mão‐de‐obra de forma intensiva: plantas automotoras, fábricas têxteis e de outros bens de consumo
duráveis".
41
Para Pierre Souyri, no entanto, o capital escava desse modo sua própria fossa: "A generalização da automação,
isto é, a sua utilização tanto no Departamento I quanto no Departamento II, nos escritórios assim como nos ateliês,
não constitui apenas um novo passo adiante no aumento da produtividade do trabalho, que Marx dizia que era uma
tendência necessária do desenvolvimento do capital. Ela é a realização dessa tendência até o momento da
intervenção, dentro do desenvolvimento histórico do modo de produção capitalista, de uma mutação qualitativa
que inaugura a dissolução desse modo de produção. A partir do momento em que a aplicação sistemática da ciência
à indústria provoca uma redução do tempo de trabalho necessário à produção, ao ponto do capital variável não
entrar mais no processo produtivo senão como um elemento residual, o capitalismo atinge os seus limites
históricos. Assim, com efeito, a força produtiva do trabalho se encontra convertida em força produtiva do capital
fixo: o trabalho como mercadoria não constitui senão uma categoria em vias de regressão, e na medida em que
essa regressão se opera, os outros elementos constitutivos das relações capitalistas de produção ‐ o produto como
mercadoria portador da mais‐valia realizada a ser reconvertida em capital, e o próprio capital como trabalho morto
produzido pelo trabalho vivo ‐ tendem a se tornar caducos. A generalização da automação se soma à realização
obtida da tendência pela qual ‘o capital trabalha para a sua própria dissolução como força dominante da
produção’".
50
das matérias primas, essa crise já tinha começado a se manifestar sob forma monetária (com a
declaração de não‐conversibilidade do dólar pelo governo norte‐americano). A partir da
declaração da não‐conversibilidade das moedas, não entre elas próprias, mas delas em
conjunto em relação a uma mercadoria de valor universal (o ouro), o valor dos patrimônios e
dos capitais ficava na incerteza. Qualquer medida governamental podia acabar com o
patrimônio de um capitalista. O processo da regulação do capitalismo passara a ser, por
primeira vez, político.42
As explicações sobre o fim do regime monetário de Bretton Woods referiram‐se ao aumento
da circulação de dólares devido aos déficits no balanço de pagamentos dos EUA, e ao
crescimento exponencial do mercado de eurodólares na segunda metade dos anos 1960,
levando ao aumento desordenado da liquidez internacional: ambos fenômenos criaram um
excedente de dólares incompatível com a quantidade de ouro disponível em Fort Knox, que
deveria servir de lastro para o dólar. Essa análise superestima o papel dos “mercados” na
quebra do acordo de Bretton Woods: o governo norte‐americano teria ficado refém do poder
avassalador dos capitais privados multinacionais. Ao contrário, a decisão visou preservar a
hegemonia econômica e política mundial do capital e do Estado norte‐americanos.
A justificativa para romper com o acordo baseou‐se no argumento de que o desequilíbrio
externo dos EUA era determinado por práticas comerciais desleais dos países europeus e do
Japão. O fim do padrão dólar‐ouro não foi uma derrota do capitalismo norte‐americano, nem
uma imposição natural dos mercados, mas uma política, que fez surgir um novo padrão
monetário, o “dólar flexível”, inédito na história das relações internacionais, mais vantajoso
para os EUA. Também marcou a volta da grande finança ao centro do poder.
A partir de 1973 o sistema financeiro internacional conviveu com taxas de câmbio flutuantes,
determinadas “pelo mercado”, e sujeitas a intervenções dos bancos centrais e a acordos
multilaterais. Em janeiro de 1976, em reunião realizada em Kingston, o FMI alterou seus
estatutos para levar em conta o novo regime de taxas flutuantes. O preço oficial do ouro foi
abolido, e deu‐se maior importância à participação dos Direitos Especiais de Saque (ou DES,
forma de moeda internacional criada pelo FMI para transações internacionais entre bancos
centrais, cujo valor corresponde à média ponderada das cinco principais moedas
internacionais: dólar, yen, marco alemão, franco francês e libra esterlina) nas reservas
internacionais, alocados aos países‐membros como proporção das cotas de subscrição no FMI.
O comportamento alterado tanto das taxas de crescimento como das de inflação, deu início a
um período que foi caracterizado pelo termo "estagflação" (coexistência de inflação com
desemprego e estagnação econômica). A “Curva de Philips”, que associa a taxa de inflação e a
taxa de desemprego, como inversamente proporcionais, foi praticamente refutada: no início
nessa década, com a ocorrência simultânea de inflação e estagnação, que demonstrou a
insuficiência da abordagem “ortodoxa” da inflação.
No mesmo período, o capital financeiro dos EUA, seguido pelos países capitalistas em
conjunto, criou as bases para a ampla valorização fictícia do capital. Os primeiros bancos a se
internacionalizarem em grande escala, como vimos, foram os norte‐americanos: no longo
período que vai de 1918 a 1960 as sucursais bancárias norte‐americanas no exterior
duplicaram (de 61 a 124), mas nos quinze anos seguintes o número das mesmas se multiplicou
sete vezes; assim, em 1975, existiam quase 900 filiais de bancos norte‐americanos no exterior.
Nesta proliferação internacional de sucursais, os bancos japoneses e europeus seguiram o
42
As potências econômicas passaram a coordenar suas políticas de câmbio por meio de reuniões anuais do Grupo
dos 5 (EUA, Japão, Alemanha, França e Grã‐Bretanha) que, depois, agregou Itália e Canadá, tornando‐se o G‐7. Na
expressão de Paul Volcker, o “czar” da economia dos EUA que precedeu Alan Greenspan, “desde 1971 e a decisão
americana de não mais vincular dólar e ouro, o mundo viveu com um não‐sistema monetário internacional”
51
caminho aberto pelos norte‐americanos. A “financeirização” percorreu, em grau maior ou
menor, todas as fases do desenvolvimento capitalista contemporâneo.
Europa, acumuladora de enormes saldos comerciais em dólares, era chamada a pagar pela
crise, com a desvalorização de suas reservas. No próprio Japão, temido como substituto do
“eixo atlântico”, a explosão da crise foi violenta. Segundo Costas Kossis: “A crise internacional
de meados de 1970, que significou o fim do longo boom, foi particularmente aguda no Japão.
O colapso do acordo monetário internacional de Bretton Woods, em 1971, trouxe uma
revalorização severa do yen, e abalou a competitividade do capital japonês. O aumento
massivo no preço do petróleo após o embargo de 1973 representou outro grande impacto, já
que cerca de 90% das necessidades energéticas do Japão eram cobertas com importações.
Caiu a rentabilidade das empresas, a inflação subiu a 24,5% em 1974 (apenas a Grã‐Bretanha
teve um desempenho pior), a produção da mineração e da manufatura caiu quase 20% em
1974, o investimento em equipamentos caiu e cresceu o desemprego. Durante um período,
houve pânico no comércio e o milagre japonês parecia ter acabado”.
Para Skidelsky, economista keynesiano, o gigantesco déficit em contas correntes permitiu aos
EUA financiar suas "pretensões imperiais". No regime de ouro antes de 1914, não emergia
desequilíbrio global. "A podridão", diz, começou com a conferência de Gênova de 1922, que
permitiu aos países deter parte de suas reservas numa moeda forte, como a libra esterlina ou
o dólar. O tratado de Bretton Woods, de 1944, adotou a proposta de taxas cambiais fixas, mas
não conseguiu impor um remédio contra o acúmulo de superávits pelos países. O privilégio do
dólar americano na época acomodou todo mundo, porque os europeus podiam exportar com
taxa cambial desvalorizada para os EUA, e estes cobriam seus custos na defesa de Europa
Ocidental.
O "privilégio exorbitante" denunciado por de Gaulle permitiu aos EUA continuar sua "missão
imperial" na Guerra Fria, para satisfação de parceiros e aliados. A posição privilegiada do dólar
sobreviveu ao colapso do regime de câmbio fixo, em 1971. Na teoria, a taxa flutuante removia
a necessidade de reservas, na medida em que o ajuste nos desequilíbrios de contas correntes
deveria ser automático. Mas a necessidade de reservas "sobreviveu de forma inesperada",
para se proteger de movimentos especulativos de hot money que desviavam a taxa cambial do
valor de equilíbrio. Os EUA continuaram a ter os benefícios políticos dos direitos de
"senhoriagem" do dólar americano: aceitaram moeda desvalorizada na Ásia porque isso
assegurava persistência de relações políticas desequilibradas.
Desenvolvimento Desigual e Crise Mundial
A ordem econômica internacional do pós‐guerra, centrada no “sistema de Bretton Woods” e
no papel do FMI, fora a mais séria tentativa feita, em toda a história do capitalismo, para
superar as conseqüências do seu desenvolvimento desigual. Como constatou Peter Burnham:
“O principal obstáculo à acumulação acelerada, em 1945, era o desenvolvimento desigual do
capitalismo a nível mundial, que havia produzido um grande desequilíbrio na produção e no
comércio entre os hemisférios ocidental e oriental, desequilíbrio que se manifestava como
‘brecha do dólar’. Por conseguinte, a estratégia econômica dos Estados nacionais europeus
girava em torno à busca de uma solução para as crises recorrentes do balanço de pagamentos,
que manifestavam o desenvolvimento desigual.
“Para esses Estados nacionais, a necessidade de maximizar a acumulação se traduzia na
necessidade de acumular divisas. A Grã‐Bretanha (atuando em representação dos Estados
europeus) e os EUA entraram em negociações para restabelecer os circuitos globais de
acumulação. Dadas as condições de desequilíbrio estrutural, os objetivos multilaterais dos EUA
(a plena conversibilidade monetária imediata, o comércio não discriminado e a diminuição de
52
tarifas alfandegárias) foram resistidos com êxito pela Grã‐Bretanha e, ao contrário da
percepção popular, o sistema de Bretton Woods foi efetivamente adiado até 1959”.43
A explosão da crise pôs em evidência todas as desigualdades passadas, acrescidas daquelas
criadas pela própria “expansão”. O desequilíbrio em favor do Japão foi seu aspecto mais
evidente. Em 1950 a produção de aço bruto do Japão era apenas 5,8% da produção dos EUA,
mas em 1980 já a havia superado. Em 1988 o superou na produção de automóveis para
passageiros. Da mesma forma, enquanto o período 1981‐1988 viu Reagan tentar sem êxito
levantar a economia dos EUA através de um empréstimo de mais de 531 bilhões de dólares, o
Japão chegou a ser o principal país credor do mundo, e seus ativos líquidos de 11,5 bilhões de
dólares em 1980 aumentaram para 291,7 bilhões em 1988.
Em 1973, o Japão ainda era uma economia substancialmente menor e mais pobre do que os
Estados Unidos. Seu PIB per capita era apenas 55% do norte‐americano, enquanto seu PIB
total era apenas 27%. Na década de 1980, o PIB real do Japão cresceu a uma taxa de 8,9%, com
a produção per capita crescendo a uma taxa de 7,7%. Para Elmar Altvater, isto deveu‐se a
condições excepcionais: “Liberado da necessidade de manter um gasto militar alto com
respeito ao PIB, e sem nenhum limite legal para a jornada de trabalho, o Estado japonês,
implementando inovações nos processos produtivos, alcançou uma reconstrução dramática”.
Isto fez supor que o Japão seria capaz de liderar um novo ciclo de acumulação e expansão
capitalista, com centro nas economias asiáticas (no Japão em especial, tese defendida pelos
defensores da teoria dos “ciclos longos”, em especial Giovanni Arrighi). A depressão japonesa
na década de 1990 (bem antes da “crise asiática”) derrubou essa expectativa, baseada numa
especulação teórica.
Para Paul Krugman, “o crescimento do Japão nas décadas de 1950 e 1960 se assemelha ao
crescimento de Cingapura nas décadas de 1970 e 1980. A era do milagre japonês faz parte do
passado. O Japão ainda consegue crescer mais rapidamente do que as outras nações
avançadas, mas essa diferença nas taxas de crescimento tornou‐se bem menor do que passado
e continua diminuindo. A história da grande desaceleração do crescimento japonês tem estado
estranhamente ausente da vasta literatura polêmica sobre o Japão e seu papel na economia
mundial. Grande parte dessa literatura parece parada no tempo, com os autores escrevendo
como se o Japão ainda fosse a economia de crescimento milagroso da década de 1960 e do
início da década de 1970... Mesmo uma plena recuperação (do Japão) atingirá apenas um nível
bem inferior ao que muitos observadores sensatos previram há vinte anos”.
Os acordos de Bretton Woods, portanto, apenas adiaram as conseqüências da desigualdade
econômica, ampliando a sua base. As contradições inter‐imperialistas reapareceram com toda
a sua força, no plano econômico, depois de terem “desaparecido” no plano militar, pondo em
evidência que a expansão acentuara a desigualdade do desenvolvimento capitalista mundial.
Para o mesmo autor: “A luta dos Estados nacionais na economia global é uma luta de irmãos
políticos em guerra competindo para evitar que as conseqüências da crise de sobre‐
acumulação irrompam em seu território graças ao desenvolvimento desigual”.
Com relação aos países “subdesenvolvidos”, o fosso que os separava dos países centrais
cresceu. Entre 1980 e 1990, a parte dos EUA nas exportações mundiais se manteve em torno
de 12%; a da Europa cresceu de 37 % para 41%; a do Japão de 7% para quase 9%; enquanto a
da África caiu de 5% para 2,5%, e a da América Latina de 6,5% para menos de 4%, o que levou
a concluir num “desacoplamento (involuntário) do Hemisfério Sul do mercado mundial”. A
polarização social se acentuou: entre 1970 e 1975, a renda anual por habitante aumentou 180
43
Coincidindo, Samuel Kilsztajn constatou que “a conversibilidade entre as moedas com o padrão dólar‐ouro,
prevista em Bretton Woods, existiu somente durante o curto período de 1958 a 1960” (!).
53
dólares nos países do Norte, 80 dólares nos países do Leste, e 1 dólar nos países do “Terceiro
Mundo”.
As taxas de crescimento dos “milagres asiáticos” também se reduziram, ou seja, se tornaram
“normais”. Paul Krugman chegou a afirmar que não havia qualquer "milagre asiático",44 e que
as outras economias nada tinham a aprender com a experiência dos “Tigres Asiáticos”, devida
a fatores excepcionais, pelo que se devia desfazer o mito do seu crescimento.45
TAXAS DE CRESCIMENTO DO PIB PER CAPITA, EM PPP
1960-70 1970-80 1980-92 1960-92
País
Japão 9.5 3.9 3.3 5.4
Singapura 6.2 9.1 5.1 6.6
Hong-Kong 7.0 6.7 5.8 6.4
Taiwan 5.4 7.5 6.0 6.3
Coréia do Sul 5.7 7.2 6.8 6.8
Malásia 4.6 7.1 4.1 4.7
Tailândia 5.4 4.2 4.8 4.8
Com a explosão dos preços do petróleo, a crise evidenciou seu caráter mundial, ao passo que
se transformou em catástrofe para os países periféricos. Em 1973‐74, o preço do petróleo
cresceu drasticamente. Os países atrasados experimentaram um forte aumento no custo de
suas importações, e a ascensão do preço do petróleo gerou um grande problema de
reciclagem para o sistema monetário internacional.
Os desequilíbrios das contas correntes de 1% a 1,5% do PIB, durante os anos de 1950 e 1960,
dobraram para 2% a 3% nos anos 1970. A ascensão do preço do petróleo fez com que os países
industrializados, em 1974, começassem a apresentar um déficit considerável da ordem de US$
20 bilhões de Diretos Especiais de Saque (DES). Os países “em desenvolvimento” e
importadores de petróleo, por sua vez, que já apresentavam déficits em suas contas correntes
da ordem de 5 bilhões de DES em 1973, viram essas cifras aumentarem significativamente
para o patamar de 80,5 bilhões de DES em 1981.
44
Segundo Krugman: “O caso de Cingapura é o mais extremo. Outras economias em rápido crescimento do Leste
Asiático não aumentaram a participação da força de trabalho no mesmo grau, nem melhoraram tão
substancialmente os níveis educacionais, nem elevaram tanto a parcela de investimentos. Não obstante, a
conclusão básica é a mesma: são surpreendentemente poucos os indícios de melhoria da eficiência. Kim e Lau
concluíram, quanto aos quatro "tigres" asiáticos, que "a hipótese de que não houve progresso técnico durante o
período do pós‐guerra não pode ser rejeitada para os quatro países recém‐industrializados do Leste Asiático".
Young, mais poeticamente, observou que, uma vez descontado o rápido crescimento dos insumos, o desempenho
da produtividade dos "tigres" despenca "das alturas do Olimpo para as planícies da Tessália". Essa conclusão
contraria tanto o pensamento convencional, que é extremamente difícil para os economistas divulga‐Ia. Ninguém
dá ouvidos. Em 1982, um estudante de pós‐graduação de Harvard, Yuan Tsao, encontrou poucas evidências de
aumento de eficiência em sua dissertação sobre Cingapura, mas seu trabalho foi ignorado ou descartado como
inacreditável”.
45
Por exemplo, na Malásia, o IDE cresceu de 300 milhões de dólares anuais em inícios da década de 1980, para mais
de 2 bilhões no final da década. O maior investidor era o Japão, seguido por Taiwan e os EUA. Os principais
investimentos foram em produtos elétricos e eletrônicos, químicos, borracha, metais básicos e petróleo. A maioria
dos investimentos foi orientada para as exportações: criaram‐se mais de 80 mil empregos na indústria eletrônica, o
país tornou‐se o terceiro produtor mundial de semi‐condutores. No final da década, 80 a Siemens construiu aqui a
sua quarta maior fábrica do mundo para produzir mega‐chips. A National Semiconductor, Motorola, Hitachi,
Seagate, Intel e Nixdorf construíram importantes fábricas. A Sharp e Sony passaram a produzir televisores e
monitores; a Matsushita exporta grande parte da sua produção de ar condicionado a partir deste país, operação
que foi crescendo com a apreciação do yen e em detrimento de suas fábricas no Japão. A chave: mão de obra
qualificada e barata, incentivos fiscais, repressão de todo movimento sindical; para montar plataformas de
exportação (as EAAPs tinham o “grau de orientação para o exterior” mais elevado entre todas as regiões do
mundo), com elevado peso também da indústria de têxteis e vestuário, essencialmente intensiva em trabalho. O
“milagre asiático” não fugiu da luta de classes, nem das relações internacionais próprias do imperialismo.
