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PIGMENTOS E PIGMENTAÇÕES PATOLÓGICAS

Os pigmentos são substância que têm cor própria. Vários pigmentos originam-se
de substâncias sintetizadas pelo próprio organismo (pigmentos endógenos), enquanto
outros são formados no exterior (pigmentos exógenos).
Dentre os pigmentos endógenos podemos citar a melanina, hemoglobina,
bilirrubina, mioglobina entre outros. E dentre os pigmentos exógenos temos a clorofila,
carvão, carotenos, tatuagens. Os pigmentos exógenos entram em contato com o
indivíduo por via respiratória, digestiva ou injetável, penetram e depositam-se em
diversos órgãos, podendo causar alterações.
As pigmentações patológicas estão associadas com distúrbios na produção
desses pigmentos (aumento ou diminuição) ou com acúmulos indevidos dos mesmos.
Essas condições podem estar associadas com diferentes doenças, mas o acúmulo de
pigmento em si geralmente não causa alterações no organismo, sendo apenas um
importante sinalizador dessas doenças.

PIGMENTAÇÕES EXÓGENAS

Xantose ou adipoxantose
Xantose e adipoxantose são sinônimos, essa pigmentação é caracterizada pelo
acúmulo de carotenos no organismo do animal. Os carotenos são pigmentos exógenos
precursores da vitamina A que são encontrados em vegetais. Não são produzidos pelos
animais e por isso deve ser ingerido. São encontrados em alimentos amarelos (ex:
milho), alaranjados (ex: cenoura e abóbara), vermelhos (ex: tomate) e verde escuro (ex:
couve).
A ingestão excessiva de alimentos ricos em carotenos gera a xantose ou
adipoxantose. O pigmento irá se depositar principalmente no tedio adiposo (por isso o
nome adipoxantose), mas também se deposita na pele, nas fáscias musculares e nas
mucosas. Tecido com esse acúmulo adquire uma coloração amarelada (foto 1). Existe
diferença racial para capacidade de absorção e armazenamento dos carotenos, alguns
animais apresentam xantose mesmo com níveis pequenos de ingestão.

Foto 1: Note a coloração amarelada da gordura das carcaças à esquerda (seta) em


comparação com a carcaça à direita (estrela).
Fonte: Atualização em microbiologia e tecnologia de alimentos.
Importante: A xantose não causa nenhuma complicação ao animal, porém pode
ser confundida com icterícia (que veremos também nesse texto). A icterícia está sempre
associada com doença, e na produção de alimentos é uma causa importante de
condenação do produto cárneo para consumo humano. Para evitar o prejuízo associado
à condenação, sem colocar a saúde do consumidor em risco, é importante fazer a
diferenciação de xantose e icterícia. Se deixada na câmara fria por 24 horas a carcaça
com xantose perde a intensidade da coloração, a carcaça ictérica mantem a cor amarela.
Outra prova que pode ser feita é colocar um fragmento do tecido no éter e outro
fragmento do tecido em água, se o éter tingir é adipoxantose, se a água tingir é icterícia.

Curiosidade: Aves criadas no sistema caipira (onde recebem alimentos naturais e


menor quantidade de ração, além de poderem ciscar – pastar à vontade) apresentam
xantose em níveis diferentes. A pele do animal é mais amarelada do que a pele do
animal criado em granjas tecnificadas (foto 2). Até mesmo a gema do ovo (foto 3)
apresenta coloração mais intensa. Relembrando que isso não traz alterações clínicas ou
risco à saúde do consumidor. Há algum tempo essa coloração foi associada pela
população com aves naturais e mais saborosas, por isso algumas rações comerciais
inseriram carotenos na sua composição.

Foto 2: Diferença na coloração da pele do frango caipira (esquerda) e frango de granja


(direita).

