Você está na página 1de 7

ARTIGO DE OPINIÃO | OPINION ARTICLE 365

Desafios da reforma sanitária na atual


conjuntura histórica
Challenges for the health reform in the current historical
conjuncture

Carlos Octávio Ocké-Reis1

Como latino-americano, aqui estou com os meus velhos ossos,


porque o mundo está se globalizando pela pressão das multinacio-
nais, pelo jogo do capital financeiro e pela explosão tecnológica, e
não pelo interesse concreto da espécie humana.
Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, II Feira Nacional da
Reforma Agrária/MST, 6/5/2017.

Introdução
Em 1988, a Constituição brasileira definiu a saúde como ‘dever do Estado’ e ‘direito do cidadão’.
Pela letra da lei, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), todo cidadão possui esse direito
de acordo com suas necessidades, independentemente da sua capacidade de pagamento, da
sua inserção no mercado de trabalho ou da sua condição de saúde.
Parece evidente que o Estado deveria ter concentrado seus esforços para fortalecer o SUS nesses
29 anos. Entretanto, ele não contou com financiamento estável (PIOLA ET AL., 2013; MARQUES; MENDES, 2005),
enquanto os planos de saúde contaram com pesados incentivos governamentais (OCKÉ-REIS, 2013), favo-
recendo, a um só tempo, o crescimento do mercado e a estratificação da clientela.
Para os sanitaristas, não é fácil lidar com essa contradição: apesar da afirmação da saúde
enquanto direito social na Constituição, nessa conjuntura histórica, o SUS não foi capaz de
superar o ‘processo de americanização perversa’ ao qual o sistema de saúde brasileiro foi sub-
metido (VIANNA, 1998). Pior: o mercado tende a agravar as distorções desse tipo de mix público/
privado, uma vez que o aumento do poder econômico acaba corroendo a sustentabilidade
do financiamento estatal, estabelecendo um círculo vicioso, marcado pela queda relativa do
custeio e do investimento na saúde pública (COHN; VIANA; OCKÉ-REIS, 2010; TUOHY; FLOOD; STABILE, 2004).
Nesse sentido, diferentemente do esquema beveredgiano e similar ao modelo liberal esta-
dunidense, o sistema brasileiro passou a funcionar de forma duplicada e paralela – na esteira
da privatização do antigo modelo de seguro social (ANDRADE; DIAS FILHO, 2009): uma vez que a saúde
foi considerada livre à iniciativa privada na Constituição, além dos problemas relacionados
1 Institutode Pesquisa com o subfinanciamento, com a gestão e com o controle popular, uma contradição gritante
Econômica Aplicada (Ipea) apareceu na sua trajetória. O SUS não cobre – regularmente – o polo dinâmico da econo-
– Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
carlos.ocke@ipea.gov.br mia, cujos trabalhadores (setor privado e setor público) teriam, em tese, maior capacidade

DOI: 10.1590/0103-1104201711302 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017
366 OCKÉ-REIS, C. O.