54
Saldo das Transações Correntes (em milhões de DES)
A internacionalização das forças produtivas atingira níveis sem precedentes, tanto no que diz
respeito ao comércio quanto à própria produção: a parte exportada da produção mundial
passou de 8,5% para 15,8% entre 1955 e 1974, e já em 1971, a produção das filiais norte‐
americanas situadas no estrangeiro atingia 172 bilhões de dólares, enquanto a exportação
direta chegava a 43,5 bilhões de dólares. A monopolização também crescia: desde meados dos
anos 1970, 50% das exportações americanas se efetuavam fora do mercado, no interior de
filiais de uma mesma “multinacional”. Essa foi a base da chamada “globalização”.
Seu conteúdo real foi dado pela internacionalização, menos das trocas comerciais , e mais das
operações do capital, sob a tríplice forma de capital industrial, do comercial e, sobretudo, do
capital‐dinheiro concentrado, que se valoriza na esfera financeira, mas que se alimenta de
exações na esfera produtiva onde se formam o valor, a mais‐valia, e as outras variedades do
sobre‐produto. A globalização é a das trocas comerciais só de forma subalterna, sendo que a
estrutura das trocas só é compreensível se analisadas as operações do capital nas suas três
figuras. As empresas transnacionais são responsáveis, como casas‐matriz, filiais, ou
contratadoras de serviços de terceirização além‐fronteiras, por pelo menos dois terços das
trocas internacionais de bens e serviços. Aproximadamente 50% do comércio mundial
pertence à categoria “intra‐grupo”. Entre 1980 e 1990 o comércio mundial cresceu
modestamente, a ritmos inferiores àqueles do período 1960‐74, e inferior também ao
crescimento das inversões diretas, ou às transações nos mercados financeiros internacionais.
Sistema de Crédito e Armamentismo
O crescimento da produção e da produtividade do trabalho durante as décadas posteriores à
Segunda Guerra Mundial encontrou um gargalo na segunda metade dos anos 1960, quanto
também se verificou uma tendência ao estancamento econômico no “bloco socialista”, cada
vez mais integrado ao mercado mundial (seu ritmo de crescimento passou de 11,5% em 1950‐
55 para 3,5% na primeira metade da década de 80).
As evidências da crise (queda da produtividade e da taxa de lucro, “corrida ao ouro”, e crise
monetária em 1971) deram lugar à crise declarada a partir de 1973. A queda da taxa de lucro
indicava que a massa do capital existente era excessiva em relação ao rendimento (mais‐valia)
que podia extrair da exploração dos trabalhadores. Para superar essa situação era necessária
uma crise, cujo papel seria, de um lado, eliminar uma grande parte do capital “excedente” e
superar, por essa via, a competição entre os capitalistas. Por outro lado, a crise deveria re‐
estruturar as condições sociais e políticas do processo de exploração, para recuperar, em uma
nova escala histórica, o nível da taxa de mais‐valia. A crise tornou evidentes as contradições
acumuladas no período “de expansão”, e sua magnitude possuía relação com a extensão e a
profundidade daquele.
O desenvolvimento que o capitalismo possui em cada fase histórica condiciona o caráter e a
profundidade das suas crises, bem como o papel que estas podem cumprir, quer destruindo
forças produtivas e restaurando as condições de valorização do capital, quer criando as
condições para a destruição das relações de produção vigentes. Do ponto de vista econômico,
houve diferenças substanciais entre a crise dos anos trinta e a de 1973‐1983. No primeiro
período houve uma desintegração da ordem econômica internacional, com um colapso do
volume do comércio mundial, levantamento de barreiras comerciais, controle de câmbios e
55
blocos comerciais discriminatórios. O mercado de capital internacional caiu também sob o
peso da mora e da insegurança criada pela hostilidade entre os principais países capitalistas
avançados.
No período de 1973‐1983 o crescimento dos países avançados caiu muito em relação à “época
dourada” do pós‐guerra. Boa parte da queda foi “administrada” e refletia preocupações pelos
problemas dos balanços de pagamentos e a inflação, que eram causados ou aguçados pelos
choques petroleiros da OPEP. A queda do PIB foi moderada em comparação com os anos
trinta.
O preço pago por este suposto “controle” do capital e suas instituições sobre a crise, foi a
extensão e profundidade inéditas desta, e o grau nunca antes atingido de parasitismo
econômico, expressa no desenvolvimento sem precedentes da especulação financeira, que
levou alguns a considerar este aspecto separadamente do conjunto da crise, sob o termo de
“financeirização da riqueza”. Na verdade, trata‐se de aspectos inseparáveis. O capital
comercial e o bancário crescem com o volume da produção capitalista e medeiam o processo
de reprodução do capital (ainda que, historicamente, tenham se desenvolvido antes do capital
industrial). Mas, como elementos da circulação do capital, eles não abrigam a criação de valor,
apenas o realizam, de modo que são estruturalmente dependentes do capital industrial,
prolongamentos deste, que se tornam autônomos externamente.
A aceleração dos negócios, em época de conjuntura favorável, leva à multiplicação das
operações de compra, venda e crédito, bem como o estímulo à função de meio de pagamento
do dinheiro. A separação externa entre capital comercial e bancário faz com que se
movimentem além dos limites impostos pela reprodução do capital industrial, violando a
dependência interna que guardam em relação a este. Por isso a conexão interna é
restabelecida mediante uma crise comercial, bancária e financeira, formas de aparência das
crises da economia real, apreendidas como contradições que se passam exclusivamente no
âmbito da circulação monetária, mas que em verdade resultam da anarquia do processo global
de reprodução do capital industrial, unidade do seu tempo de produção e circulação. A
capacidade excedente de produção – a razão entre capacidade de produção total e a
realização da produção ‐ só fica evidente quando a fase de expansão do crescimento atinge o
seu ponto mais alto. O surgimento de novas instalações fabris para suprir a demanda por
mercadorias aumenta a capacidade de produção, porém, no momento que a expansão
termina é que a capacidade excedente ou ociosa é percebida.46
A saída para a crise foi procurada, por isso, na expansão do crédito para o consumo, ampliando
artificialmente o mercado (Marx já assinalava que sem o desenvolvimento do sistema de
crédito e dos sinais monetários de substituição [moeda de crédito], o regime capitalista teria
encontrado os seus limites no volume de produção dos metais preciosos), e criando‐se uma
massa cada vez maior de “capital fictício”. As formas de “dinheiro de crédito” são títulos de
dívida, meros compromissos formais de pagamento de preços de mercadorias, cujos valores
devem ser sido medidos anteriormente pelo dinheiro. Um título de dívida não pode ser, ao
mesmo tempo, medida de valor, mas pode funcionar como meio de circulação e de
pagamento, no lugar do dinheiro, por transferência entre credores.
O gasto em consumo (e não em investimento) abriu o caminho para a recuperação econômica
posterior a 1975. O capital acumulado pela expansão foi redirecionado para setores
improdutivos ‐ militar, financeiro especulativo ‐ resultando na descontinuidade do ciclo de
reprodução do capital, que seria proporcionado por investimentos produtivos. O gasto em
investimento cresceu menos que 50% da taxa normal das quatro grandes recuperações
anteriores desde a Segunda Guerra Mundial, apesar da taxa de lucro posterior a 1975 crescer
46
“As condições de exploração são limitadas pela força produtiva da sociedade; as outras, pela
desproporcionalidade dos diferentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da sociedade” (Marx).
56
mais rápido do que a média nas recuperações anteriores. A razão é que as empresas reduziam
os empréstimos e tratavam de restabelecer condições de liquidez mais favoráveis. O gasto e o
consumo militar também foram elementos de ponta na recuperação de 1983.47
A corrida armamentista visava também o desmantelamento da URSS e do “bloco socialista”,
que, depois de um forte crescimento econômico no entre – guerras (na URSS), e no imediato
pós‐guerra (no “bloco” todo), vira fracassar a "modernização" pós‐stalinista tentada por
Kruschev, que se revelou incapaz de desburocratizar em profundidade e aumentar a eficiência
da economia. O grande ônus, para a URSS, era a corrida armamentista: em 1955, os EUA
consagravam 10% do seu PIB à produção de armamentos, sendo a percentagem para a URSS
de 14%. Esses percentuais, oficiais, por outro lado, parecem ter estado aquém da realidade: se
a CIA continuava convencida, ainda em 1976, de que a URSS não consumia mais do que 15%
do seu PIB em gastos de defesa; o físico “dissidente” Andrei Sakharov, um dos pais da bomba
atômica soviética, estimava esses gastos em 40% do PIB. A URSS deu início a concessões
políticas internacionais e estratégicas aos EUA, com vistas a relaxar essa pressão insuportável
sobre a economia soviética, que mantinha um enorme aparelho militar convencional e nuclear
no quadro do Pacto de Varsóvia, que estava mais orientado a ameaçar as repúblicas da URSS, a
Europa oriental e a China.
GASTOS MILITARES DOS EUA EM MILHÕES DE DÓLARES
1981 1982 1983
Salários 36.930 38.489 44.896
Reforma de militares 13.840 15.036 16.600
Operação e manutenção 55.548 62.271 69.392
Aquisições 48.025 65.701 89.547
Investigações e desenvolvimento 16.609 20.058 24.257
Construções militares 3.398 5.026 5.436
Alojamentos familiares 2.004 2.239 2.777
Outros gastos 2.031 5.239 4.654
178.386 214.060 257.469
Energia atômica 3.651 4.673 5.506
Outras atividades 369 133 58
Total 182.405 218.865 263.123
Mas a “mágica” creditícia e do gasto improdutivo (armamentista) do capital não conseguiria
superar as suas contradições, já analisadas por Marx no volume III de O Capital. Uma
hierarquia ascendente de títulos de crédito substitui o dinheiro na função de meio de
pagamento, constituindo o eixo do que Marx denominou “sistema de crédito”: “O crédito
acelera as erupções violentas da contradição ‐ crise ‐ e, portanto, os elementos de
desintegração do antigo modo de produção. O sistema de crédito aparece como o principal
nível de sobre‐produção e super‐especulação no comércio somente porque uma maior parte
do capital social é empregado por pessoas que não são seus proprietários que,
conseqüentemente, vêem as coisas de maneira diferente do proprietário. Isso demonstra
simplesmente que a auto‐expansão do capital permite um livre desenvolvimento real apenas
47
Essa tendência não foi privativa dos grandes países capitalistas. Relatórios do SIPRI (Instituto de Pesquisas para a
Paz, de Estocolmo) informavam que em 1980 os gastos militares no Terceiro Mundo superavam os 80 bilhões de
dólares, correspondendo ao Oriente Médio 38,4 bilhões. Proporcionalmente, os gastos militares dos países do
Terceiro Mundo já eram maiores que os das super‐potências: em 1969, quando os EUA e a URSS consumiam
aproximadamente 8,5% do seu PIB (conjunto) em gastos de defesa, Egito consumia 13,3%, Iraque, 10%, e Israel ...
25,1%. A queda percentual dos gastos militares dos EUA e da OTAN durante a década de 1970 não correspondia a
uma tendência “pacifista”: tratou‐se de uma racionalização do gasto, depois da derrota norte‐americana no Vietnã,
paralela a um intervencionismo político crescente dos EUA nas áreas chamadas de “interesse vital”. Foi nessa
década, exatamente, que os EUA superaram à URSS como os maiores exportadores de armas ao Terceiro Mundo,
ao mesmo tempo em que alimentavam as sangrentas ditaduras militares de América Latina.
57
até certo ponto, de modo que, de fato, constitui um freio e uma barreira iminente à produção
que são continuamente transgredidos pelos sistemas de créditos”.48
Especulação e Inflação Periférica
Assim, nos anos 80, tivemos o despontar da crise da dívida externa, a rápida ascensão do
Japão, dos tigres asiáticos, do sudeste asiático e da China continental (segundo Jim Rohwer, a
recusa dos governos asiáticos em “oferecer redes de proteção social” foi o segredo da rápida
expansão econômica dos “tigres” da região). A política de gastos armamentistas terminou com
a recessão nos EUA. Finalmente, houve o estouro de empréstimos contraídos por grandes
empresas com o intuito de conquistar lucros especulativos de curto prazo.
A especulação financeira foi uma conseqüência da expansão do crédito, através da criação de
novos “produtos financeiros” (que atingiriam seu máximo desenvolvimento com os chamados
“derivativos de crédito”) vinculados ao financiamento do crédito.49 Os países atrasados foram
o principal campo da recuperação financeira do capital.
A dívida externa desses países, nas décadas de 1970 e 1980, cresceu de aproximadamente US$
50 bilhões para pouco mais de US$ 1,6 trilhão, ou seja, um crescimento de 32 vezes. Essa
dívida foi financiada por governos estrangeiros, organismos internacionais e bancos privados
48
Em 1929, o economista marxista Henryk Grossmann (da “Escola de Frankfurt”) já criticara as tentativas de
emancipar a especulação da crise da produção capitalista: a especulação “possibilita aos capitais sobre‐acumulados
uma ‘aplicação’ lucrativa; estes lucros não emanam das utilidades, mas que são transferências de capital. A
economia política burguesa não quer ver estas conexões. Ela observa apenas os fenômenos tal como se apresentam
na superfície e se perde por isso na aparência. Porque o capital é exportado? Porque se buscam crescentemente os
títulos estrangeiros? Com o avanço da acumulação de capital e o incremento da massa de grandes e pequenos
capitalistas, a necessidade da extensão da especulação da Bolsa se apresenta a amplas massas de capitalistas, dado
que a massa dos capitais inativos que busca aplicação durante a crise e a depressão é cada vez maior”.
49
Os "derivativos" financeiros ‐ instrumentos derivados de ativos subjacentes ou de índices financeiros ‐ são usados
para controlar os riscos decorrentes da posse de ativos. Surgiram em meados da década de 1970, como um seguro
contra a crescente volatilidade das moedas e das taxas de juros, subseqüentes ao esgotamento do sistema de
Bretton Woods. Os derivativos são comprados, vendidos e negociados em bolsas de futuros financeiros ou
diretamente entre bancos e outros agentes (mercado de balcão). A “securitização” ‐ substituição dos tradicionais
empréstimos bancários pela emissão de títulos negociáveis por empresas ‐ aumentou a quantidade e variedade dos
ativos financeiros negociáveis, criando um campo de especulação financeira sem precedentes.
58
internacionais. Além disso, estava escriturada em moeda estrangeira (normalmente em
dólares).
A principal característica do crescimento do endividamento na década de 1970 foi o aumento
nos montantes emprestados por credores privados. O processo especulativo, portanto, surgiu
como paliativo para a crise de sobre‐produção da década de 1970, levando à ampliação dos
seus efeitos, culminando com o aumento espetacular da dívida interna dos EUA (com as
famílias endividadas em 150% das suas receitas) e com a crise internacional das dívidas, em
1982.50
EMPRÉSTIMOS GOVERNAMENTAIS E PRIVADOS PARA OS PAÍSES “EM
DESENVOLVIMENTO” (EM %)
50
Em 15 de agosto de 1982 o México declarou que não teria condições de pagar sua dívida externa. Vários países
acompanharam a iniciativa mexicana, e no final da década, 40 países estavam renegociando suas dívidas junto aos
bancos comerciais. As conseqüências foram severas, não apenas para as partes diretamente envolvidas, como
também no funcionamento do sistema financeiro internacional. Isto teve um custo elevado para os países
endividados, que passaram por um período de estagnação na década de 1980. Mais de 50% dos saldos comerciais
de Brasil e do México foi utilizado para o serviço da dívida nas décadas de 1970 e 1980.
59
inflação ascendente, quando os bancos buscaram novas formas de captação, livres das
imposições sofridas pelos depósitos bancários junto ao banco central. O mesmo ocorria no
âmbito das grandes empresas, que se tornaram independentes dos bancos para efeito de
financiamento, com a colocação de títulos próprios no mercado financeiro, os commercial
papers. A guinada na política econômica norte‐americana, em 1979, reforçou a tendência para
a “desregulamentação” dos mercados financeiros, e a progressiva quebra dos controles
nacionais às movimentações financeiras. Entramos num período caracterizado pela crescente
importância do mercado internacional de títulos, os bonds, emitidos por governos, empresas
estatais e empresas privadas.
INFLAÇÃO (%) 1970-1981
Período EUA Japão Alemanha
1970 5,9 7,7 3,4
1971 4,3 6,1 5,3
1972 3,3 4,5 5,5
1972 6,2 11,7 6,9
1974 11 24,5 7
1976 9,1 11,8 6
1976 5,8 9,3 4,5
1977 6,5 8,1 3,9
1978 7,7 3,8 2,6
1979 11,3 3,6 4,1
1980 13,5 8 5,5
1981 10,7 5,1 6
A elevação dos juros à longo prazo repercutiu na economia mundial. A crise da dívida que se
produziu no início da década de 1980 no Brasil, México e em outros países, teve sua origem na
elevação dos juros reais à longo prazo. Essa elevação aumenta os títulos públicos emitidos pelo
estado como parte da reconstituição dos mercados financeiros, crescendo a dívida tanto em
termos absolutos quanto relativos. O montante dos mercados financeiros à escala
internacional passou de 10 trilhões em 1980 para mais de 35 trilhões de dólares em 1990: a
parte da dívida pública passou de 18% para 25% em apenas 10 anos.
O crescimento das sociedades de investimento financeiro foi testemunha da reconstituição do
mercado financeiro: sua rentabilidade tornou‐se muito maior e rápida, impulsionando os
grupos industriais a acelerarem o seu processo de financeirização (lucros “não operacionais”).
A acumulação passou a basear‐se na reconstituição e no crescimento rápido do mercado
financeiro, e no crescimento dos grupos de caráter especulativo. Os EUA passaram a
aproveitar‐se da posição econômica, política, tecnológica e financeira dominante. A dívida
pública norte‐americana representava, em 1995, 45% da dívida pública mundial, 4% do PIB
norte‐americano, 20% do seu orçamento federal. Os EUA passaram a ser “importadores de
capital” desde 1983: tornaram‐se uma potência centralizadora dos mercados financeiros em
benefício de si próprio em escala internacional.
