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Babesiose

A Babesiose é uma doença causada por um protozoário Babesia canis e transmitida pelo carrapato
Rhipicefalus sanguineus que é o parasita intermediário, o parasita se hospeda no hospedeiro
definitivo e com a picada do carrapato (hospedeiro intermediário) é nesse momento inoculado no
sangue do hospedeiro definitivo e invadem os glóbulos vermelhos se reproduzem e os destrói.
Portanto, a doença se caracteriza por uma anemia hemolítica do tipo regenerativa. Outra forma de
transmissão é através de transfusões sanguíneas de animais infectados (Vieira et al., 2013).

A Babesia canis e a Babesia gibsoni são as duas espécies capazes de infectar o cão (Brandão &
Hagiwara, 2002).

Toda a patogenia da babesia está relacionada à hemólise (quebra de hemácias), ocasionada por
esta multiplicação do parasita no interior dos Dias & Ferreira 887 PUBVET v.10, n.12, p.886-888,
Dez., 2016 eritrócitos causando o rompimento. Com o rompimento das células parasitadas, além
de causar anemia, ocorre liberação de hemoglobina, o que gera hemoglobinúria e bilirrubinemia.
A fração indireta da bilirrubina, em grande quantidade, leva a uma sobrecarga do fígado,
ocasionando icterícia, congestão hepática e esplênica, gerando hepatoesplenomegalia (Ettinger &
Feldman, 2004). Em casos de infecções concomitantes de B. canis e E. canis, o cão demonstra uma
severa anemia normocítica normocrômica, causada pela destruição de eritrócitos maduros e
também ocorre o impedimento da eritropoiese, desenvolvendo uma doença muito grave, muitas
vezes sendo fatal, principalmente em cães mais jovens (Silva et al.,2011)

A hemólise intravascular resulta em hemoglobinemia quando a quantidade de hemoglobina


liberada no plasma excede a capacidade de ligação da Hb da haptoglobina, proteína de
ligação do plasma, normalmente presente em concentrações plasmáticas de
aproximadamente 100 mg/dL (1,0 g/L). Os níveis plasmáticos da haptoglobina livre serão
baixos. Com hemoglobinemia, dímeros de Hb não ligada são filtrados na urina e
reabsorvidos nas células tubulares renais; quando a capacidade de reabsorção é excedida,
ocorre a hemoglobinemia. O ferro é convertido em hemossiderina dentro das células
tubulares, sendo este, em parte, assimilado para reutilização e, em parte, chega à urina
quando as células tubulares se degradam.

A hiperbilirrubinemia não conjugada (indireta) e a icterícia acontecem quando a conversão


da hemoglobina em bilirrubina excede a capacidade do fígado de conjugar e excretar a
bilirrubina ( Visão geral da função biliar ). O catabolismo da bilirrubina causa aumento de
estercobilina nas fezes e urobilinogênio na urina e, às vezes, colelitíase.
A medula óssea responde à excessiva perda de eritrócitos, acelerando a produção e a
liberação de eritrócitos e provocando reticulocitose. ( https://www.msdmanuals.com/pt-
pt/profissional/hematologia-e-oncologia/anemias-causadas-por-hem%C3%B3lise/vis
%C3%A3o-geral-da-anemia-hemol%C3%ADtica)

A desidratação causa diminuição do volume sanguíneo circulante e a concentração de líquido nos


tecidos. A resposta imediata do organismo é o sequestro de líquido do espaço intersticial para a
conservação do volume sanguíneo. Secundariamente ocorre diminuição do 4 volume sanguíneo
circulante, com concentração dos solutos do plasma e aumento da viscosidade sanguínea. O rim é
o principal órgão encarregado de manter o equilíbrio hídrico diminuindo a produção de urina. Esse
processo é controlado mediante a secreção de ADH e aldosterona. Ocorre também aumento do
catabolismo de gordura, carboidratos e proteínas com o intuito de produzir água metabólica. A
diminuição da irrigação tecidual promove a anaerobiose com produção de lactato, levando a
acidose. A diminuição da filtração renal permite a acumulação de ureia e creatinina, ocasionando
um quadro de azotemia pré-renal. A desidratação também causa leve hipertermia, pois não ocorre
a dissipação do calor de forma adequada.