de vocalização para lutar pela implantação custos e preços crescentes, ou o Estado amplia
da seguridade – a exemplo da formação os mecanismos de ‘intervenção’, ou subsidia
do Estado de bem-estar social europeu no atividades privadas importantes (BAYER; LEYS, 1986).
século XX. Por razões políticas de legitimidade e
Este ensaio, tendo como pressuposto o por problemas econômicos de rentabilidade
imperativo de reconstruir uma expressi- (VOGT, 1980), se o mercado de planos de saúde
va base de apoio social e parlamentar de cobre, regularmente, o polo dinâmico da
‘caráter classista’ em defesa do SUS, sugere População Economicamente Ativa (PEA), o
que o eixo de ação política do bloco sanita- Estado, por meio do fundo público (incenti-
rista aponte no sentido da superação de pro- vos governamentais), pode agir no sentido da
blemas estruturais e setoriais, que acabam reconstituição das condições de rentabilida-
restringindo o alargamento das diretrizes de do mercado. Esse padrão de intervenção
constitucionais da universalidade, da inte- acaba criando, assim, um processo de trans-
gralidade e da equidade do SUS. formação capitalista das próprias políticas
Na atual conjuntura histórica, para que de saúde e do próprio ato médico (ANDREAZZI,
esse tipo de reflexão teórica tenha alguma 1995), que passam a se engendrar favorecendo
dose de realismo, parece necessário romper a produção e a reprodução de novas frontei-
com a política de austeridade fiscal, que ras de acumulação capitalista.
produz impactos negativos sobre o financia- Assim sendo, o welfare state e as políticas
mento das políticas de saúde e as próprias universais de saúde não deixam de ser fruto
condições de saúde da população brasileira. de um Estado classista, mas, longe de plagiar
o ‘comitê executivo da burguesia’ da con-
cepção de Marx e de Lênin, tratar-se-ia his-
Superar a política de toricamente de um Estado que Poulantzas
austeridade fiscal denominou de ‘condensação da luta de
classes’ (CARNOY, 1994). Depois da crise econô-
Uma característica central da evolução da mica internacional de 2008, na era do capital
relação capital/trabalho é sua intermediação financeiro, entretanto, aprofundar o apoio
pelo Estado. Desse modo, torna-se necessá- do Estado ao mercado de planos de saúde em
rio caracterizar o espaço teórico da saúde tempos de austeridade fiscal pode torná-lo
não somente no contexto da relação capital/
trabalho, mas também mediado no contexto [...] um Estado completamente subordina-
das políticas públicas. do ao capital, o que seria uma homenagem
Na lógica da ordem burguesa, se de um lado a Marx, vinda de seus mais ferrenhos ad-
o Estado capitalista patrocina a acumulação versários e detratores. Por esse caminho, as
capitalista, de outro, procura promover a legi- relações se inverteriam: em lugar do Estado
timidade da ordem e estabilizar o exercício do como organizador da incerteza da base, da in-
poder governamental, seja apoiando a reprodu- fraestrutura em linguagem marxista, haveria
ção e a certificação da força de trabalho (BERGER; uma base organizando o Estado, que se trans-
OFFE, 2011), seja integrando as classes dominadas formaria na mais brutal imagem-espelho do
objetiva e ideologicamente à sua hegemonia banquete dos ricos e do despojo de todos os
(GRAMSCI, 2007; O’CONNOR, 1997). Dessa forma, consi- não-proprietários. (OLIVEIRA, 1988, P. 27).
derando que as condições de saúde e a cobertu-
ra da atenção médica da força de trabalho são Em outras palavras, a política de auste-
fundamentais para o funcionamento do modo ridade fiscal penaliza as classes médias e as
de produção capitalista, dado que o mercado de classes populares ao invés dos ricos, para su-
serviços de saúde apresenta uma trajetória de peração da crise econômica, para superação