Foto 3: Diferença da coloração da gema de galinha de granja (esquerda) e galinha


caipira (direita).
Antracose
Essa é uma das pigmentações patológicas exógena mais comum e está associada
com tabagismo, poluição ambiental e fumaça de queimadas. Ocorre por acúmulo de
partículas de carvão (carbono) que são inaladas. As partículas de carvão inaladas se
depositam no pulmão onde são fagocitadas por macrófagos alveolares e se fixam no
tecido pulmonar ou são transportadas para os linfonodos. O macrófago não consegue
destruir esses pigmentos, se não forem eliminados pelo muco irão se acumular
gradativamente nos tecidos. Macroscopicamente observam-se pontos milimétricos
enegrecidos em todo parênquima pulmonar (foto 4) ou em linfonodos mediastínicos. Na
microscopia são observados pigmentos pretos intracitoplasmáticos nos macrófagos ou
livres no tecido pulmonar ou em linfonodos (foto 5). Essa pigmentação não causa
alterações clínicas e atualmente na veterinária é utilizada como um marcador de
poluição ambiental e interferência humana em animais de vida livre.

Foto 4: Pulmão. Observa-se múltiplos pontos enegrecidos milimétricos disseminados.

Foto 5: Pulmão. Pigmentos pretos na região perialveolar.

Curiosidade: Em humanos a antracose pode causar alterações pulmonares mais


graves. As áreas pigmentadas são maiores, sendo conhecida como doença do pulmão
negro, e pode ocorrer fibrose concomitante. Essa alteração é observada em fumantes e
em trabalhadores de minas de carvão.

PIGMENTOS E PIGMENTAÇÕES ENDÓGENAS

MELANINA
A melanina é um pigmento com coloração extremamente variável, responsável
por dar cor à pele, olhos, pelos, penas e todas as estruturas que se deposita. Dentre as
funções da melanina podemos citar camuflagem, atração sexual (principalmente em
aves), absorção de calor e proteção do núcleo celular contra ação da radiação
ultravioleta. Esse pigmento é produzido por células chamadas melanócitos, que
convertem a tirosina (um aminoácido) em um precursor da melanina. Para essa
conversão é necessária uma enzima chamada tirosinase, que tem cobre na sua estrutura
molecular (figura 1).

Figura 1: Esquematização da síntese de melanina que ocorre dentro dos melanócitos. A


feomelanina apresenta coloração vermelho/amarelo e a eumelanina coloração marron/preto. A
combinação de concentrações variadas dessas duas geram as outras tonalidades.

Os melanócitos são encontrados principalmente na camada basal da epiderme e


no folículo piloso e repassam a melanina para os queratinócitos através de vesículas
repletas desse pigmento chamadas melanossomos (figura 2).
Figura 2: Representação de epiderme demonstrando melanócito na camada basal, com
os prolongamentos dendríticos repletos de melanossomos. Nos queratinócitos observa-se a
melanina disposta sobre o núcleo da célula.

Hipopigmentação melânica - leucodermia

Albinismo
É uma condição congênita onde há uma mutação genética que impede ou
dificulta a produção de melanina. Existem graus variáveis de albinismo (foto 6),
podendo ocorrer ausência completa da melanina ou produção desse pigmento em alguns
lugares (o animal pode ser totalmente despigmentado ou apresentar pigmentação em
olhos, trufa nasal e/ou algumas áreas do corpo enquanto as outras são despigmentadas).
Nem todo animal branco é albino. Para confirmar o albinismo deve ser detectada a
mutação genética.

Foto 6: Animais albinos apresentando produção de melanina em níveis diferentes. A


girafa apresenta albinismo parcial, com produção de melanina em alguns pelos do corpo. O cão
apresenta produção de melanina nos olhos. O cervo não produz melanina, apresentando
inclusive os olhos avermelhados, típicos de albinismo total, que pode causar comprometimento
da visão devido radiação solar.
*Para pensar: Quais cuidados o proprietário de um animal albino deve tomar?

Vitiligo
É uma condição adquirida onde ocorre diminuição ou ausência dos melanócitos.
Ainda não se sabe ao certo a patogenia dessa condição, porém acredita-se que tenha
correlação com distúrbio autoimune, onde o próprio organismo promove a destruição
dos melanócitos. Em humanos fatores estressantes podem desencadear ou agravar os
sinais clínicos. O vitiligo é caracterizado por despigmentação progressiva da pele e
pelos (foto 7). Na análise microscópica não são observados melanócitos na área afetada.

Foto 7: Cão com vitiligo. Áreas despigmentadas na face e nos membros com
surgimento repentino e crescimento progressivo.

Acromotriquia por deficiência de cobre


A acromotriquia é o termo usado para descrever o clareamento e perda de pelos.
Pode acontecer por diferentes fatores, como senilidade. A deficiência de cobre causa
uma diminuição da tirosinase, gerando dificuldade para produção de melanina. Os
animais com essa deficiência apresentam acromotriquia ao redor dos olhos (foto 8) e
despigmentação generalizada (foto 9).

