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Governo Federal

Dilma Vana Rousseff


Presidente

Ministério da Educação
Aluísio Mercadante
Ministro

CAPES
Jorge Almeida Guimarães
Presidente

Diretor de Educação a Distância


João Carlos Teatini de Souza Clímaco

Governo do Estado
Ricardo Vieira Coutinho
Governador

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA


Marlene Alves Sousa Luna
Reitora

Aldo Bezerra Maciel


Vice-Reitor

Pró-Reitor de Ensino de Graduação


Eli Brandão da Silva

Coordenação Institucional de Programas Especiais – CIPE


Secretaria de Educação a Distância – SEAD
Eliane de Moura Silva

Assessora de EAD
Coord. da Universidade Aberta do Brasil - UAB/UEPB
Cecília Queiroz
Maria de Fátima Coutinho Sousa

Literatura Brasileira I

Campina Grande-PB
2012
Universidade Estadual da Paraíba
Marlene Alves Sousa Luna
Reitora
Editora da Universidade
Estadual da Paraíba
Aldo Bezerra Maciel
Vice-Reitor
Diretor
Pró-Reitora de Ensino de Graduação
Cidoval Morais de Sousa
Eli Brandão
Coordenação de Editoração
Arão de Azevedo Souza Coordenação Institucional de Programas Especiais-CIPE
Secretaria de Educação a Distância – SEAD
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Conselho Editorial
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Joviana Quintes Avanci - FIOCRUZ Ítalo Brito Vilarim
Rosilda Alves Bezerra - UEPB
Waleska Silveira Lira - UEPB Projeto Gráfico
Arão de Azevêdo Souza

Revisora de Linguagem em EAD


Rossana Delmar de Lima Arcoverde (UFCG)

Revisão Linguística
Maria Divanira de Lima Arcoverde (UEPB)

Diagramação
Arão de Azevêdo Souza
Gabriel Granja

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL - UEPB

B869
S725l Sousa, Maria de Fátima Coutinho.
Literatura Brasileira I./ Maria de Fátima Coutinho Sousa; UEPB/ Coordenadoria
Institucional de Programas Especiais, Secretaria de Educação a Distância._
Campina Grande: EDUEPB, 2012.
205 p.: Il. Color.

ISBN 978-85-7879-109-4

1. Literatura Brasileira I. Título. II.EDUEPB/ Coordenadoria Institucional de


Programas Especiais.
21. ed.CDD

EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA


Rua Baraúnas, 351 - Bodocongó - Bairro Universitário - Campina Grande-PB - CEP 58429-500
Fone/Fax: (83) 3315-3381 - http://eduepb.uepb.edu.br - email: eduepb@uepb.edu.br
Sumário
I Unidade
Viajando com os portugueses......................................................................7

II Unidade
Em terra firme..........................................................................................25

III Unidade
Em meio à instabilidade, vive-se o Barroco................................................49

VI Unidade
O locus amoenus, uma nova forma de viver...............................................71

V Unidade
Vivendo o ideário de Liberdade, Igualdade e Fraternidade..........................95

VI Unidade
Identidade nacional e Romantismo no Brasil.............................................117

VII Unidade
Viajantes sobre um mar de desenvolvimento, descrença e solidão.............145

VIII Unidade
Terceira geração romântica, última etapa dessa Viagem Literária...............175
I UNIDADE

Viajando com os portugueses

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  7


Apresentação
Caro (a) aluno (a),

Estamos iniciando uma nova


etapa do curso, um novo compo-
nente curricular. Para vivenciá-la,
convido-o a acompanhar-me em
uma viagem, uma viagem literária,
cujo roteiro nos levará, através do
túnel do tempo, de 1500 a 1881.
Difícil acreditar não? Garanto
que será uma experiência surpre-
endente: misto de ficção e realida-
de.
Conversaremos sobre Literatura
e História, fios de um tecido que se cruzam e se entrelaçam
em uma urdidura para “contar”, em diferentes linguagens, a
saga da humanidade.
Para tanto, precisamos voltar à máquina do tempo, pre-
cisamente 1500, época em que Portugal vivia o seu apogeu
como uma das grandes nações do mundo europeu, resulta-
do, sobretudo, das grandes navegações marítimas.
Necessário se faz situá-lo (a) em relação aos porquês e às
causas dessa busca por “mares nunca dantes navegados”.
Antes de adentrarmos mar adentro, quero lembrá-lo de
que caso surjam algumas dúvidas, procure seus colegas e
consulte-os, eles podem ajudá-lo, bem como amigos que
já estudaram esse assunto. Lembre-se de que seu tutor está
sempre pronto a orientá-lo e que você pode, ainda, enviar
uma mensagem no AVA.

 8 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Causas das navegações
Antes das longas viagens marítimas, iniciadas pelos por-
tugueses no século XV, os europeus comerciavam com o
Oriente pelo Mediterrâneo. As mercadorias orientais mais
procuradas eram as drogas e as especiarias da Índia (pi-
menta, cravo e canela), os tecidos da Pérsia e os objetos de
porcelana fabricados na China.
Todos esses artigos eram levados até Constantinopla,
onde aguardavam os navios dos genoveses e venezianos,
que os transportavam para os vários países da Europa. Cons-
tantinopla, como podemos inferir, era o grande centro de
distribuição das mercadorias orientais e o elo comercial entre
Oriente e Ocidente, através do Mediterrâneo. Em 1453, os
turcos, muçulmanos e inimigos dos cristãos, tomam Constan-
tinopla e proíbem o livre comércio com os europeus.
Como consequência, pode-se afirmar que a tomada de
Constantinopla foi uma das causas das grandes navegações.
Outro fator foi o desenvolvimento da arte da navegação,
bem como o conhecimento, no mundo ocidental, da bússo-
la e do astrolábio objetos norteadores de extrema utilidade
para navegadores. Datam dessa época o surgimento de um
novo tipo de barco – as caravelas - e da vela triangular que
muito contribuíram para o sucesso das viagens marítimas.
Junto a tudo isso, é relevante informar a orientação religiosa
dada pelos soberanos europeus para a conversão dos povos
do oriente, justificando-se, assim, a presença de religiosos na
tripulação dos navios.

As viagens portuguesas

Foi um príncipe, o Infante Dom


Henrique, apelidado de o Navega-
dor, quem iniciou as grandes nave-
gações de Portugal. Depois de uma
expedição ao norte da África, onde
obteve importantes informações so-
bre a costa desse continente, o In-
fante Dom Henrique resolveu trans-
formar a sua residência em uma
escola para marinheiros, a famosa

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  9


Escola de Sagres, onde os portugueses aprendiam a arte de
navegar e de compreender os portulanos, cartas pelas quais
se guiavam os pilotos daquele tempo.
Chegamos, enfim, a 1500, época em que os portugueses
aqui chegaram, “ descobrindo o Brasil”.
Após esse preâmbulo, iniciaremos a nossa aula propria-
mente dita, acompanhando, por meio de registros, a presen-
ça e a influência de portugueses e de outros povos que aqui
aportaram.

Objetivos
Nessa perspectiva, traçamos objetivos que esperamos que você
atinja ao final deste encontro. Vejamos:
• Entender o entrelaçamento da História com a Literatura;
• Compreender a Literatura como reflexo do homem como ser
social e histórico;
• Conhecer a Literatura de Informação;
• Compreender a Literatura Jesuítica;
• Analisar textos produzidos nos diferentes contextos da época:
político, social e individual.

 10 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


TEXTO 1

Iniciando a viagem
No princípio, a curiosidade, o desafio, a necessidade
de expandir-se.
Estávamos em meados de 1400 e início de 1500,
período do crescimento mercantilista europeu, que aten-
dia aos interesses econômicos da precoce monarquia
absolutista portuguesa, que buscava, urgentemente, re-
tomar a comercialização interrompida pelos turcos. Por-
tugal envia Vasco da Gama às Índias, monopoliza o co-
mércio das especiarias e de outros produtos asiáticos. O
temido Cabo das Tormentas, bastante temido pelos via-
jantes europeus, recebe, após as viagens vitoriosas dos
portugueses, um novo nome: Cabo da Boa Esperança.
No início de nossa conversa, eu para vocês que
literatura e história formam um tecido. Lembram? Os fios
começam a se unir e a formar a urdidura da nossa histó-
ria literária. Atente para o texto a seguir:

Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal


São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena


Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
(In Fernando Pessoa, Mensagem)

Esse poema, escrito muitos tempo depois do início das grandes


navegações, deixa, bem claro, o entrelaçamento entre literatura e
história. Os fatos cantados e decantados da História de Portugal são
ficcionados, transformando-se em poesia, em Literatura.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  11


Acredito que agora, você entendeu como essas duas áreas do co-
nhecimento se entrelaçam formando um tecido. Ficção e realidade se
juntam, formando uma teia, tecido espesso e cheio de significados.

Atividade I

Para melhor fixar nossa conversa, pesquise e responda os questionamentos a


seguir.

a) Quem foi Fernando Pessoa? Em que época viveu?

b) Você percebeu, de fato, alguma correspondência entre o tema de nossa aula


e o poema?

c) Nas aulas de História, você já havia ouvido falar sobre o Bojador? Que
informações pode nos dar sobre esse acidente geográfico?
dica. utilize o bloco
de anotações para
d) Como você interpreta os dois primeiros versos do poema? Comente-os.
responder as atividades!

Descobrindo o Brasil
A frota de Pedro Álvares Cabral não se destinava à exploração de
terras desconhecidas, mas sim concretizar o comércio estabelecido em
Calicute. Para fugir das correntes marítimas, a frota afastou-se muito
do continente africano. O desvio involuntário permitiu confirmar a exis-
tência de terras a oeste da rota de Vasco da Gama. Estava descoberto
o Brasil, território que os índios denominavam de Pindorama (terra das
palmeiras), e os portugueses, em um primeiro momento, de Ilha de
Vera Cruz.
O descobrimento da nova terra não chegou a ter a mesma importân-
cia que o comércio com as índias. A terra prometia pouco, pois aparen-
temente era pobre de especiarias e metais preciosos, apenas o pau-brasil

 12 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


mereceu algum entusiasmo. Nos primeiros anos, coube a Fernando de
Noronha explorar o comércio de pau-brasil com mão de obra indígena
e defender a terra contra a cobiça e a pirataria de outros povos.

TEXTO 2

A Literatura de Informação
Com a descoberta do Brasil, em 1500, era preciso informar o rei
de Portugal sobre a nova terra. Para que isso ocorresse, junto às expe-
dições vinham cronistas, a quem cabia tal tarefa.
Escrito sempre do ponto de vista do conquistador português, os
textos informativos relatavam o encantamento e as intenções dos con-
quistadores diante da nova terra.
O primeiro registro informativo a respeito do Brasil foi a Carta de
Pero Vaz de Caminha ao rei Dom Manuel. Iniciava, assim, a Literatura
de Informação.
Leia dois pequenos fragmentos da carta de Caminha

“ Senhor, posto que o capitão-mor dessa vossa frota e assim os


outros capitães escrevam a vossa alteza a nova do achamento des-
sa vossa terra nova, que se ora nesta navegação achou, não deixarei
também de dar disso a minha com conta a vossa alteza assim como eu
melhor poder ajudar que para o bem contar e falar o saiba pior que
todos fazer. Mas tome vossa alteza minha ignorância por boa vontade
a qual bem certo creia que por embelezar nem enfeiar haja aqui pôr
mais do que vi e me pareceu. Da marinhagem e da navegação do ca-
minho não darei aqui conta a vossa alteza porque não saberei fazer e
os pilotos devem ter se cuidado e portanto, Senhor, do que hei de falar
começo e digo.
......................................................................................................
A feição deles é serem pardos, maneira d’ avermelhados , de bons
rostos e bons narizes bem-feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura,
nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas vergonhas e
estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar o rosto.”
A seguir, leia o fragmento de autoria de Pero de Magalhães Gân-
davo:
“ Não se pode numerar nem compreender a multidão de barbaro
gentio que semeou a natureza por toda essa terra do Brasil; porque nin-
guém pode pelo sertão dentro caminhar seguro, nem passar por terra
onde não acha povoações de índios armados contra todas as nações

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  13


humanas, e assi como são muitos permitiu Deos que fossem contrarios
huns dos outros, e que houvesse entrelles grandes odios e discórdias,
porque se assi não fosse os portuguezes não poderião viver na terra
nem seria possível conquistar tamanho poder de gente.
......................................................................................................

A língua deste gentio toda pela Costa he huma: carece de três letras
– scilicit (latim, a saber), não se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna
de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira
vivem sem Justiça e desordenadamente.
Estes índios andão nus sem cobertura alguma, assi machos como
femeas ; não cobrem parte nenhuma de seu corpo, e trazem descober-
to quanto a natureza lhes deu. [...]

Atividade II
A título de fixação

Os dois autores registram, de forma distinta, as impressões causadas pelos


nativos e por seus costumes. Transcreva o trecho em que Caminha exprime sua
visão.

Transcreva o trecho em que Caminha informa que irá escrever de forma


imparcial.

Em relação ao texto de Gândavo, que contrassenso existe no primeiro parágrafo?

Ainda em relação ao trecho de autoria de Gândavo, como você interpreta


o posicionamento dele ao citar a ausência do F, do R e do L na língua dos
indígenas?

Os dois autores apresentam concordância em um determinado aspecto sobre


os nativos. Cite esse aspecto.

 14 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Para finalizar, podemos resumir a Literatura de Informação em dois
grupos:
a) Documentos, cartas e relatórios de navegantes, de administra-
dores, de missionários e de autoridades eclesiásticas. Os mais impor-
tantes:
• a carta de Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral,
relatando o descobrimento da nova terra (1500);
• o Diário de navegação de Pero Lopes de Sousa, escrivão da
frota de Martim Afonso de Sousa (1530);
• as cartas e os relatórios dos missionários jesuítas.

b) Obras que se ocupam da descrição da nova terra e de seus ha-


bitantes, traduzindo o impacto causado pela exuberância da natureza
tropical e os estranhos costumes dos índios. As mais importantes:
• Diálogo sobre a conversão do gentio, de Pe. Manuel da Nó-
brega;
• Tratado da terra do Brasil e História da Província de Santa Cruz
a que vulgarmente chamamos Brasil, ambas do humanista por-
tuguês Pero de Magalhães Gândavo (1576);
• Tratados da terra e gente do Brasil, de Pe. Fernão Cardim;
• Tratado descritivo do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa ( 1587);
• Diálogos das grandezas do Brasil, de Ambrósio Fernandes
Brandão (1618);
• História do Brasil, de Frei Vicente de Salvador (1627).
dica. utilize o bloco
Essas obras, representativas desse período, são importantes fontes docu- de anotações para
mentais para o estudo do primeiro século da colonização. Não são consi- responder as atividades!
derados textos literários, entretanto serviram, ao longo de nossa história, de
inspiração a poetas e prosadores das mais diferentes tendências de época.

TEXTO 3

Literatura Jesuítica
ou de Catequese
A Literatura Jesuítica ou Catequética, como o próprio nome sugere,
tem como representantes os padres da Companhia de Jesus que vie-
ram ao Brasil com a missão de catequizar índios para aceitação da fé
católica, em nome da Coroa portuguesa. Coube também aos jesuítas
o papel de educadores, sendo responsáveis pela implantação dos pri-
meiros colégios aqui na província.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  15


A atividade cultural dos jesuítas norteava-se em duas direções bem
definidas: a catequese do indígena, como já dito, a fim de torná-lo so-
cialmente útil e convertê-lo ao Cristianismo; e a educação dos colonos,
fascinados pela liberdade paradisíaca que desfrutavam na terra ainda
inexplorada. Cartas, relatórios, informações da terra, gramática, poesia
e obras para teatro, tinham como finalidade notificar os superiores dos
negócios missionários em solo brasileiro. Já os últimos, destinavam-se
ao trabalho pedagógico. De todas somente a poesia e o teatro conti-
nham caráter literário.
Os autos, peças teatrais inspiradas em passagens bíblicas, eram
encenados para os índios, para os colonos, marujos e comerciantes,
com o objetivo de incutir-lhes a moral e os dogmas católicos. Quando
direcionados especificamente aos indígenas, os autos eram encenados
em tupi.
Embora a preocupação maior fosse com a catequese, a produção
literária dos jesuítas, do ponto de vista estético, foi a melhor do Qui-
nhentismo ( período relativo a 1500) brasileiro.
Wilson Martins, citado por José de Nicola ( 1998), assim se refere
aos padres da Companhia de Jesus:
“ Quaisquer que sejam os méritos especificamente pedagógicos do
ensino jesuítico, não há como negar que era mentalmente conservador,
reacionário com relação às orientações reformistas da época e anti-
científico; estruturalmente, estava condenado por antecipação antes a
imobilizar do que a promover o desenvolvimento intelectual do Brasil
(simples prolongamento do que então ocorria em Portugal).
......................................................................................................

Além disso, é preciso notar que o latim era, no caso, não um ins-
trumento de cultura intelectual, mas um instrumento indireto de cate-
quese, destinando-se, como se destinava, à formação de missionários.
É preciso aceitar a ideia de que a catequese, e não a instrução, era o
único propósito dos jesuítas e a própria razão de suas atividades. Não
vai nessa observação censura alguma, mas apenas o desejo de ver
claro num processo que os historiadores têm geralmente desfigurado
através de interpretações superficiais. A conquista espiritual do Brasil
pelos jesuítas foi, no século XVI,
um prolongamento da ideologia
medieval; ninguém poderia sim-
bolizá-la melhor, nas perspectivas
da história intelectual, do que José
de Anchieta.”
Para os estudiosos da Literatu-
ra Jesuítica, merecem destaque:
Padre José de Anchieta, Padre Ma-
nuel da Nóbrega.
Padre José de Anchieta é autor
da primeira gramática em tupi-

 16 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


-guarani – Arte da gramática da língua mais usada na costa do Brasil,
escreveu grande número de poesias e autos. “Apesar de não haver
nascido no Brasil, Anchieta foi poeta brasileiro e nacional – escreveu
no Brasil, em função dos problemas brasileiros, codificou a língua de
nosso selvagem, poetou nessa língua; escreveu para ensinar o traba-
lho, a ordem, a fidelidade ao colonizador, a colaboração, o repúdio ao
vício que corroi o progresso.” Cumpriu, com denodo, a sua missão de
levantar as primeiras fortalezas de fé e consciência nacional. Seus au-
tos seguiam o modelo introduzido por Gil Vicente, poeta e dramaturgo
português, misturando a moral religiosa aos costumes dos indígenas,
com a preocupação de ressaltar os dois extremos, o Bem e o Mal, o
Anjo e o Diabo.
Vejamos dois exemplos de sua produção poética:

Amor de Deus (poesia devocional)

Ama a Deus, que te criou


homem, de Deus muito amado!
Ama com todo cuidado
a quem primeiro te amou.

Seu próprio Filho entregou


à morte, por te salvar.
Que mais te podia dar,
se tudo o que tem te doou?

Por mandado do Senhor,


te disse o que tens ouvido.
Abre todo teu sentido,
porque eu, que sou seu Amor,
seja em ti bem imprimido.

Auto de São Lourenço ( texto de caráter didático)

Este auto foi representado no terreiro da capela de São Lourenço,


sobre o Morro de São Lourenço, em Niteroi, presume-se que em 10 de
agosto de 1583. A peça é composta de 1493 versos. Tem como per-
sonagens: Guaixará – rei dos diabos, Aimbirê e Saravaia – criados de
Guaixará, Tataurana, Urubu e Jaguaruçu –companheiros dos diabos,
Valeriano e Décio – Imperadores romanos.
São Sebastião – padroeiro do Rio de Janeiro, São Lourenço – pa-
droeiro da aldeia do mesmo nome, Velha, Anjo, Temor de Deus, Amor
de Deus, Cativos e Acompanhantes.
Após uma leitura acurada do auto, pressente-se que o indígena, até
a chegada dos portugueses, vivia pacificamente com o diabo. O Mal é
representado pelos demônios e assessores, todos nomeados em tupi. Já os
personagens do Bem apresentam nomes representativos dos portugueses.
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  17
Situando o leitor (a)
O texto é dividido em cinco atos. O primeiro apresenta o martírio
de São Lourenço, daí decorrem os demais. Após o martírio, Guaixará
chama Aimbirê e Saravaia para ajudarem a perverter a aldeia. São
Lourenço a defende, São Sebastião prende os demônios. Um Anjo
manda-os sufocarem Décio e Valeriano. Quatro companheiros acor-
rem para auxiliar os demônios. Os imperadores recordam façanhas,
quando Aimbirê se aproxima. O calor que se desprende dele abrasa
os imperadores, que suplicam a morte. O Anjo, o Temor de Deus e o
Amor de Deus aconselham a caridade, contrição e confiança em São
Lourenço. Faz-se o enterro do santo. Meninos índios dançam.
Vejamos um pequeno diálogo entre São Lourenço, Quaixará, rei
dos diabos e um de seus criados.
São Lourenço
Quem és tu?

Guaixará
Sou Guaixará embriagado,
sou boicininga, jaguar,
antropófago, agressor,
andirá-guaçu alado,
sou demônio matador.

São Lourenço
E este aqui?

Aimbirê
Sou jiboia, sou socó,
o grande Aimbirê tamoio.
Sucuri, gavião malhado,
sou tamanduá desgrenhado,
sou luminoso demônio.

E nessa peleja, como é de se esperar, visto que a texto tem função


doutrinária e didática, a peça é encerrada com a vitória do Bem sobre
o Mal, bem ao estilo medievalista português.
Se Anchieta foi o grande poeta e dramaturgo dentre os jesuítas,
Padre Manuel da Nóbrega foi o grande prosador da Companhia de
Jesus, em sua época, aqui no Brasil. Deixou uma série de cartas, as
Cartas do Brasil e um Diálogo da Conversão do Gentio, apresentado
por dois personagens: Gonçalo Álvares e Mateus Nogueira, que ver-
sam sobre a inconvertibilidade do índio à fé católica.
Certa feita, Darcy Ribeiro ao ser entrevistado na antiga e extinta
Rede Manchete, citou o “Diálogo da Conversão do Gentio” como o
texto mais importante da Literatura Brasileira.
Eis, a título de ilustração, um trecho do Diálogo:

 18 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Gonçalo Álvares
Por demais é trabalhar com estes! São tão bestiais, que não lhes
entra no coração coisa de Deus! Estão tão encarniçados em matar e
comer, que nenhuma outra bem-aventurança sabem desejar! Pregar a
estes é pregar em deserto a pedras.

Mateus Nogueira
Se tiveram rei, puderam-se converter ou se adoraram alguma coisa.
Mas como não sabem que coisa é crer nem adorar, não podem enten-
der a pregação do Evangelho, pois ela se funda em fazer crer e adorar
a um só Deus e a esse só servir, e como este gentio não adora nada,
nem crê em nada, tudo o que lhes dizeis se fica nada.

Atividade III
Interpretando os textos

Compare os textos de Anchieta e Nóbrega referentes ao Auto e aos fragmentos


do Diálogo. Comente-os

Releia os dois textos de Anchieta, analise a temática abordada e expresse sua


opinião.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  19


Leituras e filmes
recomendados
Chegamos, enfim, ao término dessa nossa aula – viagem. Apor-
tados que estamos em terra firme, sugiro que você assista aos filmes:

• Como era gostoso meu francês (1971). Direção de Nelson Pereira


dos Santos.

• Anchieta, o apóstolo do Brasil ( 1963) Documentário dirigido por


Sanin Cherques.

Para leitura, lembramos:


• Os livros de História do Brasil, especificamente o capítulo dedi-
cado às Grandes Navegações.

• A internet. Sabendo usá-la, você só tem a ganhar. O importan-


te mesmo é a busca do conhecimento.

• A(s) biblioteca(s) de sua cidade. Procure ler sobre os cronistas e


viajantes, bem como sobre Pe. Anchieta e Pe. Manuel da Nóbrega.

Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa aula. Acre-


dito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrelaça-
mento da História com a Literatura. Acertei?
Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o ho-
mem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os medos,
ideias e posicionamentos dos autores apresentados.
Tenho certeza de que você entendeu o que é Literatura de Informação
e o que a distingue da Literatura Jesuítica.
Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos dife-
rentes contextos estudados: político, social e individual, ao responder às
atividades propostas.

dica. utilize o bloco Nossa aula pretendeu ser apenas um farol a despertá-lo (a) para um
de anotações para aprofundamento maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a
responder as atividades! você explorá-lo. Sucesso. Aguardo você na próxima aula. Até lá.

 20 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Resumo
A nossa aula- viagem teve início antes do século XV, época em que
os europeus viajam para o oriente com a finalidade de comercializar
especiarias e drogas da Índia, tecidos da Pérsia, e objetos de porcelana
da China. A tomada de Constantinopla pelos turcos, a consequente
proibição do comércio com os europeus, bem como o desenvolvimen-
to da arte de navegação, o conhecimento da bússola e do astrolábio,
o surgimento das caravelas e da vela triangular contribuíram como
elementos impulsionadores das grandes viagens marítimas. Tudo isso,
associado à curiosidade, ao desafio e à necessidade de expandir-se,
levou os portugueses à Índia e, posteriormente, embora não fosse essa
a rota estabelecida, ao Brasil. Aqui chegando, encantados com as
belezas da natureza, o exotismo dos nativos e outras riquezas encon-
tradas, o comandante dos navios encarregou o escrivão da frota de
informar o rei de Portugal sobre as terras descobertas. Portugal envia,
então, novos navegadores à nova terra com a finalidade de explorá-
-la, dominar os nativos e comunicar ao reino tudo que aqui ocorresse.
Denomina-se, então, esse período de registro e documentos referentes
à nova terra, de Literatura de Informação. Paralelamente às atividades
dos viajantes, aportam, nas terra de além mar ( assim denominavam
as terras conquistadas), os padres da Companhia de Jesus com a fina-
lidade de catequizar o povo nativo à fé cristã, bem como educar os co-
lonos portugueses que aqui chegados, deslumbravam-se com a visão
paradisíaca – a natureza exuberante e a nudez indígena.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  21


Autoavaliação
Já em terra firme, aproveite o tempo para autoavaliar-se. Para tanto, escreva
pequenos comentários sobre o que você entendeu do assunto exposto. Esse
exercício ajuda a desenvolver ideias e expressá-las por escrito.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 22 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samiran Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986.

ANCHIETA, Pe. José de. O Auto de São Lourenço. Rio de Janeiro.


Tecnoprint, s.d.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo,


Cultriz,1992.

_____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras,


1996.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol.1. São Paulo.


Cultrix, 1991.

Nóbrega, Pe. Manuel da. Diálogo da conversão do gentio. Rio de Janeiro.


Tecnoprint, s.d.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  23


 24 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
II UNIDADE

Em terra firme

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  25


Apresentação
Caro (a) aluno (a),

Estamos iniciando a nossa segunda unidade. Assim como


no primeiro encontro, continuamos viajantes do túnel do
tempo. Estamos em pleno século XVII, 1600 e ...
Difícil acreditar que viajamos tanto tempo, não? Precisa-
mente um século!
Lembra do primeiro encontro? Nele conversamos sobre o
comércio entre oriente e ocidente; sobre a queda de Cons-
tantinopla; sobre os portugueses e as grandes navegações;
sobre a descoberta da nova terra – Brasil, paraíso para via-
jantes, Jardim do Éden para jesuítas, sobre cartas, documen-
tos e poemas.
Como vemos, a Literatura e a História se cruzam e se
entrelaçam para “contar”, em diferentes linguagens, a his-
tória de portugueses e brasileiros, de gentios e de nativos, de
religião e de costumes, de amor e de ódio...

 26 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Objetivos

Dando continuidade ao nosso encontro, esperamos que no final


dessa aula/viagem, você:

• Perceba que a História e a Literatura se entrelaçam;


• Compreenda a Literatura como reflexo do homem como ser
social e histórico;
• Relembre a Reforma Protestante e a Contra-Reforma;
• Entenda a Barroco como resultante desses dois movimentos his-
tóricos;
• Conheça os principais representantes do barroco brasileiro;
• Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, so-
cial e individual.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  27


TEXTO 1

Para entender o Barroco


Enquanto o Brasil dava seus primeiros passos como colônia de Por-
tugal, o ocidente estava em plena ebulição. A sociedade começa a se
libertar do poder da Igreja. O homem afasta-se da visão teocêntrica
(Deus como centro do universo e a medida de todas as coisas) e enxerga-
-se como centro do universo, visão antropocêntrica. Esse antropocentris-
mo, oposto ao teocentrismo medieval, caracteriza o Renascimento, iden-
tificado pela valorização da razão, pelo culto aos valores da Antiguidade
Clássica e pelo Humanismo. Segundo Cademartori (1990, p.18):

À nova concepção de homem que surge então dá-


-se o nome de humanismo, entendendo-se por isso o
interesse pelo ser humano e a primazia a ele conferida.
O homem passa a ser valorizado pela sua capacidade
de conhecimento, pela sua possibilidade de voltar-se
às coisas do mundo e dominá-las pelo saber. O Renas-
cimento protesta contra o asceticismo medieval – ou
seja, o desprezo do corpo e dos interesses não-espi-
rituais do homem -, valorizando a autodeterminação
da personalidade e exaltando a natureza humana. Isso
não significa, porém, que o Renascimento tenha sido
incrédulo; foi, sim, anticlerical e antiascético. Ideias tão
importantes ao medieval, como salvação, redenção,
pecado original, não desaparecem, mas passam a ser
secundárias. O sentimento religioso não desaparece,
apenas deixa de ser primordial.

 28 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Resultante desse processo, o homem já não se considera imagem
de Deus, mas a ele ligado em “natureza material, física e terrena”. Per-
cebe-se, assim, a extrema ruptura com o pensamento medieval e o im-
pacto que essa nova concepção provocaria tanto na Igreja, detentora
do poder Divino e representante Deste na terra, bem como no próprio
homem, dividido entre uma crença até então tida como verdadeira e a
nova concepção de enxergar-se como detentor de seu próprio destino.
Nessa perspectiva, “o mundo deixa de ser um lugar de pecado,
passando a espaço de realização plena do homem humano, a quem
foi devolvido o corpo...”
As expressões artísticas como escultura, pintura, arquitetura e litera-
tura passam a refletir esses dois mundos: o divino e o terreno.
Outro ponto importante para a compreensão do Barroco, é enten-
der o que foi a Reforma Protestante ou Reforma Religiosa, proposta por
Martim Lutero, no século XVI, movimento desencadeado na Alemanha
e que se estendeu por quase toda a Europa – Suécia, França, Ingla-
terra, Suíça e Escócia Esse movimento religioso, político e econômico
teve, basicamente, como causas: interesses pelos bens da Igreja, abu-
sos cometidos pelo Clero, conflitos entre Papas e imperadores, Venda
de indulgências.
Para combater as ideias reformistas, a Igreja Católica institui a Con-
tra - Reforma, movimento deflagrado em Espanha e Portugal, que teve
como objetivo maior restaurar a religiosidade “perdida” e regatar seus
antigos seguidores.
Para melhor fixar esse conteúdo, você deve ler, seja em livros de his-
tória ou de literatura, sobre Humanismo, Renascimento, Reforma e
Contra-Reforma, visto que apenas informamos, de maneira sucinta, da-
dos sobre assuntos que são essenciais para um maior aprofundamento
dos conhecimentos necessários a um futuro profissional das Letras.

TEXTO 2

Afinal, o Barroco
Conversamos tanto e ainda não falamos sobre o Barroco. Sei que
você deve estar curioso para relembrar esse movimento que já foi es-
tudado no ensino médio. Como futuro profissional de Letras e prová-
vel professor de Literatura, é necessário retomar assuntos estudados e
aprofundar esses conhecimentos, visto que na sua vida de docente, eles
serão ferramenta da prática docente.
Antes de mais nada, é preciso entender o significado do termo Bar-
roco. Para tanto, vejamos o ponto de vista de três estudiosos da litera-

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  29


tura, dentre outros. Cademartori, em Períodos Literários, p.26, assim se
posiciona:

A etimologia da palavra barroco é controvertida.


Todas as hipóteses sobre qual seria sua origem,
porém apresentam a conotação de algo pejorativo
e irregular, sendo o Barroco visto como uma dege-
nerescência da arte renascentista, o que se expres-
saria na ausência de clareza e elegância de linhas,
assim como o uso exagerado de ornamentos.
A reformulação desse conceito e a consequente va-
loração da arte barroca foram feitas por Heinrich
Wölfflin , que desenvolveu um sistema, apoiado em
cinco pares de conceitos, no qual estabelece uma
contraposição entre traços renascentistas e barro-
cos. A partir da teoria wolffliniana, o Barroco passa
a ser visto como um desenvolvimento, e não como
uma degenerescência, do Classicismo. Estabeleci-
das as categorias próprias do estilo, sua avaliação
a partir dos preceitos renascentistas perde a razão
de ser.

As categorias são as seguintes:

Renascimento Barroco
1. linear pictórico
2. superficial profundo
3. forma fechada forma aberta
4. claridade absoluta claridade relativa
5. variedade unidade

A arte renascentista é marcada pela linearidade,


pela presença de linhas incisivas e contornos cla-
ros que, contrastando com a interpenetração de
contornos da arte barroca realça o jogo do claro
escuro e configura-se como uma arte pictórica. Os
quadros renascentistas apresentam planos claros,
horizontais, definidos na superfície; a composição
barroca é dotada de profundidade e sugere ilusões
de distância.
A terceira oposição enfatiza a diferença entre um
equilíbrio composto de elementos horizontais e ver-
ticais que delimitam o espaço e mantêm o olho
dentro de uma área limitada, e a presença de linhas
diagonais que sugerem espaços além da pintura.
A contraposição de claridade absoluta e claridade
relativa baseia-se em que, no Renascimento, todos
os elementos do quadro são usados para descrever
a estrutura do sólido em formas ultradimensionais,
enquanto no Barroco a claridade relativiza-se,
cada elemento sendo valorizado por sua maior ou
menor contribuição ao tema dramático.
A distinção entre o que seja a variedade de um esti-
lo e a unidade de outro pode ser percebida em um

 30 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


pintor renascentista, cujas obras são estruturadas
de modo a permitir que as figuras permaneçam
entidades independentes, apesar do agrupamento
harmonioso e do arranjo equilibrado dos elemen-
tos. Na pintura barroca observa-se o contrário, to-
das as partes são subordinadas a um ritmo que
une o todo, e qualquer separação significa uma
mutilação.

Você entendeu o texto? Achou complicado? Na primeira leitura,


realmente, parece um pouco complicado. Releia o texto. Vou me apro-
priar de algumas sugestões da autora e recomendar que você observe
um quadro de Dürer, renascentista e um de Rembrand, barroco, para
entender o primeiro ponto. Para o segundo, terceiro e quarto pontos
veja uma tela de Leonardo da Vinci e uma de Tintoretto. Por fim, su-
gere a obra “Quatro Estações” de Botticelli em que uma das figuras – A
Primavera, é a mais conhecida das integrantes do quadro (isso justifica
a ideia de independência explicada anteriormente, lembra?). Em opo-
sição, no “Jardim do Amor” de Rubens, pintor barroco, todas as partes
estão interligadas, nada podendo ser separado.
Você pode está pensando: onde vou encontrar essas telas, para
comprovar as informações recebidas? Vá a uma biblioteca e pesquise
em livros de Artes, Coleções sobre grandes mestres da pintura, enciclo-
pédias, livros de História e de Literatura. E se você mora em uma gran-
de cidade, ou tem possibilidade de visitar um grande centro, procure
um Museu de Artes e lá com certeza encontrará uma tela de alguns
dos pintores indicados. A internet também é uma fonte de pesquisa.
Entre no Google e escreva o nome dos pintores, ou escreva o nome do
quadro mais o nome do respectivo autor. Consulte os diversos sites que
surgirem, mas não esqueça da finalidade da sua pesquisa – observar
a oposição/características entre autores/telas barrocas e renascentistas.
Afrânio Coutinho, em sua obra Introdução à Literatura Brasileira, p.
89 e 93, referindo - se ao vocábulo barroco, assim se coloca:
A etimologia de “barroco” tem suscitado muita
controvérsia. Acreditam uns na origem ibérica, es-
panhola – “barrueco”, ou portuguesa - “barroco”,
designando uma pérola de superfície irregular. (
... ) Nos séculos XVI e XVII, o epíteto significava
um modo de raciocínio que confundia o falso e o
verdadeiro, uma argumentação estranha e viciosa,
evasiva e fugidia, que subvertia as regras do pensa-
mento. Originalmente, portanto, é negativo, pejo-
rativo, sinônimo de bizarro, extravagante, artificial,
ampuloso, monstruoso, visando a designar, me-
noscabando, a arte seiscentista, interpretada dessa
maneira, como forma de decadência da arte renas-
centista ou clássica. ( ... ) Assim, o conceito, com
seu sentido pejorativo, teve curso especialmente no
terreno das artes plásticas e visuais , designando
a arte e a estética do período subsequente ao Re-
nascimento, interpretada como forma degenerada

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  31


dessa arte, expressa na perda da clareza, pureza,
elegância de linhas, e no uso de toda a sorte de
ornatos e distorções, que resultaram num estilo im-
puro, alambicado e obscuro (...).
O Renascimento caracterizou-se pelo domínio da
linha reta e pura, pela clareza e nitidez de con-
tornos. O Barroco tenta a conciliação, a incorpo-
ração, a fusão ( o fusionismo é a sua tendência
dominante) do ideal medieval, espiritual, supra-ter-
reno, com os novos valores que o Renascimento
pôs em voga: o humanismo, o gosto das coisas
terrenas, as satisfações mundanas e carnais. A es-
tratégia pertenceu à Contra-Reforma, no intuito,
consciente ou inconsciente, de combater o mo-
derno espírito absorvendo-o no que tivesse de mais
aceitável. Daí nasceu o Barroco, novo estilo de
vida, que traduz em suas contradições e distorções
o caráter dilemático da época, na arte, filosofia,
religião, literatura.

Perceba que o texto que acabamos de citar contém as mesmas
ideias de Cademartori, entretanto apresenta alguns termos que talvez
sejam desconhecidos para você. Aproveite e enriqueça seu vocabulá-
rio. Vá ao dicionário e pesquise. Lembre de que um futuro professor
precisa ter uma linguagem rica, um bom conhecimento da língua pa-
drão, não para demonstrar que é erudito, mas como estímulo, exemplo
a ser seguido por seus alunos.
O outro autor que ficamos de lhe apresentar, Massaud Moisés, as-
sim se posiciona em relação ao Barroco, em sua obra: História da
Literatura Brasileira. Dele extraímos um olhar diferenciado. Não nos
deteremos na explicação do termo em si, pois há uma coincidência de
concepção conceitual entre os autores já citados e Massaud, mas no
comentário que faz sobre o assunto:

A complexidade avulta à medida que vamos de-


tendo os olhos noutros aspectos da questão. Per-
gunta-se: quais as fontes de que promanaria o
Barroco? Os especialistas no assunto divergem,
ora optando por uma, ora por outra das matrizes
plausíveis. Como sempre ocorre no trânsito entre
estéticas literárias contíguas, a arte barroca nasce-
ria do movimento cultural imediatamente anterior,
a Renascença. E se caracteriza, pelo menos no país
em que primeiro surgiu (Espanha), por nítida bipo-
laridade, é fácil compreender o quanto lhe deve a
nova corrente literária: o bifrontismo renascentista,
- configurado pela coexistência de valores medie-
vo-cristãos e novidades pagãs e terrenas trazidas
pela ressurgência do espírito greco-latino, por
desenvolvimento interno e progressiva conscien-
cialização, - gera a estética barroca. Tipicamente
seiscentista e meridional, orienta-se pelo empenho,

 32 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


frustre, de neutralizar e unificar a dualidade renas-
centista. Aliança identificadora entre o teocentris-
mo medieval e o antropocentrismo quinhentista,
eis a geratriz fundamental do ideário barroco. (...).
Nessa perspectiva, o Barroco estaria intimamente
relacionado com o movimento da Contra-Reforma.
Esta, em verdade, não originou o Barroco, mas tê-
-lo-ia encampado, dando-lhe rumos precisos e
matizes não-estéticos. A campanha anti-reformista
encontrou na arte barroca um instrumental riquís-
simo, que se amoldava perfeitamente à estratégia
praticada pelo Vaticano contra a dissidência lute-
rana. A feição mística e pragmática assumida pelo
movimento barroco decorre desse ajuste entre a
forma barroca e a matéria da Contra-Reforma, re-
sultando, daí, a fisionomia dilemática e o mútuo
intercâmbio, em que o espírito tende a ser consi-
derado matéria, e a carne a transcendentalizar-se:
corpo e alma coligados inseparavelmente. Como
se iniciou nas artes plásticas, ou nelas vicejou pri-
meiro, o Barroco identifica-se pelo jogo do claro-
-escuro, da luz e da sombra, pela assimetria, pelo
contraste, pela abundância de pormenores formais
(o torcicolamento escultural e arquitetônico, o re-
buscamento das metáforas, etc.), de conteúdo,
pela obscuridade, pelo sensualismo, pela tensão
entre razão e fé, entre misticismo e erotismo, entre
o gozo dionisíaco de viver e a morte com seus mis-
térios, entre a ordem e a aventura, entre a sensa-
ção de miséria da carne e de bem-aventurança do
espírito, entre a racionalidade e a irracionalidade,
etc.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  33


Atividade I
Após ler e interpretar o que informamos e comentamos até aqui, observe,
atentamente, as imagens e o fragmento a seguir e confronte-os com os textos
estudados.

