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ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA -EXCERTOS

Relator: OLIVEIRA MENDES

Descritores:

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

ACORDÃO DA RELAÇÃO CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS VÍCIOS DO ARTº 410 CPP

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO REJEIÇÃO PARCIAL

CORRUPÇÃO ACTIVA

CORRUPÇÃO P,ASSIVA PARA ACTO ILÍCITO

CORRUPÇÃO PASSIVA PARA ACTO LÍCITO BEM JURÍDICO

CONSUMAÇÃO PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL

CRIME CONTINUADO

MEDIDA CONCRETA DA PENA

PRAZO RAZOÁVEL APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO REGIME CONCRETAMENTE MAIS


FAVORÁVEL

PERDA DE VANTAGENS

Data do Acordão: 21-03-2018 Votação: MAIORIA COM * VOT VENC Texto Integral:S
Privacidade:

1 Decisão: REJEITADOS OS RECURSOS DE CC E BB (ESTES DOIS PARCIALMENTE);


CONCEDIDO PARCIALMENTE PROVIMENTO AOS RECURSOS DE AA E BB. NEGADO
PROVIMENTO AO RESTANTE

Área Temática: DIREITO PENAL – LEI CRIMINAL / FACTO / FORMAS DO CRIME /


CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PERDA DE
INSTRUMENTOS, PRODUTOS E VANTAGENS – PARTE ESPECIAL / CRIMES CONTRA CRIMES

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COMETIDOS NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS / CORRUPÇÃO / DISPOSIÇÃO GERAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / REJEIÇÃO DO
RECURSO.

Doutrina: -Almeida Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, 2001, p. 664 e 667;
-Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde),
1981, 96 e 98; -Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do
Crime, p. 197 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, 3.º Tema, Fundamento Sentido e
Finalidade da Pena Criminal, 2001, p. 104 a 111; -Irineu Cabral Barreto, A Convenção
Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª Edição, p. 148; -José Manuel Damião da
Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, O conceito de funcionário para efeito
da lei penal e a privatização da administração pública, Uma revisão do comentário ao artigo
386º do Código Penal – Comentário Conimbricense do Có Coimbra Editora, 2008,
Funcionário, Função Pública e Direito Penal – Equívocos Jurisprudenciais, Legislativos e
Doutrinais, RPCC, Ano 19, N.º 1 – Janeiro-Março de 2009; -Paulo Pinto de Albuquerque,
Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, UCE, 2.ª Edição, p. 1029 e 1030 ; Comentário do Código Penal, 3.ª
Edição, p. 1186. Legislação Nacional: CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 2.º, N.ºS 1 E 4, 30.º,
N.º 1, 71.º, N.º 1, 77.º, N.º 2, 109.º, 111.º, N.ºS 1, 2 E 4, 112.º, 372.º, N.º 1, 374.º E 386.º,
N.º 1, ALÍNEA C). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEAS C)
E F), 420.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 434.º. LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ):
- ARTIGO 31.º, N.º 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º,
N.º 4 E 29.º, N.º 3. Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE 21-10-2004, IN CJSTJ, XII, III, P. 192; - DE 13-03-2008, PROCESSO N.º 07P3204;
- DE 02-05-2009, IN CJSTJ, X, II, P. 193.

Sumário :

VI - O crime de corrupção activa tem-se por formalmente consumado com a mera


promessa de vantagem e o crime de corrupção passiva considera-se formalmente
consumado com a solicitação ou aceitação promessa), aquando do seu conhecimento pelo

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corruptor activo, mas o inicio do prazo prescricional em ambas as modalidade do crime,
não se verifica desde o dia da sua consumação formal. A lei no n.º 1 d CP não pode deixar
de ser interpretado e aplicado, tendo em vista a consumação material do crime ou
terminação. VII - O prazo prescricional dos crimes de corrupção, em causa nestes autos, só
corre a partir da data do pagamento dos subornos ou do acto ou omissão contrário aos
deveres do cargo do agente passivo do c corrupção passiva antecedente. VIII - De entre as
condutas susceptíveis de integrar o crime de corrupção passiva, tendo em vista a
competência própria (do exercício do cargo) do agente do acto, não é necessário que a
conduta prometida pelo empregado público pertença à esfera de competência das suas
específicas atribuições ou competências, bastando a simples circunstâncias de a actividade
em causa se encontrar numa «relação funciona o desempenho do respectivo cargo, o que
sucederá sempre que a realização do acto subordinado caiba no âmbito «fáctico» das suas
possibilidades de intervenção, isto é, dos “poderes de facto” inerentes ao correspondentes
funções, a significar ser criminalmente relevante o acto subornado quando o mesmo é
propiciado pelo cumprimento “normal” das atribuições legais, apesar do agente exorbitar
aqueles seus.

IX - Até à entrada em vigor da Lei n.º 108/01 era dominante o entendimento segundo o
qual não são puníveis a título de corrupção passiva as dádivas realizadas com a finalidade
de criar um «clima de permeabilidade de «simpatia» para eventuais diligências futuras.
Existem excepções a esta regra, sempre que à luz da experiência comum a simples dádiva
– considerados de forma cumulativa, o seu exagerado valor e, por circunstâncias em que
ocorrer ou a pessoa de que proveio – não se mostre justificável de outro modo, assumindo,
inequivocamente, o aludido significado de criar um «clima de permeabilidade» ou
«simpatia posteriores diligências.

X - A corrupção própria distingue-se da imprópria, tendo por referência os deveres do


cargo exercido pelo agente passivo do crime. Se o acto praticado se mostra conforme aos
deveres do cargo estaremos perante a corrupção imprópria, ao invés, caso estejamos
perante acto contrário aos deveres do cargo estaremos face a corrupção própria. No caso
vertente a finalidade visada com o suposto suborno era não só consentido pelo que
dispunha o art. 134.º, n.º 3, do CPEREF, como era admitida pela latitude da

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discricionariedade conferida ao funcionário (administrador/liquidatário judicial) razão pela
qual estar-se perante suposta sempre seria imprópria, ou seja, apara acto lícito.

XI - Na primeira parte do art. 30.º, n.º1, do CP, estatui-se que o número de crimes se
determina pelo número de tipos de crimes efectivamente cometidos (pela conduta do
agente) – «concurso heterogéneo» diversos crimes – violação de diversas normas
incriminadoras); na segunda parte, declara-se que o número de crimes (também) se de
termina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pelo agente -
«concurso homogéneo» (realização plúrima do mesmo crime – violação da mesma norma
incriminadora). São razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime
continuado (a CP). É a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve
radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam aquela para o crime,
em não razões de carácter endógeno.

Ver jurisprudência do STJ que a proximidade ou conexão temporal entre as diversas


condutas do agente constitui elemento de relevo para a verificação da continuação
criminosa.

. XV - A circunstância de a lei exigir, tão só, a ocorrência de facto ilícito típico (e não a
ocorrência de crime), conduz a que o instituto seja aplicável ao respectivo agente, ainda
que não seja possível sujeitá-lo à cominação de uma pena. Daí que possa e deva ser
aplicado no caso de prescrição do procedimento criminal, quando já esteja estabelecida a
comprovação de que as coisas, direitos ou vantagens tenham sido através de facto ilícito
típico.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça. No processo supra referenciado, comum com


intervenção do tribunal colectivo, da ...ª Vara Criminal do ..., entre outros, foram julgados
os arguidos AA, [...], BB, [...] e CC, [...]. Por acórdão de 05.01.2009 (fls. 37443 e segs.), o
tribunal colectivo decidiu condenar o arguido AA: - Como autor directo e imediato e em
concurso real, pela prática, em co-autoria com os arguidos BB e DD:

