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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS

ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS


NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO
ARTIGO CIENTÍFICO

COMISSÃO DE ANÁLISE DE FENÓTIPOS


HETEROIDENTIFICAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL

ORIENTANDO: JEFFERSON RODRIGUES DA SILVA


ORIENTADOR: PROF. MS. WEILER JORGE CINTRA

GOIÂNIA
2018
JEFFERSON RODRIGUES DA SILVA

COMISSÃO DE ANÁLISE DE FENÓTIPOS


HETEROIDENTIFICAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Artigo Científico apresentado à disciplina de


Trabalho de Curso II, da Escola de Direito e
Relações Internacionais, curso de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás
(PUC-GOIÁS).
Prof. Orientador: Ms. Weiler Jorge Cintra.

GOIÂNIA
2018
JEFFERSON RODRIGUES DA SILVA

COMISSÃO DE ANÁLISE DE FENÓTIPOS


HÉTERO IDENTIFICAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Data da Defesa: 21 de setembro de 2018.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Orientador: Prof. Ms. Weiler Jorge Cintra nota

________________________________________________
Examinador Convidado: Prof. Ms. Weiler Jorge Cintra Júnior nota
A Deus, a minha família e a todos que me ajudaram
a chegar até essa fase de minha vida.
Ao brilhante Prof. Ms. Weiler Jorge Cintra que de
diversas maneiras facilitou a conjectura e a confecção deste
artigo científico.

.
SUMÁRIO

RESUMO..................................................................................................................... 6
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6
1. DAS DISCRIMINAÇÕES POSITIVAS ÀS COTAS RACIAIS ................................. 7
1.1 HISTÓRICO LEGAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO RACIAL ...................... 7
1.2 DAS MEDIDAS ESPECIAIS DE INSERÇÃO SOCIAL .......................................... 9
2. AUTOIDENTIFICAÇÃO X HETEROIDENTIFICAÇÃO……………………………..11
2.1 POPULAÇÃO NEGRA………………………………………………………………...11
2.2 AUTOIDENTIFICAÇÃO X HETEROIDENTIFICAÇÃO…………………………….13
3. COMISSÃO DE ANÁLISE DE FENÓTIPOS.........................................................15
3.1 INCONSTITUCIONALIDADE E CONSTRANGIMENTO ILEGAL........................15
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 17
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 17
6

COMISSÃO DE ANÁLISE DE FENÓTIPOS


HÉTERO IDENTIFICAÇÃO: CONSTRANGIMENTO ILEGAL

JEFFERSON RODRIGUES DA SILVA 1

RESUMO

Este Artigo Científico apresentou as Comissões de Análises de Fenótipos para


Verificação de Veracidade da Autodeclaração de Candidatos ao ingresso em cargos
públicos federais através da reserva de vagas aos negros, discorrendo sobre a
evolução histórica da inserção social dos negros desde a escravidão até a reserva
de vagas em ingresso em carreiras públicas federais, percorrendo tratados
internacionais, legislação doméstica e por meio da interpretação e fervoroso estudo,
sob o método dedutivo, caracterizando-as como inovações jurídicas, fundamentadas
em norma inconstitucional, o que leva submeter o candidato autodeclarado negro ao
constrangimento ilegal.

Palavras-chave: Negro; inconstitucional; constrangimento.

INTRODUÇÃO

As Comissões de Análise de Fenótipos para Verificação da Veracidade da


Autodeclaração de Candidatos que concorrem ao ingresso em carreiras públicas
federais por meio da Reserva de Vagas advindas da edição e publicação da Lei
12990/2014, foram criadas a partir da Orientação Normativa 03/2016 da Secretaria
de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço Público, secretaria
vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão do Governo
Federal, que visa regulamentar o parágrafo único do art. 2º da supracitada lei.
Em exaustivas observações, interpretações e pesquisas bibliográficas
sobre o tema, sintetizando informações, dados, e, óbvio, não deixando de lado a
importância desse tema para a sociedade brasileira, haja vista hoje o Brasil ter mais
negros (pretos e pardos) do que brancos, segundo o último Censo.