1 2

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 34 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


4

“ Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo, não são aqueles


miseráveis, a quem a pobreza e vileza da sua fortuna condenou a
este gênero de vida, , porque a mesma sua miséria ou escusa alivia
o seu pecado, como diz Salomão ... O ladrão que furta para comer,
não vai nem leva ao inferno: os que não só vão, mas levam, de que
eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera, os
quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue
bem S. Basílio Magno... Não são só ladrões, diz o Santo, os que
cortam bolsas, ou espreitam os que vão se banhar, para lhes colher
a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este
título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legi-
ões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades,
os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos.
Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e rei-
nos: os outros furtam debaixo do seu próprio risco, estes sem temor,
nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e
enforcam.”

Pe. Antônio Vieira. Sermão do Bom Ladrão ou da Audácia

Para responder em seu bloco de anotações

I. Para completar seu aprendizado, registre, em seu bloco de anotações, suas


impressões, características apontadas pelos autores e identificadas por
você, nos textos 1, 2 e 3.

II. Agora, leia, atentamente, o fragmento do sermão de Pe. Vieira e repita o


exercício anterior. Percebeu como o texto tem ideias opostas? Anote-as,
formando duas colunas. Ideias semelhantes em uma coluna, na outra
coluna, as que se contrapõem às primeiras.
Não esqueça, se encontrou palavras desconhecidas, recorra ao dicionário.

III. Por fim, elabore um parágrafo ou dois comparando os textos 1, 2 e 3 com


o texto 4.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  35


Rememorando
Estou sempre falando que o homem é um ser social e histórico.
Lembro esse fato para que você entenda que assim como a sociedade
evolui, também, o homem vai evoluindo. Ambos de forma gradativa.
Ninguém adormeceu no Renascimento e acordou no Barroco. Nada
surge do acaso. Os fatos vão acontecendo, a situação política e social
de um país ou mesmo do mundo ( no nosso caso, o mundo ocidental)
vai mudando, os costumes vão recebendo influências dessas transfor-
mações sociais e, paulatinamente, comportamentos, atos e atitudes
vão sendo modificados, dando início ao que na literatura, chamamos
de estilos de época e/ou tendências literárias. Para alguns estudiosos,
esses movimentos podem ser representados por uma linha sinuosa –
quando uma tendência está no topo, outra está em declínio.
Nessa perspectiva, podemos inferir que o Barroco recebeu influên-
cias ideológicas da Contra-Reforma e do Concílio de Trento, em opo-
sição a Reforma proposta por Lutero, lembra? Como resultado desse
conflito, a produção barroca – seja de poetas, pintores, escultores e
escritores - apresenta as seguintes características:

• dualidade ideológica (cristianismo medieval x racionalismo re-


nascentista;
• exuberância verbal ( abuso das figuras de estilo: metáfora, in-
versão, antítese, paradoxo; gradação, hipérbole, prosopopéia,
de frases interrogativas, e do uso de símbolos...);
• ambiguidade; conflito; materialismo; espiritualidade; efemeri-
dade; insegurança; pessimismo;
• cultismo ( jogo de palavras, uso excessivo de metáforas e de
hipérboles, correspondendo ao exagero de detalhes das artes
plásticas, valorização da forma – especialmente na poesia)
• conceptismo ( explora a ideia, o conceito, mais do que a pala-
vra ou a imagem; desenvolve o prazer da intelectualidade, a
valorização do raciocínio - ocorre mais na prosa.

Como reflexo desse mundo duplo (razão e fé), os escritores da


época “passam” as inquietações, os medos, angústias e anseios do
homem comum, incluindo-se entre eles, por meio de temáticas como:

• Transitoriedade da vida e dos bens materiais. Dividido entre


reconhecer-se como centro do mundo e preso ainda aos ensi-
namentos da Idade Média, o homem barroco só tem uma cer-
teza: de que a vida terrena é finita e transitória e de que nada
sabe sobre o além morte. Essa constatação se transforma em
angústia profunda;

 36 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


• Preocupação com a morte. Vivendo a angústia da incerteza,
pressionado pela religiosidade imposta pela Contra-Reforma, o
poeta (homem barroco) debate-se entre a culpa de ser pecador
e a esperança da salvação;
• Duelo entre a castidade e o desejo. Dividido entre céu e terra,
o homem biológico luta contra os desejos da carne e a morali-
dade religiosa (jesuítica);
• Carpe diem. Aproveitar o dia, viver o momento presente, má-
xima, princípio horaciano ( de Horácio poeta da Antiguidade)
adotado pelo homem barroco, que insatisfeito com o raciona-
lismo renascentista que não respondendo a questionamentos
sobre a existência humana, sobre a fugacidade da vida levou o
homem a viver o instante, o momento presente, já que tudo é
transitório, passageiro.
• Locus horrendus. O mundo passa a ser um local de sofrimento,
desilusão e dor; um lugar horrível.

TEXTO 3

O Barroco no Brasil
“ A literatura no Brasil colonial é literatura barroca
e não clássica, como até bem pouco era regra
denominá-la. A literatura nasceu no Brasil sob o
signo do Barroco, pela mão barroca dos jesuítas.”
Afrânio Coutinho

Como você já sabe, o Barroco data do século XII. No Brasil esse


movimento artístico – literário tem início em 1601, com o poema épico
Prosopopeia, de Bento Teixeira, português aqui radicado. Encerra-se em
1768, com a publicação do livro de Cláudio Manuel da Costa – Obras.
Apesar da condição de colônia portuguesa, o Brasil vivenciou um
movimento diferenciado de Portugal, visto que à influência europeia
agregaram-se as culturas negra e nativa.
Do ponto de vista econômico, a Colônia vivia uma exploração
violenta de suas riquezas naturais, principalmente do ouro, que daqui
eram levadas para enriquecimento dos cofres portugueses e nada era
feito pelo desenvolvimento da nova terra. Para agravar a situação, a
corrupção era uma febre entre políticos e administradores que procu-
ravam enriquecer de forma ilícita, traindo a própria Coroa portuguesa.
É nesse contexto que se destacam Bento Teixeira, Gregório de Ma-
tos e Padre Antônio Vieira.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  37


Para que você tenha uma ideia clara da situação, leia, a seguir, os
versos de Gregório de Matos

Eu sou aquele, que passados anos


cantei na minha lira maldizente
torpezas do Brasil, vícios, e enganos.

Em outro poema ( sobre a cidade da Bahia) tem-se:

Que falta nesta cidade? ................................................. Verdade


Que mais por sua desonra? ............................................ Honra
Falta mais que se lhe ponha? ..........................................Vergonha.

Conhecendo um
pouco esses poetas
Bento Teixeira
Nasceu no Porto, Portugal, acredita-se que em 1561. Com seis
anos de idade vem com a família para o Brasil, perseguidos pela Inqui-
sição por práticas judaizantes. Aqui chegando, instalam-se no Espírito
Santo e posteriormente na Bahia. Após casar-se passa a residir em Re-
cife e pouco depois em Olinda, cidades em que exercerá a função de
professor e, paralelamente, atua na advocacia. Massaud Moisés divi-
de o Barroco brasileiro em três momentos. O primeiro, corresponden-
do aos 50 primeiros anos do movimento, sob inspiração camoniana,
tem como representante isolado, em Pernambuco, Bento Teixeira, autor
da “Prosopopeia, poemeto épico que em 1601 introduz o Barroco no
Brasil.
O texto é composto de 94 estâncias, em oitava–rima, e decassílabos
heroicos, à semelhança d’Os Lusíadas e é dedicado a Jorge Albuquerque
Coelho, Capitão e Governador de Pernambuco. Por seu caráter economi-
ástico e laudatório, bem como pela pobreza do motivo histórico escolhido
– figura quase desconhecida, recebe dos críticos a classificação de poe-
meto épico. Perpetua–se, assim, ao longo da historiografia literária apenas
pelo fato de ser o texto que marca o início do Barroco no Brasil.

 38 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Nos livros de Literatura Brasileira pouco ou quase nada existe de
registro sobre a vida e obra de Bento Teixeira. Tudo que se encontra
é sempre com conotação pejorativa como poeta menor e bajulador.
Entretanto, nos anos 90 do século passado, o escritor paraibano, Gil-
berto Vilar, publica a obra “O primeiro brasileiro: Onde se conta a
história de Bento Teixeira”, texto romanceado, mas que tem como base
documentos históricos, guardados no Arquivo Nacional, do processo
inquisitorial de Bento Teixeira, pesquisados pelo autor. Esse livro vem
preencher um silêncio de séculos. Nele, o leitor vai entrar na história da
capitania de Pernambuco e, especificamente, no cotidiano de Recife,
cultura usos e costumes da época, os caminhos percorridos por Bento,
pelos cristãos novos e, a partir da leitura, formar novo conceito ou
confirmar o já dito sobre o poeta. Tomará conhecimento também dos
rituais judaicos que apesar da pressão do Tribunal da Santa Inquisição,
aconteciam periodicamente em Recife, na antiga Rua dos Judeus, de-
pois nomeada Rua do Bom Jesus. Quem visita o Recife antigo, encon-
tra, ainda hoje, a antiga placa, conforme a imagem a seguir.

Gregório de Matos Guerra


Nasceu na Bahia, em 1636, filho de Gregório de Mattos e de Ma-
ria da Guerra. Teve dois irmãos, Pedro e Eusébio. Nada se sabe do
primeiro, do segundo sabe-se que professou na Companhia de Jesus e
na Ordem do Carmo, foi músico, pintor, matemático, orador e poeta.
Considerado o primeiro poeta brasileiro e o maior representante da
poesia barroca nacional, Gregório de Matos Guerra é comparado, por
sua genialidade artística, a Aleijadinho, na escultura.
Filho de pais abastados, Gregório estudou com os jesuítas de Sal-
vador e em 1650, com 14 anos, embarcou para Portugal, onde foi
estudar leis. Dois anos depois matriculou-se na Universidade de Coim-
bra, formando-se em 1661.
É sempre bom lembrar que a Bahia era, à época de Gregório, o
coração do Brasil. Lá estava concentrado o poder da coroa portuguesa

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  39


aqui na colônia. Era a terra barroca por excelência, pela arte desenvol-
vida, pelo sincretismo religioso, pelos costumes e pela índole do povo.
Nesse clima, entre corrompidos e corruptores, boêmios e religiosos,
santos e pecadores, Gregório, poeta e representante do povo, recebeu
a alcunha de “ Boca de Inferno”, por satirizar, de forma irreverente, a
vida social, política e religiosa da época. Assim se apresenta o poeta:

“ ... cronista sou


dessa grã festividade
tenho de falar verdade
e dizer o que passou.”

Sua obra abrange, na poesia lírica, as vertentes lírico - filosófica,


lírico - amorosa e lírico - religiosa ou sacra.
Na poesia satírica destaca-se pelo humor malicioso e sutil, pelo
uso de obscenidades e palavrões. Episódios do cotidiano popular e da
vida política são temas explorados, bem como figuras do povo, políti-
cos, religiosos, comerciantes etc. Ninguém escapa da língua ferina do
poeta. Por meio desses textos, é possível uma leitura de usos costumes
da colônia.
Embora seja mais conhecido por sua verve satírica, é na lírica que
Gregório se apresenta barroco por excelência.
A poesia sacra é caracterizada pela fuga da realidade, pela busca
da salvação e, ao mesmo tempo, a atração pelos valores materiais e
carnais. Apresenta-se como réu confesso, mas arrependido suplica o
perdão divino, sem colocar-se em uma postura submissa. Compreende
que o pecado faz parte do humano, todavia, esse mesmo pecado é
causa do divino manifestar-se como tal: compreensivo e misericordioso.
Na poesia amorosa, o poeta vive a oposição entre a sedução místi-
ca e sedução carnal. O amor é visto como fonte de prazer e felicidade,
bem como fonte de dor e sofrimento.
Na vertente lírico-filosófica, o poeta afasta-se das situações mais
imediatas e busca respostas para questionamentos como efemeridade
da vida e o sentido para a existência, se tudo é tão fugaz, passageiro.
Como se vê, ninguém melhor que Gregório de Matos conseguiu
traduzir o homem barroco, o sentimento e a condição barroca. Por
tudo isso, é considerado o maior representante da poesia barroca no
Brasil.

Poesia sacra
 40 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
Nesse campo, sua poesia apresenta um homem pecador que se
penitencia através de uma lógica argumentativa. Vejamos:

Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas cobertos
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/-
Pois, para perdoar-me, estais despertos, XW6nk_57dK8/TKsOMkt7lfI/AAAAAAAAASs/
x1GNQ11pLBk/s1600/BlochCarl-
E, por não condenar-me, estais fechados. ChristConsolator.jpg

A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Comentando o poema

Como aluno e profissional de literatura, a poesia é parte de suas


ferramentas de trabalho. É necessário entendê-la, analisá-la, contextu-
alizando-a à época em que foi produzida.
Nessa perspectiva, coloquemo-nos no cotidiano da cidade de Sal-
vador – Bahia e entendamos, com “olhos barrocos,” a mensagem do
poeta.
Primeiramente, observe a imagem do Cristo Crucificado que an-
tecede a transcrição do poema. Você pode utilizar outra imagem do
crucificado, se assim considerar mais esclarecedora. Compare o texto
visual com o texto escrito. Notou a semelhança?
Veja que o poeta descreve, poeticamente, verso após verso, a ima-
gem sagrada. A partir do título, ele, eu-lírico, já informa seu objetivo:
buscar o Cristo e, implicitamente, todas as promessas de perdão, de
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  41
misericórdia, de salvação. Por tudo isso, afirma, categoricamente: “A
vós correndo vou”, braços sagrados/ Nessa cruz sacrossanta descober-
tos.” Observem a argumentação do poeta, nos dois últimos versos da
estrofe. Os braços estão abertos para receber o pecador arrependido,
todavia estão presos para não castigá-lo.
Passemos à segundo estrofe. Mais uma vez, o eu-lírico usa da des-
crição e da persuasão, mostrando ao próprio Cristo a sua condição de
crucificado e o motivo do sacrifício. Os olhos estão eclipsados, entrea-
bertos. Nessa condição, vê pela metade, mas o suficiente para perdoar
aquele que prostrado, se arrepende. Ao mesmo tempo, nesse enxergar
confuso, não vê o suficiente para condenar o pecador.
No primeiro terceto, repete o mesmo processo argumentativo. Aqui
o poeta se detém nos pés de Cristo. Para não abandonar o pecador,
seus pés estão cravados. Para perdoá-lo, unge-o com seu sangue. De
cabeça baixa chama aquele que o procura.
Para finalizar, afirma querer juntar-se a Cristo, quer atar-se ao seu
salvador pelos pregos preciosos que não o soltarão e, por fim, a entre-
ga definitiva: ficar unido, atado e firme. No verso final, o uso da grada-
ção enfatiza e fecha, com “chave de ouro,” os sentimentos do homem
barroco. Em sua exaltação medievalista, afirmar que quer unir-se ao di-
vino é muito pouco. É necessário dizer mais, e acrescenta atado e firme.

Atividade II
Leia, atentamente, os textos a seguir.

Soneto (1)

A cada canto um grande conselheiro,


Que nos quer governar cabana, e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um frequentado olheiro,


Que a vida do vizinho, e da vizinha
dica. utilize o bloco Pesquisa, escuta, espreita, e esquadrinha,
de anotações para
responder as atividades! Para levar à Praça, e ao Terreiro.

 42 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Muitos Mulatos desavergonhados,
Trazidos pelos pés os homens nobres,
Postas nas palmas toda a picardia.

Estupendas usuras nos mercados,


Todos, os que não furtam, muito pobres,
E eis aqui a cidade da Bahia.

Soneto (2)

Não vi em minha vida a formosura


Ouvia falar nela cada dia,
E ouvida me incitava, é me movia
A querer ver tão bela arquitetura.

Ontem a vi por minha desventura


Na cara, no bom ar, na galhardia
De uma Mulher, que em Anjo se metia,
De um Sol, que se trajava em criatura.

Me matem ( disse então vendo abrasar-me)


Se esta a cousa não é, que encarecer-me
Sabia o mundo e tanto exagerar-me.

Olhos meus ( disse então por defender-me)


Se a beleza hei de ver para matar-me,
Antes, olhos, cegueis, do que eu perder-me.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  43


Exercitando a compreensão

1) Releia os sonetos 1 e 2 e identifique o tema de cada texto.

2) Liste as ideias opostas que encontrar em cada poema.

3) Identifique a tendência utilizada pelo autor, se cultista ou conceptista,


comente-a, exemplificando.

4) Transcreva as figuras de linguagem encontradas.

5) Há nos textos preocupação com o carpe diem? Justifique sua resposta.

6) Interprete os textos, separadamente, a exemplo do que foi feito em relação


ao soneto “Buscando a Cristo”.

7) Algumas composições em verso têm um padrão fixo de estrutura. O soneto


é uma delas. Reveja suas aulas de Teoria Literária, nelas você estudou
o soneto. Escreva as informações que encontrar sobre este tipo de
composição.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Chegamos, enfim, ao término dessa nossa aula.

Para compreender melhor o período estudado, sugerimos que você


sozinho(a) ou juntamente com alguns amigos e colegas assistam o fil-
me:
O JUDEU (1995). Este filme retrata a vida do dramaturgo brasileiro
Antonio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1704. Vivendo
em pleno domínio da Inquisição, foi usado como bode expiatório num
complicado jogo político. Além de sofrer torturas inimagináveis, o
artista acaba condenado à morte na fogueira, em 1739.
EM NOME DA ROSA (1986). O filme trata da história ocorrida em
1327, em um mosteiro beneditino italiano que continha, na época, o
maior acervo cristão do mundo. É interessante assisti-lo para entender
melhor a questão religiosa na Idade Média, bem como compreender a
proposta renascentista.

 44 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Leituras Recomendadas
• Os livros de História do Brasil, especificamente os capítulos
sobre a Reforma e a Contra –Reforma, bem como artigos na
internet.

• Artigos na internet que abordem o Barroco, e seus representantes.

• Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira.

• O livro de Gilberto Vilar, “ O primeiro brasileiro: Onde se conta


a história de Bento Teixeira.”

• Visitas a(s) biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você


encontrará material necessário para complementar seus conhe-
cimentos.

Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa aula. Acre-


dito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrelaça-
mento da História com a Literatura.
Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o ho-
mem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os me-
dos, ideias e posicionamentos dos autores aqui apresentados.
Tenho certeza de que você entendeu a importância da Reforma e
da Contra-Reforma para o surgimento da tendência barroca, tanto na
Europa como no Brasil; a origem do movimento aqui na Colônia, bem
como a influência de Bento Teixeira e de Gregório de Matos para a
estética barroca.
Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos di-
ferentes contextos estudados: político, social e individual, ao responder
às atividades propostas.
Nossa aula pretendeu apenas seduzi-lo (a), despertá-lo (a) para
riqueza da nossa cultura e incentivá-lo (a) para um aprofundamento
maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a você explorá-lo.
Sucesso. Aguardo você na próxima aula. Até lá.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  45


Resumo

O período que acabamos de estudar teve início em 1601 e término


em 1768, quando uma nova tendência surge. Como vimos, há uma
delimitação no tempo. Nesse período, toda a produção artística em
verso e prosa retrata as questões políticas, sociais e religiosas da épo-
ca. Preso à religiosidade medieval, o homem barroco vive a inseguran-
ça, o terror e toda a violência imposta por aqueles que professavam a
fé católica. O mundo ocidental vive a liberdade do novo, a busca inces-
sante do conhecimento, a soberania do raciocínio. É a fase do antro-
pocentrismo, o homem como centro do universo, lembra que falamos
sobre isso? Antropocentrismo em oposição à cultura do Teocentrismo,
Deus como centro do universo . Como já foi dito, essa nova visão de
mundo representa uma revolução no comportamento e na vida do ho-
mem europeu. Entretanto, mostramos que o Brasil, como colônia por-
tuguesa, recebia a influência de Portugal e por ele era vigiado. Tudo
isso produziu nos habitantes brasileiros uma vivência extemporânea da
Idade Média, fato que se reflete na produção artístico-cultural da co-
lônia ( artes plásticas e literatura), exemplificado nos textos e telas aqui
apresentados e estudados.

 46 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Autoavaliação
“ Quando me busco, registro. Quando registro, me busco.”

Tomando como base a epígrafe acima, faça um exercício de autoavaliação.


Para tanto, escreva pequenos comentários sobre o que você entendeu do as-
sunto exposto. Essa atividade ajuda a desenvolver ideias e expressá-las por
escrito.

Releia as informações dadas sobre Bento Teixeira e compare-as com outras


opiniões que você encontrar em outros livros, não indicados na bibliografia.
Encontrou discordâncias? Lembre-se que o autor em estudo foi uma figura
polêmica. Registre seu comentário e comente-o com seus colegas.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  47


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo,


Cultriz, 1992.

_____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras,


1996.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo. Ática, 1990.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro,


Bertrand Brasil S.A. 1988.

MATOS, Gregório de. 1636-1696. Gregório de Matos/ seleção de textos,


notas, estudos biográficos, histórico e crítico por Antonio Dimas. São Paulo.
Nova Cultural, 1988.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo.


Cultrix, 1991.

 48 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


III UNIDADE

Em meio à instabilidade,
vive-se o Barroco

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  49


Apresentação
Caro (a) aluno (a),

Nesta terceira unidade, continuaremos viajantes do túnel


do tempo, pois ainda estamos vivendo as últimas décadas
do século VXII e adentrando no século VXIII, lembra? Es-
tamos em pleno período Barroco, época, como já vimos,
de medo, de insegurança e de temor extremo em relação
às questões religiosas, fruto do movimento da Contra-Re-
forma. Entretanto, é necessário lembrar que o Brasil era
uma colônia portuguesa de além mar. Esse fato possibilita-
va, àqueles que aqui representavam a Coroa Portuguesa, o
distanciamento necessário para o encobrimento de falcatru-
as, de benesses indevidas, de corrupção de todos os tipos.
Pela produção poética de Gregório de Matos, aborda-
mos esse espírito barroco e as consequências por ele dei-
xadas. Conhecemos um pouco a Bahia, a situação da Co-
lônia e o comportamento de seus habitantes: portugueses,
brasileiros e africanos, esses últimos vivendo em extrema
escravidão, afora os índios que, embora donos da terra e
primeiros habitantes, não faziam, em hipótese alguma, parte
da sociedade. Fato semelhante não acontecia em relação
aos mulatos, filhos de portugueses com negras escravizadas,
considerados à época como seres inferiores, mas já aceitos
nas camadas mais altas da sociedade, chocando os mais
preconceituosos. Vejamos os versos a seguir, do nosso poeta
barroco maior, Gregório de Matos

“ Não sei, para que é nascer


neste Brasil empestado
um homem branco, e honrado
sem outra raça.

Terra tão grosseira, e crassa,


que a ninguém se tem respeito,
salvo quem mostra algum jeito
de ser Mulato.”

 50 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Nesse contexto, daremos continuidade ao nosso encon-
tro, ainda trazendo como tema o Barroco, mais especifica-
mente a figura de Padre Antonio Vieira, representante maior
da prosa desse período. Sei que ficará fascinado (a) por essa
figura ímpar.

Objetivos
No final dessa aula, esperamos que você:

• Perceba os fios que entrelaçam História e Literatura;


• Compreenda a Literatura como reflexo do homem como ser
social e histórico;
• Relembre a Reforma Protestante e a Contra-Reforma;
• Entenda a Barroco como resultante desses dois movimentos his-
tóricos;
• Conheça, entre os principais representantes do barroco brasilei-
ro, o Pe. Antônio Vieira, sua prosa epistolar, religiosa e política;
• Identifique duas, dentre as características do Barroco- o cultis-
mo e o conceptismo- importantes para entender o estilo de Pe.
Antônio Vieira;
• Entenda o surgimento das academias literárias como prenúncio
de mudanças;
• Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, so-
cial, individual e religioso.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  51


Cultismo e Conceptismo
Na unidade 2, apontamos, dentre outras, duas características do-
Barroco: cultismo, culteranismo ou gongorismo e conceptismo, sem
explicarmos mais detalhadamente o que cada uma significa. Entretan-
to, necessário se faz retomá-las para que você compreenda melhor
os artifícios de linguagem utilizados, como já vimos, pelos escritores
barrocos, mas, especificamente, por Pe. Antõnio Vieira. Para tanto uti-
lizaremos os conceitos dos estudiosos da Literatura Brasileira, Proença
Filho, bem como Medina, Castro e Teixeira.
Proença Filho em sua obra Estilos de Época na Literatura, p. 141,
comenta:

Cultismo, na dupla interpretação que se pode atri-


buir à palavra cultura, de que este termo se origi-
na: de um lado, trabalho, esforço; de outro, me-
mória do passado intelectual. Um fato poético se
“culteraniza” através do neologismo, da metáfora,
do hipérbato. Há uma preocupação com tornar a
linguagem culta. O artista utiliza o latim para criar
novas palavras, que acabarão por incorporar-se
deliberadamente ao idioma, há uma tentativa de
aristocratizar a expressão literária. O uso do hipér-
bato, isto é da inversão da frase, é uma imitação da
sintaxe latina, e obedece à mesma preocupação.
Claro está que neologismo, hipérbato, metáfora e
mitologia já existiam na literatura antes do barroco.
O que se observa nesse momento é uma intensifi-
cação destas atitudes que passam a ser a tônica do
estilo. Na metáfora o autor encontra uma forma
de poetizar os objetos vulgares através de objetos
poéticos, dentro da intenção geral de aristocrizar a
linguagem. Acrescente-se ainda a exibição de um
amplo conhecimento da mitologia.

Para Medina, Castro e Teixeira, em Antologia da Literatura brasilei-


ra: textos comentados, p.24,
o cultismo explora bastante as imagens visuais, es-
pecialmente as eróticas ou as coloridas (cro-
matismo barroco); o virtuosismo de sugerir sem
concluir ( suspensão do argumento até chegada
ao verso final); a saturação descritiva. Trabalhan-
do com analogia e comparações, o cultismo dá
origem a todo um metaforismo que mescla os atri-
butos da natureza ou da mitodologia com os predi-
cados humanos. Por exemplo, o cabelo da amada
é de ouro; seus dentes são pérolas e seus lábios
desafiam a cor do rubi; sua aparência ofusca o
próprio sol (=Apolo), que se encanta com ela; o
espelho que lhe é infiel; os olhos são mais puros

 52 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


que os mais límpidos regatos (...) Contrariamente,
o espírito da amada por vezes desmente o que o
corpo afirma: seu coração é duro como as
rochas, sua tirania é maior que a de Cupido (...)
Dentro da linha de certo mecenatismo (=aju-
da ou incentivo aos artistas, dado por nobres e gra-
duados), o cultismo também praticou as homena-
gens ódicas, a poesia elogiosa, também chamada
enconomiástica. O cultismo é esteticista, aprecia
prioritariamente o belo. Entende-se, portanto, seu
horror ao feio sob a forma do impactoinfalível do
tempo. O galanteio, por exemplo. é normalmente
veiculados sob o argumento de que o tempo des-
troi a beleza feminina; então, é imperioso curti-la a
tempo (tema horaciano carpe diem: “ aproveita o
dia que passa).

Em relação ao Conceptismo temos, segundo Proença Filho, lingua-


gem de conceitos, “ato do entendimento que expressa a correspondên-
cia que há entre objetos” e neste sentido ainda é a metáfora o instru-
mento característico, a metáfora no seu aspecto intelectual”.
Para Medina, Castro e Teixeira, o conceptismo, explora a ideia, o
conceito, mais do que a palavra ou a imagem ( em espanhol, conceito
se diz concepto; daí, conceptismo): desenvolve o prazer intelectualista
de sempre encontrar novas sutilidades do pensar, sempre em busca do
inventivo, da agudeza pela agudeza.
De posse desse novo conhecimento, passemos a estudar a produ-
ção literária desse jesuíta polêmico, seguidor confesso da fé católica,
prosador, orador, humanista, diplomata, estadista, missionário, filóso-
fo, defensor da coroa portuguesa, dos escravos e dos índios. Apesar de
Padre da Companhia de Jesus, deveria como tal seguir as orientações
da Ordem, Vieira preferia a liberdade de pensar por conta própria. Ti-
nha horror às verdades impostas, ao racismo e aos preconceitos sociais
que impregnavam a Europa e a América. Esse posicionamento fez de
Vieira o mais corajoso advogado dos judeus e o mais abnegado defen-
sor dos índios escravizados.

Para entender Vieira


Para compreender o papel desempenhado por Padre Antônio Vieira
e entender o quão contraditória foi a sua passagem pelo Brasil; o pa-
pel por ele desempenhado como representante da fé católica, já disse
era um jesuíta, bem como da coroa portuguesa, é necessário que você
conheça uma parcela da biografia desse homem religioso, político e
polêmico, meio português, meio brasileiro. Para tanto, apresentamos,
a seguir, fragmentos de um texto extraído do livro Tempos da Literatura
Brasileira, p. 31.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  53


“O mais famoso orador sacro do Brasil - Colônia
foi o Padre Antônio Vieira,que desempenhou mis-
sões jesuíticas no Maranhão e no Grão-Pará, atuou
como professor de retórica no Colégio de Pernam-
buco e participou ativamente da política do rei D.
João VI, em Portugal e no Brasil. Seus sermões, pu-
blicados entre 1679 e 1748, atingem 16 volumes e
o púlpito foi o grande veículo propagador de suas
ideias e das causas que defendeu. A esse res-
peito, assim comenta Antônio Dimas num estudo
comparativo entre a atuação social de Gregório de
Matos e a do religioso: ‘ Em Vieira, a escolha do
púlpito talvez não seja meramente acidental. De lá
de cima, o jesuíta combativo examinava,
analisava e condenava. Era mais abrangente e
moralizava com o gosto de quem se sente atraí-
do pelo Poder, num relacionamento agônico. Em
posição estratégica brincava ele com a Palavra ou
com Deus, submetendo tudo a uma incrível capa-
cidade de pôr-dispor-indispor-compor-repor, cujo
fim último era sempre a supremacia da Inteligência
na condução do Estado. Vieira contemplava por
cima. Gregório contemplava por baixo.’ (Vieira: a
poderosa persuasão pelo terror. In Gregório de
Matos).” (Antônio Dimas, apud ABDALA JR., Benja-
min e CAMPADELLI, Samira Youssef).

O convencimento
pela palavra
E já que ‘contemplava por cima’, o pregador procurava sempre
convencer o público através de um discurso veemente, onde não fal-
tava o largo uso de figuras de linguagem como comparações, antíte-
ses, metáforas, hipérboles etc., no sentido de eletrizar o ouvinte, para
despertar-lhe a consciência.
A repetição, com finalidade enfática, bem como o processo de per-
guntas– respostas é outra fórmula vieiriana de eficácia indiscutível.
......................................................................................................
Para que você apreenda bem as informações dadas, os autores do
livro, do qual estamos transcrevendo alguns fragmentos, apresentam
pequeno trecho do Sermão de Santo Antônio, com os devidos comen-
tários.
Vós, diz Cristo Senhor nosso, falando com os Pregadores, sois o sal
da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra,
o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a

 54 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela, que
têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?
Ou é porque o sal não salga ou porque a terra não se deixa salgar. Ou
é porque o sal não salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira
doutrina, que lhes dão, a quem não querem receber; ou é porque o
sal não salga, e os Pregadores dizem uma cousa, e fazem outra, ou é
porque o sal não salga, e os Pregadores se pregam a si, e não a Cristo;
ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes em vez de servir
a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda mal.
......................................................................................................
Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo Antônio voltar-me da
terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos pei-
xes. O mar está tão perto, que bem me ouvirão. Os demais podem
deixar o Sermão, pois não é para eles. Maria, quer dizer Domina maris:
Senhora do mar: e posto que o assunto seja tão desusado, espero que
me não falte com a costumeira graça. Ave Maria.
(Pregado na cidade de São Luís do Maranhão, ano de 1654.)

É de se observar, no trecho acima, um verdadeiro torneio frásico


entre o orador e a palavra, a partir da premissa que norteia o raciocínio
“ Sois o sal da terra”. Partindo do texto evangélico (a palavra de Cristo),
Vieira examina todas as possibilidades para a explicação da corrupção,
usando para isso a exaustiva repetição não apenas da ideia ( o sal a
doutrina cristã), mas também da frase alternativa/causal “ ou é por-
que”. Igualmente, é de se notar a ironia impressa ao sermão quando
resolve não mais falar aos homens e sim aos peixes, numa alusão clara
ao mutismo e à surdez ( peixes não falam, nem ouvem).
Claro e profundo, ao mesmo tempo que lógico e convincente, o
orador explorou extraordinariamente a linguagem: uma síntese muito
rica, um vocabulário repleto de conotações, extraindo sua mensagem
da plurissignificação da palavra.
Deixemos os comentários dos autores já citados e passemos as nos-
sas colocações.
Como se pode perceber, Vieira parte de algo concreto, a passagem
de Cristo pela terra e seus ensinamentos para convencer o público pre-
sente na Igreja de que suas palavras não são vãs, mas fruto da certeza
do que as Sagradas Escrituras devem representar para os cristãos. Ve-
jamos:
Em três momentos a Bíblia faz referência a esta fala de Jesus: vós
sois o Sal da Terra: no Evangelho de Marcos 9, 50; em Mateus 5,
13-14 e no Evangelho de Lucas 14,34 e seguintes. No Evangelho de
Mateus ele faz parte do famoso Sermão da Montanha ou As Bem Aven-
turanças - Vós sois o sal da terra. Se o sal perde o sabor, com que lhes
será restituído o sabor? Para nada mais serve senão para ser lançado
fora e calcado pelos homens. No Evangelho de Marcos capitulo 9, 50,
Jesus usa novamente essa expressão: sal da terra para referir-se aos
seus discípulos e por extensão a todos os cristãos. O sal é uma boa

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  55


coisa; mas se ele se tornar insípido, com que lhe restituireis o sabor?
Tende sal em vós e vivei em paz uns com os outros.
Finalmente em Lucas, podemos ler a terceira referência a esta ima-
gem: sal da terra, quando no capítulo 14, 25, Jesus fala: O sal é uma
coisa boa, mas se ele perder o seu sabor, com que o recuperará? Não
servirá nem para a terra nem para adubo, mas lançar-se-á fora. O que
tem ouvidos para ouvir que ouça.
Ora, coloquemo-nos no contexto da época. Lembram que o povo
vivia dividido entre o teocentrismo e o antropocentrismo? Como, nesse
momento, não temer a ira divina, ouvindo tão convincente orador?
Os argumentos e as provas apresentadas por Vieira eram incontes-
táveis. O uso da palavra do representante da Igreja aplicada ao dis-
curso de Cristo. Como não temer? Como não refletir? Vo l t e m
aos versos de Gregório apresentados no início dessa aula. Percebam
que ambos, Gregório e Vieira, falam da mesma cidade, do mesmo
país, entretanto, a forma de falar e de denunciar são distintas. Chamo
a atenção desse fato para que vocês entendam o comentário: ‘ Vieira
contemplava por cima. Gregório contemplava por baixo.’ Vieira, como
pessoa da Igreja, considerava-se o real representante de Deus aqui
na terra, já Gregório, apresentava-se como crítico e denunciante da
sociedade corrupta em que vivia, entretanto, reconhecia-se pecador, e
essa condição igualava-o aos demais viventes.

Em defesa dos
menos favorecidos
Vejamos um documento de época que ratifica o compromisso de Vieira
para com os índios brasileiros, em carta enviada ao rei D. Afonso VI.
As injustiças e tiranias, que se têm executado nos naturais destas
terras, excedem muito às que se fizeram na África. Em espaço de qua-
renta anos se mataram e se destruíram por esta costa e sertões mais de
dois milhões de índios, e mais de quinhentas povoações como grandes
cidades, e disto nunca se viu castigo. Proximamente, no ano de 1655,
se cativaram no rio das Amazonas dois mil índios, entre os quais muitos
eram amigos e aliados dos portugueses, e vassalos de Vosssa Majesta-
de, tudo contra a disposição da lei que veio naquele ano a este Estado,
e tudo mandado obrar pelos mesmos que tinham maior obrigação de
fazer observar a mesma lei; e também não houve castigo: e não só se
requer diante deVossa Majestade a impunidade destes delitos, senão
licença para os continuar.
Com grande dor, e com grande receio a renovar no ânimo de Vossa
Majestade, digo o que agora direi: mas quer Deus que eu o diga. A
El-Rei Faraó, porque consentiu no seu reino o injusto cativeiro do povo
hebreu, deu-lhe Deus grandes castigos, e um deles foi tirar-lhe os pri-
mogênitos. No ano de 1654, por informação dos procuradores deste

 56 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Estado, se passou uma lei com tantas larguezas na matéria do cativei-
ro dos índios, que depois, sendo Vossa Majestade melhor informado,
houve por bem mandá-la revogar; e advertiu-se que neste mesmo ano
tirou Deus a Vossa Majestade o primogênito dos filhos e a primogênita
das filhas. Senhor, se alguém pedir ou aconselhar a Vossa Majestade
maiores larguezas que as que hoje há nesta matéria, tenha-oVossa Ma-
jestade por inimigo da vida, e da conservação e da coroa de Vossa
Majestade.
Dirão porventura (como dizem) que destes cativeiros, na forma em
que se faziam, depende a conservação e aumento do estado do Ma-
ranhão; isto, Senhor, é heresia. Se, por por não fazer um pecado venial,
se houver de perder Portugal, perca-o Vossa Majestade e dê por bem
empregada tão cristã e tão gloriosa perda; mas digo que é heresia,
ainda politicamente falando, porque sobre os fundamentos da injustiça
nenhuma cousa é segura nem permanente; e a experiência o tem mos-
trado neste mesmo Estado do Maranhão, em que muitos governadores
adquiriram grandes riquezas e nenhum deles as logrou nem elas se
lograram; nem há coisa adquirida nesta terra que permaneça, com os
mesmos moradores delas confessam, nem ainda que vá por diante,
nem negócio que aproveite, nem navio que aqui se faça que tenha
bom fim; porque tudo vai misturado com sangue dos pobres, que está
sempre clamando ao céu.
VIEIRA, Padre Antônio. Carta ao rei D. Afonso VI. In: CANDIDO,
Antonio e CASTELO, J. Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira – Das
origens ao Romantismo. 10. ed. São Paulo – Rio de Janeiro, Difel,1980.
v.I, p. 55-6.

Lembra quando eu chamei sua atenção para a forma como Vieira


tratava os Pregadores e comparava-os com o sal? Lembra como ele
usava argumentos fortes e reais, compaeando-os às Sagradas Escrituras,
para convencer o ouvinte?
Retorne à carta que eu acabei de lhe apresentar. Leia e releia. Identi-
fique a forma como Vieira ousadamente se dirige ao rei. Mais uma vez,
ele parte de um dado real – o genocídio de índios no Maranhão, “puxa
as orelhas do rei” para um crime que estava acontecendo e a coroa
portuguesa, sabedora do fato, fazia “vista grossa”. Você tem noção da
extensão desse ato? Um súdito, embora representante da Igreja, não
pertencia a aristocracia, tratar seu soberano dessa forma? Vieira parece
achar pouco o seu atrevimento e vai mais além. Apela para o discurso
religioso. E lembra o castigo dado a Faraó pela desobediência a Deus,
alertando o rei de que algo semelhante poderia acontecer em sua casa,
fato que coincidentemente ocorreu. Em defesa dos índios Vieira se expõe,
corre riscos de ser punido, o que acontecerá em determinado momento,
mas o seu senso de justiça não lhe permite calar.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  57


Um pouco do biográfico
Para quebrar um pouco a rotina de nosso encontro, mas sem nos
afastarmos da figura foco de nosso estudo, falarei um pouco sobre
Pe. Antônio Viera, algumas informações biográficas necessárias para o
estudo que estamos realizando. Lembro-lhe que em qualquer livro de
Literatura Brasileira ou Portuguesa, e em sites especializados, você vai
encontrar esses dados, acrescidos ou não. Por esse motivo, é interes-
sante que você busque outras fontes; que não se satisfaça apenas com
o que estou apresentando. Um futuro profissional de Letras tem por
obrigação conhecer várias fontes teóricas.
Padre Antônio Vieira (1608-1697) – nasceu em Lisboa. Veio para
o Brasil com seis anos de idade, estudou no Colégio dos Jesuítas e,
depois, ingressou na Companhia de Jesus. Notabilizou-se como orador
sacro. Em 1641, foi para Portugal, onde exerceu funções políticas como
conselheiro da corte e embaixador de D. João IV. Em 1652, retornou ao
Brasil, e esteve no Maranhão, onde fez acusações aos escavocratas e
defendeu a liberdade dos índios. Foi expulso do país, juntamente com
outros jesuítas. Envolveu-se, posteriormente, com a Inquisição e che-
gou a ser preso por um ano. Voltou à Bahia, em 1681, onde veio a fa-
lecer. Deixou inúmeros sermões, condensados em 16 volumes; História
do Futuro; Cartas – reunidas em 3 volumes; Defesa perante o tribunal
do santo Ofício – 2 volumes.
Como falei, Vieira foi um acirrado defensor dos índios, dos judeus,
os chamados cristãos -novos, ou seja, aqueles que se converteram à
fé católica , bem como dos negros. Vieira era inconformado com o
tratamento dado aos escravizados. Em um de seus sermões denuncia
e critica a atitude dos senhores brancos para com os negros. Denuncia
e critica veementemente a atitude dos senhores brancos, conclamando-
-os à prática dos sentimentos cristãos e humanitários.

