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Neste trabalho, vamos resumir o capítulo dois, em que Featherstone busca identificar os 3 pontos
que ele entende como base para a cultura do consumo: o primeiro acerca da premissa de expansão
da produção capitalista de mercadorias, a qual deu origem a uma vasta acumulação de cultura
material; no segundo ponto, Featherstone, traz à tona a relação entre a satisfação pessoal
proporcionada pelo crescimento mercadológico e os modelos sociais; por fim, o último ponto é
reservado para debater a questão dos prazeres emocionais do consumo.
2 – A produção do consumo
Por esse motivo, o autor explica através pensadores sociais a viabilidade de educação para o
consumo. Horkheimer e Adorno são os primeiros pensadores que se destacam nesse trecho,
levantando o argumento de que os fatores da lógica mercantil e racionalidade instrumental são
correlatos no espectro produtivo e de consumo. Assim, destaca-se que os bens constituem uma
oportunidade de dar matéria a uma cultura. Como qualquer outra espécie de cultura material, os
bens permitem que os indivíduos discriminem visualmente entre categorias culturalmente
especificadas, codificando essas categorias sob a forma de um conjunto de distinções materiais. As
categorias de pessoas divididas em parcelas de idade, sexo, classe e ocupação podem ser
representadas num conjunto de distinções materiais por meio de bens. As categorias de espaço,
tempo e ocasião podem, também, ser refletidas nesse meio de comunicação. Os bens ajudam a dar
substância à ordem da cultura. Atividades de lazer, a arte, e a cultura de modo geral são meios que
sofrem filtragem da indústria cultural, portanto, dá-se como entendimento de valor de troca, à base
que os valores e propósitos da cultura se sobressaem a lógica do processo de produção e do
mercado.
A cultura do consumo atinge seu apogeu a partir do momento em que os produtos passam a valer
por quantidade e não mais por qualidade. Daí, há uma migração do ideal de alta cultura rumo à
oferta de “objetos inofensivos a uma massa atomizada, manipulada”, criando uma cultura substituta
de grande produção e reduzida a um denominador comum. A mercadoria dentro desse novo ciclo,
de liberdade, toma a disposição de assumir um valor secundário, uma vez que o valor de troca para
esse determinado item consegue se destacar frente ao real valor dele.
Em seguida, Featherstone dialoga no seu texto com a teoria de Jean Baudrillard quanto à
mercantilização, a qual entende o consumo como suposição para a manipulação ativa dos signos e
nomeia esse fenômeno de “simulacro”. Os simulacros são experiências, formas, códigos e objetos
sem referência que se apresentam mais reais do que a própria realidade, ou seja, são “hiper-reais”.
A mercantilização é uma ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, crescentemente,
constituindo o mundo contemporâneo, tornando qualquer distinção entre “real” e “irreal”
impossível.
Por fim, Featherstone, deixa claro que a abordagem da produção do consumo encontra dificuldades
para evidenciar práticas reais de consumo. O autor reitera o pensamento da Escola de Frankfurt, que
considera as indústrias culturais como produtoras de cultura de massa homogênea, pondo em risco a
pluralidade do povo e a sua criatividade.
3 – Modos de Consumo
Ao iniciar esse ponto, o autor faz uma associação entre a lógica de capital e a lógica de consumo.
Segundo seu argumento, a partir do final da década de 1970 e nas duas décadas seguintes já estava
em ebulição uma reestruturação produtiva radical que alteraria também o campo do consumo. A
percepção e vivência dessa realidade por aqueles que escreviam nesse período levou ao surgimento
de um campo de análises próprias ao consumo, que passou a tomá-lo como central na compreensão
da sociedade e cultura contemporâneas, entendendo-o como uma esfera autônoma não derivada
inequivocamente da produção capitalista e como um fenômeno moderno. O seguinte trecho, escrito
por William Leiss e presente no livro, resume com clareza essa questão:
“Alimentos e bebidas têm pelo menos uma vida curta em comum, embora nem sempre seja o caso;
por exemplo, uma garrafa de porto envelhecido pode desfrutar de um prestigioso e uma
exclusividade que significa que nunca é consumido realmente (nunca abra e beba), embora possa
ser consumido simbolicamente (contemple, sonhe com isso, falar dela, fotografá-la, segurá-la nas
mãos) de maneiras diferentes que produzem muita satisfação. É neste sentido que podemos falar
sobre o aspecto duplamente simbólico de bens nas sociedades ocidentais contemporâneas: o
simbolismo não se manifesta apenas no design e na imagem dos processos de produção e
marketing. Com isso, as associações simbólicas dos ativos podem ser usados e renegociados para
destacar as diferenças no estilo de vida que distinguem os relacionamentos social.” (Leiss, 1978, p.