A escalada da economia especulativa teve como conseqüência a flexibilização do mercado de
trabalho, com crescente precariedade dos contratos trabalhistas, queda contínua dos salários
reais, perda da estabilidade e dos benefícios. O capital financeiro não era o mesmo do início do
século: não se poderia analisá‐lo sem levar em conta, por exemplo, o papel dos fundos de
pensão. O capital é sempre uma totalidade diferenciada na qual se articulam os grandes
mercados, as grandes empresas e os diversos estados nacionais: não havia um “capitalismo
global” que teria perdido sua base nacional e sim a ordenação de um sistema mundialmente
hierarquizado, conforme a articulação da grande capital. Os mercados financeiros localizados
nos países imperialistas organizam os mecanismos pelos quais se estabelece a subordinação
dos países dominados.
60
Nos anos 1980, os fundos especulativos investiram em junk bonds, títulos “podres”,
investimentos incertos que provocaram craques nas bolsas americanas e internacionais, e os
savings and loans, cadernetas de poupança que foram à falência seqüencial nos EUA. A
falência dos investimentos revelou que a maior parte dos fundos de pensão tinha sido
investida, a despeito dos controles oficiais, em setores especulativos de alto risco. As garantias
legais existiam nos EUA: a lei obrigava os fundos de pensão a estarem no seguro, o que não
impediu que muitos não estivessem, levando, no caso de sua concordata ou falência, a que os
aposentados se encontrassem “legalmente” de mãos atadas. As tendências de fundo eram a
explosão do capital especulativo e o crescimento correlativo da precariedade do emprego.
Segundo os cálculos de 1994 do BIS, US$ 13 trilhões passaram a girar pelo mundo em
velocidade jamais vista, ao comando de teclas de computador. O mega‐investidor George
Soros ganhou 1 bilhão de dólares em 1992, apostando contra a libra esterlina. Conseqüências:
a libra teve de ser desvalorizada e retirada do mecanismo de flutuação criado no mercado
europeu. Em 1971, o volume de empréstimos internacionais de médio e longo prazo feitos
pelo capital privado foi de 10 bilhões de dólares. Em 1995, ele chegou a 1,3 trilhão: cresceu
130 vezes em apenas duas décadas e meia. O dinheiro volátil, das bolsas de valores, do câmbio
ou dos juros, passou a sustentar transações diárias entre 2 e 3 trilhões de dólares.
Os mercados de câmbio foram o segmento do mercado financeiro global que registrou o maior
crescimento: na década de 1980 seu volume de transações decuplicou. As transações nos
mercados de câmbio superaram o crescimento dos fluxos comerciais (apesar de, entre 1965 e
1990, o comércio mundial de mercadorias e serviços ter aumentado 14 vezes), dos
investimentos externos direto e o crescimento do PIB dos países da OCDE:
COMPARAÇÃO ENTRE O CRESCIMENTO (DE 1980 A 1988) DOS FLUXOS COMERCIAIS, FINANCEIROS, DE
INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO E O CRESCIMENTO DO PIB DOS PAÍSES DA OCDE (COEFICIENTE MULTIPLICADOR)
PIB dos países Fluxos Transações nos Fluxos
da OCDE comerciais mercados de de IED
câmbio
1,95 2 8,5 3,5
“Revolução Conservadora” e Novo Choque do Petróleo
O novo patamar das taxas de juros estabelecia o piso para as taxas de lucro e acumulação
esperadas, criando assim as bases para a predominância do capital financeiro e a crescente
“financeirização da riqueza”. Às empresas produtivas restava buscar, na periferia, fatores de
produção a baixíssimos custos no que se referia à mão de obra e recursos naturais. O paulatino
incremento da participação de ganhos de natureza financeira também se apresentava como
alternativa para a equalização das taxas de lucro próxima dos valores esperados.
O governo Reagan (1981) implementou também uma nova política tributária: as maiores
fortunas e os ganhos de capital foram em muito desonerados. Os cortes compensatórios
dirigiram‐se preponderantemente para os gastos sociais. O mesmo realizou o governo
61
Thatcher (1979) na Grã‐Bretanha. Na Alemanha a “onda” chegou em 1982, com Helmuth Kohl.
Surgia a era do (mal chamado) “neoliberalismo”, ou (pior ainda) “revolução conservadora”.51
A política de estabilização do dólar e combate a inflação, através dos juros altos e do
endividamento do tesouro americano, foi iniciada com Jimmy Carter e continuada com Ronald
Reagan. Os juros, que chegaram a ser negativos, dada a elevada inflação nos EUA, atingiram
mais de 20% ao ano, levando México e Argentina a declararem moratória em 1982. Este fato
quase levou a uma quebra generalizada dos grandes bancos e empresas.
Sob o governo Reagan houve também o incremento da corrida armamentista, com o projeto
“guerra nas estrelas” como o carro chefe. Para além dos objetivos geopolíticos, referentes a
forçar a URSS a se desgastar economicamente, havia uma política de reconfiguração da
composição da indústria, bem como de redirecionamento dos gastos públicos (que, contra o
mito “neoliberal”, estiveram longe de experimentar uma queda),52 com um aumento
estrutural na participação dos gastos militares no orçamento. A microeletrônica obteve um
forte desenvolvimento, aplicada ao sistema produtivo, com a difusão da automação, da
robótica e da informatização crescente. As telecomunicações mudaram radicalmente, abrindo‐
se a era do celular e da Internet.
DESEMPREGO (% DA POPULAÇÃO ATIVA TOTAL) 1970/1982
As mudanças também fragilizaram a classe operária, com a diminuição dos postos de trabalho,
e a exigência de novas qualificações. Mas isto não era uma decorrência “natural” das novas
51
Para os então chamados “novos economistas”, a crise era devida à indevida intervenção estatal no mercado que,
em sua forma “pura”, não comportaria crise nenhuma. Surgiu a imagem de uma ofensiva rampante do neo‐
liberalismo, como vitória da ofensiva desencadeada com a tomada do poder pelo grupo de Paul Volcker, nos EUA, e
de Margareth Thatcher, na Inglaterra: “O triunfo da ortodoxia liberal, a partir do final dos anos setenta, sancionou o
caráter irreversível do processo de mundialização econômica. Expostos à mobilidade crescente dos capitais, os
Estados não estão somente limitados no manejo de seus instrumentos tradicionais de política econômica. Também
estão submetidos a concorrência pela captação da poupança e dos investimentos. Essa concorrência os lança numa
corrida para a desregulamentação, as privatizações e as reduções impositivas que compromete os compromissos
sociais surgidos durante o período keynesiano” (Chesnais). Citando os traços comuns dessas políticas, falou‐se em
ofensiva “neo‐liberal”: ajuste fiscal; redução do tamanho do Estado; fim das restrições ao capital externo; abertura
do sistema financeiro; desregulamentação; reestruturação do sistema previdenciário. Para Göran Thernborn: “O
neoliberalismo é uma superestrutura ideológica e política que acompanha uma transformação histórica do
capitalismo moderno”.
52
Como afirma Philippe Delmas: “É paradoxal pretender que o Estado recue enquanto a sua porção de despesas do
PIB não cessa de aumentar. É difícil sustentar que ele não interfere nas empresas, quando sua dívida perturba
profunda e sensivelmente os mercados financeiros: a dívida pública norte‐americana aumentou mais depois de
1981 do que no período em que financiava a Segunda Guerra Mundial. É altamente contraditório afirmar que o
Estado é neutro quando se constata que três quartos do aumento da concentração de riquezas se devem às
mudanças das leis fiscais. O Estado do liberalismo dogmático não é um Estado ausente, mas sim dissimulado e
incompetente. É espetacular ver como ele emprega o equivalente ao PIB italiano para reparar as conseqüências de
uma desregulamentação mal concebida das caixas de poupança, após de ter recusado investir um milésimo da
quantia para sustentar as indústrias do futuro e demitido os funcionários que propuseram tal absurdo”.
62
tecnologias, que encontraram suas principais aplicações no incremento do gasto improdutivo e
do parasitismo, no setor financeiro, no comercial e, sobretudo, no setor de armamentos (se
utilizadas em uma sociedade estruturada sobre outras bases, socialistas, essas mesmas
tecnologias seriam um poderoso instrumento de libertação do trabalho humano, não de
incremento da exploração econômica e da alienação social). A super‐exploração decorrente
das novas tecnologias exigiu como pré‐condição social e política a derrota e o retrocesso do
movimento operário organizado, que Reagan impôs ao vencer a queda de braço com o forte
sindicato dos controladores aéreos, e Margaret Thatcher com a vitória contra o mais antigo e
forte setor do sindicalismo inglês, na greve dos mineiros de 1984.
Era uma tentativa de reverter as tendências políticas mundiais. Depois da derrota no Vietnã, os
EUA amargaram a queda de um de seus principais aliados no Oriente Médio: a monarquia
iraniana, em 1978‐79. Do ponto de vista das relações internacionais, o “ocidente” perdera um
de seus mais importantes peões. Com seus 2.600 quilômetros de fronteira com a União
Soviética, o Irã era uma base ideal para os sofisticados aparelhos americanos de
acompanhamento eletrônico das atividades militares e espaciais soviéticas.
Mais do que isso, o Irã era uma fonte vital de petróleo para Europa, Japão e os EUA. E, para
completar, empenhava‐se de bom grado na missão de "policiar" o estratégico Golfo Pérsico.
Mas a derrota ocidental no Irã não se limitava à perda de um "protetorado": era a admissão do
fracasso do sistema de "Estados‐clientes", que florescera nos anos da guerra fria. A chamada
“defesa ocidental” baseara‐se em pactos regionais centrados em "Estados‐clientes" ‐ países
intermediários que se alinhavam aos interesses estratégicos americanos em troca de ajuda
econômica e militar: com a revolução iraniana, os "Estados‐clientes" já não eram mais
confiáveis.
Eram tempos de détente, na qual os Estados Unidos e União Soviética passaram a buscar a
“pacificação” do Oriente Médio, sobre a base das fronteiras e equilíbrios estabelecidos
conjuntamente depois da Segunda Guerra Mundial. Esse esforço conjunto das superpotências
resultou na aproximação entre Egito e Israel, formalizada em 1979 com a assinatura dos
acordos de Camp David, assinados pelo presidente egípcio Anuar Sadat e pelo primeiro‐
ministro israelense Menahem Begin. O Egito transformou‐se no primeiro país muçulmano a
assinar um tratado de paz com o Estado judeu. Na década de 1980, Israel devolveu parte de
Golan à Síria, e o Sinai ao Egito, mas assentou colonos na Cisjordânia e na faixa de Gaza. A
revolução iraniana foi o fator que introduziu um novo fator de desequilíbrio no desenho do
Oriente Médio.
Entre 1978 e 1981 tivemos, então, a segunda crise de petróleo. A “revolução islâmica” no Irã e
a guerra Irã‐Iraque provocaram a queda na produção e a disparada dos preços. A política da
OPEP tornou‐se mais agressiva. Oito altas de preço se sucederam. Na Europa, convocaram‐se
reuniões de emergência ‐ como as da Agência Internacional de Energia, entidade que congrega
as dezenove nações mais industrializadas do Ocidente, e a da Comunidade Econômica
Européia.
No porto holandês de Rotterdam ‐ principal terminal petrolífero da Europa – onde está
instalado o principal centro do "mercado livre" do petróleo (o produto oferecido para entrega
imediata fora dos contratos de longo prazo e dos preços estipulados pela OPEP): em tempos
normais, em Rotterdam, negocia‐se o petróleo a preços abaixo dos fixados pela OPEP. Mas em
março de 1979, enquanto a Arábia Saudita vendia seu barril a 13,33 dólares, de acordo com o
estipulado na OPEP, no mercado livre de Rotterdam o óleo chegava a 23 dólares o barril. Havia
consumidores dispostos a pagar o que fosse para garantir seus estoques. O Irã, enquanto sua
produção não fosse regularizada, não firmaria contratos de longo prazo, mas ofereceria seu
produto no "mercado livre" a 18 a 20 dólares por barril.
63
P erío d o P reço
1970 1 ,7 3
1971 2 ,1 4
1972 2 ,4 5
1973 3 ,3 7
1974 1 1 ,2 5
1975 1 1 ,0 2
1976 1 1 ,8 9
1977 1 2 ,8 8
1978 1 2 ,8 8
1º trim e stre d e 1979 1 3 ,8 9
2º trim e stre d e 1979 1 7 ,1 7
3º trim e stre d e 1979 2 0 ,6 7
4º trim e stre d e 1979 2 3 ,9 1
A crise iraniana marcou o pontapé inicial do novo rebuliço no mercado mundial de petróleo.
Outros países (Arábia Saudita, Kuwait e Iraque) concordaram em elevar sua produção diária
provisoriamente, de modo a compensar a falta do produto iraniano. Ainda assim, ficaram
faltando dois milhões de barris por dia no mercado mundial. E os países que elevaram sua
produção só concordaram em fazê‐lo com a condição de colocarem seu produto no "mercado
livre", não de vendê‐lo aos preços da OPEP.
Arábia Saudita, por exemplo, ao elevar sua produção de 8,5 milhões de barris por dia para 9,5
milhões, passou a vender o milhão adicional por 14,54 dólares o barril ‐ 1,21 a mais do que seu
preço normal. Faltava petróleo no mercado. Era a crise completa. O Irã permanecia abaixo de
seus níveis de produção: de seus poços saíam pouco mais dos 700.000 barris diários de que o
país precisava para seu consumo interno. O governo pretendia situar a produção em 4 milhões
de barris por dia, com 3,3 milhões para a exportação, sem voltar aos 6,5 milhões de barris por
dia, dos quais 5,8 milhões para exportação.
A crise prolongou‐se, e em 1980 alguns carregamentos de óleo bruto eram negociados a mais
de 40 dólares o barril. Em março de 1982, a OPEP decidiu fixar cotas de produção, limitando o
total a 18 milhões de barris diários, para manter a cotação. Como a Carta da OPEP permitia
que essas cotas fossem somente referenciais, somente três países decidiram aplicá‐las. A “pró‐
ocidental” Arábia Saudita reduziu sua produção em dois terços. O crescimento médio das
economias dos países da OCDE, previsto inicialmente para 3,5% em 1979, ficou pouco abaixo
dos 2,5%. Após o “segundo choque”, o consumo mundial de petróleo aumentou
vagarosamente. Houve guerras de preço, entre produtores de dentro e fora da OPEP. Em
março de 1983, a OPEP concordou em reduzir o preço do barril (de US$34,00 para US$29,00).
Em razão da queda nas vendas, a OPEP, que sofria a concorrência da política de diversificação
de recursos energéticos praticada pelos países ocidentais e pela exploração de reservas fora de
seu controle, baixou em 15% o preço de referência para o óleo. Finalmente, em 1986, sob
pressão de partidários da limitação de produção, uma conferência extraordinária da OPEP
reuniu‐se em Genebra e decidiu manter um teto de 17 milhões de barris diários. A nova
economia política do petróleo diferia daquela da década de 70 pela criação dos mercados spot
e de futuros do petróleo, com crescente abertura dos mercados petrolíferos mundiais e sua
internacionalização.53
Recuperação e Financeirização
O novo cenário para a luta de classes foi criado em escala mundial. Os capitalistas americanos
reagiram ao “terremoto de 1980/81” com uma inaudita reestruturação produtiva global. Nos
53
Todo dia são gastos 2 bilhões de dólares com o combustível. Um quarto disto é consumido pelos EUA: no país que
consome mais energia do mundo, 40% correspondem a petróleo, 20 milhões de barris por dia ao preço; a balança
comercial dos EUA é deficitária.
64
vinte anos seguintes, à medida que se sucediam novos e mais potentes abalos no mercado
mundial, aconteceu a globalização da indústria capitalista, a expansão do mercado e da
indústria mundial, até o último rincão do globo, exatamente na medida dos impactos daqueles
abalos periódicos e da necessidade serem superados.
A agregação contínua de novos espaços de valorização do capital, ou reformas e
reestruturação dos antigos, com a expansão do trabalho assalariado e do exército industrial de
reserva, ocorreu teve o objetivo de se contrapor à tendência declinante da taxa de lucro. E isso
só poderia ser realizado com novos patamares de acumulação do capital industrial e,
conseqüentemente, elevação das taxas de exploração da força de trabalho global e
potenciação de novas crises periódicas mais e mais ameaçadoras ao sistema. Robert Brenner
destacou uma “reviravolta do setor manufatureiro dos Estados Unidos” e “um momento
crítico para a economia mundial como um todo”, além de “uma virada histórica nas tendências
da competitividade, ou da ascensão paralela na taxa de lucro do setor de manufaturados”.
É impressionista afirmar, como fez François Chesnais, que teria ocorrido “o fim do ciclo do
capitalismo sob o domínio do capital industrial... a autonomia total que imprime sua marca ao
conjunto de operações da economia contemporânea [que] leva a marca da ultra‐
financeirização, do domínio do capital rentista (rentier). O sistema, pela primeira vez em toda
sua história, confiou completamente aos mercados o destino da moeda e das finanças. Os
governos e as elites que dirigem os principais países capitalistas adiantados deixaram que o
capital‐dinheiro se tornasse hoje uma força incontrolável”.
Foi “culpa dos governos e as elites”, então?54 Isso significaria esquecer que as crises
econômicas capitalistas não são provocadas pela natureza, por desequilíbrios do sistema
financeiro, ataques especulativos, excessos ou insuficiências de intervenção do Estado na
economia, ou qualquer outra determinação externa ao processo de valorização e de
acumulação do capital. O limite do capital é ele mesmo. Isso quer dizer que a crise do capital
acontece, exatamente, devido ao seu enorme sucesso. E ela não acontece em algum ponto
baixo da acumulação, mas em seus pontos mais elevados.
Depois da crise de 1974‐75, houve uma recuperação leve até 1979, quando houve uma nova
queda (“segundo choque do petróleo”) até 1982. A recuperação ulterior não recuperou as
cifras de produção de 1979, que só foram superadas em 1984 pelos EUA e o Japão. Na
recuperação econômica dos EUA, que começou em 1982 e fez a glória da reaganomics
neoliberal, houve crescimento na economia norte‐americana, o desemprego foi reduzido, a
inflação baixou, a produção e o investimento cresceram. O slogan republicano antes das
eleições de novembro de 1984 foi: "Você ainda não viu nada!".