 58 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Atividade I
Leia, atentamente, os fragmentos abaixo e responda ao exercício proposto

Fragmento de texto 1:

Os textos a seguir, permite-nos detectar toda a indignação de Vieira


em relação às desigualdades entre a vida dos escravos e a vida dos
senhores.
(...) Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo
galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos
perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos
carregados de ferro; os senhores tratando-os como brutos, os escravos
adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando
para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos pros-
trados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão e
espetáculos da extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à fé
que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vistas
destas desigualdades, reconheçamos contudo vossa justiça e providência!
Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva? Estas
almas não foram resgatadas com o sangue do mesmo Cristo? Estes cor-
pos não nascem e morrem, como os nossos? Não respiram com o mesmo
ar? Não os cobre o mesmo céu? Não os aquenta o mesmo Sol?
......................................................................................................
Fragmento de texto 2:
Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: porque pa-
deceis de um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu
em sua cruz, e em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois
madeiros, e a vossa em um engenho é de três. Também ali não falta-
ram as canas, porque duas vezes entraram na Paixão: uma vez servindo
para o ceptro do escárnio, e outra vez para a esponja em que lhe de-
ram o fel. A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de
dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os dias. Cristo despido,
e vós despidos: Cristo sem comer, e vós famintos: Cristo em tudo mal-
tratado, e vós maltratados em tudo.
......................................................................................................
Fragmento de texto 3:
Eles mandam e vós servis; eles dormem e vós velais; eles descan-
sam, e vós trabalhais; eles gozam o fruto de vossos trabalhos, e o que
vós colheis deles é um trabalho sobre o outro. Não há trabalhos mais
doces que o das vossas oficinas; mas toda essa doçura para quem é?
Sois como as abelhas, de quem disse o poeta. Sic vos nom vobis melli-
ficatis apes. O mesmo passa nas vossas colméias. As abelhas fabricam dica. utilize o bloco
o mel, sim;mas não para si. de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  59


Breve exercício de compreensão

Que belos fragmentos, não? Para maior compreensão dos mes-


mos, pesquise em dicionários as palavras desconhecidas. Caso não
tenha dúvidas, parabéns, você possui um bom vocabulário.

Fragmento do texto 1

Em seu caderno de atividades, escreva as antíteses (jogo de contrá-


rios) atribuídas por Vieira para estabelecer os extremos entre senhores
e escravos.
Transcreva a passagem do texto em que Vieira mostra que só pela
religião se pode compreender essa desigualdade entre os homens e
que Deus não abandonará os escravos.

Fragmento do texto 2

Leia mais uma vez o fragmento. Observe que no texto anterior, o


autor fez uso de antíteses. Agora o emprego da metáfora ( transferência
de sentido de um termo para outro, numa comparação implícita) dá a
tônica da mensagem.
Feita a releitura, elabore uma paráfrase do texto. Lembre-se que
parafrasear é dizer, o já dito, com outras palavras.

Fragmento do texto 3

Leia, atentamente, o trecho a seguir, que Karl Marx, (apud Bosi,


1996, 144) diria dois séculos depois da época de Vieira:
“Por certo, o trabalho humano pruduz maravilhas para os ricos ,
mas produz privação para o trabalhador. Ele produz palácios, mas
choupanas é o que toca ao trabalhador. Ele produz maravilhas para os
ricos, mas produz privação para o trabalhador. Ele produz beleza, mas
para o trabalhador só fealdade”.
Volte ao fragmento de texto 3, releia-o. Encontrou alguma semelhança com o
fragmento de Marx ? Expresse, por escrito, seu ponto de vista sobre os dois
textos.

É sempre bom usar da oralidade para expor nosso pensamento. Comente


os textos com alguns colegas. Seduza-os para o texto. Leve-os a também a
exporem suas conclusões. Essa será a sua pratica em sala de aula, “chamar” o
dica. utilize o bloco aluno para o conteúdo que você vai ministrar. É necessário exercitá-la.
de anotações para
responder as atividades!

 60 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Comente a seguinte afirmação de Vieira: “ Quem cuida que o que se chama
escravo é o homem todo, erra e não sabe o que diz: a melhor parte do
homem, que é a alma, é isenta de todo o domínio alheio, e não pode ser cativa.
O corpo, e somente o corpo, sim.”

Para que você entenda o quão vanguardista era Vieira para o seu
tempo, e o quão é atualizado para a realidade de hoje, transcrevo um
trecho de sua autoria, e um de Martim Luther King, um dos grandes
pacifistas do século XX. A conclusão é sua. Observar a linguagem e o
estilo de cada época é, também, uma forma de aprendizagem.

“Fê-los Deus a todos de uma mesma massa, para que vivessem


unidos, e eles se desunem; fê-los iguais, e eles se desigualam; fê-los
irmãos e eles se desprezam do parentesco”.

“Nós aprendemos a voar com os pássaros, a nadar com os peixes,


mas ainda não aprendemos a conviver como irmãos”.

Vieira por ele mesmo:


cultista ou conceptista?
Iniciamos a unidade falando de cultismo e conceptismo. Falei até
que essas características eram importantes para se entender o estilo
de Vieira. Volte ao início de nossa aula. Releia os conceitos e tire suas
próprias conclusões.
Entretanto, mais uma vez utilizo as observações de Abdala júnior e
Campedelli, em Tempos da Literatura Brasileira.
Vieira foi um autor essencialmente barroco e pode-se extrair de seu
sermonário uma quantidade de características que a estética congrega:
o jogo com a palavra, a exploração de elementos visuais, os contrastes
extremados, o exagero das situações etc. Entretanto, jamais poderemos
situá-lo como autor gongórico, ou seja, aquele que joga com a pala-
vra meramente pela sedução do jogo ou pelo simples rebuscamento
formal. Em Vieira predomina o conceptimo, isto é, o desenvolvimento
da ideia no sentido da persuasão; a retórica no sentido de amparo ao
seu discurso. Nesse caso, convém transcrever o que diz o ‘ Prólogo do
Autor’ da primeira edição dos Sermões:
‘Se gostas de afetação e pompa de palvras, e do estilo que cha-
mam culto, não leias. Quando este estilo mais florecia, nasceram as
verduras do meu (que perdoarás quando as encontrares), mas valeu-

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  61


-me tanto sempre a clareza, que só porque me entendiam comecei a
ser ouvido; e o começaram também a ser os que reconheceram o
seu engano, e mal se entendiam a si mesmos.’
“ A advertência é clara e contundente: ‘o estilo que chamam culto’
é o gongorismo, uma forma inferior, preocupada apenas com o prazer
lúdico. Vieira defendia a finalidade prática do sermão.
Cumpre, portanto, transcrever abaixo um trecho do paragráfo III do
Sermão da Sexagéssima, exemplar demonstração de raciocínio e de
conceptismo:
‘fazer pouco fruto a palvra de Deus no Mundo, pode proceder de
um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do
ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de
um sermão, há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo;
há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há
de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a
si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem es-
pelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e
olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. Logo, há mister
luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de
uma alma, senão entrar um homem dentro de si e ver-se a si mesmo?
O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus con-
corre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que
é o conhecimento.(...)’

......................................................................................................
Espero ter despertado o seu interesse por esse escritor excepcional
que nos deixou mais de 200 sermões, dentre os quais destacamos:
• Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as ar-
mas de Holanda. Pregado em 1640, na Igreja de Nossa Se-
nhora da Ajuda, incitando os fiéis a expulsarem os holandeses
do Nordeste.
• Sermão do bom Ladrão (ou da Audácia). Pregado na Igreja da
Misericórdia, em Lisboa, na Quarema de 1655. O autor abor-
da diretamente a desonestidade reinante em seu tempo.
• Sermão da Sexagésima (ou do Evangelho). Pregado na Capela
Real, em 1655. É neste sermão que Vieira faz uma profissão de
fé ao conceptismo. Procura provar a má qualidade dos sermões
da época, questionando os pregadores.
• Sermão de Santo Antônio (ou aos Peixes). Pregado em São Luís
do Maranhão, em 1654. Vieira intensifica sua crítica à cegueira
e à surdez dos ouvintes, dos fiéis, afirmando que certo estava
Santo Antônio que fora pregar aos peixes que o ouviram, já que
o povo não o ouvia.

 62 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


O Barroco e as Academias
Em meados do século XVIII, período final do Barroco, foram cria-
das, a exemplo de Portugal e da Europa, aqui na colônia, grêmios
eruditos e literários, também chamados de academias, com finalidade
nativista de cantar a terra e personalidades do governo.
Segundo Bosi (1992, p. 52-57), das academias brasileiras pode-se
dizer que foram:
a) o último centro irradiador do barroco literário; b) o primeiro sinal
de uma cultura humanística viva, extra-conventual, em nossa socieda-
de. Por isso, talvez tenham sido mais relevantes as suas contribuições
para a História e a erudição em geral que o pesado rimário gongórico
compilado por seus versejadores.
Foram baianas as academias mais fecundas, a Brasílica dos Es-
quecidos (1724-25) e a Brasílica dos Renascidos (1759). Teve também
alguma relevância como fenômeno de agremiação cultural no Rio de
Janeiro, entre 1736 a 1740, a Academia dos Felizes.
Ao lado dessas instituições, podem-se citar os atos acadêmicos,
sessões literárias que duravam algumas horas e tinham por fim cele-
brar datas religiosas ou engrandecer os feitos de autoridades coloniais:
neste caso figura a chamada Academia dos Seletos do Rio de Janeiro
(1752), que se resumiu numa série de panegíricos rimados em louvor
do general Gomes Freire de Andrada, impressos mais tarde em Lisboa
sob o título de Júbilos da América.
A Academia Brasílica dos Esquecidos, fundada pelo vice-rei, Vasco
Fernandes César de Meneses, por ordem de D. João V, escolheu para
lema “ Sol oriens in occiduo” e os seus membros se apelidaram, à
maneira dos confrades portugueses, Nubiloso, Infeliz, Obsequioso, In-
flamado, Ocupado, Menos Ocupado, etc. Eram seus planos estudar
a história natural, militar, eclesiástica e política do Brasil e discutir nas
sessões os versos compostos pelos acadêmicos. O nome do Acadê-
mico Vago, Coronel Sebastião da Rocha Pita ( 1660-1738) é o mais
lembrado do grupo. (…) e do que resultou é difícil dizer se mais espanta
a frivolidade dos assuntos ou o virtuosismo da elocução.
Os Esquecidos foram cerebrinos fazedores de acrósticos e mesós-
ticos, sonetos joco-sérios e plurilíngues, centões, bestialógicos e até
engenhos pré-concretos, como o Labirinto Cúbico de Anastácio Ayres
de Penhafiel.
Para você entender essa alusão ao papel atemporal dos acadê-
micos como pré-concretistas, veja o que Proença Filho (1988, p.53)
nos diz sobre a poesia concreta, tendência que surge, no Brasil, em
1958. Os “poemas concretos” centralizam-se na palavra como coisa,
num procedimento antidiscursivo (… ). Com tal propósito, os poetas
valem-se da fragmentação de palavras, da associação de vocábulos
pela aproximação fônica, atomizam partes do discurso, rompem com
a sintaxe tradicional, desintegram os vocábulos em seus morfemas, ex-

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  63


ploram o ludismo sonoro, o branco da página etc., propondo novas
relações sintético-espaciais, culminam com o aproveitamento de técni-
cas, como a colagem, o grafismo, o desenho, a fotomontagem.
Embora saiba que esse conteúdo será abordado quando você estu-
dar a Pós-Modernidade, essa informação era necessária para a com-
preensão do poema que transcrevo a seguir, citado anteriormente.

INUTRUQUECESAR
N I NUTROQUECESA
UN I NUTROQUECES
TUN I NUTROQUECE
RTUN I NUTROQUEC
ORTUN I NUTROQUE
QORTUN I NUTROQU
UQORTUN I NUTROQ
EUQORTUN I NUTRO
CEUQORTUN I NUTR
ECEUQORTUN I NUT
SECEUQORTUN I NU
ASECEUQORTUN I N
RASECEUQORTNU I

A Academia Brasílica dos Renascidos, cujo símbolo era a Fênix


entre chamas e a divisa “ multiplicabo dies”, sabe-se que precisou dis-
solver-se por ter caído em desgraça o fundador, José Mascarenhas.
Nos seus códices encontram-se os mesmos exemplos de cultismos da
Academia dos Esquecidos que ela se propunha reviver. Salvaram-se da
produção ligada ao grêmio obras em prosa de valor documental: o
Orbe Seráfico Novo Brasílico (1761) de Fr. Antônio de Santa Maria
Jaboatão, cronista dos franciscanos na Colônia; a História Militar do
Brasil de José Mirales, a Nobiliarquia Pernambucana de Antônio José
Vitorino Borges da Fonseca e Desagravos do Brasil e Glórias de Per-
nambuco do beneditino Domingos de Loreto Couto, muito apreciado
por Capistrano de Abreu pela simpatia com que viu nosso indígena.
Da Academia dos Felizes, reunida entre 1736 e 1740 no Rio de
janeiro, pouco se sabe: a origem palaciana do fundador, o Brigadei-
ro José da Silva Pais que então substituía Gomes Freire de Andrada;
o lema “ignavia fuganda et fugienda” e, como símbolo, um Hércules
ameaçando o ócio com a clava. Não se conhece o seu espólio literário.
…...................................................................................................
As academias e os atos acadêmicos significavam que a Colônia já
dispunha, na primeira metade do século XIII, de razoável consistência
 64 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
grupal. E embora tenha se restringido a imitar sestros da Europa bar-
roca, já puderam nutrir-se de história local, debruçando-se sobre os
embates contra os holandeses no Nordeste ou sobre as bandeiras e o
ciclo mineiro no Centro-Sul.

À guisa de conclusão
Chegamos ao término dessa unidade. Muita coisa deixou de ser
dita pela exiguidade de tempo correspondente a uma unidade. Cabe a
você preencher as lacunas deixadas, fazendo pesquisas e leituras na(s)
biblioteca(s) de sua cidade ou em bibliotecas particulares. Os professo-
res sempre dispõem de livros para pesquisa e são pessoas predispostas
a emprestá-los. Mais uma vez lembro que a internet é uma boa fonte de
pesquisa, desde que a busca seja em sites especializados.

Filmes recomendados
Tenho sempre orientado filmes que abordam a temática em estudo
e que contribuem para uma melhor compreensão do período em foco.
Para entender a influência do contexto barroco nos sermões de Vieira,
bem como o surgimento das Academias, sugiro que sozinho(a) ou com
alguns amigos (as) assista(m):

O JUDEU (1995). Filme que retrata a vida do dramaturgo brasileiro


Antônio José da Silva, nascido no Rio de Janeiro, em 1704. Vivendo
em pleno domínio da Inquisição, foi usado como bode expiatório num
complicado jogo político. Além de sofrer torturas inimagináveis, o
artista acaba condenado à morte na fogueira, em 1739. (Já indicado
na unidade anterior).
EM NOME DA ROSA (1986). O filme trata da história ocorrida em
1327, em um mosteiro beneditino italiano que continha, na época, o
maior acervo cristão do mundo. É interessante assisti-lo para entender
melhor a questão religiosa na Idade Média, bem como compreender a
proposta renascentista. (Já indicado na unidade anterior).
PALAVRA E UTOPIA (2000). Em 1663, quando o Padre Antônio Vieira
é convocado a comparecer diante do terrível Tribunal da Santa Inquisi-
ção portuguesa, ele precisa explicar as ideias que defende ao questio-
nar a escravidão, a situação dos índios e as relações império/colônia.
Intrigas na corte e um pequeno mal-entendido enfraquecem o poder do

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  65


jesuíta, que chegou a ser amigo íntimo do rei Dom João IV. Perante os
juízes, padre Vieira passa a limpo seu passado: a juventude no Brasil e
os anos de noviciado na Bahia, seu envolvimento na causa dos índios
e o primeiro sucesso no púlpito. Este filme é um tributo de Manoel de
Oliveira(diretor) ao padre Antônio Vieira. Segundo os críticos, a pelícu-
la não é uma cinebiografia, mas sim um corajoso documento sobre a
palavra e sobre o pensar.

Leituras recomendadas
• Os livros de História do Brasil, especificamente os capítulos
sobre a Reforma e a Contra –Reforma, bem como artigos na
internet.

• Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira que tratem do perí-


odo barroco.

• Artigos na internet que abordem o Barroco, o surgimento das


Academias e seus representantes.

• Livros de História e artigos que tratem da história dos cristãos


novos.

• Livros e artigos que abordem as invasões holandesas, tema de


um dos sermões de Vieira.

• Artigos sobre o Tribunal da Santa Inquisição, conhecido tam-


bém como Tribunal do Santo Ofício.

• Artigos sobre Enciclopedistas e Iluministas.

• Em livros e/ou na internet, alguns Sermões de Vieira.

• Em visitas à(s) biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços,


você encontrará material necessário para complementar seus
conhecimentos.

 66 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Agora, é hora de rever os objetivos propostos para essa unidade.
Acredito que as informações dadas lhe permitiram entender o entrela-
çamento da História com a Literatura.
Sei que você também aprendeu que como a literatura reflete o ho-
mem como ser social e histórico, entendeu o comportamento, os me-
dos, ideias e posicionamentos dos autores aqui apresentados.
Tenho certeza de que você entendeu o papel de padre Antônio Vieira
em defesa dos menos favorecidos, apesar da sua condição de jesuíta.
Por fim, sei que você é capaz de analisar textos produzidos nos di-
ferentes contextos estudados: político, social e individual e religioso ao
responder às atividades propostas.
Nossa aula pretendeu apenas seduzi-lo (a), despertá-lo (a) para
a riqueza da nossa cultura e incentivá-lo (a) para um aprofundamento
maior sobre o tema. O caminho foi apontado. Cabe a você explorá-lo.
Sucesso. Aguardo você no próximo encontro/estação. Está lembrada(o)
que estamos em uma viagem através do tempo? Até lá.

Resumo
Muito do que vamos falar agora já foi dito no encontro anterior.
Entretanto, necessário se faz lembrar-lhe que o período barroco teve
início em 1601 e término em 1768. Como vimos, há uma delimitação
no tempo. Nesse período, toda a produção artística em verso e prosa
retrata as questões políticas, sociais e religiosas da época. Preso à
religiosidade medieval, o homem barroco vive a insegurança, o terror
e toda a violência imposta por aqueles que professavam a fé católica.
Nesse cenário, surge a figura de Padre Antônio Vieira. O fato de ser
jesuíta e português de nascimento, embora tenha vindo para o Brasil
ainda criança, nos faz acreditar que este religioso terá o mesmo com-
portamento dos demais religiosos da época. Todavia, somos surpreen-
didos por um Vieira que vai se revelando para nós como defensor dos
índios, dos escravos e dos cristãos novos. Na luta em prol dos menos
favorecidos, Vieira vai usar as armas de que dispõe: o púlpito das igre-
jas, seja aqui no Brasil ou em Portugal, utilizando-se dos recursos de
linguagem peculiares ao Barroco, o religioso usará da inversão, das
metáforas e das antíteses como forma de persuadir e convencer os
fieis, incluindo-se, a esses, as mais altas autoridades presentes ou não
no ato religioso. Você aprendeu, ainda, que paralelamente à prosa de
Vieira e à poesia de Gregório, surgem as Academias e ao lado destas
os atos acadêmicos.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  67


Autoavaliação
A autoavaliação é um exercício importante para todo e qualquer
aprendizado. Nessa perspectiva, propomos que você:

a) Elabore pequenos resumos sobre o assunto estudado. Escreva pensando em


um possível leitor.

b) Teça comentário sobre o Sermão do Bom Ladrão, analisando-o comparando-o


com a corrupção de hoje. Liste as semelhanças encontradas e discuta com
seus colegas. Apresente-lhes Vieira.

c) Após assistir cada filme, repita o exercício de elaboração de textos. Emita sua
opinião sobre o enredo, personagens que achou mais interessantes, paisagens,
cenas mais fortes e outros pontos que você achar necessário destacar.

d) Releia os textos que você produziu. Seja seu próprio juiz. Ficaram claros e
objetivos? Outra pessoa é capaz de entender o que você escreveu? Caso essa
autoavaliação não lhe agrade, refaça os textos. Ânimo, todo escritor refaz o que
escreve.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 68 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo. Ática, 1986.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo,


Cultriz, 1992.

_____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras,


1996.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo. Ática, 1990.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro.


Bertrand Brasil S.A, 1988.

FILHO PROENÇA, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São Paulo.


Ática, 1988.

_________________, Domício. Estilos de Época na Literatura. São


Paulo, Ática, 1978.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo.


Cultrix, 1991.

RODRIGUES, A. Medina et al. Antologia da Literatura Brasileira: textos


comentados. Vol. 1. São Paulo. Marco Editorial, 1979.

VERDASCA, José (Org.) Sermões Escolhidos. Padre Antônio Vieira. São


Paulo. Martin Claret, 2003.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  69


 70 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
IV UNIDADE

O locus amoenus, uma


nova forma de viver

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  71


Apresentação
Caro (a) aluno (a),
Esta é a nossa quarta unidade. Começamos juntos uma
viagem que para mim está sendo bastante agradável. E para
você? Como tem vivido essa experiência? Como eu, tem
desfrutado de cada informação recebida? Espero que sim,
pois teremos muitos dias nessa jornada. Continuaremos via-
jantes do túnel do tempo, participando de novos eventos
históricos, conhecendo novas pessoas, novos herois, novos
escritores e poetas. O período que vamos estudar é bem
claro, objetivo, leve. Para alguns, Século das Luzes, Enciclo-
pedismo, Neoclassicismo e Arcadismo são nomes distintos
que você encontrará nos livros didáticos em relação a essa
fase em que toda angústia e medos vividos parecem ter fi-
cado para trás.
Talvez, assim como eu, você se pergunte? É possível al-
guém que viveu em tamanha escuridão com medo de casti-
go, medo da Inquisição, dividido entre céu e terra, da noite
para o dia perder esse medo? Claro que não! O caminhar
da sociedade é semelhante a uma linha sinuosa.

Há momentos em que a ideologia predominante está no


topo, é o seu auge. Vive o homem os costumes, as ideias,
as crenças e a euforia do momento. Mas, como é peculiar
à condição humana, pouco a pouco, aquilo que satisfazia
vai se desgastando e, em consequência, começa a declinar.
É nessa fase que surge uma nova tendência, algo diferente
que preencha o vazio ora vivido, opondo-se ao obscuro pe-
ríodo barroco. Essa nova forma de encarar a vida tem como
princípios a simplicidade, a tranquilidade, o campo e a na-
tureza, como elementos necessários à realização humana.
A letra da música a seguir representa bem esse novo an-
seio. Vejamos:
Eu quero uma casa no campo

 72 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Onde eu possa cantar muitos “rocks-rurais”
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais.
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar
Do tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo
E nada mais.
Eu quero carneiros e cabras pastando
Solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
E um filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com amor
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal pau-a-pique, sapé
Onde eu possa guardar
Meus amigos e meus discos,
Meus livros e nada mais.
(Zé Rodrix)

Objetivos
No final dessa aula, esperamos que você:

• Identifique a Literatura como reflexo do homem como ser social


e histórico;
• Entenda o Iluminismo e o Enciclopedismo como movimentos
filosóficos oriundos dos anseios do homem de setecentos;
• Identifique o Arcadismo/Neoclacissismo como resultante desses
movimentos históricos;
• Entenda o envolvimento dos autores árcades brasileiros e o
movimento da Inconfidência Mineira;
• Conheça os principais representantes do Arcadismo brasileiro;
• Identifique as características peculiares ao Arcadismo brasileiro;
• Analise textos literários produzidos nesse contexto: político, so-
cial, individual e religioso.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  73


Século das Luzes

Começo nossa conversa com algumas perguntas: o que foi, na re-


alidade, o Século das Luzes? Que importância esse tempo teve para a
humanidade, principalmente, para o homem ocidental? E para o Brasil,
uma simples colônia, tão distante de sua sede?
Para responder a essas indagações, transcrevo que nos dizem
os estudiosos da Literatura Brasileira, Abdala Júnior e Samira Campe-
delli, na obra Tempos da Literatura Brasileira, p. 44,.45.

...Iluminismo ou Ilustração, movimento filosófico,


religioso, científico e pol[itico iniciado em fins do
séc XVII e que predominou na Europa do século
XVIII. Este foi o “Século das luzes” - da razão e da
ciência. Foi o século do “despotismo esclarecido”:
monarcas absolutistas ou seus ministros procura-
vam reformar a sociedade, adotando perspectivas
liberais. Em Portugal, correspondeu politicamente
ao governo do marquês de Pombal, entre 1750 e
1777. Suas reformas, como a do ensino leigo e
a expulsão dos jesuítas do Brasil, coexistiram com
a perseguição dos enciclopedistas que perdiam
maior democratização da sociedade.
O Iluminismo marcou, em Portugal, a crise entre
a aristocracia e a burguesia industrial; no Brasil, a
crise se deu entre a sociedade colonial e os coloni-
zadores portugueses. Entre os princípios do Ilumi-
nismo estavam:
• a ideia de livre pensamento. O liberalismo fi-
losófico (liberdade de pensamento) preparou o
liberalismo econômico;
• a confiança nas leis da Natureza. Na natureza
tudo seria regular e racional. Nada seria ob-
jeto de explicação sobrenatural ou milagrosa;
• a reinvidicação de reformas sociais. As institui-
ções políticas, jurídicas e econômicas não pos-
suiriam ordem divina, como pretendia o abso-
lutismo monárquico. A razão deveria reformar
essas instituições em função do progresso. E a
forma de governo superior seria a República.

Os princípios iluministas apareceram na Enciclopédia (1751-1772,


17 volumes). O enciclopedismo (sistematização dos ideais iluministas)
serviu de base ideológica para a ascensão da burguesia, fortalecida
pela Revolução Industrial.
Segundo Falcon Calazans, historiador e livre docente em História
Moderna, o Iluminismo não se encerrou em determinada data como
afirmam os livros de História e Literatura, de forma geral. Para esse

 74 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


autor, ainda hoje vivemos política e intelectualmente os princípios ilumi-
nistas. Em sua obra, Iluminismo, p. 6, o historiador esclarece:

Para o mundo de hoje o Iluminismo é algo bas-


tante presente. (...) Somos hoje, de uma forma ou
de outra, herdeiros do Iluminismo. E o somos em
escala bem mais significativa do que muitos pare-
cem dispostos a reconhecer ou assumir, pois, quer
como estilo de pensamento, quer como realidade
política, o fato é que o Iluminismo ainda vive. (...)
No plano político restou-nos principalmente a ver-
tente autoritária do Iluminismo, sempre distante e
hostil à participação popular, tão elitista hoje quan-
to o eram à sua época os nossos tão familiares
“déspotas esclarecidos”. De fato, como designar,
na atualidade, senão como manifestações “ilumi-
nistas”, as formas iluminadas de que se revestem
tantas ditaduras e líderes carismáticos, tantas eli-
tes tecnocráticas e tantos partidos que se procla-
mam, todos eles, donos exclusivos da verdade, ou
seja, do que é melhor para todos?
No plano intelectual, o Iluminismo converteu-se
nesse modelo paradgmático da verdade única e
indiscutível, acima de qualquer dúvida, que reco-
nhecemos simplesmente pela palavra ciência. À
sua sombra protetora vicejam a tecnocracia e a
burocracia. Esse triunfo da racionalidade científica,
por definição a-histórica, representa com certeza a
mais sólida e quase inbatível aquisição do Iluminis-
mo contemporânea. (...) É preciso, hoje, desconfiar
de tais manifestações (...)
Desconfiamos muito, iremos com certeza descon-
fiar muito mais ainda, dos autoritarismos do poder
e do saber.

Acrescentamos, ainda, a título de informação, como Proença Filho,


em seu livro Estilos de Época na Literatura, p.155, 156 se coloca sobre
o período iluminista.

Século XVIII, o Século das Luzes: momento de ra-


cionalismo, de investigação científica; é o instante
do emprego da energia a vapor na indústria têxtil
inglesa. É tempo do espírito enciclopédico (no sa-
ber e na experiência).
E “o homem deste momento histórico, senhor do
mundo pelo conhecimento, modificador do mundo
pela técnica”, crê no poder da ciência, capaz de
modificar as condições da humanidade, crê que
é possível eliminar as superstições negativas, causa
principal de todos os sofrimentos.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  75


O homem acredita no saber do homem e se preo-
cupa com mudanças radicais. Uma nova estrutura
social se traduz em “críticas à ordem social vigente
implícitas ou explícitas no iluminismo: a negação
das desigualdades sociais, a afirmação de que a
sociedade é produto do arbítrio e da iniquidade e
deve ser racionalmente reformada.”
É o momento de Voltaire e de Rosseau. Dos famo-
sos “déspotas esclarecidos”. Hora de crise. A classe
média substitui a aristocracia na liderança da his-
tória. Os enciclopedista franceses consubstanciam
e divulgam as novas ideias. E não nos esqueça a
Declaração dos Direitos do Homem.

Arcadismo/Neoclassicismo
A grosso modo, podemos dizer que o Arcadismo foi um estilo de época
que surge na Europa e posteriormente no Brasil, em oposição ao Barroco.
Toda a escuridão desse período é substituida pela simplicidade. A vida no
campo passa a ser o ideal da sociedade em detrimento da vida urbana,
símbolo da hipocrisia e caldeirão de doenças que a cidade representa:
acúmulo de habitantes e ausência de saneamento básico. Sufocado em
meio a tanta insatisfação, o homem busca os padrões greco-latinos. Justi-
fica-se, assim, o termo Neoclacissisno, ou seja, novos clássicos. E o termo
Arcadismo, qual sua origem? Inspira-se também na Grécia. Segundo a
lenda, a Arcádia era dominada pelo deus Pan e habitada por pastores que
viviam de forma simples e idílica, celebrando o amor e o prazer.
Cademartori, p. 31 et passim, em Períodos Literários, refere-se ao
movimento:
À tentativa de retorno, no século XVIII, aos pagrões
greco-latinos dá-se o nome de Neoclacissismo.
Nesse século manifestam-se várias tendências ideo-
lógicas e estéticas que dificultam uma cômoda defi-
nição do estilo da época. Segue-se ao Barroco um
período de difusão do racionalismo e de valorização
da concepção científica do mundo. Prega-se uma
revolução baseada no progresso do conhecimento
humano. É a época dos enciclopedistas Diderot,
Rousseau e Montesquieu, expoentes de uma socie-
dade voltada para a precisão e para a máquina, e
que acredita na melhoria da vida social graças á
divulgação do saber. A essa tendência denominou-
-se Iluminismo, cabendo ao termo Neoclacissismo
designar a imitação dos clássicos – como Virgílio,
Teócrito,Horácio – contrapostos à exuberância bar-
roca.Ainda uma outra tendência existiu paralela a
essas: o Arcadismo. Sem contrapor-se ao Neoclacis-
sismo e ao Iluminismo, o Arcadismo acrescenta-se
a essas tendências, evocando a vida pastoril como

 76 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


alternativa saudável para uma vida que o desenvol-
vimento das cidades tornou intranquila.
As tendências setecentistas diversifacam-se, mas
têm em comum a fé na razão e na ciência, o culto
à racionalidade e à sensibilidade clássica. Natu-
reza, razão e verdade estão em relação de corres-
pondência, embasando as manifestações artísticas.
(...)
A busca da objetividade conduziu à neutralização da
individualidade do poeta.Este passa a recorrer a situ-
ações e emoções genéricas nas quais sua emoção se
dilua. Para isso, prestam-se alguns recursos como o
bucolismo, destaque e celebração da vida campestre,
aliados ao fingimento pastpril. Nessa época em que
se iniciava o desenvolvimento urbano, o campo pas-
sa a ser visto como um bem perdido. A poesia
pastoril opõe o artificialismo das cidades à paisagem
natural. A própria designação “Arcadismo” para uma
das tendências da época liga-se à Arcádia, região
lendária da Grécia Antiga, habitada por cantores e
pastores que encarnavam a simplicidade e a naturali-
dade do contato direto com a natureza.(...)
Outro recurso para atingir a objetividade pretendi-
da constituía-se na invocação mitológica atra-
vés de nomes, situações e sentimentos que, perten-
cendo ao patrimônio clássico, adquirem, na obra,
um significado genérico. (...)
A tônica da obra neoclássica é o decoro, o que
implica ausência de profundidade. O estilo é ele-
gante e superficial. Tanto em relação à ambienta-
ção externa – como a paisagem – quanto à interna
sentimentos e emoções – o neoclássico não desce
às profundezas. A paisagem é aberta e tranquila: a
alma humana não apresenta suepresa nem misté-
rios. A natureza, entendida na acepção ampla de
cosmos, que tudo engloba, é o próprio equilíbrio.

Cademartori, resume o Neoclassicismo no seguinte quadro:


Influência ideológica: * Enciclopedismo de Diderot, Rousseau, Voltaire,
Montesquieu
Tendências da época: * Neoclassicismo: imitação dos clássicos
* Arcadismo: evocação da vida pastoril
* Iluminismo: difusão do racionalismo
Características: * Predominância da razão
* Busca de objetividade
* Culto à natureza
* Equilíbrio e sobriedade clássicos
* Presença da mitologia greco-latina

Como professor de literatura, você precisa ter um significativo embasa-


mento histórico para que compreenda a produção literária de cada época.
Batendo na velha tecla, o ser humano é movido por interesses ideológicos,

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  77


políticos, sociais e individuais. O exemplo da linha sinuosa apresentado no
início desta unidade representa bem esse movimento. Ontem, o interesse
maior era a fusão do teocentrismo com o antropocentrismo, lembra da
dualidade barroca? Agora a realidade é outra. A razão e a ciência são as
molas propulsoras da sociedade. Para esse novo homem, o conhecimento
implementado pelo Iluminismo e pelas Luzes será capaz de tirá-lo de todo
sofrimento. Ele é senhor do mundo pelo saber (movimento enciclopedista)
e senhor por dominar a técnica. Lembre-se de que a energia a vapor está
em plena efervescência na indústrial têxtil inglesa. Nesse contexto, critica-se
a ordem social vigente, condena-se as desigualdades sociais, reconhece-se
que a sociedade precisa ser racionalmente reformada. Parece tão simples,
não? A gente chega até a vislumbrar a união das diferentes classes sociais
tomando a rédea do destino de todos. Entretanto, não é bem assim. O po-
der sempre fica nas mãos de poucos. Ao longo de nossa viagem entendere-
mos melhor os fatos. Guarde, em sua memória, a imagem da linha sinuosa.

Arcadismo no Brasil
“Devemos imitar e seguir os Antgos: assim no-lo
ensina Horácio, no-lo dita a rezão; e o confessa
todo o mundo literário”
Correia Garção

Segundo Massaud Moisés (1990, p. 243), o Arcadismo brasileiro


pode ser dividido em três fases: a primeira data de 1786 até 1789 e
tem como marco a publicação de “Obras”, de Cláudio Manuel da
Costa. Essa época corresponde ao período de criação das Arcádias
e da Inconfidência Mineira, considerada como o Arcadismo propria-
mente dito ou Neoclassicismo. A segunda data de 1789 e termina
em 1808, com a chegada da família real ao Brasil. A presença da
Corte na colônia favorece a propagação das ideias iluministas entre
os árcades mineiros. Ressaltamos que naquela época, nossos jovens
saiam da colônia para estudar em Portugal e outros países da Europa,
de lá trazendo o modus vivendi da cultura europeia. Esse quadro é
modificado a partir do momento que a elite brasileira passa a ter con-
tato com pintores, artistas, músicos e intelectuais europeus. Entretanto,
a insatisfação com as arbitrariedades praticadas em nome da coroa
portuguesa, a agressividade utilizada nos métodos administrativos, bem
como a derrama de impostos ditada pelos lusitanos acabaram por
gerar o primeiro grande movimento de caráter revolucionário orga-
nizado no Brasil: a Inconfidência Mineira. Pessoas das mais diferentes

 78 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


camadas da sociedade particiraram ativamente desse movimento de
insurreição, professores, artesãos, advogados, comerciantes, estudan-
tes, representantes da igreja, médicos, militares, dentre outros. Desse
grupo participaram, ativamente, os mais importantes representantes da
poesia árcade brasileira: Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga,
Alvarenga Peixoto, Tomás Antônio Gonzaga.
Como tendência de oposição ao Barroco, os princípios da nova
estética apontam, de acordo com a orientação de Nícolas Boileau,
poeta e crítico francês, para a linearidade, a clareza, a objetividade, a
correção, a harmonia e o controle emocional ao expressar os sentimen-
tos, ou seja a impessoalidade.
Nesse retorno aos padrões clássicos, algumas máximas latinas
foram retomadas. Lembra quando ainda há pouco comentei sobre o
crescimento das cidades e a busca da vida no campo? Pois bem, essa
é a primeira das máximas que comentarei a seguir.
• Fugere urbem – O desejo de afastar-se da cidade provoca no
homem o sentimento nostálgico (bucolismo) de viver em con-
tato com a natureza. O cenário campestre torna-se pano de
fundo das composições poéticas.
• Inutilia truncat – Todos os excessos devem ser cortados. O re-
buscamento da retórica barroca é substituido pela clareza, ob-
jetividade e simplicidade da linguagem que deve ser usada de
forma direta, sem inversões.
• Carpe diem – Esse princípio você já conhece. Aproveitar o dia.
O homem barroco também o praticava. Assim como ele, o
homem árcade tem consciência da fugacidade da vida, da
fragilidade dos bens materiais. No entanto a visão do carpe
diem para o homem barroco difere do homem árcade. O pri-
meiro procurava viver intensamente, angustiado com a certeza
da morte, preso que vivia entre o bem e o mal. O segundo,
por ser materialista e racional, buscava aproveitar a vida, sem
preocupação, sem censura, sem medo.
• Locus amoenus – Lugar ameno. A natureza como um lugar
ameno e aprazível possibilita ao homem o equilíbrio e a paz
interior. A vida próxima à natureza possibilitaria uma vida sim-
ples, sem miséria e sem riqueza.
• Aurea mediocritas – Diferente do que a primeira vista possa
parecer, o termo mediocritas não significa mediocridade. Na
verdade, viver em aurea mediocritas é adotar uma vida simples,
voltada para a arte e a virtude, vivendo apenas do que era
essencial. A riqueza expressa pelo termo aurea também tem
significado distinto: volto a repetir, a fortuna está em viver de
maneira equilíbrada, sem pobreza, sem miséria.
Além de conhecer os preceitos árcades, é necessário fixar bem as
características peculiares ao período, embora já tenham sido citadas no
transcurso de nossa conversa. Ei-las sistematizadas por Proença Filho
(1978, p. 158-159);

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  79


• Reação ao mau gosto do Barroquismo.
• Culto da teoria aristotélica da arte como imitação da natureza-
-entendendo-se que o guia da arte é, neste caso, a razão. Não
se trata de reproduzir simplesmente a natureza, mas sim de
“apreender a forma imanente”, isto é, “uma verdade ideal. O
belo é o verdadeiro porque este é o natural filtrado pela razão.”
• Persistência das normas ditadas pela antiguidade clássica, con-
substanciadas rigorosamente nas artes poéticas e nos manuais
da época.
• Retorno ao equilíbrio e à simplicidade dos modelos greco-ro-
manos, diretamente ou através dos modelos renascentistas, no-
tadamente de Petrarca.
• Presença marcante do bucolismo, da exaltação da vida cam-
pesina, com sua paisagem, seus pastores e seu gado, com a
simplicidade das atitudes dos costumes da vida rural.
• Imposição de uma disciplina literária nacional, predomínio da
autoridade literária, do dogma sobre o bom gosto.
• Simplicidade, mas correção e nobreza de linguagem.
• Defesa de uma função social para a literatura, que deve ter
caráter didático e doutrinário.
• Preocupação com a finalidade moral da literatura.
• Preocupação com o homem natural, entendido “ no sentido
próprio, de primitivismo, como no figurado, de obdiência ao
que em nós é sangue e nervo.”
• Preocupação com alindar a possível feiúra da realidade.
• Tendência, na poesia, para pintar situações, mais do que emo-
ções.
• Separação, em termos clássicos, dos gêneros literários.
• Condenação da rima.