Os arguidos aqui recorrentes foram pronunciados por crimes de corrupção passiva ou


ativa, de peculato e de participação económica em negócio. Os crimes de corrupção
passiva, de peculato e de participação económica em negócio encontram-se legalmente
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configurados como crimes específicos (na medida em que o agente tem que possuir a
qualidadede funcionário para efeitos penais), enquanto o crime de corrupção ativa, sendo
embora um crime comum, pressupõe que quem solicita ou a quem é oferecido o suborno
– entregue ou prometido pelo agente – tenha a qualidade de funcionário ([22]). O
legislador penal português de 1982 ([23]), ciente de que a noção de funcionário
sedimentada em outros ramos do direito – paradigmaticamente no direito administrativo
– era insuficiente para abarcar o u situações carecentes de tutela penal no âmbito do
exercício de funções públicas, plasmou, em disposição autónoma, o conceito alargado de
funcionário para efeitos penais. A consagração desta noção abrange o funcionário e era
justificada no anteprojeto com a necessidade de evitar lacunas de punibilidade ([24]).
Posicionando-se como preceito final do Código Penal e não tendo sido ‘desposicionado’
por qualquer alteração sistemática, o conceito penal de funcionário começou por ser
acolhido no artigo 437º da versão Código Penal de 1982, passando a constituir o artigo
386º após a revisão de 1995 ([25]). O nº 1 do preceito em causa não registou qualquer
modificação verdadeiramente significativa. Assim, o nº 1, alíneas a), b) e c), do artigo 386º
do Código Penal, na redação conferida pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 14/3, dispunha: “1.
Para efeitos da lei penal a expressão funcionário abrange: a) O funcionário civil; b) O agente
administrativo; c) Quem, mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração
ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido chamado a desempenhar ou
a participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública
administrativa ou jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em
organismos de utilidade pública ou nelas participar.” ([26])

. Por sua vez, a Lei nº 32/2010, de 4 de Setembro, apenas aditou uma nova alínea c) –
consagrando a expressa abrangência por este conceito definitório de árbitros, jurados e
peritos – e deslocou para a alínea da anterior alínea c). As restantes alterações ao artigo
em causa, sucessivamente introduzidas pelo legislador, tiveram por objecto os números
seguintes do mesmo preceito.

O segmento do preceito concretamente carecido de interpretação é, pois, a transcrita


alínea c) do nº 1 (se tivermos em conta as versões vigentes à data dos factos “sub judice”),
hoje reproduzida integralmente alínea d). A questão não surge suscitada nos autos apenas
por ocasião da interposição dos presentes recursos, pois já havia sido expressamente

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colocada nos requerimentos de abertura de instrução e nas contestações arguidos, tendo
sido objeto de aprofundado estudo e ponderação, mormente por parte do Tribunal ora
recorrido, como se extrai de páginas 848 e seguintes do douto acórdão aqui impugnado,
que, nesta parte adiantemos já. Esta alargada e longa explanação/confrontação de pontos
de vista redunda em que os argumentos alinhados em defesa de cada uma das teses em
presença se encontram já potencialmente esgotados, não deixando espaço a que algo de
verdadeiramente novo possa ser acrescentado à discussão do tema.

Embora a questão genérica da delimitação do conceito de funcionário para efeitos penais


tenha já merecido a atenção de alguma doutrina – dentre a qual merecem destaque os
sucessivos trabalhos de José M da Cunha ([29]) – apenas Paulo Pinto de Albuquerque se
pronuncia de forma expressa sobre a qualidade de funcionário do liquidatário judicial
([30]). É certo que os arguidos AA, RRR e CC juntaram aos autos doutos pareceres
subscritos, respetivamente, pelos Professores Doutores Carvalho Fernandes e Freitas do
Amaral. Sem pôr em causa a indiscutível excelência destes ilustres académicos, chama-se
a atenção, no entanto, para que nenhum deles ostenta, no seu currículo, qualquer ligação
à área do direito penal, pelo que não se lhes pode reconhecer a potencial autoridade que
poderia advir da (inverificada) circunstância se tratar de reconhecidos especialistas na
matéria. De resto, não deixa de ser surpreendente que, para a dilucidação de um problema
de direito penal, os recorrentes tenham na necessidade de recorrerem a especialistas de
outros ramos do direito, a saber, da área civil/comercialística e da área administrativista,
onde o conceito de funcionário tem uma abrangência consabidamente mais restritiva.
Voltando aos penalistas que, entre nós, escreveram sobre o tema, verifica-se que, mesmo
para Damião da Cunha, que apresenta uma posição mais restritiva na delimitação do
conceito de funcionário(..) admite que persiste um “núcleo ‘duradouro’ e resistente” no
conceito de funcionário que tem resistido às alterações entretanto operadas e que se
centram nas alíneas a) e c) do artº 386º (na redacção anterior 32/2010), entre elas se
contando, assim, a função jurisdicional ([31]). O mesmo autor refere que a redação do
preceito “é suficientemente ampla para abranger todas as hipóteses em que um qualquer
agente intervenha no exercício da função administrativa ou jurisdicional, não sujeito a uma

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qualquer relação orgânica com a Administração Pública. As hipóteses são múltiplas, face à
cada vez maior possibilidade de particulares intervirem no exercício da administração da
justiça” ([32]). Já não se pode, no entanto, estar de acordo com este autor quando vai
assumindo, com veemência progressivamente maior ([33]), uma interpretação restritiva
do conceito de funcionário, nomeadamente ao por a possibilidade de acesso à qualificação
como tal por via material-objetiva ([34]), nos casos em que alguém seja chamado para
exercer um cargo ou tarefa que exija um direto exercício de ‘jus imperii’ (no caso de
atividade pública administrativa) ou para julgar (no caso da função jurisdicional). Ora, se
é certo que, na linha do que alegam os recorrentes, os liquidatários judiciais não julgam,
não administram justiça nem “dizem o direito” (numa aceção estrita de jurisdição), é, no
entanto, descabido no contexto, às limitações resultantes do princípio constitucional da
reserva de competência judicial.

Com efeito, como bem refere o Ministério Público na sua resposta, os liquidatários judiciais
participam no desempenho dessa atividade, na medida em que é com base nos seus atos,
opções e pareceres que parte do trabalho jurisdicional é desenvolvido nos processos de
falência. Para melhor sustentarem o seu ponto de vista, os recorrentes pretendem
comparar o plano em que se desenvolve a atividade do liquidatário judicial com o da
intervenção das testemunhas ou dos advogados processos judiciais. No entanto, ainda que
estes intervenientes estejam vinculados a concretos deveres – como sejam os de verdade
e de cooperação para a realização da justiça – tal vinculação está longe de equiparar à que
decorre do regime aplicável ao exercício das funções de liquidatário. As especificidades do
estatuto dos liquidatários ressaltam logo do seu processo de recrutamento. Assim, nos
termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 254/93, de 15/7, “os gestores e liquidatários judiciais
são recrutados de entre pessoas que ofereçam garantias de idoneidade técnica aferida,
nomeadamente, habilitações na área da gestão de empresas ou experiência profissional
adequada”, sendo tal recrutamento efetuado, em cada distrito judicial, por uma comissão
constituída pelo Presidente do Tribunal da Relação, pelo Procurador-Geral Distrital e por
uma individualidade de reconhecida experiência profissional nas áreas da economia ou da
gestão de empresas (artigo 6º do referido diploma). Depois, como signo da relevância dada
à necessidade de isenção e imparcialidade no exercício das respetivas funções, o legislador
determinou que os gestores e liquidatários judiciais ficassem sujeitos aos às suspeições

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aplicáveis aos juízes (artigo 4º do citado Estatuto). Note-se também que o liquidatário
judicial exerce pessoalmente as competências do seu cargo, não podendo substabelecê-
las em ninguém – artigo 134º nº 2 do CPEREF . Refira-se ainda que o liquidatário, para além
dos seus alargados poderes-deveres alargados de gestão (artigo 145º/1 do CPEREF),
detém outros poderes funcionais, alguns com características de execução da autoridade,
como os que se referem à apreensão de bens (ato próprio de autoridade pública) e à
faculdade de requisição da força pública – artigo 176º, nºs 2 e 4/c) do CPEREF. Daí a nossa
concordância com o acórdão da Relação do Porto de 6/10/97 ([35]), na parte em que aí se
refere que “(…) o liquidatário judicial não é um interveniente acidental no processo de
falência, mas um interveniente obrigatório, imprescindível e essencial nesse processo, com
estatuto próprio definido em lei especial”. A interpretação que fazemos da alínea c) do nº
1 do artigo 386º do Código Penal vai, pois, no sentido de que o conceito de (..) mas abrange
todos os que participam, com idênticos deveres de imparcialidade e de rigor, no processo
de tornar possível e efetivo o ato de julgar. O paradigma pressuposto segmento da norma
não se limita, assim, ao juiz, mas abarca ainda o magistrado do Ministério Público (que
inicia e promove) e o funcionário judicial (que auxilia e executa) ..