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017


Desafios da reforma sanitária na atual conjuntura histórica 367

do ciclo recessivo, ou seja, procura resolver a Contradição em processo


crise em sentido capitalista, procura resolver
a crise eliminando a um só tempo os proble- Apesar dessa ameaça, o movimento da
mas de rentabilidade e as barreiras de acu- reforma sanitária apostou na universali-
mulação daqueles setores que basicamente zação, na integralidade e na equidade dos
a originaram, pasmem, o capital financeiro, serviços públicos de saúde entre as unida-
por meio da apropriação de parcelas cres- des da federação. Entretanto, apareceu uma
centes do fundo público e do aumento da contradição evidente nesse processo: o polo
mais valia relativa e absoluta. dinâmico do mercado de trabalho (setor
Da ótica marxista, esse apontamento privado e setor público), que possui maior
teórico acerca da austeridade merece ser capacidade de vocalização, não é coberto re-
examinado e desenvolvido, mas, fora de gularmente pelo SUS.
dúvida, na prática, reduzir o deficit fiscal Sem projeto de ‘reforma da reforma’,
a qualquer custo, sem fustigar os encargos uma visão fiscalista, na qual o fomento ao
financeiros da dívida pública ( juros e amor- mercado de planos apareceu como solução
tização), ou sem promover uma reforma pragmática para desonerar as contas públi-
tributária, tem demonstrado nesse curto cas, passa a fazer parte do ideário de setores
período histórico que não se criam empregos social-liberais e mesmo social-democratas
nem se produz crescimento, pior, mantém- no Estado e na sociedade.
-se a economia em recessão, estagnação ou Nesse sentido, à primeira vista, agravados
com baixas taxas de crescimento, conquanto pelo cenário da austeridade fiscal, quatro
esse cenário determine a expressiva concen- grandes desafios estão colocados para o mo-
tração de renda e de riqueza nas mãos dos vimento da reforma sanitária na atual con-
bancos e dos rentistas. juntura histórica:
Esse radicalismo ultraliberal gera, contra-
ditoriamente, desigualdade e instabilidade Desafio estratégico
política, criando trepidações para estabili-
dade democrática de um conjunto de nações Em razão das atuais circunstâncias históri-
(vejam o caso brasileiro e grego), criando cas, as relações mercantis do setor de saúde
terreno para o aparecimento do populismo não serão extintas por decreto. Em que pese
de direita, na esteira da crise internacional a lógica excludente do mercado, encerrada
do capitalismo e da crise do projeto socialis- nos lucros extraordinários e na radicaliza-
ta depois da experiência estalinista. ção da seleção de riscos, sua negação precisa
No caso da saúde, a aplicação da política ser mediada na teoria e na prática, na era do
de austeridade assume contornos dramáticos, capital financeiro. Deve-se ter em mente a
em especial em países como o Brasil, da pe- necessidade de acumular forças em direção
riferia capitalista, que sofre pressão das mul- à reforma pública do subsistema privado,
tinacionais do complexo médico-industrial e para reduzir os gastos das famílias com
apresenta características estruturais de um bens e serviços de saúde, em especial nos
país subdesenvolvido e dependente: pobreza, estratos inferiores de renda. Nessa linha, a
desigualdade, violência e baixos níveis edu- política regulatória da Agência Nacional de
cacionais e culturais. Isso para não falar do Saúde Suplementar (ANS) deve ser organi-
subfinanciamento crônico das políticas de zada a partir da lógica do seguro social. Do
saúde, agora diante de um verdadeiro ataque contrário, a tese correta, aquela contrária à
ao estatuto de direito social com a Emenda estratificação de clientela, continuará impo-
Constitucional 95 e com o golpe parlamentar tente para barrar o parasitismo dos planos
promovido pela direita neoliberal. de saúde em relação ao Estado, ao padrão de