Esse retorno aos valores gregos fez com que os poetas árcades, a
exemplo dos pastores que viviam na Arcádia, adotassem pseudônimos
pastoris. Citemos como exemplo os nossos árcades mais destacados.

 80 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Na poesia lírica

Cláudio Manuel da Costa – Glauceste Satúrnio


Tomás Antônio Gonzaga – Dirceu e Critilo (nas Cartas Chilenas)
Manuel Inácio Silva Alvarenga – Alcino Palmireno.

Na poesia épica

Cláudio Manuel da Costa - Glauceste Satúrnio


José Basílio da Gama - Termindo Sipílio
Frei José de Santa Rita Durão - Este não adotou pseudônimo.

Na sátira

Tomás Antônio Gonzaga, Critilo, destaca-se na sátira

Na poesia encomiástica

Manuel Inácio Silva Alvarenga – Alcino Palmireno


Inácio José de Alvarenga Peixoto - Eureste Fenício.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  81


Atividade I
Fundamentado(a) no que você aprendeu até agora e pesquisando em livros de
literatura, bem como utilizando-se da internet, resolva as questões a seguir:

1) O que é Barroquismo? Anote as informações encontradas, confrontando-as


com as propostas árcades.

2) Pesquise sobre Petrarca. Quem foi, onde viveu e porque deve ser reverenciado
pelos poetas árcades. Lembre-se de que a escrita ajuda a memorização.
Continue fazendo anotações.

3) Releia o texto-canção apresentado no início desta unidade. Embora pertença


ao cancioneiro do século XX, você concorda que apresenta características
árcades? Em caso afirmativo cite-as. Se negativo, justifique.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 82 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Conhecendo nossos Árcades
Falar de nossos árcades é falar da Inconfidência Mineira. Por quê?
Porque os nossos maiores representantes do Arcadismo foram inconfi-
dentes. Viveram, como pastores, os anseios da áurea mediocridade,
cantaram a paz do campo e o sonho de um local ameno e aprazível.
Contudo, não conseguiram se afastar dos problemas reais que a co-
lônia e, principalmente, as Minas Gerais viviam. Por mais que possa
parecer contraditório, é preciso que nos lembremos que esses jovens
poetas estavam imbuidos dos ideais enciclopedistas e iluministas. Era
preciso lutar contra as desigualdades sociais, era preciso mudar a or-
dem social vigente. A exploração desenfreada praticada em nome da
Coroa Portuguesa exigia uma reação por parte do povo brasileiro,
nessa hora, representado pelos inconfidentes. Não preciso acrescentar
muita coisa, pois você já conhece essa história. Passemos aos poetas.

Cláudio Manoel da Costa


Como já vimos, coube a Cláudio Manoel da Costa iniciar o Arca-
dismo brasileiro quando da publicação de suas “Obras Poéticas”, em
1768.
Segundo as muitas biografias divulgadas, estudou humanidades no
Brasil com os jesuítas e diplomou-se em Direito por Coimbra, em 1753.
No ano seguinte retorna ao Brasil e fixa residência em Vila Rica, como
advogado e fazendeiro. Foi secretário de governo, mas ao envolver-
-se na Conjuração Mineira, foi preso e condenado. Morreu na prisão,
segundo registros da época, por suicídio. Essa versão é controversa.
Dizem que foi assassinado. Cecília Meireles, séculos depois do fato
ocorrido, em seu poema sobre a inconfidência, assim se posiciona:

Dizem que não foi atilho


nem punhal atravessado
mas veneno que lhe deram,
na comida misturado.
E que chegaram doutores,
e deixaram declarado
que o morto não se matara,
mas que fora assassinado.

Quanto a sua obra poética, foi um dos mais talentosos do Arca-


dismo luso-brasileiro. Apesar de adotar os valores clássicos, é comum
encontrarmos traços do Barroco em suas poesias. Sua musa inspirado-
ra, Nise, nunca é descrita fisicamente, mas sempre ressaltada como
ideal da mulher amada inatingível. Cantou montes, penhascos, serras,
montanhas e vaqueiros de sua terra. Cultivou a poesia lírica e a épica.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  83


Popularizou-se como sonetista. Na épica, inspirado pelo poema Uruguai
de Basílio da Gama, escreveu o poemeto Vila Rica, que trata da pene-
tração dos bandeirantes e descoberta das minas, das revoltas locais e da
fundação de Vila Rica.

Soneto XCVIII
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci: oh! quem cuidara
Que entre penhas duras se criara
Um alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigres, por empresa


Tomou logo render-me; ele declara
Contra meu coração guerra tão rara
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano


A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano;

Vós que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei: que Amor tirano
Onde há mais resistência mais se apura.

(Obras Poéticas)

Soneto XIII
Que inflexível se mostra, que constante
Se vê este penhasco! já ferido
Do proceloso vento e já abatido
Do mar, que nele quebra a cada instante!

Não vi; nem hei de ver mais semelhante


Retrato dessa ingrata, a quye o gemido
Jamais pode fazer que, enternecido,
Seu peito atenda as queixas de um amante.

Tal és, ingrata Nise: a rebeldia,


Que vês nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia:

Mas que diversa é tua natureza!


Dos contínuos excessos da porfia,
Recobras novo estímulo à fereza.

(Obras Poéticas)

 84 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Os textos em estudo apresentam alguns termos que, acredito, sejam
desconhecidos para você. Poderia dar-lhe os significados, entretanto,
pedagogicamente não estaria agindo de forma correta. É sempre bom
o professor estimular o aluno a decifrar o texto, utilizando dicionários
ou exercitando a própria compreensão, situando-se do contexto em
que o poema está inserido. Portanto, mãos à obra.
Procure conhecer outros poemas de Cláudio Manoel da Costa, in-
clusive Vila Rica.

Tomás Antônio Gonzaga

Vejamos o que nos dizem livros e biógrafos sobre este árcade, o


pastor Dirceu, de uma pastora Marília.
Nasceu na cidade do Porto, Portugal, em 1744, veio ainda menino
com a família para o Bahia, onde estudou até a juventude. Como era
comum à época, foi para Coimbra completar seus estudos, formando-
-se em Direito. Lá teve contato com as ideias iluministas e árcades,
chegando a escrever, em homenagem ao Marquês de Pombal, a obra
“Tratado de Direito Natural”, de cunho filosófico.
Ao retornar ao Brasi, passa a morar em Vila Rica, onde exerceu a
função de Ouvidor; inicia sua atividade literária, como também seu
romance com Maria Joaquina Doroteia de Seixas Brandão, jovem de
16 anos, que será imortalizada como a musa do poeta, a Marília de
Dirceu.
Envolvido na Conjuração Mineira, Gonzaga é preso em 1789e en-
viado para o Rio de Janeiro, onde ficou encarcerado até 1792, quando
foi julgado e condenado ao exílio em Moçambique.
Ingenuamente, pensamos que Gonzaga, ao ser afastado de Marí-
lia, o grande amor de sua vida, sucumbiria a tanto sofrimento, como
ele próprio relata nos poemas escritos na prisão. Entretanto, não é isso
que acontece. Segundo os registros, o poeta, mesmo na condição de
degredado, teve, na África, uma vida normal. Casou-se, enriqueceu e
envolveu-se com a política local. É considerado o poeta mais popular
do Arcadismo Brasileiro.
O poema Marília de Dirceu é composto por liras e dividido em
três partes. À primeira corresponde a fase de influência mais direta do
raciocínio iluminista e das propostas árcades. Caracteriza-se pelo tom
da felicidade vivida, pelas confissões de amor por sua pastora, pelas
descrições da paisagem e da mulher amada. É a fase de otimismo.
Na segunda parte, encontramos um eu-lírico fragilizado física e
moralmente pela prisão, pelas incertezas em relação à própria vida;
apresenta-se amargo e revoltado. Pelo linguagem sentimentalista e Sugerimos que você, aluno (a), adquira e
leia na integra o livro Análise do poema, da
subjetivista com que descreve seu infortúnio, percebe-se o afastamento Norma Godstein, a fim de que você possa ter
dos padrões árcades, caminhando para uma tendência pré-romântica. conhecimento, de maneira mais aprofunda-
da, dos recursos expressivos do poema.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  85


A terceira volta a uma linguagem mais leve. São dedicadas não
apenas a Marília, mas a outras pastoras. Vejamos algumas liras:

Parte I
Lira I
Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado;
De tosco trato, d’expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóis queimados.
Tenho próprio casal, e nele assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite;
E mais as finas lãs, de que me visto.
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!

Parte II
Lira I
Já não cinjo de louro a minha testa;
Nem sonoras canções o Deus me inspira:
Ah! Que nem me resta
Uma já quebrada,
Mal sonora lira!

Lira IV
Já, já me vai, Marília, branquejando
Louro cabelo, que circula a testa;
Este mesmo, que alveja ,vai caindo
E pouco já me resta.

Parte III
Lira I
Convidou-me a ver seu Templo
O cego Cupido um dia;
Encheu-se de gosto o peito,
Fiz deste Deus um conceito,
Como dele não fazia.

Lira V
Eu não sou, minha Nise, pergureiro,
que viva de guardar alheio gado;
nem sou pastor grosseiro,
dos frios gelos e do sol queimado,
que veste as pardas lãs do seu cordeiro.
Graça, ó Nise bela,
graças à minha estrela!

 86 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Quanto às Cartas Chilenas, escritas por Critilo, pseudônimo de To-
más Antônio Gonzaga, trnscrevemos o relato de Rose Jordão e Clenir
Bellezi de Oliveira (1999, p. 289),

As desavenças de Tomás Antônio Gonzaga com


as autoridades locais eram grandes, pois o poeta
combatia a corrupção e denunciava os desmandos
do tirânico governador de Minas Gerais, Luís da
Cunha Meneses – de quem Gonzaga tornou-se um
mordaz inimigo.
Nas Cartas Chilenas, Tomás Antônio Gonzaga ma-
nifesta todo o desprezo que sentia pelo governante,
assim como faz uma severa crítica à sua adminis-
tração. Na época, as cartas circularam anônimas
em Vila Rica, entre 1788 e 1789.
Escritas por Critilo (o próprio Gonzaga), morador
em Santiago do Chile, e dirigidas a Doroteu (o po-
eta Cláudio Manoel da Costa), que supostamente
vivia na Espanha, as cartas são compostas de treze
poemas satíricos em versos decassílabos sem rima
(versos brancos).
Nas cartas, Cunha Meneses aparece com o nome
do fanfarrão Minésio – o general de Chile (o Chile
está para Minas Gerais assim como Santiago está
para Vila Rica).

Atividade II
A primeira virtude do artista é a razão
Boileau

1 - Leia atentamente a epígrafe acima. Interprete-a levando em consi-


deração os ideais da racionalidade árcade.

2 - Elabore um breve comentário sobre os sonetos de Cláudio Manoel da Costa


apresentados nesta unidade.

3 - Após as leituras e comentários feitos, verifique se há nos textos influência


barroca. Cite-as justificando sua resposta.

4 - Agora, expresse sua opinião sobre os pequenos fragmentos das liras de


Tomás Antônio Gonzaga, comparando-as.

5 - Procure ler alguns trechos das Cartas Chilenas. Não guarde para si as dica. utilize o bloco
impressões que o texto lhe causou. Comente com seus colegas. Você de anotações para
conhece sátiras sobre a política atual? Chame a atenção de seus colegas responder as atividades!
para esse gênero utilizado, independente de época.
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  87
Frei José de Santa Rita Durão
Antes de apresentarmos Santa Rita Durão, necessário se faz dizer-
mos um pouco da poesia épica no período neoclássico e a relevância
desta para a identidade literária do País. É na épica que surgem os
temas de nossa cultura colonial, a descrição da natureza tropical, em
substituição ao locus amoenus da poesia europeia, e a introdução do
índio como herói, mesmo na condição de coadjuvante do europeu.
Esse sentimento nativista presente nos temas abordados são prenúncios
do nacionalismo romântico do século XIX.
Santa Rita Durão nasceu em Minas Gerais e morreu em Lisboa.
Sua obra mais importante é o poema épico Caramuru, que tem como
tema a colonização da Bahia, por Diogo Álvares Correia, misto de
missionário e colono português. Influenciado pelas ideias francesas do
“homem natural”, o poeta criou uma imagem idealizada do nosso ín-
dio. Essa visão influenciará, posteriormente, os escritores românticos
indianistas/naturalistas.
O poema segue o modelo camoniano de Os Lusíadas: é organi-
zado em 10 cantos, com estrofes de 8 versos e mesmo esquema de
rimas, ABABABCC; estrutura tradicional de Proposição, invocação, de-
dicatória, narração e epílogo. A ação central do poema é a lenda que
envolve a personagem histórica Diogo Correia, que após um naufrágio
escapa da morte amedrontando os índios com um tiro de espingarda.
Conta a lenda que ao ouvirem o disparo os índios cairam por terra ex-
clamando Caramuru! Caramuru!, termo que significa Deus do Trovão.
O Canto VI do poema, que a seguir transcrevo uma estrofe, narra
que Diogo recusara as filhas de vários chefes indígenas, pois amava
Paraguaçu, uma linda índia que tomara por esposa. Saudoso do mun-
do civilizado, resolve voltar à Europa. Inconformadas com a partida,
as jovens índias enciumadas atiram-se ao mar, seguindo o navio. Uma
delas, Moema, transtornada, agarra-se ao leme do navio e morre gri-
tando o nome de Diogo.

“ Perde o lume dos olhos, pasma e treme,


Pálida a cor, o aspecto moribundo;
Com a mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desde ao fundo.
Mas na onda do mar, que, irado freme,
Tornando a aparecer desde o profundo,
- Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa, -
E sem mais a vista ser, sorveu-se na água.”

 88 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Basílio da Gama
Nasceu em Minas Gerais, em 1741 e morreu em1795, em Lisboa.
Estudava no Colégio dos Jesuítas quando da expulsão destes do Brasil.
Como árcade adotou o pseudônimo de Termindo Sepílio. Em 1769,
publica o poema épico O Uruguai, considerada a melhor realização
no gênero, no Arcadismo brasileiro. Seu tema é a luta de portugueses e
espanhóis contra índios e jesuítas, instalados nas missões jesuíticas no
atual território do Grande do Sul, que não queriam aceitar o Tratado de
Madri. O ponto máximo do conflito ocorreu em 1756, quando foram
mortos 1500 dos 1700 índios que participaram da batalha de Caaiba-
té. Como se constata, um verdadeiro massacre.
Diferentemente do poema Caramuru, de Santa Rita Durão, O Uru-
guai foge da influência camoniana. O texto é dividido em 5 cantos, não
tem divisão estrófica, os versos são decassílabos e brancos ( sem rimas).
Estruturalmente o texto apresenta a seguinte composição:

I-Introdução

• Abertura ( Canto I, versos de 1 a 5);


• Invocação e Proposição ( Canto I, versos de 6 a 9);
• Dedicatória (Canto I, versos de 10 a 20);

II- Narração (Canto I, do verso 21 ao verso 139, do Canto V);

III- Peroração (Canto V, versos 140 a 150).

Embora o poema exalte como herói o português, o autor textual dá


voz aos índios permitindo-lhes criticarem o processo de colonização.
Nesse contexto, os vilões são os padres jesuítas, personificados na figu-
ra do Padre Balda.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  89


Atividade III
1 - Junte-se a seus colegas e leiam o poema O Uruguai, identificando os
personagens. Estudem as falas correspondentes a cada uma e declame-as.

2 – Repita o exercício em relação a Vila Rica, poema épico de autoria de Cláudio


Manoel da Costa. Identifique as diferenças entre os dois textos. Não deixe
de fazer o registro escrito no bloco de anotações. A discussão em grupo
favorece a aprendizagem.

3 – Acho que você percebeu que deixei de comentar a produção de dois poetas
que citei, também, como representantes do Arcadismo brasileiro. Trata-
se de Silva Alvarenga e Alvarenga Peixoto. Não pense que eles são menos
importantes que os demais. Apenas, como diz a sabedoria popular, o correto
dica. utilize o bloco não é dar o peixe, mas ensinar o outro a pescar. Utilizando o provérbio, cabe
de anotações para
responder as atividades!
a você, agora, pesquisar sobre os dois poetas, verificar as características
de cada um e fazer um breve comentário sobre o que você pesquisou. Este é
o desafio. Sucesso!

Considerações Finais

A minha vontade é continuar conversando sobre Arcadismo, buco-
lismo, Inconfidência Mineira, poetas e inconfidentes. Todavia, o tempo,
essa criação do homem para sua própria prisão, exige que terminemos
esse encontro.
Muita coisa deixou de ser dita, analisada, discutida. Agora, cabe
a você procurar preencher as lacunas deixadas. As leituras e os filmes
sugeridos ajudarão na compreensão da assunto.
Procure escutar a canção que transcrevemos no início da unidade.
Ela foi escrita e lançada nos anos 70 do século XX. Falo isso para lhe
lembrar do que afirmei no início do encontro sobre o ser humano.
Somos seres complexos em constantes mudanças. No entanto somos
o mesmo homem de ontem, em relação aos nossos anseios. Em plena
agitação política e social, em plena recessão pós Revolução de 64,
Zé Rodrix traz para nós, representando toda a sociedade da época, o
anseio de voltar ao campo, o anseio de curtir a paz do campo e afastar-

 90 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


-se de toda a agitação que as grandes cidades viviam. Somos árcades,
concorda comigo? Falo isso para mostrar que o Arcadismo enquanto
tendência de época acabou em 1823. No entanto, o sentimento árda-
de permanece e permanecerá sempre que o homem sentir necessidade
desse contato com a natureza.
Reveja os objetivos que tracei para essa unidade. Atingi-os?
Você é meu ou minha avaliadora. Seja crítica (o), nesse exercício crí-
tico, o futuro professor(a) aprende que as falhas apresentadas por um
professor não devem ser repetidas. Se somos exemplo para alguém,
devemos ser exemplos positivos. Concorda?

Leituras e filmes
recomendados
• Os livros de História Geral e do Brasil, especificamente os ca-
pítulos sobre Iluminismo, Enciclopedismo, Revolução Industrial,
Inconfidência Mineira, bem como artigos na internet.
• Livros e artigos que abordem a expulsão dos jesuítas do Brasil
e o papel do Marquês de Pombal nessa expulsão.
• Livros de Literatura Portuguesa e Brasileira que tratem do Arca-
dismo.
• Artigos sobre a Inconfidência Mineira, e o papel dos poetas in-
confidentes para a formação de uma literatura com identidade
nacional.
• Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você
encontrará material necessário para complementar seus conhe-
cimentos.
• 1808. Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma
corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de
Portugal e do Brasil.
• Os inconfidentes, filme em que José Wilker faz o papel de Tira-
dentes.
• A Missão, filme já recomendado, que trata das missões jesuíti-
cas na América do Sul.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  91


Resumo

Retomemos nossa conversa. Nessa unidade tivemos contato com


um dos períodos mais importantes e profícuos para o crescimento do
mundo ocidental, o movimento Enciclopedista Iluminista. Aprendemos,
também, que, como ainda acontece hoje, o Século das Luzes não signi-
ficou que o conhecimento estaria ao alcance de todos. Entretanto, esse
conhecimento possibilitou mudanças políticas significativas não só na
Europa, mas, também, aqui na Colônia. Todo esse movimento surge
em oposição a escuridão implantada pela visão teocentrista, a qual
impedia o homem de enxergar-se como sujeito de sua própria história.
Nesse conflito, o homem busca na cultura greco-latina a motivação
necessária par fugir das cidades que cresciam desordenadamente, fu-
gindo para o campo. O convívio com a natureza, seus rios e montes,
a vida simples do campo passam a ser o ideal de vida que o homem
almeja. Eis o Arcadismo. Aqui no Brasil Colônia, nossos árcades vivem
a insatisfação da sociedade em relação ao jugo português. Surge en-
tão um movimento de insurreição, em Minas Gerais, no qual nossos
poetas se engajarão. Ao tempo em que tramam contra a Coroa por-
tuguesa, cantam a paz do campo, atitude que pode parecer contradi-
tória. Contudo, é necessário lembrar que o movimento enciclopedista
tinha como meta, derrubar os governos absolutistas. Nesse sentido,
entendemos o engajamento dos árcades brasileiros em defesa da inde-
pendência do país.

 92 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Autoavaliação
“Quando me busco registro.
Quando registro me busco”

Chamo sua atenção para a epígrafe acima. Interpretando-a nos certificamos


de que o ato de registrar consolida uma ação ou um fato que não queremos
esquecer. Nesse aspecto, sugiro-lhe responder às propostas a seguir:

a) De acordo com a visão ácade, o homem que vive em contato com a natureza
é bom e puro. Você concorda com essa afirmação? Registre sua opinião
apresentando argumentos.

b) Pesquise sobre a poesia encomiástica de Silva Alvarenga e de Alvarenga


Peixoto. Expresse sua opinião sobre esse tipo de texto.

c) Após assistir cada filme sugerido, sistematize o que você considerou mais
relevante. Organize com alguns colegas um debate sobre os temas neles
abordados. Convide um professor para ser mediador no debate. Faça
anotações das colocações apresentadas. Não deixe de registrar sua opinião
sobre as referidas colocações.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  93


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo:


Cultriz, 1992.

_____, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo. Cia das Letras,


1996.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à Literatura no Brasil. Rio de Janeiro:


Bertrand Brasil S.A, 1988.

FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. São Paulo:Ática, 1989.

FILHO PROENÇA, Domício. Pós-Modernismo e Literatura. São


Paulo:Ática, 1988.

_________________, Domício. Estilos de Época na Literatura. São


Paulo:Ática, 1978.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 1. São Paulo:


Cultrix, 1991.

OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. E JORDÃO, Rose. Linguagens, Estrutura e


Arte. Vol.1. São Paulo: Moderna, 1999.

 94 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


V UNIDADE

Vivendo o ideário de
Liberdade, Igualdade e
Fraternidade

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  95


Apresentação
Caro (a) aluno (a),

Estamos viajando há algum tempo. Durante esse perío-


do conhecemos poetas, vivenciamos processos ideológicos,
adquirimos conhecimentos, visitamos cidades e criamos la-
ços de amizade. A partir desta unidade, singraremos rumo
aos últimos portos da nossa viagem. Adentramos no ano de
1823, data que marca o início do Romantismo brasileiro.
Antes de conversarmos sobre o Brasil, é necessário veri-
ficarmos como está a linha sinuosa, que lhe falamos na uni-
dade passada, na Europa. Lembre-se de que toda influência
que recebíamos tinha como via direta Portugal, Espanha e
França, esta considerada como um caldeirão efervescente
de influência cultural e de poder político em toda Europa. É
nesse país que ocorre a revolução que muda os destinos do
mundo ocidental, a tão propalada Revolução Francesa que
culmina com a Queda da Bastilha.
Acreditamos que você está se perguntando se a nossa
conversa é sobre Literatura ou sobre História. Os fatos estão
tão entrelaçados que fica difícil separá-los. Como os fios
são entrelaçados, não podemos falar de uma sem entrar na
seara da outra, entendeu?
Desta forma, nessa unidade percorreremos da Revolu-
ção Francesa à influência desta para o surgimento do Ro-
mantismo na Europa e, consequentemente, para o Brasil.
Temos certeza de que você ficará fascinado(a) com obras,
poetas e escritores que irá conhecer. Sei também que o(a)
professor(a) que existe em você vai querer socializar com os
seus alunos esse fascínio.

 96 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Objetivos

No final desta aula, esperamos que você:

• Entenda a Revolução Industrial e a Revolução Francesa como


movimentos transformadores da sociedade;

• Identifique o Romantismo como tendência de época resultante


desses movimentos históricos;

• Conheça os principais representantes das diferentes expressoões


artísticas da época;

• Identifique as características peculiares ao Romantismo;

• Analise textos literários e cinematográficos produzidos nesse


contexto: político, social, individual e religioso.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  97


Romantismo

Quando escutamos o termo romantismo, logo nos vem à mente mu-


lheres absortas e sonhadoras, músicas melosas, cenas de pares trocan-
do carícias, desenhos de corações, e outras manifestações que exprimem
sentimento. Não é deste sentimento romântico que pretendo conversar
com você(s). Falamos de um determinado período, início do século XIX,
da história da humanidade.
Tudo começou, de fato, no século anterior, final do século XVIII, épo-
ca de transformações políticas, ideológicas, sociais e econômicas como
outras sobre as quais já conversamos, mas com um diferencial, essas
foram de suma importância para as décadas posteriores, perdurando
até os dias atuais. Destaca-se:
• A Revolução Industrial – 1750, substituindo a produção artesanal
pela industrial, em série, trazendo como consequência uma nova
classe social, o proletariado, mudando, radicalmente, o estilo de
vida nas cidades.
• A Revolução Francesa – 1768, resultando na famosa Queda da
Batilha, quando o poder passa da aristocracia para as mãos da
burguesia. Os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade pro-
pagadas pela revolução repercutiram não só na Europa, como
também nas Américas, inspirando novos movimentos.
Não nos causa espanto encontrarmos, nos textos sobre o tema, alu-
são à influência dessas transformações, também, nas artes e na literatu-
ra. Lembra-se do sentimentalismo de Dirceu ao dirigir-se a sua Marília;
da presença do índio como personagem na poesia brasileira, a exemplo
de Lindoia? Já eram prenúncios de uma nova era, na qual a objetividade

 98 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


neoclássica começava a ser rompida, ainda em pleno rigor da tendência.
Surge o romance, gênero narrativo até então inexistente, substituindo
a epopeia, narrativa em verso, expressão maior do Classicismo.
Em 1760, o irlandês, James Macpherson publicou uma coletânea
de poemas atribuídos ao poeta mítico - Ossian. Traduzido para outras
línguas, a obra apresentava um tom sentimental e melancólico, que im-
pulsionou uma nova linguagem poética.
Outro fato importante foi a publicação póstuma dos romances de
Jean-Jacques Rosseau, a Nova Heloísa (1761) e os Devaneios de um
passeante solitário (1762).
Com o nome de Sturm und Drag (Tempestade e Ímpeto), surge, na
Alemanha, o movimento pré-romântico, do qual fizeram parte Herder,
Schiller e Goethe, autor do romance “Sofrimentos do jovem Werther”,
que teria influência significativa nos escritores românticos.
Transcrevemos, a seguir, fragmento de um ensaio de autoria de Ca-
demartori, Períodos Literários, p. 36 et passim, sobre o Romantismo.

Na segunda metade do século XVIII, realizou-se


uma expressiva transformação na vida cultural do
Ocidente, com o surgimento da burguesia moderna
e, com ela, do individualismo e da valorização da
originalidade, inviabilizando a concepção de estilo
como comunidade espiritual. Rompendo com as
prerrogativas culturais da aristocracia, a burguesia
tem no Romantismo a legítima expressão do sentido
burguês da vida e um meio eficaz na luta contra a
mentalidade aristocrática, classicista e propensa ao
normativismo que pretende estabelecer, com anteci-
pação, o que é universalizante válido e valioso (…).

A partir da ascensão da burguesia, esta, tornando-


-se rica e influente, manifesta um padrão artístico
próprio, através do qual opõe à aristocracia sua pe-
culiaridade e afirma sua própria linguagem, que se
impõe por oposição aos padrões aristocráticos: tra-
ta-se de uma linguagem que, à frieza da inteligên-
cia, contrapõe a emoção e o sentimento; à opressão
rigorosa das regras artísticas opõe a insubordinação
do gênio criador. O surgimento da burguesia como
classe ascendente e a manifestação do espírito ro-
mântico constituem fenômenos inseparáveis.

O individualismo, característica mais marcante do


Romantismo é visto por Arnold Hauser como um
protesto contra uma ordem social em que o homem
se aliena, cumprindo funções onde ele é anônimo. A
partir do Renascimento, o homem ocidental tornou-
-se consciente de sua individualidade; porém, uma
consciência como exigência e como protesto contra
a despersonalização no processo cultural não exis-
te antes do Romantismo. O conflito entre o eu e o

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  99


mundo, o cidadão e o Estado, é anterior ao Roman-
tismo. Contudo, nunca antes desse movimento o
antagonismo existiu como consequência do caráter
individual do homem em conflito com o coletivo.

Assim como o individualismo, o destaque às emo-


ções presta-se à burguesia como meio de expressão
de sua independência cultural em relação à aristo-
cracia. A valorização das emoções e dos sentimen-
tos de um homem pertencente a uma classe por
tanto tempo desprezada age como um resgate da
minimização sofrida. Por essa razão, quanto mais
baixa fosse a camada burguesa, mais o culto aos
sentimentos funcionava como compensação aos
fracassos da vida prática.

A apreciação da repercussão do Romantismo só


pode ser feita tendo-se em vista que, cria-se, a ri-
gor, o público leitor. A antiga aristocracia cortês não
constituía propriamente um público leitor. Os poe-
tas, nas cortes, eram servos prescindíveis, mantidos
muito mais para prestígio dos senhores do que pelo
valor de sua produção artística. Mesmo assim, os
destinatários da literatura eram alguns poucos no-
bres desocupados. Além disso, a educação da mu-
lher como leitora só se iniciaria no século XVIII. Por
essa razão, o Romantismo conta com um público
novo para uma arte nova, produzida por uma clas-
se em ascensão que se assume como sentimental e
exaltada, em oposição a uma aristocracia reservada
e contida. Em decorrência, a intimidade e o emo-
cionalismo convertem-se em critérios estéticos e o
sentimento passa a ser garantia de receptividade do
artista por parte do público.

Se existe uma palavra capaz de definir o movimento Romântico, esta
palavra é rebeldia. Rebeldia ao estabelecido, rebeldia às normas impos-
tas, rebeldia a tudo que cerceia os direitos do homem à sua liberdade.
Adota-se a mistura dos gêneros, rompe-se a métrica e o rítmo, supera-se
a unidade do teatro clássico de ação, tempo e lugar. Em relação a esse
sentimento, ou melhor dizendo, comportamento, voltamos a citar Cade-
martori (op.cit. p.39) que afirma:
O Romantismo representou um dos estilos mais im-
portantes na história da mentalidade ocidental. O
direito do autor de seguir seus sentimentos, nunca
antes, na história da arte, havia sido incondicional-
mente acentuado, e jamais tinham sido tão enfati-
camente desprezados o auto-domínio, a razão e a
sobriedade. Por esse seu caráter contestador e re-
volucionário, o Romantismo desempenha um papel
determinante na história da arte. A sensibilidade, a
audácia, a anarquia e a sutileza da arte de hoje pro-
cedem da rebeldia romântica.

 100 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


A esse aspecto prospectivo do estilo contrapõe-
-se o interesse pelo passado. Os românticos bus-
cavam analogias na história e inspiração em fatos
e personagens de outras épocas. Os neoclássicos
estiveram voltados para a Antiguidade, onde bus-
cavam inspiração e padrão. Os românticos, porém,
quando se voltam ao passado, não é em busaca de
modelos, mas por sedução pelo remoto, tentativa
de fuga do presente. O passado atrai pelo exótico,
por estar distante. É pela mesma razão, pelo desejo
de escapar ao circunstancial, que se manifestam no
Romantismo o sonho, a loucura, a utopia, as remi-
niscências de infância. O neoclassicismo se sentiu
dono da realidade; o romântico sentiu-se indefeso
perante ela, por isso a desprezava ou a superva-
lorizava, sem conseguir jamais uma identificação.
Contudo, a atração pelo passado foi decisiva para
o surgimento de novas concepções que apreendem
cada elemento de uma sociedade em sua relativida-
de e determinação histórica.

O Romantismo, como se pode deduzir, repercutiu em todas as mani-


festações artísticas da época, que passam a apresentar uma abordagem
mais subjetiva e emocional do mundo; a pintura expressa a liberdade de
criação que decorreu do abandono das regras que guiavam os artistas
de períodos anteriores. Os sentimentos são retratados nas telas como
forma de representar a realidade. Nesse sentido, o antigo conceito grego
de belo na arte é abandonado pelos românticos, que defendem a junção
do grotesco e do sublime, do feio e do bonito, como são as coisas na
vida real.
Na música, o alemão Ludwing van Beethoven é o primeiro a romper
com a forma clássica e a abrir caminho para um novo conceito em mú-
sica. Destacam-se, ainda, Franz Schubert, Chopin, Liszt, Brahms dentre
outros. Na pintura, Delacroix, Turner, Contable e Goya.
Na escultura, destacamos Rodin. Esculturas de Rodin, há bem pou-
cos anos, foram trazidas ao Brasil e expostas ao público em geral.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  101


O beijo, de Rodin O pensador, de Rodin
No Google e em livros sobre arte você encontrará exemplos de
esculturas não apenas de Rodin, mas de outros contemporâneos dele.

Atividade I
A seguir, apresentamos a vocês algumas telas de pintores romãnticos. De posse
do endereço eletrônico de onde elas foram retiradas, visite a página e conheça
outras telas, bem como outros pintores da época. Proceda da mesma forma em
relação à música, procure escutar algum dos artistas citados.

Anote o endereço: http://www.historiadaarte.com.br/arteromantica.html

Nessa página você encontrará comentários sobre a arte no Romantismo. Leia as


informações, elas contribuirão para um maior aprofundamento sobre o tema.
Role a página e no final da mesma você encontrará o título Imagens. É só clicar.
Caso encontre alguma dificuldade, entre no Google e digite: Telas de pintores
românticos. Entre os endereços expostos você vai encontrar o indicado. Use
a relação para visitar outras páginas. O ambiente virtual de aprendizagem-
AVA - é um bom espaço para vocês discutirem o tema. Pense na proposta. Boa
navegação e um bom estudo.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 102 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Modelos de escultura e arquitetura do período Romântico. Aproveite a
indicação e aprofunde a pesquisa. http://www.historianet.com.br/conteudo/
default.aspx?codigo=404

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  103


Romantismo e Literatura
Falar de Romantismo exige de nós que o fazemos, falar de Victor
Hugo, um dos maiores escritores da literatura francesa e mundial. De
sua obra, ressaltamos o “Prefácio de Cromwell”, ou em português do
“Grotesco e do Sublime”. Este texto, embora não seja objetivo do autor,
é um verdadeiro manifesto da estética romântica. Théophile Gautier
(apud Barretini, p.7.) afirmava que o prefácio irradiava aos olhos dos
jovens românticos “ como as tábuas da lei no monte Sinai.”
Para lhe falar sobre ele, utilizamos a tradução de Célia Barretini,
publicada pela Perspectiva, edição de 1988. É obra de fundamental
importância para todo estudioso da literatura e obrigatória para quem
pretende lecioná-la.
Como foi dito anteriormente, o Romantismo introduz uma nova vi-
são do fazer poético, “nova era vai começar para o homem e para a
poesia”, transformando-se em divisor de águas entre o ontem o hoje,
pois seus efeitos ainda se fazem sentir. Vejamos porque:
Ao iniciar seu manifesto, Hugo traça um paralelo entre a evolução
da poesia e a vida do homem. Da mesma forma que este passa por três
fases, infância, idade adulta e velhice, assim também ocorre com a po-
esia. Aos tempos primitivos corresponde o lirismo, aos tempos antigos
a epopéia, aos tempos modernos o drama, cada uma delas correspon-
dendo a um época da sociedade.

Nos tempos primitivos, quando o homem desperta


num mundo que acaba de nascer, a poesia des-
perta com ele. Em presença das maravilhas que
o ofuscam e o embriagam, sua primeira palavra
não é senão um hino. Ele toca ainda de tão perto
a Deus que todas as suas meditações são
êxtases, todos os seus sonhos visões. Expande-se,
canta como respira. Sua lira tem somente três cor-
das: Deus, a alma, a criação; mas este triplo misté-
rio envolve tudo, mas esta tripla ideia compreende
tudo. A terra está mais ou menos deserta. Há famí-
lias, e não povos; pais, e não reis. Cada raça exis-
te à vontade; não há melindres, não há guerras.
Tudo pertence a cada um e a todos. A sociedade é
uma comunidade. Nada incomoda o homem. Ele
passa esta vida pastoril e nômade pela qual come-
çam todas as civilizações, e que é tão propícia às
contemplações solitárias, às caprichosas fantasias.
Não opõe nenhuma resistência, abandona-se. Seu
pensamento, como sua vida, se assemelha à nu-
vem que troca de forma e de caminho, segundo
o vento que o impele. Eis o primeiro homem, eis o
primeiro poeta. É jovem, é lírico. A prece é toda a
sua religião: a ode é toda a sua poesia.
Este poema, esta ode dos tempos primitivos, é a
gênese.

 104 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Pouco a pouco, no entanto, esta adolescência do
mundo se vai. Todas as esferas crescem; a família
se torna tribo, a tribo se faz nação. Cada um destes
grupos de homens se amontoa ao redor de um
centro comum, e eis os reinos. O instinto social
sucede ao instinto nômade. O acampamento dá
lugar à cidade, a tenda ao palácio, a arca ao tem-
plo. Os chefes destes Estados nascentes são ainda
pastores, mas pastores de povos; seu cajado pas-
toril tem já a forma de cetro. Tudo se detém e se
fixa. A religião toma uma forma; os ritos regulam
a prece; o dogma vem emoldurar o culto. Assim
o sacerdote e o rei dividem entre si a paternidade
do povo; assim à comunidade patriarcal sucede a
sociedade teocrática.
No entanto as nações começam a ficar demasiado
comprimidas no globo. Elas se incomodam e se
ferem; daí os choques de impérios, a guerra. Elas
se ultrapassam, umas sobre as outras; daí as mi-
grações de povos, as viagens. A poesia reflete estes
grandes acontecimentos; das ideias elas passam às
coisas. Canta os séculos, os povos, os impérios.
Torna-se épica, gera Homero. (...) Nesta socieda-
de, tudo é simples, tudo é épico. (...) A família tem
uma pátria; aí tudo a prende; há o culto do lar, o
culto dos sepulcros. (...)
No entanto a idade da epopéia chega ao fim. As-
sim como a sociedade que ela representa, esta po-
esia se gasta girando sobre si mesma. Roma decal-
ca a Grécia, Virgílio copia Homero; e, como para
acabar dignamente, a poesia épica expira neste úl-
timo parto.Era tempo. Nova era vai começar para
o mundo e para a poesia.

E em nome de uma liberdade apregoada na política, em nome da


esperança de verdadeiras mudanças sociais, Hugo apregoa a liberda-
de da arte, dando início à Idade Moderna. Não nos afastaremos do
“Prefácio de Cramwell”.
Como já falei anteriormente, o referido prefácio é um verdadeiro
manifesto da estética romântica, claramente definida no trecho a se-
guir, p. 56 et passim.
“Digamo-lo, pois, ousadamente. Chegou o tempo disso, e seria
estranho que nesta época, a liberdade, como a luz penetrasse por toda
a parte, exceto no que há de mais nativamente livre no mundo, nas coi-
sas do pensamento. Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas.
Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte! Não há
regras nem modelos; ou antes, não há outras regras senão as leis ge-
rais da natureza que plainam sobre toda a arte, e as leis especiais que,
para cada composição, resultam das condições de existência próprias
para cada assunto. Umas são eternas, interiores, e permanecem; as
outras, variáveis, exteriores, e não servem senão uma vez. As primeiras
são o madeiramento que sustenta a casa; as segundas, os andaimes

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  105


que servem para construí-la e que se refazem para cada edifício. Estas
são enfim a ossatura, aquelas o vestuário do drama. Além disso, regras
não se escrevem nas poéticas. Richelet não o imagina. O gênio, que
advinha antes de aprender, extrai, para cada obra, as primeiras da
ordem geral das coisas, as segundas do conjunto isolado do assunto
que trata. Não à maneira do químico que acende seu fogareiro, sopra
seu fogo, esquenta seu cadinho, analisa e destroi; mas à maneira da
abelha, que voa com suas asas de ouro, pousa sobre cada flor, e tira o
mel, sem que o cálice nada perca de seu brilho, a corola nada de seu
perfume.
O poeta, insistamos neste ponto, não deve, pois, pedir conselho se-
não à natureza, à verdade, e à inspiração, que é, também uma verdade
e uma natureza. Diz Lope de Vega:

Cuando ha de escribir una comedia,


Encierro los preceptos con seis llaves.

Atividade II
Leia, atentamente, o fragmento que acabamos de estudar. Nele encontrará as
respostas para o roteiro a seguir:

a) Apresente o autor ( em um breve comentário informe onde nasceu e quais


atividades exerceu).

b) Qual o assunto do fragmento?

c) Segundo o autor, qual é o ideal da sua época que deve estar presente na
literatura?

d) Que argumentos utiliza para convencer o leitor de que esse ideal é de fato
importante?

e) Interprete o trecho: Destruamos as teorias, as poéticas e os sistemas.


Derrubemos este velho gesso que mascara a fachada da arte!

f) Nesse protesto, o que de fato ele condena?

g) Agora, posicione-se como crítico. O que achou do texto? Tem pontos


dica. utilize o bloco
de anotações para
positivos, quais? Tem negativos, quais? Você recomendaria esse texto para
responder as atividades! alguém ler? Alguém de sua área ou de outra? Indique.