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Posteriormente, Featherstone segue explicando que um determinado objeto pode ganhar mais
visibilidade ao depender do seu valor de troca, como no exemplo da garrafa de um vinho do Porto,
principalmente em sociedades aristocráticas e ricas que foram obrigadas a conceder a cultura para
novos-ricos, gerando um “consumo conspícuo”. Para melhor compreensão, a teoria do consumo
conspícuo, criada pelo economista Thorstein Veblen, faz-se útil. O “consumo conspícuo” é definido
como aquele que visa demonstrar, prima facie, que o agente possui um elevado nível de renda e faz
uso disso por meio de ostentação consumista a fim de se diferenciar socialmente dos outros
indivíduos. Através deste conceito, compreende-se que tal padrão de consumo era característico das
classes abastadas almejando ostentar seu padrão de vida fora do modo natural. Além disso,
assevera-se que este comportamento da classe ociosa influenciava a formação de preferências e o
padrão de consumo das classes inferiores, de tal forma que estas procuravam emular o padrão de
consumo daquelas.
Parágrafos a frente, Mike Featherstone, toma como base a teoria de Pierre Bourdieu e Douglas
Isherwood para explicar as formas como os bens são usados para marcar diferenças sociais e
transmitir mensagens. Esses estudos, são particularmente importantes por causa de sua ênfase na
forma como os produtos são usados para exemplificar relações sociais. Tomar posse de bens,
entende-se está apenas parcialmente ligada ao seu consumo físico, uma vez que também está
decisivamente ligado ao seu emprego.
Nessa ideia, tona-se interessante partilhar o nome dos produtos com outras pessoas, bem como o
domínio possuído pela pessoa cultural envolve um controle aparentemente natural não apenas de
informação, mas também como usar e consumir de forma adequada e com facilidade natural em
todas as situações.
Ao discorrer em seu último ponto, Feathersone, usa o conceito inicial da palavra consumo, criado
por Raymond Williams, objetivando discorrer sobre o tema. O termo “consumir” significava
destruir, desperdiçar, desperdiçar, exaurir. Nesse sentido, o consumo como esbanjamento, excesso e
gasto representa uma ideia primitiva ao lado da mentalidade das sociedades capitalistas e do
socialismo de estado, uma presença que deve ser controlado e canalizado de alguma forma. Com
isso, a única forma de reduzir a escassez seria através noção de valor econômico, que cria a
promessa de que a disciplina e os sacrifícios exigidos nos processos de produção e acúmulo
fornecerão os prazeres e necessidades dos consumidores. O oásis da satisfação cria uma imagem
cultural poderosa e uma força motivadora nas sociedades capitalistas e socialistas.
Exemplificando essa ideia, Walter Benjamin, fala que as novas lojas de departamentos e galerias,
que surgiram em Paris e posteriormente em outras grandes cidades, desde meados do século XIX,
eram verdadeiramente mundos de sonho. Benjamin as caracteriza como alegorias, como um
significado estável hierarquicamente ordenado se dissolve e a alegoria aponta apenas para
fragmentos caleidoscópicos que resistem a qualquer noção coerente do que é representa.
Para finalizar, Featherstone afirma que o mesmo pode ser dito em relação à expressão “estilo de
vida”: que na cultura do consumo há uma tendência a apresentar estilos de vida que não requerem
mais coerência interna. Portanto, os novos intermediários culturais não se propõem a promover uma
única moda, mas sim a expandir a gama de estilos e estilos de vida disponíveis para o público e
consumidores.
1 – Introdução
O filme anglo-brasileiro “Lixo Extraordinário” (2010) documenta o contato do artista Vik Muniz,
que cria obras a partir do lixo, com catadores do aterro de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias-
RJ. Ao fim da obra tanto as visões de mundo dos catadores e do artista são transformadas, o que
afeta o estilo de vida e as atitudes de todos os envolvidos.