A recuperação explicou‐se por vários fatores: (1) maior demanda adicional gerada pelo déficit
orçamentário; (2) pesados gastos públicos no maior programa armamentista da história norte‐
americana, aproximadamente um terço do total de gastos mundiais com armamentos; (3)
baixos custos salariais e lucros altos, devido ao reduzido poder de negociação dos sindicatos e
à queda dos salários reais; (4) baixos custos de insumos básicos, resultantes da recessão
anterior e da disposição dos países super‐endividados do Terceiro Mundo em vender abaixo
do custo; (5) financiamento pelo resto do mundo para sustentar tanto o déficit orçamentário
quanto o de balança de pagamentos através de enorme influxo de capital atraído pelas altas
taxas de juros.
Houve rápido crescimento do endividamento do governo federal e a maior dependência do
sistema bancário em relação aos depósitos de estrangeiros; o crescimento constante do déficit
de conta corrente norte‐americano transformaria a mais rica nação do mundo na maior
devedora internacional antes do da década.
54
Ou seja, os governos estariam precisando de um “novo Keynes” para corrigi‐los? Candidatos não faltam...
65
A reaganomics subentendeu que não houvesse diferença entre tomadas de empréstimo pelo
governo e aumento de impostos, mas impostos e tomadas de empréstimo têm conseqüências
diferentes nas taxas de juros e nos déficits comerciais: em determinado momento o dinheiro
tomado emprestado, ao contrário dos impostos, deve ser reposto. Déficits enormes podiam
enfraquecer a confiança no dólar e levar ao medo da inadimplência.
O “milagre” de uma economia funcionando com déficits crescentes e, contudo, tendo a moeda
mais forte, embora apoiada por investimentos de todo o mundo, não podia durar para
sempre. Durante o primeiro semestre de 1985, a economia norte‐americana reduziu o ritmo
significativamente, e começou a preparar a “aterrissagem forçada”.
Nas décadas de 1980 e 1990 expandiu‐se também, o “mercado financeiro global”, com várias
dimensões: o mercado cambial; os empréstimos bancários internacionais; os papéis de médio
prazo; a negociação internacional de ações e derivativos (conjunto de instrumentos financeiros
"derivados" de vários produtos que são usados para fazer hedge de riscos financeiros ou para
“apostar” em variações de preços, de moedas e de taxas de juros). Foi estimado que o estoque
total de ativos financeiros negociados no mercado global de capitais expandiu‐se de US$ 5
trilhões, em 1980, para US$ 35 trilhões, em 1992. Estimativas relativas ao financiamento pelos
mercados internacionais divulgadas pelo Banco para Compensações Internacionais (BCI)
mostraram um aumento de seis vezes entre 1982 e 1998, passando de US$ 1,3 trilhão para
US$ 8,2 trilhões. Mas o inchaço do setor especulativo ilumina a crise do sistema como um
todo, não a criação de um “novo capitalismo” (a dimensão do “rentismo” é, certamente, nova,
mas não o próprio fenômeno).55
A inversão realizada pelo pensamento capitalista da relação crise‐especulação cumpre uma
função ideológica, ignorando que as bases da expansão especulativa foram lançadas em plena
“expansão produtiva”, com a espantosa internacionalização do sistema bancário desde a
década de 1960. O pensamento vulgar supõe que a especulação é uma das causas básicas da
crise e que sua eliminação abriria imediatamente o caminho do progresso para o capital
produtivo. O certo é o inverso, pois a crise econômica, a paralisação e o retrocesso das forças
produtivas são o que multiplicam as tendências de aventura especulativa. A crise é sempre
uma manifestação da queda mais ou menos brusca da taxa de lucro na órbita da produção,
que obstaculiza ou impede a reprodução das massas de capital nessa esfera. Nessa mesma
medida aumenta a voracidade do capital por obter lucro às custas da exploração mais
acentuada dos trabalhadores, ou às custas de seus próprios rivais. A especulação, companheira
55
O peso inédito do capital financeiro foi decisivo, sim, na concentração empresarial mundial. Nunca se deve
esquecer, porém, que, em última instância, o ciclo do crédito se contrai e se expande seguindo o ciclo industrial, os
bancos concentram e redistribuem a mais‐valia gerada no processo de produção, e inclusive os capitais fictícios
emitidos sem contrapartida real dependem das atividades industriais. Qualquer que seja a sua separação da
produção, os capitais financeiros não são “puros papéis”, enquanto o mercado lhes reconhecer algum preço. O
mesmo vale para os títulos públicos. O que explica a circulação de qualquer forma de dinheiro é a existência de
valores surgidos de atividades reais e direitos derivados da geração de mais‐valia já criada ou a ser criada.
66
inseparável da crise, é a obtenção de uma valorização fictícia do capital, na medida em que
não se opera nenhum acréscimo da riqueza material.
Combinado com o retrocesso produtivo e social, o desenvolvimento especulativo atingiu
dimensão qualitativa. As transações monetárias internacionais, que triplicaram em cinco anos,
atingiram cotidianamente em 1992 a soma astronômica de quase um trilhão de dólares, um
montante mais ou menos equivalente à totalidade das reservas em ouro e em divisas dos
países membros do Fundo Monetário Internacional.
A crise evidenciada na década de 1970 tocava, portanto, limites do capitalismo, perfazendo
uma crise do próprio padrão de reprodução do capital, que só seria superada à custa de
modificações substanciais no padrão de reprodução, ou das próprias relações capitalistas de
produção. Dadas as dificuldades dessas modificações, tais crises tendem a ser prolongadas e a
devastar mais profundamente as forças produtivas acumuladas. A depressão econômica global
é diferente de uma crise periódica. É uma ruptura do mercado mundial, que interrompe a
sucessão mais ou menos regular das fases de um ciclo periódico.56 A sua erupção também
depende das condições endógenas de determinado ciclo econômico.
As “redes de proteção” do capital (suas instituições políticas e outros fatores exógenos ao
processo de produção e acumulação do capital) não são mais capazes de impedir que a
violência da fase de retração e crise atinja a economia global em toda sua plenitude. Durante
essas crises, o ciclo econômico normal não deixa de operar, mas com predomínio da crise
sobre a reanimação econômica. É nelas que aparece o choque mais violento entre forças
produtivas e relações de produção, e gestam‐se as condições sociais e políticas para ruptura
revolucionária das relações de produção.
Crise Longa e Parasitismo
Elmar Altvater observou que fora o próprio “modelo” que gerara sua crise: “A mobilidade de
capital parece ter exercido um importante papel no colapso do regime de tipo fixo. O sistema
de nível ajustável da década de 1960 foi menos capaz de gerar especulação estabilizadora do
que os tipos fixos da década de 1900, uma vez eliminados os controles do capital. A
mobilidade do capital reduziu também o controle que as autoridades monetárias nacionais
podiam exercer sobre as suas próprias economias, influenciando as taxas de juros”.
Todo o período de boom econômico, os “trinta anos gloriosos”, não fizeram senão acentuar as
desigualdades de desenvolvimento da economia mundial, levando‐as a um grau de paroxismo.
Os países da Europa ocidental (com Alemanha), passaram a exportar 44% das mercadorias
mundiais, os EUA, 12%, e o Japão, 15%: mais de dois terços das exportações industriais
mundiais. Somados o Canadá, a África do Sul, a Austrália, a Nova Zelândia e os países da
Europa do Leste, a proporção passava dos 80%. Com um quarto da população mundial, os
países desenvolvidos representam 80% da produção mundial e três quartos do consumo de
produtos industrializados.
Os países desenvolvidos de “economia de mercado” garantiam 60% da produção
manufatureira mundial, a ex URSS e os países da Europa do Leste, 20%, e os países “em vias de
desenvolvimento”, os 20% restantes, sendo que o essencial desses 20% corresponde a um
reduzido número de países: China, Índia, Brasil, México e os “tigres asiáticos”. Entre estes
56
Desde meados do século XIX (1854), até 1991, ocorreram 31 ciclos econômicos na economia dos EUA, segundo
um estudo do Departamento do Comércio, de 1993. As fases de expansão duraram em torno de três anos (35
meses), as de contração um ano e meio (18 meses). De 1945 a 1991 foram registrados nove ciclos, com fases de
expansão de mais de quatro anos (50 meses) e s de contração de pouco menos de um ano (11 meses). Cada ciclo
completo se repetiu a cada cinco anos. E essa repetição aconteceu indiscriminadamente em todas as décadas do
pós‐guerra (1945/1991).
67
últimos, a Coréia do Sul, o Taiwan, Hong Kong e Singapura representam a metade das
exportações industriais dos países do Sul.
Cunhou‐se o termo de “longa crise”. Flamant e Singer‐Kerel resumiram o panorama, em
meados da década de 1990, depois de duas décadas de crise: “As duas últimas décadas
marcam uma cisão. Depois de um quarto de século de crescimento, de extensão das trocas
internacionais e de ordem monetária, novas dificuldades aparecem. A primeira foi a queda do
aumento da produtividade nos países desenvolvidos. A segunda, até 1983, o encarecimento do
preço da energia, através de choques brutais. A terceira, a prática generalizada e anárquica de
taxas de câmbio flutuantes. A última e mais grave é a extensão do desemprego em grande
escala”. A crise iniciada na década de 1970 inaugurara um longo período de desaceleração da
economia mundial.
Taxa Média de Crescimento Mundial do PIB, em %
5 4,9
4,5
4 3,8
3,5
3
2,5 2,7
2
1,5
1 1
0,5
0
60- 70- 80- 90-
69 79 89 93
Segundo Manuel Castells, “o específico de uma crise estrutural é que o processo de
acumulação não pode retomar até que se eliminem ou diminuam os obstáculos. Geralmente,
essa solução significa que se produzirá uma transformação básica nas relações entre as classes,
entre as frações do capital e entre o capital e as forças produtivas”. Ernest Mandel considerou
a catástrofe de 1973‐75 como “a primeira recessão generalizada da economia capitalista
internacional desde a Segunda Guerra”.
Cathérine Lévi resumia as desilusões acumuladas a respeito de uma saída para a crise: “Não é
a primeira vez desde a Segunda Guerra que a economia atravessa uma fase difícil. Já logo
depois do choque petroleiro de 1975, todos os índices estavam no vermelho. Mas a crise atual
parece mais grave e profunda. Se nos dois casos o PIB caiu, desde 1976, porém, houve
recuperação, ainda que fosse necessário esperar até 1985 para falar em prosperidade. Hoje,
tudo é diferente, porque a crise está definitivamente instalada. Desde meados dos anos 90,
todos os índices se deterioram, o desemprego atinge proporções inquietantes. Sem que seja
possível dissociar o episódio atual daquele de 1975, pois se trata de uma mesma crise”.
A destruição da “ordem econômica internacional” fora iniciada, como vimos, pelos próprios
EUA na década de 60, diante da insuficiência do quadro institucional existente para conter as
tendências para a crise. O governo Reagan não fez senão coroar a política de seus
predecessores, e tropeçou, de saída, com a “crise das dívidas” e a recessão de 1982‐83, o que
o levou, em nome do “liberalismo”, a recrudescer o intervencionismo mediante a ação efetiva
do FMI, que incrementou o seu poder de empréstimo, obrigando os bancos privados a fazer
empréstimos involuntários como preço da preservação de seus ativos. Esses empréstimos
privados multiplicaram o poder de concessão de crédito do FMI.
A “contra‐ofensiva” dos EUA teve como base a sua cada vez maior supremacia militar, em
contraste com o fato do país não produzir mais do que um quinto dos bens manufaturados no
68
mundo, contra mais da metade em 1950. No setor automobilístico, sua grande indústria
histórica, sua porção na produção mundial passou de 76% em 1950 a 17% em 1990.
Os EUA “contribuíram” com 12 % das exportações industriais mundiais em 1990, contra 22%
em 1960. A sua balança comercial tornou‐se deficitária dos anos 70, sendo que o déficit só
aumentou nos anos 1980. E, ao contrário do Japão, o emprego industrial nos EUA continuou
decrescente, passando de 21% do emprego total em 1976 a 16,5% em 1988.
Lester Thurow fez o réquiem antecipado do neoliberalismo monetarista e da “economia da
oferta”: “Infelizmente, a América abdicou de uma responsabilidade que só ela pode exercer. O
sistema comercial internacional não vai cuidar de si, como parece pensar o governo Reagan. É
uma instituição feita pelo homem, que requer manutenção e revisões feitas pelo homem. As
organizações internacionais não são, ipso facto, más, como a administração Reagan parece
pensar”. Intervencionismo estatal e desregulamentação, apresentados como opostos, são
duas caras da mesma moeda, irmãos inimigos que crescem simultaneamente, se alimentando
da mesma fonte: o caos econômico provocado pela crise do capital.
Ao mesmo tempo em que os Estados intervinham diretamente, através do G‐7, ou através das
instituições internacionais (pelos poderes reforçados do FMI), para “disciplinar” a moeda, o
que passou a caracterizar a finança internacional foi a volatilidade das moedas, a existência de
flutuações fortes, freqüentes e imprevisíveis, dos preços do dinheiro sob todas as suas formas
(taxa de câmbio, juros).
Em que pese a intervenção estatal cotidiana, os volumes consagrados à especulação financeira
(fugindo a qualquer regulamentação) tornaram evidente a existência de uma base sem
precedentes para o colapso do sistema capitalista mundial: os valores dos contratos pendentes
no mercado de derivativos expandiram‐se entre 1987 e 1993 de US$ 1,6 trilhões para US$ 10
trilhões, com um incremento anual médio de quase 36%, enquanto os fluxos financeiros
internacionais quadruplicaram no mesmo período, passando de US$ 395 bilhões para US$
1,597 trilhões.
69
A Nova “Americanização”
As cifras relativas à produção são, no entanto, as decisivas, por mais impressionantes que
sejam as da especulação. A taxa média de crescimento do PIB per capita da economia mundial
diminuiu de 2,6% anual em 1960/70 a 1,6% em 1970/80, chegando a 1,3% entre 1980/1987. O
crescimento do PIB per capita da economia capitalista mundial diminuiu pela metade. A crise,
além disso, acentuou todas as desigualdades do desenvolvimento capitalista.
Para Peter Drew: “Nos anos 60, todas as zonas da economia capitalista mundial cresceram,
mesmo que a ritmos desiguais. A partir dos anos 70, o mesmo não acontece. A economia
capitalista mundial já não se desenvolve como um todo, mas dividiu‐se em duas partes. De um
lado, os países industrializados e a Ásia continuam desfrutando de um crescimento do PIB per
capita; por outro, a África, a América Latina e o Oriente Médio experimentam uma diminuição
do mesmo. Na realidade, os países da OCDE e Ásia formam uma unidade, já que o crescimento
rápido de alguns dos países mais recentemente industrializados da Ásia (Coréia do Sul, Taiwan,
Singapura, Hong Kong), se deve a investimentos colossais de capital originado nos países
imperialistas. É claro que as tendências depressivas se impuseram em muitas partes do
mundo. Mas também é importante o fato de que a queda é acumulativa e não cíclica, isto é,
trata‐se de um círculo de empobrecimento que se estende progressivamente. Uma vez
abatido, um continente não é capaz de recuperar‐se”. Uma olhada nas exportações dos países
“periféricos” permite constatar essa desigualdade.
Exportação de produtos manufaturados por região (em % de 1975)
Ásia meridional 9,81
Ásia oriental 60,13
América Latina 21,95
Oriente Médio e África setentrional 5,06
África subsaariana 3,04
A migração do capital para Ásia oriental, com o salto espetacular dos “tigres asiáticos”,
obedeceu à própria lógica da crise. Henryk Grossmann já dizia (em 1929!) que "para preservar‐
se provisoriamente da derrubada total de sua rentabilidade", os capitais sobre‐acumulados
nos principais países imperialistas migravam para “os subúrbios do sistema”, buscando mais
altas taxas de mais‐valia.
CUSTO MÉDIO DA MÃO-DE-OBRA
Por hora trabalhada na indústria de transformação, em US$
Alemanha 21,30 França 15,25 Grã‐Bretanha 12,42 Coréia 4,16
Suécia 20,93 EUA 14,83 Espanha 11,88 Taiwan 3,98
Suiça 20,86 Austrália 12,98 Israel 7,69 Portugal 3,57
Itália 16,29 Japão 12,84 Grécia 5,49 Brasil 2,79
PAÍS SALÁRIOS ENCARGOS TOTAL
Alemanha 16 12 28
EUA 16 6 22
Japão 16 5 21
Itália 9 11 20
França 9 8 17
Brasil 3 5 8
Fonte: Bureau of Labor Statistics, BLS Report
Esse comportamento se explicava menos pela rentabilidade obtida por capitais individuais, e
mais como tentativa de sobrevivência do capital em seu conjunto. Dada a composição orgânica
70
da massa do capital, quanto maior seja a população de fora do sistema sob o seu domínio,
transformada em assalariada, maior será o período em que o capital poderá seguir
acumulando sem atingir o ponto de sobre‐saturação. Nos "tigres asiáticos", grande parte da
população abandonou a pequena produção mercantil, agrária e urbana, para viver de salário,
trabalhando para o capital excedente (das metrópoles capitalistas) ali investido.
Nos próprios países centrais, a situação se degradava constantemente. Em 1970, os salários
constituíam 67% da renda pessoal americana, uma relação que se mantivera constante
durante décadas. Em 1994, eles eram responsáveis por apenas 54% desse total. Em 1960, os
salários constituíam 26% do total de vendas. Em 1994, menos de 20%. Entre 1973 e 1993 a
renda média disponível aos 20% mais pobres caiu quase 23%, de $17.601 a $13.596 ao ano,
para uma família de três pessoas (em dólares de 1993).
Em The End of Work, Jeremy Rifkin estabeleceu uma relação simples: “O ritmo acelerado da
automação está levando a economia global rapidamente para a era da fábrica sem
trabalhadores. Entre 1981 e 1991, mais de 1,8 milhões de empregos na área industrial
desapareceram nos EUA. Na Alemanha, os fabricantes têm demitido trabalhadores ainda mais
rapidamente, eliminando mais de 500 mil empregos apenas em um período de 12 meses,
entre 1992 e 1993. O declínio dos empregos no setor da produção faz parte de uma tendência
de longo prazo que tem crescentemente substituído seres humanos por máquinas no local de
trabalho”. Para Fred Block, ao contrário, “esse aumento global do desemprego, secular e
aparentemente irreversível, está ligado à operação do sistema financeiro internacional. As
mudanças no sistema, ocorridas no final da década de 1970, exacerbaram os problemas do
desemprego global. A primeira delas foi o aumento da mobilidade internacional do capital
como resultado do relaxamento de controles prévios”.
