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Terapia da gula

A terapia da gula visa purificar o relacionamento das


pessoas com os alimentos, evitando a postura
daqueles "cujo deus é o ventre", na expressão do
Apóstolo. Porque, no fundo, o pecado por trás da
gastrimargia - como por trás de toda doença
espiritual - é a idolatria.

Nesta catequese sobre a Terapia das Doenças


Espirituais, conheceremos os remédios espirituais
para o pecado capital da gula.

Para manter a boa forma física, as pessoas estão sempre à procura de


novas soluções: nos últimos anos, além de inventar dietas e
experimentar tipos diferentes de comida, muitas delas têm recorrido
às cirurgias de redução do estômago. Essas operações, que em si não
são imorais, no entanto, não podem solucionar o problema da gula.
A terapia da gastrimargia tem mais a ver com uma atitude espiritual
em relação aos alimentos que com a espécie e a quantidade de
comida que ingerimos. De fato, de nada adianta mudar o estômago
se não se muda a alma.

Santo Tomás de Aquino, ao responder se a abstinência é uma


virtude, esclarece que “a moderação no comer, na quantidade como
na qualidade, cabe à medicina, no caso da saúde física, mas vista nas
suas disposições interiores, em relação ao bem racional, ela pertence
à abstinência" [1]. Santo Agostinho, por sua vez, ensina que “não
importa, absolutamente, o que ou quanto de alimento alguém toma,
se procede de acordo com as exigências das pessoas com quem
convive e com as da própria pessoa, segundo as necessidades da
saúde. O que importa é a facilidade e a serenidade com que sabe o
homem privar-se da comida, quando for necessário ou
conveniente" [2].

A terapia da gastrimargia visa purificar o relacionamento das


pessoas com os alimentos, evitando a postura daqueles “cujo deus é
o ventre" [3], na expressão do Apóstolo. Porque, no fundo, o pecado
por trás da gula - como por trás de toda doença espiritual - é a
idolatria. Eva comeu do fruto proibido seduzida pela mentira
satânica: “Sereis como deuses" [4].

O monge russo Inácio Branchaninov, santo da Igreja Ortodoxa,


preleciona que a ascese corporal é necessária para tornar a terra do
coração apta para receber as sementes espirituais, que são as graças
de Deus. Ele adverte também para duas atitudes igualmente
perigosas: o abandono das práticas ascéticas e o seu excesso. A com jejuns, prantos e lamentações'. Isso
primeira transforma os homens em animais; a segunda, em demônios. é o que Agostinho acentua num sermão:
Se o guloso está sempre insatisfeito e se comporta diante dos 'O jejum purifica a alma, eleva os
alimentos como um bicho, quem exagera na ascese, comportando-se sentidos, submete a carne ao espírito,
como um faquir e achando-se melhor do que os outros, se envaidece torna o coração contrito e humilhado,
e se iguala a Satanás, que caiu justamente por sua soberba. dissipa as névoas da concupiscência,
extingue os ardores das paixões e acenda
a verdadeira luz da castidade'. Portanto, o
jejum é, evidentemente, ato de
Então, para curar o vício da gula, o jejum e a abstinência são virtude." [8]
realmente necessários, mas devem ser feitos com o objetivo certo,
isto é, por amor a Deus. Passar fome não santifica ninguém. No
entanto, quando se é capaz de fazer isso como resposta ao amor de Mas, por que é preciso oferecer a Deus satisfação pelos pecados?
Cristo, que passou quarenta dias no deserto por amor dos homens, Porque, pelo pecado, instaura-se uma desordem no interior do homem:
então, tudo ganha sentido. o seu corpo passa a mandar em sua alma, impedindo ou entravando
nela a ação do Divino Hóspede. De fato, o Espírito Santo quer agir na
alma e torná-la forte para “domar" o seu composto corpo e alma - o que
São Paulo chama de “carne" -, assim como um cavaleiro é capaz de
O Doutor Angélico, ao falar sobre o jejum, enumera os três fins domar o seu cavalo.
principais dessa prática:

Jejuar é, muito mais do que algumas práticas externas, uma atitude


“Tem-se um ato por virtuoso quando ele espiritual. Mais que abster-se de certos alimentos e comer com
se ordena pela razão a um bem honesto. moderação, importa fazer tudo em contínua ação de graças a Deus,
Ora, isso acontece com o jejum, porque como exorta o Apóstolo: “Quer comais, quer bebais, quer façais
é praticado por três fins principais. qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" [9]. Na religião
Primeiro, para conter as concupiscências cristã, há uma profunda ligação entre o alimento e a oração. Não sem
da carne. Por isso, diz o Apóstolo 'nos razão o principal sacramento da Igreja é também um alimento
jejuns, na castidade', visto que pelo espiritual: a Eucaristia.
jejum se conserva a castidade; e
Jerônimo diz que 'sem Ceres e Baco, Referências
Vênus esfria', isto é, na abstinência de
comida e bebida, a luxúria arrefece." [5] Suma Teológica, II-II, q. 146, a. 1, ad 2

Quaestionum Evangeliorum, II, 11: PL 35, 1337


Como se viu na aula sobre a antropologia tomista [6], a
concupiscência é o apetite sensível ligado ao sustento do corpo. Por Fl 3, 19
conta do pecado original, esse apetite é desordenado, tendendo a
querer mais que aquilo que pede a necessidade física. Por isso, para Gn 3, 5
conter a concupiscência, o melhor jejum não consiste tanto em passar
fome, quanto em passar desejo. Quando alguém vai a uma Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 1
nutricionista e se propõe a uma reeducação alimentar, por exemplo,
isso pode muito bem ser um jejum, contanto que se acresça a essa Cf. 3. A antropologia de Santo Tomás de Aquino
prática uma atitude espiritual de amor a Deus.
Suma Teológica, II-II, q. 147, a. 1

Idem
A sabedoria dos Santos Padres também lembra que a alma fortalecida
pelo jejum combate com muito mais força contra o pecado da luxúria. 1 Cor 10, 31

“Em segundo lugar, jejua-se para elevar


mais a livremente a alma à
contemplação de realidades sublimes.
Por isso, está no livro de Daniel que ele,
após o jejum de três semanas, recebeu
revelação de Deus." [7]

Como dito na aula anterior, uma das filhas da gastrimargia é o


“embotamento intelectual", pelo qual a alma fica pesada, com grande
dificuldade de elevar-se a Deus. Sem lutar contra a gula, pois, não
será possível subir a escada da perfeição, que começa pela via
purgativa, até chegar à plena união com Deus.

“Enfim, para satisfazer pelos nossos


pecados. Daí estar escrito em Joel:
'Voltai a mim de todo o vosso coração,

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