Na desidratação ocorrem, com relativa frequência, alterações no equilíbrio acido-básico, em


decorrência das perdas de ácidos ou bases juntamente com o líquido. O principal ácido do sangue
é representado pelo CO2 e a principal base é o HCO3 - (bicarbonato). • Acidose metabólica: é
caracterizada por queda no pH e na concentração de HCO3 - . Pode ser ocasionado por aumento
de íons H+ ou pela perda de bicarbonato. A perda de bicarbonato ocorre com mais frequência em
casos de desidratação, principalmente relacionada com falhas renais que levam a uma menor
capacidade em reter HCO3 - ou excretar H+ , e em casos de diarreia severa onde ocorre perda de
HCO3 - pelas fezes. A compensação em casos de acidose metabólica é feita inicialmente pelos
sistemas tampão extracelulares, especialmente o bicarbonato. O efeito compensatório rápido será
feito pelos pulmões, com hiperventilação e diminuição da pCO2, porém esse efeito tem curta
duração. O efeito em longo prazo é realizado pelos rins, com aumento da absorção de HCO3 - e da
excreção de H+ , sob a forma do íon amônia. Animais com comprometimento renal podem ter
dificuldade em compensar uma acidose metabólica. (https://www.ufrgs.br/lacvet/site/wp-
content/uploads/2014/08/desidrata%C3%A7ao.pdf)

Tabela 1. Formas clínicas da Babesiose canina

Hiperaguda Aguda Crônica

Acidose Metabólica Febre, hematúria e icterícia Febre intermitente


Síndrome de resposta Letargia e anorexia Diminuição do rendimento
inflamatória sistêmica em cães atletas
Hipóxia Esplenomegalia Diminuição do apetite
Choque Anemia Hemolítica
Estase vascular
(Nelson & Couto, 2015).

Tratamento

O tratamento da babesiose em cães mais eficaz é o para o controle do parasita, moderação da


resposta imune e tratamento sintomático, com sua eficácia estando relacionada à espécie de
Babesia spp. a ser tratada e a disponibilidade de drogas específicas na região. Por exemplo, B.
gibsoni apresenta uma menor resposta à terapia quando comparada com a B. canis, e também
tem menor probabilidade de responder apenas à terapia sintomática (Silva et al., 2011). O
dipropionato de imidocarb causa a eliminação completa do agente do organismo animal, faz a
inibição da perpetuação do estímulo antigênico, fazendo com que a proteção seja limitada, e os
animais ficam suscetíveis a novas infecções. Nestas condições, a persistência de uma infecção
residual seria desejável para que houvesse uma estimulação antigênica periódica, bem como a
manutenção de um título adequado de anticorpos, os quais, em conjunto, promoveriam proteção
prolongada. Por isso o uso doxiciclina, poderia ter essa finalidade, pois ela não causaria a extinção
completa do agente, apenas limitaria a infecção em si. (Brandão & Hagiwara, 2002). O uso de
fluido é importante para hidratação do animal e também para expandir o volume vascular,
diminuindo a toxicidade, corrigindo os desequilíbrios eletrolíticos e ácido-básicos evitando assim
uma acidose metabólica, perdidos durante a diarreia e os episódios de êmese. Caso o animal
apresente infecções bacterianas secundárias, o uso de antibióticos é necessário. Em cães que
estão muito acometidos com a doença pode ser necessário transfusões de sangue ou
administração de bicarbonato na cetoacidose (Ettinger & Feldman, 2004).