A explosão do capital especulativo foi acompanhada por um crescimento correlativo da
precariedade do emprego. A emergência da especulação financeira se traduziu na
multiplicação do número de fusões industriais e de golpes da Bolsa que transformam a oferta
de trabalho: os empregos estáveis e relativamente bem pagos foram substituídos por
empregos instáveis e mal remunerados. Não estamos diante de uma monumental “economia
de escala”, baseada na automação e na “mundialização”, progresso que seria pago com um
inevitável período de desemprego e queda salarial.
Se isso fosse verdade, deveria verificar‐se um aumento acelerado da produtividade do
trabalho. Ora, aconteceu o contrário, o aumento da produtividade norte‐americana foi baixo
desde a década de 1970. O crescimento anual da produção por trabalhador permaneceu na
casa de 1% ao ano, muito abaixo dos 3% anuais das décadas de 1950 e 1960. Barry Bluestone e
Bennett Harrison sublinharam o caráter não conjuntural (ou cíclico) dessa queda, isto é, sua
natureza histórica: “De 1870 a 1973, a produtividade cresceu com um índice médio de 2,4%
por ano. Na era imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, a produtividade estava
em plena explosão, crescendo mais de 3% ao ano. Depois de 1973, o crescimento da
produtividade despencou totalmente, por razões que muitos economistas consideram um
mistério. Durante 25 anos, a produtividade vêm crescendo cerca de 1% ao ano ‐ um ritmo
ainda pior do que o da Grande Depressão”.
O crescimento da monopolização econômica se deu cada vez menos através do investimento
produtivo, e cada vez mais através fusões e aquisições que, nos países desenvolvidos, pularam
de 62,2% do total de “investimentos” (1991) para 89,5% (1996); nos países atrasados, o salto
foi de 25,5% para 65,2%, no mesmo período. A fusão da McDonnell‐Douglas com a Boeing,
abocanhando 75% das vendas do setor da aviação civil, simbolizou este processo e evidenciou,
através da intervenção direta do Estado norte‐americano, que a crise capitalista e o
acirramento da competição entre os monopólios (no caso, da Boeing contra o consórcio
europeu Airbus) forçavam os Estados a assumir um papel ainda mais ativo na defesa dos
71
interesses dos grupos capitalistas nacionais: o papel desempenhado pelo Pentágono na fusão
da Boeing e da McDonnell o confirmou.
No acordo pela desregulamentação das telecomunicações se verificou uma verdadeira
“americanização” do mercado mundial: ele só foi assinado depois dos EUA obterem
significativas concessões dos outros países envolvidos. O que revelou esse acordo não foi um
quadro idílico de “globalização do capital”, e uma utópica loteria na qual todos ganhariam,
mas a aspereza dos choques entre as grandes potências capitalistas e o estreitamento da base
nacional do capital mundial, cada vez mais concentrado nas mãos de poucos grupos
econômicos, a monopolização e a destruição do capital mais débil pelo mais forte, isto é, o
processo vivo da crise capitalista.
A internacionalização econômica tropeçou com obstáculos intransponíveis. Para Edward
Graham: “Os principais obstáculos para um acordo de investimento global são políticos. Na
raiz disso está a oposição entre os objetivos das nações soberanas e aqueles das corporações
globais. Tais confrontos criam a necessidade de um mecanismo para resolver de forma efetiva
a disputa empresa‐Estado: criar tal mecanismo (ou atualizar os existentes) seria um dos
principais objetivos de um acordo de investimento internacional”. E para Vivien Schmidt, “o
Estado ‐ Nação tal qual nós o conhecemos está em declínio. Este é um problema sério, já que o
Estado ‐ Nação continuará sendo o principal interlocutor num mundo cada vez mais complexo,
e o único a falar com autoridade tanto com as autoridades supra‐nacionais como com as sub‐
nacionais”. Dito de modo mais claro, a internacionalização das forças produtivas sociais torna
cada vez mais obsoleto o quadro estreito dos Estados nacionais; no entanto, estes não só
continuam sendo necessários, senão cada vez mais necessários, em virtude do caos econômico
criado pela própria internacionalização econômica, da concorrência acirrada entre grupos
capitalistas nacionais, sem falar da preservação da ordem capitalista contra as reivindicações,
ou até um eventual movimento revolucionário, dos explorados.
Nessas condições, a “globalização” se apresentou como menos uma questão econômica, e
mais como uma questão política e até de segurança, como constatou Le Monde (“Até agora, o
peso esmagador das sociedades transnacionais na economia não tem seu equivalente no
domínio político”), e afirmou Erik Peterson: “A integração cada vez maior da economia global
está criando maior competição entre as políticas econômicas nacionais, principalmente nos
países capitalistas avançados. A forma como se lidará com estas políticas domésticas em
competição na virada do século e depois terá profundas implicações não apenas para a
economia internacional, mas também, de forma mais ampla, para as relações políticas e a
segurança internacional”.
O desemprego vinculou‐se menos com o progresso tecnológico “global”, e mais com a guerra
econômica internacional. A guerra econômica, por sua vez, vinculou‐se à exacerbação do
desenvolvimento desigual. Entre 1960 e 1982, o PIB dos países asiáticos do Pacífico, incluindo
a China, cresceu de 7,8% do PIB mundial a 16,4%. Com percentual do PIB dos EUA, o da Ásia do
Pacífico cresceu de 18% a 53,2%. A participação da região nas exportações mundiais mais do
que duplicou entre 1960 e 1985, passando de 7,5% a 17%. Em 1965, essas economias asiáticas,
em seu conjunto, produziram US$ 183 bilhões em bens e serviços ‐ um nível 75% abaixo
daquele dos EUA. Em 1983, a sua produção total havia crescido a US$ 1,7 trilhões, apenas 50%
abaixo dos EUA e menos de 30% abaixo da produção européia.
Os EUA jogaram todo seu peso político internacional para reverter essa situação. O governo
dos EUA passou a exigir uma política expansiva de gastos públicos da Europa e do Japão, para
que pudessem absorver exportações norte‐americanas. Nesse quadro, a noção de
“globalização” teve como finalidade apagar a realidade das contradições capitalistas
internacionais. Ou, como constatou Dani Rodrik: “Até mesmo com a revolução no transporte e
nas comunicações, e o progresso substancial na liberalização do comércio nas últimas três
72
décadas, as economias nacionais permaneceram bastante isoladas umas das outras. Esse
isolamento tem uma implicação crítica: a maioria dos governos do mundo avançado e
industrializado, não são tão abalados pela globalização econômica como se imagina. Eles
mantêm bastante autonomia na regulação de suas economias, na designação de suas políticas
sociais, e para a manutenção de instituições que diferem daquelas de seus parceiros
econômicos”.
Por trás da “globalização”, portanto, acirrou‐se a concorrência internacional. Isto ficou
obscurecido pelos que defenderam que teria sido superada a fase da “internacionalização” do
capital, substituída pela “mundialização”. A “burguesia mundial” seria independente dos
Estados. O problema seria a sobrevivência do “desenvolvimento” e do “subdesenvolvimento”,
e não as relações de subordinação econômica e política, próprias do capitalismo mundial, em
sua fase imperialista.57
A globalização tornou “global” a crise. O Wall Street Journal alertou, em 1997, para um
horizonte de “crescente excesso de capacidade de produção, saturação de produtos em todo o
mundo, guerras de preço e chacoalhadas”, sob o título “Investimentos em excesso são ameaça
à economia mundial”: por trás da “globalização (da especulação) financeira” não havia senão
uma crise de sobre‐produção, ou seja, que as origens das dificuldades econômicas se
encontravam no que Marx, em O Capital, já chamara de “sobre‐acumulação absoluta”. Essa
crise se potenciou pelo endividamento sem precedentes. Os craques das Bolsas de valores, as
fugas de capitais e as crises monetárias não foram acidentes de percurso. Quando, em 1987,
caiu a bolsa de Nova York, o Banco Central ordenou abrir todas as torneiras financeiras para
socorrer as empresas que haviam ficado insolventes, o que conseguiu deter o colapso
econômico, mesmo que ao preço de uma paralisação que se prolongou até 1990. O mesmo se
conseguiu quando caiu o México em 1994, com um empréstimo liderado por Clinton de 50
bilhões de dólares, também a custo de uma recessão.
INDÚSTRIA MUNDIAL. PRODUÇÃO, PRODUTIVIDADE E EMPREGO NAS TRÊS PRINCIPAIS ECONOMIAS – 1979‐2004
Variações (%) Médias Anuais
País 1979‐2004 1979‐1990 1990‐1995 1995‐2000 2000‐2004 2002‐2003 2003‐2004
Estados Unidos
Produção 3.0 2.3 3.6 5.4 1.3 4.5 4.3
Produtividade 4.2 3.0 3.7 5.7 6.4 9.9 4.7
Emprego ‐1.2 ‐0.8 ‐0.5 ‐0.1 ‐4.5 ‐4.8 ‐1.2
Japão
Produção 2.9 4.7 0.4 2.0 2.1 9.6 5.5
Produtividade 4.0 3.8 3.3 4.1 5.0 11.0 6.9
Emprego ‐0.7 1.0 ‐1.6 ‐1.9 ‐3.0 ‐2.2 ‐2.4
Alemanha
Produção 0.9 1.2 ‐1.0 2.2 1.1 ‐0.2 4.6
Produtividade 2.7 2.1 2.9 3.7 2.8 2.5 4.6
Emprego ‐1.3 ‐0.1 ‐4.2 ‐0.8 ‐1.5 ‐2.6 ‐1.5
Fonte: United States Department of Labor ‐ International Comparisons of Manufacturing Productivity and Unit Labor Cost Trends.
Washington, 2005.
A crise teve seu epicentro nos EUA que, através de sua política monetária e financeira, e do
reforço do dólar como moeda de troca e de reserva internacional, transferiu‐a em parte para
seus concorrentes e, sobretudo, para o mundo semi‐colonial (agora acrescido do ex “bloco
socialista”),58 procedendo a uma intensa reestruturação interna para recuperar sua
57
Isto inocenta os governos e os Estados nacionais, e suas políticas, absolvidos em nome da “globalização”. Assim o
faz o próprio “subcomandante Marcos” num texto sobre a “Quarta Guerra Mundial”: “Uma das bases fundamentais
do poder do Estado capitalista moderno, o mercado nacional, é liquidada pela canhonada da economia financeira
global. O novo capitalismo internacional torna os capitalismos nacionais caducos e esfomeia, até a inanição, os
poderes públicos. O golpe foi tão brutal que os Estados nacionais não têm força para defender os interesses dos
cidadãos”. Sobretudo se não o desejarem...
58
Fazendo assim de modo a que, como pontuou José Martins, “Ásia, Leste Europeu, América Latina, etc., são
irreversivelmente transformados em territórios de caça das potências dominantes para a produção de mais‐valia
73
competitividade. A pré‐condição foi o chamado “golpe de 1979”, com a decisão do FED
(Tesouro) dos EUA de “aumentar as taxas de juros até onde fosse necessário para acabar com
a inflação”. A taxa de crescimento anual médio da produção industrial dos EUA superou à de
seus principais concorrentes no mercado mundial, com uma indústria nacional que atinge três
trilhões de dólares anuais (um terço do produto industrial do planeta: o PIB dos EUA alcança
treze trilhões de dólares anuais).
O Fim do “Socialismo Real”
O processo também afetou, e terminou de afundar, os “países socialistas”. O ápice da crise da
URSS e demais países do Leste europeu deu‐se ao final da década dos 80. Apesar do
isolamento e do embargo imposto ao país para produtos de alta tecnologia, na década de
1980 a URSS era muito mais dependente do que nas décadas precedentes do mercado
mundial, especialmente em alimentos, ração animal e máquinas avançadas. A inflação e as
oscilações na economia mundial, com depreciação nos preços das matérias primas, geraram
flutuações que impactaram severamente as vendas soviéticas para o exterior.
Na década de 1980, 90% das exportações soviéticas para o mundo capitalista compunham‐se
de petróleo, gás, matérias primas e metais preciosos (petróleo e gás representavam
aproximadamente dois terços). Em função do atraso tecnológico e da baixa qualidade e
competitividade de seus produtos manufaturados, portanto não utilizáveis no comércio
internacional, a URSS respondeu à queda nos preços aumentando enormemente o volume de
suas exportações, característica das economias “subdesenvolvidas”, submetidas à depreciação
nas relações de troca no mercado mundial.
Em 1986, deu‐se um novo desmoronamento nos preços do petróleo no mercado internacional
e uma nova contração no comércio mundial. O valor global das exportações soviéticas baixou
8% em 1986 e mais 4% em 1987. O comércio com os países capitalistas caiu mais, em termos
percentuais, do que a queda ocorrida no comércio mundial como um todo. Somente entre
1985 e 1986, as exportações para os países capitalistas retrocederam 19,5%, enquanto as
importações caíram 23%. A redução no valor líquido das exportações limitou drasticamente a
capacidade de importação, acentuando a escassez de bens de consumo e produtos agrícolas.
Por outro lado já não estavam garantidos os recursos necessários à continuidade da
importação de máquinas modernas para a renovação do parque produtivo. O aumento das
exportações também desviou recursos energéticos e matérias primas, necessários aos novos
investimentos.
Esses dois últimos fatores comprometeram ainda mais a continuidade de um modelo
extensivo de crescimento. Além disso, o aumento das exportações de energia não afetava só o
parque produtivo, como implicava em restrição ao consumo para a população, aumentando a
escassez em um país de invernos rigorosos. Outros fatores, de caráter exógeno, ligados à
contração na economia capitalista, aceleraram a crise.
Como para boa parte dos “países em desenvolvimento”, o incremento do comércio externo do
bloco do Comecon com o mundo capitalista tinha sido financiado por créditos bancários
oriundos neste último. Os “países socialistas” contraíram dívidas com os bancos ocidentais.
Com a desaceleração capitalista e o maior risco de perdas, os bancos não só passaram a ser
mais prudentes e rigorosos na concessão de empréstimos, como também elevaram os juros.
Para os países do Leste europeu e a URSS, a maior dificuldade na obtenção de financiamento,
bem como a elevação dos juros, não só dificultou as importações, como elevou rapidamente
absoluta. Não passam de suportes para a extensão das produções industriais e da mais‐valia relativa nos EUA, União
Européia e Japão. Só podem ser plataformas de exportação para as economias dominantes”.
74
sua dívida com o exterior e os encargos a pagar em dólares.59 Os “ajustes” e a “austeridade”
no Leste europeu passaram a ser ditados pelo FMI. Escassez de alimentos, bens de consumo e
energia, e estagnação do crescimento econômico: eis os ingredientes econômicos explosivos,
que estiveram na base da crise que desintegrou a URSS entre 1989 e 1991.
DIVIDA EXTERNA DA URSS E DOS PAISES DE EUROPA DO LESTE (1970‐1987)
(Em bilhões de dólares)
ANO 1970 1976 1982 1987
BULGARIA 0,6 2.9 1,9 5,1
HUNGRIA 0.6 2.8 7.0 16.2
POLONIA 0.9 11,3 24.4 36,2
R.D.A. 0,9 5,2 10,7 10,2
RUMANIA 1,0 2,4 9,5 4,3
CHECOSLOVAQUIA 0,0 1,3 3,0 3,5
URSS 0,6 16,1 18,4 25,3
Fonte: Comisión económica para Europa de la Naciones Unidas, Cuadernos del Este nº 9 (Universidad Complutense,
Madri).
PERCENTAGEM DE CRESCIMENTO POR QÜINQÜÊNIO (URSS)
1966‐70 1971‐75 1976‐80 1981‐85
Produto social global 43 36 23 20
Produto material 41 28 21 17‐18
líquido utilizado
Produto material 33 24 18 15
líquido por habitante
A economia soviética viu‐se lançada na via da dependência tecnológica crescente e do
endividamento vis‐à‐vis das economias capitalistas. A corrida armamentista foi a “cereja do
bolo”: os gastos em defesa, que não consumiam mais do que 5‐6% do PIB dos EUA, consumiam
(estimadamente) entre 15% e 30% da produção anual soviética.
O questionamento de burocracia "por baixo" também cresceu, com uma resistência constante
nas fábricas da União Soviética, e grandes levantamentos populares no Leste europeu: depois
de Hungria e Polônia, foi a vez de Tchecoslováquia em 1968 (com uma nova invasão mortífera
das tropas do Pacto de Varsóvia, isto é, da URSS), em 1970 da Polônia (levante dos estaleiros
de Sczeczin), até chegar ao espetacular levantamento de 1980/81 na mesma Polônia, com a
formação do sindicato Solidarnósc. A censura impediu saber que a União Soviética não
permanecia alheia a esse processo: a revolta operária de Novotcherkass, em 1962 na Sibéria,
foi sufocada em sangue, só vindo a ser conhecida depois. Na URSS havia um proletariado
renovado: metade dos operários tinha menos de 30 anos; 85% das pessoas tinham recebido
educação secundária (contra 44% em 1970), tendo aumentado 12 vezes em 10 anos o número
de estudantes de nível médio. Moshe Lewin viu nessas novas camadas sociais a base da
perestroika, encabeçada por Mikhail Gorbachev a partir de 1985.
A questão internacional mais grave era a unidade alemã: a divisão da Alemanha consagrava a
divisão da Europa. A construção do Muro de Berlim, em 1961, fora, para a camada burocrática
dirigente, tanto uma garantia de sobrevivência quanto de coexistência com o bloco adversário.
O aparelho estatal da República Democrática Alemã estava sob tutela direta da URSS e seu
exército. O país era a décima primeira economia do mundo, com apenas 17 milhões de
habitantes, mas o nível de vida era baixo e a repressão (espionagem incluída) insuportável. De
1947 a 1961, 2 milhões 700 mil trabalhadores abandonaram a RDA. Para os berlinenses do
59
Em 1991, a dívida externa da URSS já atingira US$ 91 bilhões. Outro fator foi a nova escalada da pressão
armamentista desencadeada pelo governo Reagan e seu programa “Guerra nas Estrelas”. O novo surto
armamentista dos EUA não se deu por real necessidade de defesa, mas sim como opção do Estado capitalista de
aumento das despesas públicas como forma de manter aquecida a economia e a demanda efetiva para suas
indústrias. Isso pressionou mais uma vez os gastos de defesa na URSS, que já eram pesados quando a economia se
expandia, e tornaram‐se insuportáveis numa economia cambaleante. Assim, o efeito mais devastador sobre a
economia soviética veio do que supostamente era o ponto forte do Estado soviético: o gigantesco complexo militar‐
industrial, baseado em um orçamento de defesa insustentável para a economia do país.
