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IN: NACIONAL, Museu Histórico, Museus e Comunicação, Rio de Janeiro,Livros do

Museu Histórico Nacional, 2010.p.17-34.

Comunica,ão e Sociedade:
pensar a conceptão da ex.positão
Jean Devallon*

Não é necessário refletir sobre a constatação do desenvolvímento impressionante


dos museus em nossa sociedade. Nem provavelmente sobre o lugar preponderante que
têm as exposições nesse desenvolvimento, bem como os equipamentos, mais importan-
tes para museus, na comunicação com o público. Elas não somente tornam acessíveis
os objetos para este último, como constituem eventos que fazem existir museus e patri-
mônio na sociedade. Em compensação, se quisermos compreender como funcionam,
as exposições nos levam a repensar a comunicação. Não que elas tenham destronado
as grandes mídias como a imprensa, a publicidade ou a televisão! Simplesmente, elas
participam do progresso da comunicação cultural, ao lado das artes vivas como, ao
contrário, os sites da internet.
A exposição, como conjunto de objetos destinados a um público, constitui então
uma forma simples, por ser formada de "coisas" bem reais, e mesmo assim muito ela-
borada, por atender a uma ideia e a uma intenção. E é sobre esta capacidade de ex-
posição de significado (quer dizer, que diz alguma coisa) a partir de uma disposição
espacial de objetos de natureza diferente, que eu gostaria de refletir: melhor dizendo,
sobre sua concepção.

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Qual recurso para pensar a concepção da exposição?

Para melhor compreender de que maneira a exposição se transforma em mídia,


um dispositivo de comunicação social, me parece importante pensar sobre o que de-
vemos entender quando falamos de "comunicação" ou de "concepção", a propósito
da exposição.

A comunicação pela exposição, como a comunicação cultural é uma


"mediação"

Entre os três tipos de comunicação que se pode destacar, a exposição pertence ao


terceiro.

1. Na tradição das ciências da informação e da comunicação, o termo"comuni-


cação" designa três tipos de processos diferentes.

o primeiro modelo é técnico: trata da transmissão de dados de um ponto a outro.


O desenvolvimento das tecnologias ditas da informação e da comunicação, como o te-
lefone, depois a televisão e hoje a internet, ou mais genericamente todos os processos
de transferência de dados com a ajuda de ferramentas de informática, tendem a dar a
entender que toda comunicação funciona segundo o esquema de um código de dados
nUm pacote de sinais veiculados de um ponto de emissão a um ponto de recepção,
onde são decodificados para serem compreendidos. Este modelo (de Shannon e We-
aver) descreve certamente muito bem a comunicação telefónica, uma vez que este foi
concluído por aquele, mas não as outras situações de comunicação.
O segundo modelo, dito interacíoni.Jta ou ainda .rocía/, trata da dimensão inter-
subjetiva e social da comunicação que é então pensada corno uma interação entre te-
mas sociais. Ele permite descrever fenómenos como, por exemplo, a conversação, os
rituais sociais ou a interação entre pessoas.
Mas nenhum desses modelos permite compreender o que significa a especifíci-

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dade de uma representação teatral, de um concerto, de uma emissão, de um filme ou


de uma exposição. De compreender a maneira como, em cada uma dessas produções
culturais, existe precisamente a criação da própria situação de comunicação. A particu-
laridade do modelo da comunicação cultural é entender o processo pelo qual se cria
uma relação entre um coletivo de indivíduos (um público) e uma entidade simbólica
(uma obra, uma arte, uma época etc.) através de um dispositivo técnico, social e se-
miótica destinado a permitir esta relação. Pela convenção e sem entrar na discussão
da própria noção l que não caberia aqui, vamos chamar de "mediação" essa forma de
comunicação obtida graças à colocação de um tal dispositivo.

2. Como produzir esse dispositivo de mediação?

Para esclarecer o caso um pouco particular da exposição, tomarei como exemplo


a representação teatral no qual o processo de comunicação talvez pareça mais fácil
seguir.
De um lado, temos os produtores do dispositivo. Eles são numerosos e variados:
os que construíram o teatro propriamente dito, com a plateia, a recepção que garante
a transição do espaço comum ao espaço da representação (a sala) com a entrada, a
bilheteria, os camarins etc. Mas existem também os que escreveram a peça, que a diri-
giram, a equipe técnica que garante a existência material etc. Todos contribuem para
criar um espaço singular onde vão conviver a representação e o público.
A representação está no centro do dispositivo, corno a performance que mobiliza
os atores, o cenário, a iluminação etc. Remete a um universo que existe a partir da di-
mensão artística do texto, do poder da encenação e, de maneira mais geral, do mundo
do teatro e de como ele pode se fazer presente através desta representação particular.

