Você está na página 1de 5

04/03/2020 Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era em que arte se faz roubando - 03/03/2020 - Ilustrada - Folha

Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era


em que arte se faz roubando
Pedaços de músicas manipulados para marcar referências ou homenagens,
'samples' influenciaram até romances

3.mar.2020 à 1h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2020/03/03/)

Claudio Leal (https://www1.folha.uol.com.br/autores/claudio-leal.shtml)

RIO DE JANEIRO A morte do cientista da computação Larry


(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/02/morre-larry-tesler-o-inventor-da-funcao-copiar-e-colar.shtml)Tesler

(https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/02/morre-larry-tesler-o-inventor-da-funcao-copiar-e-colar.shtml),

poucos dias, aos 74 anos, fez muitos copiarem e colarem seu nome no Google
para saber mais sobre a vida desse quase desconhecido. 

O discreto gênio do Vale do Silício viveu abaixo da fama de Steve Jobs, mas,
de cartas de amor plagiadas a livros mais inventivos, o mundo se enriqueceu
com as suas invenções em processadores de textos.

No centro de pesquisa da Xerox, em Palo Alto, na Califórnia, Tesler


desenvolveu o comando de cortar, copiar e colar propagado em 1983 pela
Apple, com impacto na edição de textos, sons e imagens.

Indispensável para o acesso universal aos computadores, o recurso do copia-


e-cola impulsionou práticas introduzidas décadas antes por vanguardistas. A
cultura remix levaria obras preexistentes —musicais, literárias e audiovisuais
— a novos contextos e sentidos.
Sua assinatura vale muito.
ENTENDA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml 1/5
04/03/2020 Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era em que arte se faz roubando - 03/03/2020 - Ilustrada - Folha

“A popularização dos computadores, laptops e smartphones fez com que


funções mecânicas como usar a tesoura, a cola, a máquina copiadora ou o
papel carbono se resumissem a um simples, rápido e limpo toque no
teclado”, diz Leonardo Villa-Forte, autor de “Escrever sem Escrever:
Literatura e Apropriação no século 21”, livro lançado pela PUC-Rio que
ganhou menção honrosa no prêmio Casa de Las Américas deste ano.

“Isso altera radicalmente a paisagem mental do que é possível e o que não é,


tecnicamente, para quem trabalha com textos”, diz Villa-Forte, que discute
os conceitos de “escrita não criativa”, de Kenneth Goldsmith, e “gênio não-
original”, de Marjorie Perloff.

“Há poucos anos, Flora Süssekind escreveu sobre ‘formas corais’ na literatura
brasileira, referindo-se a textos que cruzam falas, ruídos e gêneros, como
alguns trabalhos de André Sant’Anna, Veronica Stigger, Marília Garcia, Nuno
Ramos, entre outros”, acrescenta Villa-Forte. “Parece-me que esse conjunto
de obras ao qual ela se referia e outras obras de autores ainda mais jovens
são frutos e sinais dessas alterações na paisagem mental.”

O remix se espalhou por contágio. Pedaços de músicas manipulados para


marcar referências ou homenagens, os “samples” influenciaram cortes e
colagens em poemas, romances e até ensaios. Em 2004, no início do
doutorado em literatura da PUC-Rio, Mauro Gaspar e Frederico Coelho
contrapunham a caretice das teorias literárias às inovações na música
eletrônica.

Os amigos admiravam o álbum “Endtroducing...”, de 1996, costurado com


samples pelo americano DJ Shadow. Gaspar imaginou uma postura literária
equivalente. Cercados de pilhas de livros, os dois teceram o “Manifesto da
Literatura Sampler” com frases de variados criadores, de Antonin Artaud a
Hélio Oiticica (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/10/inhotim-inspira-instituicoes-culturais-por-todo-
o-pais.shtml), dando crédito a todos no final.

Sua assinatura vale muito.


ENTENDA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml 2/5
04/03/2020 Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era em que arte se faz roubando - 03/03/2020 - Ilustrada - Folha

DJ Shadow durante apresentação no Tim Festival, na Marina da Gloria no Rio de Janeiro, em


2006 - Fernando Rabelo/Folhapress

“Mais que um. É preciso ser sempre mais que um para falar, é preciso que
haja várias vozes. Que importa quem fala?”, vocaliza o manifesto lido em
jogral num seminário acadêmico, em 2005.

“O ‘samplear’ vem da música para uma prática que é moderna, existe desde o
século 19. A partir do acervo da cultura, você seleciona trechos e reelabora a
autoria”, afirma Frederico Coelho.