1
Acadêmico do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, e-mail:
jeffersonrds.rodriguesdasilva@gmail.com
7

Ao longo do tempo, através de tratados internacionais, da Constituição


Federal e Leis Esparsas, o negro obtivera significativas melhoras no aspecto de
inserção social, onde temos as cotas como maior delas.
Contudo em 2016, institucionalizou-se a possibilidade de criação de uma
banca examinadora de fenótipos que atestariam se o indivíduo é ou não negro,
levando muitos a questionar se estas inovações jurídicas são constitucionais, se são
legais, isso no contexto do Direito enquanto ciência.

1. DAS DISCRIMINAÇÕES POSITIVAS ÀS COTAS RACIAIS

1.1 HISTÓRICO LEGAL DE COMBATE À DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Desde a Antiguidade a escravidão é prática comum de dominação e de


demonstração de poder, onde o mais “fraco”, o “inferior” deve obedecer ao mais
“forte”, o “superior”. Essa ideia de superioridade humana tem na escravidão um de
seus principais exemplos, e uma das maiores chagas da história brasileira.
A escravidão no Brasil durou cerca de 350 anos (1538-1888), tornando-se
o Brasil o último país das Américas a abolir a escravidão. Estima-se que 6 milhões
de pessoas foram trazidas do continente africano para o Brasil até 1860, ano em que
ficara proibido o tráfico negreiro, Lei Eusébio de Queirós e Lei Nabuco de Araújo.
No dia 14 de maio de 1888, os negros acordaram livres das correntes que
os prendiam ao chão e paredes da senzala, mas se viam agrilhoados à mesma
desigualdade e longe do acesso a direitos, garantias e da cidadania. Ser negro era
ser inferior, menor, mesmo “livres” os negros não largavam de ser “negros”. Conta-
se que Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda no período, em uma visão
romântica da abolição da escravatura, ordenara que colocassem fogo nos
documentos atinentes ao tema, títulos de propriedade sobre negros, registros
contábeis e censitários etc, documentos que poderiam ser utilizados como provas de
que o Brasil foi um país escravagista.
Contudo, a desigualdade social gerada pela escravidão não fora
combatida, nem mesmo problematizada. Alguns poucos intelectuais da época, como
Joaquim Nabuco, diziam que não bastava tão somente abolir a escravidão, devia-se,
também, procurar soluções para inserção destes novos cidadãos na sociedade.
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Tais gritos até hoje ecoam nos palácios, nos salões e nas academias,
contudo a rua nos mostra que ainda estamos imersos no contexto social do século
XIX, onde há divisões sociais muito bem definidas, e que tem na cor da pele seu
fator de mais fácil detecção.
Visando amenizar um pouco dessas desigualdades, muito por conta do
racismo, “[...] crença de que existe hierarquia entre raças e etnias’’, do preconceito
racial, “[...] opinião consolidada que conduz a uma generalização equivocada sobre
determinada etnia.”, e da discriminação racial, “[...] atitudes intolerantes, restritivas
ou excludentes que ofendem o princípio da igualdade” (CASTILHO, 2010), no Brasil
fora tentado punir os que exteriorizavam essa ideologia de superioridade étnica, os
que cerceiam, impedem, dificultam, ofendem o grupo étnico negro.
A primeira demonstração de tal visão é a Lei nº 1.390, de 3 de julho de
1951, conhecida como “Lei Afonso Arinos”, que trouxera em seu corpo normas que
tipificavam determinadas atitudes como contravenções penais, penalizando o infrator
que recusasse hospedar, servir, atender ou receber, em estabelecimento comercial
ou de ensino de qualquer natureza, cliente, comprador e aluno, por preconceito de
raça ou de cor. Todavia, tipificar determinadas atitudes discriminatórias como
“crimes anões”, dá uma visão do que esses delitos são para o Estado brasileiro e a
sociedade em si, menores, não ferem nenhum importante bem jurídico.
Contudo, vivendo, ainda, o pós-guerra, os Estados Nacionais, dentre eles
o Brasil, através da ONU, adotaram em 21 de dezembro de 1965, a Convenção
sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, que preencheu
enormes vazios e norteou políticas públicas no intuito de erradicação do racismo. No
Brasil este tratado internacional fora internalizado por meio do Decreto 65.810 de
1969. Mesmo contendo enormes avanços e inserido no ordenamento jurídico pátrio,
tal avença internacional não produzira efeitos práticos em âmbito doméstico.
Somente em 1988, com a Constituição Cidadã é que o fim do racismo, da
discriminação racial e do preconceito racial se fez presente como princípio,
fundamento e objetivo da República Federativa do Brasil.
Porém, mais uma vez, a ideia de punir se sobrepôs à ideia de inserir, pois
em 1989, o legislador, Lei nº 7.716, definiu os crimes resultantes de preconceito de
raça e de cor, penalizando de forma, agora, mais gravosa o racista, o discriminador
e o preconceituoso. Essa prevalência da punição foi, ainda, ampliada com a Lei nº
9.459/97, que acrescentou às questões de raça e cor também o preconceito ou à
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discriminação de etnia, religião ou procedência nacional. Ademais, este diploma