Permito-me retornar a dois artigos nos qlJai& abordei a questão: La médiation: Ia communicatiOI1 ell proces? 111:
MEl - Média/io." e/ injormMúm: revue internationalr. de communication, 19, p. 37-59,2004; et Ob;et conent, objet
,-cientifique, objet de ,'echo-ch.e., Hermes, 38, p. 30-37, 2004 (trád. "Übjeto conereto, objeto científico, objeto de in-
vestigação", p. 33-48. Dispornvel em <http://prisma.cetac.up.pt/>Acesso em: 25 jan. 2010. Para maior abrangência,
buscar Jesús Martín-Barbero, Ik.. média. (J.ux média/ioru: Communication, CIJlmre, hégémonie. Trad de l"esp. Par G.
Durand [De los medios a las mediaciones : Commurncacíón, cultura y he!'jemonia, ll'€ éd., Barcetone : Jesús Martín-
Barbero/GlJstavo Gili, 1987). Paris: Éd. CNRS, 1997 (col!. CNRS COIDIDunication).

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Pode-se dizer então que os produtores propõem ao público um objeto (a repre-


sentação) que inclui a sua participação. Neste sentido, eles têm efetivamente a inten-
ção de se comunicar com o público. Da mesma forma, o "público", como coletivo de
indivíduos, vem para assistir à representação. Entre esta última e ele pode-se dizer que
existe comunicação. Mas se nos detivermos aí, deixaremos escapar um aspecto essen-
cial da comunicação cultural; a saber, o fato de que o público está lá para estabelecer a
relação com um universo, presente unicamente pelo intermediário da representação,
que é o universo da representação teatral.
O dispositivo é o que torna possível a convergência da ação dos produtores, do pú-
blico e dos atores, logo, da comunicação. Ele é indissociavelmente técnico, semiótico
e social, uma vez que envolve elementos tão diversos e complexos como a arquitetura
do prédio, a formação dos atores, a construção dos cenários, a direção dos atores, o
figurino e a iluminação, os textos, a ação, as expressões, a organização do teatro, a ges-
tão, a relação com o mundo da arte, as preferências comuns dos espectadores, o prazer
compartilhado entre os membros do público e muitas outras coisas ainda 2 .
Universo Simbólico

Produtores • • Beneficiários

3. Como a representação teatral, a exposição destaca a comunicação cultural.


Com a diferença de que ela não é uma performance baseada na interpreta-
ção de atares, mas numa disposição de "coisas" colocadas num espaço com a
intenção de torná-las acessíveis a um públíco. Esta definição de exposição, a
maís genérica possível, sugere alguns detalhes.

2 o dispositivo é para etender Le dispositif est à entendre au double sens d'un· ensemble résolument hétérogêne,
compo rtant de. discours, des institutions, des aménagements architecturatn., decisões regulamentares, leis, medidas
administrativas, enunciados cieutíficos • (Michel FoucauJt, • Le jeu de Michel Foucault., Ornicar, 10, juillel 1977)
dispoútÍvo técnico de layout do livro (CHARTIER, R. Du livre aux lires. ln : CHARTIER, R. Pratiques de la luture.
Par's: Payot, 1993.

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o termo "coisas" indica que os objetos que se pode encontrar numa exposição
são de natureza semiótica muito heterogênea: obras, objetos da vida cotidiana, objetos
de o11tras civilizações, objetos inteiros ou fragmentos, painéis com textos, vídeos, foto-
grafias, gráficos, registros etc. O traço comum a todas essas "coisas" é que elas foram
escolhidas para serem relacionadas e dispostas num espaço, no qual entrará o plíhlico
(o coletivo) de visitantes.
O fato de que a exposição seja uma disposição de "coisas" tem como consequên-
cia uma tensão sempre presente entre disposição formal e estratégia de comunicação.
De um lado, a disposição dos objetos e a relação do visitante com esses objetos podem
encontrar a finalidade nelas mesmas (como por exemplo a colocação dos quadros). De
outro, como esta disposição é feita para um público e visa, portanto, produzir um efei-
to sobre ele -, a racionalização desta visão da comunicação, a busca de uma produção
com significação, a execução de uma estratégia de comunicação abrem a possibilidade
de fazê-Ia "dizer" alguma coisa. A exposição possui assim as vantagens e os limites des-
ta tensão entre uma tecnologia da presença e uma tecnologia da concepção.
Mas não estaríamos certos se, como se faz às vezes um pouco precipitadamente,
reduzíssemos esta tecnologia da concepção a uma simples junção de textos escritos aos
objetos. Este conceito é muito restritivo, pois nega a importância do espaço como com-
ponente de base da exposição. As operações espaciais participam da produção da signi-
ficação, tanto quanto os objetos ou os visitantes. É, ao contrário, O conjunto desses ele-
mentos que temos que considerar para compreender o que é a concepção da exposição.