De resto, este nosso entendimento vai, ao que pensamos, no sentido propugnado por
Paulo Pinto de Albuquerque ([37]), quando explicita uma das quatro razões por que não
considera aceitável a nova posição radicalmente restritiva assumida, por último, por
Damião da Cunha ([38]): ela “…não é compatível com a inclusão no preceito legal de
pessoas singulares que exerçam provisória ou temporariamente atividades compreendidas
na função (…) jurisdicional (como o jurado, o liquidatário judicial e o encarregado de venda
por negociação particular de bens penhorados) ”. Ao nível da jurisprudência, não se
encontram decisões no sentido de que o liquidatário judicial não é funcionário para efeitos
penais (…)

Destacam-se, neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 13/3/2008, recurso nº 07P3204 ([40]),


versando sobre factos que são, sob muitos aspetos, similares aos que constituem o objeto
dos presentes autos, bem c recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido
em 20/6/2012 ([41]) no processo 591/02.1JACBR, que vai até mais longe no alcance do
conceito de funcionário – nele incluindo os leiloeiros os liquidatários no processo de
falência – mas, nessa parte, a nosso ver, longe de mais.

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(…)

Em conclusão, entendemos que os liquidatários judiciais, designadamente no âmbito dos


processos de falência regidos pelo CPEREF, são abrangidos no conceito legal de funcionário
para efeitos penais exp final do Código Penal de 1982 – originariamente no artigo 437º e,
depois, no artigo 386º – soçobrando, nesta parte, o recurso dos arguidos

(…)

Como refere Almeida Costa no Comentário Conimbricense do Código Penal (2001),


664/667, a propósito das condutas susceptíveis de integrar o crime de corrupção passiva,
tendo em vista a competência exercício do cargo) do agente para o acto, conquanto não
haja unanimidade de pontos de vista na doutrina, é de perfilhar a orientação segundo a
qual não é necessário que a conduta prometida ou efetuada pertença à esfera de
competência das suas específicas atribuições ou competências, bastando a simples
circunstância de a actividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com
o respectivo cargo, o que sucederá sempre que a realização do acto subornado caiba no
âmbito “fáctico” das suas possibilidades de intervenção, isto é, dos “poderes de facto”
inerentes ao exercício das corres funções, a significar ser criminalmente relevante o acto
subornado quando o mesmo é propiciado pelo cumprimento “normal” das atribuições
legais, apesar de o agente exorbitar aqueles seus poderes. De resto, como aquele ilustre
penalista consigna no seu cometário ao artigo 372º, do Código Penal, a favor da tese da
“relação funcional imediata”, e dos “poderes de facto”, assinale-se que, ao menos na
corrupção própria, só com base naquele critério se pode punir o funcionário dito
“competente” para a prática da actividade pretendida com o suborno.

(..)

No plano material, a “autonomia intencional do Estado” resulta ofendida com igual


intensidade, quer o acto sido realizado pelo próprio funcionário “competente”, quer
provenha de outro que, possuindo uma relação funcional directa com o serviço, apenas o
levou a cabo na actuação de meros “poderes de facto”. Note-se que estes decorrem de
uma relação funcional do agente, isto é, do posto que ocupa, o recebimento da peita pelo
(ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transacção com o seu cargo e, por isso, uma
si corrupção passiva, sendo que o texto do artigo 372º favorece uma interpretação

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concordante com esta perspectiva. Destarte, tendo em vista o factualismo provado,
constante da decisão proferida sobre a matéria de facto, os arguidos CC e AA, enquanto
administradores/liquidatários judiciais, bem como todos os demais c naquela qualidade
actuaram, podem e devem ser considerados como autores materiais dos crimes de
corrupção passiva pelos quais foram condenados (sendo corruptor activo o arguido BB),
conclusão a que chegaram, também, por haverem entendido, e bem, que de acordo com
a matéria de facto, em todas as situações constantes dos autos que conduziram à
condenação dos arguidos pelo crime de corrupção, aq administradores/liquidatários
judiciais, foram, de facto (e também de direito, na vigência do CPEREF), os decisores sobre
a modalidade das vendas, sobre a necessidade de intervenção de leiloeira e sobre a
concreta leiloeira, contando ora com a inércia ora com a impossibilidade prática de as
instâncias de fiscalização e controlo imporem alternativas.

Improcede pois nesta parte o recurso do arguido BB.

Inexistência do crime de corrupção até à entrada em vigor da Lei n.º 108/01, de 28 de


Novembro, por atipicidade das situações em que a dádiva ou o oferecimento de vantagem
patrimonial visava um “clima de permeabilidade” com vista à prática de actos contrários
aos deveres do cargo.

Alegam os arguidos AA e BB que na vigência da versão originária do Código Penal de 1982,


até à entrada em vigor da Lei n.º 108/01, de 28 de Novembro (1 de Janeiro de 2002), há
que considerar os factos atípicos, já que não puníveis então as dádivas realizadas com a
finalidade de criar um clima de permeabilidade, o que se verifica no caso vertente, tanto
mais que, como refere o arguido BB, nas datas supostamente, teria sido oferecida a
contrapartida, não estava ainda determinado ou era, pelo menos, de difícil verificação, o
facto visado, pelo que a ter havido contrapartidas as mesmas teriam por finalidade um
clima de permeabilidade, situação então privada de relevância penal. Voltando a recorrer
aos ensinamentos de Almeida Costa (Comentário 671/672), apesar de até à entrada em
vigor da Lei n.º 108/01, ser dominante o entendimento segundo o qual não são puníveis, a
título de corrupção passiva, as dádivas realizadas, não com o objectivo imediato de
conseguir um acto determinado, mas tão-só com a finalidade de criar um “clima de
permeabilidade” ou de “simpatia” para eventuais diligências. Verdade é que, atendendo à
natureza do bem jurídico protegido e ao carácter velado e indirecto que o processo

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conducente à corrupção por norma reveste, não repugna, contudo, admitir excepções
àquela devendo acontecer sempre que, à luz dos critérios da experiência comum, a simples
dádiva – considerados de forma cumulativa, o seu exagerado valor e, por outro lado, as
circunstâncias em que ocorreu ou que proveio – não se mostre justificável de outro modo,
assumindo, inequivocamente, o aludido significado de criar um clima de “permeabilidade”
ou “simpatia” para posteriores diligências. No caso vertente, porém, atento o factualismo
provado, particularmente o constante dos números 13, 30 e ss., 442 e ss., 543 e ss., 826 e
ss., 896 e ss., 1026 e ss., 1048, 1109, 1120, 1130 e 1156 dos factos pr sequer se coloca a
questão de saber da ocorrência ou não do tipo objectivo do crime de corrupção em função
da eventual ausência de solicitação ou aceitação de vantagem como contrapartida de acto
ou de contrários aos deveres do cargo, por apenas se ter provado o oferecimento ou
promessa de vantagem visando a constituição de um clima de permeabilidade. Com efeito,
a materialidade constante daqueles s decisão de facto é bem clara no sentido da existência
de concreto oferecimento e de promessa de vantagem patrimonial indevida por parte do
arguido BB ao arguido AA, bem como aos co-arguidos TTTT, C NNNNN, QQQQQ, GGG GG,
FFF FF, DDDDD, BBB BB e TTTTT, como contrapartida de actos (concretos) contrários aos
seus deveres, enquanto administradores/liquidatários judiciais, vantagem patrimoniais
estes arguidos aceitaram e receberam. Também improcedem pois nesta parte os recursos
interpostos.