75
Leste, o “espelho” do consumismo ocidental e da sua (suposta) liberdade se encontrava do
outro lado da rua (do Muro).
Meros quatro anos depois de lançada a perestroika, e de Gorbachev ter atingido níveis
excepcionais de popularidade mundial, a “nova” política da burocracia ruía, no seu elo mais
fraco, a RDA. A queda do Muro, a 9 de novembro de 1989, depois de fugas em massa devidas à
abertura da fronteira húngara com a Áustria, foi resultado da pressão popular contida. A onda
expansiva do fim do símbolo da fortaleza burocrática se estendeu como um raio nos países do
Leste, provocando a revolta popular na Romênia contra o reinado “socialista” da família
Ceaucescu, a revolta popular na Hungria, a “revolução de veludo” na Tchecoslováquia. No
PCUS, as antigas frações opositoras (Yeltsin, Medvedev) se organizaram como partidos
políticos independentes, defendendo a “democracia” (e não mais o socialismo).
A “questão operária” fervia na URSS, com inúmeras greves (como a dos mineiros de Kuzbass,
na Sibéria). Mas a organização da classe operária, depois de décadas de repressão burocrática
e confusão política, no maior país do planeta, não era um processo fácil nem rápido. A questão
nacional era mais concentrada e imediata: as revoltas das “repúblicas soviéticas” (como a
Armênia e, sobretudo, a Ucrânia) e também das nacionalidades esmagadas, sem “república”
própria (como a Tchetchênia) criavam um clima de guerra civil. Um setor do aparelho
burocrático (da GPU) tentou um golpe de estado contra Gorbachev, em agosto de 1991,
quando este estava prestes a negociar um novo “Tratado da União”. Apesar do fracasso do
golpe, este não deixou de ferir mortalmente (na verdade, de dar o golpe de graça) à tentativa
gorbacheviana: transitar para o capitalismo no quadro estatal da URSS e sob o governo do
PCUS (no estilo da China).
E assim concluía, não o “socialismo”, mas a tentativa utópica e desastrada de construir o
“socialismo num país (ou num bloco) só”, que remontava à vitória da burocracia stalinista
década de 1920, em “concorrência pacífica” com o mundo capitalista. A tentativa de superar, a
partir de um país atrasado (mas dotado de dimensões e riquezas continentais, segundo Stalin),
o ponto mais alto do desenvolvimento econômico (o mercado mundial capitalista), que custara
milhões de vidas (pela repressão e pelas novas guerras) terminara numa catástrofe que, por
um breve período, alimentou a miragem capitalista de um reinado eterno do capital, e do
próprio “fim da História”.
Comércio Mundial e Dólar de Guerra
No mundo capitalista, o final dos anos 1980 e o início da década de 1990 foram marcados pela
crise dos modelos fundo‐monetaristas de estabilização em vigor, a eclosão da hiper‐inflação
nos países periféricos, e o surgimento de uma “estabilização”, baseada na introdução de
âncora cambial (dólar), especifica deste momento histórico: México (1989), Chile (1990),
Argentina (1991), Brasil (1994), vários outros países da América Latina, países asiáticos e do
Leste europeu, vieram a introdução desta modalidade de estabilização em momentos
históricos diferenciados, com estrutura básica semelhante.60
Uma tentativa de substituir o dólar pelo euro como moeda comercial, realizada pelo governo
iraquiano de Saddam Hussein (até então aliado dos EUA contra a “revolução islâmica”) foi um
dos motivos para a “Operação Tempestade no Deserto”, deflagrada pelo governo de George
Bush entre fevereiro e maio de 1991, visando o controle estratégico do Golfo Pérsico (a rota
fundamental do petróleo do Oriente Médio), a militarização da região (com 980 ogivas
60
A âncora cambial possibilitou a recuperação do câmbio fixo, num momento em que este já havia sido extinto em
1971. Para bancar o câmbio fixo, o superávit do balanço de pagamentos passou a ser obtido a partir de um grande
déficit nas transações correntes, compensados por um superávit na conta de capitais. Formavam‐se grandes
reservas sem que se tivesse o superávit clássico. Tratava‐se de um superávit artificial, a partir da elevação da taxa
de juro interno. Quanto maior era o déficit na conta corrente (balança comercial e de serviços) maior a necessidade
de financiá‐lo.
76
nucleares instaladas na Turquia, em seis porta‐aviões e 25 navios e submarinos), o incentivo à
indústria armamentista (com a experimentação inédita das “bombas inteligentes” e
“cirúrgicas”), e a submissão geopolítica da Europa (que criticou, mas nada fez contra, a
invasão) petro‐dependente ainda em grande medida dos países do Golfo. No maior ataque
aéreo até então realizado, foram despejadas sobre o Iraque o equivalente a 18 bombas
atômicas, produzindo 30 mil mortes só nos primeiros dias. Saddam Hussein não foi derrubado
(o que aconteceria em 2003), mas o bloqueio ao que o Iraque foi submetido produziu centenas
de milhares de mortes nos anos sucessivos. A criação de um cenário de guerra internacional
era fundamental, para incentivar a economia armamentista (essa é a sua função principal), e
também para impor uma militarização mundial que facilitasse as imposições norte‐americanas
sobre seus concorrentes econômicos (Europa e Japão), ou seja, para neles descarregar os
custos da sua própria crise interna, mas tropeçou com mobilizações de massa mundiais, e nos
próprios EUA, sob a bandeira de “no blood for oil”.
No núcleo da crise econômica estavam os mercados de dívidas públicas, gerando uma intensa
disputa entre os EUA, Europa e Japão, determinando o movimento da economia mundial. Na
periferia, as dívidas privadas foram recicladas e transformadas em dívidas públicas. A crise
capitalista exigia a conquista de novos mercados para o capital dos países industrializados. A
política adotada visava estabilizar a crise iniciada nos anos 1970, contornada pelos EUA e
repassada para os países subdesenvolvidos através da explosão da dívida externa e interna. As
políticas com fundamento na âncora cambial provocaram um endividamento externo e público
jamais registrado na história dos Estados periféricos que, pagando tão caro para ter reservas
em dólar, fizeram com que os EUA tivessem dispêndio reduzido para sua política monetária.
O que deu base para a implantação deste modelo foi o excedente de capital‐dinheiro na
economia mundial, com a queda da taxa de juros dos EUA, o grande volume de recursos do
crime organizado com a expansão da produção e comercialização de drogas juntamente com o
tráfico de armas, que passaram a representar em torno de US$ 1 trilhão por ano, a
renegociação da dívida externa através do “Plano Brady”, que revitalizou um grande volume
de recursos na forma de títulos que se considerava perdido, passando a servir de base para
novos créditos, e o crescente parasitismo ou deslocamento de capital que estava imobilizado,
mas que passava para a esfera financeira atuando no mercado de títulos públicos e no
mercado de câmbio, somado aos grandes lucros financeiros que não conseguiam ser
reinvestidos produtivamente, e a expansão dos fundos privados de pensões.
Assembléia de Governadores do FMI
Esse “crédito fácil” provocou um estouro no mercado de títulos, que teve sua origem na
política do Banco Central americano (FED) e da Alemanha (Bundesbank), e permitiu um
crescimento do crédito nos anos 1990. Nos EUA, este processo esteve ligado também ao
interesse do FED de ajudar os bancos comerciais que estavam em dificuldades, originadas na
crise da dívida dos anos 1980, pois ao garantirem taxas de juros de curto prazo de 3%, os
bancos comerciais tomavam dinheiro emprestado com essa taxa, e compravam títulos de
longo prazo que rendiam de 6% a 7% ao ano. Ao embolsarem a diferença entre as taxas
restabeleciam seus lucros. Na Alemanha estava relacionado ao aumento do estoque de
dinheiro, resultado do custo da unificação alemã. Esses juros baixos permitiram a corrida aos
77
títulos públicos no mundo inteiro. O cenário mundial que propiciou a introdução do “modelo”
foi influenciado não só pela queda da taxa de juros nos EUA, como também pela dissolução da
URSS e o chamado “fim do socialismo”, que propiciou um novo campo de investimento para o
capital financeiro, e foi capitalizado, política e ideologicamente, como uma vitória do “livre
mercado”.
O “neoliberalismo” resultante foi apresentado por Niall Ferguson como responsável pela
queda da inflação: “A inflação caiu em parte porque muitos dos itens que compramos, de
roupas a computadores, ficaram mais baratos como resultado da inovação tecnológica e da re‐
localização da produção para as economias de baixos salários da Asia. Ela também foi reduzida
por causa de uma transformação mundial na política monetária, que começou com os
aumentos inspirados no monetarismo em índices de curto prazo, implementados pelo Banco
da Inglaterra e o Federal Reserve dos Estados Unidos, no final dos anos 1970 e começo dos
anos 1980; isso continuou com a multiplicação da independência dos bancos centrais dos
países e de objetivos explícitos nos anos 1990... Alguns dos condutores estruturais da inflação
também enfraqueceram. Os sindicatos se tornaram menos poderosos. Indústrias estatais que
perdiam dinheiro têm sido privatizadas.
“Mas, talvez mais importante que tudo, a clientela social com um interesse em reais lucros
positivos dos títulos tem crescido. No mundo desenvolvido, uma crescente parte da riqueza é
possuída por fundos privados de pensão e outras instituições de poupança, dos quais é
exigido, ou pelo menos deles se espera, que mantenham uma elevada proporção dos seus
ativos na forma de títulos do governo e outros investimentos de renda fixa. Uma pesquisa dos
fundos de pensão nas onze maiores economias do mundo revelou que os títulos somavam
mais de um quarto dos seus ativos, proporção substancialmente mais baixa do que em
décadas anteriores, mas, ainda assim, uma parcela substancial. Na medida em que os anos
passam, a proporção da população que vive da renda desses fundos tem aumentado, do
mesmo modo que cresce a parcela de aposentados”.
Durante a “Rodada Uruguai” de negociações comerciais, voltou‐se a discutir sobre a criação de
um organismo internacional destinado a regulamentar o comércio internacional, não apenas
de bens, mas também de serviços, além de investimentos e propriedade intelectual: a Ata da
Rodada Uruguai incluiu um novo Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 94), que
manteve a vigência do GATT 47, acrescentado do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços
(GATS), o Acordo sobre Investimentos (TRIMS), o Acordo sobre direitos de Propriedade
Intelectual (TRIPS), além de acordos destinados a regulamentar procedimentos de solução de
controvérsias, medidas antidumping, medidas de salvaguarda, medidas compensatórias,
valoração aduaneira, licenciamento, procedimentos, etc.
A Ata estabeleceu o acordo constitutivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), que
entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995.61 O objetivo da OMC era garantir grande aumento
nas garantias de acesso aos mercados nacionais, através de vinculações tarifarias dos produtos
industrializados, e eliminar 100% das restrições não tarifarias de produtos agrícolas. Quase
uma década e meia mais tarde, esses objetivos não foram atingidos, e alguns estão mais
longínquos do que estavam em 1995. Para um apologista do capital, no entanto, “o período
entre 1970 e 1995, e principalmente a última década, presenciou a mais espetacular
harmonização institucional e integração econômica entre nações jamais vista na história
mundial. Durante as décadas de 1970 e 1980 cresceu a integração econômica, cuja extensão
só se percebeu nitidamente com o colapso do comunismo em 1989. Em 1995 percebeu‐se o
surgimento de um sistema econômico global dominante.
61
Em 2003, em uma reunião da OMC, por proposta do Brasil, África do Sul e Índia, foi criado o G20 (países em
desenvolvimento), a partir daí o GATT teve o poder de julgar, fiscalizar e punir países.
78
“O conjunto de instituições em comum está exemplificado pela nova Organização Mundial do
Comércio (OMC), estabelecida com o consenso de mais de 120 economias, e onde
praticamente todas as demais desejam entrar. Parte do novo acordo de comércio envolve uma
codificação dos princípios básicos do comércio de bens e serviços. Igualmente, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) conta hoje com um grau de afiliação quase universal, com os
países membros comprometidos a princípios básicos de circulação e conversão da moeda”.
Para desgraça do autor das palavras (Jeffrey Sachs), logo depois estourou a “crise asiática”,
que levaria a diversos “atores globais” a propor... a dissolução do FMI.
Um Balanço Geral
Durante o pós‐guerra, o ponto álgido atingido pela abstração do capital e a internacionalização
sem precedentes da produção, entraram em choque também sem precedentes com o reforço
das fronteiras nacionais e da exploração imperialista (processo expressado na guerra
comercial, financeira e industrial; na formação de blocos regionais ao redor das potências; no
endividamento interno e externo; no reforço policial e militar dos Estados e a virulência dos
conflitos bélicos regionais). Se o desenvolvimento capitalista se caracterizou historicamente
pela contradição entre o caráter cada vez mais social da produção e o caráter cada vez mais
privado da apropriação, na era imperialista esta contradição se desdobra naquela entre o
caráter cada vez mais internacional da produção e o caráter cada vez mais nacional da
apropriação. A expansão mundial do capital não diminuiu o desenvolvimento desigual entre
nações e regiões: ao contrário, agravou‐o.
No carro‐chefe da economia capitalista mundial, a tendência para o declínio da produção
capitalista verificou‐se na seqüência histórica da taxa de lucro, com uma queda empiricamente
verificável a partir da crise de 1929 (lembremos que a Bolsa de Nova York somente recuperou
seu desempenho pré‐1929 em 1954, isto é, um quarto de século mais tarde).
1929 1933 1945 1946 1948 1949 1966 1967
Taxa de mais‐valia (Pv):
0,8434 0,6520 0,6090 0,6596 0,7113 0,6772 0,6061 0,5826
Cv./Cv.
C.O.C.: Cc./Cv 0,1554 0,2022 0,1669 0,1660 0,1558 0,1711 0,1478 0,1452
Taxa de Lucro: Pv/ Cc.+Cv 0,7123 0,5202 0,5074 0,5502 0,6005 0,5613 0,5165 0,4980
1969 1970 1974 1975 1979 1980 1981 1982
Taxa de mais‐valia Pv./Cv. 0,5403 0,5083 0,5076 0,5234 0,4986 0,4768 0,5020 0,4873
C.O.C.: Cc./Cv 0,1554 0,2022 0,1669 0,1660 0,1558 0,1711 0,1478 0,1452
Taxa de Lucro:Pv/Cc.+Cv 0,7123 0,5202 0,5074 0,5502 0,6005 0,5613 0,5165 0,4980
1989 1991 1993 2000 2003 2004 2005
Taxa de Mais‐valia: Pv./Cv 0,5346 0,5174 0,5188 0,5210 0,5391 0,5608 0,5379
C.O.C.: Cc./Cc+Cv. 0,1730 0,1823 0,1887 0,1502 0,1740 0,1911 0,1895
Taxa de Lucro: Pv/ Cc+Cv 0,4421 0,4231 0,4209 0,4427 0,4453 0,4536 0,4359
Fonte: José Luis González González. Tendencia histórica de la tasa de ganancia en Estados Unidos de América (1929 ‐ 2006). In:
www.geocities.com/redculturalin/tasadeganancia2007.html. Outubro de 2008 (C.O.C: composição orgânica do capital).
O autor desse estudo do comportamento da taxa de lucro norte‐americana (a partir de dados
oficiais da “contabilidade nacional” dos EUA) concluiu: “Em 1929 a taxa de lucro nos EUA
sofreu uma queda irreversível, entrando na primeira crise global do capitalismo, caindo de 70%
para taxas de menos de 39%, remontando para quase 45% na virada do milênio, depois de
auges (até um 60% em 1948) que não foram mais do que recuperações induzidas, que não
conseguiram recuperar o nível da taxa de lucro anterior a 1929. A alienação monetária
“keynesiana” e “neoclássica”, que impõe uma visão do ponto de vista da massa [de lucro] nos
79
faz ver a realidade invertida. Efetivamente, se nos atermos somente à concentração e
centralização crescente do capital, impulsionada pelo Estado, os dados são otimistas”.
O crescimento econômico de pós‐guerra, centrado nos países “desenvolvidos”, tendeu a
ocultar a natureza profunda do seu processo: no segundo pós‐guerra, o capital usou a fundo as
possibilidades do gasto armamentista, do desenvolvimento parasitário com a formação de
capital fictício, do desenvolvimento artificial das nações atrasadas, com vistas à criação de
mercados para exportar seus capitais e mercadorias, e desse modo se contrapor à queda da
taxa de lucro na metrópole, de modo sistemático. O parque industrial militar fez da produção
de armas um fator decisivo para a realização de parte da riqueza. O domínio militar, por outro
lado, facilitava a conquista de mercado para o restante da economia.
Para os EUA, o monopólio da emissão de uma moeda de aceitação mundial, primeiro lastreada
em ouro e depois sem nenhum lastro (a partir de 1971), foi sem dúvida um dos fatores
fundamentais para o financiamento daquela expansão. A corrida armamentista, por sua vez,
não só se punha para proteger seu território, como, sobretudo, funcionava como principal
centro produtor de novas tecnologias. As pesquisas feitas com dinheiro público para garantir a
defesa nacional, foram transformadas nos elementos motores da reestruturação produtiva
(energia nuclear, aviação, telecomunicação, computação, microinformática). A escalada bélica
dos EUA (e também da Europa) foi menos produto de conflitos de "novo tipo", localizados ou
regionais, do que algo inerente ao próprio equilíbrio capitalista. Certamente, é indissociável à
expansão do capital a força coercitiva do Estado, como "pacificador" interno e avalista da
expansão externa. Mas, sobretudo, os gastos públicos na economia de armamentos possuem
dimensão funcional em relação ao processo de valorização do capital.
Rosa Luxemburgo foi a primeira marxista a identificá‐lo em A Acumulação de Capital; nesses
“gastos improdutivos”, a mercadoria adquirida pelo Estado não participa do processo
produtivo, são gastos para aquisição de meios de destruição das forças produtivas. Rosa
Luxemburgo identificou no caráter indireto do sistema tributário o mecanismo pelo qual havia
apropriação de parcela do capital social, e sua transformação em fonte para o financiamento
estatal de uma mais‐valia adicional, gerada nos processos de produção de armas, sem que
fosse um elemento de favorável para novas crises de superprodução. Apesar do significativo
comércio internacional de abastecimento de bandos criminosos, ou de grupos “étnicos” em
luta, ou de guerrilhas dos mais variados matizes, isto não é comparável à aquisição de
sofisticadas plataformas e armas de alta tecnologia, desenvolvidas e produzidas por grandes
corporações e financiadas pelo Estado num regime de monopsônio.