Foto 8: Caprino apresentando região ao redor dos olhos despigmentadas e com pouco pelo.
Fonte: Albuquerque, 2015.
Foto 9: Caprinos de uma mesma raça apresentando variação intensa na coloração da pelagem.
Animal à esquerda (seta) com cor de pelagem normal e animais à direita com despigmentação
de diferentes intensidades.
Fonte: Albuquerque, 2015.

Além da despigmentação, animais adultos com deficiência de cobre podem


apresentar ruídos ao respirar, pois esse mineral constitui a bainha de mielina e na sua
ausência pode ocorrer paralisia de laringe, gerando flacidez de cordas vocais e esses
ruídos. O animal também pode apresentar dispneia. Em animais jovens a deficiência de
cobre causa um quadro de incoordenação motora progressiva e paralisia de membros,
chamado ataxia enzoótica.
A deficiência de cobre é a segunda deficiência mineral mais recorrente no Brasil,
sendo superada apenas pela deficiência de fósforo. Pode ocorrer por falha na ingestão
de cobre ou por ingestão excessiva de minerais antagonistas que prejudicam a absorção
do cobre (ex: Fe).

Hiperpigmentação melânica - melanodermia

Pintas/ Nevus
Acúmulo de melanina no epitélio de revestimento (pele ou mucosas). Elas
podem ser elevadas ou planas e não apresentam complicação clínica no animal.

Melanose congênita
É o acúmulo de melanina em tecidos que normalmente não são pigmentados.
Isso ocorre, pois na vida embrionária ocorre uma migração errática dos melanócitos,
que ao invés de ir para camada basal da pele migram para outros tecidos produzindo
melanina nesses locais. A melanose é comumente observada em meninges e no córtex
encefálico (foto 10), pode ser observada também no pulmão, fígado, aorta e coração. É
caracterizada por uma área pigmentada, com cor variando do castanho ao preto, sem
alteração de consistência ou textura do órgão. Não causa alteração clínica no animal,
mas durante a necropsia pode ser confundida com lesões, e no abate órgãos com
melanose são condenados devido ao aspecto visual.
Foto 10: Melanose congênita. Observe a coloração do córtex encefálico escurecida sem
alteração de outros aspectos associados ao órgão normal.

Melanoma
O melanoma é a neoplasia maligna de melanócitos. Geralmente essa neoplasia
promove produz melanina de maneira excessiva, promovendo hiperpigmentação do
local atingido. Essa neoplasia geralmente ocorre na pele ou nas mucosas, mas pode
causar metástase para outros tecidos (iremos falar mais detalhadamente de melanoma
quando estivermos estudando neoplasias). Macroscopicamente é observada uma massa
proeminente, aderida ao tecido adjacente, com coloração enegrecida (foto 11).

Foto 11: Melanoma em encéfalo humano. Observe que a alteração da coloração do córtex
encefálico está associada com uma massa que tem características (volume e textura) diferentes
do órgão normal.

PIGMENTOS HEMATÓGENOS
Os pigmentos hematógenos são pigmentos endógenos presentes normalmente na
circulação sanguínea. Dentre esses pigmentos o mais abundante é a hemoglobina, e os
demais derivam dela. A hemoglobina é um pigmento formado por uma porção proteica
(globina) e quatro anéis pirrólicos que contêm ferro (figura 3) e é encontrada dentro das
hemácias (eritrócitos). Quando a hemácia é degradada ocorre liberação e quebra da
hemoglobina, a parte proteica será reaproveitada como proteína. O ferro dos anéis
pirrólicos também será reaproveitado e forma um pigmento chamado hemossiderina. O
restante, que não é reaproveitado, forma a bilirrubina. Esses três pigmentos
(hemoglobina, hemossiderina e bilirrubina) são normalmente encontrados no
organismo, as pigmentações patológicas ocorrem quando há acúmulo anormal desses
pigmentos.

Figura 3: Representação estrutural da hemoglobina.