Caso clínico :

22. Babesiose

Ficha do Animal :

 Espécie: Canina
 Raça: Border Collie
 Sexo: Fêmea
 Peso : 3 kg

Anamnese e Exame clínico :

Cadela da raça Border Collie de 4 meses de idade com peso de 3 kg, com histórico de anorexia,
fezes e urina escuras e prostração. No exame clínico apresentou mucosas hipocoradas e má
condição corporal. Através de exame de esfregaço sanguíneo foi possível a visualização
intraeritrocitária de estrutura compatível com Babesia sp.

Exames laboratoriais:

Hemograma Ref. Bioquímica Ref. Urinálise Ref.


Eritrócitos 0,85 5,5-8,5 Proteína 35,7 54-71 Cor amarela amarela
(106 /µL) total (g/L)
Hematócrito 9 37-55 Albumina 15,2 26-33 Aspecto límpido Límpida
(%) (g/L)
Hemoglobina 2,4 12-18 Globulinas 20,5 27-44 Densidade 1.022 1.015-
(g/dL) (g/L) 1.050
VCM (fL) 105 60-77 Ureia 49,7 21-60 pH 7,0 5,5 - 7,0
(mg/dL)
CHCM (%) 26,6 32-36 Creatinina 0,16 0,5-1,5 Pigmentos - -/+
(mg/dL)
Plaquetas 230 200-500 Lactato 16 2-13 Proteína - -/+
(1.000/ µL) (mg/dL)
Leucócitos 13.900 6-17 ALT (U/L) 167 < 102 Sangue - -
(/µL)
Bastonados 139 < 300 AST (U/L) - < 66 Cilindros 0 <3
(/µL)
Segment. 13.205 3,0-11,5 FA (U/L) 84 < 156 Cél. epitel. 2 <1
(/µL)
Basófilos 0 0 Hemácias 0 <3
(/µL)
Eosinófilos 0 < 1.250 Leucócitos 0 <3
(/µL)
Monócitos 139 < 1.350 Bacteriúria ausente Ausente
(/µL)
Linfócitos 417 1,0-4,8
(/µL)

Tratamento:

No 1º dia o animal recebeu fluidoterapia e uma transfusão sanguínea. Após 15 dias de tratamento
com doxiciclina, o animal melhorou e teve alta.

Os exames laboratoriais mostraram o seguinte:

Hemograma Referência Bioquímica Referência


Eritrócitos (106 /µL) 3,24 5,5-8,5 Proteína total (g/L) 57 54-71
Hematócrito (%) 26 37-55 Albumina (g/L) 24,4 26-33
Hemoglobina (g/dL) 7,6 12-18 Globulinas (g/L) 32,6 27-44
VCM (fL) 80,2 60-77 Ureia (mg/dL) 35 21-60
CHCM (%) 29,2 32-36 Creatinina (mg/dL) 0,3 0,5-1,5
Plaquetas (1.000/ µL) 278 200-500 ALT (U/L) 26 < 102
Leucócitos (/µL) 9.900 6-17 FA (U/L) 141 < 156
Bastonados (/µL) 0 < 300
Segment. (/µL) 7.623 3,0-11,5
Basófilos (/µL) 99 0
Eosinófilos (/µL) 396 < 1.250
Monócitos (/µL) 297 < 1.350
Linfócitos (/µL) 1.485 1,0-4,8

O hemograma no ingresso mostrou uma severa anemia macrocítica hipocrômica compatível com a
hemólise causada pela parasitemia sem resposta medular. Duas semanas após o tratamento, a
anemia continua, porém bem menos severa e já se observa resposta regenerativa. A discreta
neutrofilia e linfopenia observada no início teve reversão após o tratamento. Na bioquímica houve
panhipoproteinemia, que tem evidente recuperação após o tratamento. Aumento de ALT pode ser
explicado pela vazão enzimática das hemácias a consequência da hemólise. Baixa creatinina neste
caso sugere emaciação muscular e o aumento moderado do lactato, estado hipóxico dos tecidos
derivado da intensa anemia.

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