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017


368 OCKÉ-REIS, C. O.

financiamento público e ao próprio SUS. Dito Desafio político


de outra maneira, se, além do SUS (Estado),
o mercado (capitalismo) fosse pressionado É necessário reconstruir uma expres-
por dentro pelo nexo do seguro social (mu- siva base de apoio social e parlamentar
tualismo), estariam dadas condições mais em defesa do SUS, combinando luta de
realistas para tornar o mercado de planos de massas, disputa de hegemonia institucio-
saúde, de fato, suplementar. nal e combate ideológico, a partir de uma
agenda de ‘reforma da reforma’, a um só
Desafio teórico tempo, mediada e consensual dentro do
campo partidário democrático popular e
Quando o marxismo introduziu o conceito dentro do Estado em diálogo com os mo-
de modo de produção, ficou mais claro que a vimentos sociais. É necessário persuadir
noção de sociedade civil vista fora do eixo da as centrais sindicais, os funcionários pú-
produção (ou seja, capitalistas e trabalhado- blicos e os trabalhadores urbanos quanto à
res sendo vistos como indivíduos isolados) necessidade de transitar do modelo liberal
poderia mistificar a realidade antagônica das americano (seguro privado) para aqueles
classes sociais fundamentais do capitalismo. consagrados pelo Estado de bem-estar
Como essa linha de argumentação privilegia (seguro social e seguridade). Igualmente,
o esquema Estado/sociedade civil no campo é fundamental inibir o empresariamento
da filosofia política clássica (SADER, 2014), uma e o liberalismo médico, que transgridem a
vez que o provimento da atenção à saúde é ética da medicina ou se utiliza indevida-
um ‘dever do Estado’ no Brasil, isso mente do SUS. Contra o capital financei-
ro, é necessário lutar pela renegociação
[...] constitui um papel central (do Estado), da dívida interna (redução dos juros, dos
principalmente em seu aspecto de neutralida- encargos financeiros e dos spreads bancá-
de. Isso porque a aparência de ‘neutralidade’ rios), pela reforma tributária (progressi-
do Estado é o que o transformou na base de va), pela reforma da mídia (democrática),
integração ideológica do sistema, envolvendo pela reforma agrária (agricultura familiar)
as amplas classes populares. (BAYER; LEYS, 1986, e pela reforma eleitoral (constituinte ex-
P. 108-109). clusiva e soberana do sistema político). A
realização dessa tarefa extraordinária tem
Apesar desse diagnóstico teórico, na atual um ponto de apoio importante na cultura
correlação de forças, esse direito de cida- socialista: o debate em torno da transição
dania é um pressuposto fundamental para passa pela aplicação de certo capitalismo
a passagem de uma ‘cidadania restrita’ para de Estado, que valorize a solidariedade
uma ‘cidadania ampliada’. Entretanto, sem entre as nações, a função social da pro-
privilegiar o esquema analítico assentado na priedade, o planejamento e o mercado
relação contraditória capital/trabalho, essa interno, desprivatizando o fundo público
mediação encerrada no direito social poderia e incorporando a sociedade civil no pro-
levar ao seguinte reducionismo: os proble- cesso decisório governamental. O SUS é
mas de saúde (da sociedade) decorreriam parte integrante de um novo modelo de
exclusivamente do desenho das políticas (do desenvolvimento na América Latina, e sua
Estado), sem incorporar conteúdo anticapi- implantação seguirá pari passu a redução
talista, ou seja, o problema é tão somente a da pobreza, da desigualdade, da violência
eficiência da política de saúde, desconectado social e dos baixos níveis educacionais e
das desigualdades produzidas pelo capitalis- culturais no Brasil.
mo (ou pelo Estado capitalista).