Incorrecta qualificação dos factos como corrupção própria

Alegam os arguidos AA e BB que, a ter ocorrido corrupção, sempre teria de ser qualificada
como imprópria, isto é, para acto lícito. Entende o arguido AA que ao indicar, enquanto
administrador/liquidatário judicial a JJJJJ, consabido ser tal sociedade a melhor leiloeira do
mercado, quando muito terá incorrido na prática de corrupção para ato lícito. Invoca o
arguido BB, em síntese, que a diferença fundamental entre as duas modalidades de
corrupção reside no acto visado pelo suborno, sendo que da ilicitude da recompensa não
deriva, ipso facto, a ilicitude atenta a finalidade a que a mesma se destina. No caso vertente
a finalidade visada com o suposto suborno era não só consentida, desde logo pelo que
dispunha o artigo 134º, n.º 3, do CPEREF, como era admitida pela latitude da

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discricionariedade conferida ao funcionário (administrador/liquidatário judicial), razão pela
qual a estar-se perante suposta corrupção sempre seria imprópria, ou seja, para acto lícito.
Interpretação diversa é inconstitucional por violação do princípio da legalidade criminal,
vertido no artigo 29º, n.º 1 (primeira parte), da Constituição da República. Esta questão, tal
como as demais já anteriormente decididas, também já foi objecto de circunstanciada e
ponderada reflexão pelas instâncias. Decidindo, dir-se-á que a corrupção própria distingue-
se da imprópria, com claramente resulta da letra da lei, tendo por referência os deveres do
cargo exercido pelo agente passivo do crime. Se o acto praticado for conforme aos deveres
do cargo estaremos perante corrupção imprópria, ao invés, caso estejamos perante acto
contrário aos deveres do cargo estaremos face a corrupção própria. Como refere Pinto de
Albuquerque, os deveres do cargo são aqueles que estão fixados na lei e nos usos da
profissão, sendo que a violação dos deveres deontológicos baseados nas boas práticas
profissionais reconhecidas pela generalidade dos membros da profissão ou pelas ordens
profissionais é suficiente para fundar a tipicidade da corrupção passiva própria. Por outro
lado, como defende Almeida Costa[], se o ato subornado entra nos poderes discricionários
do funcionário, estar-se-á na órbita da corrupção própria, por ilicitude substancial do acto,
se devido à peita ou gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que
a lei lhe concede. Por outro lado, ainda, independentemente da ultrapassagem da esfera
de discricionariedade, o acto dever-se-á considerar ilegal, ferido de uma invalidade que
contende com o conteúdo ou substância, fundada num vício que, segundo terminologia
tradicional, se designa desvio de poder (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito
Administrativo (1980), 506-12 e Afonso Queiró, O P Discricionário da Administração (1944),
e ID., BFDC XLI (1966), quando o agente se deixou influenciar pelo suborno, tomando uma
decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou a respetiva promessa) tivesse
ocorrido, sendo que só se estará perante corrupção imprópria quando o suborno em nada
influiu na conduta do funcionário, isto é, não interferiu no uso dos seus poderes
discricionários.

Vem provado (número 13 dos factos provados): - 13) Dispondo a JJJJJ de uma estrutura
organizacional montada e pretendendo os arguidos BB e DD a implementação da mesma
no mercado da liquidação de activos de pessoas colectivas e singulares das falidas, em data
não apurada, mas anterior a Março de 1995, decidiram, paralelamente à estratégia

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comercial normal das empresas dedicadas a este setor de negócio, propor aos liquidatários
ou administradores judiciais com quem viessem a colaborar, por qualquer forma, na
liquidação dos activos, no âmbito de processos de falência, a repartição com os mesmos
de quaisquer valores, proveitos, contrapartidas ou obtidos ou a obter, designadamente das
comissões que viessem a ser cobradas pela leiloeira aos compradores, tudo nos termos
que melhor se descreverão. Mais vem provado (números 30, 39, 442, 447, 543, 565, 826,
828, 896, 900, 1109, 1111, 1048, 1051, 1120, 1123, 1156,

Mais vem provado:

Em data não concretamente apurada, mas anterior a Março de 1995, em execução do


plano previamente gizado entre os arguidos BB e DD, descrito no ponto 13), o arguido BB
propôs ao arguido AA escolhesse a JJJJJ para consigo colaborar na venda por negociação
particular nos autos de liquidação dos activos de falidas em que exercesse a função de
liquidatário judicial, ou por qualquer forma por intervenção na negociação de tais bens,
com ele partilhando, em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os arguidos BB e
DD viessem a auferir, designadamente os valores recebidos dos adjudicações a
compradores dos bens, a título de comissões; -

39) Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer proveitos


auferidos por força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de activos de
falidas, e pretendendo a referida divisão de ganhos, o arguido AA requereu ao síndico da
falência, em 6/10/1995, que a venda dos bens da falida fosse efetuada por negociação
particular, sendo coadjuvado por uma empresa da para tal sugerindo a JJJJJ (JJJJJ), o que
foi deferido pelo síndico; - 442) Em data não concretamente apurada, mas sempre anterior
a Novembro de 2000, o arguido BB, em execução do plano previamente gizado com a
arguida DD, descrito no ponto 13), propôs ao arguido que este escolhesse a JJJJJ para
consigo colaborar na venda por negociação particular, nos autos de liquidação de activos
de falidas em que exercesse a função de liquidatário judicial, ou por qualquer forma sua
intervenção na negociação de tais bens, com ele partilhando, em contrapartida, quaisquer
proveitos que a JJJJJ ou os arguidos BB e DD viessem a auferir, designadamente os valores
recebidos dos co títulos de comissões. –

13
447) Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer
proveitos auferidos por força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de
activos de falidas, e pretende da referida divisão de ganhos, o arguido TTT T, em 4/10/2001,
propôs à comissão de credores que a venda dos bens da falida fosse efetuada por
negociação particular, sendo coadjuvado por uma empresa especialidade, o que obteve o
acordo imediato da maioria dos membros da comissão de credores, vindo o arguido TTT T
a recorrer aos serviços da JJJJJ (JJJJJ), na sequência da sugestão por si efetuada, e acolhida
pela comissão de credores

- 543) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 12/6/1996, o arguido BB, em
execução do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no ponto 13), propôs
ao arguido CC que este e JJJJJ para consigo colaborar na venda por negociação particular,
nos autos de liquidação de activos de falidas em que exercesse a função de liquidatário
judicial, ou por qualquer forma permitisse a sua negociação de tais bens, com ele
partilhando, em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os arguidos BB e DD
viessem a auferir, designadamente os valores recebidos dos compradores a título d - 565)
Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer proveitos
auferidos por força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de activos de
falidas, e pretende da referida divisão de ganhos, o arguido CC, em 12/6/1996, propôs à
comissão de credores que a venda dos bens imóveis da falida fosse efetuada por
negociação particular, sendo coadjuvado por uma empresa da especialidade, para tal
sugerindo a JJJJJ (JJJJJ), o que veio a obter o acordo da comissão de credores;

- 826) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 11 de Outubro de 1995, o


arguido BB, em execução do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no
ponto 13), propôs ao arguido Z escolhesse a JJJJJ para consigo colaborar na venda por
negociação particular, nos autos de liquidação de activos falidas em que exercesse a função
de liquidatário judicial, ou por qualquer forma permanentea intervenção na negociação de
tais bens, com ele partilhando, em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os
Arguidos BB e DD viessem a auferir, designadamente os valores recebidos dos compr de
comissões;

- 828) Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer


proveitos auferidos por força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de