 106 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Características do
Romantismo
O Romantismo, estilo de época que dominou a civilização ocidental
na primeira metade do século XIX, apresenta, de acordo com Proença
Filho, (p. 178 et passim), as seguintes características:
• Imaginação criadora - os escritos românticos revelam no artista
uma capacidade de criar mundos imaginários, e acreditar na
realidade dos mesmos. Do choque do seu Eu e o mundo o
escritor romântico se evade na aspiração por esse outro mundo
distinto situado no passado ou no futuro e onde ele não en-
contre as dificuldades que enfrenta na realidade imediatamente
familiar.
Há, portanto, da parte do escritor uma capacidade de interpretar,
a seu modo, o familiar e o transcedente que empresta eternidade ao
mundo sensível que o cerca.
• Subjetivismo – este é um dos traços fundamentais do Romantismo. A
realidade é revelada através da atitude pessoal do escritor. Não há a
preocupação com modelos a seguir. O artista traz à tona o seu mun-
do interior, com plena liberdade. Aliás, esta característica está ligada
estreitamente à imaginação criadora, como projeção deste mundo.
• Evasão ( ou escapismo) – fuga para um mundo idealizado à
base do sonho, das emoções pessoais. O poeta procura fugir
para o mundo imaginário a que já nos referimos. Pode ocorrer
também que surja ainda um novo choque entre o mundo so-
nhado e o mundo real e a solução seja evadir-se para a soli-
dão, para o desespero e para a evasão das evasões: o suicídio,
a morte. Aliás, esta é um dos temas preferidos de uma das
grandes correntes do movimento.
• Senso de mistério – decorre da visão pessoal da realidade, que
“aparece envolvida de sobrenatural e terror”. A vida surpre-
ende o artista a cada instante, na medida em que varie o seu
estado de espírito.
• Consciência da solidão – ainda decorrente da inadaptação ao
mundo “real”. Não há lugar nele para o artista. Então, ele mer-
gulha no seu mundo interior: o exterior não o compreende.
• Reformismo – também, ao invés de isolar-se, o artista se pro-
põe reformar o mundo. Essa preocupação leva-o ao sentimen-
to revolucionário que o aproxima dos movimentos libertários
bastante numerosos na época, e à exacerbada admiração por
grandes personagens políticas e militares.
• Sonho - é outra saída, como vimos. Traduz-se na aspiração por
um mundo diferente, frequentemente representado em símbolos
e mitos.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  107


• Fé - o escritor crê em si mesmo. No mundo ou mundos que cria.
Nas reformas que prega. Na intuição. Mesmo contra a lógica.
• Ilogismo – que leva, inclusive, a uma instabilidade emocional
traduzida em atitudes antitéticas ou paradoxais: alegria e triste-
za, entusiasmo e depressão.
• Culto da natureza – na sua evasão, o romântico encontra na
natureza o lugar de refrigério, de tranquilidade, onde o seu espí-
rito pode encontrar a paz. É a natureza capaz de inspirá-lo, de
cuidar dele, de velar a sua morte. Não nos esqueçamos que é
sobretudo romântico o mito do “bom selvagem”, do homem em
estado de natureza, ainda não contaminado pela “civilização”.
• Retorno ao passado - se o mundo atual leva a conflito, então
pode-se procurar no passado algo de diferente. E as épocas
antigas sobretudo a Idade Média, se oferecem como mais pro-
pícias. A era medieval tem a seu favor o ambiente misterioso e
transcendental que a caracteriza, o identificar-se com as origens
da nacionalidade; e mais: o caráter de oposição ao classicismo
leva o romântico a procurar a época anterior, a que, de certa
forma, os clássicos por seu turno se opõem.
• Gosto do pitoresco – ainda a procura de novas situações, con-
duz o romântico às terras distintas, às florestas virgens, às pai-
sagens orientais, ligadas como se depreende, a várias das ca-
racterísticas já pontadas.
• Exagero – o romântico não admite meio termo. As qualidades e
os defeitos são radicalmente colocados. Por outro lado a perfei-
ção não existe no mundo circundante: situa-se num tempo ou
lugar distante e sonhado ( passado e futuro).
• Liberdade criadora– contra todas as regras dos clássicos, dita-
das exclusivamente pela razão, o romântico proclama a inde-
pendência pessoal para julgar o que seja belo ou verdadeiro;
elimina os preceitos gerais que tendem a uniformizar os estilos e
a cortar as asas da imaginação pessoal; exalta o gênio criador
e renovador do artista. A regra das regras é a inspiração.
• Sentimentalismo – entendido como predomínio do sentimento
sobre a razão. O amor vence à razão.
• Ânsia de glória – outra característica que pode marcar o escritor
romântico é o seu desejo manifesto de “ser o centro da socieda-
de em que vive.” É, como se vê, uma decorrência do egocentris-
mo que lhe é peculiar. Por outro lado, o artista do século XIX já
não é mais um “servidor” de um mecenas ou de um rei, como
no Renascimento...
• Importância de paisagem – esta característica está associada
ao culto da natureza. No Romantismo a paisagem deixa de ser
impassível e se solidariza com o artista.
• Gosto pelas ruínas – como o “triunfo da natureza sobre o esfor-
ço meditado da inteligência.

 108 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


• Gosto pelo noturno - que atende, ainda, à atmosfera de misté-
rio, tão de preferência romântica.
• Idealização da mulher – a mulher, entre os românticos aparece
convertida em anjo, em figura poderosa, inatingível, capaz de
mudar a vida do próprio homem.

Esclarece, ainda o autor:


Quanto aos elementos não ligados à temática, podemos apontar
como características estilistas:
a) O Romantismo é a preferência pela metáfora, por contraste com o
Classicismo que confia principalmente na metonímia. A consequên-
cia desse comportamento linguístico é a propensão à imagística em
geral, seja na descrição épica (novelística), seja no simbolismo lírico,
seja na alegoria. (...)
b) Mistura dos gêneros literários – contrariando as normas clássicas,
que limitavam, fixavam os gêneros literários, fazendo-os, inclusi-
ve, corresponder a uma hierarquia social, o Romantismo impõe a
mescla, a evolução, a transformação, o desaparecimento dos gê-
neros, sem enriquecimento ou esclerose, e o nascimento de novos,
a concomitância de diversos numa só obra; desaparece, assim, o
espírito sistemático e absolutista que dominava a compreensão do
problema, talvez em conformidade com o novo status social vigente,
após a Revolução Francesa. Com esta, a burguesia sobrepõe-se à
aristocracia – a literatura deixa a elite para chegar ao povo.
c) Nova feição na poesia – como decorrência da confusão de gêneros,
(...) passa o artista a gozar de liberdade na metrificação e distri-
buição rítmica (...) já não se prende a normas ou preceitos rígidos:
permite-se utilizar dos ritmos de que dispõe como bem lhe aprouver.
E permite-se também, aliás, prática que vem desde o Arcadismo, a
utilização do verso branco1.
d) Variação no romance – ganhou o romance grande evidência com o
Romantismo:
• Inaugura-se o gosto da análise precisa e do realismo na pintura
dos caracteres e dos costumes.
1
Verso que obedece às regras métricas
• Preferem os ficcionistas os personagens – tipo, resultado de sín- de versificação ou acentuação, mas não
apresentam rima. GOLDSTEIN, Norma.
teses ideais que reúnem os mais variados traços. Versos,Sons,Ritmos. São Paulo: Ática,
1990.
• O romance passa a fundir realidade e fantasia, análise e in-
venção.
• Há uma tendência ao romance histórico.
• Também é comum o romance de terror; bem como o romance
de aventuras, o romance social, o romance de costumes.
e) Renovação no teatro – abandona-se a rigidez da regra das três uni-
dades permanecendo “a unidade de ação ou de interesse, criada
pelo personagem, que forma o seu centro.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  109


O teatro, assim liberado, amplia a sua temática e vira-se para o
passado nacional e para a história moderna, em lugar da antiguida-
de greco-latina, em busca da forma nova, a cor local, os costumes,
base da realidade e característica essencial da sociedade. Mas o drama
romântico distingue-se ainda pela união do nobre e do grotesco, do
grave e do burlesco, do belo e do feio, em suma, marca-se pelo con-
traste. E, ao invés de se valer notadamente do verso, como um clássico,
mistura verso e prosa.
Talvez você tenha achado esse nosso encontro muito denso de in-
formações. Entretanto, o objetivo foi situá-lo em relação ao contexto
em que o Romantismo acontece; bem como apresentar, talvez de forma
exaustiva, as características do movimento. Temos certeza de que o tex-
to produzido irá ajudá-lo a entender o Romantismo no Brasil.

Atividade III
1. Para entender melhor essa junção de grotesco e do sublime, sugerimos assistir
aos filmes que elencaremos a seguir, olhando-os à luz das características do
Romantismo. Convide seus colegas para a sessão de cinema. No final conduza
um debate no Ambiente Virtual para ver se as opiniões convergem ou divergem.
Socializar o saber é contribuir para um mundo mais crítico e cidadão. Boa
tarefa.

“O corcunda de Notre --Dame,” em suas duas versões, adulta e infantil, e “A


Bela e a Fera”.

 110 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


2. Para entender o mito do bom selvagem, defendido por Rosseau, sugerimos
que assista “A Lagoa Azul”.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Romantismo em Portugal
Este texto talvez seja desnecessário, pois você estudará a Literatura
Portuguesa. Contudo, será apenas um preâmbulo para a introdução do
Romantismo no Brasil. Como fomos colônia de Portugal, tudo que aqui
chegava, direta ou indiretamente, vinha de Portugal.
Dentre os iniciadores do Romantismo em Prtugal, destacamos: Al-
meida Garret, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Camilo Castelo Bran-
co, dentre outros. Apreciemos o texto de Almeida Garret, um dos gran-
des exemplos para nossos escritores.
Este inferno de amar
Este inferno de amar – Como eu amo! -
Quem mo pôs aqui n’alma ... quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida – e que a vida destrói -
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há de apagar?

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  111


Eu não sei, não me lembra: o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez ... - foi um sonho -
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar ...
Quem me veio, ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei ... dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes pus.
Que fez ela? Eu que fiz? - Não sei;
Mas nessa hora a viver comecei ...
(GARRET, Almeida)

Retomando o fio da meada


Iniciamos nosso encontro falando de Romantismo e de sentimento
romântico. Dissemos que, enquanto tendência de época, o Romantis-
mo acabou. Teve início, meio e fim. Todavia, como sentimento, como
expressão do íntimo de alguém, este não morreu nem morrerá jamais,
pois é parte integrante do humano. De forma exagerada ou contida, o
homem sempre expressará seus sentimentos, independente da época
em que viveu ou vive. Para corroborar essa ideia, selecionamos trechos
de poemas escritos muito depois do Romantismo. A essência de todos
eles você observará que é o amor, expresso em verso ou prosa, não
importa a forma, só importa o amor!

“Que pode uma criatura senão,


entre outras criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
Carlos Drummond de Andrade, in Amar

 112 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


“ESTE INFINITO AMOR de um ano faz
Que é maior do que o tempo e de que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.”
Vinícius de Moraes, in Soneto do amor como um rio.

“Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para
amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o
que quero dizer-te é que te amo? “
Fernando Pessoa (poeta português)

Leituras recomendadas
• Os livros de História Geral, especificamente os capítulos sobre
Revolução Industrial e Revolução Francesa, bem como artigos
na internet.

• Livros e artigos que abordem o Romantismo.

• Biografias dos principais representantes da música, da pintora,


da escultura e da arquitetura do período Romântico.
• O Prefácio de Cromwell, de Victor Hugo, traduzido ou no origi-
nal em francês, se você lê nesse idioma.

• Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você


encontrará material necessário para complementar seus conhe-
cimentos.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  113


Resumo

Nesse encontro, o Romantismo foi o assunto estudado por nós.


Para entendê-lo foi preciso retomarmos às antigas lições sobre a Re-
volução Industrial e a Revolução Francesa. Desta última, os ideais de
igualdade, liberdade e fraternidade, tríade que prenunciava uma socie-
dade igualitária, junção de classes sociais até então desconsideradas.
A aristocracia é derrubada e a burguesia ascende ao poder. Nessa
efervescência de mudanças surge o Romantismo. Resultante de tantas
transformações, a nova tendência opõe-se ao racionalismo clássico,
rompe os paradigmas, estabelecidos. Liberdade é a palavra de ordem.
Liberdade e revolta. Ao ver os sonhos de uma sociedade democrática
ruírem, poetas, artistas e prosadores manifestam esse sentimento em
suas produções. Características como solidão, individualismo, ego-
centrismo, ilogismo, mistério, subjetivismo, religiosidade, saudosismo,
dentre outras, serão recorrentes nos textos literários. Quanto à forma,
a liberdade conquistada permitirá o emprego de vocabulário e sintaxe
mais simples, versos brancos, dando vazão à fantasia, à idealização e
à imaginação. O mundo será cantado da forma como se apresenta: se
feio, feio, se belo, belo, se grotesco, grotesco, se sublime, sublime. É
assim a vida, é assim a ordem.

 114 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Autoavaliação
Refletir sobre nosso próprio desempenho, sobre nossa própria
aprendizagem, é autoavaliar-se. Ao praticarmos esse exercício, identifi-
camos nossos erros e temos a possibilidade de corrigi-los.

1. Para iniciar essa autoanálise, retome os objetivos desse encontro. Leia o


primeiro. Houve aprendizagem de sua parte? Comente. Repita o exercício
com os outros objetivos, sempre elaborando comentários.

2. Socialize seus comentários. Solicite a opinião crítica de seus colegas. Caso


discorde de alguma crítica, justifique-se. Esse exercício ajuda a combater
a timidez, enriquece o vocabulário, favorece a compreensão e apreensão
do conteúdo estudado.

3. Você identificou nos filmes propostos características, românticas? Quais?


Comente.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  115


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo:


Cultriz, 1992.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990.

CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1986.

FILHO PROENÇA, Domício. Estilos de Época na Literatura. São Paulo:


Ática, 1978.

GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. São Paulo: Ática, 1990.

HUGO, Victor. Do Grotesco e do Sublime. Trad. Célia Berretini.


Perspectiva, 1988.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo:


Cultrix, 1991.

OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. E JORDÃO, Rose. Linguagens, Estrutura e


Arte. Vol.1. São Paulo: Moderna, 1999.

PROENÇA, Graça. História da Arte. Ática. 2001.

 116 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


VI UNIDADE

Identidade nacional e
Romantismo no Brasil

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  117


Apresentação
Caro (a) aluno (a),

Chegamos ao Romantismo no Brasil e, hoje, nos indaga-


mos: como estava nossa terra naquele momento? Vivíamos
a empolgação da recém independência adquirida. Como
os reflexos do ideal de liberdade, igualdade e fraternidade
haviam chegado até nós? Éramos de fato brasileiros ou por-
tugueses? A quantas andava nossa autoestima?

“ Tu vais, ó livro ... nós te enviamos, cheio de amor
pela Pátria, de entusiasmo por tudo o que é grande,
e de esperanças em Deus, e no futuro.”

O texto em destaque, extraído do poema-manifesto, es-


crito na França por Gonçalves de Magalhães, responde al-
gumas das nossas indagações.
É bom lembrar que desde 1808, ano da chegada da
família real ao Brasil, a colônia já não era a mesma. En-
tretanto, é a nossa independência política, em 1822, que
abrigará, 14 anos depois, a nova tendência estética.
Por esse motivo, a língua, a etnia, a cultura brasileira, as
diferenças regionais, a religião, o próprio sincretismo reli-
gioso dentre outros, comporão o enredo das primeiras obras
do período. Consolida-se, assim, a ideia de Nação. Os
sentimentos nativista e nacionalista passam a ser a carac-
terística maior da produção de nossos primeiros escritores
românticos.

 118 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Objetivos

No final desta aula, esperamos que você:

• Identifique o Romantismo Brasileiro como tendência de época


resultante das transformações ocorridas na Europa e no próprio
país;
• Conheça as especificidades de cada geração do Romantismo
Brasileiro, bem como seus principais representantes na poesia
e na prosa;
• Identifique as características Indianistas e Nacionalistas em tex-
tos dados;
• Analise textos literários e cinematográficos produzidos nesse
contexto: ideológico, político e individual.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  119


Romantismo no
Brasil – 1ª geração

O Romantismo Brasileiro, por suas especificidades, principalmente na


poesia, subdivide-se em três gerações que correspondem ao período
de 1836 a 1881.
A tela que introduz nossa conversa corresponde à chegada dos
portugueses no Brasil, entretranto uso-a para explicar-lhe o sentimento
nativista que tomou conta de poetas e escritores da primeira geração.
O índio e a natureza são os elementos formadores da identidade na-
cional.
Para Cochar e Cereza (1994, p. 49 et passim), a Independência
política, de 1822, desperta na consciência de intelectuais e artistas na-
cionais a necessidade de criar uma cultura brasileira identificada com
suas próprias raízes históricas, linguísticas e culturais.
O Romantismo, além de seu significado primeiro – o de ser uma
reação à tradição clássica -, assume em nossa literatura a conotação
de um movimento anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição
à literatura produzida na época colonial, em virtude do apego dessa
produção aos modelos culturais portugueses.
Portanto, um dos traços essenciais de nosso Romantismo é o na-
cionalismo, que orientará o movimento e lhe abrirá um rico leque de
possibilidades a serem exploradas. Dentre elas se destacam: o indianis-
mo, o regionalismo, a pesquisa histórica, folclórica e linguística, além
da crítica aos problenas nacionais – todas elas comprometidas com o
projeto de construção de uma identidade nacional.
Tradicionalmente se tem apontado a publicação da obra Supiros
poéticos e saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, como o
marco inicial do Romantismo no Brasil. A importância dessa obra reside
muito mais nas novidades teóricas de seu prólogo, em que Magalhães
anuncia a revolução literária romântica, do que propriamente na exe-
cução dessas teorias.

 120 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Transcrevo o prólogo dessa obra para que você, ao lê-lo, perceba
as propostas da nova tendência. Chamei-o de manifesto, lembra? Ao
estudá-lo, sei que endenderá meu posicionamento. O texto completo
você encontrará no endereço eletrônico:
http://ebookbrowse.com/search.php?q=suspiros+poeticos+e+sa
udades

MINISTÉRIO DA CULTURA
Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro


SUSPIROS POÉTICOS E SAUDADES
Domingos José Gonçalves de Magalhães

Lede

Pede o uso que se dê um prólogo ao livro, como um pórtico ao edi-


fício; e como este deve indicar por sua construção a que divindade se
consagra o templo, assim deve aquele designar o caráter da obra. San-
to uso de que nos aproveitamos para desvanecer alguns preconceitos,
que talvez contra este livro se elevem em alguns espíritos apoucados. Domingos José Gonçalves de Magalhães

É um livro de poesias escritas segundo as impressões dos lugares;


ora sentado entre as ruínas da antiga Roma, meditando sobre a sorte
dos impérios; ora no cimo dos Alpes, a imaginação vagando no infi-
nito como um átomo no espaço; ora na gótica catedral, admirando a
grandeza de Deus e os prodígios do cristianismo; ora entre os ciprestes
que espalham sua sombra sobre túmulos; ora, enfim, refletindo sobre
a sorte da pátria, sobre as paixões dos homens, sobre o nada da vida.
São poesias de um peregrino, variadas como as cenas da natureza, di-
versas como as fases da vida, mas que se harmonizam pela unidade do
pensamento e se ligam como os anéis de uma cadeia; poesias d’alma
e do coração, e que só pela alma e o coração devem ser julgadas.
Quem ao menos uma vez separou-se de seus pais, chorou sobre
a campa de um amigo, e armado com o bastão de peregrino, errou
de cidade em cidade, de ruína em ruína, como repudiado pelos seus;
quem no silêncio da noite, cansado de fadiga, elevou até a Deus uma
alma piedosa, e verteu lágrimas amargas pela injustiça, e misérias dos
homens; quem meditou sobre a instabilidade das coisas da vida e so-
bre a ordem providencial que reina na história da humanidade, como
nossa alma em todas as nossas ações; esse achará um eco de sua
alma nestas folhas que lançamos hoje a seus pés, e um suspiro que se
harmonize com o seu suspiro.
Para bem se avaliar esta obra, três coisas releva notar: o fim, o
gênero e a forma.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  121


O fim deste livro, ao menos aquele a que nos propusemos, que ig-
noramos se o atingimos, é o de elevar a poesia à sublime fonte donde
ela emana, como o eflúvio d’água, que da rocha se precipita, e ao seu
cume remonta, ou como a reflexão da luz ao corpo luminoso; vingar ao
mesmo tempo a poesia das profanações do vulgo, indicando apenas
no Brasil uma nova estrada aos futuros engenhos.
A poesia, este aroma d’alma, deve de contínuo subir ao Senhor;
som acorde da inteligência deve santificar as virtudes e amaldiçoar os
vícios. O poeta empenhando a lira da razão, cumpre-lhe vibrar as cor-
das eternas do santo, do justo e do belo.
Ora, tal não tem sido o fim da maior parte dos nossos poetas; e o
mesmo Caldas, o primeiro dos nossos líricos, tão cheio de saber e que
pudera ter sido o reformador da nossa poesia, nos seus primores d’arte,
nem sempre se apoderou desta ideia; compõe-se uma grande parte
de suas obras de traduções; e quando ele é original causa mesmo dó
que cantasse o homem selvagem de preferência ao homem civilizado,
como se aquele a este superasse, como se a civilização não fosse obra
de Deus, a que era o homem chamado pela força da inteligência com
que a Providência dos mais seres o distinguira!
Outros apenas curaram de falar aos sentidos; outros em quebrar
todas as leis da decência!
Seja qual for o lugar em que se ache o poeta, ou apunhalado pelas
dores, ou ao lado de sua bela, embalado pelos prazeres; no cárcere,
como no palácio; na paz, como sobre o campo da batalha; se ele é
verdadeiro poeta, jamais deve esquecer-se de sua missão, e acha sem-
pre o segredo de encantar os sentidos, vibrar as cordas do coração, e
elevar o pensamento nas asas da harmonia até as ideias arquetípicas.
O poeta sem religião e sem moral, é como o veneno derramado na
fonte, onde morrem quantos procuram aí aplacar a sede.
Uma vez determinado e conhecido o fim, o gênero se apresenta
naturalmente. Até aqui, como só se procurou a fazer uma obra se-
gundo a Arte, imitar era o meio indicado: fingida era a inspiração, e
artificial, o entusiasmo. Desprezavam os poetas a consideração se a
mitologia podia, ou não, influir sobre nós: contanto que dissessem que
as musas do Hélicon os inspiravam, que Febo guiava seu carro puxado
pela quadriga, que a aurora abria as portas do Oriente com seus de-
dos de rosas, e outras tais e quejandas imagens tão usadas cuidavam
que tudo tinham feito, e que com Homero emparelhavam; como se
pudesse parecer belo quem achasse algum velho manto grego e com
ele se cobrisse; antigos e safados ornamentos, de que todos se servem,
a ninguém honram.
Quanto à forma, isto é, à construção, por assim dizer, material das
estrofes e de cada cântico em particular, nenhuma ordem seguimos,
exprimindo as ideias como elas se apresentaram, para não destruir o
acento da inspiração; além de que a igualdade dos versos, a regulari-
dade das rimas e a simetria das estâncias produzem uma tal monotonia
e dão certa feição de concertado artifício que jamais podem agradar.
Ora, não se compõe uma orquestra só com sons doces e flautados;

 122 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


cada paixão requer sua linguagem própria, seus sons imitativos, e pe-
ríodos explicativos.
Quando em outro tempo publicamos um volume das poesias da
nossa infância,não tínhamos ainda assaz refletido sobre estes pontos
e em quase todas estas faltas incorremos; hoje, porém, cuidamos ter
seguido melhor caminho. Valha-nos ao menos o bom desejo, se não
correspondem as obras ao nosso intento; outros mais mimosos da na-
tureza farão o que não nos é dado.
Algumas palavras acharão neste livro que nos dicionários portu-
gueses se não deparam; mas as línguas vivas se enriquecem com o
progresso da civilização e das ciências, e uma nova ideia pede um
novo termo.
Eis as necessárias explicações para aqueles que leem de boa-fé, e
se aprazem de colher uma pérola no meio das ondas; para aqueles,
porém, que com olhos de prisma tudo decompõem, e como as serpen-
tes sabem converter em veneno até o néctar das flores, tudo é perdido;
o que poderemos nós dizer-lhes?... Eis mais uma pedra onde afiem
suas presas, mais uma taça onde saciem sua febre de escárnio.
Este livro é uma tentativa, é um ensaio; se ele merecer o público
acolhimento, cobraremos ânimo, e continuaremos a publicar outros
que já temos feito, e aqueles que fazer poderemos com o tempo. (sic)
É um novo tributo que pagamos à pátria, enquanto lhe não oferece-
mos coisa de maior valia; é o resultado de algumas horas de repouso,
em que a imaginação se dilata, e a atenção descansa, fatigada pela
seriedade da ciência.
Tu vais, ó livro, ao meio do turbilhão em que se debate nossa pátria;
onde a trombeta da mediocridade abala todos os ossos, e desperta
todas as ambições; onde tudo está gelado, exceto o egoísmo: tu vais,
como uma folha no meio da floresta batida pelos ventos do inverno, e
talvez tenhas de perder-te antes de ser ouvido, como um grito no meio
da tempestade.
Vai; nós te enviamos cheios de amor pela pátria, de entusiasmo por
tudo o que é grande e de esperanças em Deus e no futuro.
Adeus!
Paris, julho de 1836

O trecho a seguir, finaliza a obra. Observe que o autor faz uma


louvação à Pátria amada, expressando toda a dor sentida na ausência
da terra querida, bem ao estilo do saudosismo romântico.

ADEUS À EUROPA
Adeus, oh terras da Europa!
Adeus, França, adeus, Paris!
Volto a ver terras da Pátria,
Vou morrer no meu país.
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  123
Qual ave errante, sem ninho,
Oculto peregrinando,
Visitei vossas cidades,
Sempre na Pátria pensando.

De saudade consumido,
Dos velhos pais tão distante,
Gotas de fel azedavam
O meu mais suave instante.

As cordas de minha lira


Longo tempo suspiraram,
Mas alfim frouxas, cansadas
De suspirar, se quebraram.

Oh lira do meu exílio,


Da Europa as plagas deixemos;
Eu te darei novas cordas,
Novos hinos cantaremos.

Adeus, oh terras da Europa!


Adeus, França, adeus, Paris!
Volto a ver terras da Pátria,
Vou morrer no meu país.

Paris, agosto de 1836



FIM

Apesar de Gonçalves de Magalhães ser considerado pai do Ro-


mantismo brasileiro, Gonçalves Dias e José de Alencar são os maiores
destaques da 1ª geração romântica. Ambos abordaram os dois ele-
mentos caracterizadores do período: a natureza e o índio. Gonçalves
Dias fez da poesia o seu veículo de difusão, já Alencar utilizou a prosa
para expressar sua visão telúrica, carentes que éramos de grandes he-
róis, a exemplo dos cavaleiros medievais tão decantados pelos escrito-
res românticos da Europa.

Atividade I
Segundo o dicionário Houaiss, o vocábulo manifesto apresenta o seguinte
dica. utilize o bloco significado: s.m. 1 declaração pública de opinião, motivo, tendência etc. adj. 2
de anotações para
responder as atividades! explícito, evidente.

 124 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


1. Tomando como ponto de partida o Prólogo em foco, disseca-o, parágrafo por
parágrafo, descobrindo, assim, as intenções do poeta.

2. De posse desse novo conhecimento, relacione tudo que você considerou


relevante para a compreensão da nova tendência.

3. Transcreva o trecho em que o poeta faz referência ao verso livre.

4. “Algumas palavras acharão neste livro que nos dicionários portugueses se


não deparam; mas as línguas vivas se enriquecem com o progresso da civilização dica. utilize o bloco
e das ciências, e uma nova ideia pede um novo termo.” Você concorda com o de anotações para
autor? Comente o fragmento relacionando-o com o hoje. responder as atividades!

O Indianismo na poesia -
Gonçalves Dias
Falar do Indianismo na poesia brasileira é falar em Gonçalves Dias.
Em qualquer livro de literatura brasileira você encontrará dados biográ-
ficos desse poeta. Por esse motivo, não quero falar do homem, quero
falar do dramaturgo, do etnógrafo, do poliglota, do jornalista, do críti-
co, do professor e acima de tudo, do poeta ...
Autor diverso, que perpassa de dicionarista a dramaturgo e memo- Gonçalves Dias

rialista, destacaremos aqui um pouco da produção por ele deixada, de


acordo com a data de publicação, da qual nos referiremos à Poesia:

• Primeiros Cantos (1846). Nesta obra os poemas estão reunidos


em três partes – Poesias Americanas, Hinos e Poesias Diversas,
cuja temática e linguagem são essencialmente românticas. O
lirismo amoroso, o saudosismo, bem como o indianismo pecu-
liares ao período se entrelaçam nessa obra de tal forma, que a
tornam marco da poesia romântica brasileira.
• Segundos Cantos e Sextilha de Frei Antão (1848). Dois anos
após o lançamento de sua primeira obra, e contando com a
plena aceitação do público, Gonçalves Dias lança os seus Se-
gundos Cantos. Nessa obra, como havia afirmado no Prólogo,
o poeta extravassa seu lirismo e a liberdade formal anunciada.
Segundo a crítica, nesses textos consegue afinar ainda mais a
sua sensibilidade poética, aprimorando sua habilidade no tra-
tamento musical e plástico dos poemas.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  125


• Últimos Cantos (1851). Esta obra é dedicada por meio de uma
carta que substitui um possível prefácio a Teófilo Alexandre Leal,
amigo do poeta, na qual esclarece: “ o fundamento espiritual
desse período,” o primeiro de sua vida literária: “ Desejar e
sofrer – eis toda a minha vida nesse período. Além da temática
trabalhada nas obras anteriores, a nova publicação traz tradu-
ções de textos em língua alemã, fato que demonstra, segundo
biográfos do autor, que Gonçalves Dias “bebia na fonte”, ou
seja lia, em alemão, Goethe – um dos maiores expoentes do
Romantismo europeu.
• Os Timbiras (1857). Poema de caráter épico, idealizado para
ser constituído por dezesseis cantos, entretanto, apenas quatro
foram publicados. Segundo os biógrafos do autor, seis dos últi-
mos cantos desapareceram no naufrágio que vitimou o poeta.
À época, esse tipo de publicação por partes fazia parte da tra-
dição. Quanto ao tema, eis o que nos apresenta Beth Brait: os
quatro cantos publicados podem ser resumidos na exposição
das lutas travadas entre duas tribos indígenas, timbiras e game-
las, e que chegam ao leitor organizadas em forma de epopéia.
• Obras Póstumas (1968). Obra composta de seis volumes,que
reúnem poesias, traduções e estudos etnográficos, artigos e
fragmentos de romance, coletados por Dr. Antônio Henriques
Leal. Dentre os textos há muitos poemas inspirados em Ana
Amélia, grande amor de sua vida. Pede a jovem em casamen-
to mas é recusado pela sua condição de mulato e bastardo.

Retomemos à primeira obra do autor. Assim como Magalhães,


Gonçalves Dias abre os seus Primeiros Cantos com um Prólogo da
Primeira Edição, o qual transcrevo a seguir:
Dei o nome de Primeiros Cantos às poesias que agora
publico, porque espero que não serão as últimas.
Muitas delas não têm uniformidade nas estrofes, por-
que menosprezo regras de mera convenção; adotei todos
os ritmos da metrificação portuguesa, e usei deles como
me pareceram quadrar melhor com o que eu pretendia ex-
primir.
Não têm unidade de pensamento entre si, porque fo-
ram compostas em épocas diversas – debaixo de céu diver-
so – e sob a influência de impressões momentâneas. Foram
compostas nas margens viçosas do Mondego e nos pín-
caros enegrecidos do Gerez – no Doiro e no Tejo – sobre
as vagas do Atlântico, e nas florestas virgens da América.
Escrevi-as para mim, e não para os outros; contentar-me-ei,
se agradarem; e senão ... é sempre certo que tive o prazer
de as ter composto.
Com a vida isolada que levo, gosto de afastar os olhos
de sobre a nossa arena política para ler em minha alma, re-
duzindo à linguagem harmoniosa e cadente o pensamento

 126 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


que me vem de improviso, e as ideias que em mim desperta
a vista de uma paisagem ou do oceano – o aspecto enfim
da natureza. Casar assim o pensamento com o sentimento
– o coração com o entendimento – a ideia com a paixão
– colorir tudo isto com a imaginação, fundir tudo isto com
a vida e com a natureza, purificar tudo com o sentimento
da religião e da divindade, eis a Poesia – a Poesia grande
e santa – a poesia como eu a compreendo sem a poder
definir, como eu a sinto sem a poder traduzir.
O esforço – ainda vão – para chegar a tal resultado é
sempre digno de louvor; talvez seja este o só merecimento
deste volume. O Público o julgará; tanto melhor se ele o
despreza, porque o Autor interessa em acabar com essa
vida desgraçada, que se diz de Poeta.

Beth Brait, organizadora do volume Literatura Comentada, Gonçal-


ves Dias, (1982) tece, a respeito desse Prólogo, o seguinte chamanento:

Observar nesse prólogo, escrito no Rio de Janeiro,


em julho de 1846, a maneira informal mas contun-
dente que o pota encontrou para, antecipando-se
à crítica e aos leitores, proclamar as características
da obra, revelando sua postura diante do fazer po-
ético. Antes mesmo da leitura dos poemas incluídos
nos Primeiros Cantos, os leitores já estarão desper-
tos para alguns traços marcantes do estilo gonçal-
vino e que serão, também, marcas registradas do
Romantismo: liberdade formal, imaginação criado-
ra e valorização do indivíduo, de suas contradições
e das emoções particulares e circunstanciais.

Gonçalves Dias, Indianista


Como venho falando ao longo de nossos encontros, diferentemente
da Europa, o Brasil não viveu a Idade Média. Nesse sentido, na ausên-
cia de herois de cavalaria, os nossos poetas buscarão no índio e em
sua cultura, o retorno ao passado, fazendo da nação índigena exemplo
de honradez, de conduta de valores a serem seguidos. No afã de mos-
trar essa perfeição humana, o exagero, a ilogicidade e a imaginação,
dentre outras características foram as meios utilizados por Gonçalves
Dias em sua poesia Indianista, bem como para demonstrar o quão a
cultura do branco português foi prejudicial ao povo indígena.
Sinta as estrofes do poema que trancrevo a seguir. Percorra o túnel
do tempo para entendê-las. Vou usar um poeta pós período romântico,
Olavo Bilac, em seu poema “Ouvir estrelas”, quando afirma:” Amai

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  127


para entendê-las/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ capaz de ouvir
e de entender estrelas.” Cito-o para você entender melhor a extensão
de um sentimento capaz de levar alguém a viver o outro, a entender o
outro, a sentir o outro. Perceba-se eu-lírico gonçalvino diante desse ín-
dio, nativo brasileiro, musa inspiradora de seu fazer poético. Você verá
que é um índio europeizado, longe do estado primitivo em que nossos
indígenas viviam. A coragem, a bravura, bem como o poder guerrei-
ro, só se equivalem aos cavaleiros medievais. Ora esse mesmo índio
apresenta-se derrotado, mas consciente de sua condição de colonizado
e revoltado enumera toda a destruição que a civilização do branco
está causando a sua raça e a sua cultura. Além do poema em foco,
aconselhe-o a ler, interpretar, declamar e socializar: O Canto do Piaga,
composto por três partes. No primeiro, o Piaga - espécie de pajé, sacer-
dote, médico, advinho e cantor da tribo – conta aos guerreiros da tribo
uma aparição que surgiu-lhe em sonho, de seu pavor e medo ante as
manifestações sobrenaturais que começam a acontecer. No segundo
canto, a visão surgida no canto anterior começa a interrogá-lo sobre
o porque dele, Piaga, não estar enxergando os sinais de que algo de
ruim está para acontecer com seu povo. No terceiro, é narrada a forma
como o homem branco está chegando para tomar a terra indígena,
desresreitar suas mulheres e anciãos, bem como destruir sua cultura.
Marabá, outro poema indianista, tem como eu-lírico uma mulher que
chora sua condição de mestiça, o preconceito e a exclusão do convívio
com seu próprio povo; Leito de Folhas Verdes, um eu-poético feminino
lamenta o abandono do amado que tarde a voltar para os seus bra-
ços; Canção do Tamoio, com o subtítulo Natalícia, tem como tema o
nascimento de uma criança, momento em que que o pai apresenta ao
filho recém-nascido a imagem ideal do herói de seu povo; Deprecação
é outro poema indispensável para o entendimento do indianismo. Nes-
te texto, o eu-lírico faz uma súplica a Tupã que parece estar de rosto
coberto diante da tamanha desgrança que está acontecendo com seu
povo. Para expressar fielmente tais sentimentos, Gonçalves Dias faz uso
de termos próprios da língua indígena.

O canto do guerreiro

I II
Aqui na floresta Valente na guerra,
Dos ventos batida, Quem há, como eu sou?
Façanhas de bravos Quem vibra o tacape
Não geram escravos, Com mais valentia?
Que estimem a vida Quem golpes daria
- Ouvi-me, Guerreiros, Fatais como eu dou?
- Ouvi meu cantar. - Guerreiros, ouvi-me;
- Quem há, como eu sou?

 128 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


III VII
Quem guia nos ares
Lá vão pelas matas;
A flexa emplumada,
Não fazem ruído:
Ferindo uma presa,
O vento gemendo
Com tanta certeza,
E as matas tremendo
Na altura arrojada
E o triste carpido
Onde eu a mandar?
Duma ave a cantar,
- Guerreiros, ouvi-me,
São eles, guerreiros,
- Ouvi meu cantar.
Que faço avançar.
IV
VIII
Quem tantos imigos
Em guerra preou? E o piaga se ruge
Quem canta seus feitos No seu Maracá,
Com mais energia? A morte lá paira
Quem golpes daria Nos ares fechados,
Fatais como eu dou? Os campos juncados
- Guerreiros, ouvi-me; De mortos são já:
- Quem há, como eu sou? Mil homens viveram,
Mil homens são lá.
V
IX
Na caça ou na lide,
Quem há que me afronte?! E então se de novo
A onça raivosa Eu toco o Boré;
Meus passos conhece, Qual fonte que salta
O inimigo estremece, De rocha empinada,
E a ave nervosa Que vai marulhosa,
Se esconde no céu. Fremente e queixosa,
- Quem há mais valente,
- Mais destro que eu? Que a raiva apagada
De todo não é,
VI Tal eles se escoam
Se as matas estrujo Aos sons do Boré.
Co’ os sons do Boré, - Guerreiros, dizei-me,
Mil arcos se encurvam - Tão forte quem, é?
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé
Eis surgem, respondem
Aos sons do Boré!
- Quem é mais valente?
- Mais forte quem é?

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  129


Breve comentário
acerca do poema
Lembra que em outro encontro citei Roland Barthes para quem a Lite-
ratura é a ciência dos gozos da linguagem? É assim que ela deve ser vista.
Entretanto, como professora dessa ciência, você precisa penetrar “surda-
mente no reino das palavras/ chega mais perto e comtempla as palavras/
cada uma/ tem mil faces secretas...”, como diria Drummond, dissecá-las,
analisá-las e interpretá-las para, assim, explicar o fazer poético ao seu
aluno. Por esse motivo convido-o a esmiuçarmos o texto gonçalvino.
Para analisar a estrutura, você recorre aos conhecimentos adqui-
ridos em Teoria Literária. Em relação ao sentido, ao que o eu-lírico
romântico indianista quer demonstrar, vejamos:
Na primeira estrofe, tem-se a apresentação da floresta, local espe-
cial onde há bravos, onde não há escravos. O eu-lírico conclama os
guerreiros a ouvi-lo, a ouvir um cantar que já se pressupõe especial,
pois é o cantar dele.
- Ouvi-me, Guerreiros,
- Ouvi meu cantar.
Nas estrofes subsequentes há um euísmo exacerbado em que o ín-
dio atribui a si toda a força, toda a pujança que alguém possa possuir.
Observem que nas estrofes em que o diálogo é utilizado essa ideia de
superioridade é sempre reforçada, por meio do emprego de pronomes
em primeira pessoa, que não deixam dúvidas sobre de quem ele fala.

- Guerreiros, ouvi-me;
- Quem há, como eu sou?

- Quem há mais valente,


- Mais destro que eu?

- Quem é mais valente?


- Mais forte quem é?

- Guerreiros, dizei-me,
- Tão forte quem, é?

Outro dado interessante é a forma hiperbólica empregada no uso


do numeral mil. Veja.
Mil arcos se encurvam
Mil setas lá voam,
Mil gritos reboam,
Mil homens de pé.

 130 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Não é realmente um super-herói? Parece o índio que historicamente
nos foi mostrado, sabemos que não. Agora cabe a você descobrir mais
e mais as possibilidades de leitura que o texto oferece.

O Indianismo na
prosa – José de Alencar
José Martiniano de Alencar foi um escritor plural. Perpassou todas
as gerações românticas. Sua obra é composta de:

Romances – Cinco Minutos, O Guarani, A Viuvinha, Lucíola, Diva, José de Alencar

Iracema, As minas de prata – 2 v., O Gaúcho, A Pata da Gazela, Guer-


ra dos Mascates – 2v., O Tronco do Ipê, Sonhos d’Ouro, Til, Alfarrá-
bios, Ubirajara, Senhora, O Sertanejo, Encarnação.