legal introduziu no Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei nº 2.848/40, o crime de
injúria racial, art. 140, §3º.
Então, em 2010, após a realidade social clamar por observância de outros
quesitos e pela criação de outras ferramentas de combate à cultura de inferioridade
étnica, fora instituído o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, tabula que
dispõe sobre assuntos e necessidades fáticas e jurídicas, que antes nesses mais de
130 anos após abolição institucional da escravidão, nunca haviam sido
pormenorizados, o Estado se preocupou e trouxe à baila das discussões e dos
debates, a questão étnico-racial. Não tratou apenas de legislar punições aos
opressores, mais iluminou e esclareceu pontos antes obscuros pela inércia do
legislador. Conceituou, estipulou, consagrou temas que pertenciam a um vazio legal.
Essa Lei serviu para o Estado brasileiro, obviamente que não deixando de
penalizar o autor de atos ilícitos, mudar o foco no combate à desigualdade étnica. A
partir de então se preocupara mais na elaboração de políticas públicas de inserção
social. Dar direitos, consolidar garantias e a abrir, aos negros, portas de locais que
antes somente adentravam para realizar a manutenção, como Universidades e
Órgãos Públicos. O negro começou, portanto, a abrir pequenos buracos na muralha
da desigualdade social.

1.2 DAS MEDIDAS ESPECIAIS DE INSERÇÃO SOCIAL

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de


discriminação Racial (ONU, 1965) aduz, dentre tantas disposições, pela
obrigatoriedade dos Entes Nacionais, os que subscreveram tal acordo, de criarem
políticas públicas de inserção social de grupos étnico-raciais desfavorecidos,
violentados e oprimidos.
Neste tratado, fica possibilitado aos Estados utilizarem de meios
discriminatórios, não de forma negativa, mas de forma positiva, porque ao invés de
tolher, impedir, impossibilitar ou dificultar o acesso a direitos, deve-se conceder
benefícios, incentivos a esses grupos sociais marginalizados.
Essas discriminações positivas são medidas especiais, não devem ter
caráter perpétuo e intransigível, pois tem o escopo de consertar problemas histórico-
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culturais que se consolidaram pelo tempo, perfazendo, então, essas soluções,


também, um lapso temporal, porque se o fim da instituição de determinada medida
for atingido, tal medida perde seu objeto e motivo constitutivo. Portanto, os Estados-
Nação devem observar, ao concretizar em âmbito doméstico as discriminações
positivas, o aspecto transitório de sua eficácia.
PARTE I
ARTIGO I
3. Nenhuma disposição da presente Convenção poderá ser interpretada
como atentando, sob qualquer forma, contra as disposições legais dos
Estados Partes relativas a nacionalidade, cidadania e naturalização, desde
que essas disposições não sejam discriminatórias contra qualquer
nacionalidade em particular. 4. Medidas especiais tomadas com o objetivo
precípuo de assegurar, de forma conveniente, o progresso de certos grupos
sociais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem de proteção para
poderem gozar e exercitar os direitos humanos e as liberdades
fundamentais em igualdade de condições, não serão consideradas medidas
de discriminação racial, desde que não conduzam à manutenção de direitos
separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido
atingidos os seus objetivos.
ARTIGO II
2. Os Estados Partes adotarão, se as circunstâncias assim o exigirem, nos
campos social, econômico, cultural e outros, medidas especiais e concretas
para assegurar adequadamente o desenvolvimento ou a proteção de certos
grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a esses grupos com o
propósito de garantir-lhes, em igualdade de condições, o pleno exercício
dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Essas medidas não
poderão, em hipótese alguma, ter o escopo de conservar direitos desiguais
ou diferenciados para os diversos grupos raciais depois de alcançados os
objetivos perseguidos.