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017


Desafios da reforma sanitária na atual conjuntura histórica 369

Desafios programáticos unidade do movimento sanitarista, que


precisa reconstruir uma expressiva base de
Deve-se lutar para ampliar o financiamento, apoio social e parlamentar de ‘caráter clas-
para melhorar a gestão e para fortalecer a sista’ em defesa do SUS. Não é à toa que há
participação social do SUS, mas, ao mesmo certo consenso entre os especialistas do
tempo, na crítica à privatização, deve-se setor, que os
propor a criação de estruturas institucionais
e mecanismos regulatórios que permitam [...] maiores desafios [do SUS] são políticos,
atrair segmentos da clientela da medicina pois supõem a garantia do financiamento do
privada para o SUS, bem como que permi- subsistema público, a redefinição da articu-
tam reduzir o gasto dos trabalhadores, das lação público-privada e a redução das desi-
famílias e dos idosos com planos de saúde, gualdades de renda, poder e saúde. (PAIM, 2013,
serviços médico-hospitalares e remédios. P. 1933).
Deve-se defender que a saúde suplementar
seja regulada mediante o regime de conces-
são, mudando-se, no Congresso Nacional, as
normas que designam a assistência à saúde Considerações finais
como livre à iniciativa privada – art. 199. da
Constituição Federal de 1988 e art. 21. da Lei No Brasil, boa parte do movimento da
nº 8.080 de 1990. Deve-se lutar pela elimi- reforma sanitária criticou – corretamente
nação, redução ou focalização dos subsídios – os erros da experiência petista na saúde
destinados ao mercado de planos de saúde, pública (a internacionalização do mercado
desde que tais recursos sejam aplicados de serviços hospitalares, por exemplo),
na atenção primária (programa de saúde porém soube também reconhecer e apoiar
da família, promoção e prevenção à saúde pontos em que se afirmaram seus pressu-
etc.) e na média complexidade (unidades postos constitucionais (o programa ‘mais
de pronto atendimento, prática clínica com médicos’, por exemplo). Nada se compara,
profissionais especializados e com recursos entretanto, à perspectiva de desmonte do
tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêu- governo Temer; ilegítimo, sem lastro no voto
tico etc.) do SUS. Afinal de contas, a conver- popular, fruto de um golpe parlamentar, a um
são de gasto público indireto em direto na só tempo, pretende sucatear o SUS (Emenda
área da saúde faria mais sentido clínico e Constitucional – EC 95) e aprofundar a pri-
epidemiológico se contribuísse para negar e vatização do sistema de saúde (planos priva-
para superar o atual modelo de atenção as- dos ‘populares’).
sistencial, em outras palavras, se fustigasse o Na atual conjuntura, para afirmação
‘sistema’ duplicado e paralelo, que estimula a dos pressupostos constitucionais do SUS,
superprodução e o consumo desenfreado de defendemos a unidade das frentes popula-
bens e serviços de saúde (COELHO, 2013) e que res, somos contra as reformas neoliberais
da previdenciária e trabalhista, bem como
[...] responde as condições crônicas na lógica acreditamos que as eleições diretas e gerais
da atenção às condições agudas, (e), ao final devolverão a estabilidade democrática ao
de um período mais longo, (pode determinar) país. Além do mais, Lula, Dilma e o Partido
resultados sanitários e econômicos desastro- dos Trabalhadores precisam fazer autocríti-
sos. (BRASIL, 2014). ca diante da sua base partidária, da sua base
social e de seus eleitores em relação ao ‘re-
Esses desafios precisam ser examina- formismo fraco’ (SINGER, 2012), sua ênfase ins-
dos, debatidos e enfrentados, em busca da titucional e aos desvios no campo da ética

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017


370 OCKÉ-REIS, C. O.

pública (para não falar, embora cercada pelo deslegitimar as diferenças e estratégias dos
bloco reacionário e conservador, da política partidos da esquerda no cenário nacional.
equivocada de austeridade fiscal do segundo Suprimi-las seria reproduzir uma prática
governo Dilma). Em resumo, a crítica e au- autoritária mais ou menos comum nas expe-
tocrítica devem ser exercitadas dentro do riências de partido único de corte estalinista
bloco histórico progressista, mas a adoção – e somos críticos a esse tipo de hegemonis-
de uma postura antidialética, ou pior, sectá- mo. Antes procuramos criticar o sectarismo
ria em relação ao lulismo nos parece um erro no campo da saúde coletiva no momento
estratégico do campo democrático, popular de enfrentamento com a direita neoliberal,
e socialista na construção da luta antifascis- afinal de contas, devemos priorizar a cons-
ta: o esquerdismo, desde os tempos de Lênin trução de consensos dentro do movimento,
(2014), continua sendo a doença infantil nas em que a defesa dos direitos sociais seja uma
fileiras socialistas e comunistas. pedra fundamental na arquitetura da luta
A superação do lulismo (caracterizado contra os setores antidemocráticos da socie-
pelo culto à personalidade, pelo reformis- dade brasileira (por exemplo, os erros, antes
mo fraco e pela estratégia de conciliação de da subida de Hitler, dos sociais-democratas
classes) no sentido da transição ao socia- e dos socialistas na Alemanha merecem ser
lismo está mediada nessa formulação, mas refletidos por todos nós). s
não se trata de sectarizar o Lula, tampouco

