Você está na página 1de 4

PARECER CRM-MG Nº 69/2018 – PROCESSO-CONSULTA Nº 60/2018

PARECERISTA: Cons. Márcio de Almeida Salles

EMENTA: Caberá ao Diretor Técnico das Instituições de


Saúde expedir normas internas proibindo o acesso e a
permanência de pessoas que estejam portando armas de
fogo ou armas brancas, nos estabelecimentos de saúde.

DA CONSULTA
Em 28/03/2018, o consulente, médico psiquiatra do HOSPITAL XXXXX e plantonista
do Serviço de Urgência, solicita um parecer sobre a seguinte questão:
Sou psiquiatra do XXXXX e plantonista do serviço de urgência há muitos anos. Lá
atendemos clientela que tem porte de arma - policiais civis e agentes penitenciários.
Eventualmente comparecem pacientes armados, com armas de fogo ou brancas na
urgência, demandando atendimento. Os colegas das outras clínicas se queixam
disso também. Já fizemos um abaixo assinado à direção solicitando a proibição do
atendimento de pacientes armados na urgência, mas não tivemos retorno. Quando
percebo que um paciente está armado, eu peço que a entregue a um
acompanhante, ou se não tiver, que guarde a arma em local seguro e depois volte
desarmado para atendimento. Porém, não tenho o respaldo da instituição, me
expondo a um conflito potencialmente de risco.
Minhas questões são:
- Sou obrigado a atender um paciente armado na urgência psiquiátrica?
- Meus colegas de outras clínicas são obrigados a atender um paciente armado na
urgência?
- O hospital deveria se posicionar sobre isso? Por exemplo, proibindo o atendimento
de pacientes armados e deixando um cartaz explicitando isso na entrada, e assim
respaldando os médicos?

DO PARECER
O Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004 regulamenta a Lei n° 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de
fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes. O
art. 26 do Decreto determina que:
Art. 26. O titular de porte de arma de fogo para defesa pessoal concedido nos
termos do art. 10 da Lei no 10.826, de 2003, não poderá conduzi-la ostensivamente
ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas,
estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja
aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza.
§ 1º A inobservância do disposto neste artigo implicará na cassação do Porte de
Arma de Fogo e na apreensão da arma, pela autoridade competente, que adotará as
medidas legais pertinentes.
§ 2º Aplica-se o disposto no §1° deste artigo, quando o titular do Porte de Arma de
Fogo esteja portando o armamento em estado de embriaguez ou sob o efeito de
drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou
motor.
Assim, a legislação federal proíbe a condução ostensiva, o acesso e a permanência
de pessoas portando armas de fogo, ainda que de porte regular, em locais
públicos e em lugares onde haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de
qualquer natureza. Dentre esses locais podemos inserir os estabelecimentos de
assistência à saúde.
Ressalte-se que o parágrafo segundo do artigo citado apregoa que se aplica essa
mesma proibição quando o titular do Porte de Arma de Fogo esteja sob efeito de
drogas ou medicamentos que provoquem alteração do desempenho intelectual ou
motor, o que é comum em pacientes em tratamento, principalmente o tratamento
psiquiátrico.
O fundamento desta norma é preservar a segurança e prevenir acidentes. O
manuseio ou o simples porte do armamento durante o atendimento pode ocasionar
disparos acidentais, além de gerar constrangimento e insegurança para o médico,
funcionários e demais pessoas presentes no local.
Também não ser pode descartado o risco do uso da arma por aquele paciente que
não tiver suas expectativas atendidas, por exemplo, não concessão de atestado
para afastamento do trabalho; ou quando este paciente não concordar com a
conduta médica ou com o tratamento proposto.
Em virtude de tais circunstâncias que permeiam a atividade médica, não é
recomendável o acesso e a permanência de pacientes conduzindo arma de fogo ou
arma branca, ainda que não seja de forma ostensiva, em instituições de saúde.
Cumpre salientar que o CÓDIGO DE CONDUTA PARA OS FUNCIONÁRIOS
RESPONSÁVEIS PELA APLICAÇÃO DA LEI, adotado pela Assembleia Geral das
Nações Unidas, no dia 17 de Dezembro de 1979, através da Resolução nº 34/169,
incorporado à legislação brasileira mediante acordo, disponível no site
www.camara.gov.br/sileg/integras/931761.pdf, dispõe:
Artigo 1º
(...)
O termo “funcionários responsáveis pela aplicação da lei” inclui todos os agentes da
lei, quer nomeados, quer eleitos, que exerçam poderes policiais, especialmente
poderes de detenção ou prisão. Nos países onde os poderes policiais são exercidos
por autoridades militares, quer em uniforme, quer não, ou por forças de segurança
do Estado, será entendido que a definição dos funcionários responsáveis pela
aplicação da lei incluirá os funcionários de tais serviços.
(...)
Artigo 2º - No cumprimento do dever, os funcionários responsáveis pela aplicação da
lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos
humanos de todas as pessoas.
(...)
Artigo 8º - Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar a lei e
este Código. Devem, também, na medida das suas possibilidades, evitar e opor-se
com rigor a quaisquer violações da lei e deste Código.
As determinações previstas no Decreto 5.123/2004 aplica-se aos policiais e outros
agentes de segurança pública. O porte de arma desses profissionais está regulado
pela Lei nº 10.826/2003, que dispõe sobre o porte de arma.
Estes profissionais são obrigados a respeitar a lei, e, acima de tudo, respeitar e
proteger a dignidade humana, manter e apoiar os direitos humanos de todas as
pessoas.
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil e os direitos humanos estão regulados pela Constituição Federal, que
assegura direito ao livre exercício profissional com segurança (art. 1º, inciso III, art.
6º, inciso XXII e art. 170, da CF1).
Nesse diapasão, cumpre ao estabelecimento de saúde assegurar as condições
adequadas aos profissionais médicos para o exercício da profissão.
A responsabilidade pela efetivação de medidas asseguradoras do bom exercício
profissional é do Diretor Técnico da Instituição, conforme dispõe a Resolução do
CFM 2056/2013, em seu Anexo 1, art. 17:
Art. 17. O diretor técnico médico é o fiador das condições mínimas para a segurança
dos atos privativos de médicos, conforme definido nestas normas e no Manual de
Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil, estando autorizado a determinar a
suspensão dos trabalhos quando inexistirem estas condições.
Observa-se que a norma atribui ao Diretor Técnico o dever de garantir a segurança
dos atos privativos de médicos. Dessa forma, ele deve zelar para que haja
condições de segurança pessoal e psíquica para o devido exercício da atividade
médica.
Complementando este raciocínio a Resolução CFM nº 2147/2016, em seu anexo,
dispõe:
(...)
Art. 2º O diretor técnico, nos termos da lei, é o responsável perante os Conselhos
Regionais de Medicina, autoridades sanitárias, Ministério Público, Judiciário e
demais autoridades pelos aspectos formais do funcionamento do estabelecimento
assistencial que represente.
(...)