Vislumbrando os reflexos dessas normas internacionais na ceara da


legislação nacional, o Estatuto da Igualdade Racial as internalizou, em sentido
prático, conceituando e definindo pontos norteadores como discriminação racial,
desigualdade racial, desigualdade de gênero e de raça, população negra, políticas
públicas e ações afirmativas, art. 1º do supracitado diploma legal.
Sobre as ações afirmativas, inciso VI, tal norma dispõe que são “os
programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para
correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de
oportunidades”.
Ao longo de todo o corpo da lei da igualdade racial, as ações afirmativas
são colocadas como as principais formas de inserção social e de acesso a direitos
pelas vítimas étnico-raciais, como direito à educação e ao trabalho, respectivamente,
arts. 15 e 39. São esses artigos, principalmente, que fundamentam as cotas raciais
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para ingresso em Universidades Públicas Federais e Cargos Públicos Federais, Lei


12.711/2012 e 12.990/2014.
Como todo assunto que traz inovações e profundas mudanças, as ações
afirmativas foram colocadas em xeque, pois chegara para ser analisada pelo
Supremo Tribunal Federal, através da ADPF 186, a constitucionalidade de medidas
como cotas raciais para ingresso em instituições federais de ensino, alegando o
requerente, Democratas (DEM), em suma, que tais privilégios violariam o princípio
da isonomia, art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, pois favoreceria uns em
detrimento de outros, já que se retiraria vagas destinadas a ampla concorrência e
colocariam seu preenchimento restrito aos negros, índios e quilombolas.
Contudo, por unanimidade, os Ministros da Suprema Corte Brasileira,
entenderam que as ações afirmativas, as discriminações positivas, não vão de
encontro à isonomia entre os brasileiros, muito por conta que está igualdade deve
ser protegido quando ambos os lados estão em paridades de armas e de
oportunidades de acesso a direitos.
Portanto, as cotas raciais, uma das principais formas de exteriorização
das ações afirmativas, foram consideradas constitucionais. Tal entendimento sobre
as discriminações positivas trouxe a segurança jurídica necessária para que as
cotas raciais possam frutificar e atingir o fim precípuo de sua constituição, a extinção
da desigualdade social por motivos étnico-raciais.

2. AUTOIDENTIFICAÇÃO X HETEROIDENTIFICAÇÃO

2.1 POPULAÇÃO NEGRA

Como já visto anteriormente, ser negro é muito mais do que possuir a


pele escurecida, o cabelo crespo, dentre outras características físicas, que em
verdade são estereótipos, pois o negro é o cidadão brasileiro que se autodeclara
negro, o que possui o sentimento de pertencer a esse grupo étnico-racial que
carrega o fardo de levar esta nação nas costas desde os tempos de Brasil Colônia.
É impossível decantar a população brasileira e definir com exatidão quem
pertence e que não pertence à população negra através dos fenótipos, haja vista a
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extrema miscigenação pela qual passou a demografia nacional desde o