Teatro – O Crédito, Verso e reverso, Demônio Familiar, As Asas de


um Anjo, A Expedição, O Jesuíta.

Crônica – Ao Correr da Pena.

Autobiografia Intelectual – Como e porque sou Romancista.

Crítica e Polêmica – Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, Ao


Imperador: Cartas políticas de Erasmo, Novas Cartas Políticas de Eras-
mo, Ao Povo, O Sistema Representativo.

Quanto à obra Indianista, é composta pela trilogia: O Guarani


(1857); Iracema (1865); Ubirajara (1874). A primeira obra retrata os
amores do valente índio Peri pela portuguesa Cecília, Ceci, menina
de 16 anos, loura e meiga. A narrativa é marcada por muitas lutas e
procura focalizar os aspectos históricos do período colonial aborda-
do – séc XVI. Para tanto, o autor dividiu a obra em quatro partes: Os
aventureiros, Peri, Os Aimorés e A catástrofe. Peri é um índio europei-
zado, educado, religioso, fiel, leal e, de tantos valores éticos que mais
parece um super-herói do que um homem real, anos luz de distância de
um índio. No capítulo intitulado O bracelete, o leitor se deparará com
um jovem capaz de arriscar a própria vida para reaver uma joia que
havia sido lançada em um precipício e que pertencia à bela Ceci. Toda
a façanha é descrita em linguagem metafórica, rica em imagens. Ira-
cema é uma narrativa que mistura elementos históricos e imaginários,

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  131


dentro da perspectiva romântica de reconstruir o passado, no caso,
a história do Ceará, terra natal de Alencar. O romance narra o amor
entre a índia Iracema e o português Martim. O palavra Iracema é uma
junção dos termos do tupi ira (mel), e ema (lábios). Misturando-se as
letras tem-se o anagrama da palavra América. Nesse sentido, Iracema
representa a América virgem e inexplorada. Já Martim representa o
colonizador branco. A união dos dois aponta a possibilidade da junção
entre colonizador e colonizado. Dessa união nasce Moacir, o primeiro
caboclo brasileiro. Se Peri foi um super-herói, Iracema será capaz de
doar a própria vida pelo amor de Martim. Por fim, tem-se Ubirajara,
Jaguarê, Jurandir, uma trindade na unidade. No ínicio, conhecemos
Jaguarê- aquele que venceu o temido jaguar. À medida que a narrativa
se desenvolve e Jaguarê vai crescendo em coragem a ponto de derro-
tar Pajucã, guerreiro temido de uma tribo tocantim. Por essa vitória, o
guerreiro araguaia recebe o nome de Ubirajara, que significa – Senhor
da lança. Em um crescente de pujança, força, bravura e denodo, Ubi-
rajara, no trancorrer da narrativa, recebe os nomes de “Jutaí- porque
sua cabeça domina o cocar dos mais fortes guerreiros, como a copa
do grande pinheiro aparece por cima da mata. Boitatá, porque ele tem
os olhos da grande serpente de fogo, que voa como o raio de Tupã.
Jutorib, porque ele trouxe à alegria a tua cabana. E o próprio Ubirajara
diz: Eu sou aquele que veio trazido pela luz do céu. Chama-me de Ju-
randir. Em resposta, escuta: - Tu és aquele que veio trazido pela luz do
céu. Nos te chamaremos Jurandir; para que te alegres ouvindo o nome
de tua escolha. “Tu és aquele que veio trazido pela luz do sol; e o nome
de tua escolha alegrará os ouvidos dos guerreiros.” E para finalizar,
Jurandir consegue a incrível façanha de unificar as nações araguaia e
tocantim. Como prêmio receberá duas esposas: - Araci é a esposa do
chefe tocantim; Jandira será esposa do chefe araguaia; ambas serão as
mães dos filhos de Ubirajara, o chefe dos chefes, e o senhor da floresta.
As duas nações, dos araguaias e dos ticantins, formaram a grande
nação dos Ubirajaras, que tomou o nome de herói.
Foi esta poderosa nação que dominou o deserto.
Mais tarde, quando vieram os caramurus, guerreiros do mar, ela
campeava ainda nas margens do grande rio.
Fantástico, não? Ubirajara supera todas as expectativas do leitor
ao unificar as duas tribos rivais. Conforme relatos históricos fatos desse
tipo eram improváveis uma vez que o povo vencido não aceitava o con-
quistador. Isso não acontece entre araguaias e tocantins, que mutua-
mante vencem as diferenças. Como se não bastasse, Ubirajara concilia
a dupla união entre esposas, fato comumente impensável. É, de fato,
uma ação para alguém insuperável.
Vejamos agora o que nos dizem Abdala Jr e Campedelli
(1986,p.104), em relação ao índio alencarino:
Geralmente enfocados em cenários selvagens, os
heróis indígenas de Alencar, presentes nos roman-
ces O guarani, Iracema e Ubirajara emergem como
elementos da Natureza e mais, como símbolos

 132 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


de um passado histórico idealizado e glorioso. O
indianismo do autor, misto de sentimento nativista
e valorização da antiguidade brasileira,ganha tons
de evasão e de exagero, principalmente nas carac-
terísticas físicas e morais do índio, um herói sem
vacilações.
O guarani é exemplo cabal dessa visão unilateral:
o herói Peri é protótipo de perfeições, tais como a
força, a beleza, a juventude, além da valentia.

.........................................................................

O próprio Alencar era consciente dessa visão fan-


tasiosa do índio. Em Como e por que sou roman-
cista, espécie de avaliação de sua carreira, é o
seguinte o seu depoimento: “N’O guarani, o sel-
vagem é um ideal, que o escritor intenta poetizar,
despindo-o da crosta grosseira de que o envolve-
ram os cronistas, arrancando-o ao rídiculo que so-
bre ele projetam os restos embrutecidos da quase
extinta raça.”

Se essa é a meta do escritor – vale dizer, a busca


do selvagem ideal -, não é outra a que aparece em
Iracema. Nesse romance alcunhado por Machado
de Assis como “um poema em prosa”, a perso-
nagem feminina, que dá título à obra, encarna a
feminilidade, a pureza e a doçura (“a virgem dos
lábios de mel”) e sugere o nascimento de um novo
mundo, ao dar à luz um mestiço ( Moacir), fruto de
sua união com o português Martim.

Os autores indicam a leitura de O Guarani, capítulo IV, que trata de


uma caçada empreendida por Peri. Aceite a sugestão e releia o texto. É
uma oportunidade de comprovar o que eles afirmam sobre o persona-
gem.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  133


Atividade II
1. Sei que você já leu O Guarani. Por esse motivo, releia a última parte.
Resuma-a. Faça um levantamento das características românticas
encontradas no texto. Socialize com seus colegas.

2. Leia a obra Iracema e trace um perfil da personagem que dá nome ao


romance, levando em consideração as características indianistas.

3. Leia a obra Ubirajara. Analise as personagens femininas Araci e Jandira.


Trace um perfil de cada uma. Elabore um pequeno texto comparando-as
com Iracema.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

A manifestação
do Nacionalismo
No ínicio de nosso encontro citei que um dos traços essenciais de
nosso Romantismo é o nacionalismo, que orientará o movimento e lhe
abrirá um rico leque de possibilidades a serem exploradas. Há, por par-
te de nossos poetas, uma necessidade de exaltar a Pátria, de exprimir o
orgulho de ser brasileiro, de ser nação independente. Esse sentimento
nativista é manifestado na ausência da Pátria, no sentir-se exilado por
estar distante do solo amado.
Gonçalves Dias, estando em Portugal, escreve a primeira canção de
louvor à Pátria, a Canção do Exílio.

 134 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Minha terra tem palmeiras, Minha terra tem primores,
Onde canta o Sabiá; Que tais não encontro eu cá;
As aves que aqui gorjeiam, Em cismar – sozinho, à noite -
Não gorjeiam como lá. Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Nosso céu tem mais estrelas, Onde canta o Sabiá.
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida, Não permita Deus que eu morra,
Nossa vida mais amores. Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Em cismar, sozinho, à noite, Que não encontro por cá;
Mais prazer encontro eu lá; Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Onde canta o Sabiá.
No afã de enaltecer a sua terra, o poeta compara um lugar com o
outro, e nada lhe parece semelhante à natureza que ele deixou para
trás. À noite, esse sentimento de perda se acentua, tem plena consciên-
cia de que tudo em sua pátria é melhor e mais bonito.
Embora Magalhães encerre a obra “Suspiros poéticos e saudades”
com o poema “Adeus à Europa” que não deixa de ser uma canção do
exílio, a de Gonçalves Dias ficou para a posteridade como a primeira.
A partir desta, outros poetas, independentes de estilo e de época escre-
veram a sua canção de saudades à Pátria.
Beth Brait, em nota de rodapé, p.11 de Literatura Comentada, faz
o seguinte comentário:

Este poema, a autora faz alusão a Canção Exílio,


escrito em Coimbra, em 1843, tornou-se não ape-
nas um sinônimo de Gonçalves Dias – não há an-
tologia escolar que não o tenha escolhido -, mas
um ponto de referência dentro da tradição literária
brasileira. Se professores e declamadores conse-
guiram banalizá-lo pela insistência na repetição
gratuita, coube a outros poetas reinventarem “a
canção do exílio” a partir das sugestões de Gon-
çalves Dias . Para conferir esta afirmação, basta
examinar: Casimiro de Abreu (“Canção do Exílio”),
Sousândrade (“ Harpa XLV”), Carlos Drummond
de Andrade (“ Europa, França e Bahia” e “Nova
Canção do Exílio”), Oswald de Andrade (“Canto
de Regresso à Pátria”), Cassiano Ricardo (“Ainda
Irei a Portugal”), Murilo Mendes (“Canção do Exí-
lio”), Gilberto Gil e Torquato Neto (“Marginália II”)
e muitos outros.

A citação data de 1982. De lá para cá, passada uma década do


século XXI, imagine quantos poetas, famosos ou não, registraram seu
amor ao Brasil. Serão os poemas meras reproduções do primeiro? Cla-
ro que não. Cabe a você leitor “enxergar” o que vai no âmago do

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  135


poeta. Um exemplo para você se deleitar. Lembre-se de Barthes, “A
literatura é a ciência dos gozos da linguagem”.

CANÇÃO DO EXÍLIO

Um dia segui viagem


sem olhar sobre o meu ombro.

Não vi terras de passagem


Não vi glórias nem escombros.

Guardei no fundo da mala


um raminho de alecrim.

Apaguei a luz da sala


que ainda brilhava por mim.

Fechei a porta da rua


a chave joguei no mar.

Andei tanto nesta rua


que já não sei mais voltar.

José Paulo Paes

“Para não dizer que não


falei de Índio e de Nação”
Inicio parafraseando Geraldo Vandré. Durante essse nosso encon-
tro falamos de Romantismo, falamos de Indianismo, falamos de Nacio-
nalismo. Esses sentimentos não morrem, permanecem independente do
tempo que passa, persistem independente da evolução da humanidade.
A saudade é inerente ao ser humano, assim como a noção de pertença,
de ser parte de um determinado povo, de um determinado país. Não po-
deria encerrar esse unidade sem falar na canção do exílio de Vinícius de
Moraes, para mim uma das mais belas expressões de sentimento telúrico.

Pátria Minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

 136 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria


De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho


Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido


De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra


Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha


Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para


Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  137


Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem


Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa


Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha


Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia


E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes.”

Texto extraído do livro “Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa”, Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro,
1986, pág. 267.

 138 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Leituras recomendadas
• Os livros de História, especificamente os capítulos sobre a Re-
volução Francesa, bem como artigos na internet.

• Livros e artigos que abordem a Primeira geração romântica.

• Biografias dos principais representantes desse período.

• Poemas indianistas de Gonçalves Dias.

• A trilogia indianista de José de Alencar: O Guarani, Iracema e


Ubirajara.

• Visitas à(s) a biblioteca(s) de sua cidade. Nesse(s) espaços, você


encontrará material necessário para complementar seus conhe-
cimentos.

Filmes recomendados
O Guarani

No Brasil do século XVII, o índio Peri apaixona-se pela filha de no-


bres portugueses , Ceci. Depois que o nativo salva a vida da moça,
Peri ganha o direito de morar na casa do colonizador, Dom Antônio
de Mariz, pai de Ceci. A possível harmonia é quebrada pelos conflitos
entre os portugueses e a tribo dos Aimorés, além da traição de um ex-
-padre, que quer se apoderar da prata local. Em vários ataques, os
aimorés minam a resistência dos colonos sitiados. Antes da destruição
da fortaleza, porém, D. Antônio pede a Peri que salve Ceci. O guer-
reiro e sua amada fogem do palco dos conflitos. Como Adão e Eva, o
nobre selvagem e a donzela branca começam uma nova civilização no
paraíso tropical.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  139


Iracema

Guardiã do segredo do licor da Jurema, Iracema é filha do pajé da


tribo Tabajara. Virgem, seu corpo pertence a Tupã, poderosa divindade
indígena, e, caso se entregue a alguém, será castigada com a morte.
Mas a chegada do guerreiro Martim, em missão de reconhecimento,
desperta o amor de Iracema. Irapuã, cacique dos Tabajaras, apaixona-
do por Iracema, não contém o ciúme e decide eliminar o estrangeiro.
Mas o amor entre Martim e Iracema é mais forte que a intolerância e as
leis Tabajaras, e o casal, para defender a união, decide fugir.

A Lenda de Ubirajara

Jaguaré, filho de Camacã, chefe da nação Araguaia, quer con-


quistar um nome de guerra, o que só conseguirá se vencer um inimigo
poderoso. Para isso, ele vagueia pela floresta, onde encontra Araci -
filha de Itaquê, cacique da nação Tocantins - esse apaixona-se por ela,
esquecendo a noiva Jandira. Num combate formidável, Jaguaré vence
Pojucã, guerreiro tocantins, que é levado prisioneiro para merecer a
morte dos valentes. Enquanto isso, Jaguaré penetra na taba dos tocan-
tins como hóspede, para enfrentar as provas de amor e merecer a mão
de Araci. Ele as vence todas, mas quando se identifica como Ubirajara,
nome que conquistou por vencer Pojucã, Itaquê manda-o embora para
enfrentar os tocantins numa guerra de honra. Ubirajara faz um acordo:
rechaça os tapuias, que ameaçam os tocantins e estabelece a paz com
a nação de Araci, com quem finalmente se casa, fundando a grande
nação dos Ubirajaras”.
“Ambientado numa indefinida Idade do Ouro, antes da chegada
dos brancos ao Planalto Central. No final, índios de hoje, miseráveis,
perambulando pela Praça dos Três Poderes.

Todos esses filmes estão disponíveis para download, caso você não
encontre para locar.

 140 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Resumo

Chegamos ao fim de mais um encontro. Nele tomamos conheci-


mento sobre o Romantismo Brasileiro. Ficamos sabendo que Gonçalves
de Magalhães foi quem, mesmo distante do Brasil, introduziu a nova
tendência. No prólogo da obra “Suspiros Poéticos e Saudades”, o autor
informa os objetivos de seu livro, bem como as diretrizes norteadoras
da nova tendência. O Brasil vivia a recém independência de Portugal.
O clima era propício para os novos ideais de exaltação à Pátria, ao
seu passado glorioso, aos seus heróis. Conhecemos Gonçalves Dias,
poeta que escolhe o índio como o herói representativo do Brasil. O
índio gonçalvino é o super-herói de seu tempo. Ninguém o supera em
ética e honradez. Em contrapartida, por meio desse eu-lírico indígena
ficamos sabendo do quanto o colonizador europeu destruiu a cultura,
os valores e a própria honra do povo indígena. É de Gonçalves Dias o
primeiro poema de louvação à Pátria – Canção do Exílio, texto que ao
longo do tempo tem influenciado os mais diferentes poetas.
Nessa unidade conhecemos, também, outro importante escritor
brasileiro – José de Alencar. Por meio de Alencar tivemos contato com
Peri, com Iracema, com Ubirajara, com uma cultura totalmente dife-
rente da cultura europeia, mas paradoxalmente, percebemos o quanto
o escritor transferiu do europeu para esse índio que ele e Gonçalves
Dias fantasiaram e idealizaram. Por fim tivemos contato com a natureza
brasileira, exótica, exuberante, rica em sua fauna e flora.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  141


Autoavaliação
Para Jussara Hoffmann (2003), uma das grandes estudiosas da Avaliação,
avaliar é dinamizar oportunidades de ação- reflexão. Nesse sentido, tomando
como base o conceito apresentado, se autoavalie em relação a essa unidade
observando:

a) A disponibilidade de tempo para realização das tarefas propostas.

b) O interesse nas leituras recomendadas, na procura dos filmes.

c) Ao autoavaliar-se, você está desenvolvendo uma ação, ao tempo em que


reflete sobre ela. Registre essa experiência.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 142 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.

ALENCAR, José. O Guarani. São Paulo: Ática, 1978.

---------------. Iracema. São Paulo. Ática, 1988.

---------------. Ubirajara. São Paulo: Ática, 1980.

BRAIT, Beth. Literatura Comentada- Gonçalves Dias. São Paulo: Abril


educação, 1982.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo:


Cultriz, 1992.

CADEMARTORI, Lígia. Períodos literários. São Paulo: Ática, 1990.

CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 1986.

MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Vol. 2. São Paulo:


Cultrix, 1991.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  143


 144 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
VII UNIDADE

Viajantes sobre um mar de


desenvolvimento, descrença
e solidão

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  145


Apresentação
Caspar David Friedrich -1774/1840.
O viajante sobre o mar de névoa,
1818.

Caro (a) aluno (a),

Chegamos ao nosso penúltimo encontro. Nele convive-


remos com a 2ª Geração Romântica na qual, diferentemen-
te da primeira, poetas e escritores passam a cantar a dor, o
pessimismo, o desencanto, o tédio e a morte, com exceção
da prosa romanesca. Conforme nos relatam os historiado-
res, o Brasil vivia a recém independência de Portugal, fase
de progresso, de estabilidade, de esperanças em um futuro
promissor.
A tela que introduz nossa conversa, do pintor românti-
co alemão, Caspar David Fiedrich, que você encontrará na
Wikipédia, reflete bem o estado de perdido, de solidão e
isolamento do homem romântico europeu insatisfeito com a
realidade social que vivia. Essa insatisfação vai influenciar,
significativamente, a produção literária brasileira. Como
você está lembrado(a), até então bebíamos sofregamente
tudo que acontecia na Europa. Não causa espanto dizer que
poetas e romancistas sentiam-se verdadeiros “Viajantes so-
bre o mar de névoa.”
Conheceremos Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,
Junqueira Freire e Fagundes Varela, representantes dessa
Segunda Geração, compreender o contexto desse período
que se estende de 1853 a 1870, entender o sentimento, a
angústia e o tédio desses poetas, bem como outros autores
que abordaram temática divergente, serão temas desta eta-
pa de uma viagem, já com gosto de despedida.
 146 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I

Objetivos
No final dessa aula, esperamos que você:

• Identifique a 2ª Geração do Romantismo Brasileiro como ten-


dência de época resultante das transformações ocorridas na
Europa e no Brasil;
• Coonheça o mito de Byron na poesia e prosa da 2ª Geração
Romântica;
• Compreenda as especificidades da 2ª Geração Romântica,
bem como seus principais representantes na poesia e na prosa;
• Conheça as características da poesia deste período;
• Conheça as características da prosa deste período: urbana, re-
gionalista, bayroniana;
• Analise a produção literária produzida nesse contexto: ideológi-
co, político e individual.
• Assista aos filmes propostos, comparando-os às propostas do
Romantismo.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  147


Romantismo no Brasil
2ª geração

A 2ª geração român-
tica no Brasil: o Ultra-
-Romantismo1, também
conhecida como Gera-
ção Mal do Século ou
ainda Geração Byronia- Leandro Joaquim. Vista da Igreja e da praia da Glória – Séc. XVIII
na, tem início em 1853
com a publicação de Obras Poéticas de Álvares de Azevedo e Trovas de
Laurindo Rabelo, encerrando-se em 1870, quando vem a público a obra
De acordo com a nova ortografia, a grafia de Castro Alves, Espumas Flutuantes.
1

correta do termo é ULTRARROMANTISMO.


Utilizamos o vocábulo com hífen por se tra-
tar de termo estabelecido como tendência
Essa época, segundo Massaud Moisés (1985, p.135), citando Ca-
de época. pistrano de Abreu, foi a mais brilhante do império.

Fechou-se o livro miserável do tráfico negreiro.


Ajudou-se a Argentina libertar-se da tirania de Ro-
sas. Tratou-se de liquidar a onerosa herança dos li-
mites, legada pelas metrópoles peninsulares. Regu-
larizaram-se e amiudaram-se as comunicações por
vapor pela Europa. Obras novas, vindas paquete
a paquete, transportaram além do Tejo, e mesmo
além do Sena, e o Barão de Mauá começou a re-
modelar o Brasil moderno. Envolto duma aura de
mecenas, nutrindo veleidades literárias, D. Pedro II
propicia o desenvolvimento das Letras (...)

Como se vê, não há motivos para desencantos e descrenças. Con-
tudo, como já vimos, o comportamento de nossos intelectuais, princi-
palmente dos poetas, não corresponde ao discurso histórico. Talvez a
citação de Emile Deschamps, escritor romântico francês, nos esclareça:
“ Em todas as épocas, os homens de real talento são dotados de um
instinto que os impele para o que é novo, como viajantes que cami-
nham continuamente para a descoberta de países desconhecidos.”
Compreendemos que impulsionados a viver algo novo, vivenciando
a evasão, a vontade de ausentar-se da realidade local, nossos poetas
se voltem, mais uma vez, para a Europa. Buscaram, então, os filóso-
fos epicuristas, adeptos de Epicuro, que pregavam o prazer acima de
tudo, sobretudo o prazer intelectual, tido por eles como o maior de
todos. No entanto, nossos poetas não procuravam o prazer do intelec-
to. Entregavam-se ao autoaniquilamento2, exagerando na vida boêmia

 148 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


e no uso do álcool. Fundaram a Sociedade Epicureia, cujas reuniões
eram regadas a cerveja, vinho e éter, em cemitérios ou em repúblicas
de estudantes. A grande efervescência do movimento teve como prota-
gonistas os alunos da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco,
em São Paulo. Entre eles citamos: Álvares de Azevedo, Aureliano Lessa,
Bernardo de Guimarães e outros.
Para que entenda o espírito byroniano, ultrarromântico ou mal-
-do século, transcrevemos a seguir, texto publicado em 1952, no jornal
A Gazeta, o qual você poderá ler, bem como obter outras informações
sobre a Sociedade Epicureia, no endereço http://www.geocities.ws/aa-
zevedo20/alvares/lendas.htm.

O festim macabro da Consolação

Há outro fato, recolhido por Pires de Almeida no seu trabalho “ A


Escola Byroniana no Brasil”, que não obstante entenderem alguns que se
tenha passado anos depois, na época de Fagundes Varela, é dado por
muitos como da fase de Álvares de Azevedo e por iniciativa dos membros
da Epicureia. Esta segunda hipótese possui visos nais fortes de verdade.
Um grupo de estudantes esquentados pelo álcool penetrou, de ma-
drugada, no cemitério da Consolação e revolveu túmulos e ossos. De
repente, houve entre eles quem lançasse a ideia de proclamarem a
Rainha dos Mortos. Bêbados como estavam, fizeram arruaça infernal
e, em seguida foram em busca de Eufrásia, pobre mundana e tida co-
nhecida como imbecil. Arrombaram a Loja Americana e se apoderaram
das insígnias maçônicas, com as quais se enfeitaram, e também de
um caixão funerário. Vestidos com os paramentos da Loja Maçônica,
entraram no lupanar2, pegaram Eufrásia, envolveram-na no lençol e
meteram-na no ataúde. Saíram à rua, em cortejo, acompanhados pelo
famoso padre Bacalhau, suspenso de ordens sacerdotais.
2
Lupanar- prostíbulo.
Cantando a “Canção dos Estudantes” de Goethe, os discípulos de
Byron voltaram à necrópole3. Pararam no túmulo que tinha a inscrição:
“Judite, 20 anos”. Tratava-se da linda judia, filha do hoteleiro israelita
do Pátio do Colégio, que morrera de amor exatamente por um estu-
dante do grupo. Este não sabia da morte da jovem, porque estivera fora
e regressara naquela noite. Ao dar com a realidade, viu-se atacado 3
Necrópole – cemitério
de momentânea loucura, escavou a terra e tirou da cova o cadáver
da amada, que abraçou e beijou em acesso de desatino. O quadro
lúgubre lhe agravou o desequilíbrio, e o estudante berrou, largando o
cadáver da namorada:
- Eia, rapazes! É tempo de celebrarmos as bodas da Rainha dos Mortos!
Saltou em cima do ataúde, onde haviam fechado a infeliz Eufrá-
sia. Mas recuou. A decaída morrera de pavor. Isso motivou inquérito
policial, porém a autoridade não conseguiu descobrir os autores da
profanação e mesmo da morte culposa de Eufrásia.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  149


Mas afinal, de onde ou de
quem veio essa influência?
Para responder a essa indagação, utilizaremos a obra de Onédia
Célia de C. Barbosa, Byron no Brasil: traduções, ( 1975, p. 16 et pas-
sim). Segundo a autora, a literatura brasileira, como sabemos, sempre
recebeu influência de outras literaturas. Assim, como aconteceu com
outros poetas europeus, não causa espanto constatarmos a influência
de Byron sobre os nossos poetas românticos. Entretanto, para ela, essa
influência nunca foi devidamente estudada, “tendo ficado o assunto
sempre exposto a uma série de lendas e conjecturas”. E acrescenta:

Como poeta símbolo de sua época, como propa-


gador de uma moda avassaladora que atingiu não
só a literatura, mas as artes plásticas, a música,
o vestuário, e a própria maneira de ser, pensar e
agir, extravasou esse círculo limitado e passou a
ser objeto também da sociologia, da psicologia,
da história, da filosofia. É o único poeta cujo nome
figura como título de um capítulo na História da
Filosofia Ocidental de Bertrand Russel. Esse autor
considera-o figura importante entre os homens que
funcionam como “forças, como causas de mudan-
ça na estrutura social, nos juízos de valor, ou na
atitude intelectual”.
Byronismo é um termo que faz parte da história de
quase todas as literaturas ocidentais. Byronismo foi
influência literária, foi moda literária, mas, mais
que isso, foi um verdadeiro estado de espírito que
dominou o século XIX.
Byron, porém, não foi o inventor do byronismo,
como bem o demonstra Edmond Estève em sua
tese, Byron et le Romantism Français, (…) Segun-
do o estudioso francês, Byron foi uma síntese de
tendências que vinham do século XVIII e que nele
encontraram o tipo de personalidade ideal para se
manifestarem totalmente. (…)
Byron encarnou assim o poeta romântico por exce-
lência, e foi uma figura mítica do século XIX, com
popularidade só comparável à que desfrutam em
nosso tempo as estrelas de cinema e os cantores de
música popular, figuras míticas do século XX.
O mito byroniano tem várias facetas, mas compre-
ende principalmente os seguintes aspectos:

1. O poeta solitário, incompreendido, desencanta-


do da vida e dos homens, dominado pela melan-
colia e pelo ceticismo.

2. O campeão da liberdade, o inimigo da tirania.

 150 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


3. O jovem belo e nobre, de passado misterioso e
de vida dissoluta.

(…) sol o ponto de vista propriamente literário, (…)


poderíamos fazer uma distinção bem nítida entre
um Byron byroniano e um Byron não byroniano.
(…)
As obras de Byron que melhor desenvolvem o mito
byroniano são Childe Harold’s Pilgrimage, os con-
tos metrificados, Manfred, os dramas históricos, os
dramas bíblicos e sua obra lírica em geral. (...)
Através desses, Byron foi compondo e desenvolven-
do a imagem do herói byroniano, caracterização
máxima de herói romântico, um ser demoníaco e
fatal, de aspectos sombrio e misterioso, sob cujas
feições belas e pálidas se escondem paixões vio-
lentas, sentimentos terríveis e indefinidos. De linha-
gem nobre, ele é orgulhoso, arrogante, rebelde,
indomável, e seu passado encerra alguma ação
maligna ou crime misterioso. É, portanto, um ho-
mem solitário, torturado pelo remorso. Sente que
nada tem em comum com seus semelhantes – é
diferente, superior. Esses, por sua vez, temem-no,
e o evitam.
E os leitores, identificando os heróis com o próprio
Byron, procuravam nas linhas e entrelinhas reve-
lações excitantes sobre a vida passada e presente
do autor, que por sua vez fazia questão de fazer-se
passar por um poeta satânico e maldito.

Não nos estenderemos sobre o Byron não byroniano. Aguço a


curiosidade de vocês para que procurem conhecer esta faceta de tão
ilustre figura. Onde? Em bibliotecas, livros e sites especializados. Volte-
mos às informações da autora em foco, que para nós são importantes
para a compreensão de influência tão significativa em nossa literatura.

O primeiro Byron, pois, foi essencialmente o Byron


de exportação, o Byron que todas as literaturas oci-
dentais queriam conhecer e imitar. Um autor fácil
de ler e traduzir, talvez não tanto devido aos seus li-
mitados talentos linguísticos e musicais, como quer
a maioria de seus críticos, mas provavelmente mais
pelo fato de que a literatura que oferecia era a que
melhor correspondia ao gosto do público no mo-
mento. Seus admiradores estrangeiros, e mesmo os
ingleses, não estavam interessados em sutilezas de
linguagem, imagens e sons. A arte de Byron para
eles eram as narrativas fantásticas, as descrições de
terras e costumes estranhos, os personagens fasci-
nantes, o lirismo, às vezes melancólico e confiden-
cial, às vezes veemente e exaltado, os arroubos
retóricos.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  151


Com relação à retórica, é preciso não esquecer
que Byron é o único poeta inglês de seu tempo
a se expressar dentro da grande tradição retórica
europeia, particularmente latina, e talvez esteja aí
a razão principal de sua fácil assimilação pelas li-
teraturas do Continente.
Esse Byron, de acordo com os padrões da literatura
inglesa propriamente dita, poderia quase ser clas-
sificado de poeta menor (…) No entanto, foi acla-
mado em outras literaturas como grande artista e
poeta símbolo do Romantismo. E o papel que re-
presentou no cenário desse movimento, a avassa-
lante influência que exerceu, quer os ingleses quei-
ram, quer não, garantem-lhe um lugar relevante e
permanente no panorama da literatura universal.
Na França, onde, mais do que em qualquer outro
país, a “febre byroniana” atacou de forma violenta,
o byronismo constituiu elemento importantíssimo. A
história de Byron na França, (…) confunde-se com
a própria história do Romantismo francês.

Como se vê, se toda a Europa sucumbiu à figura de Byron, como


nossos poetas, que ainda bebiam em fontes europeias, podiam ficar
ilesos? Entretanto, segundo Onédia, muitas são as histórias que circu-
lam no imaginário coletivo, fruto dessa influência. Até onde há verdade
ou simples fantasia? Para a autora, os artigos publicados pelo Dr. Pires
de Almeida no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, entre 1903 e
1905, sob o título, A Escola Byroniana no Brasil, (…) são obra de um
memorialista que, como tal, se apega aos aspectos exteriores do fenô-
meno. Afirma ainda que o trabalho do Dr. Pires parece ter contribuindo
para a propagação de algumas lendas que correm em relação ao pe-
ríodo e aos próprios poetas, atores que foram nos relatos.
Lembram do caso que transcrevi para vocês sobre um festim maca-
bro no cemitério da Consolação, em São Paulo? Pois bem, em artigos
publicados no Suplemento Literário de O Estado de São Paulo, Vicente
de Azevedo, ainda segundo Onédia, prova, de maneira cuidadosa e
documentada que as cenas do cemitério são falsas, chegando à con-
clusão de que tudo não passa de “fantasia de péssimo gosto”, “tentati-
va de conto macabro” de inteira responsabilidade do autor de A Escola
Byroniana no Brasil.
Para reforçar esse imaginário, conta-se que Byron, passeando nos
jardins de sua residência, encontra um crânio humano. Que faz ele?
Manda fazer desse crânio uma taça, para a qual oferece um poema.
Esse fato servirá como mote para as muitas lendas e divagações sobre
sua figura e o macabro objeto.

 152 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Álvares de Azevedo e o
byronismo
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta – sonhou – e amou na vida. -
Álvares de Azevedo

Leia atentamente a epígrafe5 que introduz esse texto. Ela foi esco-
lhida como forma do poeta autoapresentar-se, pois dentre os poetas 5
Recurso muito utilizado pelos poetas ro-
mânticos. É uma citação em que se homena-
da 2ª Geração Romântica no Brasil, Álvares de Azevedo é considerado geia mestres da poesia, grandes nomes da
o nosso maior representante do byronismo, embora tenha nascido em literatura europeia e clássica, e, às vezes,
1831, 7 anos após a morte de Byron, em 1852, aos 21 anos. amigos e companheiros.

Em uma primeira leitura dos versos em tela, você já percebe a te-


mática da morte, tão peculiar a essa geração. É ela a razão, o anseio
de satisfação do eu-lírico, que parece se comprazer na perspectiva da
solidão e do repouso que só a morte pode proporcionar. Semantica-
mente o termo floresta que já denota algo grandioso, ermo, torna-se
ainda mais denso, pesado, pois é algo esquecido dos homens. É lá
que ele quer repousar e como ela ser esquecido. Como se isso não
bastasse, ele quer ficar a sombra da cruz, elemento que conota sofri-
mento, mas para ele, poeta, é sombra que protege.
Assim como Byron, a vida de Álvares de Azevedo é pontuada por
histórias que carecem de confirmação. Para muitos foi um perdido, um
boêmio, um devasso. Para outros, inocente e virgem. Um jovem que
viveu para a família, para seu pai, para sua mãe, para sua irmã. Essa
duplicidade é confirmada na sua produção literária. Na prosa é satâni-
co, capaz das piores atrocidades. Na poesia. É casto, é puro, ingênuo.
Além de Byron, recebeu forte de Garrett, George Sand, Goeth, Hei-
ne, Musset, Shakespeare, Shelley, dentre outros.
Toda a sua obra foi publicada postumamente. Em 1853, publica-
-se, pela Tipografia Americana, a 1ª edição da obra “Lira dos Vinte
Anos”. Seguiram-se outras edições ampliadas, as quais foram incorpo-
rados os seguintes títulos, que compõem a obra completa:
Lira dos Vinte Anos – Composta de três partes. A primeira e terceira
partes apresentam o poeta meigo e ingênuo a cantar virgens pálidas
e inatingíveis. Na segunda parte, o leitor encontrará um outro poeta,
sarcástico e macabro, como se fosse uma outra face de uma mesma
personalidade. E é ele próprio quem nos adverte, no prefácio da refe-
rida parte. Vejamos os dois prefácios que introduzem partes da obra.
Eles são verdadeiros manifestos dos ideais do poeta.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  153


Prefácio

São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpa-os. As pri-


meiras vozes do sabiá não tem a doçura dos seus cânticos de amor.
É uma lira, mas sem cordas: uma primavera, mas sem flores, uma
coroa de folhas, mas sem viço.
Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna
que agitava um sonho, notas que o vento levou – com isso dou lume
essas harmonias.
São as páginas despedaçadas de um livro não lido …
E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do
meu amor e da minha solidão, agora que ela vai seminua e tímida por
entre vós, derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu co-
ração – ó meus amigos, recebei-a no peito, e amai-a como o consolo
que foi uma alma esperançosa, que depunha fé na poesia e no amor
– esses dous raios luminosos do coração de Deus.
Se a terra é adorada, a mãe não é mais digna da veneração.

Digest of hindu law

Como as flores de uma árvore silvestre


Se esfolham sobre a leiva que deu vida
A seus ramos sem fruto,
Ó minha doce mãe, sobre teu
Deixa que dessa pálida coroa
Das minhas fantasias
Eu desfolhe também, frias sem cheiro,
Flores da minha vida, murchas flores
Que só orvalha o pranto!

Prefácio

Cuidado, leitor, ao voltar esta página!


Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num
mundo novo, terra fantástica, verdadeira ilha Baratária de D. Quixote,
onde Sancho é rei, e vivem Panúgio, sir John Falstaff, Bardolph, Fígaro
e o Sganarello de D. João Tenório – a pátria dos sonhos de Cervantes
e Shakespeare.
Quase que depois de Ariel esbarramos em Caliban. A razão é sim-
ples. É que a unidade deste livro funda-se numa binomia. Duas almas
que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de po-
eta escreveram este livro verdadeira medalha de duas faces.
Demais perdoem-me os poetas do tempo, isto aqui é um tema,

 154 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


senão novo, menos esgotado ao menos que o sentimentalismo tão fas-
bionable desde Werther até René.
Por um espírito de contradição, quando os homens se vêem inunda-
dos de páginas amorosas preferem um conto de Bocaccio, uma carica-
tura de Rabelais, uma cena de Falstaff no Henrique IV de Shakespeare,
um provérbio fantástico daquele polisson Alfredo de Musset, a todas as
ternuras elegíacas dessa poesia de arremedo que anda na moda e re-
duz as moedas de oiro sem liga dos grandes poetas ao troco de cobre,
divisível até ao extremo, dos liliputianos poetastros. Antes da Quaresma
há o Carnaval.
Há uma crise nos séculos como nos homens. É quando a poesia
cegou deslumbrada de fitar-se no misticismo e caiu do céu sentindo
exaustas as suas asas de oiro.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum,
como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha
de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e
tem artérias — isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente
que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou
o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a
alma ainda trêmula e ressoante da febre do sangue, a alma que ama
e canta, porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o
poema dos amores da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra
em si muita verdade e muita natureza, e que sem ser obsceno pode
ser erótico, sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem: —
todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realida-
de formosa da bela mulher a quem amamos.
O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo,
brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra. A poesia puríssima
banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.
Depois a doença da vida, que não dá ao mundo objetivo cores
tão azuladas como o nome britânico de blue devils, descarna e injeta
de fel cada vez mais o coração. Nos mesmos lábios onde suspirava a
monodia amorosa, vem a sátira que morde.
É assim. Depois dos poemas épicos, Homero escreveu o poema
irônico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e
o Giaour de Byron vem o Cain e Don Juan — Don Juan que começa
como Cain pelo amor e acaba como ele pela descrença venenosa e
sarcástica.
Agora basta.
Ficarás tão adiantado agora, meu leitor, como se não lesses es-
sas páginas, destinadas a não serem lidas. Deus me perdoe! assim é
tudo!... até prefácios!

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  155


Outras obras

Poesias Diversas – Como o próprio nome já diz, trata de poemas


diversos.
O Poema do Frade – Um frade devasso conta os amores e desventuras
de um poeta libertino, Jônatas, e sua namorada a prostituta Consuelo.
O Conde Lopo – Poema narrativo tipicamente romântico. Tem como
enredo a morte de um jovem desconhecido em casa de estranhos. Após
sua morte, a descoberta sob seu colchão de um livro de versos que
narra sua história e revela seu nome: Conde Lopo.
Macário – Obra teatral cujas personagens mais importantes são
Macário, Penseroso e Satã. Segundo Antônio Cândido, esta obra é o
Álvares de Azevedo byroniano, ateu, desregrado, irreverente, universal.
Noite na Taverna – Série de narrativas fantásticas, contadas por um
grupo de amigos em uma taverna, que têm como enredo: necrofilia,
corrupção, adultério, antropofagia, traição, incesto, assassinato, vin-
gança e … Livro de Fra Gondicário, Discursos, Cartas.

Casimiro de Abreu
Sabes que minha vida tem sido uma luta contínua
e que a alegria nunca foi minha companheira; no
entanto, pude espalhar o mel dos risos sobre muita
página mentirosa e disfarçar as angústias do espí-
rito na melodia das rimas.
(Carta de Casimiro de Abreu a um amigo)

O trecho que citamos de uma carta de Casimiro de Abreu a um


amigo difere da imagem divulgada desse poeta, que comumente você
encontrará nos livros de Literatura. Por quê? O motivo é simples. Apesar
de estar ligado à 2ª Geração Romântica, Casimiro surge, no cenário
literário carioca, com uma poesia que quebra a morbidez e o ambiente
carregado, cantado por Álvares de Azevedo.
Sua poética versa sobre a infância, a Pátria, a saudade da família,
o amor a solidão, temas que agradavam o público da época. Consa-
grou-se como o poeta mais popular do Romantismo Brasileiro, graças
ao lirismo ingênuo, e à linguagem simples de seus poemas.
O pessimismo decorrente da geração mal-do-século, a descren-
ça, a desilusão, a melancolia e a dor são temas de alguns de seus
poemas,de forma diluída, a exemplo do fragmento da carta que intro-
duz esse texto.
Morre, vítima de tuberculose, aos 23 anos de idade.