Um experimento apareceu no álbum “Tropicália 2”, de 1993, de Caetano


Veloso e Gilberto Gil. No “Rap Popcreto”, batizado sob influência dos poemas
de Augusto de Campos, Caetano sampleou os “Quem?” que lhe pareciam
fortes na canção brasileira, justapondo as vozes de artistas como Aracy de
Almeida, João Gilberto (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/11/discografia-de-joao-gilberto-nao-
pode-ser-ouvida-na-forma-que-foi-lancada.shtml) e Chico Buarque.

Há misturas improváveis. “Preciso me Encontrar”,


Sua assinatura vale muito.canção de Candeia
gravada por Cartola, foi sampleada pelo grupo americano de rap G-Unit em
ENTENDA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml 3/5
04/03/2020 Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era em que arte se faz roubando - 03/03/2020 - Ilustrada - Folha

“Let It Go”, do disco “T.O.S.: Terminate On Sight”, de 2008.

O dadaísmo de Tristan Tzara, o ready-made de Marcel Duchamp (uso de


objetos industrializados na arte), as colagens cubistas, o cut-up (recorte) de
William Burroughs e as experiências da música concreta aplicaram ideias
mais tarde facilitadas e difundidas pelos computadores.

O mundo anterior ao Ctrl+C Ctrl+V preserva seu sabor na receita de Tzara


para fazer um poema dadaísta —“pegue um jornal”, “pegue uma tesoura”,
“recorte o artigo”, “copie conscienciosamente pela ordem em que saem do
saco”. O comando digital de Larry Tesler só não substituiria o acaso no
sorteio dadá de palavras.

Outro xis do problema, a apropriação cultural de obras alheias antecede a


defesa dos direitos autorais e tem um caso clássico na literatura brasileira, o
do poeta baiano Gregório de Matos. (https://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/2014/11/1549793-
conheca-a-obra-de-gregorio-de-matos-guerra-o-boca-do-inferno.shtml)

O historiador Fernando da Rocha Peres, autor de “Gregório de Mattos e


Guerra: Uma Re-visão Biográfica”, da Edufba, lembra que a ideia de plágio
não assombrava a literatura oral e só veio a ser explorada com a difusão da
tipografia.

“Em Coimbra, Gregório leu Quevedo e Góngora, poetas da península ibérica.


Há nele enorme impregnação por essa poesia barroca do século de ouro
espanhol, de tradição satírica. Mas isso não é plágio, é apropriação poética”,
reforça Peres, atribuindo originalidade ao Boca do Inferno.

A fronteira entre plágio e criação intertextual parece bem definida, mas volta
e meia precisa ser demarcada. 

Villa-Forte recorda o conflito judicial entre María Kodama, viúva de Jorge


Luis Borges, e o escritor argentino Pablo Katchadjian, autor —alto lá, coautor
— do livro “El Aleph Engordado”, de 2009.

Kodama viu plágio no remix e abriu um processo para lipoaspirar as 5.600


palavras que tornaram obeso
Suaoassinatura
conto “O vale
Aleph”. Em 2015, a Justiça argentina
muito.
ENTENDA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml 4/5
04/03/2020 Ctrl+C Ctrl+V criou cultura do remix e turbinou era em que arte se faz roubando - 03/03/2020 - Ilustrada - Folha

reconheceu a intertextualidade e rejeitou a acusação da detentora dos


direitos de Borges.

“Os autores e obras das quais falo no meu livro nunca esconderam que suas
obras partiam de outras fontes que não a sua própria cabeça. Então já não é
plágio”, diz Villa-Forte. 

O ensaísta observa que a cultura remix não questiona o que é um poema, um


filme ou uma música.

“Questiona-se, sim, como se faz. Então chega-se a esse resultado mais ou


menos determinado, só que por um outro caminho, que é o caminho do
mash-up, da colagem, da apropriação, da montagem."

sua assinatura vale muito

Mais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais
de 120 colunistas. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público,
veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância
das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto
custa ajudar a produzir esse conteúdo?

ASSINE A FOLHA (HTTPS://LOGIN.FOLHA.COM.BR/ASSINATURA/390510)

ENDEREÇO DA PÁGINA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-
do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml

Sua assinatura vale muito.


ENTENDA

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/03/ctrlc-ctrlv-criou-cultura-do-remix-e-turbinou-era-em-que-arte-se-faz-roubando.shtml 5/5

Você também pode gostar