“descobrimento”.
Urge, também, ressaltar que, como já apregoado, o que dá lastro a
classificação como negro, são as agressões e violências sofridas, a pecha de
inferior, a desigualdade social, a desproporcionalidades das políticas públicas etc.
Ser negro é estar à margem, é estar distante dos cuidados inerentes a qualquer
humano, é não ser escutado na elaboração de ditames sociais, é encontrar-se
aquém do que lhe é devido como pessoa, é entrincheirar-se nas alcovas insalubres
da periferia, é estacionar e quedar-se inerte diante as inúmeras injustiças
perpetradas pelo opressor por não ver outro meio de sobrevivência a não ser
escutar calado, pois se levantar o tom de voz, sair um pouco do prumo, logo por
meio da violência, estará novamente sob o julgo de seu violador.
A dogmática sobre o tema posiciona-se corroborando tal entendimento,
tanto é assim que o IBGE utiliza-se da autodeclaração como meio para o
levantamento censitário. A própria lei da igualdade racial definiu em seu art. 1º, IV, o
que é a população negra:
IV - população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e
pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição
análoga;

O diploma legal que estipula a reserva de vagas em concursos públicos


federais, respeitando a autodeterminação como regra, e solidificando a
autoidentificação, traz em seu art. 2º, caput, o mesmo critério para definir sobre
quem poderá concorrer pelo modo de reserva de cotas raciais:
Art. 2o Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros
aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no
concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.

Visto isto, ainda mais depois de a autoidentificação ser considerada


constitucional pela Suprema Corte Brasileira, ADPF 186, impera ressaltar a
necessidade de uniformizar os meios de ingresso no serviço público federal através
da reserva de vagas aos negros, e diante farta fundamentação, não precisando de
nenhum método interpretativo teratológico, onde a utilização da simples exegese,
chega-se a leitura aqui feita, não havendo necessidade de notório saber jurídico
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para entender que a autodeclaração já basta como instrumento de confirmação da


identidade afro-brasileira.
Não há em todo o ordenamento jurídico pátrio qualquer iota que
desabone e diga que a autoidentificação não é meio hábil para a constituição da
identidade negra. Como já deveras demonstrado, muito pelo contrário, o único meio
expresso em nosso ordenamento jurídico é o da autodeterminação como negro.

2.2 AUTOIDENTIFICAÇÃO X HETEROIDENTIFICAÇÃO

Ainda sobre essa dicotomia, a Orientação Normativa nº 3/2016,


proveniente da Secretaria de Gestão de Pessoas e Relações do Trabalho no Serviço
Público, secretaria vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e
Gestão do Governo Federal, trouxe para ordenamento jurídico pátrio a figura,
positivada, da heteroidentificação, se afirmando como regulamentação do parágrafo
único do art. 2º da Lei de Cotas Raciais para ingresso no serviço público federal, Lei
nº 12990/2014:
Parágrafo único. Na hipótese de constatação de declaração falsa, o
candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará
sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após
procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório
e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Na primeira parte da supracitada norma, temos caracterizada a


“constatação de declaração falsa”, pois a cabeça deste artigo, como
retromencionado, aduz pela autodeclaração como elemento basilar para
identificação e possuir o direito de concorrer a uma vaga no serviço público federal
no sistema de cotas raciais.
Em análise minuciosa do texto legal, não se vê com precisão como aferir
e constatar a falsidade na autodeclaração, somente após a posse, segunda parte,
em que deve se proceder a efetiva anulação da admissão em serviço ou emprego
público, através de um procedimento administrativo, observados os princípios
constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e do contraditório.
Contudo, mesmo respeitado estes princípios, qualquer aferição de
veracidade pautada única e exclusivamente em fenótipos, art. 2º, §1º, demonstra-se
em total desacordo com a ordem constitucional e infraconstitucional, pois limitar,
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tolher e conter uso e gozo de direitos, para a obtenção de legitimidade, precisa-se