 156 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I



Obras
As primaveras (poesias)
Camões e o Jau (teatro)
Camila, Carolina ( ficção)
A Revista do ano ( pequena comédia em prosa)
A virgem loura ( texto autobiográfico)

Junqueira Freire
Luís José Junqueira Freire nasceu em Salvador, Bahia, em 1832,
e morreu na mesma cidade, em 1855, aos 23 anos de idade. Ainda
jovem optou pela vida eclesiástica, talvez sem a vocação necessária.
Diz-se talvez, pela revolta do poeta em relação às exigências da vida
monástica e ao celibato.
Sua poesia mostra-se dividida entre os apelos da vida material e
carnal e os deveres da vida religiosa, entre o amor de Deus e à mulher,
entre o amor platônico e o amor sensual cheio de culpa, entre a vida e
a morte. É considerado um poeta que oscila entre a tradição clássica e
o pessimismo mórbido da segunda geração romântica.

Obras

Inspirações do claustro
Contradições poéticas
Elementos de retórica nacional

Fagundes Varela
Fagundes Varela também é citado como pertencente à 2ª Gera-
ção, dentre outros. Por ser considerado poeta de transição, comentare-
mos sua obra na próxima unidade.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  157


Atividade I
1. Leia os trechos a seguir. Com base nas informações disponibilizadas nesta
unidade, analise-os observando as características dos poetas estudados.
Registre os resultados de suas análises.

2. Agora que você estudou os fragmentos, procura conhecê-los na íntegra.


Declama-os diante do espelho. É um bom exercício para acabar com a
timidez, treinar a dicção e a postura. Socialize sua experiência.

Um cadáver de poeta

Levem ao túmulo aquele que parece


um cadáver! Tu não pesaste sobre a
terra: a terra te seja leve!
L. Uhland

De tanta inspiração e tanta vida


Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto …
O que resta? Uma sombra esmaecida,
Um triste que sem mãe agonizava …
Resta um poeta morto!

Morrer! E resvalar na sepultura,


Frias na fronte as ilusões – no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome … sem um leito!
Em treva e solidão!

dica. utilize o bloco [...]


de anotações para Álvares de Azevedo
responder as atividades!

 158 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Morte
(hora de delírio)

Pensamento gentil de paz eterna,


Amiga morte, vem. Tu és o termo
De dous fantasmas que a existência formam,
- Dessa alma vã e desse corpo enfermo.

Pensamento gentil de paz eterna,


Amiga morte, vem. Tu és o nada,
Tu és a ausência das moções da vida,
Do prazer que nos custa a dor passada.

Pensamento gentil de paz eterna,


Amiga morte, vem. Tu és apenas
A visão mais real das que nos cercam,
Que nos estingues as visões terrenas.
[...]
Amei-te sempre: - pertencer-te quero
Para sempre também, amiga morte.
Quero o chão, quero a terra – esse elemento
Que não se sente dos vaivéns da sorte.
[...]
Junqueira Freire

Amor e medo
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contudo dizes,suspirando amores:
“ - Meu Deus, que gelo, que fieza aquela!”

Como te enganas! meu amor é chama,


Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco …
És bela – eu moço: tens amor, eu – medo!...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,


Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
das horas longas a correr velozes.

[...]

Oh! Não me chames coração de gelo!


Bem vês; traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela – eu moço; tens amor, eu – medo!...

Casimiro de Abreu

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  159


Sousândrade – Uma poética
extemporânea
Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa errante
será lido cinquenta anos depois; entristeci – decep-
ção de quem escreve cinquenta anos antes.
Sousândrade

Mais uma vez utilizo de uma epígrafe, como já lhe falamos, uma
prática dos poetas românticos, para deixar o poeta autoapresentar-se.
O inusitado no que estou fazendo é utilizando versos do próprio autor.
Joaquim de Sousa Andrade é considerado uma voz dissonante no
Romantismo Brasileiro. Qual o motivo? Diferentemente de seus pares,
Sousândrade viajou do Amazonas, onde conviveu e conheceu a cultura
indígena à Nova York, onde fixou residência por algum tempo, e co-
nheceu de perto a sociedade capitalista americana, vivência que seus
compatriotas não tiveram.
Obra: Harpas selvagens, Guesa errante, Novo Édem.
Faraco e Moura (1997, p.116) tecem o seguinte comentário:

Costuma-se situar esse autor no Romantismo por


uma questão cronológica, mas, por ser um ou-
sado renovador – sobretudo na linguagem-, sua
obra não encontrou a menor aceitação do públi-
co, acostumado aos princípios românticos. E note-
-se: o primeiro livro de Sousândrade foi publicado
dois anos antes das Primaveras de Casimiro de
Abreu! Somente no século XX, mais precisamente
em 1962, dois poetas e críticos brasileiros6 realiza-
ram uma revisão crítica da obra de Sousândrade,
destacando a ruptura com os padrões românticos,
fato que permite classificar o escritor como um
verdadeiro precursor de nosso Modernismo. Gue-
sa errante, sua obra mais importante, é um longo
poema narrativo baseado numa lenda quíchua. A
lenda faz parte do culto solar desses indígenas da
Colômbia. O guesa ( nome que significa “erran-
te”, “sem lar”) era uma criança roubada aos pais
e destinada a cumprir um destino mítico: ao atingir
os 15 anos o guesa errante era atado a uma colu-
na, numa praça circular, cercado pelos sacerdotes
e morto a flechadas; seu coração, arrancado, era
oferecido ao deus Sol e seu sangue recolhido em
vasos sagrados. Completada a cerimônia, outra
criança seria raptada – um novo guesa – para, dali
a quinze anos, ser ofertada de novo ao deus.
[…]

 160 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


O poema trata sobretudo das andanças do guesa
vagando pelas américas, com um prolongamento
pela Europa e África, e seu retorno ao Brasil ( Mara-
nhão) Tudo muito parecido com a vida do poeta...

Ainda citando Faraco e Moura, eis o quadro comparativo que


apresentam entre Casimiro de Abreu e Sousândrade, em relação a um
mesmo objeto poético.

Casimiro de Abreu Sousândrade


1. O anoitecer

…. o astro do dia desmaia Densas nuvens de fumo doloroso


Só brilhando com pálido lume... Fazem-se em tiras, despregadas caem 6
Augusto e Haroldo de Campos, na obra Re-
Através do horizonte. Visão de Sousândrade (2. ed. Rio de Janeiro,
Nova Fronteira, 1982, p.132-3).
2. O luar

… a lua majestosa
Surgindo linda e formosa. (…) a lua franca
Como donzela vaidosa Abre seus seios de donzela e despe
Nas águas vai se mirar! Seus vestidos no mar
3. O calor do sol

Esse sol que anima a flor O sol fendeu-me o dorso como açoite
De tarde, no vale ameno,
Por entre os choupos anosos,
É esse brilho sereno,
Cheio de mago fulgor...
4. A tristeza

Minh’alma é triste como a flor que morre A noite eu sou, consumo a minha treva.
Pendida à beira do riacho ingrato...
5. O erotismo feminino

Que rosto d’anjo, qual estátua antiga “Oh! Consome e devora o teu amor!”
No altar erguida, já caído o véu! Perdida ela dizia, desmaiando
Que olhar de fogo que paixão instiga! Qual as douradas noites do equador.
Que níveo colo prometendo um céu!
6. Reflexo das estrelas no mar

… as estrelas cintilam Quando as estrelas, cintilada a esfera,


Nas ondas quietas do mar … Da luz radial rabiscam todo o oceano...

A prosa no Romantismo
Brasileiro
Na unidade anterior, comentamos sobre os romances indianistas de
José de Alencar, embora não tenhamos feito nenhuma alusão à forma
como esse gênero literário surgiu no Brasil. Todavia temos informações de
que a prosa já era praticada em nosso país, mas de forma incipiente.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  161


No Brasil, a exemplo da Europa, o romance surge em forma de
folhetim, ou seja, a obra era publicada nos jornais, capítulo a capítulo.
Essa forma de publicação contribuiu para aumentar o público leitor de
jornais e, consequentemente, o público de literatura, formado, em sua
maioria, por mulheres, estudantes, comerciantes, militares e funcioná-
rios públicos. Lembre-se de que com a recém Independência, os artistas
e intelectuais brasileiros estavam empenhados em definir a identidade
cultural nacional.
Nessa perspectiva, o romance brasileiro retrata os seguintes espa-
ços nacionais: a selva - o romance indianista e histórico, a vida primiti-
va; o campo – o romance regional, a vida rural; a cidade - o romance
urbano, a vida na cidade. Ao longo de seus estudos você verificará
que alguns dos escritores do romantismo brasileiro transitaram nos três
espaços mencionados. Lembramos que esses espaços não se esgotam
no romantismo.
Para Massaud Moisés (1995, p. 193) em história literária, o padrão
cronológico não pode, sob pena de minimizar a complexidade do pro-
cesso cultural, ser aplicado rigidamente. Autores divergentes coexistem
no mesmo período, ao passo que escritores de análoga orientação
estética podem situar-se em épocas diferentes. Apenas a título de ilus-
tração, citamos o retorno do romance regionalista, em 1930, em pleno
século XX.
O primeiro romance brasileiro foi O Filho do Pescador, de Antônio
Gonçalves Teixeira e Sousa publicado em 1843, o qual não agradou
ao público. No ano seguinte, 1844, é publicada a obra de Joaquim
Manuel de Macedo, A Moreninha, que passa a ser considerada o pri-
meiro romance romântico brasileiro.
Diferentemente de Teixeira, Macedo conseguiu agradar ao novo
público leitor com um enredo que mesclava o namoro difícil ou im-
possível, a dúvida entre o dever e o desejo, a comicidade, a revelação
surpreendente de uma identidade, as brincadeiras entre estudantes e
uma linguagem bem próxima da coloquial, elementos que explorou
exaustivamente em outras obras.

Características da
prosa romântica
Quando começamos a estudar o Romantismo, apresentamos ca-
racterísticas específicas desse estilo de época. Todavia nem sempre o
que utilizamos na poesia é adequado à prosa. A seguir elencamos as
7
Adaptadas de Cereja e Cochar ( 1994,
mais usuais7.
p.113)

 162 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


• Sentimentalismo – Em se tratando de narrativa romântica, é na-
tural as manifestações dos sentimentos e das emoções.
• Impasse amoroso, com final feliz ou trágico – É comum nas
narrativas românticas uma complicação envolvendo o par amo-
roso. Como solução para o impasse são apresentadas duas
soluções: um final feliz ou um final trágico. No primeiro o casal
supera todas as dificuldades, vencendo enfim o amor. No se-
gundo, a morte é a única saída, apontando-se para uma possí-
vel união na vida eterna.
• Interrupção narrativa ( flash-back) – Trata-se de uma interrup-
ção na sequência temporal com a finalidade de apresentar rela-
tos passados. Suspende-se a ação que está sendo narrada para
apresentar ao leitor um fato esclarecedor sobre algo referente
a um personagem.
• Amor como redenção – O conflito nos romances românticos
acontece pela impossibilidade de união do par amoroso –seja
por pertencerem a classe social diferente, raça ou religião dife-
rente. Só o amor será capaz de redimir ou purificar o herói ou
o vilão.
• Idealização do herói – O herói romântico é o super-homem dos
tempos modernos. Ele é capaz de arriscar a própria vida para
atender aos apelos do coração ou da justiça. É leal, corajoso,
forte, honesto, justo, um cavalheiro.
• Idealização da mulher – A mulher no Romantismo é sempre
mostrada como pura, inatingível, fraca e obediente aos pais.
De saúde frágil, é propensa a desmaios e mal-estar. Sonha com
um príncipe encantado, visto que é educada para o casamento
e consequente submissão ao marido, uma extensão do poder
paterno.
• Linguagem metafórica – Trabalhando com a imaginação e a
fantasia, o narrador romântico usa metáforas e adjetivações,
dentre outras figuras, como recurso para a descrição de perso-
nagens e de cenas e ambientes fantasiosos.
• Personagens planas – Nas narrativas românticas, com exceção
das obras de transição, que abordaremos na próxima unida-
de, as personagens não sofrem mudanças. Permanecem com
o mesmo perfil do início ao fim da obra. São as chamadas
personagens planas.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  163


O romance urbano -
Principais representantes
Joaquim Manuel de Macedo
Comecemos por aquele que consagrou-se como o nosso primeiro
romance romântico – A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo,
publicado em 1844. O romance tem como enredo a história de três
estudantes de Medicina – Augusto, Felipe e Leopoldo. Felipe convida
os amigos para passarem um feriado na casa de sua avô, em uma ilha.
Lá Augusto conhece Carolina, a Moreninha, pela qual se apaixona.
Entretanto, há na vida de Augusto um mistério que o impede de casar
com Carolina. Quando criança ele jurou a uma menina que só se ca-
saria com ela. Ocorre que Augusto havia perdido o contato com sua
pretendida. No final da narrativa, Augusto descobre que Carolina e a
menina a quem jurara amor eterno são a mesma pessoa. Casam e são
felizes para sempre.
Com Macedo inaugura-se no Brasil o romance urbano- aquele que
tem como cenário a cidade grande. Essa modalidade será desenvol-
vida por outros escritores da época. Em a Moreninha, a cidade do Rio
de Janeiro, sede do Império.
Macedo deixou-nos 18 romances, 16 peças de teatro, 1 livro de
contos dentre outros.

José Martiniano de Alencar


José de Alencar escreveu as páginas que lemos,
e que há de ler a geração futura. O futuro não se
engana.
Machado de Assis

A epígrafe que introduz nosso comentário, assinada por Machado


de Assis, diz da grandeza desse escritor que perpassou as três gerações
românticas. Em relação ao romance urbano, escreveu Cinco minutos
(1856), A viuvinha (1860), Lucíola (1862), Diva (1864), A pata da ga-
zela (1872), Senhora (1875), Encarnação (publicado em 1896).
Comentar cada obra é tirar do leitor a curiosidade de conhecer
essa gama de personagens e de possibilidades de contatar com a ver-
ve de um escritor tão polivalente. Todas as obras citadas são lindas e
valem a pena ser lidas. Chamamos a atenção para Lucíola e Senhora.
O motivo?
Só lendo você descobrirá. O desafio está lançado.

 164 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Atividade II
1. Pesquise em livros de Literatura, na Internet ou em Bibliotecas, o Poema
Guesa errante, de Sousândrade. Escolha fragmentos e distribua com
colegas e alunos. Se possível publique em murais. Incentive seus alunos,
caso você já ensine, a declamar e divulgar a obra de um poeta tão pouco
conhecido.

2. Após a leitura de Lucíola, assista ao filme “Uma linda mulher”, com


Richard Gere e Julia Roberts. Observe com atenção o enredo, compare as
protagonistas, atentando para a época que cada uma representa. Elabore
um comentário e procure publicá-lo em algum jornal de sua cidade. Não
se limite apenas ao comentário. Vá além, exercitando a crítica literária e a
crítica cinematográfica.

3. Vamos trabalhar, agora, com a Técnica do Cochicho. Vou explicar como


funciona. Convide um grupo para discutir um assunto, no caso da tarefa
que vamos propor, já estudado por todos. Reunido o grupo, divida-o em
subgrupos de 2 membros. Estabeleça no máximo 5 minutos para a dupla
conversar sobre o assunto que você determinar. Encerrado o tempo
estabelecido, cada dupla vai expor a conclusão a que chegaram. É uma dica. utilize o bloco
de anotações para
técnica bem democrática porque todos participam. responder as atividades!

Assunto do cochicho: O final da obra Senhora surpreende o leitor.


Concorda? Justifique?

O romance regionalista –
Principais representantes
Da mesma forma que os escritores indianistas elegeram o índio e a
natureza como representação da identidade nacional, escritores como
Bernardo Guimarães, José de Alencar, Visconde de Taunay e Franklin
Távora dentre outros, criaram o romance regionalista como forma de
enaltecer a natureza dos sertões brasileiro, seu povo, costumes, modos
de falar. Muda-se a fala, muda-se a cor local, muda-se o ambiente,
muda-se as personagens, mas permanece a essência romântica: “ a
concepção de amor único e idealizado, de cujo êxito resulta a felicida-
de, ou para cujo fracasso só há uma saída – a morte.”
Bernardo Guimarães – Mineiro de Ouro Preto, foi o primeiro a abordar

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  165


a temática. Amigo e contemporâneo de Álvares de Azevedo na Facul-
dade de Direito, fez parte do famoso grupo boêmio da faculdade. Suas
obras são ambientadas em Minas Gerais e Goiás. Além de romancista
ficou conhecido por seus poemas humorísticos e eróticos. Exerceu a ma-
gistratura e, segundo o imaginário coletivo, costumava despachar suas
sentenças ao som de um violão, tocado por ele mesmo.
Obras: O ermitão de Muquém (1865), O seminarista (1872), A es-
crava Isaura (1875) – sua obra mais conhecida e estudada, tema de
telenovela de grande sucesso aqui e mo exterior.

Alfredo d’Escragnolle Taunay nasceu no Rio de Janeiro. Cursou a Esco-


la Militar e, nomeado segundo-tenente, participou da Guerra do Para-
guai e de outras campanhas militares. Ingressou na política, exercendo
as funções de deputado, presidente da província do Paraná e senador.
Recebeu o título de visconde. Ficou cognominado para a posteridade
como Visconde de Taunay.
Obras: A mocidade de Trajano (1871), Inocência (1872), Lágri-
mas do coração (1873), Ouro sobre azul (1875). A retirada da Lagu-
na (1868 em francês, 1872 em português. Inocência é sua obra mais
importante do ponto de vista literário, traduzida para quase todos os
idiomas modernos, inclusive o japonês. A obra foi adaptada também
para o cinema.

José Martiniano de Alencar - Esse você já conhece, entretanto é inte-


ressante saber que nasceu em Mecejana, Ceará - um nordestino como
nós. Foi contemporâneo de Álvares de Azevedo na famosa Faculdade
de Direito de São Paulo. Introvertido, não se adaptou à vida boêmia
de seus colegas. Seu trabalho literário é resultado de muito estudo e
disciplina.
Obras regionalistas: O gaúcho (1870), O tronco do Ipê (1871), Til
(1872), O sertanejo (1875).

Franklin Távora – João Franklin da Silveira Távora nasceu em Baturité


– Ceará, estudou no Recife, onde formou-se em Direito. Defendia uma
literatura nordestina livre dos modelos estrangeiros, posicionando-se
contra a literatura do Sul. Vejamos o que nos informa o narrador de “O
Cabeleira”, obra mais importante do autor, em defesa de sua causa: As
letras têm, como a política, um certo caráter geográfico; mais no Norte,
porém, do que no Sul abundam os elementos para a formação de uma
literatura propriamente brasileira, filha da terra. Franklin Távora trouxe
para a Romantismo brasileiro temas como o banditismo, o cangaço, a
seca, a miséria, temas até então ausentes de nossa literatura.
Obras: Os Índios do Jaguaribe (1862); A Casa de Palha (1866);
O Cabeleira (1876); O Matuto (1878); Sacrifício (1879); Lourenço
(1881); Lendas e Tradições Populares do Norte (1878); A Trindade Mal-
dita (1861); Um Casamento no Arrabalde (1869); dentre outras.

 166 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Álvares de Azevedo - Quando tratamos da poesia no Romantismo
brasileiro, afirmamos que Álvares de Azevedo foi o principal represen-
tante do byronismo em nosso país, lembra? No entanto, é difícil dizer
em que modalidade foi mais byroniano , se na poesia ou na prosa. Sua
obra em prosa, Noite na Taverna –, é, na verdade, uma série de nar-
rativas fantásticas, contadas por um grupo de amigos em uma taverna,
que têm como enredo: necrofilia, corrupção, adultério, antropofagia,
traição, incesto, assassinato, vingança e … Por tudo isso, é considera-
da como obra ímpar em nossa literatura. Para aguçar sua curiosidade,
transcrevemos alguns fragmentos:

“Silêncio, moços! Acabai com essas cantilenas hor-


ríveis! Não vedes que as mulheres dormem ébrias,
macilentas como defuntos? Não sentis que o sono
da embriaguez pesa negro naquelas pálpebras
onde a beleza sigilou os olhares da volúpia?”

“ - Oh! Vazio! Meu copo está vazio, Olá, tavernei-


ra, não vês que que as garrafas estão esgotadas?
Não sabes, desgraçada, que os lábios da garrafa
são como os da mulher: só valem beijos enquanto
o fogo do vinho ou o fogo do amor os borrifa de
lava?”

“Olá, taverneira, bastarda de Satã! Não vês que


tenho sede e as garrafas estão secas, secas como
tua face e como nossas gargantas?”

Atividade III
Ao longo dos nossos encontros temos comentado que as tendências de época
têm um tempo cronológico. Contudo, afirmamos também que os sentimentos
são peculiares ao humano e, como tal, extrapolam toda e qualquer época.

Leiam a matéria jornalística a seguir. Divulgue-a no seu grupo, na sua


comunidade. Procure ouvir a opinião das pessoas sobre o assunto. De posse
delas, elabore um texto argumentativo sobre o assunto. Exponha seu texto ou
envie para um jornal de sua cidade.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  167


Jovens invadem e quebram cemitério
em ‘festa gótica’ no PR

04 de setembro de 2011 •
12h18

Onze jovens foram presos


após invadirem o Cemitério Mu-
nicipal de Curitiba na madrugada deste domingo. Segundo a Polícia
Civil, um grupo de 80 pessoas entrou no local por volta das 5h para
realizar uma “festa gótica”.
De acordo com a polícia, os jovens, com idade entre 18 e 22
anos, depredaram os túmulos e quebraram vasos e enfeites. Antes da
invasão, eles teriam ingerido bebidas alcoólicas.
Quando a Guarda Municipal chegou ao local, a maioria conse-
guiu fugir. Os presos foram encaminhados para o Centro Integrado de
Atendimento ao Cidadão Sul (Ciac-Sul) e devem responder por dano
qualificado. O crime é afiançável.
dica. utilize o bloco
de anotações para
responder as atividades! Fonte: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias

Leituras recomendadas
A leitura deve ser uma prática na vida do aluno de Letras e do pro-
fessor de Literatura. Portanto, recomendamos:

• Livros e Revistas de Literatura que abordem o Romantismo no


Brasil
• Noite na Taverna e Lira dos Vinte Anos de Álvares de Azevedo
• A Moreninha - Joaquim Manuel de Macedo
• Lucíola e Senhora - José de Alencar
• Primaveras - Casimiro de Abreu

 168 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


• O Cabeleira - Franklin Távora
• A Escrava Isaura - Bernardo de Guimarães
• Inocência - Visconde de Taunay
• O Gaúcho e Til - José de Alencar
• O Guarani – Ópera - Carlos Gomes
• Poemas de Junqueira Freire
• Poema O Guesa Errante - Sousândrade
Estas obras você pode encontrar em Bibliotecas, em edições im-
pressas, no site www.dominiopublico.gov.br

Filmes recomendados
A Moreninha

Sinopse
Toda a história se passa na
paradisíaca Ilha de Paquetá cen-
trada em Carolina (Sônia Braga) e
Augusto (David Cardoso). Amigos
da família reúnem-se para um sa-
rau na casa de Carolina. Lá, ele
vai reencontrar aquele amor dos tempos de criança, com quem tro-
cou juras de amor e um camafeu, peça fundamental para que eles se
reconheçam. Adaptação do livro homônimo de Joaquim Manuel de
Macedo.

Inocência
Sinopse
Inocência é um filme no estilo
romântico ambientado no Brasil.
A menina Inocência (Fernanda
Torres) é acometida de malária e
o médico Cirino (Edson Celula-
ri) é designado para tratá-la. Os
dois se apaixonam, mas a jovem
está prometida para um rico fazendeiro da região e seu pai coloca-se
contra a relação.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  169


Proposta Indecente
Sinopse
Um casal que se ama, mas
está em crise financeira, recebe
uma proposta indecente de um
milionário excêntrico: se a bela
esposa aceitar ir para a cama
com ele por uma noite, os dois
ganharão US$ 1 milhão. As necessidades financeiras acabam se con-
flitando, com a insegurança de ambos no futuro do casamento se a
proposta for aceita.
Esse filme é interessante para você fazer um confronto com a obra
Senhora, de José de Alencar.

O Cangaceiro
Sinopse
O bando de cangaceiros do
capitão Gaudino semeia o terror
pela caatinga nordestina. A professora Maria Clódia, raptada durante
um assalto do grupo, se apaixona pelo pacífico Teodoro. O forte amor
entre os dois gera grande conflito.
Esse filme é indicado para você conhecer o mundo do cangaço, no
qual se desenrola o drama de O Cabeleira.

 170 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Resumo
Chegamos ao penúltimo encontro. Convivemos com a 2ª Geração
Romântica. Com esses jovens poetas aprendemos que a evasão, o so-
nho, a fuga da realidade pode não ser o caminho, mas com certeza é
uma possibilidade. Estavam certos, estavam errados? Não temos res-
postas. Aprendemos que o homem é um só, apesar do tempo, apesar
do conhecimento, apesar de tudo. Em sua essência, ele, homem, é
um só. O homem é um poço de sentimentos, que vai expondo como
e quando lhe convier. Aprendemos e apreendemos que é inexoravel-
mente produto da sociedade em que vive. Nesse sentido, convivemos
a angústia de Álvares de Azevedo, bem como o saudosismo e o medo
de Casimiro de Abreu. Compreendemos a ânsia de viver de cada um
deles. Com Sousândrade vivemos e sentimos na pele a dor da incom-
preensão e da exclusão. Conhecemos Macedo e sua doce Moreninha.
Com eles ficamos sabendo dos usos e costumes da burguesia da Corte
brasileira. Fomos despertados para conhecer Lúcia, Diva, Aurélia e de-
mais protagonistas das obras alencarinas. Tomamos conhecimento da
luta de escritores como Franklin Távora, Bernardo Guimarães, Taunay
e também Alencar para mostrar que o Brasil vai além da Corte, além
do Rio de Janeiro, mostrando um novo tipo de personagens, de lingua-
gens e costumes diferentes. Entretanto, vimos que apesar das diferenças
todos se comportam como manda os preceitos do Romantismo. E para
finalizar, presenciamos o non sense da experiência byroniana de Noite
na Taverna.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  171


Autoavaliação
É a curiosidade que me move, que me inquieta,
que me insere na busca, que aprendo e ensino.”

Paulo Freire

Usando como exemplo essa busca freiriana, reveja os objetivos estabelecidos


para esse encontro e se autoavalie.

dica. utilize o bloco


de anotações para
responder as atividades!

 172 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martin Claret,
2001.

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Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  173


 174 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I
VIII UNIDADE

Terceira geração romântica,


última etapa dessa Viagem
Literária

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  175


Apresentação

Caro (a) aluno (a),

Iniciamos a última etapa da viagem que começamos em


1500. Lembra? Chegamos a 1870, princípio do terceiro
momento romântico, quando é publicada a obra de Castro
Alves, Espumas Flutuantes, encerrando-se em 1881 com a
publicação de O Mulato, obra de Aluísio de Azevedo.
Nesse decênio o Brasil já não vivia a euforia da recém in-
dependência. O povo ansiava por mudanças, por um novo
regime - a sonhada República. Essa insatisfação, esses an-
seios refletiam uma realidade que estava se tornando insus-
tentável. Consequentemente, a produção literária da época
vai nos permitir “enxergar” o que estava acontecendo na
sociedade brasileira.
Nesse contexto, conviveremos com Castro Alves, Fagun-
des Varela e Manuel Antônio de Almeida, dentre outros.
Com eles conheceremos uma outra faceta do Romantismo,
a qual abrirá nossos olhos para uma nova forma de ver

 176 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


a vida, encarando-a tal qual ela é. Tenho certeza de que
você irá gostará desse finalzinho da viagem. Da nossa parte,
já estamos com o gosto amargo da despedida, entretanto
“o anjo da história nos impele para frente”, embora nossos
olhos estejam presos às décadas que acabamos de viver. O
último porto se avizinha, corramos para vê-lo.
Quando em terra firme, queremos lembrá-lo (a) de que
se surgirem algumas dúvidas, algumas inquietações, pro-
cure seus colegas e consulte-os, eles podem ajudá-lo (a),
bem como amigos que já estudaram esse assunto. Lembre-
-se de que seu tutor está sempre pronto a orientá-lo (a) e
que você pode, ainda, enviar uma mensagem no AVA e dis-
cutir aspectos relevantes sobre a temática estudada.

Objetivos

No final dessa aula, esperamos que você:


• Identifique a 3ª Geração do Romantismo Brasileiro como ten-
dência de época resultante das transformações sociais, políticas
e ideológicas ocorridas no Brasil;
• Compreenda as especificidades da 3ª Geração Romântica,
bem como seus principais representantes na poesia e na prosa;
• Compreenda a influência de Byron na poesia de Castro Alves;
• Conheça as características da poesia deste período;
• Conheça as características da prosa de transição, desenvolvida
neste período;
• Analise a produção literária produzida nesse contexto: ideológi-
co, político, social e individual;
• Reflita sobre as propostas do Romantismo relacionando-as a
filmes da contemporaneidade.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  177


Romantismo no Brasil
3ª geração

Diferentemente da primeira geração romântica que exaltava a exu-


berância da nossa natureza, enaltecia o índio como senhor da terra,
ora vítima do colonizador, ora aliado deste; da segunda geração a car-
pir conflitos íntimos, fruto de uma visão egocêntrica, limitadas ao “eu”,
a terceira geração apresenta características mais universais. Saindo um
pouco de si, poetas e escritores dessa geração passam a enxergar o
que está à sua volta: o povão, o anseio por um governo republicano, a
indignação com a escravatura, adotando uma postura político- social,
resultando, assim, em uma literatura engajada que pretende, de fato,
intervir no processo histórico do país.
Utilizando-se de uma linguagem grandiloquente, próxima da ora-
tória, os poetas objetivam cativar o leitor para a causa que defendem.
Por essa visão grandiloquente e por associarem-se às ideias de Victor
Hugo, escritor francês, do qual já estudamos o “Prefácio de Cromwell”,
são cognominados de condoreiros.
Segundo Cereja e Cochar (1994, p. 78-79),

identificando-se com o condor – ave de voo alto


e solitário, com capacidade de enxergar a grande
distância -, os poetas supunham ser eles também
dotados dessa capacidade e, por isso, tinham o
compromisso, como poetas gênios iluminados por
Deus, de orientar os homens comuns para a causa
da justiça e da liberdade.
No contexto europeu do século passado1, o alvo
preferido dos condoreiros era a causa dos opri-
midos socialmente, isto é, dos operários da in-
1
O autor refere-se ao século XIX, visto que o dústria e dos camponeses. No Brasil, cuja força
livro citado foi produzido no século XX.
de trabalho era predominantemente escrava, o
condoreirismo assume feições abolicionistas e re-
publicanas. Estes versos do poema “Vidente”, de
Castro Alves, demonstram o pensamento liberal
cristão do poeta:

Quebram-se as cadeias, é livre a terra inteira,


A humanidade marcha com a Bíblia por bandeira;
São livres os escravos... quero empunhar a lira,
Quero que est’alma um canto audaz desfira,
Quero enlaçar meu hino aos murmúrios dos ventos,
As harpas das estrelas, ao mar, aos elementos!

 178 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


A poesia da
terceira geração
Os poetas da terceira geração romântica, como já dito, afastam-se
um pouco do egocentrismo praticado por seus antecessores, sem, no
entanto, perderem as características peculiares à tendência. Cantam
o amor, cantam suas dores, cantam a mulher amada, mas como uma
nova performance. A sensualidade e a sexualidade da mulher serão de-
cantadas como algo natural, distanciando-se daquela musa inatingível,
platonicamente amada.
Na poesia, destaca-se Castro Alves como o principal representante
dessa geração, considerado o fundador da poesia social e engajada2
o Brasil. São destaques também: Fagundes Varela, Sousândrade (já
estudado com os poetas da 2ª geração) e Narcisa Amália, primeira
presença feminina em nossa literatura.
2
Denomina-se de poesia engajada aquela
que procura ser veículo de contestação e

Antônio Frederico
de conscientização a serviço de uma causa
político- ideológica.

de Castro Alves
Antônio Frederico de Castro Alves nasceu em 14 de março de 1847,
na fazenda Cabaceiras, interior da Bahia. Após os estudos secundá-
rios ingressa na Faculdade de Direito do Recife, 1864. Logo chama a
atenção da comunidade acadêmica por sua inspiração poética e pelos
embates públicos que travava com outro poeta, também da mesma
faculdade, Tobias Barreto.
Reconhecidamente cognominado como o poeta dos escravos, con-
clamava a todos para a causa abolicionista, pois considerava a escra-
vidão, a grande vergonha do país. A praça pública, espaço que para Antônio Frederico de Castro Alves
ele pertence ao povo, é o cenário utilizado em prol dos seus ideais.
Ali ele conclama a todos pra a luta. Ali ele ratifica, no poema “Povo
ao poder”, segunda estrofe, o direito de todos aos espaços públicos.
Vejamos:
“ A praça! A praça é do povo
como o céu é do condor
É o antro onde a liberdade
Cria águias em seu calor.
Senhor !... pois quereis a praça?
Desgraçada a populaça
Só tem a rua de seu …
Ninguém vos rouba os castelos
Tendes palácios tão belos...
Deixai a terra ao Anteu3. 3
Anteu - Gigante, filho da Terra e de Netuno.
Vivia na Líbia.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  179


Com um alto poder de persuasão, ele declamava esses versos
quando, muitas vezes, reunidos em praça pública via a polícia chegar
enfurecida para dispersar a multidão.
Segundo Abdala Júnior e Campedelli (1986),

Castro Alves destaca-se como a voz mais alta da


terceira geração romântica, não só por ter sido
consagrado o “poeta dos escravos”, mas principal-
mente, pelo tom vigoroso de sua poesia, de versos
ressoantes, indignados, expressivos.
Inscrito na categoria de poeta condoreiro, sua po-
esia difere muito da de outros poetas das gerações
anteriores: ela é feita para ser ser declamada, gri-
tada em praça pública, uma poesia de grandiloqu-
ência, pelo menos no que se refere à denúncia dos
horrores da escravidão ou à defesa de interesses
políticos.
Desse modo, valeu-se com frequência de hipérbo-
les, num exagero intencional, que reforçava suas
ideias. (…)
A poesia abolicionista de Castro Alves demonstra
que ele apreendeu muito bem o que ensinava o
“mestre” francês Victor Hugo, ou seja a possibili-
dade de registrar artisticamente não apenas o belo,
mas, também, o grotesco. Nesse sentido, o condor
francês lega ao condor brasileiro a audácia das
imagens, no empenho da luta. (…) Usa e abusa
de comparações, construindo, desse modo, uma
poesia rítmica, com um vocabulário riquíssimo e
efeitos sonoros altamente estéticos.

Assim como recebeu influência de Victor Hugo, Castro Alves tam-


bém foi influenciado por Byron, embora o byronismo que aparece em
sua poesia não seja o satanismo, a necrofilia e o tédio tão frequente na
produção da segunda geração. O Byron que influenciou nosso condor
foi o poeta amante da liberdade, engajado na luta pela liberdade de
povos em regime de opressão, voltado para o viver intensamente, ama-
do e idolatrado por várias mulheres.
Jorge Amado, um dos maiores escritores de nossa literatura, legou-
-nos uma obra belíssima sobre Castro Alves. À semelhança das narra-
tivas de cordel, Jorge Amado conta a história do poeta baiano, de A a
Z, com o título ABC de Castro Alves. Na letra B, no finalzinho do texto,
o narrador poeticamente faz a seguinte referência ao poeta: “Porque
amiga, doce amiga do cais, outra verdade nos ensinou Castro Alves:
igual ao rifle, à metralhadora e ao punhal, a poesia é também uma
arma do povo.”
E a poesia foi para ele a arma da conquista, não só da causa
abolicionista, mas, também, das causas amorosas. É o primeiro poe-
ta romântico brasileiro a cantar a sexualidade feminina, a volúpia do
amor. O eu lírico de seus poemas é um homem viril e sensual, cuja

 180 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


amada corresponde-lhe com o mesmo ardor, como vemos nos versos
de “Amemos! Dama Negra”:
(…)
“Desmanchar teus cabelos delirantes,
Beijar teu colo...! Oh! vamos minha amante,
Abre-me o seio teu.”

Eu quero teu olhar de áureos fulgores,


Ver desmaiar na febre dos amores,
Fitos, fitos em mim.
Eu quero ver teu peito intumescido,
Ao sopro da volúpia arfar erguido...
O oceano de cetim...

Viveu intensamente e apaixonadamente. Segundo seus biógrafos,


teve várias paixões, dentre elas a atriz portuguesa Eugênia Câmara,
o grande amor de sua vida, romance que escandaliza a sociedade
do Recife. Foram muitas as suas musas – Leonídia, amiga de infância,
Idalina, com quem vive na cidade do Recife, as irmãs judias, Mary, Simi
e Ester, Eugênia e Agnese Murri Trinci, seu último amor. Assim como
os demais românticos, o desvario, as noites mal dormidas, o tédio e
a boemia ceifaram-lhe a vida muito cedo. Em novembro de 1869,
em uma caçada, a arma que trazia a tiracolo dispara, acidentalmente,
atingindo-lhe o pé, que em consequência será amputado. O pulmão já
comprometido pela tuberculose, agrava-lhe o estado de saúde. Retorna
à Bahia onde falece a 6 de julho, às 3h30 minutos, junho a uma jane-
la banhada de sol, para onde fora levado de acordo com seu último
desejo.
Quando de sua morte, Castro Alves já era o mais discutido poeta
do Brasil. Seus versos hugoanos, condoreiros, byronianos, patrióticos e
viris, poeta do amor e da liberdade, encontraram eco entre os jovens
estudantes brasileiros. “Os moços do Recife e de São Paulo choraram
a morte do amigo, do líder, do grande coração e sobretudo do poeta
maior que ele continua sendo.”

Luís Nicolau
Fagundes Varela
Conforme prometemos no encontro anterior, apresentaremos Ni-
colau Fagundes Varela, poeta considerado pertencente às duas últimas
gerações românticas. Nasceu em Rio Claro, Estado do Rio de Janeiro,
Luíz Nicolau Fagundes Varela
no ano de 1841. Aos 18 anos veio para São Paulo e ingressou na Fa-
culdade de Direito. Teve uma vida bastante conturbada. Casou-se em
1862 e no ano seguinte nasceu-lhe o primeiro filho, que morreu aos
três meses de idade. A esse filho dedica o poema “Cântico do calvário”.
Essa perda desnorteia-lhe a vida. Entrega-se a boemia e ao alcoolismo.
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  181
Embora sua obra apresente características ultrarromânticas, como
o pessimismo, a solidão e a morte, o poeta já apresenta preocupação
com os problemas sociais e com a política do país, a nacionalidade, o
índio e a escravidão. Sua obra perpassa do lirismo de Gonçalves Dias
e Casimiro de Abreu ao condoreirismo de Castro Alves. É considerado
precursor da linguagem grandiloquente e da oratória, marcas futuras
da poética de Castro Alves.
Conta-se que em março de 1865, Castro Alves embarca em um
navio de volta para o Recife. Para sua surpresa reconhece entre os
passageiros o poeta Fagundes Varela, com quem trava a conversa que
transcreveremos a seguir, citada por Francisco Pereira da Silva ( 2001,
p.82 ). No diálogo, o poeta conta a Castro Alves como viviam (o grupo
de poetas ultrarromânticos) em São Paulo.
- Menino, você precisa conhecer as loucuras que vi-
vemos na São Paulo da garoa, sob a tutela da velha
academia do largo do São Francisco! Nossa tenda
de magia fica sob as famosas “arcadas” do velho
Colégio Anchieta. Ali, tingimos os trapos de uma
nova civilização! Nosso clima é de super-realismo
lírico! Corremos a vida de extremo a extremo - das
imundas estalagens para o altar da purificação in-
telectual! Temos os nossos rituais, a nossa simulada
loucura, as nossas perversões. Byron é o condutor e
o grande deus envenenador. Ali, tudo é permi-
tido, até o estudo, se for o caso, embora isto nunca
aconteça. Porque o desespero é a medida. Ah, seu
moço, você precisava conhecer a nossa Sociedade
Epicurista! Atingimos, com a nossa recusa, a hipócri-
ta sociedade paulista. Melhor é amar furiosamente
e morrer depressa. Amigo, uma dose, uma dose do
verde absinto!
Castro Alves está desconcertado com o desabafo da-
quele que foi o seu ídolo, daquele que ainda é para
ele o maior poeta! (…) O belo anjo caído estava ali,
sem literatura. Era triste, pois a vida vale ser vivida.

Narcisa Amália de Campos


Narcisa Amália de Campos, filha do poeta Jácome de Campos,
e da professora primária Narcisa Inácia de Campos, nasceu em São
João da Barra, Rio de Janeiro, em 1852.
• Em 1863 transfere-se para Resende com a família.
• Em 1866 casa-se com João Batista da Silveira, artista ambulan-
te, de quem se separa alguns anos depois.
• Em 1872 publica seu primeiro e único livro de poesia, “Nebu-
losa”, que alcança grande repercussão. Seus poemas exaltam a
natureza, a pátria e a infância, bem ao estilo Romântico.