14
activos de empresas falidas, e pretende da referida divisão de ganhos, o arguido ZZZZ, em
23/6/1999, propôs à comissão de credores que a venda dos bens da falida fosse efetuada
por negociação particular, sendo coadjuvado por uma empresa especialidade, para tal
sugerindo a JJJJJ (JJJJJ), o que veio a obter o acordo da comissão de credores; - 896) Em
data não concretamente apurada, mas anterior a 22/10/1999, o arguido BB, em execução
do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no ponto 13), propôs ao arguido
NNNNN que a JJJJJ para consigo colaborar na venda por negociação particular, nos autos
de liquidação de activos de falidas em que exercesse a função de liquidatário judicial, ou
por qualquer forma permitisse a sua na negociação de tais bens, com ele partilhando, em
contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os Arguidos BB e DD viessem a auferir,
designadamente os valores recebidos dos compradores a títu comissões; - 900) Sabendo
que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer proveitos auferidos por
força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de activos de falidas, e
pretende da referida divisão de ganhos, o arguido NNNNN, em 24/2/2000, propôs à
comissão de credores que a venda dos bens da falida fosse efetuada por negociação
particular, sendo coadjuvado por uma empre especialidade, para tal sugerindo a JJJJJ (JJJJJ),
o que veio a obter o acordo da comissão de credores;

- 1109) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 19/1/2000, o arguido BB, em
execução do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no ponto 13), propôs a
FFF FF que este escol para consigo colaborar na venda por negociação particular, nos autos
de liquidação de activos de falidas em que exercesse a função de liquidatário judicial, ou
por qualquer forma permitisse a sua interve negociação de tais bens, com ele partilhando,
em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os Arguidos BB e DD viessem a auferir,
designadamente os valores recebidos dos compradores a título - 1111) Sabendo que os
arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer proveitos auferidos por força
da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de activos de falidas, e pretend da
referida divisão de ganhos, o liquidatário judicial FFF FF, em data não apurada, mas anterior
a 19/1/2000, escolheu como modalidade da venda a negociação particular e, para efeitos
de coadjuvação património da referida empresa, recorreu aos serviços da JJJJJ (JJJJJ), o que
obteve o acordo da comissão de credores; - 1048)

15
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23/4/1999, o arguido BB, em
execução do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no ponto 13), propôs
ao arguido GGG GG que escolhesse a JJJJJ para consigo colaborar na venda por negociação
particular, nos autos de liquidação de activos de falidas em que exercesse a função de
liquidatário judicial, ou por qualquer forma permanente a intervenção na negociação de
tais bens, com ele partilhando, em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os
Arguidos BB e DD viessem a auferir, designadamente os valores recebidos dos proveitos
de comissões. - 1051) Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo
quaisquer proveitos auferidos por força da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na
liquidação de activos de falidas, e pretende da referida divisão de ganhos, o arguido GGG
GG, em 8/10/1999, propôs à comissão de credores que a venda dos bens da falida fosse
efetuada por negociação particular, o que veio a obter o acordo da comissão de credores;
- 1120) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 28 de Maio de 1999, o arguido
BB, em execução do plano previamente gizado com a arguida DD, descrito no ponto 13),
propôs ao arguido DD escolhesse a JJJJJ para consigo colaborar na venda por negociação
particular, nos autos de liquidação de activos de falidas em que exercesse a função de
liquidatário judicial, ou por qualquer forma permanente com intervenção na negociação
de tais bens, com ele partilhando, em contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os
Arguidos BB e DD viessem a auferir, designadamente os valores recebidos dos
compromissos de comissões; - 1123) Sabendo que os arguidos BB e DD se propunham
partilhar consigo quaisquer proveitos auferidos por força da intervenção da JJJJJ como
coadjuvante na liquidação de activos de empresasfalidas, e pretende da referida divisão de
ganhos, o arguido DDDDD, em 28/5/1999, propôs à comissão de credores que a venda dos
bens da falida fosse efetuada por negociação particular, sendo coadjuvado por uma
empresa da especialidade, para tal sugerindo a JJJJJ (JJJJJ), o que veio a obter o acordo da
comissão de credores e foi levado ao conhecimento do juiz titular do processo de falência,
que ordenou a realização da venda - 1156) Em data não concretamente apurada, mas
anterior a 5 de Maio de 2000, o arguido BB, em execução do plano previamente gizado
com a arguida DD, descrito no ponto 13), propôs ao arguido ZZZ escolhesse a JJJJJ para
consigo colaborar na venda por negociação particular, nos autos de liquidação de activos
de falidas em que exercesse a função de liquidatário judicial, ou por qualquer forma
permanente a intervenção na negociação de tais bens, com ele partilhando, em

16
contrapartida, quaisquer proveitos que a JJJJJ ou os Arguidos BB e DD viessem a auferir,
designadamente os valores recebidos dos compra de comissões; - 1159) Sabendo que os
arguidos BB e DD se propunham partilhar consigo quaisquer proveitos auferidos por força
da intervenção da JJJJJ como coadjuvante na liquidação de activos de falidas, e
pretendendo da referida divisão de ganhos, o arguido ZZZZZ, em 5/5/2000, propôs à
comissão de credores que a venda dos bens da falida fosse efetuada por negociação
particular, sendo coadjuvado por uma empresa especialidade, para tal sugerindo a JJJJJ
(JJJJJ), o que veio a obter o acordo da comissão de credores. Perante este quadro factual,
ao contrário do alegado pelos arguidos AA e BB, não podemos deixar de concluir no sentido
da ocorrência de corrupção própria, uma vez que é patente em todas as situações ora os
agentes passivos se terem deixado influenciar pela dádiva proposta pelo arguido BB, o que
decorre da circunstância de todos eles, devido à proposta de gratificação, terem escolhido
e proposto a JJJJJ (JJ que, obviamente não viola qualquer princípio constitucional,
nomeadamente o princípio da legalidade.

Também improcedem pois nesta parte os recursos interpostos.

Vejamos. Como é sabido, o crime é um facto humano, tipicamente ilícito e


culpável.

O mesmo facto ou a mesma acção, como já vimos, pode simultaneamente realizar um ou


mais «tipos de crime». Mas o «tipo de crime abarca o conteúdo global da norma
incriminadora, isto é, o tipo legal, objectivo e subjectivo. Toda e qualquer infracção criminal
é constituída por três elementos, quais sejam, o facto típico, a culpabilidade Deste modo,
não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento
jurídico de cada uma. É indispensável que relativamente a cada crime concorrente se
verifique vontade que cada crime seja doloso ou culposo, e como tal punível – nulla poena
sine culpa – (artigo 13º, do Código Penal).

Assim sendo, certo é que a expressão «tipos de crime» utilizada no n.º 1 do artigo 30º,
tem o significado de «tipo legal objectivo e subjectivo», a significar que a vontade culpável,
como dolo ou como negligente só acto de vontade ou por actos plúrimos da vontade, deve
ter por objecto todos os crimes concorrentes, que serão dolosos ou culposos, consoante a

17
vontade tomar quanto a cada um deles a forma de dolo ou negligência[46]. Fixado o
sentido da norma do n.º 1 do artigo 30º, passemos ao exame e análise do seu n.º 2.

É o seguinte o seu teor textual: «Constitui um só crime continuado a realização plúrima do


mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o
mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da
solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do
agente». Como já se referiu e claramente decorre do respectivo texto, pretendem-se aqui
regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo
mesmo agente, quer por violação do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários
tipos legais de crime, o legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-
las como se um só crime houvesse ocorrido.

(…)

. O Tribunal da Relação agravou a pena aplicada em 1ª instância ao arguido AA de 1 ano e


5 meses de prisão para 2 anos de prisão, com o fundamento de que o tribunal colectivo
não fez uso do mesmo critério para os restantes casos, sendo demasiado benevolente,
tanto mais que a peita aqui verificada atingiu o montante de 8.173.750$00. Nada temos a
censurar a tal agravamento, o qual se mostra amplamente justificado, razão pela qual
improcede o recurso do arguido AA nesta parte.

(…)

O Tribunal da Relação condenou os arguidos CC, AA e BB, respectivamente, nas penas


conjuntas de 5 anos e 10 meses de prisão, 8 anos de prisão e 5 anos e 10 meses de prisão.
Este Supremo Tribunal, po acórdão reformando confirmou as penas impostas aos arguidos
CC e BB, tendo reduzido para 6 anos e 6 meses de prisão a pena cominada ao arguido AA.
Em função das decisões anteriormente tomadas no que concerne à prescrição do
procedimento criminal relativamente a alguns dos crimes perpetrados pelos arguidos AA e
BB, certo é que os crimes ora em são os mesmos que estiveram subjacentes à decisão
reformanda, razão pela qual convirá começar por enumerar os crimes e as penas em
concurso a ter em atenção na fixação das penas conjuntas dos arguid BB.

