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MICOTOXINAS E MICOTOXICOSES

Definição
Doenças causadas por micotoxinas, que por sua vez são metabólitos secundários produzidos por fungos.

Uma espécie fúngica pode produzir uma ou mais micotoxinas. Porém, uma micotoxina pode ser produzida por
diferentes espécies fúngicas.

Fatores que dificultam o diagnóstico das micotoxicoses


❖ As micotoxinas são produzidas esporadicamente pelo fungo. Ainda não se conhece sobre as condições
necessárias para a produção dessas toxinas
❖ A ocorrência das micotoxinas é sazonal e diferenciada geograficamente
❖ Em animais de produção, principalmente quando estão sob a forma subaguda ou crônica, na maioria das
vezes é dificultado pela ausência de sinais clínicos definidos. Geralmente observa-se queda na
performance ou aumento da susceptibilidade às doenças
❖ A amostragem pode interferir no resultado da análise do alimento, uma vez que a distribuição dessas
toxinas é irregular no alimento
❖ É possível acontecer reações cruzadas com outras substâncias químicas presentes nos alimentos

Condições que propiciam o desenvolvimento de fungos e produção de micotoxinas

❖ Presença de substrato ❖ Carga de esporos


❖ Temperatura ❖ Microflora competitiva
❖ Umidade Entre outros…
❖ Relação CO₂ / O₂

Aflatoxinas
(Aspergillus flavus, A. parasiticus, A. nominus, A. pseudotamarii)
Alimentos mais propensos à contaminação: amendoim, castanhas, nozes, milho e cereais em geral
Principais fatores da produção: armazenamento em condições inadequadas
Espécies mais afetadas: todas
Principais sinais clínicos e lesões: diminuição do ganho de peso, desordens digestivas, hepatopatias, anorexia,
ataxia, tremores e morte

A produção de aflatoxinas é favorecida por vários fatores, especialmente umidade relativa do ar (superior a 80%),
temperatura ambiental e condições de integridade e teor de umidade do substrato. São produzidas geralmente
entre 13 e 42°C, e a temperatura ótima para sua síntese está entre 25 e 30°C.

As aflatoxinas (AF) são distinguíveis cromatograficamente em série B, com fluorescência azul (blue), e sem série
G, com fluorescência verde (green), quando submetidas à radiação ultravioleta de comprimento de onda longo.

São moléculas altamente tóxicas, conhecidas como os mais poderosos hepatocarcinógenos naturais.

Toxicocinética e mecanismo de ação


As AF são facilmente absorvidas no trato gastrintestinal, sendo, então, distribuídas aos diferentes órgãos como
músculos, rins, tecido adiposo e, principalmente, fígado, onde as maiores concentrações podem ser
encontradas. Nele, as toxinas são biotransformadas pelo sistema enzimático.

Biotransformação
A biotransformação das AF constitui um processo com múltiplas vias, tais como epoxidação, hidroxilação,
desmetilação e redução.

Nas reações de primeira fase, as moléculas tornam-se mais hidrofílicas; na segunda fase, os compostos
produzidos inicialmente são conjugados a substâncias endógenas e, em seguida, excretados. Produtos
resultantes do metabolismo das aflatoxinas são considerados responsáveis pelos seus efeitos tóxicos.
Entre as várias reações metabólicas, destaca-se a biotransformação de AFB₁, que consiste em alterações
moleculares reversíveis e irreversíveis. A reação reversível de redução realizada pelo sistema redutase
citoplasmático resulta na formação de aflatoxicol (AFL), composto de menos toxicidade que a AFB₁, porém que
serve como seu reservatório. As reações irreversíveis são mediadas pelo sistema citocromo P450 e dentre os
metabólitos originados está o AFB₁-8,9-epóxido.

O AFB₁-8,9-epóxido é altamente reativo e interage com macromoléculas nucleofílicas, como o DNA, RNA e das
proteínas. A ligação do AFB₁-8,9-epóxido com o DNA origina os mecanismos básicos dos seus efeitos
mutagênicos e carcinogênicos, pois a ligação resulta na formação da aflaxoxina-N⁷-guanina, cuja concentração
no organismo é diretamente proporcional à produção de tumores em animais experimentais. A replicação do DNA
contendo esse aduto induz mutações guanina → timina.

Os adutos formados com RNA e proteínas podem promover lesões químicas, resultando em alterações na função
normal desses componentes celulares, tais como inibição da síntese proteica e redução da atividade
enzimática, as quais estão relacionadas à toxicidade aguda das aflatoxinas.