de expressa fundamentação legal para tal, o que não ocorre com a instituição dos
“Tribunais Raciais”.
A “instalação destes famigerados Tribunais Raciais” possui como único
fundamento, único pilar de sustentação, a supramencionada Orientação Normativa
nº 3/2016, que visa destruir, se não colocar em segundo plano, a autodeclaração, a
autodeterminação, a autoidentificação, desconstruir o poder de pertencimento do
negro, rasgar o passado, pelo simples fato de não possuir a tonalidade da pele que
atenda os critérios dos “julgadores raciais”.
Acerca dos integrantes que compõem essa comissão de aferição de
veracidade da autodeclaração, a Orientação, novamente, não esclarece, não traz a
relevo parâmetros e requisitos para ali estarem, art. 2º, §2º.
Tentara-se, com a publicação deste ato normativo, preencher uma lacuna,
um vácuo, contudo, ao contrário, tal diploma dificultara ainda mais a inserção do
negro na sociedade, por meio dessas discriminações positivas que nasceram para
corrigir desequilíbrios históricos e que estão brutalmente vivos na
contemporaneidade, e que hoje se vem ameaçadas pelo tenebroso consentimento
do outro, do opressor, para que o oprimido possa gozar de determinadas
prerrogativas.
Elucida-se, então, que uma forma exclui a outra, onde há
autoidentificação, não pode haver heteroidentificação, e vice-versa, isso porque
tratar a hetero como uma confirmação da autoidentificação demonstra
escandidamente a hierarquia do negro e de tudo que é parido por tal, pois para se
considerar válido o entendimento do negro é necessária a avaliação do outro,
proclamando sobremaneira a incapacidade, segundo quem assim pensa, de se
identificar a qual grupo étnico-racial pertence pelo simples ato de se autodeclarar.
Levanta-se a bandeira de que a heteroidentificação é o melhor, se não o
único, meio de prevenir fraudes. Todavia, este procedimento levou muitos negros
que não foram considerados negros pelos “Tribunais Raciais”, a acionarem
judicialmente as bancas examinadoras dos certames públicos pedindo a anulação
da aferição e, por consequência, a sua volta ao concurso, e que em sua maioria
obtiveram êxito em seus pleitos.
Flagrante estabelece-se, por ora, que a análise de fenótipos é
demasiadamente subjetiva, pois através de distintas óticas temos distintas
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interpretações e distintas observações, o que leva uma mesma pessoa ser


considerada negra por milhares de pessoas e não negra para outras tantas.
Consagrar a subjetividade em questões primordialmente objetivas e
impessoais, como são os concursos públicos, é desvirtuar a essência do ingresso no
serviço ou emprego público, porquanto tão injusta quanto a fraude, posiciona-se a
negação do acesso a um direito ao negro, principalmente ao direito ao trabalho, art.
7º, caput, da Constituição Federal de 1988.

3. COMISSÃO DE ANÁLISES DE FENÓTIPOS

3.1 INCONSTITUCIONALIDADE E CONSTRANGIMENTO ILEGAL

Sob outra ótica, além dos aspectos históricos, culturais e sociais, essas
comissões de análise de fenótipos encontram-se eivadas de outros vícios, os vícios
da inconstitucionalidade, haja vista a flagrante afronta ao princípio da Hierarquia das
Normas pois, com o intuito de regulamentar Lei Ordinária, espécie normativa
primária, fora editada e publicada Orientação Normativa que notadamente atenta
contra matéria exposta na norma primária, já que tal Orientação limita e até
contradiz a lei, porque ao afirmar que para se ter direito ao ingresso em carreira
pública federal faz se necessária a verificação da auto declaração como negro,
coloca o que dispõe a lei sob a orientação, e da ilegalidade, por eliminar um
candidato com base nesta Orientação Normativa que é inconstitucional.
Como já analisado, o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 12990/2014, traz
de forma expressa e clara como proceder após a posse, porém não há o
procedimento quando do transcurso do certame.
Então, limitar-se-á o acesso pela simples interpretação da orientação
normativa que apregoa que negro não é o que se autodeclara, mas sim o que a
Comissão de Análise de Fenótipos confirmar que o seja. Portanto, a Lei que
entabula expressamente que negro é aquele que se autodeclara negro, a Orientação
Normativa diz que não, para ser negro não basta autodeclarar-se negro, é condição,
para ser negro, a confirmação de outra pessoa que analisará tão somente traços
físicos e que dirá se tal candidato autodeclarado é negro ou não.
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Na pirâmide de Hans Kelsen, temos a Constituição como norma suprema,