Relativamente ao arguido CC, atenta a rejeição do seu recurso, com excepção da parte
atinente à pena única, há que considerar os crimes, todos eles de corrupção passiva para
18
acto ilícito (por referências às respectivas), e penas seguintes: - UUU – 1 ano e 3 meses de
prisão; - VVV – 1 ano e 6 meses de prisão; - XXX – 1 ano e 2 meses de prisão; - UUUUU – 1
ano e 6 meses de prisão; - NNNNN – 1 ano e 4 meses de prisão; - AAAA – 1 ano e 4 meses
de prisão; - BBBB – 1 ano e 3 meses de prisão; - DDDD – 1 ano e 4 meses de prisão; -
OOOOO – 1 ano e 4 meses de prisão; - PPPPP – 1 ano e 4 meses de prisão; - GGG G – 1 ano
e 4 meses de prisão; - LLLL e mulher – 1 ano e 4 meses de prisão; - III I e mulher – 1 ano e
2 meses de prisão; - MMMM – 1 ano e 3 meses de prisão; - RRRRR (JJJJ) – 2 anos de prisão;
- SSSSS e mulher – 1 ano e 3 meses de prisão; - OOOO – 1 ano e 3 meses de prisão; - PPPP
– 1 ano e 3 meses de prisão; - QQQQ – 1 ano e 2 meses de prisão; - SSSS e mulher – 1 ano
e 3 meses de prisão. No que diz respeito ao arguido AA há a considerar os seguintes crimes
de corrupção passiva para acto ilícito (por referência às falências respectivas), bem como
as seguintes penas: - QQ – 1 ano e 3 meses de prisão; - TT – 1 ano e 3 meses de prisão; -
XX & C.ª – 1 ano e 6 meses de prisão; - YY – 1 ano e 6 meses de prisão; - ZZ – 1 ano e 6
meses de prisão; - AAA – 1 ano e 6 meses de prisão; - BBB – 1 ano e 8 meses de prisão; -
CCC – 1 ano e 6 meses de prisão;

- DDD – 1 ano e 6 meses de prisão; - EEE – 1 ano e 6 meses de prisão; - FFF – 1 ano e 6
meses de prisão; - NNN – 1 ano e 6 meses prisão; - OOO.ª, Lda – 1 ano e 6 meses de prisão;
- PPP – 1 ano e 6 meses de prisão; - QQQ – 1 ano e 6 meses de prisão; - GGG – 1 ano e 5
meses de prisão; - HHH – 1 ano e 5 meses de prisão; - III – 1 ano e 5 meses de prisão; - LLL
LL – 2 anos de prisão; - DDD DDD DDD D e mulher – 1 ano e 5 meses de prisão; - MMM
MM e mulher – 1 ano e 5 meses de prisão. Há ainda que ter em atenção três crimes de
peculato, um cometido em co-autoria com o co-arguido RRR, punido com 3 anos de prisão,
dois perpetrados em co-autoria com os co-arguidos BB e DD, sancion e 1 mês de prisão e
1 ano de prisão. No que concerne ao arguido BB há que considerar os seguintes crimes de
corrupção activa para acto ilícito (por referência aos respectivos autores dos crimes de
corrupção passiva) e respectivas penas: - AA – 3 anos e 2 meses de prisão; - TTTT – 2 anos
e 6 meses de prisão; - CC – 2 anos e 11 meses de prisão; - ZZZZ – 2 anos e 6 meses de
prisão; - NNNNN – 2 anos e 3 meses de prisão; - GGG GG – 1 ano e 7 meses de prisão; - FFF
FF – 9 meses de prisão; - DDDDD – 9 meses de prisão; - ZZZZZ – 1 ano e 8 meses de prisão.
Há ainda a levar em conta dois crimes de peculato, ambos praticados em co-autoria com
os co-arguidos DD e AA, cujas penas foram fixadas em 1 ano e 1 mês de prisão e 1 ano de

19
prisão. Segundo preceitua o artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, a pena conjunta, através da
qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais
elevada das penas parcelares e as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos,
o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia no caso do
arguido CC entre o mínimo de 2 e o máximo de 25 anos, quanto situa-se entre o mínimo
de 3 e o máximo de 25 anos, sendo que relativamente ao arguido BB vai de um mínimo de
3 anos e 2 meses a um máximo de 20 anos e 2 meses. Este Supremo Tribunal no acórdão
reformando já se pronunciou sobre as penas conjuntas impostas pelo Tribunal da Relação
aos arguidos CC, AA e BB, razão pela qual o mesmo terá de ser aqui considera. É do seguinte
teor o segmento decisório atinente à sindicação das penas conjuntas: «E, passando a julgar
cada um dos Recorrentes, depois de fixar a respectiva moldura do concurso – e há que
dizer, desde já que, contrariamente ao alegado pelo arguido BB, a soma das penas
parcelares e condenado não enferma de erro; as diversas penas somam efectivamente 22
anos e 8 meses de prisão e não, como pretende, 20 anos e 8 meses .(…)

(…)

Como escreveu o jornal Público na sua edição corrente, citando o relatório da


Transparência Internacional, os portugueses apontam a corrupção como um dos principais
problemas do país. Aí se realça, além do mais, que os cidadãos vêem na riqueza um do
combate à corrupção, «percepção que aumenta com a prevalência de formas mais subtis
de corrupção»; que reina a impunidade sobre a corrupção; que «os administradores e
gestores de empresas surgem para os portugueses, como a classe que lidera a cadeia de
corrupção no país». No caso concreto, essa gravidade sai acrescida por os factos terem
ocorrido no âmbito da actividade jurisdicional do Estado, enfim, no seio dos tribunais, a
quem compete justamente reprimir essas condutas agentes ou colaboradores seus. (…) Há,
pois, premente necessidade de reafirmar a validade das normas que foram violadas pelos
Arguidos.

Por outro lado, como, aliás, vem dito no acórdão recorrido, a conduta dos Arguidos AA e
CC é altamente censurável, pelo especial dever de, consideradas as funções que
desempenhavam como liquidatários/administradores judiciais, recusarem
veementemente os subornos propostos pelo co-arguido Avelino e até de os denunciar.
Como passível de elevada censura é a conduta do arguido BB, por não se inibir de propor

20
os negócios pretendidos a um elevado número de liquidatários/administradores, de forma
persistente, quotidianamente, e durante vários anos, fazendo desta actividade verdadeiro
modo de proveitos da ordem de vários milhões de euros (cfr. nº 1202 dos “Factos
Provados"). Todos eles agiram com dolo directo e intenso. O conjunto dos factos provados
evidencia, por outro lado, uma muito elevada gravidade do ilícito global, pelo número de
factos típicos por todos cometidos, pelos proveitos que todos eles retiraram de ac
criminosa de que tratamos, pelo largo período de tempo em que essa actividade se
desenvolveu. Contrariamente ao sustentado no acórdão recorrido, ainda que a propósito
das penas parcelares, não cremos que, considerando a conduta global, se possa considerar
que a dos arguidos AA e CC se mostre m que a do co-arguido BB, por caberem na previsão
legal (crime de corrupção passiva para acto ilícito) «hipóteses objectivamente mais graves»
e os actos praticados pelos arguidos liquidatários não ultrapassa formalmente a esfera de
discricionariedade concedida por lei (cfr. fls. 1143).