As principais vias de eliminação das AF são a biliar e a urinária, também podendo ser excretada pelo leite.
Geralmente, 90% da AFB₁ ingerida é eliminada do organismo no período de 24 horas. Porém, uma pequena
quantidade de AF não é eliminada rapidamente, podendo permanecer nos tecidos por longos períodos.

A suscetibilidade da aflatoxina nas diferentes espécies animais varia bastante. De maneira geral, as aves são
mais sensíveis que os mamíferos, sendo animais adultos os mais resistentes.

Efeitos biológicos
A quantidade de aflatoxinas ingerida e a duração da exposição irão determinar os efeitos biológicos e seu tempo
de aparecimento.

Dano hepático (agudo ou crônico): os hepatócitos sofrem progressivas alterações, incluindo desde infiltração
lipídica até morte celular. Esses efeitos estão relacionados a uma ação ampla e não-específica da aflatoxina ou de
seus metabólitos ativos com várias proteínas celulares.
Como há perda das funções hepáticas, verificam-se coagulopatia, icterícia e redução de proteínas essenciais
produzidas no fígado (por exemplo, a albumina).
As principais alterações clínicas observadas nesse tipo de intoxicação são anorexia, depressão, fraqueza,
prostração, dispneia e vômito normalmente sanguinolento e com muco. Em cães, também são verificadas
convulsões.

Redução da taxa de crescimento e queda na produção: quando há ingestão de quantidades muito pequenas, a
lesão hepática pode não ser evidente, sendo observada apenas queda no crescimento e na produção. Nesse caso,
pode-se verificar somente os efeitos decorrentes de alterações no metabolismo celular.

Carcinogênese e teratogênese: a modificação da expressão gênica resulta no desenvolvimento de carcinoma e


alterações no desenvolvimento e diferenciação fetal.

Alterações na resposta imune: podem gerar deficiência no sistema complemento, retardamento da produção do
interferon, decréscimo da atividade de linfocinas, supressão da resposta linfogênica, redução do índice mitótico
de células B, inibição da capacidade fagocitária de macrófagos e comprometimento da mielopoese.
Fumonisina
(Fusarium verticilloides/moniliforme)
Alimentos mais propensos à contaminação: milho e cereais de inverno
Principais fatores da produção:estação seca seguida de alta umidade e temperaturas moderadas
Espécies mais afetadas: equinos e suínos
Principais sinais clínicos e lesões: leucoencefalomalácia equina e edema pulmonar suíno

Temperaturas em torno de 20 e 25°C são consideradas ótimas para a produção das fumonisinas, embora possa
ocorrer em temperaturas que variam entre 13 e 28°C. Somente a presença do fungo não significa que a toxina
também esteja presente.
A fumonisina B₁ é a mais tóxica, sendo também produzida em maior quantidade. Essas micotoxinas são
termoestáveis, podendo resistir à fervura por 30 minutos.

Toxicocinética e mecanismo de ação


As informações são escassas, porém resultados de estudos em suínos revelaram que, 72 horas após a
administração intragástrica de fumonisina B₁, concentrações dessa micotoxina já foram detectadas no fígado e
nos rins.

Em relação ao mecanismo de ação, devido à sua estrutura semelhante à esfingosina (constituinte dos
esfingolipídeos no tecido nervoso), há interferência no metabolismo dos esfingolipídios. Como há interrupção
desse metabolismo, a esfinganina e a esfingosina acumulam-se, diminuindo consideravelmente a produção de
esfingolipídeos complexos.

Efeitos biológicos
Leucoencefalomalácia equina: verifica-se que o consumo de apenas 8ppm de fumonisina B₁ por equinos
mostra-se suficiente para provocar o quadro de intoxicação. Os sinais clínicos geralmente ocorrem entre três a
seis dias após o consumo do alimento contaminado e caracterizam-se por hipersensibilidade, ataxia, fraqueza
nos membros posteriores, convulsão, cegueira, incapacidade de deglutição e morte. As principais lesões são
edema cerebral severo e liquefação da substância branca cerebral. A hepatotoxicidade também pode estar
presente, observando-se inapetência, seguida de manifestações mais severas como edema facial e evidente
icterícia.

Edema pulmonar suíno: caracteriza-se por um quadro clínico de evolução subaguda e geralmente é letal. As
alterações clínicas são insuficiência pulmonar, refletida em dificuldade respiratória, dispneia e cianose. Os
suínos também podem apresentar lesões hepáticas, caracterizadas por vacuolização citoplasmática e necrose.