A concepçõo paro pensar o produção dos dispositivos de mediação

A dificuldade é que, como quase todos os conceitos em ciências humanas e


sociais, o da concepção envolve significações muito diferentes que vão de defini-
ções de sentido comum, dos quais os dicionários tentam dar conta, aos de sentido
científico, mais construídos. Ademais, deve-se levar em conta que, entre estes úl-
timos, não existe acordo entre os pesquisadores sobre uma definição única. É por

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este motivo que, antes de voltar à concepçào da exposição, gostaria de exprimir,


rapidalllellte, o que entendo por "concepção", pois existem dois conceitos bem
diferentes de concepção.
A primeira corresponde ao que eu chamaria de bom grado um conceito restrito
no qual a concepção é entendida como a transcrição da palavra sobre um suporte por
meio de sinais gráficos convencionais. A concepção é então de fato uma notação.
O segundo é um conceito genérico que se interessa por procedimentos pelos quais
se podem arrumar, ordenar, registrar, classificar materialmente elementos já mais ou
menos significativos, sobre um suporte com o objetivo de significar alguma coisa para
alguém. A concepção é então um enunciado: uma produção de linguagem e não uma
simples transcrição. Para Jack Coody, uma das formas mais simples da t:üncepção é o
catálogo ou o quadro. Para Roy Harris, existe a concepção quando a contextualização
de um elemento significativo tem o efeito de produzir um novo elemento significativo
de nível superior que integra o primeiro e seu contexto 3• Para dar um exemplo simples:
escrever o nome de um restaurante na fachada de entrada 4,
Para Harris, três tipos de contexto intervêm no processo da concepção. O pri-
meiro é o contexto de produção: O novo objeto significativo é necessariamente pro-
duzido num dado momento num dado lugar. A exposição, como o livro, tende a ser
relativamente independente deste contexto. Mas ela se mantém, ainda assim, ligada
ao espaço no qual foi construída. O segundo contexto é o contexto de U.fQ. A recepção
da exposição não pode escapar do contexto espacial e temporal no qual ela se desen-
volve. Diferente do livro, que pode ser lido não importa onde ou a qualquer momen-
to, por ser facilmente transportável, a recepção da exposição, como a representação
teau'al, fica dependente do lugar em que se encontra e o horário de abertura. Ela é
localizada. Por outro lado, e isso é real em toda recepção, a significação depende do
programa de atívidade do vísitante, É a motivação e o programa no qual se integra a

3 HARRIS, R. SémioJogie de J'icriture. Paris: CNRS éditioD5, 1998.


~ GOODY, .J. The DomeJlicatioTl ofche S(l'V(lge .Mind. Cambridge: Cambridge Uoiversity Press, 1977. [La raison
gmphique: la domestkaúon de la pensée sau,"age. Paris: Éd. de Minuit, 1979 (can. Le sen; cammun).J, The logic of
Wríting aod th e Organi!zation of Society, Camhridl3e: Cambridge University Press, 1986 [La Logirl'Je de J'écrÜur,: aux
origines des sociétés humaines, Pari" A. Colin, 1986.]

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visita (e que lhe dá sentido) que vai determinar o sentido dado aos elementos. O ter-
ceiro contexto é o contexto interno, quer dizer, a própria organização da e.xposição,
que visa propor uma significação da exposição que seja relativamente independente
do contexto externo.
Para cumpreender a importância da concepção na produção da significação, to-
marei dois exemplos tirados não de exposição, mas da sinalização urbana.
O primeiro exemplu é o das placas de sinalização onde se encontram os monumen-
tos. Nessas placas, um elemento significativo primário (por exemplo, o nome de um mu-
seu), está integrado a um contexto interno para integrar um conjunto que corresponde à
própria placa, feito do texto e de forma codificada (o lado pontudo da placa de sinaliza-
ção indica a direção para onde ir). Mas ela está colocada nUllllugar que tem significado
nO contexto de uso do visitante: por um lado, por causa da sua localização (é nesse lugar
que se situa justamente o painel que lhe convém para encontrar o monumento, e não
em outro) e, por outro, o programa de atividade do visitante (a informação que a placa
contém faz sentido para um visitante que quer ver esse monumento).
O segundo exemplo é, ao contrário, o de uma concepção não colocada, para não
dizer uma falta de concepção. Durante o festival de Avignon, a cidade se cobre de
cartazes pregados por diferentes companhias de teatro do festival não oficial (festi-
val of./J. Eles são colocados de maneira a serem visíveis (e, se possível, mais visíveis
que os vizinhos). Mas não há realmente concepção, por não haver nenhum trabalho
contextualizado, apenas a ocupação do espaço. A coisa se torna e"idente quando os
espaços são suficientemente grandes para receber um grande número de cartazes: o
espaço está organizado para significar apenas os elementos primários onde estão pos-
tos (compreende-se, aliás., facilmente o porquê... ). A informação transmitida por cada
cartaz é mais importante do que a concepção do espaço. A única concepção existente é
a dos cartazes, não a do espaço.
Com esses exemplos, podemos entender, eu creio, como a concepção é em pri-
meiro lugar um processo de espaço e não de discurso. E por isso ela é deter·minante na
criação de quase todos os dispositivos de comunleação cultural. Talvez mais ainda em
mídia espacial, como a exposição, que em outras.

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A exposição: concepção de um dispositivo espacial de mediação

o que nos mostra o acesso à exposição do ponto de vista da concepção?