Sem embargo de, relativamente a este factor, devermos fazer alguma discriminação
quantitativa, em função do número de processos em que os dois primeiros intervieram e
dos proveitos que tiraram dessa a cremos que todos eles merecem cenrura idêntica, por
todos eles se terem comprometido com o mesmo projecto criminoso, da iniciativa, é
verdade, do BB. De resto, e referindo-nos especialmente aos arguidos entendemos que a
corrupção clinicamente situada entre lícito e o ilícito, como será o caso, torna-a menos
visível, por isso mais eficaz e duradora, mais produtiva e lucrativa do ponto de vista dos
agentes

(…)

Alega o arguido AA ser inconstitucional a aplicação de qualquer pena de prisão, atento o


tempo já decorrido, por violação do n.º 4 do artigo 20º da Constituição da República,
segundo o qual todos têm o direito a uma decisão em prazo razoável, sendo que no caso
vertente já decorreram dezassete anos sobre os factos objecto do processo.

Certo é que segundo estabelece o n.º 4 do artigo 20º da Constituição da República todos
têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo
razoável e mediante processo equitativo. Começar-se-á por assinalar que o direito à
decisão da causa em prazo razoável, como qualquer outro, não é um direito absoluto. Por

21
outro lado, tal direito não pode ser considerado abstractamente, ou seja, avaliado em
função de cada causa, tendo em atenção os respectivos prazos procedimentais, a extensão,
dificuldade e complexidade do processo, bem como as delongas e dilações,
designadamente as decorrentes de incidentes intencionalmente provocados, com a
finalidade de dificultar a tramitação e atrasar as decisões interlocutórias e final. Por outro
lado, ainda, apenas os atrasos devidos às autoridades competentes e imputados ao Estado
e, por isso, só eles permitem apurar se há ou não violação do direito ora em apreciação.

No caso vertente estamos perante um procedimento muito extenso e complexo, no


decurso do qual os sujeitos processuais, com destaque para alguns dos arguidos, utilizaram
todos os mecanismos e procedi processualmente previstos, configurando-se alguns dos
quais como dilatórios.

Convirá ainda ter presente que em processo criminal, especialmente em casos de


condenação do arguido em todas as instâncias verifica, é do próprio interesse do arguido
a delonga da tramitação, visto que susceptível de conduzir à prescrição.

No presente processo, após a instrução, já houve lugar a dois julgamentos em 1ª instância,


dois julgamentos na 2ª instância, sendo esta decisão a segunda a ser proferida por este
Supremo Tribunal, sem esquecer os múltiplos recursos interpostos pelos arguidos para o
Tribunal Constitucional. Destarte, entendemos não se verificar a inconstitucionalidade
arguida, tanto mais que a eventual violação do direito à decisão da causa em prazo razoável
não tem por natural consequência a impossibilidade do arguido, impossibilidade que o
legislador só prevê quando o atraso verificado dá lugar à prescrição do procedimento.

(…)

Assim sendo certo é que a questão ora em apreciação terá de ser decidida por aplicação
da lei substantiva penal resultante do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março. Estabelece o
artigo 111º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de
Março:

((….)

Como se referiu nas Actas da Comissão Revisora do Código Penal (in B.MJ. n° 290, págs. 96
e 97), cura-se neste artigo de dar um conceito de funcionário público. Em vez de a respeito

22
de cada tipo de crim uma definição conceitual de funcionário público, achou-se melhor
técnica legislativa estabelecer num artigo final tal conceito. Como base deve admitir-se que
o conceito válido para o Código Penal não tem sequer assentar noutros conceitos
estabelecidos para outros domínios do direito.” O conceito de funcionário para efeitos
penais definido na alínea c) do n° 1 do art. 386° do C.P. é um conceito “alargado” e
autónomo, que se extrai “não por interpretação analógica, ou mesmo extensiva, ma
interpretação declarativa” e que se justifica por razões de política criminal. Como refere
Maia Gonçalves (in “Código Penal Português, Anotado e Comentado”, 14ª edição, pág.
997), “os fins específicos da se compadeceriam com uma fórmula restrita, que excluísse
designadamente aqueles a quem são cometidas funções em serviços públicos sem
permanência bastante para que, em Direito Administrativo, pos se funcionários públicos. E
daí terem sido, com frequência, considerados funcionários públicos, para efeitos penais,
certos indivíduos desempenhando aquelas funções, não obstante poderem ser livremente
exonerados. É, fundamentalmente, a natureza das funções exercidas que dita e empresta
a qualidade de funcionário a quem as exerce, isto segundo o critério da lei penal…”. Assim,
e como justamente se acentua no despacho de pronúncia proferido nos presentes autos
(convocando o Parecer n° 60/57, de 11 de Março de 1959 da Procuradoria Geral da
República, in B.MJ. nº 88, evidente que o liquidatário judicial não é funcionário público, de
acordo com o conceito próprio do Direito Administrativo, por, no caso, não concorrerem
os requisitos da investidura (feita directamente pel Administração, e aceita
voluntariamente pelo investido), do cargo (que deve fazer parte dos quadros permanentes
da Administração e envolver a prestação de trabalho não manual, ou predominantemente
in como do exercício das funções (que deve implicar certa estabilidade e permanência,
suscetível de determinar a profissionalidade das funções). Também Leal Henriques e
Simas Santos (in “Código Penal Anotado”, 3ª edição, páginas 1650 e 1651), afirmando que
o conceito de funcionário estabelecido no n° 1 do art. 386° do C.P. é indiscutivelmente que
o conceito meramente administrativo, dizem o seguinte: “a elasticidade da lei, neste
âmbito, tem justificada razão, atendendo às múltiplas situações em que podem estar
envolvidos cidIIIIIs não rigorosa funcionários, no sentido tradicional do termo, e que de
outro modo não sofreriam censura jurídico-criminal ajustada aos seus atos, sendo certo
que o seu comportamento não se afasta daquele que decorre do públicos como tal.

23
Daí que a noção de funcionário, para estes fins, esteja intimamente ligada à ideia de função,
que não propriamente ao formalismo da qualidade do agente”. Salienta, por seu turno,
Damião da Cunha (in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, obra citada, página
808 e ss.) que o Autor do Anteprojecto justificou a persistência desta disposição com a
necessidade de um conceito de funcionário suficientemente abrangente para que se não
verificassem lacunas de punibilidade.

De resto, corresponde a uma necessidade sentida pela generalidade das legislações penais,
embora a formulação e o âmbito de aplicação desses conceitos nem sempre sej
coincidentes.” Refere, ainda, que no art. 386º-1, a denominação de funcionário é
determinada por duas considerações: ou por o agente ter uma qualificação subjectiva (a
vinculação ou integração num serviço) ou por uma ordem material-objectiva: o
desempenho de funções num serviço público ou jurisdicional (ou se se quiser, de forma
mais geral, num serviço público enquanto satisfação de uma necessidade colectiva sentida
- cf. MARCELLO CAETANO, cit. 1067.

Por outro lado, a referência à função jurisdicional, apenas vem clarificar o âmbito de um
serviço público. De facto, poderia ser duvidoso se a função jurisdicional caberia no âmbito
da Administração, enquanto por outro lado, poderia haver dúvidas na eventual distinção
entre função jurisdicional e administração da Justiça (esta também uma forma de
Administração).

Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 20/6/2012 (disponível em


www.dgsi.pt/jtrc.nsf), o conceito de funcionário, para o direito penal, consagra qualquer
atividade realizada com fins próprios e a atividade relacionada com a liquidação de
patrimónios em processo de falência (assim como a venda em ação executiva) é fim próprio
do Estado levada a efeitos através do órgão de soberania competente De resto, e como é
salientado neste aresto, a alínea c) do mencionado art. 386º do CP, previa a qualificação
com tal qualidade (de funcionário), para efeitos da lei penal, para todas as pessoas que sem
vinculo ou pessoal, e por qualquer forma (temporária ou provisoriamente, a título oneroso
ou gratuito, voluntária ou obrigatoriamente) hajam sido chamadas a desempenhar ou a
participar no desempenho de uma atividade compreendida na função pública
administrativa ou jurisdicional (conceito alargado de funcionário). E, acentuando que
aquele preceito legal nada tem de inovador – tendo-se limitado a Revisão de 1995 a c que