1
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
(...) III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
(...) XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)
§ 3º São deveres do diretor técnico:
(...)
II - Assegurar condições dignas de trabalho e os meios indispensáveis à prática
médica, visando ao melhor desempenho do corpo clínico e dos demais profissionais
de saúde, em benefício da população, sendo responsável por faltas éticas
decorrentes de deficiências materiais, instrumentais e técnicas da instituição;
A norma é clara ao atribuir responsabilidade ao Diretor Técnico, nos termos da lei,
pelos aspectos formais do estabelecimento que representa. Dentre seus deveres
explícitos na norma está o de assegurar condições dignas de trabalho e os meios
indispensáveis à prática médica, visando ao melhor desempenho do corpo clínico.
CONCLUSÃO:
Caberá aos Diretores Técnicos dos estabelecimentos de saúde expedir normas
internas proibindo o acesso e permanência no interior do estabelecimento de
pessoas que estejam portando armas de fogo ou armas brancas.
O acesso de profissionais de segurança pública armados nestes estabelecimentos
poderá ocorrer apenas quando em serviço de escolta ou outra atividade que
requeira a presença armada no interior do estabelecimento.
A norma interna regulando esta conduta deve ser afixada em local visível dentro da
instituição e encaminhada para a Diretoria Administrativa da instituição de saúde,
para orientação ao serviço de segurança patrimonial e pessoal do estabelecimento e
demais providências consideradas cabíveis para o seu efetivo cumprimento.
Desta forma restou claro que médico que atende urgências psiquiátricas não é
obrigado a atender pacientes armados, sendo a orientação válida para os
demais médicos das instituições de saúde.
Cabe ao Diretor Técnico expedir norma proibindo o acesso e a permanência de
pacientes armados nos estabelecimentos de saúde.
É o parecer, salvo melhor juízo.

Belo Horizonte, 09 de maio de 2018

Cons. Márcio de Almeida Salles


Parecerista

Aprovado em Sessão Plenária do dia 15 de junho de 2018

Você também pode gostar