A intervenção do Estado, assim, se revelou vital para a reprodução do capital no conjunto dos
países capitalistas, o que evidencia o esgotamento da força histórica do capital (nenhum
“neoliberalismo” afetou essa tendência básica):
GASTOS GOVERNAMENTAIS COMO PORCENTAGEM DO PIB - 1913-1999
Com o esgotamento do auge, ou “trinta anos gloriosos”, “algo de fundamental parece haver‐se
modificado, no último quarto de século, no modo como funciona o capitalismo. Na década de
1970, muitos falaram em crise. Na de 1980, a maioria falou em reestruturação e
reorganização. Na de 1990, já não temos certeza de que a crise dos anos 1970 foi realmente
solucionada” (Giovanni Arrighi). Pressão inflacionária, recessão, desequilíbrios cambiais e
comerciais, foram os sintomas imediatos: a produtividade entrou em declínio, a taxa de lucro e
a acumulação de capital diminuíram, declinando também os investimentos produtivos,
envolvendo a economia mundial num prolongado período de tendência à estagnação. A
80
destruição ambiental, por sua vez, começou a por em xeque à própria “ciência econômica”
baseada no “mercado” (que começou a se perguntar seriamente se o capitalismo não vai
destruir o planeta), pois “se a análise econômica permite traduzir o meio‐ambiente em termos
monetários, ainda assim ele fica numa situação exterior ao mercado, que exige que uma oferta
explícita encontre uma procura explícita”.
Nos países da OCDE, as dívidas públicas ultrapassaram US$ 13 trilhões em 1995, quase o valor
do PIB dos EUA. Somente nos Estados Unidos a dívida pública cresceu cinco vezes (US$ 5
trilhões em 1996) durante o período Reagan‐Bush. A inflação, certamente, é inimiga do poder
de compra dos salários dos trabalhadores, mas também do valor real dos ativos financeiros,
principalmente dos títulos da dívida pública. A dívida pública americana passou a equivaler a
quase dois anos da produção industrial do país.
A internacionalização produtiva, a “globalização”, foi a miragem que camuflou o reforço das
economias (e dos Estados) nacionais, no quadro de um acirramento da concorrência inter‐
capitalista mundial. Não houve nenhuma evidência de que a “trans‐nacionalização” e a
“globalização” tivessem significado a superação da contradição entre a economia mundial e as
economias nacionais, e menos ainda entre os Estados nacionais ‐ a contradição entre a
internacionalização crescente das forças produtivas e a sobrevivência das fronteiras nacionais.
O setor financeiro, decisivo, expressa isso em sua plenitude. A sua internacionalização
crescente e a velocidade espantosa dos fluxos de capitais não impediram que, na economia
mundial, a demanda interna dos países absorva cerca de 80% da produção e gere 90% dos
empregos. A poupança doméstica financia mais de 95% da formação de capital. Os fundos de
pensão dos EUA têm apenas 6% dos seus ativos totais fora do país. Os da Alemanha, 5%. Os do
Japão, 9%. As companhias de seguro de vida dos EUA têm 4% do sua carteira de investimento
em atividades estrangeiras. As da Inglaterra, 12%. A conclusão do FMI foi que “a tendência
geral na direção da diversificação internacional é ofuscada pela pequena participação dos
títulos estrangeiros nos portfolios dos investidores institucionais”.
No acirramento da concorrência nacional, a manutenção do dólar (depois da sua
desvalorização em 1971) como moeda de troca, unidade de reserva e meio de
entesouramento foi decisiva, e obtida por meios políticos. Sendo o dólar o valor de referência
para as reservas internacionais e para as trocas comerciais internacionais, os EUA têm uma
“senhoriagem”,62 maior do que qualquer outro país. A emissão de moeda é usada não para
financiar déficits de bancos estatais, mas para aumentar a oferta de crédito para os bancos
privados. Quando estes pedem nova moeda, o Estado, ao emitir, cria capital monetário e não
renda‐dinheiro. A “senhoriagem” não é uma privação de valor por parte do Estado, mas uma
criação de liquidez, enquadrada como capital monetário, que favorece a classe capitalista.
Os enormes déficits comerciais dos EUA foram financiados predominantemente por fluxos de
capitais provenientes do exterior sob forma de empréstimos às empresas, garantidos pela
economia e o dólar norte‐americano. O dólar enquanto tal garante, portanto, aos capitalistas,
um canal de acumulação. O capital internacional, precisando encontrar novos circuitos de
auto‐valorização, consegui‐o passeando pelo mundo, com investimentos de carteira ou,
menos, produtivos (em proporção de 85% contra 15%). O que mais pesa na decisão de
investimento é o risco de cambio: variações da taxa de câmbio levaram a colapsos dramáticos
(Ásia, Rússia, Brasil). Formas de dolarização direta ou indireta (currency board argentino) lhe
fizeram frente, garantindo margens de segurança aos capitalistas.63 A vulnerabilidade desses
62
Capacidade que um sujeito emitente de moeda tem de adquirir valor a custos mínimos, como soberano ou
autoridade estatal: imprimindo moeda a um custo mínimo (o de um dólar é de 3 centésimos de si mesmo), aceita
por todos, será trocada com uma determinada quantidade de mercadorias, com um ganho equivalente à diferença
entre o custo e o valor monetário emitido (no caso, 97 centavos por unidade).
63
Para incrementar o fluxo de investimentos e, portanto, abrandar a queda tendencial da taxa de lucro,
aumentando as formas de acumulação, o capital norte‐americano buscou garantir, na adoção da própria moeda de
81
modelos começou a ser revelada com a crise mexicana em 1994, quando os capitais voláteis
saíram rapidamente do país, gerando uma crise cambial, que culminou com a desvalorização
de 33% de sua moeda em menos de uma semana.
O deslocamento produtivo para a periferia, em busca de baixos salários, por sua vez, não
implicou num progresso econômico relativo (e menos ainda social) nos países periféricos, mas
um retrocesso. Apontou um colunista de Le Monde: “Empregos, certamente, são criados nos
setores exportadores do Sul. Mas as condições de viabilidade desses empregos e, em primeiro
lugar, a abertura comercial, tem como efeito uma liquidação ainda maior dos empregos nos
setores tradicionais não competitivos. Com raras exceções, os países do Terceiro Mundo criam
menos empregos após a abertura do que antes”. Uma estrutura econômica baseada nas
plataformas de exportação exige uma desregulamentação radical nos fluxos de importação das
empresas envolvidas na sua indústria montadora. Devem ser derrubadas radicalmente as
barreiras ao livre‐comércio das máquinas, peças, insumos e componentes utilizados na
montagem e exportação das commodities industriais. Esse processo é absolutamente
diferente da antiga “substituição de importações”.
A saída do capital para a crise (o incremento de sua composição orgânica) teve também um
efeito social deletério nas metrópoles capitalistas. Segundo Richard Peet, "há uma diferença
entre tecnologia, enquanto conhecimento fornecedor de princípios que podem ser
empregados utilmente, e técnicas, enquanto modos específicos de aplicar esses princípios na
fabricação de produtos específicos ou na prestação de serviços. O potencial libertador das
novas tecnologias de processamento de informação, centradas no computador, é de fato
realizado através de técnicas que já deslocaram milhões de trabalhadores da manufatura. No
futuro essas técnicas também destruirão milhões de empregos da indústria de serviços, muitos
dos quais envolvem um processamento simples de informação".
DESEMPREGO (%) 1950-1998
Países 1950-1973 1974-1983 1984-1993 1994-1998
EUA 4,6 7,4 6,7 5,3
Japão 1,6 2,1 2,3 3,4
Alemanha 2,5 4,1 6,2 9
Kaplinsky concluiu que "a introdução de novas tecnologias de automação, associadas como
estão ao aprofundamento das crises econômicas, deve levar a elevados e duradouros níveis de
desemprego, provavelmente com um excesso de 12% da força de trabalho. As tendências
contrárias oferecidas por novos produtos, pela busca de novas habilidades, pela introdução da
semana curta e pela resistência às novas tecnologias de automação, não trarão alterações
substanciais a essa perspectiva". A "libertação do trabalho" foi transformada em "colapso do
trabalho". Em 1985, o desemprego mundial estava estimado em mais de 800 milhões de
pessoas (para uma população economicamente ativa ‐ PEA ‐ mundial estimada, pela OIT em
1986, em 2 bilhões de pessoas).
Nos países centrais (Europa, Japão e EUA) o desemprego superava largamente os 40 milhões
de pessoas. Isto não tem apenas um efeito deletério sobre os salários ‐ com os salários reais
em queda, e muito mais a participação relativa dos salários nas rendas nacionais e na renda
mundial ‐ mas também sobre a própria segurança e estabilidade no emprego. O achatamento
salarial foi um dos principias motores do desemprego, ao provocar um inusitado
referência, um momento necessário para enfrentar a crise: a adoção, na Argentina, do plan de convertibilidad de
1991, e depois os casos da Guatemala e do Equador, fizeram parte de uma política de re‐colonização obrigada pela
própria crise do capital em seu epicentro. O principio da “estabilização” consiste na criação de uma âncora nas
reservas cambiais, ter uma moeda nacional estável pressupõe “ancorá‐la” na existência de grande volume de
reservas. Este volume de moeda estrangeira em dólar é o que garantiria a fixação de um valor à moeda e daria as
condições para mantê‐lo. Ou seja, a força da moeda viria da posse de outra moeda, sem que os países
“estabilizados” tenham qualquer controle sobre a sua emissão.
82
prolongamento da jornada de trabalho. Uma das principais causas do desemprego nos EUA,
segundo Juliet Schor, “tem sido uma constante redução das tarifas salariais por horas. Esta
erosão teve um profundo efeito sobre as horas; para manter o seu nível de vida, estes
empregados se vêem obrigados a trabalhar longas jornadas”.
O crescimento do trabalho temporário e/ou precário foi muito mais veloz do que o
crescimento do emprego em geral. O trabalho não estruturado ou “informal” ocupou o lugar
principal como “esponja” da mão‐de‐obra. Em 1991, esse tipo de trabalho representava dois
terços do emprego na África setentrional é mais da metade na Ásia: entre 1980 e 1987,
aumentou 56% na América Latina. Um informe da OIT revelou a extensão mundial da
precariedade: "cabe considerar como protegidos socialmente uns 800 milhões de
trabalhadores de uma população ativa mundial de quase 2 bilhões. Os 1,15 bilhões restantes ‐
isto é, 60% da população ativa total‐ não estão protegidos no que se refere ao seguro social
básico nem à legislação trabalhista". O uso das novas tecnologias de informação (informática e
eletrônica) também determinaria novas formas de organização da produção e, em decorrência
disso, novas formas de gestão do trabalho.64
Para Piore e Sabel, a causa da crise não estaria na estrutura do capitalismo, mas na sua
superestrutura institucional: "A crise é o resultado da incapacidade da estrutura institucional
de finais dos anos sessenta, para adaptar‐se à difusão da tecnologia da produção em série.
Essa explicação é compatível com uma importante implicação, a saber, que se poderia ter
evitado a crise dos anos sessenta ou reduzido em grande medida seus efeitos, manipulando as
instituições ou reformando‐as de acordo com seus princípios. A explicação implica que, cedo
ou tarde, dada a ordem econômica internacional e as técnicas nacionais vigentes de
estabilização industrial, a persistência da prosperidade dependeria de uma reorganização
básica da estrutura institucional: é possível que uma gestão ilustrada da crise tivesse evitado a
própria crise mundial, mas não a necessidade de levar a cabo reformas fundamentais". A crise
não seria, pois, a do modo de produção, mas a de um "paradigma industrial" dentro do
mesmo.65 Ora, só um terço do aumento na produtividade durante o período de 1995 a 1999
poderia ser atribuído à “revolução da informação”. Gordon estabeleceu que a maior parte do
aumento da produtividade atribuído à informatização, originou‐se na realidade na área da
produção de computadores, com efeito limitado sobre o resto da economia. Segundo estudo
de Gordon, a produtividade na produção de computadores aumentou de 18% ao ano entre
1972 e 1995, a 42% ao ano a partir de 1995.66
64
Segundo Coriat: “Na medida em que se desenvolveu a eletronização da fabricação, rapidamente revelou‐se uma
particularidade dos novos meios de trabalho automatizados: a capacidade de adaptar os modos operacionais e de
manipulação a vários tipos diferentes de tarefas. Essa propriedade permite que se conceba as linhas flexíveis de
produção em oposição às rígidas provenientes da automatização clássica e da Organização Científica do Trabalho”.
As novas tecnologias e seus correspondentes métodos de gestão, então, podem ser considerados como uma
tentativa de quebrar a resistência operária contra os ritmos de trabalho e a desqualificação crescente do mesmo.
65
Para Karl Marx, o “paradigma” da automação era um fator de auto‐dissolução do capital: o processo de produção,
sob o maquinismo capitalista, já não era, tendencialmente, um processo de trabalho: "O processo de produção
deixa de ser um processo de trabalho, no sentido em que o trabalho constituiria a sua unidade dominante. Nos
numerosos pontos do sistema mecânico, o trabalho aparece apenas como corpo consciente, sob a forma de alguns
trabalhos vivos. Dispersos, submetidos ao processo de conjunto da maquinaria, não formam mais do que um
elemento do sistema, cuja unidade não reside nos trabalhadores vivos, mas na maquinaria viva (ativa) que, em
relação à atividade isolada e insignificante do trabalho vivo, aparece como um organismo gigantesco. Neste estádio,
o trabalho objetivado aparece realmente, no processo de trabalho, como o poder dominante face ao trabalho vivo,
enquanto que, até aí, o capital era apenas o poder formal e desse modo se apropriava do trabalho". A progressiva
eliminação do trabalho vivo do processo de produção tende a eliminar o motor e o fundamento do capitalismo, que
é a apropriação do sobre‐trabalho vivo (pois o trabalho objetivado, morto, não produz sobre‐trabalho). A
automação, potenciada pela tecnologia eletrônica (informática), acentua essa contradição inerente ao capitalismo.
66
Segundo o estudo de Gordon do processo técnico no período entre 1887 e 1996, o período de máximo progresso
técnico, manifestado no crescimento anual da produtividade de múltiplos fatores, foi o período entre 1950 e 1964,
83
Seria um (qualitativamente) “novo” capitalismo? Para Michel Husson, o capitalismo corrente
teria uma estrutura de custos particular: uma colocação de fundos inicial importante e
concentrada no tempo, onde as despesas de trabalho qualificado ocupam um lugar crescente;
uma desvalorização rápida dos investimentos, que devem ser amortizados e rentabilizados
num período curto; custos variáveis de produção ou de reprodução relativamente baixos; a
possibilidade de apropriação mais ou menos gratuita da inovação ou do produto (programação
informática, obra de arte, medicamento, informação). Não há qualquer problema particular: a
valorização do capital passa, como sempre, pela formação de um preço que deve cobrir os
custos variáveis da produção, a amortização do capital fixo, calculada em função da sua
duração de vida econômica, mais a taxa média de lucro. Quando a inovação permite produzir
mais barato as mesmas mercadorias, o primeiro capital a utilizá‐la beneficia de uma vantagem,
ou de uma renda (uma mais‐valia “extraordinária”, segundo Marx) que dá uma retribuição
transitória ao avanço tecnológico. Os seus concorrentes serão levados a introduzir a mesma
inovação, a fim de beneficiarem também destes sobre‐lucros, ou simplesmente para resistirem
à concorrência.
Para Robert Kurz, “tendencialmente, o capitalismo tornou‐se ‘incapaz de explorar’; pela
primeira vez na história capitalista está diminuindo também em termos absolutos ‐
independentemente do movimento conjuntural ‐ a massa global do trabalho abstrato
produtivamente explorado, e isso em virtude da intensificação permanente da força
produtiva”.67 E assim: “Uma vez que essa crise consiste precisamente na eliminação tendencial
do trabalho produtivo e, com isso, na supressão negativa do trabalho abstrato pelo capital e
dentro do capital, ela já não pode ser criticada ou até superada a partir de um ponto de vista
ontológico do trabalho, da classe trabalhadora, ou da luta das classes trabalhadoras. Nessa
crise, e em virtude dela, revela‐se todo o marxismo da história como parte integrante do
mundo burguês da mercadoria moderna, sendo por isso atingido ele próprio pela crise”. Em
conseqüência, seria necessária “uma revolução de fato, mas não daquele tipo no qual uma
classe dentro da forma‐mercadoria (e constituída por ela) tivesse que derrotar outra classe,
como sujeito antípoda”. Por essa via, a evolução do mundo contemporâneo vira um
movimento de sombras chinesas, uma abstração que conclui por não dar conta do movimento
concreto da história e das forças sociais atuantes, em especial a transformação da classe
trabalhadora e suas formas de organização social e política.
Os resultados do deslocamento (ou “redistribuição industrial”, como é chamada) da
“globalização”, se fizeram evidentes já na década de 1990. Segundo a ONU, dos US$ 23
trilhões que compunham a riqueza monetária mundial em meados dos anos 1990, apenas US$
5 trilhões correspondem à imensa maioria dos países (os chamados “em desenvolvimento”):
mantidas as tendências, as disparidades econômicas entre os países industrializados e o
mundo em desenvolvimento “passarão de iníquas para desumanas”, afirmou. Os 20% mais
pobres do mundo ficavam, em 1993, com apenas 1,4% do total da renda do planeta, uma
queda de 0,9% em relação a 1960. Os 20% mais ricos viram a sua fatia saltar, no mesmo
período, de 70% para 85% da riqueza mundial. 358 bilionários tinham ativos superiores à
renda anual somada de países em que vivem 2,3 bilhões de pessoas (45% da população
mundial). E 33% da população dos países em desenvolvimento (1,3 bilhão) viviam com menos
de US$1 por dia. Deles, 550 milhões no sul da Ásia, 215 milhões na África subsaariana e 150
milhões na América Latina. O crescimento sem precedentes do “exército industrial de
reserva”, não serve só para deixar desempregados ociosos, mas também para achatar salários,
quando alcançou aproximadamente 1,8%. O período de menor crescimento da produtividade de múltiplos fatores,
neste século, foi entre 1988 e 1996, um crescimento de aproximadamente 0,5%.