A exposição como dispositivo de mediação

A exposição se apresenta em um espaço disposto por um ou vários produtores


(diretor artístico, muse610go, cenógrafo, curador etc). Este último delega à disposição
formal da exposiçã0 5 o cuidado de relacionar o visitante com o mundo de origem dos
objetos pelos seus intermediários.
Mundo Utópico
!

ii
Desígnaça-a da
Produtor da Exposição
Ir


-J-- ~ Objeto em
Exposi(õo
------ I-
1- Entrada da Visitante
na Expasi~ãa
I I
Produ tor da
Expo sição
I ....... Visitante
I
S ujeito Social

I
---- ------
Il Exposi~ão e Visitante coma Autor
~

Mundo da Exposição Mu ndo Cotidiano

Nós dissemos que o produtor não estabelece um discurso direto com o visitante
(uma exposição relatada é entediante), como ele o faria num livro, dando um curso ou
uma conferência, mas ele organiza o encontro do visitante com os objetos expostos,
para que este possa aceder simbolicamente a outro mundo: o objetivo é que o visitante
encontre esses objetos para se relacionar com o que eles carregam em si, pelo que eles
representam. Que a exposição o faça aceder, assim, a um universo onde são os repre-
sentantes; que se trate da beleza, da arte, de uma época, da ciência, da história, pouco

5 o que chamei, aliás, de "o espaço sintético" (ver L'&poJ'ition à I'ceuT),.e: St,.atég;eJ' de rommllnirarion ft mfdia-
tion s!/mboli!Jlle, Paris: L'Harmattan., ] 999).

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importa. No caso de uma exposição de arte, a escolha da disposição das obras poderá
relacíonar o visitante ao mundo do artista; numa exposição de ciência sobre a origem
do universo, será com o conhecimento do mundo; numa exposição sobre arqueologia
ou história, será com a sociedade de origem dos objetos.
Então, fica a pergunta, o que a difere de um livro? Não ocorre o mesmo quando se
lê um romance ou sobre a obra de um pintor, sobre a hist6ria do cosmos ou uma civili-

,t
zação antiga? Existe uma grande diferença. Na exposição, o visitante é a relação com o
mundo do qual ela trata, não pela mediação abstrata da linguagem, mas pela mediação
perceptiva e corporal dos objetos e do espaço. Os objetos são elementos que perten-
o ,
o",
cem ao mundo da exposição e que vieram de alguma maneira até o visitante, enquanto
a organização da exposição, sua concepção faz com que esses mesmos objetos sejam
para o visitante o meio de ser, de alguma maneira, '"transportado", "imerso" durante
o tempo da visita a este mundo.

A relaljão da exposiljão com o contexto de produção e com o contexto do uso

Para estabelecer o espaço propício à colocação da relação privilegiada do visitan-


te com os objetos e, através deles, ao mundo que representam, a exposição deve ser
suficientemente autônoma em seu contexto de produção e no contexto de uso.
Como lembra Roy Harris, toda coisa escrita deve ser escrita em algum lugar. Quem
fala de concepção fala também da existência de um suporte para o que está escrito. No
caso da exposição, este suporte material é constituído, de maneira mais geral, pelo
espaço da exposição, a superfície sobre a qual ela foi implantada. Esta superfície serve
de moldura para a disposição formal e vai ser colocada como distinta do que a cerca e
não pertence à exposição. É por isso que existe sempre uma linha de separação tempo-
ral e espacial entre a exposição e o que está em torno dela: sempre separada do mundo
cotidiano. Tudo é feito para que sua localização, sua colocação (o lugar onde ela está,
o mundo que acerca) não influencie a percepção e a significação que o visitante possa
ter dela. Por outro lado, o visitante deve deixar o mundo cotidiano e "entrar" na expo-
sição. Existe todo um sistema de limites e de transição que ele deve transpor que, como

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na teatro, O faz passar do mundo cotidiano ao espaço da exposição. Entrada, portas,


plateia, bilheteria, camarins, controle de bilhetes etc. são também etapas para deixar
um e aceder a outro, para passar da continuidade do dia a dia ao espaço-tempo organi-
zado, regrado, da visita da exposição.
Certamente, é preciso reconhecer que a descontextualização que permite a linha
divisória entre o mundo cotidiano e o espaço da exposição é claramente menos radical
da que ocorre com o livro, por exempl06, O visitante não pode levar a exposição para
onde ele achar melhor. É ele quem deve se deslocar, pois ela está irremediavelmente
atrelada ao espaço no qual foi montada e ao local onde se encontra. Assim que ela tiver
deixado este espaço e este local, terá desaparecido. Ela é uma mídia efêmera.
Se todas essas coisas são relativamente conhecidas e fáceis de admitir, reconhecer
que o significado da exposição depende da integração da dinâmica de visita no progra-
ma de atividade do visitante é muito mais difícil. A ideia que muitas vezes os curadores
fazem sobre a visita é que o visitante, assim que entra na exposição, abandona toda a
vontade, que ele não tem nenhum "programa de atividade" específico 7 . Certamente, o
fato de que as exposições acontecem muitas vezes nos museus indica qual atitude ele deve
tomar; da mesma forma, as transições, que já foram tratadas acima, são também meios
de fazê-Io adotar um comportamento em conformidade com a instituição do museu. No
entanto, todos os estudos de público mostram que as razões pelas quais o visitante visita,
os hábitos que ele tem ou não, as expectativas em face da exposição em função do que ele
conhece, se está só ou acompanhado, são fatores, entre outros, que participam da cons-
trução da perspectiva que ele vai adotar diante da exposição durante sua visita.
Por outro lado, o recurso que chamamos de "ferramentas de interpretação" (ou
ainda "ferramentas de mediação"), como a sinalização, as visitas guiadas, os guias de
áudio etc. servem para criar um contexto de recepção da exposição para a visita, no