Através do relato dessa história, vários aspectos da vida social brasileira são trazidos à tona, com
destaque ao estilo de vida de diferentes classes, à visão que cada uma possui da outra e aos valores
pessoais que elas cultivam. Na reta final do documentário também outro ponto importante é
levantado: o poder de mudança que o contato com a arte e com novas experiências de vida são
capazes de trazer a vários indivíduos. Mas, será que essa mudança é possível para todos?
O objetivo deste trabalho é responder essa última questão e analisar os fatos sociais trazidos ao
holofote pelo filme, recorrendo principalmente à metodologia de Max Weber, mas também trazendo
formulações de Émile Durkheim e observações do campo da economia do trabalho para
complementarem aspectos específicos do nosso trabalho analítico.
2 – Classes, prestígio e lixo
O sociólogo e economista Max Weber formulou uma definição do conceito de classes que afirma
que o determinante da posição de cada classe é a sua posição de mercado, constituída por elementos
como a “posse de bens, nível educacional e o grau de habilidade técnica” (Brym, 2006).
Tipicamente no Brasil essas diferenças de renda refletem diferenças de ocupação, que por sua vez
refletem diferenças no grau de instrução. Somente cerca de 20% da população brasileira possui
ensino superior (dados PNAD 2019), o que, por uma questão de oferta e demanda, eleva muito os
salários desse grupo em relação a quem possuí somente a formação básica – em média quem possui
ensino superior recebe rendimentos 200% maiores que aqueles só com ensino fundamental. Não
obstante, cerca de 38% dos membros da “classe A” brasileira (de renda familiar acima de R$ 11
mil) possuem ensino superior e 87% possuem ensino médio completo. O brasileiro típico, por sua
vez, não chega nem a completar o ensino médio e pertencem às classes C e D, com renda familiar
entre R$ 1255 e R$ 8640.
Este último perfil é justamente o dos catadores de lixo que o documentário apresenta, inclusive com
os rendimentos deles estando mais próximos do limite inferior da classe D. Essa profissão, contudo,
possuí uma nuance que não está presente em outras profissões que requerem baixo nível técnico e
remuneram em proporções parecidas: o baixo prestígio social, o que tornam-nos, na definição
weberiana, um grupo social separado.
Alguns diálogos e situações do filme mostram isso: uma personagem (Magna) esconde da família
que ela é catadora, e quando ela revela, a família distancia-se dela; pessoas de outras profissões
normalmente demonstram incômodo com o cheiro dos catadores e não conversam com eles; outra
personagem (Ísis) não consegue manter relacionamentos estáveis. Os catadores tentam como podem
mostrar como esse estigma é “burro”, reafirmam sempre que possuem uma profissão digna, que,
pelo menos, eles possuem uma ocupação, diferente de muitas “madames” da classe A, e que os
rendimentos dele são honestos.
De forma interessante, os catadores aplicam um estigma similar ao exercido sobre eles com as
prostitutas. Para eles, essa categoria é muito mais “indigna” e não recebe honestamente os seus
rendimentos. Sem julgar o mérito desse enquadramento do trabalho das profissionais do sexo, fica
muito claro que, apesar de tudo, os catadores ainda julgam a dignidade como um importante valor e
possuem a visão de mundo que, por mais que o trabalho no aterro seja insalubre, pelo menos eles
estão gerando algum retorno à sociedade e não estão vendendo a sua integridade moral.
A questão dos valores morais aparece novamente em diversos diálogos aonde eles fazem um
julgamento negativo da estilo de vida das pessoas mais ricas (algo que eles tem contato tanto no
aterro quanto em situações cotidianas). Para eles, os ricos são esbanjadores, arrogantes,
desperdiçam itens valiosos e possuem falhas de integridade (como em alguns não trabalharem,
passarem mais tempo no lazer do que produzindo ou ganharem dinheiro “inescrupulosamente”).
Ao mesmo tempo que é um julgamento forte, em parte ela é formada por conceitos herdados da
convivência social e também pelo choque que é ver os itens que os mais ricos jogam fora. Para eles
é como se as classes mais altas vivessem em outro mundo, um que os catadores não entendem
completamente como funciona e aonde uma conduta social diferente é exigida.
As histórias pessoais dos catadores possuem um aspecto comum: todos eram de “classe média
baixa” (classe C) e passaram por tragédias pessoais que os fizeram cair na pirâmide social. Ísis, por
exemplo, foi abandonada pelo marido e teve a filha tomada de seus cuidados, isso a fez começar a
consumir muito mais bebidas alcoólicas e perder o emprego, tendo que recorrer ao trabalho no
aterro para obter alguma renda.