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já era definido e pode efetivamente ser considerado como o conceito alargado de
funcionário, para efeitos da lei penal, que já antes se continha no art. 437º do mesmo
diploma legal, antes da citada revi que, tanto ao nível da doutrina como da jurisprudência,
sempre se considerou que basta que o agente participe no desempenho de qualquer
dessas atividades, não sendo necessário que esteja sujeito a uma q orgânica efetiva com a
Administração Pública. Assim, embora o seu cargo não faça parte dos quadros
permanentes da Administração e o exercício das respetivas funções se revista de carácter
temporário, o liquidatário judicial (nomeado pelo Juiz na se declaração de falência – artigos
128°, n° 1, alínea f), 132°, 133º e 135° do C.P.E.R.E.F. e 2° do D.L. 254/93 de 15/7) é
chamado a desempenhar, mediante remuneração (atribuída pelo Tribunal, de harmonia
com o disposto no art. 133º daquele Código e art. 5º do referido Decreto-Lei), uma
atividade compreendida na função pública jurisdicional. Como se refere no acórdão da
Relação do Porto de 6/10/97 (publicado na CJ, Ano XXII, Tomo IV, página 213), “(…) o
liquidatário judicial não é um interveniente acidental no processo de falência, mas antes
interveniente obrigatório, imprescindível e essencial nesse processo, com estatuto próprio
definido em lei especial”. O liquidatário judicial é nomeado pelo Juiz na sentença que
declarar a falência – arts. 128° n° 1, b) e 132° do C.P.E.R.E.F. – devendo a sua nomeação
recair sempre em pessoa alheia aos credores e ao falido garantir a sua total independência
e isenção como salvaguarda dos interesses de todos os credores. Daí que os liquidatários
judiciais estejam sujeitos aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes, bem como
às regras gerais sobre incompatibilidades aplicáveis aos titulares de órgãos sociais das
sociedades.

(…)

Também neste aresto da Relação de Coimbra se defende que “tanto os liquidatários em


processo de insolvência como os louvados/peritos/a bens em processo de insolvência ou
de execução, bem como os encarregados da venda, ainda que meros coadjuvantes
daqueles liquidatários devem considerar-se funcionários para efeitos da redaç resultante
da revisão de 1995 do Código Penal, “qualidade essa que é extensível aos demais
comparticipantes dos factos com tal atividade relacionados e com relevância penal”.
“Resumindo, aquele que, sem o ser, juntamente com um funcionário (que pode ser
meramente ocasional, nos termos já assinalados) com dos que exigem aquela qualidade

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para que se verifiquem, incorre também na prática do mesmo delito”. Concluímos, assim,
sem qualquer hesitação, pela verificação da qualidade de funcionário, para efeitos penais,
relativamente aos liquidatários judiciais. Como já foi salientado no despacho de pronúncia
p autos, tendo em vista o seu Estatuto e as competências que a lei lhe confere, se não
executa, pelo menos participa no desempenho da atividade judicial de composição dos
interesses dos credores e do falido um processo judicial, o processo de falência, de acordo
com atribuições definidas por lei, prosseguindo o interesse público da
composição/satisfação de uma pluralidade de interesses particulares – em últim próprio
interesse público visa a satisfação de uma pluralidade de interesses particulares –, pelo
que, durante tal lapso de tempo e exclusivamente para efeitos penais, deve ser
considerado funcionário público consequentemente abrangido pela alínea c) do n° 1 do
art. 386° do C.P

(…)

(…)

A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder


à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime.
Só assim se consegue político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo
crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin,
Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução Conde – 1981), 96/98. [50] - Vide
Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e
Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos
outros, o acórdão de Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192. [51] Relembre-se que a
doutrina e a jurisprudência prevalecentes conceberam, durante larguíssimas décadas, a
corrupção ativa e a passiva como duas faces de uma mesma moeda, de um todo que só
atingiri completude típica jurídico-penal em caso de verificação de bilateralidade de
comportamentos.[52] - Cf. Irineu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do
Homem Anotada (3ª edição), 148. [53] - Actas das Sessões (1965), I, 61/63.

* Voto de Vencido

Mantenho posição já expressa nos presentes autos em circunstâncias análogas e, assim,


subscrevo o presente acórdão exceptuando o segmento respeitante às penas conjuntas

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aplicadas aos arguidos BB e CC Efectivamente, a determinação da mesma convoca uma
questão fundamental que se reconduz à própria finalidade da pena. No que concerne
também nós estamos em crer que a eficácia preventiva da pena é relação aos delinquentes
potenciais (prevenção geral) ou em relação àqueles que cometeram crimes (prevenção
especial), assumindo formas diversas conforme a finalidade pretendida A legitimidade da
pena está conexionada com a sua eficácia preventiva e o respeito do princípio da
proporcionalidade que terá sempre um papel de limite de garantia. A pena é legítima
quando, sem ultrapassa decorrentes do princípio da proporcionalidade, é eficaz do ponto
de vista da prevenção, mais especificamente quando fornece o máximo de eficácia
preventiva atendendo tanto ao seu efeito preventivo geral eficácia preventiva especial
(papel preventivo limitado pelo princípio da proporcionalidade). A teoria da dissuasão
(prevenção intimidatória) parte exactamente do princípio de que a ameaça de um mal
produz um efeito intimidatório que influencia a decisão de cometer, ou não, o
comportamento sancionado

Efectivamente, o efeito de intimidação pressupõe no homem racional uma análise de


custo-benefício, ou seja, a consideração da utilidade do crime e das suas consequências:-
dos prós e contras especificamente, no facto de os benefícios associados com a realização
do comportamento serem superiores aos custos.

A decisão de cometer um crime pode ser, e é muitas vezes, uma decisão racional, ou seja,
uma decisão baseada na consideração da utilidade de suas consequências: os custos e
benefícios do crime e, mais e se os benefícios superam o custo. Congregando-se no
segmento dos potenciais custos a decisão de não cometer o crime pode, numa perspectiva
racional, depender do efeito inibidor que assumem certeza, a severidade e rapidez da
punição. Como é evidente tal efeito inibidor da penalidade imposta, mas não executada, é
menor do que uma pena que é executada. Consequentemente, a possibilidade de
suspensão da execução diminui a restrição p inscrita na certeza da execução. Pode-se
afirmar que a suspensão da execução diminui sua gravidade e, consequentemente, diminui
a capacidade intimidatória e a possibilidade de implementar um efeito preventivo a nível
geral. A suspensão da sentença provoca uma redução da gravidade, que, por sua vez,
provoca uma diminuição da capacidade intimidatória da ameaça de punição, que, por seu
turno, também implica uma redução de sua eficácia em geral. Tal diminuição do efeito

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intimidatório é mais evidente em função do agente que pauta a sua conduta em função de
critérios de racionalidade, como é o caso do crime económico

Assim sendo não teríamos qualquer dúvida em subscrever a mesma decisão neste
segmento específico não fora o decurso do tempo verificado. Na verdade, como referem
Maurach,Gossel e Zipf (Derecho P General Editorial Astreia pag 731) “uma duração
excessiva do processo não representa um impedimento processual mas, deve ser valorada
em favor do arguido no momento da determinação da pena. Isso efeito que tem sobre o
acusado uma larga duração do processo e por outro a menor necessidade de castigo pelo
facto provocada pelo decurso do tempo razão pela qual também é possível que uma
duração processo possa conduzir á negação da existência de um interesse publico na
perseguição penal”. A necessidade da pena, do ponto de vista retributivo e da prevenção
geral, e ainda do ponto de vista do fim da pena, dilui-se a pouco e pouco com o decurso
progressivo do tempo e acaba, finalmente, por desaparecer (cfr. Leal-Henriques e Simas
Santos, CP Anotado, 3.ª edição, 1.º volume, p. 1213). No caso concreto o decurso do tempo
aliado às circunstâncias concretas dos referidos arguidos são suficientemente densas para
fundamentar a convicção da diluição das exigências preventivas com reflexo conjunta e da
sua substituição por uma pena de «suspensão», na medida em que esta, no novo contexto
se poderia considerar apta «a realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da
punição» e isto os mesmos arguidos entregarem ao Estado as quantias determinadas em
função dos montantes ilicitamente obtidos, ou seja, 1.000.000 € e 206.837,38€.

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