Referências

ANDRADE, E. I. G.; DIAS FILHO, P. P. S. Padrões de fi- BERGER, J.; OFFE, C. A dinâmica do desenvolvimento
nanciamento da saúde do trabalhador: do seguro social do setor serviços. In: OFFE, C. (Org.). Trabalho e socie-
ao seguro saúde. In: LOBATO, L. V.; FLEURY, S. (Org.). dade: problemas estruturais e perspectivas para o futu-
Seguridade social, cidadania e saúde. Rio de Janeiro: ro da ‘Sociedade do Trabalho’. Rio de Janeiro: Tempo
Cebes, 2009. p. 160-172. (Coleção Pensar em Saúde). Brasileiro, 2011. p. 11-57.

ANDREAZZI, M. F. S. O seguro saúde privado no Brasil. BRASIL. Conselho Nacional de Secretário de Saúde.
1995. 150 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – CONASS debate: a crise contemporânea dos mode-
Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo los de atenção à saúde. Brasília, DF: CONASS, 2014.
Cruz, Rio de Janeiro, 1995. Disponível em: <http://www.conass.org.br/biblioteca/
pdf/conass-debate-n3.pdf>. Acesso em: 26 jun. 2017.
BAYER, G. F.; LEYS, H. R. Saúde enquanto questão
politicamente intermediada. Serviço Social & Sociedade, CARNOY, M. Estado e teoria política. 4. ed. Campinas:
São Paulo, v. 22, n. 1, p. 103-125, 1986. Papirus, 1994.

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017


Desafios da reforma sanitária na atual conjuntura histórica 371

COELHO, I. B. Os hospitais na reforma sanitária brasi- PAIM, J. S. A Constituição cidadã e os 25 anos do


leira. 2013. 228 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva)- Sistema Único de saúde (SUS). Cadernos de Saúde
Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 10, p. 1927-1934, 2013.
de Campinas, Campinas, 2013.
PIOLA, S. F. et al. Financiamento público da saúde: uma
COHN, A.; VIANA, A. L. D’A.; OCKÉ-REIS, C. O. história à procura de rumo. Rio de Janeiro: Ipea, 2013.
Configurações do sistema de saúde brasileiro: 20 anos
do SUS. Revista de Política, Planejamento e Gestão em SADER, E. Estado e Política em Marx. São Paulo:
Saúde, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 57-70, jul./set. 2010. Boitempo, 2014.

GRAMSCI, A. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e
Civilização Brasileira, 2007. pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.
LÊNIN, V. I. Esquerdismo: a doença infantil do comu-
nismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014. TUOHY, C. H.; FLOOD, C. M.; STABILE, M. How
does private finance affect public health care systems?
MARQUES, R. M.; MENDES, A. SUS e seguridade Marshaling the evidence from OECD nations. Journal
social: em busca do elo perdido. Saúde e Sociedade, São of Health Politics, Policy and Law, Durham (EUA) v. 29,
Paulo, v. 14, n. 2, p. 39-49, 2005. n. 3, p. 359-396, 2004.

OCKÉ-REIS, C. O. Mensuração dos gastos tributários: o VIANNA, M. L. T. W. A americanização (perversa) da


caso dos planos de saúde – 2003-2011. Rio de Janeiro: seguridade social no Brasil: estratégias de bem-estar e
Ipea, 2013. políticas públicas. Rio de Janeiro: Revan, 1998.

O’CONNOR, J. USA: a crise do Estado capitalista. Rio VOGT, W. Do desenvolvimento econômico a longo
de Janeiro: Paz e Terra, 1997. prazo de um sistema capitalista – uma formulação
mais precisa. In: VOGT, W.; FRANK, J.; OFFE, C. (Ed.).
OLIVEIRA, F. O surgimento do antivalor: capital, força Estado e capitalismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
de trabalho e fundo público. Novos Estudos CEBRAP, 1980. p. 49-78.
São Paulo, v. 22, p. 8-28, outubro de 1988.

SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 113, P. 365-371, ABR-JUN 2017

Você também pode gostar