Esse roteiro de uma forte tragédia gerando abalos no modo de vida da pessoa é bastante similar com
o comportamento de alguns suicidas estudados por Durkheim, obviamente com a exceção dos
catadores não terem se suicidado, porém eles se viram subitamente desintegrados do seu próprio
meio social e tiveram de encontrar outra comunidade para construir a própria vida. De certa forma,
é como se eles tivessem trocado o suicídio por uma perda de prestígio social ao aceitarem trabalhar
como catadores, o que acaba excluindo-os da convivência com os grupos a quais pertenciam e
fazendo-os perder seus estilos de vida anterior.
Esse paradigma muda com a chegada de Vik e a participação dos catadores no processo de criação
de obras de arte, todas elas feitas a partir do lixo dos aterros. Ísis, novamente, é a primeira a
manifestar o que todos começam a sentir: ela não quer mais voltar ao aterro e trabalharia na galeria
de Vik até mesmo por muito menos do que ganha coletando lixo. Mesmo que na galeria ela ainda
tenha de manejar dejetos, a natureza das ações dela é diferente, ela não está só coletando itens em
pilhas gigantes de lixo, agora ela está realizando um processo criativo, que gera satisfação para ela.
Tião Santos passa por mudanças de visão ainda maiores. O impacto do processo de manufatura da
arte e o contato com uma nova realidade ao viajar para Londres, na Inglaterra, o faz adquirir uma
nova percepção quanto à natureza da arte, o poder que os catadores possuem de gerar valor e a
posição precária deste grupo na hierarquia social. Já Magna, apesar de reconhecer a precariedade do
seu trabalho, começa a não ter vergonha de si mesma e revela a sua profissão para a sua família.
Outros catadores passam por mudanças menores, mas, ainda assim, perceptíveis a ponto de
parceiros de trabalho de Vik contestarem se não estariam a fazer um desfavor a eles ao expandir
tanto os horizontes deles. O filme mostra que eles não poderiam estar mais errados. As mudanças de
perspectivas fazem com que os trabalhadores do aterro mudam também as suas condutas sociais.
Aonde antes havia resignação, agora há uma motivação para buscar uma condição melhor de vida e
até casos de pessoas que começam querer realizar mudanças no seu meio social. Este é o caso de
Tião, que se torna líder da associação de catadores e parte do movimento internacional pela
reciclagem e pela integração dos catadores a novos processos de reciclagem.
Outros trabalhadores fizeram movimentos mais tímidos, porém que ainda assim trouxeram uma
melhoria no padrão de vida. Magna começa a trabalhar em uma farmácia e por menos horas que
antes, tendo até mesmo tempo para ficar com o seu filho. Por sua vez, Ísis buscou qualificar-se em
um curso técnico de secretária e casou-se novamente. Para aqueles que continuaram como
catadores, o dinheiro adquirido com as pinturas auxiliou a criar um centro de reciclagem em Jardim
Gramacho, melhorando as condições de trabalho de todos, e também financiou a construção de uma
biblioteca, aumentando o acesso deste grupo social a informação, cultura e educação.
Dessa forma, a partir da história dos catadores de Gramacho (e também pela própria história de Vik,
que ascendeu socialmente por conta de sua arte), é possível argumentar que mudanças de conduta
social são capazes de gerar mudanças na vida de um grupo social. Mas, retomando a pergunta
realizada na introdução, isso é realmente verdade? A mudança social pode ser alcançada dessa
forma por um grande grupo de pessoas?
Teóricos estruturalistas e institucionalistas argumentariam que a ascensão social individual apesar
de ser viável, não possui portas tão abertas assim. Grandes mudanças dependem de mudanças na
legislação e nas instituições, sejam elas instituições de estado ou de mercado, buscando torná-las
mais pluralistas e capazes de fornecer meios para os indivíduos ascenderem (Acemoglu e Robinson,
2012). Por sua vez, Durkheim afirma que os avanços materiais generalizados na sociedade só são
possíveis com o aumento da divisão do trabalho em todos os níveis sociais.
Referências
1. BRYM, Robert. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. 1. ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2006.
2. GIDDENS, Anthony. Capitalismo e moderna teoria social. 6. ed. Lisboa: Ed. Presença, 2006.
3. ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James. Por que as nações fracassam. 1. ed. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 2012.