de onde emana todos os direitos e garantias, portanto para que qualquer ato
normativo tenha eficácia deve ser constitucional, derivar de disposições
constitucionais. Tal pirâmide de Kelsen e seus valores foram plasmados na
Constituição Federal de 1988 em seu art. 59, I a VII, onde traz elencado um rol com
as normas ditas “[...] atos jurídicos-primários, porquanto retiram o seu fundamento de
validade da Constituição Federal [...]” (BULOS, 2014, 1193p).
Visto isto, a Orientação Normativa em comento, tem, formalmente, ligação
à Constituição através da Lei de Reserva de Vagas em Concursos Públicos
Federais, todavia, sua matéria não se liga a tal lei, pois extrapola seu intuito
limitando a eficácia da lei, e não regulamentando tão somente.
Como retromencionado, a lei considera a pessoa como sendo aquela que
se autodeclara, enquanto ela, a orientação, reza pela heterodeclaração, por isso,
inova, cria outro instituto jurídico não previsto pela Lei primária, como ferramenta
para caracterizar a população negra.
Se não possui liame de ligação com a Constituição de Outubro, esta
orientação encontra-se carregada de inconstitucionalidade, pois dispõe
contrariamente à lei regulamentada e desvincula-se desta, perdendo seu nexo com
a Carta Magna.
Ademais, entendendo-se a Orientação Normativa como ato jurídico que
traz inovações ao ordenamento jurídico brasileiro, que cria instituto jurídico
autônomo e traz limitações ao acesso a direitos, esse ato jurídico perde o condão de
mero ato regulamentador, toma aspectos de ato normativo primário, ou seja, possui,
na essência, matéria de ordem originária e por isso, também, está eivado de
Inconstitucionalidade Formal, além da Material, Hierarquia das Normas; formal
porquê, segundo Uadi Lammêgo Bulos, não fora proposta por autoridade
competente e nem tivera seu procedimento respeitado conforme ditado pela
Constituição.
Se a norma que fundamenta a eliminação de candidato autodeclarado
negro de concorrer a uma vaga para cargo público federal é inconstitucional, logo,
como já dito, tal decisão é ilegal. Além do mais, submeter o autodeclarado ao
processo de se colocar perante a uma Comissão de Verificação de Veracidade de
Autodeclaração já é uma ilegalidade, portanto constrange ilegalmente a pessoa
negra a se por diante um grupo de pessoas autorizadas pelo Estado, frisando
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novamente, de forma ilegal, para que esses terceiros digam se este é ou não é
negro, se este mente ou não mente, se este tentou fraudar ou não os ditames do
concurso público que se dispôs a se inscrever com o escopo de ingressar onde
antes seus antepassados somente lhe faziam a manutenção e segurança, ou
simplesmente passavam à porta.
A Constituição da República de 88 aduz que “ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, princípio da
legalidade, art. 5º, II. Se a lei que obriga é inconstitucional, fazer ou deixar de fazer
em virtude desta, caracteriza-se como ilegal, sofrendo, então, o candidato negro ao
constrangimento ilegal por parte da banca examinadora que adota tal “Tribunal
Racial” como meio para verificar a falsificação da autodeclaração.

CONCLUSÃO

Conclui-se através de tudo exposto que, ao tentar regulamentar


disposição legal, o Poder Executivo Federal inovou, criando no ordenamento jurídico
pátrio um novo instituto jurídico, a heteroidentificação, contradizendo a lei
regulamentada, extrapolando seu intuito e levando ao constrangimento ilegal todo
aquele candidato autodeclarado negro, como dispõe a lei, que se submete à
Comissão de Análise de Fenótipos, o que enseja muita das vezes, à eliminação de
negros de certames públicos, limitando o acesso ao trabalho àqueles que mais
sofreram neste país ao longo de toda a história brasileira, por meio de instrumento
jurídico inconstitucional e ilegal.

REFERÊNCIAS

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 186


DISTRITO FEDERAL. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6984693>.
Acesso em: 01 abr. 2018.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988. [S.l.: s.n.], 1988. 130 p. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 01
abr. 2018.
18

BRASIL. Decreto-lei n. 2.848, de 07 de dez. de 1940. Decreto-lei nº 2.848, de 07 de


dezembro de 1940. Código Penal. [S.l.], p. 1-72, dez. 1940. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso
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