6 o livro, escreve Harris, é um mecanismo que permite ao leitor controlar o acesso ao texto como melhor lhe cou-
vier. Este gênero de texto é sem dúvida o produto mais descontextualizado, o mais rigoro~amente ol'ganizado e o mais
autónomo que jamais se viu na história da comunicação. HARRIS, R. Sémiologie de l'éc~i(ure. Paris: CNRS, 1998. p.
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7 O termo programa não designa nm projeto consciente da parte do visitante, mas som ente a lógica da ação em qne
ele está engajado.

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qual ela se insere e ganha um significado determinadoB.


Mas, sobretudo, quando uma exposição pretende atender a uma estratégia de co-
municação, é a sua organização interna que vai justamente antecipar o comportamen-
to do visitante.

A concepção da exposição ou a criação de um contexto de recepção

Imaginemos por um momento uma exposição constituída de elementos com a


mesma natureza semiótica e ao mesmo tempo pouco significativos; digamos, por exem-
plo, uma exposição feita de pedaços de madeira. Pareceria difícil neste caso que cada
um desses elementos levasse à compreensão dos outros. Haveria efeitos de sentido iso-
lados, tomando como exemplo a forma de cada um desses pedaços ou a semelhança
entre alguns. Tecnicamente, diremos que estamos diante de significados por conota-
ção (que tomam a forma de impressões ou de reconhecimento), mas em nenhum mo-
IDento à construção de um significado por interpretação de um elemento por outro
( quer dizer, a um processo de interpretação interna) e ainda menos a uma articulação
de elementos num conjunto significativo (ou seja, nUID processo de construção de um
texto). Interpretação interna 9 e integraç.ão de elementos num texto que são os dois
processos que caracterizam a concepção da exposição.

1. O ato interpretativo interno supõe a associação de elementos de status semi-


ótica suficientemente diferentes para que um dos dois elementos possa con-
tribuir para a interpretação do outro, ou seja, que ele possa dar um suporte
semiótica ou, ainda, fornecer um contexto de interpretação com participa-
ção na criação de um novo conjunto significativo. Mas, para se compreender
de maneira mais concreta, observemos certos exemplos.

B É interessante notaI' que o catálogo contém elementos significativos pontuais que acabam se inserindo na visila.
Ao contrário do que se passa no guia de áudio, é cste último l'audioguide, c'est cettc derniere, et en dernier recours
['exposltion elle-même, qui reste le contexte dans leque] s'insere le discours du catalogue,
9 "Interna" para Um conjunto sigrúficativo ,ou seja, para a exposição ou parte dela.

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U fi dos exemplos mais simples e dos mais conhecidos é o do quadro e sua etiqueta
(ou placa). Temos, nesse caso, dois elementos de natureza semiótica diferentes, a eti-
queta fornecendo informações sobre o quadro (título, autor, número do inventário,
explicações diversas etc.) e os dois elementos que constituem um novo conjunto signi-
ficativo que é, por outro lado, muito frequentemente, a unidade da exposição de base
das exposições de arte.
Tomemos um exemplo um pouco complexo. Numa vitrine, um elemento de ador-
no feminino: uma tiara de ouro. Ao lado, uma cabeça de mulher de cerâmica sobre
a qual é possível ver uma tiara. Ninguém precisa de etiqueta explicativa: o visitante
compreende rapidamente o que são o primeiro ob.ieto e o uso que poderia ser feito,
pelo simples retorno ao contexto que o segundo elemento opera. Os dois elementos
formam por sua vez um conjunto que pode, por exemplo, ser colocado numa vitrine
representando o adorno feminino de um grupo ou de uma época 10. O interesse nesse
caso é utilizar a linguagem visual e espacial, que é a peculiaridade da exposição.
Um exemplo um pouco diferente nos é dado pela contextualização de documentos
(um livro e uma foto) numa vitrine colocada sobre a fotografia da fachada de um edifício,
para indicar a relação entre o autor do documento e um acontecimento da vida do persona-
gem ao qual é consagrada a exposição (membro da Academia Brasileira de Letras)Jl.
Ao contrário, o reconhecimento de características comuns aos dois elementos da
exposição não é suficiente para produzir um novo conjunto significativo original. Por
exemplo, numa exposição que apresenta ao mesmo tempo a obra de um pintor e a
de um costureiro, a aproximação que pode ser feita entre o plissado dos vestidos e o
representado nos desenhos, mesmo que a exposição seja claramente feita para que o
visitante faça essa aproximação, permanece num nível formal e não leva a nenhnma
compreensão de um e de outro elemento. Convida somente a olhar e a prestar atenção
ao que se vê em cada um desses elementos.
Isso é com certeza importante, mas não há por isso interpretação interna, a com-
preensão da proximidade dos dois elementos e então o conjunto que eles constituem se

10 Salle ("Cítta greca"). Museo nazionale archeologico di Taranto.


II Expn.ição Joaquim Nabuco, Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

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situa em outro lugar. Intervém, por exemplo, num discurso externo que só ocorre com a
visita guiada que narra a importância que teve para o costureiro ver os desenhos quando
visitava o museu durante sua adolescência e seu papel na vocação de costureiro.