Narcisa Amália de Campos

 182 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


• Em 1874 publica “Nelúmbia”, livro de contos.
Ao prefaciar um livro de versos de Ezequiel Freire recebe o seguinte
comentário de Machado de Assis: “As flores do campo, volume de ver-
sos dado em 1874, tiveram a boa fortuna de trazer um prefácio devido
à pena delicada e fina de D. Narcisa Amália, essa jovem e bela poetisa
(...)”. Esse comentário por parte de alguém como Machado de Assis dá
notoriedade à poeta e a sua fortuna crítica.
Em 1880, casa-se novamente, dessa vez com Francisco Cleto da
Rocha, também chamado Rocha Padeiro, dono da “Padaria das Famí-
lias”, em Resende. Ajuda o marido nos primeiros anos, mas continua
a receber os amigos literatos em sua casa. Frequentam seus saraus
nomes famosos como Raimundo Correia, Luís Murat, Alfredo Sodré e o
Imperador Pedro II, que por ocasião de sua visita a Resende, vai “visitar
a sublime padeira, por estar ansioso por lhe provar... do pão espiritu-
al”, embora seja a poetisa fervorosa republicana abolicionista.
O segundo casamento também não dura muito e Narcisa é forçada
a deixar a cidade que considerava sua terra, pressionada por campa-
nha maledicente movida pelo marido enciumado. No Rio de Janeiro,
Narcisa Amália dedica-se ao magistério.
Em 13 de outubro de 1884, funda um pequeno jornal quinzenal, o
Gazetinha, suplemento do Tymburitá que tinha, como subtítulo, “folha
dedicada ao belo sexo”. Narcisa Amália foi a primeira mulher a se
profissionalizar como jornalista, alcançando projeção em todo o Brasil
com seus artigos em favor da Abolição da Escravatura, em defesa da
mulher e dos oprimidos em geral. Morre Narcisa Amália, a 24 de junho
de 1924.
Tendo em vista a ausência de referência a Narcisa Amália nos ma-
nuais de literatura, transcrevemos parte de um artigo de Norma Telles,
o qual você encontrará no endereço eletrônico: http://www.revistasusp.
sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0034-83091989000100005&script=sci_art-
text.
Vejamos:
Narcisa Amália (1863-1924), como assinava o
que escrevia, foi professora, escritora e jornalista.
Tornou-se conhecida, por volta de 1870, através
de publicações em jornais da Côrte e das provín-
cias. Seu livro de poemas, Nebulosas (1872), teve
boa repercussão. Morou em Rezende, depois no
Rio de Janeiro, e foi uma batalhadora incansável
pelos direitos da mulher, uma democrata radical e,
por isso mesmo, abolicionista. Para ela, o ideal do
século, a Musa Inspiradora, era a Liberdade que,
sonhava, talvez - num futuro não muito distante -,
permitiria aos povos, aos homens e às mulheres,
viverem livres de violência, opressão e injustiças.
Em versos, traçou o “quadro hediondo” da escra-
vidão, narrou os sofrimentos”dos míseros cativos”.
“Meu Deus! ao precito/Sem crenças na vida,/Sem
pátria querida,/Só resta tombar” O escravo, ou-

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  183


trora um bravo em sua terra, permanecia curvado
ante um falso poder e era preciso partir os grilhões,
quebrar as algemas. Era preciso que “esta raça,
que genuflexa rebrama” se erguesse “de pé ungi-
da, das crenças livres...” pois então o anjo da li-
berdade, tendo descido, “de infelizes escravos/Fez
talvez dez homens bravos,/Talvez dez outros he-
róis!”
A pátria não poderia ser independente, nem se
constituir como nação plena, enquanto persistisse
a nefasta instituição, enquanto todos os direitos
não fossem restituídos. Narcisa Amália contempla-
va com desgosto e tristeza o “espetáculo desolador
dos costumes pátrios” e não era uma otimista em
relação à situação. Acreditava que era p r e c i s o
lutar e conclamou à rebeldia e à revolução. Essas
ideias lhe valeram severas críticas de contemporâ-
neos. Uma moça escrever versos de amor, ainda
vá, mas meter-se em política! Isso não!
Narcisa Amália acreditava no poder da escrita,
acreditava que a imaginação literária poderia
construir uma ponte de simpatia e compreensão
por sobre o abismo de intolerância entre os gru-
pos. A imprensa, especialmente, era vista por ela
como instrumento privilegiado, pois criara novas
esferas de atividade para a “educação coletiva”
e a “modificação das emoções”. A imprensa já
servira a outras revoluções, diz ela, tanto as cruen-
tas quanto as pacíficas e poderia, portanto, ser um
meio de luta pela harmonia social. A propagan-
da oral, pensava, embora fosse muito importante,
não tinha o mesmo peso e a mesma penetração
que a imprensa. Esta, através de uma ação lenta,
contínua, constante, podia fazer dos espíritos mais
retrógrados prosélitos apaixonados”. A comprova-
ção dessa hipótese ela encontra em José do Patro-
cínio, a quem admirava e por quem era admirada,
e na penetração influente que exerceu através de
seu jornal, durante a década que precedeu à Abo-
lição.
O interessante é que Narcisa Amália, que demons-
trou um radicalismo cônscio e vigoroso contra to-
das as formas de tirania, não se deixou iludir pela
modificação institucional. Em 1889, publica “Con-
dolência”, onde se mostra descrente das reformas
empreendidas e da Abolição, porque não antevê a
possibilidade do povo se instruir “nos mistérios da
igualdade” através do acesso a uma educação de-
mocrática. Como pode, pergunta, “águia cativa/
Subtrair-se à inércia que estiola/Soerguer-te do na-
da-rediviva?... “se da ciência não lhe vem amparo
e se “abrem-te a detenção, fecham-te a escola!”

 184 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Atividade I
Com base na conversa que mantivemos neste encontro, leia e analise os textos
a seguir, considerando as especificidades de cada autor. Não esqueça de
registrar as impressões que eles lhe causaram. Comente-os com a turma. Fale
dessa presença feminina em nossa literatura. Divulgue-a.

Narcisa Amália

Por que sou forte


A Ezequiel Freire
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
-E eis-me de novo forte para a luta.


À MINHA MÃE

A viração que brinca docemente


No leque das palmeiras,
Traga à tu’alma inspirações sagradas,
Delícias feiticeiras.
A flor gentil que expande-se contente
Na gleba matizada,
Inveje-te a tranquila e leda vida,
Dos filhos sempre amada
Só teus olhos roreje délio pranto
De mística ternura;
Omo silfos de luz cerquem-te gozos,
Enlace-te a ventura! dica. utilize o bloco
de anotações para
Os filhos todos submissos junquem
responder as atividades!
De rosa tua estrada;

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  185


E curvem-te os espinhos sob os passos
Da Mãe idolatrada!
Tais são as orações que aos céus envia
A tua pobre filha;
E Deus acolha o incenso, embora emane
De branca maravilha.
(Fagundes Varela)

A FLOR DO MARACUJÁ

Pelas rosas, pelos lírios,


Pelas abelhas, sinhá,
Pelas notas mais chorosas
Do canto do sabiá,
Pelo cálice de angústias
Da flor do maracujá!

Pelo jasmim, pelo goivo,


Pelo agreste manacá,
Pelas gotas de sereno
Nas folhas do gravatá,
Pela coroa de espinhos
Da flor do maracujá!

Pelas tranças de mãe-d’água


Que junto da fonte está,
Pelos colibris que brincam
Nas alvas plumas do ubá,
Pelos cravos desenhados
Na flor do maracujá!

Pelas azuis borboletas


Que descem do Panamá,
Pelos tesouros ocultos
Nas minas do Sincorá,
Pelas chagas roxeadas
Da flor do maracujá!

Pelo mar, pelo deserto,


Pelas montanhas, sinhá!
Pelas florestas imensas,
Que falam de Jeová!
Pela lança ensanguentada
Da flor do maracujá!
Por tudo o que o céu revela,
Por tudo o que a terra dá
Eu te juro que minh’alma
De tua alma escrava está!…
Guarda contigo este emblema
Da flor do maracujá!

 186 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Não se enojem teus ouvidos
De tantas rimas em – á -
Mas ouve meus juramentos,
Meus cantos, ouve, sinhá!
Te peço pelos mistérios
Da flor do maracujá!

Castro Alves

O Adeus de Teresa
A vez primeira que eu fitei Teresa,
Como as plantas que arrasta
a correnteza,
A valsa nos levou nos giros
seus...
E amamos juntos... E depois
na sala
“Adeus” eu disse-lhe
a tremer co’a fala...

E ela, corando, murmurou-me: “adeus.”

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...


E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!
“Adeus” lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me: “adeus!”

Passaram tempos... sec’los de delírio


Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
... Mas um dia volvi aos lares meus.
Partindo eu disse — “Voltarei!... descansa!...
Ela, chorando mais que uma criança,

Ela em soluços murmurou-me: “adeus!”

Quando voltei... era o palácio em festa!...


E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
Preenchiam de amor o azul dos céus.
Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
Foi a última vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: “adeus!”

Todos os poemas de Fagundes Varela e Castro Alves você encontra-


rá no site www.dominiopublico.gov. br
Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  187
A prosa na 3ª geração
A prosa representativa da 3ª geração romântica segundo Lúcia Mi-
guel Pereira (apud Moisés, 1995, p.277), tem como traço característico
a indecisão, a tonalidade furta-cor, os ecos do passado se misturando
aos esboços do futuro, tudo em surdina, , tudo apagado. Nessa pers-
pectiva, a produção literária do período é considerada como obra de
transição.
Em um dos nossos encontros falamos sobre o quadro de Paul Klee,
“Angelus Novus”, citado por Walter Benjamin, para explicar o poder do
progresso sobre o homem. Segundo Benjamin, embora sinta-se preso
ao passado, o homem é impelido por uma tempestade que o obriga a
seguir em frente.
Esta explicação é pertinente para entendermos um período de transição.
Ainda que presos às características do período vigente, os autores “enxer-
gam” o futuro que se avizinha trazendo-o para as obras que produzem.
De que maneira nós leitores percebemos isso? Pelas pistas que o tex-
to nos apresenta. Citamos como exemplo a obra “Senhora” de Alencar,
a qual solicitamos, no encontro anterior, que você lesse, lembra?
Nessa obra o autor tematiza o casamento como ascensão social, os
valores e comportamentos da sociedade da época, frutos do capitalis-
mo emergente. Tem-se, assim, uma heroína diferente da meiga Caroli-
na, a Moreninha, de Macedo. Aurélia é uma mulher fria, determinada,
culta, conhecedora do mundo dos negócios. Compra o homem que
um dia rejeitou-a. É a sua vingança. Tem-se também uma nova versão
do herói masculino. Este já não é o cavalheiro. É um homem sujeito às
fraquezas, às exigências de uma sociedade que valoriza a aparência,
a fortuna, não importando os meios utilizados para pertencer à alta
roda social. Tudo tem um preço. Essa mudança no comportamento
feminino e masculino são pistas para o leitor perceber a nova ordem
social. Já não há como cantar a mulher ingênua, infantilizada, a mercê
de um herói que a conduza. Uma tempestade se aproxima. Entretan-
to, diferentemente do anjo da história, embora cante o novo, o autor
olha o passado e vacila. O final da narrativa mostra bem essa condi-
ção. Aurélia tem nas mãos a vingança que arquitetara, todavia o amor
vence a razão e ela se entrega a Fernando, o marido que comprara,
confessando-lhe o seu amor, que nunca deixara de amá-lo. O leitor é
surpreendido com um final bem ao estilo romântico.
Pode parecer contraditório uma obra que aborda o casamento
como uma questão financeira apresentar um final romanticamente feliz.
Entretanto, é necessário frisar que o interesse de Aurélia, por baixo da
fieza aparente era, desde o início do projeto de comprar um marido,
“readquirir ” o seu primeiro amor.
Nessa nova ordem social do capitalismo emergente de que tudo é
negociável, tudo tem um valor, um preço, as quatro partes em que a
obra está dividida: O preço, Quitação, Posse e Regate, corroboram
essa realidade.

 188 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Memórias de um sargento
de milícias: Uma obra inusitada
Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida,
é o que podemos chamar de obra inusitada, ímpar em nossa literatura, por
dois motivos: primeiro por ser a única do autor, segundo pela singularida-
de temática e de personagens. Como era comum na época, primeiramen-
te foi lançado, pelo Correio Mercantil, como folhetim e de forma anônima,
por alguém que se apresentava apenas como “Um Brasileiro”.
Ambientado no Rio de Janeiro, durante o período joanino, o ro-
mance tem como eixo central a vida de Leonardinho, filho de Leonardo
Pataca e Maria da Hortaliça, dois imigrantes portugueses que se conhe-
cem no navio em que vinham para o Brasil. Essa pequena amostragem Disponível em: http://www.soliteratura.
já justifica a estranheza que a obra causou. Com esses personagens, com.br/romantismo/imagens/memorias_
sargento.jpg
pessoas simples do povo, “sem eira nem beira”, linguagem coloquial
e ambientes suburbanos, a narrativa fica para a história, como algo
singular e, apesar das críticas recebidas, se perpetua.
Como personagens, o autor traz para as luzes da sociedade figuras
até então inimagináveis para protagonizarem uma obra literária. São
barbeiros, compadres, comadres, ciganas, soldados, parteiras e ...
Leonardinho não é um personagem tipicamente romântico, não é
um bom moço, na verdade é um grande malandro a aprontar com seus
pais “adotivos”, o compadre e a comadre, bem como com todos que o
cercam. Não luta por um ideal, não trabalha, não é forte nem bonitão.
Entretanto acaba saindo-se “bem” de todas as enrascadas em que entra.
Por estas características é considerado como um pícaro. Mas o que vem
a ser um pícaro, você pode se indagar? A grosso modo, o personagem
pícaro é aquele que narra a sua própria história, as suas aventuras; vive
ao sabor da sorte; é de origem humilde; é amável; risonho; astucioso;
é ingênuo, a dureza da vida o leva a roubar, a enganar os outros, a
mentir, a ser inescrupuloso, condição sine qua non à sua sobrevivência.
Assim é Leonardinho. Entretanto, em Dialética da Malandragem (1993,
p. 22 et passim), ensaio de Antônio Cândido, o autor embora discorde
da afirmativa de que Leonardinho seja um autêntico pícaro aponta, para
esclarecer melhor o assunto, um estudo comparativo das características
deste com as do típico herói ou anti-herói picaresco, minuciosamente
levantadas por Chandler em obra sobre o assunto. Vejamos:
Em geral, o próprio pícaro narra as suas aventuras, o
que fecha a visão da realidade em torno do seu ân-
gulo restrito; e esta voz na primeira pessoa é um dos
encantos do leitor, transmitindo uma falsa candura que
o autor cria habilmente e já é recurso psicológico
de caracterização. Ora, o livro de Manuel Antônio é
contado na terceira pessoa por um narrador (ângulo
primário) que não se identifica e varia com desenvol-
tura o ângulo secundário -, trazendo-o de Leonardo
Pai a Leonardo Filho, deste ao Compadre ou à Coma-
dre, depois à Cigana e assim por diante, de maneira

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  189


a estabelecer uma visão dinâmica da matéria narrada.
Sob este aspecto o herói é um personagem como os
outros, apesar de preferencial; e não o instituidor ou a
ocasião para instituir o mundo fictício […]
Em compensação, Leonardo Filho tem com os nar-
radores picarescos algumas afinidades: como eles,
é de origem humilde e, como alguns deles, irregular,
“ filho de uma piscadela e de um beliscão”. Ainda
como eles é largado no mundo, mas não abando-
nado, como foram o Lazarillo ou o Buscón de Que-
vedo; pelo contrário, mal os pais o deixam o destino
lhe dá um pai muito melhor na pessoa do Compa-
dre, o bom barbeiro que toma conta dele para o
resto da vida e o abriga da adversidade material.

Ainda segundo Cândido, a narrativa oscila entre dois mundos: o da


ordem e o da desordem, de forma muito natural. Nessa dualidade, duas
são as personagens femininas com as quais Leonardinho se envolve amo-
rosamente: Luisinha e Vidinha. A primeira representa a ordem. É a jovem
recatada de família burguesa, com a qual um envolvimento mais íntimo
só será permitido pelo casamento. Vejamos a primeira descrição que o
narrador faz da jovem, quando vista pela primeira vez por Leonardinho.
Leonardo lançou-lhe os olhos, e a custo conteve
o riso. Era a sobrinha de D. Maria já muito de-
senvolvida, porém que, tendo perdido as graças
de menina, ainda não tinha adquirido a beleza
de moça: era alta, magra, pálida: andava com o
queixo enterrado no peito, trazia as pálpebras sem-
pre baixas, e olhava a furto; tinha os braços finos e
compridos; o cabelo, cortado, dava-lhe apenas até
o pescoço, e como andava mal penteada e trazia a
cabeça sempre baixa, uma grande porção lhe caía
sobre a testa e olhos, como uma viseira. Trajava
nesse dia um vestido de chita roxa muito comprido,
quase sem roda, e de cintura muito curta; tinha ao
pescoço um lenço encarnado de Alcobaça.
Por mais que o compadre a questionasse, apenas
murmurou algumas fases ininteligíveis com voz
rouca e sumida. Mal a deixaram livre, desapareceu
sem olhar para ninguém. Vendo-a ir-se, Leonardo
tornou a rir-se interiormente.

A segunda é a mocinha do povo, a representante da desordem, no


sentido de não exigir obrigações, de permitir um relacionamento sem con-
venções, livre, como livre é a vida de seus familiares. As circunstâncias que
levam Leonardinho a conhecer Vidinha têm a ver com a morte do padri-
nho, o retorno à casa do pai que a essas alturas tem uma amante que não
aceita a presença do jovem e, por causa da amada, o pai “corre de es-
pada” atrás do filho. Sem teto e sem saber para onde ir, vamos encontrar
Leonardo conversando com um amigo, reencontrado, que o convida para
participar da patuscada que juntamente com amigos e familiares estão se
divertindo e já prontos, prestes a partir . É o narrador que nos conta:

 190 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


- Vamos levantar a súcia, minha gente, disse um
dos convivas. […]
- Nada, inda não: Vidinha vai cantar uma modi-
nha. […]
Vidinha era uma mulatinha de 18 a 20 anos, de al-
tura regular, ombros largos, peito alteado, cintura
fina e pés pequeninos; tinha os olhos muito pretos
e muito vivos, os lábios grossos e úmidos, os dentes
alvíssimos, a fala era um pouco descansada, doce
e afinada.
Cada frase que proferia era interrompida por uma
risada prolongada e sonora, e com um certo caído
de cabeça para trás, talvez gracioso se não tivesse
muito de afetado.
[…]
O Leonardo, que talvez hereditariamente tinha que-
da para aquelas coisas, ouviu boquiaberto a modi-
nha, e tal impressão lhe causou, que depois disso
nunca mais tirou os olhos de cima da cantora.

Nessa teia entre a ordem e a desordem, a vida de Leonardinho vai


costurando o dia a dia do Rio de Janeiro, permitindo ao leitor perceber
que “todos” têm algo a esconder, um segredo que será revelado, ou
melhor, utilizado, sempre que o narrador dele necessitar para salvar
nosso herói das enrascadas em que se mete.
Um bom exemplo é o Major Vidigal, figura de conduta ilibada, per-
seguidor de malandros e malfeitores, temido por todos, um verdadeiro
justiceiro e defensor da ordem pública que, surpreendentemente, livra
nosso herói em troca da não revelação de um segredinho seu, desconhe-
cido por aqueles que o consideram acima de qualquer suspeita. E assim,
a vida de Leonardo Filho vai se organizando e, bem ao estilo Romântico,
tudo acaba bem. Com a ajuda do major Vidigal consegue baixa da tropa
de linha, fato que o impedia de casar; é nomeado sargento de Milícias;
e “recebe ao mesmo tempo carta de seu pai, na qual o chamava para
fazer-lhe entrega do que lhe deixara seu padrinho que se achava religio-
samente intacto”; Luisinha fica viúva, situação que permitirá a união do
casal pelo casamento, conforme veremos no trecho a seguir.
Luisinha e Leonardo haviam reatado o namoro; e
quem quiser ver coisa de andar depressa é ver na-
moro de viúva. […]
Sem que os vissem, viam-se os dois muitas vezes, e
dispunham seus negócios.
Infelizmente ocorria-lhes a mesma dificuldade: um
sargento de linha não podia casar. Havia talvez um
meio simples de tudo remediar. Antes de tudo, po-
rém, os dois amavam-se sinceramente; e a ideia de
uma união ilegítima lhes repugnava. […]
Passado o tempo indispensável do luto, o Leonardo, em
uniforme de Sargento de Milícias, recebeu-se na Sé com
Luisinha, assistindo à cerimônia a família em peso.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  191


O teatro no Romantismo
brasileiro

Disponível em: http://2.bp.blogspot.com/-SPlOSB6m15E/TWf0oAmDURI/AAAAAAAAAQE/-Bfri8Cjf0Q/


s1600/Teatro_Nova_Azul.jpg

Sem receio de erros, afirmamos que grande parte da orientação cultu-


ral do nosso teatro se deve à crítica. (Sábato Magaldi)

É no período Romântico que se define o teatro nacional. Coube a


Gonçalves de Magalhães, mais uma vez, lembre que sua obra Suspiros
poéticos e saudades inicia o Romantismo no Brasil, introduzir, com a
tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, o teatro romântico bra-
sileiro, quando entrega o texto a João Caetano, ator que procurava criar
no Rio de Janeiro um ambiente teatral. Entretanto, Luís Carlos Martins
Pena será o responsável pela consolidação da dramaturgia do período.
Martins Pena foi o nosso primeiro autor popular. Seus textos são
representados até hoje, dada a sua atualidade. Se Manoel Antônio de
Almeida é o pioneiro do romance de costumes, Martins Pena é pioneiro
da comédia de costumes. Suas peças são sátiras à sociedade e seus
personagens são possíveis de serem encontrados nas ruas do Rio de Ja-
neiro da época: solteironas, jovens casadoiras, velhos, comerciantes,
contrabandistas, estrangeiros e jovens dentre outros. O olhar arguto e
a forma como descreve a sociedade permitem um registro que se apro-
xima da realidade, fugindo do esteriótipo das personagens idealizadas,
vislumbrando um tendência prestes a se instalar.
Segundo Clenir Bellezi de Oliveira (2002, p. 244),

Martins Pena
Martins Pena era um dramaturgo fecundo e talen-
toso: nos seus 33 anos de vida produziu 28 peças,
a maior parte delas, comédias. Começou a escre-
vê-las na adolescência e desde logo contou com o
apoio do ´produtor e ator João Caetano.

 192 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Num primeiro momento, sua produção foi exclusi-
vamente de comédias, que logo obtiveram grande
êxito de público e de crítica. Seus tipos eram po-
pulares e provincianos, e o autor soube extrair a
comicidade natural deles exagerando-lhes as tin-
tas, carregando-lhes os traços. Cômico, ou bufão,
agradava em cheio as plateias, fazendo uma crítica
social corrosiva e hilária,
Tentou, num segundo momento, peças históricas ,
mais sérias, mas algumas delas nem foram levadas
à cena. Retomou, então, as comédias, trabalhando
sobre o cotidiano carioca. Menos conservador do
que seus contemporâneos, Martins Pena construiu
quadros vivos e expressivos da vida urbana do Rio
de Janeiro. Foi um pioneiro na comédia de costu-
mes, ou seja, a que desnuda os costumes, ideias,
sentimentos e comportamentos de determinada so-
ciedade, fazendo a crítica a partir do cômico.
Alheio ao sentimentalismo vigente em sua época,
suas peças apresentam fortes tons de realismo, ain-
da que não exatamente um realismo acabado.
Sobre ele, disse Sílvio Romero:
Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da
história brasileira dos primeiros cinquenta anos deste
século XIX, que está a findar, e nos ficassem somen-
te as comédias de Pena, era possível reconstruir por
elas a fisionomia moral de toda essa época.

Na internet, estamos sempre lembrando esse veículo de pesquisa,


encontramos, em http://www.encontrosdedramaturgia.com.br/?page_
id=612, o texto a seguir.

Luís Carlos Martins Pena é considerado como o


fundador da comédia de costumes na qual satiri-
zava a sociedade brasileira de então. Ao mostrar
como funcionavam as relações sociais, contribuiu
para a compreensão histórico sociológica do seu
tempo, bem como com a linguística, visto que es-
crevia as falas das personagens, utilizando a lin-
guagem coloquial da época.
Com a sua aguçada veia cômica Martins Pena
mostrou a realidade de um país atrasado e, pre-
dominantemente, rural, fazendo a plateia rir de si
mesma. Seus textos abordam, sobretudo, flagrantes
da vida brasileira, do campo à cidade. Eles mos-
tram problemas familiares, casamentos, heranças,
dotes, dívidas, corrupção, injustiças, festas popula-
res e, de forma impar, uma galeria de tipos onde
pontuam funcionários públicos, padres, meirinhos,
juízes, malandros, matutos, moças namoradeiras
ou sonsas, guardas nacionais, mexeriqueiros, viú-
vas e outras figuras.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  193



O Juiz de Paz da Roça ( 1838); A Festa e a Família na Roça (1840);
O Judas em Sábado de Aleluia (1844); O Irmão das Almas (1844); Os
Dois ou o Inglês Maquinista (1845); Os Namorados ou A Noite de São
João (1845); Os Três Médicos (1845); O Cigano (1845); O Noviço
(1845); As Desgraças de uma Criancinha (1845); Bolingbroke ou As
Casadas Solteiras (1845); Os Meirinhos (1845); O Terrível Capitão
do Mato (1846); O Segredo de Estado (1846); A Barriga de meu Tio
(1846), são títulos de algumas de suas obras, com a respectiva data de
quando foram encenadas pela primeira vez.
Dentre elas, destacamos a peça “O Noviço”, escrita e representada
em 1845, é uma comédia romântica que explora de maneira interes-
sante o maniqueísmo típico desse estilo literário: na dualidade entre o
bem e o mal, entre enganados e enganadores, entre fracos e fortes.
E, como é peculiar à época, o bem prevalecerá em detrimento do mal,
Disponível em: http://4.bp.blogspot. culminando a peça com um final feliz. Bigamia, extorsão, herança e
com/-X1JZCpzfqA8/TtZVaCq0a4I/
AAAAAAAAAJs/vtqlCKpYzRA/s1600/
malandragem são ações praticadas para a obtenção de enriquecimen-
martins-pena.jpg to ilícito. Obra recomendada para os exames vestibulares em nosso
país, é leitura indispensável aos estudiosos da literatura.
Outro texto que indicamos para leitura é O Juiz de Paz da Roça,
cuja temática critica as convenções sociais, o casamento, a família,
o governo, bem como satirizar figuras “incontestáveis” da sociedade:
padres, juízes, políticos inescrupulosos e os novos ricos.
No endereço http://www.resenhando.com/resenhas/r20408.ht você
encontrará, de Hélder Bentes, comentários sobre o autor e a obra.

Atividade II
1. Comparando-se o enredo de Memórias de um Sargento de Milícias, romance
apontado como de transição, com A Moreninha, primeiro romance urbano
de nossa literatura, comente os pontos de convergências e divergências
entre eles.

2. Em A Moreninha, o autor retrata a vida e os costumes da sociedade carioca,


tema que também é abordado nas Memórias de um Sargento de Milícias.
Trata-se de uma mesma sociedade mostrada de forma diferente, ou os
autores tratam de sociedades distintas? Comente.

3. “Seus tipos eram populares e provincianos, e o autor soube extrair a


dica. utilize o bloco comicidade natural deles exagerando-lhes as tintas, carregando-lhes os
de anotações para traços”.
responder as atividades!
Este comentário refere-se à obra de Martins Pena. Entretanto é possível

 194 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


aplicá-lo às Memórias de um Sargento de Milicias. Provoque seus colegas a
se posicionarem em relação à afirmativa. Registre as opiniões coletadas. Não
esqueça de socializá-las.

Arrematando fios
É hora de retomarmos o primeiro encontro e arrematarmos os fios
do tecido que começamos a tecer. Nele iniciamos uma viagem que
prometíamos ser bastante interessante. Para mensurar o tempo que fi-
caríamos na viagem, usamos a simbologia da ampulheta, lembra?
Entramos no túnel do tempo e “mergulhamos” em busca do desco-
nhecido. Tenho certeza que assim como nós você não se arrependeu.
Foi uma viagem e tanto! Aportamos em novas terras, onde encontramos
pessoas que nem imaginávamos. Com elas vivemos o descobrimento,
conhecemos índios, desrespeitamos suas culturas, catequizamos com
os jesuítas, vivemos entre o céu e o inferno e, cansados e desiludidos,
nos afastamos para o campo.
Creio que os objetivos traçados foram atingidos. Queríamos que
você conhecesse e refletisse conosco sobre a nossa própria história;
queríamos que entendesse que a literatura, embora não tenha preo-
cupação com “verdades”, permite que entendamos o homem como
reflexo de uma determinada sociedade culturalmente, politicamente,
socialmente, religiosamente e ideologicamente permeada por um con-
texto histórico. Somos indivíduos ao tempo em que também somos o
coletivo, embora possa parecer complicado.
Temos certeza de que foi uma experiência ímpar. Pensando em uma
forma de você não esquecer nossa viagem, escrevemos um texto, o
qual intitulamos de Viagem Literária. A ampulheta foi mais uma vez
utilizada como forma de nos mostrar que o tempo, instrumento que o
homem criou para limitar suas próprias ações, é testemunha de nossas
mudanças e inquietações. Para não reproduzir a imagem do primeiro
encontro, pesquisamos na internet e encontramos uma série de ampu-
lhetas, as quais associamos a ideia do tempo que estivemos juntos.
Extrapolamos o limite inicial que deveria corresponder ao período
que vai do Descobrimento ao Romantismo. Que motivos nos levaram a
tal atitude? Cativá-los, seduzi-los para que continuem a viagem. Desta
feita já não mais em nossa companhia, todavia, temos a certeza de que
os novos roteiros serão tão interessantes quanto aqueles que juntos
percorremos. Passemos ao texto, então.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  195


Viagem Literária
Maria de Fátima Coutinho Sousa

Usemos a imaginação e façamos uma viagem através do tempo,


uma viagem literária.
No começo foram as informações. Com os viajantes e Caminha
desbravamos e cantamos o Brasil. Fizemos os relatos minuciosos, trou-
xemos os jesuítas, impusemos a fé católica e aculturamos os nossos
índios.
Enfim, com os portugueses, dominamos a nova terra. Somos ven-
cedores e estamos perdidos. A nossa fé está abalada. Algo indefinível
começa a surgir no horizonte. É Calvino, é Lutero, loucos que ousam
desafiar o poder da milenar Igreja. O homem se divide, se questiona,
se interroga. Como não se sentir atraído pelo novo? Como resistir? Sou
um ou sou dois? Eis a Reforma e, em contrapartida, a Contra Reforma.
Começa a opressão, a perseguição, a trajetória do medo. A igreja mãe
se transforma e mostra, talvez, a sua verdadeira face.
Convivemos nesse momento com Gregório de Matos e com Vieira.
Com o primeiro satirizamos, ironizamos, pecamos e nos arrependemos,
impregnados que estávamos de um Cristo compreensivo, verdadeiro
Pai. Com o segundo, refletimos a nossa fé, questionamos o nosso com-
portamento, escutamos e escutamos, e ousamos, até questionar Deus!
Encontramos respostas e sossegamos; e nesse sossego procuramos a
paz do campo. Fomos buscar nos gregos e romanos a essência da vida
e, no contato com a natureza, nos ungimos de simplicidade. Somos
pastores a desfrutar o bucolismo, a buscar nos regatos, nos montes e
no gado, a nossa identidade.
Oh! ser inconstante e mutável é o homem! Estamos inquietos, insa-
tisfeitos. Sentimos necessidade de participar ativamente da vida política,
de protestar, de aceitar ou não o que nos foi imposto. Questionamos a
aristocracia e na Revolução Francesa, com a queda da Bastilha, colo-
camos um ponto final na monarquia e elevamos a burguesia. Quanta
beleza existe na realização de um sonho! Ah! Lord Byron, como apren-
demos com a verdade que defendias que, mesmo pertencendo a uma
determinada classe social, devemos nos insurgir contra ela, quando
essa classe oprime e dilacera os ideais de um povo. Somos revolu-
cionários. Vestimo-nos de soldados do mundo e lutamos em todos os

 196 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


países onde a nossa presença se fez necessária.
A sociedade já não nos entende e não nos satisfaz. Buscamos o
isolamento, a imaginação, a introspecção, o negativismo e a morte.
Sofremos e, no nosso sofrimento, encontramos alento para resgatar as
injustiças antes praticadas contra nossos índios. Com Gonçalves Dias e
Alencar exaltamos a beleza, a bravura, o heroísmo, o desprendimento
e a fidelidade desses heróis incógnitos e incompreendidos. Cantamos a
nossa natureza, mais bela que em qualquer outra parte. Dela sentimos
saudades e de saudades choramos com Casimiro de Abreu a distância
da terra querida e da infância perdida. Vivemos sós. Que sociedade hi-
pócrita! Queremos morrer. E em “ Lembranças de Morrer” e “Tristeza”,
com Álvares de Azevedo e Fagundes Varela, ansiamos por esse mo-
mento. Conhecemos a morte, essa noiva amorosa e verdadeira que nos
espera de braços abertos. Acordamos e, ao acordar, que vemos? Que
gritos são esses? Que lamentos profundos! São as “ Vozes d’África”, é
o “ Navio Negreiro”, é a “Tragédia no Lar”. É a desgraça do negro que
Castro Alves passa a cantar. Surge uma nova mulher, antes imaginária,
agora, mulher tentação, mulher sedução, mulher que descobre seu po-
der de atração. Façamos uma pausa. Os tempos mudam!
Realmente, os tempos mudaram. O homem descobre a “Ciência”
e nela busca explicações para o que antes era inexplicável. As cidades
crescem, a população se comprime nas proximidades das fábricas. E eis
na sociedade o mulato. Não o “Mulato” Raimundo, de olhos azuis, de
rara beleza, de educação exemplar, europeizado, mas a nova raça, pro-
duto da escravidão recém-abolida. Essa camada pobre e marginalizada,
formada de brancos e mestiços, incha os “Cortiços”. As denúncias sur-
gem e prova-se por A mais B que o homem é produto do meio, da raça
e das circunstâncias. Encontramos em “Lenita” a nova heroína, a mulher
que se impõe, que se descobre, que se encontra e que vê no homem
um parceiro para novas descobertas. É a mulher sexuada, consciente de
seu corpo e de suas necessidades, que encontra o prazer no sexo, no
entregar-se, no completar-se biologicamente. Nas “ Casas de Pensão
” os estudantes se deleitam com as falsas virgens. Homens e mulheres
descem as máscaras e se mostram como verdadeiramente são. Quanto
realismo! Quanta verdade dolorosa! Cansam-nos tantas injustiças, misé-
rias e falsidades. A hipocrisia da humanidade nos desnorteia.
Deus, ó Deus! Que mistérios, quanta negritude, que abismo nos
cerca! Que ser difícil, meu Deus, é o homem. Quanto nos pesa essa
vida! Neste “ Cárcere das Almas”, somos “Náufragos” e quiçá, na
“Sombra do Tamarindo”, com Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimarães
e Augusto dos Anjos encontremos a paz tão ansiada. Qual nada, o
mundo avança. A marcha do tempo é implacável. Surge o telégrafo,
o automóvel, a guerra e a pós-guerra. O homem é um ser mutilado,
perdido no caos deixado pela destruição e pela morte. É necessário
destruir o que restou: a cultura. Destruamos livros e museus. “Cuspa-
mos no Altar da Arte”. Somos “futuristas”. Só o momento nos interes-
sa. Voemos. Precisamos acompanhar passo a passo a velocidade dos
acontecimentos. Os “ismos” serão nossa meta. Vivamos o “ Cubismo”,
o “Dadaísmo” e todos os “ismos” que surgirem.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  197


Estamos no início do século XX. O Brasil é uma mistura de raças
e de culturas. Como dói, não é Major Quaresma? Como dói ver o
sentimento nativista e nacionalista colocado a parte. É preciso resga-
tar nossas raízes. É preciso desmascarar a República e os inimigos do
Brasil. Imolaram Antônio Conselheiro, a notícia nos chega da Bahia
e, enquanto isso, o nosso Jeca Tatu sofre o descaso dos governan-
tes e espera a ajuda prometida para a agricultura. Precisamos mudar,
precisamos gritar, precisamos elevar bem alto o nosso protesto. Urge
resgatar nossa identidade. Chega de estrangeiros. Chega de imposi-
ções. Queremos a liberdade criadora. Queremos cantar o que é nosso.
Queremos, sobretudo, uma língua própria, fruto da mistura de raças,
como nos propõe Menotti. Corramos! O tempo corre e não perdoa
atrasos. Somos intransigentes. Cantemos nós o Brasil, e apenas nós. Es-
candalizamos a sociedade burguesa. Saímos dos grandes centros para
os sertões. Vivemos nas “ Terras do sem fim” a questão agrária, o poder
do coronelismo, o latifúndio, a prostituição , a morte na tocaia, a de-
gradação humana. “ A Bagaceira” na Paraíba, “ O Quinze” no Ceará,
as “ Vidas Secas “ nas Alagoas trazem para nós essa tragédia que não
é só da Bahia, mas de toda a região nordestina. Com Bandeira e com
Drummond extravasamos nossos sentimentos, angústias, descrenças,
insatisfações. Oh! solidão do boi no campo! Oh! solidão do homem
na cidade! No meio da multidão estamos sós. A nossa mente é um
labirinto e encontramos em Macabea o nosso estado de perdidos, já
vivenciado em “Angústia” com Luís da Silva. Somos realmente retiran-
tes. Retirantes da seca, retirantes da vida como diz João Cabral de Melo
Neto. A nossa arte é a palavra. A palavra objeto, a palavra que por
si só se basta. Somos concretistas. Criticam-nos, bem sabemos. Entre-
tanto, não desanimemos. É preciso acima de tudo acreditar. Acreditar
e amar “ Amar, malamar, amar” nos ensina Drummond. E Clarice nos
diz: “Nasci para três coisas na vida. Nasci para escrever, para ser mãe
e para amar. Escrever é transitório pois a imaginação criadora pode
desaparecer de uma hora para outra; os filhos nós somos apenas mero
instrumento para trazê-los ao mundo; mas amar, amar é uma ventura
que ninguém pode tirar, pois o amor é inesgotável” e a vida, a vida,
esta continua...

 198 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Autoavaliação
Autoavaliar-se é fazer um exercício de introspecção, é enxergar-se de fora
para dentro, é refletir sobre as práticas vivenciadas. Nesse sentido, o espelho,
metáfora do olhar-se a si mesmo lhe permitirá registrar suas impressões sobre
os conhecimentos adquiridos nessa viagem e, acima de tudo, avaliar-se como dica. utilize o bloco
parte desse processo e sujeito de sua própria história. de anotações para
responder as atividades!

Leituras recomendadas
Temos consciência de que, embora imbuídos de boa vontade, mui-
to deixamos por dizer. Sabemos das lacunas, dos vazios a serem pre-
enchidos. O leme agora está em suas mãos. Como estudante de Letras
e professor de Literatura, é imprescindível que você leia e leia muito. A
responsabilidade em relação ao jovem que chega em uma sala de aula
é muito grande. Incentiva-o a ser um leitor proficiente, demonstrando-
-lhe que você o é. A pedagogia do exemplo é o melhor caminho para
que os jovens acreditem em seu professor. Por esse motivo, indicamos
como leituras de aprofundamento:

• A obra de Castro Alves


• O ABC de Castro Alves, de Jorge Amado
• A obra de Fagundes Varela
• As peças de Martins Pena
• As Memórias de um Sargento de Milícias, Joaquim Manuel de
Macedo
• Artigos na internet que abordem as obras desses autores
• Livros sobre a Revolução Francesa
• As obras de Laurentino Gomes, 1808 e 1822
• O Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro
Narloch, dentre outros.

Literatura Brasileira I I SEAD/UEPB  199


Filme recomendado
A Fera é uma adaptação moderna do conto de
fadas A Bela e a Fera. A arrogância de Kyle Kingson
(Alex Pettyfer), um jovem bonito, rico e inteligente,
faz com que ele seja amaldiçoado pela colega de
classe Kendra (Mary-Kate Olsen) após humilhá-la
na frente de toda a escola. Transformado numa
aberração e rejeitado pelos pais, Kyle é exilado
no Brooklyn. Lá descobre que só terá sua beleza
de volta quando alguém amá-lo verdadeiramente,
Disponível em: http://www. provando que nenhum amor pode ser feio.
cinepop.com.br/cartazes/
fera_3.jpg

 200 SEAD/UEPB I Literatura Brasileira I


Referências
ABDALA Jr, Benjamin, CAMPEDELLI, Samira Youssef. Tempos da
Literatura Brasileira. São Paulo: Ática, 1986.

AMADO, Jorge. ABC de Castro Alves. Rio de Janeiro: Record, 1982

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