Hemoglobina
A hemoglobina é encontrada normalmente dentro de hemácias. A coloração
desse pigmento varia de acordo com a presença ou ausência de oxigênio. Quando a
hemoglobina está ligada ao oxigênio adquire uma coloração vermelho vivo e quando
não está ligada ao oxigênio apresenta uma coloração vermelho-azulado (vermelho-
violáceo) (foto 12).

Foto 12: As duas seringas da esquerda contém sangue arterial, vermelho vivo. As duas
seringas da direita contém sangue venoso, vermelho azulado. Note a diferença de coloração.
Quando ocorre acúmulo de sangue não oxigenado no corpo o indivíduo
apresenta mucosas e extremidades com coloração azulada. Essa alteração é chamada
cianose. Pode ocorrer por uma falha na oxigenação do sangue, asfixia, problemas
cardíacos entre outros.
Hemossiderina
A hemossiderina é um pigmento formado pelo ferro resultante da quebra da
hemoglobina. Ou seja, quando ocorre hemólise o ferro da hemoglobina vira
hemossiderina. Esse pigmento é encontrado normalmente no baço e no fígado em
pequenas quantidades. Esse ferro será reutilizado para formação de hemoglobina ou em
outros processos orgânicos onde o ferro é essencial. O acúmulo de hemossiderina é
chamado hemossiderose, e essa é uma condição anormal.
A hemossiderose pode ocorrer em processos onde há hemólise acentuada.
Nesses casos a hemossiderose é observada principalmente no baço. A hemossiderose
pode ocorrer também em locais onde houve hemorragia. A hemácia que extravasou do
vaso irá se romper liberando a hemoglobina, a hemoglobina é quebrada e o ferro gera a
hemossiderina no local da hemorragia. E hemossiderose também pode ser observada em
órgãos onde ocorre hiperemia passiva (congestão) crônica. O sangue acumulado dentro
dos vasos por um longo período propicia a ruptura das hemácias dentro do vaso,
ocorrendo liberação da hemoglobina e formação de hemossiderina no local congesto.
Essa condição é vista com frequência na insuficiência cardíaca esquerda, onde há
congestão pulmonar crônica e a hemossiderose nesse local. Macrófagos repletos de
hemossiderina no pulmão são chamados de células da insuficiência cardíaca.
A hemossiderina tem uma coloração amarelo-dourado ou castanho-dourado. Na
macroscopia é mais fácil observar essa coloração em órgãos pálidos que sofreram
hemossiderose. Na microscopia é possível observar esses pigmentos livres no tecido ou
fagocitados por macrófagos (foto 13).

Foto 13: Macrófagos repletos de hemossiderina, pigmento de coloração amarelo-


dourado ou castanho-dourado.

Os órgãos com hemossiderose geralmente não apresentam complicações no


funcionamento. Sendo esse achado apenas um indicativo de congestão crônica,
hemorragia ou doenças hemolíticas.

Bilirrubina
A bilirrubina é um pigmento derivado da hemoglobina. Quando hemácias
senescentes são quebradas ocorre liberação da hemoglobina, a parte proteica é
reaproveitada como proteína, o ferro vira hemossiderina e o restante vira bilirrubina.
Essa quebra de hemácias ocorre principalmente no baço. A bilirrubina é formada por
partes não reaproveitáveis da hemoglobina e por isso deve ser descartada. Porém ela é
um pigmento hidrofóbico e para ser descartada deve ser levada do baço, onde foi
produzida, para o fígado onde será metabolizada e excretada. Esse transporte da
bilirrubina é feito pela albumina. No fígado a albumina se desliga da bilirrubina, e no
hepatócito a bilirrubina é conjugada com ácido glicurônico, tornando-se hidrossolúvel,
sendo possível sua eliminação pela bile juntamente com as fezes (figura 4) e também
pela urina.

Figura 4: Esquema do processo normal de metabolização e excreção da bilirrubina. A


bilirrubina produzida durante a quebra da hemoglobina no baço é carreada até o fígado pela
albumina. No hepatócito a bilirrubina é conjugada com ácido glicurônico, se tornando
hidrossolúvel podendo ser excretada pela bile.