2. A integração de elementos em um texto pode eventualmente usar a interpre-


tação interna, mas ela se situa em outro nível, visto que se trata de fazer com
que a exposição tenha um discurso. Numa exposição pouco "escrita" como
conjunto, ou seja, que é pouco integrada textualmente, os elementos ficam
justapostos e relativamente independentes uns dos outros. Quando é, ao con-
trário, muito integrada textualmente, os elementos são articulados entre eles,
a fim de participar da produção do sentido do conjunto de ter um discurso 12 •
Vou dar somente dois exemplos.

Numa exposição do Museu de Antropologia da Universidade da Colômbia Britâ-


nica (UBC) intitulada Opiunz, que utilizava a técnica de interpretação norte-america-
na, os diferentes módulos que a compunham eram todos construídos segundo o mes-
mo princípio. Uma unídade de exposição feita de uma reconstituição mostrando um
ohjeto emblemático ocupava o centro, servindo de elemento de atração. Nas paredes,
um painel fazia contraponto ao objeto. Neste painel havia um texto (em duas línguas),
acompanhado de uma ou várias ilustrações evocando ou remetendo ao objeto coloca-
do no centro. Em volta desse painel, na parede, estavam dispostas reproduções e ainda
documentos e objetos em pequenas vitrines pregadas na parede. Um dos módulos era
construído, por exemplo, da seguinte maneira: no centro uma maquete de barco colo-
cada sobre caixotes para transporte; nas paredes, fotografias ou gravuras de barcos de
armazém ou de comércio de ópio.
O elemento atratívo (a maquete do barco colocada sobre caixotes) era assim
uma representação do objeto que caracterizava a temática do módulo (o comércio do

12 Volto a esta diferença que consiste em saber o que é o texto, ou seja, o que constitui um conjunto significativo: os
próprios elementos (por ""emplo, quadro e etiqueta) ou coujuntos maiores como wna sala ou a exposição como um
todo.

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ópio). A representação do barco era, além disso, repetida nas ilustrações e, sobretu-
do, no painel explicativo, de maneira que a associação entre o barco e o comércio de
ópio estava perfeitamente visível desde a primeira olhada, e que em at@;uma parte do
conjunto da apresentação (e dos textos) estava a declinação explicativa. O todo estava
assim fortemente integrado textualmente 13 •
Uma técnica de concepção da exposição, em muitos aspectos similar, se encontra
no museu Port du Gard, monumento muito importante da época romana, situada no
sul da França, que pertence ao aqueduto de alimentação da água da cidade de Ní'mes.
A primeira parte do museu, antes da apresentação da construção do monumento, trata
da água na cidade romana. Essa parte da exposição mostra técnicas e instrumentos que
permitem a circulação da água: canalizações, recipientes, dispositivos de recolhimen-
to de sobra de água, circuitos públicos e privados etc. A própria decoração participa da
temática, evocando mais ou menos metaforicamente o átrio de uma casa romana pelas
colunatas, o impluvíum, imergindo assim o visitante nessa evocação.

Da forma editorial ao formato: sobre surgimento de uma concepção


respondendo CJ um formato

De fato, a concepção da exposição responde a modelos que evoluíram durante os


últimos anos.

1. Geralmente se adrnjte que a formalização da concepção da exposição advém


da vontade que ela tenha um discurso ou conte uma história. Ela é associada à
passagem de uma "museologia de objeto" para uma "museologia de ideias"-
para retomar uma oposição introduzida por Peter Van Mensch 14 • Esta oposi-

13 Tecnicamente vê-se que e,ta integração estava assegurada pela coniunção de um duplo processo: (1) a recorrência
do barco nos diferentes registros (maguete, painel explicativo, série de fotos e gravuras (ii) um encaixe desses registras.
a
A< sim, tudo que estava nas paredes (paineis, reproduções, vitrines) servia de comexto nnidade central (a maquete so-
bre as caixas), enquanto inversamente todos os elementos, além do painel explicativo serviam de ilustração (e portanto
de contexto) ao que era mostrado...
14 Prefiro "museologia de saber~, as três museologia, (objeto, saber e colocação - ou ponto de vista) estando respee-
tivamentt> centrados uoobjeto, no saber e no viútantt> (para mais detalhes, Ver L'Exposition à l'ceuvre, 1999).

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IN: NACIONAL, Museu Histórico, Museus e Comunicação, Rio de Janeiro,Livros do
Museu Histórico Nacional, 2010.p.17-34.

COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE: PENSAR A CONCEPÇÃO OA EXPOSIÇÁO

ção não deve, entretanto, nos fazer perder de vista que, exceto o caso extremo
de uma disposição de objetos respondendo a critérios unicamente formais e
estético~, a museologia de objeto remete, na maioria das vezes, também a
uma forma de concepção - uma forma editorial- do tipo enciclopédico.