67
Para Marx, a intensificação da força produtiva através do incremento relativo do capital constante em relação ao
variável tornava absurda a medida do valor pelo tempo de trabalho vivo (não que este desaparecesse, mas o seu
peso relativo comparado com o trabalho “morto” tendia a uma magnitude insignificante).
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introduzir a “flexibilização laboral” sob todas as suas formas, quebrar todas as conquistas
sociais e reintroduzir as formas mais arcaicas e bárbaras de exploração do trabalho:
escravidão, trabalho infantil, e até prostituição infantil em grande escala.
O colapso da URSS e do “bloco socialista” inscreveu‐se no quadro da crise econômica mundial,
e foi um fator de aceleração daquela. A crise de agosto de 1998 marcou os limites e as
enormes convulsões nacionais e sociais da penetração capitalista na Rússia. Provocou uma
crise mundial, como revelou a quebra do LTCM e as fraudes financeiras descobertas, da qual se
buscou sair ampliando as fronteiras da restauração capitalista e passando à privatização do
campo. A burocracia apropriou‐se das empresas, mas não criou um processo completo de
acumulação e de reprodução, o que suporia um conjunto de relações sociais estruturadas em
termos de mercado: até a venda de matérias‐primas ao exterior tem características precárias.
Rússia carece de sistema bancário, de moeda, de um sistema legal e de um regime de
impostos devidamente assentados e universalmente reconhecidos. A falência russa provou,
para parte dos círculos governantes ocidentais, que a “transição para o mercado” beirava o
fracasso. A restauração capitalista, que já era dada como certa e como pressuposto em todas
as considerações do período pós‐1991, encontrou‐se em um beco. A “transição para o
mercado” na ex‐URSS não pôde senão incorporar todas as tendências desagregadoras do
“mercado” no quadro histórico do capital monopolista.
A colonização econômica do antigo “bloco socialista” só acirrou a concorrência internacional, e
se transformou, de saída para a crise, em fator da própria crise. As indústrias se instalaram
para produzirem na China produtos de segunda linha, sem respeito à propriedade industrial
(pirataria), muito menos ao direito do consumidor e, com isso, constituir grandes fortunas,
fruto de apropriação indébita, sobretudo dos consumidores nos países subdesenvolvidos. Este
processo de enriquecimento se assemelha ao processo de uma “acumulação primitiva” atípica.
Entretanto, o maior atrativo está na possibilidade da lavagem de dinheiro de drogas,
corrupção, contrabando e demais “proezas” do crime organizado. As fábricas chinesas
pirateiam software, músicas, vídeos e produtos de grife norte‐americanos, no valor de bilhões
de dólares: quase todas as operações pertencem a companhias estrangeiras, dos EUA ou que
procedem de nações que são grandes aliadas e parceiras comerciais dos EUA.
O acordo comercial da China com os EUA, de 1999, definiu a inserção da China no mercado
mundial na nova etapa. O acordo previu a redução das tarifas de importação dos principais
produtos agrícolas, desmantelando o monopólio estatal da soja. As tarifas de importação de
automóveis, da China, baixaram de 80% para 25%. Permitiu‐se a formação de sociedades
mistas, com até 49% de capital estrangeiro. Os bancos estrangeiros poderiam atuar em
território chinês como entidades nacionais. O acordo abriu o caminho para que China
ingressasse na Organização Mundial do Comércio (OMC), outorgando as mesmas vantagens a
todas as nações imperialistas.
A burocracia “comunista” chinesa deu esse passo sob a pressão da sua própria crise,
conseqüência da abertura econômica registrada desde 1978. Os créditos “podres” do sistema
bancário chinês eram, na virada do milênio, da ordem dos 500 bilhões de dólares, bancados
pelo orçamento do Estado. O ingresso da China na OMC significou que o sistema legal interno
da China se transformasse com base nos princípios da liberdade de empresa e de comércio.
Abriu‐se a via da colonização política. Desse modo o imperialismo mundial pretendia eliminar
a contradição entre a necessidade de desenvolvimento e independência da China, e a ordem
mundial da globalização capitalista. A sujeição econômica da China deveria viabilizar a sua
subordinação política, militar e estratégica.
As gigantescas exportações chinesas não foram resultado de uma política nacional de
produtividade e comandadas por modernas empresas chinesas. Segundo dados da própria
alfândega chinesa, quase dois terços (mais de 60%) das exportações são realizados por
85
empresas estrangeiras. Em categorias como peças de computador e aparelhos eletrônicos ao
consumidor, as empresas estrangeiras ficam com uma parcela ainda maior de controle sobre
as exportações. E com a maior parte dos lucros: “O que a China obteve nos últimos anos foi
somente alguns belos números. Quem fica com o verdadeiro lucro são as empresas
americanas e estrangeiras”, disse Mey Xinyu, economista do Instituto de Pesquisa do
Ministério do Comércio chinês. Na China, a restauração capitalista provocou um desemprego
inédito, migração de milhões do campo para a cidade (base dos inacreditavelmente baixos
salários da indústria chinesa) em virtude da dissolução das comunas agrárias, e também
grandes greves, reprimidas com extrema violência. A possibilidade de um movimento político
de massas, porém, foi questionada pela derrota que fora imposta ao movimento operário e
juvenil a partir do massacre da Praça Tienanmen, em 1989: essa foi a base da relativa
estabilidade política da burocracia “comunista” chinesa, em contraste com a desagregação que
sofreu sua homônima da ex‐URSS e da Europa do Leste.
Mas a colonização econômica do Terceiro Mundo e do ex “bloco socialista” não diminuiu o
impacto da crise no centro do sistema. O “boom” do endividamento mundial acarretou em
uma crise, nos anos 90 no mercado imobiliário japonês, diminuindo em larga escala o valor dos
títulos. No seu bojo ocorreu a “crise asiática”, desencadeando a propagação da deflação no
Extremo Oriente, seguido pela Rússia e pelo Brasil. As crises financeiras da década de 1990
(México, Tailândia, Indonésia, Coréia, Rússia, Brasil) que, contrariamente às precedentes,
estavam relacionadas a créditos concedidos por agentes privados, consagrou o papel do FMI
como "tábua de salvação" dos investidores, com seus "planos emergenciais" visando proteger
os estabelecimentos financeiros dos países desenvolvidos, fazendo com que a fatura fosse
paga pelos povos dos países onde tinham realizado seus negócios.
O FMI concentrou‐se no financiamento dos déficits da balança de pagamentos e depois, a
partir da década de 1980, na reestruturação de economias muito endividadas, através de
programas de “ajuste estrutural”. A única finalidade desses programas era garantir a quitação
da dívida externa. O FMI é um centro de (problemática) organização política do imperialismo
financeiro: cinco países “desenvolvidos” possuem 39% dos votos de suas instâncias, e o
conjunto dos “desenvolvidos” controla aproximadamente 60% dos votos.
Dez Maiores Cotistas do FMI
Acordos de comércio também proliferaram em nível regional. O NAFTA (Acordo Norte‐
americano de Livre Comércio) é modelo de acordo que liga e envolve países desenvolvidos e
em desenvolvimento, assim como a APEC (Cooperação Econômica Ásia‐Pacífico), e ambos são
usados como base para novos acordos nos marcos da OMC. O Tratado de Maastricht (Europa)
é o exemplo principal de um acordo vinculante entre países privilegiados. Acordos de comércio
regionais entre países desprivilegiados, como a ASEAN (que nucleia países do Sudeste asiático),
SADC (Cooperação de Desenvolvimento Meridional Africana), SAFTA (Acordo de Comércio
86
Livre do Sul Asiático) e MERCOSUL (Mercado Comum do Cone Sul), também emergiram. Todos
estes acordos regionais consistem na transferência de poder de decisão do nível nacional para
instituições regionais.
Outro tratado foi promovido, sem sucesso, o Acordo Multilateral em Investimentos (AMI), para
alargar os direitos dos investidores estrangeiros muito além das suas posições atuais na
maioria dos países e reduzir severamente os direitos e poderes dos governos para regular a
entrada, o estabeleci‐ mento e as operações de companhias e investidores estrangeiros. Esta é
atualmente também a tentativa mais importante para estender a “mundialização” e a
“liberalização” econômica. A AMI aboliria o poder e o direito soberano de nações para
determinar as políticas econômicas, sociais e culturais. Todas estas instituições e acordos
compartilham as mesmas metas: prover a mobilidade para bens, serviços e capitais,
aumentando o controle dos investidores sobre as políticas gerais.
A substituição das “instituições de Bretton Woods” pelos acordos políticos diretos entre
Estados, sem a ficção da “participação geral” (como no FMI, no BM, ou na ONU), foi‐se
mostrando cada vez mais ineficaz. Já em 1996, o New York Times avaliava que “O G‐7, fundado
há 20 anos, parece cada vez menos eficiente, por não refletir as realidades de um mundo no
qual as economias emergentes da Ásia e da América Latina estão crescendo quase duas vezes
mais que as das nações industrializadas. Quando o G‐7 tentou resolver a crise do peso
mexicano, surgiram divergências sobre o pacote proposto pelos EUA, com os europeus
acusando Washington de estar tentando induzi‐los a salvar os investimentos americanos. A
posição que o grupo escolheu para si, de guardião do sistema econômico internacional,
desperta ressentimento crescente e torna‐se cada vez mais difícil justificar esse papel. O G‐7 é
uma instituição que está chegando ao ocaso”.
Virada do Século e Virada da Mesa
Para Gianfranco Pala, “a internacionalização do capital não suprime e não limita os Estados
nacionais, seja no sentido de uma integração pacífica dos capitais ‘sob’ os Estados – todo
processo de internacionalização se produz sob o domínio do capital de um determinado país ‐,
seja no sentido da sua extinção sob o super‐Estado (norte)americano, como se o capital
americano digerisse pura e simplesmente as outras burguesias”.
Uma recuperação limitada da taxa de benefício, na década de 1990, a um nível superior aos
anos 1970 e 1980, ainda que muito abaixo do período de pós‐guerra, foi revelada por diversos
estudos (taxa de retorno, participação dos lucros na renda) e evidências (rendimento das
ações, balanços das corporações) nos países da OCDE na década de 1990. Partindo do
postulado de que o trabalho é a única fonte de valor e que o lucro de nutre da mais‐valia, a
explicação desta recomposição da rentabilidade se encontra no avanço da flexibilidade
trabalhista, a pressão do desemprego e a expansão da pobreza. Ainda que não se tenha
consumado uma regressão decisiva nas condições de vida dos trabalhadores nos países
avançados, a precarização do trabalho redundou numa recomposição do benefício. Para que
esta recuperação ultrapassasse o curto prazo, este aumento da taxa de exploração teria que se
estabilizar.
Ao final de uma crise, a rentabilidade só se recompõe se um processo de depuração de
quebras e fusões “limpa” o mercado das empresas menos lucrativas. Na crise pós‐ 1970 não se
produziu um craque geral tipo 1929, mas a somatória dos colapsos econômicos acontecidos
em quase todos os países periféricos, e em segmentos das economias centrais pode comparar‐
se com a “grande depressão”. A massificação do desemprego, as ondas de fusões, a
reestruturação forçosa de todas as empresas, evidenciam a consumação de um grande
processo de perdas, quebras e trocas de propriedade. No entanto, um traço do capitalismo de
pós‐guerra que se reforçou é a postergação do “saneamento” dos capitais obsoletos, com
medidas de resgate instrumentadas pelos Estados.
87
Esses auxílios são habitualmente outorgados aos bancos em perigo, mas também mantêm em
pé as empresas devedoras e insolventes. Através destes salva‐vidas demarca‐se a crise à órbita
financeira e se freia sua extensão à esfera produtiva. A desvalorização de capitais excedentes
fica assim adiada, mas também se neutraliza a recuperação plena de taxa de lucro. As fortes
convulsões financeiras que se sucederam periodicamente desde o craque da Bolsa de Nova
York de 1987 (desvalorizações européias, Baring Brothers, insolvência no Japão, tequila
mexicano, crise asiática) popularizaram a interpretação da crise como um fenômeno
primordialmente especulativo. Partindo da crítica ao “inchamento da bolha”, convoca‐se a
“disciplinar o capital financeiro” e a “controlar os movimentos especulativos internacionais”. O
objetivo seria impedir que o “capital industrial são” continue asfixiado pela “ociosidade
financeira” da “economia‐cassino”.
O peso inédito do capital financeiro foi decisivo para a concentração empresarial mundial: a
participação das 200 maiores empresas no Produto Bruto Mundial (PBM) passou de 24% em
1982 para 30% em 1995, 33% em 1997, superando os 35% na virada do século. As primeiras
500 empresas perfazem 45% do produto mundial (65% ao se considerar o conjunto das
“multinacionais”, em torno de 35 mil). A quase totalidade daquelas possui sua casa matriz nos
países centrais: em 1995, 89% do faturamento das 500 maiores empresas correspondia a
firmas originarias do chamado G‐7.
Considerando‐se as dez maiores corporações mundiais ‐ Mitsubishi, Mutsui, Itochu, Sumimoto,
General Motors, Marubeni, Ford, Exxon, Nissho e Shell ‐ o seu faturamento conjunto passou a
corresponder a US$ 1,4 trilhão de dólares (equivalente ao PIB conjunto de Brasil, México,
Argentina, Chile, Venezuela, Colômbia, Peru e Uruguai). Metade dos prédios, máquinas e
laboratórios desses grupos e mais da metade de seus funcionários estão em unidades do
exterior, e 61% do seu faturamento é obtido em operações fora do país de origem. Se o
faturamento se expandir para as 100 maiores corporações, descobre‐se que um terço do
comércio internacional (US$ 1 trilhão em 1990) refere‐se a trocas entre unidades das
multinacionais. Elas empregam 20% da força de trabalho do setor secundário e terciário nos
países periféricos, e 40% dos países centrais.
Na crise asiática de 1997 (em julho, a moeda tailandesa se desvalorizou, e, após ela, caíram as
da Malásia, Indonésia e Filipinas, o que repercutiu também em Taiwan, Hong Kong e Coréia do
Sul), o socorro do FMI falhou, e a crise alcançou uma dimensão que não conseguiu ser contida.
Depois disso, tivemos o craque da Bolsa em Hong Kong e suas repercussões mundiais. Na crise
russa de 1998, ou “crise do rublo”, o sistema bancário nacional da Rússia entrou em colapso,
com uma suspensão parcial de pagamentos internacionais, a desvalorização da moeda russa e
o congelamento dos depósitos em moeda estrangeira. O FMI concedeu vários empréstimos
multimilionários para conter a queda livre da divisa, evitando um impacto irreparável no
mercado internacional. O “fim do socialismo” transformava‐se no pesadelo do capitalismo.
A crise, porém, não deu lugar a uma “alternativa multipolar”, porque não era uma “crise do
dólar” (embora assim se manifestasse inicialmente), ou da “hegemonia americana”, mas das
próprias relações capitalistas, em escala mundial. O uso do dólar nas transações internacionais
reforçou‐se, no mesmo tempo em que sua “reputação” diminuía com seguidas desvalorizações
frente ao ouro, no decorrer da década de 1970. O ouro desaparecia de fato como referência
de valor das moedas nacionais, e o dólar reforçava o mesmo papel de moeda de reserva
internacional, que exercia no antigo sistema de Bretton Woods: o sistema monetário mundial
se libertava das suas últimas reminiscências metálicas. Desfazia‐se de seus últimos resíduos de
um padrão concreto de medida do valor e assumia a sua própria natureza abstrata, a de
simples medida de uma determinada quantidade de tempo de trabalho abstrato (valor)
contido nas mercadorias. Tudo isso aconteceu através da centralização do poder monetário
dos EUA sobre o resto do mundo.
88
O capítulo fundamental da tentativa de superar a queda da taxa de lucro média verificou‐se,
no entanto, no centro do sistema, que comanda a dinâmica econômica mundial. Como visto,
nos anos 1980, a produtividade cresceu a uma taxa anual de 3,0% nos EUA, a 3,8% no Japão e
a 2,1% na Alemanha. Em seguida, na primeira metade da década dos anos 1990, os capitalistas
dos EUA impuseram aos trabalhadores um incremento de produtividade de 3,7% ao ano, os
japoneses 3,3%, e os alemães 2,9%. Finalmente, nos últimos cinco anos do século passado, a
exploração da classe operária cresceu aceleradamente nos EUA (6,4% ao ano), no Japão (5,0%)
e na Alemanha (3,7%).Logo depois, no entanto, tivemos a crise japonesa e a crise das moedas
dos “mercados emergentes”. Brasil, a partir de 1997, passou a adotar uma taxa de câmbio
flexível e, depois de perder quase US$ 32 bilhões em menos de cinco meses, e adotou o
câmbio flutuante em 15 de janeiro de 1999, seguido por uma forte desvalorização. A nova
queda de Wall Street, em 2000, derrubou a Bolsa de ações das empresas baseadas nas “novas
tecnologias”, na chamada "crise das ponto.com", que deixou uma esteira de falências,
fechamentos, compras e fusões no setor da internet e das telecomunicações, e um grande
buraco nas contas das empresas. Em apenas três anos a crise apagou do mapa quase cinco mil
companhias, e algumas das grandes corporações de telecomunicações foram protagonistas
dos maiores escândalos contábeis da história.
Seus efeitos arrastaram o resto das economias, e a crise acabou se convertendo em global. O
FMI, novamente, elaborou uma série de pacotes de "resgate" para salvar as economias mais
afetadas e promoveu uma série de “reformas estruturais”. A generalização da crise financeira
internacional evidenciou as bases frágeis em que se apoiaram as recuperações da economia
mundial depois da crise iniciada na década de 1970. Em novembro de 2000, finalmente,
George W. Bush, filho do seu pai e cristão renascido (das drogas e do álcool) pelos braços do
pastor Billy Graham, foi eleito presidente dos EUA, porque a Suprema Corte decidiu que,
mesmo considerando a necessidade de recontar os votos na Flórida, mais importante era
“respeitar os prazos eleitorais”. Com a fraude eleitoral consumada, os EUA encararam o século
XXI dispostos a reconquistar, e re‐valorizar (para si) os espaços econômicos e políticos
mundiais. À suivre...
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