A bilirrubina hidrofóbica produzida no baço é chamada bilirrubina indireta ou


não conjugada. Depois que a bilirrubina é conjugada com o ácido glicurônico é
chamada bilirrubina direta, ou conjugada.
O acúmulo de bilirrubina é chamado icterícia, pode ocorrer por produção
excessiva de bilirrubina, diminuição da capacidade do fígado em captar e conjugar a
bilirrubina ou por dificuldade em excretar a bilirrubina já conjugada. De acordo com
essas causas a icterícia é classificada em pré-hepática, hepática ou pós-hepática.
Independente da causa o animal ictérico irá apresentar mucosas amareladas em alguns
animais é possível observar a pele amarelada. Na necropsia todos os tecidos podem
estar tingidos de amarelo, inclusive a camada íntima de vasos.

*Dica: Na xantose não ocorre tingimento da camada íntima dos vasos. Apesar de
teoricamente isso poder ocorrer, não é comum. Além disso, a xantose é mais visível no
tecido adiposo e em fáscias musculares, podendo em casos extremos tingir a pele e
mucosas, mas órgãos como fígado e rim não apresentam alteração da coloração na
xantose.
Icterícia pré-hepática
A icterícia pré-hepática está associada com a produção excessiva de bilirrubina,
excedendo a capacidade de captação e conjugação do fígado. A bilirrubina que irá se
acumular é a não conjugada (bilirrubina indireta). Essa icterícia ocorre em doenças
hemolíticas, onde há quebra excessiva de hemácias, com liberação de grande quantidade
de hemoglobina e consequentemente produção aumentada de bilirrubina.
Existem várias doenças que causam hemólise e podem gerar o quadro de
icterícia pré-hepática. A hemólise pode ocorrer dentro do vaso (hemólise intravascular)
ou no baço (hemólise extravascular). Em animais que apresentam hemólise
intravascular parte da hemoglobina é liberada pela urina gerando um quadro de
hemoglobinúria (foto 14), que é conhecida popularmente como urina de coca-cola.

A B
Foto 14: A) Bexiga aberta mostrando urina com coloração vermelho escuro, compatível com
hemoglobinúria. B) Bexiga aberta mostrando urina com coloração vermelho vivo, compatível
com hematúria.
Fonte: A) Cláudio Barros; B) Bulnes e Tobar, 2014.

*Importante: A hemoglobinúria sempre está associada com quadros de hemólise


intravascular. Diferente da hematúria que está associada com quadros de lesão no
sistema urinário. Na hematúria a urina fica vermelho, na hemoglobinúria fica preta.

Dentre as doenças que causam hemólise e consequentemente icterícia pré-


hepática iremos podemos citar a babesiose, anaplasmose e leptospirose.
BABESIOSE
A babesiose é causado por protozoários do gênero Babesia spp., que são
transmitidos durante o repasto sanguíneo pelo carrapato Riphicephalus sanguineus, em
cães, e Riphicephalus microplus, em bovinos. A babesia é um parasita intracelular
obrigatório de hemácias que promove hemólise intravascular e extravascular.
A hemácia parasitada tem dificuldade para passar em vasos de calibre menor que
o diâmetro da célula, o protozoário presente na hemácia dificulta que ela altere a sua
conformação estrutural, promovendo obstrução desses pequenos vasos e hiperemia
nesses tecidos. A hemácia que obstruiu o vaso sofre lise, promovendo liberação de
hemoglobina, caracterizando a hemólise intravascular. Parte dessa hemoglobina será
convertida em hemossiderina e bilirrubina, causando hemossiderose no baço e icterícia
pré-hepática respectivamente. Parte da hemoglobina liberada será eliminada pela urina,
causando hemoglobinúria.
Além disso, as hemácias parasitadas são reconhecidas como infectadas pelo
sistema imune do animal, sendo removidas da circulação e sofrendo hemólise no baço,
caracterizando a hemólise extravascular, que também irá gerar hemossiderose no baço e
icterícia pré-hepática.
O quadro clínico do animal com babesiose é caracterizado por anemia, apatia,
icterícia (pré-hepática), hemoglobinúria, emagrecimento progressivo, febre e pelos
arrepiados.
Alguns animais podem apresentar uma forma atípica da babesiose, onde a
obstrução dos vasos ocorre, principalmente, no parênquima do córtex cerebral,
causando uma lesão patognomônica chamada “cérebro cor de cereja”. Essa forma de
manifestação da babesiose chama-se babesiose cerebral. Na forma neurológica observa-
se andar cambaleante, incoordenação motora e movimentos de pedalagem.
O quadro clínico do animal com babesiose é mais grave em animais que nunca
tiveram contato com o agente.
Durante a necropsia irá ser observado diversas hemorragias (principalmente em
músculo cardíaco), congestão de diferentes órgãos, icterícia, vesícula biliar distendida e
bile intensamente espessa. Pode ser observado rins enegrecidos, hemoglobinúria
dependendo da intensidade da hemólise intravascular. Na forma cerebral o parênquima
cerebral fica mais avermelhado.