Em seu livro sobre a comunicação no museu, Francesco Antinucei opõe a forma


"'enciclopédia" à forma "manual"15. Esta oposição se superpõe em muitos aspectos à
que habitualmente é feita hoje entre museologia de objeto e museologia de saber. Ela
representa, entretanto, o interesse de lembrar que o que está em jogo não é somente
o que é oposto (objetos ou saber) nem mesmo a estratégia da exposição (mostrar os
primeiros ou sustentar um discurso expondo o segundo), mas implica numa forma
editorial.
Segundo o autor, a maioria dos museus são herdeiros da forma enciclopédica do
século XVIII quando expõem séries de unidades (do tipo objeto com etiqueta) relati-
vamente autônomas dispostas umas ao lado das outras. Ele opõe esta forma "enciclo-
pédica" à do "maIlual" (aliás, eu falarei talvez de preferência da forma documental),
que articula OS elementos sobre um modelo vindo do discurso da vulgarização cientí-
fica l5 . Um quadro com ferramentas em sílex num museu de arqueologia responde à
primeira forma; a apresentação da fabricação dessas ferramentas, à segunda forma,
mostrando ao mesmo tempo algumas dessas ferramentas, uma ilustração representan-
do a hipótese de sua dimensão e elementos de arqueologia experimental substitui a
segunda. Um dos exemplos emblemáticos dessa forma "manual" é a composição de
vitrines de Georges Henri Riviere no museu de Artes e Tradições Populares de Paris.
O terceiro tipo de museologia, que propus chamar "museologia de ponto de yista"
constitui uma terceira forma editorial, herdeira do e~pf'táculo. Ela propõe uma nova
relação do espectador com o que está sendo exposto, por intermédio de um duplo pro-

15 A-\'TINUCCI, f. Comunicare ne1 "'u~.o. Rorna-B~ri: L:lIerza, 2004.


16 Para o amor (Antinucci, Communicare nel museo, 2004), a forlllil enciclopédica é do tipo pragmático (série de
elementos ordenados em que o vi~itan1l'" f, chamado a fazer sua escolha), a forrn" malJual sint:S"mática (conjUnto ani-
culado de elementos complementares que respondem a um propósito e destinado a dizer algo).

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IN: NACIONAL, Museu Histórico, Museus e Comunicação, Rio de Janeiro,Livros do
Museu Histórico Nacional, 2010.p.17-34.

JfAN DEVALLON

cesso. Por um lado, ela contextualiza o objeto, seja recriando uma imitação realista de
sen contexto de origem (sobre o modelo do diorama ou da reconstituição, por exem-
pio), seja imergindo num contexto simbólico que torna suas características visíveis e
sensíveis. Por outro, e de maneira complementar, ela determina ao visitante um lugar,
um ponto de vista, que faz com que ele mergulhe no universo ao qual ele foi apresenta-
do, seja diante dele quando a apresentação é como num palco (como no diorama, por
exemplo), seja em torno dele quando circula na própria encenação. Em todos os casos,
trata-se de fazê-lo viver uma experiência sensível, corporal e não somente de colocá-lo
diante de objetos sítuados num ontro espaço e num outro universo.
Mesmo quando o visitante não está fisicamente imerso no espaço onde se encon-
tram os objetos e a reconstituição (ou a evocação) de seu universo, o ciispositivo pre-
tende que ele possa se sentir como participante deste universo (por identificação com
um lugar ou com uma posição de intérprete; ou seja, como parte integrant~ da cena à
qnal ele assiste). A coisa se manifesta no diorama no qual intervêm ao mesmo tempo o
jogo em terceira dimensão e o posicionamento do visitante como observador e o fato
de que o espaço onde ele se encontra está na obscuridade 17 •

2. Mas isso não é tudo. Acho que podemos reconhecer as marcas de uma nova
mudança, da passagem da forma ao formato. O formato é mais restritivo que
a forma: enquanto esta última constitui um modelo de organização do texto,
o formato corresponderia principalmente a um gabarito de produção deste,
um quadro que intervém menos sobre a organização do conteúdo que sobre
o aspecto que o texto tomará. Pode-se dizer que a vitrine é um formato - no
sentido de que ali se podem expor coisas bem diversas e segundo princípios
de classificação diferentes -, que estabelece, entretanto, um tipo definido de
apresentação e que define uma relação entre visitante e objetos.

17 o que eharnei de "mu~eologia do entorno", e depois "museologia de pontO de vista", cobre o que Rayrnond
'Iontpetit chama "museografiaanalógica" e FlorenLe Belaen "museologia de imersão" (MONTPETIT, R. Une logique
[~an ~ulaire: les itnages de la lUuséographie analogique, Publics et Musées, 9, 1996; BELAEN, Y. Los e:rpasi-
"..... ~ ~__ La Len:re de rOeIM, 86,2003).

....mJ I-ISTÓItlCO NACIONAl.


IN: NACIONAL, Museu Histórico, Museus e Comunicação, Rio de Janeiro,Livros do
Museu Histórico Nacional, 2010.p.17-34.

