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Pandemia deve agravar preconceito contra os


mais velhos no trabalho
Michael Skapinker ⋮ 6-7 minutes
⋮ 26/06/2020

A discriminação por idade já era um problema no mercado de trabalho de todo o mundo


antes da pandemia. Agora, ativistas se preocupam com a possibilidade de que a situação se
agrave.

“É algo que já está me incomodando”, diz Ros Altmann, que foi ministra de pensões no
governo britânico.

O coronavírus reforçou a ideia de que os mais velhos são vulneráveis. Algumas pandemias
anteriores atingiram primordialmente jovens —os surtos de poliomielite da década de
1950 afetaram principalmente crianças, e a gripe espanhola de 1918-1919 matou milhões
de jovens adultos—, mas a Covid-19 é mais letal para pessoas acima de 60 anos.

Nos Estados Unidos, mais de 80% daqueles que morreram de Covid-19 tinham mais de 65
anos, de acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em
inglês). No Brasil, até 19 de junho, pessoas com 60 anos ou mais representavam 71% das
mortes pela doença, segundo o Ministério da Saúde.

No Reino Unido, o governo aconselhou distanciamento social rigoroso para quem está
acima de 70 anos, “independentemente de suas condições médicas”.

“As medidas são vendidas como um esforço para proteger os velhinhos”, diz Altmann,
acrescentando que não faz sentido diferenciar faixas etárias dessa maneira.

A ênfase na vulnerabilidade dos mais velhos representa uma mudança de foco: no mundo
pré-pandemia, especialistas afirmavam que, como muita gente estava vivendo mais e
melhor, era preciso encontrar jeitos de essas pessoas produzirem por mais tempo.

Em seu livro “The 100 Year Life” (a vida de cem anos), os pesquisadores Lynda Gratton e
Andrew Scott dizem às pessoas de 60 anos que muitas delas ainda têm um terço de suas
vidas pela frente e que deveriam pensar em trabalhar por mais alguns anos.

“Se existe uma palavra que precisa ser aposentada, é aposentadoria”, escreveu Don Ezra,
especialista no tema, em artigo para o Financial Times.

Os pesquisadores já viam a longevidade como um desafio para a sociedade, porque sempre


houve o risco de muitos não terem renda para se manter por tantas décadas.

A pandemia de Covid-19 não vai mudar esse cenário. Embora as mortes causadas pela
doença sejam altas entre os mais velhos, essa população continuará sendo parte de uma
questão mal resolvida em muitos países. Vão surgir novas preocupações sobre como
bancar as aposentadorias e impedir que os mais velhos caiam na pobreza.

Nos últimos anos, as políticas para lidar com o assunto vêm sendo claras: as pessoas
precisam trabalhar por mais anos, explica Yvonne Sonsino, codiretora do Next Stage,
projeto da consultoria Mercer que explora as implicações da longevidade no trabalho.

A idade mínima para receber aposentadoria foi aumentada. A dificuldade agora, para os
mais velhos, é que eles estarão disputando empregos —ou tentando manter os que já têm—
em um período de desemprego em massa.

Nos EUA, o desemprego chegou a 14,7%, a marca mais alta desde a Segunda Guerra
Mundial. No Reino Unido, o número de pessoas que solicitaram seguro-desemprego subiu
69% entre março e abril, para 2,1 milhões.

A taxa de desocupação no Brasil está em 12,6% e 3,6 milhões de pessoas solicitaram o


seguro-desemprego desde o começo do ano do ano no país, aumento de 14,2% sobre o
mesmo período de 2019.

As empresas vão continuar a cortar custos trabalhistas, e seus trabalhadores mais velhos
serão alvos fáceis. Quando as pessoas tiverem de batalhar para manter seus empregos,
será que surgirão conflitos entre as gerações?

“Realmente nos preocupamos com isso”, diz Sonsino. Também há o risco de que os
empregadores venham a se entrincheirar mais na postura de discriminação por idade.

As mesmas atitudes prevalecem em todos os países? Sonsino diz que, em seu trabalho,
constatou que o respeito pela idade tende a crescer “quanto mais ao oriente você estiver”.

Joan Costa-Font, professor da London School of Economics, escreveu que “embora muitos
países asiáticos reportem percepções mais positivas sobre as pessoas mais velhas, em
muitas sociedades ocidentais observamos um certo nível de ‘aversão à idade’, com
indivíduos elogiando estereótipos de juventude e as pessoas mais velhas fingindo serem
mais jovens para evitar os efeitos do preconceito”.

Mas Sonsino diz ver pouca diferença em termos de emprego: práticas de discriminação
por idade são encontradas no mundo inteiro.

Poucas empresas mantêm dados sobre o papel da idade no recrutamento, concessão de


bonificações e treinamento, ao contrário do que agora acontece com relação a gênero, por
exemplo.

“A idade com certeza é o último bastião da discriminação a ser contestado”, ela diz.

O que os empregadores preocupados com essa questão podem fazer? “Julgar os


trabalhadores com base em sua competência e experiência”, diz Altmann.

“É preciso ter justificação objetiva para forçar alguém a se aposentar”, continua. Se um


trabalhador de 65 anos de idade é melhor no posto do que um trabalhador de 50, por que
não manter o trabalhador de 65 anos?

Em lugar de falar com os funcionários sobre aposentadoria, ela recomenda discussões


sobre pré-aposentadoria, que poderiam envolver redução na jornada de trabalho ou postos
compartilhados.

Isso reflete o pensamento de muitos especialistas antes do coronavírus: as organizações


devem adotar práticas flexíveis para todas as idades. O trabalho remoto, que foi adotado à
força durante a pandemia, oferece indicações claras de que nem sempre é preciso estar no
escritório.

Altman sugere que os trabalhadores não sejam definidos como idosos. Que palavra ela
preferiria? “Sênior, maduro ou apenas pessoa. Que importa a idade que o funcionário
tem?”, diz.

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