ANAPLASMOSE
Anaplasmose é causada por bactérias do gênero Anaplasma spp. que podem ser
transmitidas por carrapatos ou por fômites (objetos perfurocortantes). Essa bactéria se
fixa na membrana da hemácia, fazendo com que o sistema imune identifique a infecção
nessa célula, removendo e destruindo as células infectadas no baço. Essa doença causa
apenas hemólise extravascular.

É comum em bovinos o mesmo animal estar infectado por Babesia spp. e


Anaplasma spp. gerando uma doença chamada Tristeza Parasitária Bovina, onde os
quadros de anemia, icterícia, apatia se somam.

LEPTOSPIROSE
Essa doença é causada por bactérias móveis do gênero Leptospira spp. A
principal via de transmissão através de contado com a urina de animais infectados.
Apesar dessa doença ser associada com a urina do rato esse animal não é o único
transmissor, podendo todos animais com leptospirose transmitir a bactéria.
A Leptospira spp. causa lesões renais e hepáticas que iremos detalhar em
patologia especial.
Essa bactéria produz uma substância chamada hemolisina que promove hemólise
intravascular, além disso, produz antígenos inespecíficos que se fixam na membrana das
hemácias e induzindo a destruição dessas células, provocando hemólise extravascular.
O animal com leptospirose irá apresentar anemia, icterícia (pré-hepática e
hepática), apatia e hemorragias. Nos exames bioquímicos é possível notar alteração
hepática e renal, e ocorrem alterações no exame urinário (urinálise) também.
O quadro tem evolução de aproximadamente 15 dias e em cães é quase sempre
fatal.
Icterícia hepática
Nesses casos o acúmulo de bilirrubina irá acontecer por uma falha na captação
e/ou conjugação da bilirrubina devido lesão hepática direta. Pode estar associada com
quadros de leptospirose, lipidose hepática em gatos, cirrose hepática e necrose hepática
por diferentes agentes. Pode ocorrer aumento tanto de bilirrubina direta (conjugada)
como indireta (não conjugada).
Além da icterícia será observada lesão hepática. Nesses casos não há anemia ou
hemoglobinúria.

Icterícia pós-hepática
Ocorre devido obstrução dos canalículos biliares ou do ducto colédoco. Como
nessas estruturas a bilirrubina já está conjugada e por tanto já é hidrossolúvel ela
consegue voltar para corrente sanguínea, promovendo o acúmulo e o quadro de icterícia.
Na icterícia pós-hepática ocorre acúmulo de bilirrubina conjugada (direta).
A obstrução pode ocorrer por neoplasias, cálculos biliares, parasitas de ductos
biliares e substâncias presentes em algumas plantas. As obstruções por neoplasias e
cálculos biliares na medicina veterinária são raras.
Dentre os parasitas de ductos biliares o mais importante é a Fasciola hepatica.

FASCIOLOSE
Fasciola hepatica é um parasita que necessita de um hospedeiro intermediário
aquático (caramujo) para completar seu ciclo. Os hospedeiros definitivos (ruminantes)
eliminam os ovos pelas fezes que podem contaminar a água, tendo contato com o
caramujo. No caramujo os ovos se desenvolvem e são liberados novamente na água.
Sua forma infectante se fixa na vegetação presente nessa área, quando o hospedeiro
definitivo ingere a planta ingere a forma infectante da fascíola. Esse parasita penetra no
intestino e migra para os ductos biliares onde se desenvolve até a forma adulta e libera
ovos completando o ciclo (figura 5).

Figura 5: Ciclo epidemiológico da Fasciola hepática.

Esse é um parasita grande e causa a obstrução dos canalículos biliares e o quadro


de icterícia pós-hepática (foto 15).
Foto 15: A) Aspecto macroscópico da Fasciola hepatica no ducto biliar. Mostrando
obstrução e fibrose desse ducto. B) Aspecto microscópico da Fasciola hepatica no ducto biliar.
Mostrando obstrução e fibrose desse ducto.