COMUNICAÇÃO E SOCIEDADE: PENSAR A CONCEPÇÃO DA EXPOSIÇÃO

Três formatos me parecem hoje muito facilmente identificáveis. Nem sei se exis-
tem outros, nem qual será seu futuro. Minha intenção é simplesmente chamar atenção
sobre as mudanças que me parecem afetar hoje as exposições e os museus.
O primeiro formato é o da multimídia. Quase todas as exposições são atualmente
constituídas de vários registros midiáticos. Não é novidade: qualquer exposição, mes-
mo a mais simples e tradicional utiliza pelo menos dois, três registros, senão mais (os
objetos, os textos e o espaço)ls. O que parece novo é, por um lado, o aumento da quan-
tidade desses registros e, por outro, sua tendência à autonomia. Não é incomum que
a exposição inclua vários tipos de texto, vídeos interativos, diversos tipos de apresen-
tações num mesmo espaço, se não a integração na própria exposição, o que foi previa-
mente lido em dispositivos de isolamento tais como guias de áudio (fones de ouvido,
PDAs ou leitores de mp3).
O resultado é a tendência de a exposição funcionar como um laminado de mídias
mais ou menos independentes; o que implica que a concepção da exposição consiste
:r
I justamente na forma de um programa como, por exemplo, garantir a integração dos
registros em um texto único, como um todo. Apesar do trabalho de concepção, obser-
va-se cada vez mais um funcionamento da exposição "por camadas" midiáticas e não
por "blocos", por camadas horizontais de mídias e não por unidades verticais feitas de
mídias diferentes. Ocorre, assim, que se consegue visitar várias exposições diferentes
na mesma exposição pela "camada" escolhida 19 ,
O segundo formato é o do jogo. Quando, durante muitas décadas, os jogos fica-
vam circunscritos a intervenções pontuais com dispositivos ditos interativos, ou dis-
positivos de interpretação específicos para grupos (principalmente escolares), partes
inteiras da exposição organizadas com a forma de jogos2Ü, Parece-me que o fato mar-

18 Eu seria menos afirmativo que Marie-Syhie Poli (Le Texte au mlMée, une approche semiotique. Paris: Éd de
L'Harmauan, 2003) em dizer que o espaço é um registro midiático. prefiro a base da exposição. Mas é um assunto para
discussão.
19 Por exemplo, a ilha imitulada "Le graud récit de l'unível's~ da Cité des sciences et de ['industrie à Paris. no qual
os registras dos interativos, dos vídeos e dos ttltos nas paredes são "camadas" relativamente independentes. O que
significa que cada camada propõe um programa de atividade específico ao visitante.
20 É o caso do 3º andar ("ln Future~) do Wellcome Wing du Science Museum à Londres ou ainda de Illot "Epíde-

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IN: NACIONAL, Museu Histórico, Museus e Comunicação, Rio de Janeiro,Livros do
Museu Histórico Nacional, 2010.p.17-34.

JEAN DEYALLON

cante é a concepção ser construida menos a partir da articulação do objeto ou do saber


(uns como outros paf'.sando ao segundo plano) do que a partir de uma mobilizar;ão do
programa de atividades do visitante.
Para terminar, seguindo o mesmo raciocínio, a presença de um formato arqui-
tetural me parece particularmente interessante de observar e seguir nos próximos
anos. Este formato se desenvolveu, pelo menos na França, pela importância dada à
arquitetura nos museus e o desenvolvimento conjunto de uma museografia de arqui-
teta, de uma concepção da exposição a partir do tratamento do invólucro. Ou seja,
a partir do contexto espacial e não da organização do conteúdo. É onde o efeito do
formato intervém talvez da maneira mais clara. Sem entrar no debate sobre a dimen-
são dita estetizante da exposição permanente do museu de Quai Branly, parece-me
particularmente interessante, do ponto de vista da concepção da exposição, ressaltar
o efeito de gabarito que exerce o tratamento do invólucro, a instalação, tanto quanto
a natureza, a [arma e a distribuição das vitrines (portanto, o tratamento do contex-
to) sobre a apresentação dos conteúdos. Se nos colocamos ao lado desses últimos,
o dispositivo evoca a relação entre formato da vitrine e a forma editorial enciclopé-
dica que daria a parte bela ao objeto. Não Ocorre um processo da mesma ordem?
Se nos colocamos do lado do visitante, podemos perguntar se a influência do meio
não o convida a uma "visita", no sentido de uma deambulação turística? Mas para
responder a estas questões, conviria fazer um estudo dos visitantes que eu, de minha
parte, não fiz.

.. Jean Devallon é Diretor do Laboratório de Cultura e Comunicação e professor da Univenidade de A"ignon I


França.

mik" rlp la Cit'; de. sciences et de l'industríe à Pari•. 'lue ,up<3e a relação entre um cenário e o visitante (ver Sylvie Ie-
Meme!, Strncturel' la coneeption des docnroents numéríques gráee à!a seénistique. ln: Création numérique écr-itur·eJ-
expàie,"'w inlaocliTlN / sob a direção de Sylvie Leleu-Merviel, Paris: Herme~Lavoisier, 2005. P. !51-181).

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