Carcinogênese em ratos: alguns estudos experimentais.

Zearalenona
(Fusarium roseum/graminearum, F. tricinetum, F. gibbosum, F. oxysporum)
Alimentos mais propensos à contaminação: milho e cereais de inverno
Principais fatores da produção: temperaturas frias associadas à alta umidade
Espécies mais afetadas: suínos
Principais sinais clínicos e lesões: síndrome de hiperestrogenismo (vulvovaginite)

A indução de enzimas responsáveis pela produção de zearalenona ocorre em temperaturas baixas (12 a 14°C),
havendo um ótimo aproveitamento para produção entre 20 e 25°C, e umidade do substrato acima de 23%, com a
produção ótima em torno de 45%. Uma vez produzida, é bastante estável, não sendo destruída pelo calor e pela
peletização.

Toxicocinética e mecanismo de ação


A zearalenona é rapidamente absorvida no trato gastrintestinal em razão de sua alta lipossolubilidade.

Biotransformação
O metabolismo hepáticos produz, por meio de redução os compostos denominados 𝛂 e 𝛃-zearalenol. Esta reação
é catalisada por uma enzima denominada 3𝛂-hidroxiesteroide desidrogenase.
O suíno, por possuir menor quantidade de 3𝛂-hidroxiesteroide desidrogenase, biotransforma mais lentamente
essa micotoxina, tornando-se portanto, mais sensível ao seus efeitos. A zearalenona e seus metabólitos são
conjugados para posterior excreção, e esses produtos podem ser encontrados na urina e nas fezes até duas
semanas após a exposição.

Efeitos biológicos
As marrãs são mais sensíveis, sendo que níveis de contaminação em torno de 1 ppm de zearalenona na dieta já
promovem alterações clínicas dessa toxicose. Essas mesmas alterações podem ser observadas em porcas
adultas quando o alimento apresenta níveis superiores a 10%.

Aves são muito resistentes aos efeitos tóxicos produzidos pela zearalenona, não sendo verificada qualquer
alteração em frangos submetidos à ração contaminada com até 1000 ppm de zearalenona.

A zearalenona atua como uma substância estrogênica, ligando-se a receptores para o 17𝛃-estradiol. O efeito
primário é o hiperestrogenismo, caracterizado por edema de vulva e de glândula mamária, alargamento de útero,
atrofia de ovário e prolapso anal e vaginal, o que pode propiciar a infecção secundária.

Em porcas adultas, são descritas ninfomania e pseudo-prenhez. Em animais gestantes, verifica-se redução do
número de fetos vivos e do peso da prole, malformações e hiperestrogenismo juvenil.

No cachaço jovem pode-se verificar edema de prepúcio, atrofia testicular, crescimento da glândula mamária e
queda da libido e da qualidade do esperma.

A toxicose caracteriza-se por alta morbidade e baixa letalidade, sendo os casos de óbito geralmente decorrentes
de infecções secundárias instaladas nos quadros de prolapso retal e vaginal.

Ocratoxina
(Aspergillus ochraceus, Penicillium viridicatum)
Alimentos mais propensos à contaminação: milho e grãos estocados
Principais fatores da produção: deficiências no armazenamento
Espécies mais afetadas: suínos e humanos
Principais sinais clínicos e lesões: nefropatias

É nefrotóxica e hepatotóxica, e também promove imunossupressão e carcinogenicidade.

Toxicocinética e mecanismo de ação


A absorção estomacal é maior em decorrência da acidez desse compartimento. Em herbívoros, é mais bem
absorvida quando a alimentação é maior em concentrados do que em volumoso, por causa da redução do pH
estomacal.

Biotransformação
É realizada no fígado, e a sua eliminação, assim como de seus metabólitos (OTA𝛂 e OTA𝛃), faz-se principalmente
pelas fezes e pela urina.

Efeitos biológicos
Acredita-se que seus efeitos tóxicos sejam decorrentes da ação dessa micotoxina por meio de três diferentes
mecanismos: interferência nas enzimas envolvidas no metabolismo da fenilalanina; inibição da produção de ATP
na mitocôndria e estimulação da peroxidase lipídica.

No quadro clínico de intoxicação aguda, verifica-se gastroenterite, diarreia, êmese, desidratação e depressão.
Em exposições a pequenas quantidades dessas toxinas, podem-se verificar apenas alterações sutis do
comprometimento da função renal, como, por exemplo, poliúria. Além disso, observa-se redução no ganho de
peso e da produção.

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