Animais com fasciolose apresentam diminuição da produção e icterícia.


Geralmente o quadro clínico é brando, mas o prejuízo econômico é elevado devido
condenação do fígado e às vezes até da carcaça para consumo humano. Essa doença é
mais comum na região Sul e Sudeste do Brasil.

Na nossa região, a principal causa de icterícia pós-hepática está associada com


intoxicação por planta. Pois a Brachiaria spp, principal forrageira que é usada para
alimentação de animais na região central do Brasil, pode causar obstrução dos
canalículos biliares.

INTOXICAÇÃO POR BRACHIARIA SPP.


A braquiária é a forrageira que mais facilmente se adaptou ao clima seco e
quente da região central do país, por isso é amplamente utilizada nessa região. Essa
forrageira contém um princípio ativo, chamado saponina litogênica, que forma cristais
insolúveis dentro dos canalículos biliares causando o quadro de icterícia pós-hepática e
acúmulo de diferentes metabólitos que deveriam ser excretados junto com a bile.
Atualmente sabe-se que a braquiária causa lesão direta no fígado podendo causar
a morte do animal até 1 mês depois que esse foi retirado da forrageira.
Os animais mais sensíveis à intoxicação por braquiária são animais jovens e
animais recém-introduzidos no pasto. Parece que os animais criados com essa planta por
muito tempo adquirem algum tipo de resistência à intoxicação.
A planta é tóxica em todas as fases, porém a brotação ou rebrota parece ser mais
tóxica. Existe diferença de toxicidade entre as plantas, mas todas as espécies e cultivares
da braquiária podem ser tóxicos.
O quadro clínico da intoxicação por braquiária é apatia, icterícia (foto 16) e
fotossensibilização hepatógena, que será explicado a seguir. Na necropsia do animal
intoxicado por braquiária é observada icterícia, hepatomegalia e vesícula biliar repleta.
Foto 16: Ovino intoxicado por braquiária. Mucosa ocular amarelada refletindo icterícia
pós-hepática.

Fotossensibilização hepatógena
O quadro de fotossensibilização pode ser primário – por ingestão de pigmentos
fotodinâmicos – ou hepatógeno/ secundário – por lesões no fígado que promovem o
acúmulo de pigmentos fotodinâmicos. Pigmentos fotodinâmicos são pigmentos que
quando entram em contato com a radiação solar reagem produzindo calor.
Vamos focar na fotossensibilização hepatógena (ou secundária) que é mais
comum na região central do Brasil.
Quando ocorre a intoxicação por braquiária a excreção da bile como um todo é
dificultada. Ocorre acúmulo de bilirrubina, mas outras substâncias que deveriam ser
excretadas junto com a bile também acumulam nesse processo. Dentre essas substâncias
há o acúmulo de um pigmento fotodinâmico chamado filoeritrina.
A filoeritrina é gerada durante a quebra da clorofila e é conjugada e excretada
pelo fígado. Nos animais intoxicados pela braquiária o fígado não consegue fazer a
conjugação e excreção da filoeritrina, promovendo o acúmulo dessa substância, que na
pele entra em contato com a radiação solar, reagindo e produzindo calor.
Os animais com fotossensibilização hepatógena procuram a sombra, apresentam
áreas de eritema, alopecia (foto 16), lacrimejamento (foto 17) e podem apresentar
edemas hiperagudos nas orelhas e deformidade das orelhas. Esse quadro é mais
acentuado em áreas brancas ou com pouca cobertura de pelo. A fotossensibilização
hepatógena ocorre apenas em herbívoros, pois somente eles quebram a clorofila em
filoeritrina.
Foto 17: Ovino intoxicado por braquiária. Extensa área de alopecia e eritema
comprometendo principalmente região de pelo branco.

Foto 18: Ovino intoxicado por braquiária. Observe lesão periocular, com eritema e
lacrimejamento, e lesão na ponta da orelha promovendo deformidade do pavilhão auricular.

O quadro de fotossensibilização hepatógena é associado com a icterícia pós-


hepática que descrevemos anteriormente. Ao observar um animal com esse quadro ele
deve ser removido imediatamente da braquiária (lembrando que alguns animais morrem
depois de 30 dias sem ingerir essa forrageira).

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