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ACIDENTES DE TRABALHO EM EMPRESAS TERCEIRIZADAS:

Uma análise da (in)ocorrência do seu aumento à luz da terceirização das


empresas

As firmas têm aumentado a sua flexibilidade organizacional, como forma de se


adaptar à crescente concorrência. Uma das formas mais comuns de flexibilização é a
terceirização com a compra de materiais ou aquisição de serviços no mercado,
substituindo atividades que antes eram produzidas dentro da firma. Ocorre que em
março de 2017, passou pela sanção presidencial um projeto de lei que promoveu uma
nova regulamentação sobre as relações contratuais terceirizadas. Tal projeto gerou
uma significativa discussão sobre os impactos deste modelo de contrato (BELCHIOR,
2018).
Nesse contexto, enfatiza-se que muitos estudos defendem a relação do
aumento do número de acidentes de trabalho com a terceirização das empresas.
Contudo, o presente trabalho objetiva argumentar contrariamente a esses
posicionamentos a partir da análise de alguns artigos científicos e pesquisas neles
apontadas.
Em primeiro lugar, cumpre aduzir que muitos dos estudos que apontam a
relação do aumento dos acidentes de trabalho com a terceirização das empresas,
baseiam-se em casos pontuais de setores e atividades bastante específicos, e
terminam por generalizar o argumento para as demais atividades da economia, o que
é fundamentalmente errado (REBELO; MOREIRA; LOPES; COURA, 2018).
Nesse sentido, ainda que a atenção com os acidentes de trabalho deve estar
presente em todos os setores da economia, que possuem diferentes necessidades e
diferentes características, ressalta-se que esses setores não são comparáveis em si
(REBELO; MOREIRA; LOPES; COURA, 2018), não sendo razoável estender, por
analogia, o que acontece em um setor específico para os demais setores, como ocorre
nos estudos de casos que defendem o posicionamento aqui rebatido.
Outrossim, a análise ampla dos dados referentes aos acidentes de trabalho é
bastante importante, pois permite avaliar um tema relevante e sensível a todos os
trabalhadores, terceirizados ou não. Dessa forma, apontam Rebelo, Moreira, Lopes e
Coura (2018), que as condições de trabalho estão muito mais associadas às
características do setor de atividade que ao fato de as empresas atuarem como
terceirizadoras de mão de obra (REBELO; MOREIRA; LOPES; COURA, 2018).
Um dos artigos analisados, de autoria de Rebelo, Moreira, Lopes e Coura
(2018) demonstra em tabela, o número de acidentes de trabalho por mil trabalhadores,
sendo, em média, praticamente o mesmo nos setores contratantes e nos terceirizados.
Todavia, em alguns setores de atividade, como água, esgoto e gestão de resíduos,
por exemplo, o número de acidentes entre os terceirizados é maior que entre os
contratantes. Há características relevantes nesse setor que fazem com que algumas
atividades de campo sejam realizadas por empresas especializadas em serviços
bastante específicos, enquanto há uma enorme quantidade de funcionários em
atividades administrativas.
Da mesma forma, há também outros setores de atividade, como na indústria de
transformação, na qual o número de acidentes entre os terceirizados é menor que
entre os contratantes. Com isso, destaca-se que há importante diferenciação no risco
de acidentes associado às características da atividade envolvida. Não se pode
comparar o risco de acidente de uma atividade em um escritório com o risco de
acidente durante a manutenção de uma linha de transmissão elétrica, por exemplo,
que independe da atividade ser terceirizada ou não (REBELO; MOREIRA; LOPES;
COURA, 2018).
Assim sendo, estudos de casos específicos são inviáveis e insustentáveis no
que tange a generalização do aumento dos acidentes de trabalho à medida que
comparações são feitas sem o controle de setor de atividade, distorcendo a realidade.
Ocorre que as atividades terceirizadas possuem condições de trabalho muito
díspares, sendo que, em alguns setores de atividade ou nível de escolarização, as
condições nas empresas prestadoras de serviço são muito próximas das encontradas
nas contratantes ou até melhores, por exemplo (REBELO; MOREIRA; LOPES;
COURA, 2018).
Para aprofundar a discussão, foi realizada uma análise considerando não
apenas as principais ocupações tipicamente industriais, mas também as que são
encontradas em empresas prestadoras de serviço. Identificaram vinte e uma
ocupações em que todas as características analisadas, quais sejam: remuneração
média, tempo de emprego e horas contratuais semanais, são tão boas quanto ou
melhores quando estão alocadas nos setores de serviço do que quando estão na
indústria de transformação, teoricamente sua atividade-fim (REBELO; MOREIRA;
LOPES; COURA, 2018).
Evidencia-se, portanto, que as diferenças de remuneração, jornada e tempo no
emprego estão muito mais associadas às características dos setores e à qualificação
dos trabalhadores que a questões relacionadas à terceirização ou não das atividades.
Claramente, os problemas se concentram onde há a contratação de um volume
elevado de trabalhadores pouco qualificados, portanto, mais desprotegidos.
Além disso, constata-se uma predominância de estudos do tipo estudo de caso,
com abordagem qualitativa. São encontrados, por sua vez, poucos estudos do tipo
levantamento, com abordagens teórico-metodológicas mais robustas, para verificar
relações causais entre o processo de terceirização e o estresse, doenças relacionadas
ao trabalho, riscos de acidentes e sofrimento psíquico (BELCHIOR, 2018).
O que fica aparente é que a terceirização tenha impactos negativos sobre a
saúde e qualidade de vida do trabalhador, ocasionando doenças e sofrimento
relacionados ao trabalho. No entanto, os fatores que podem resultar na deterioração
da saúde dos profissionais terceirizados são estudados predominantemente de forma
isolada nos artigos, não sendo possível identificar as inter-relações entre os mesmos
(BELCHIOR, 2018).
Assim, há uma lacuna de estudo das inter-relações entre estes fatores, de
forma a investigar o processo saúde doença desses profissionais, as condições de
trabalho a que são submetidos e os processos de saúde-adoecimento deles
(BELCHIOR, 2018).
Não obstante, a formação da base de dados não é discutida de maneira clara,
o que é extremamente problemático no caso brasileiro, uma vez que as bases de
dados usualmente utilizadas para estudar o mercado de trabalho no Brasil não
apresentam uma divisão clara entre trabalhadores terceirizados e não terceirizados
(BELCHIOR, 2018).
Além disso, a relação inferida entre acidentes de trabalho e a terceirização
baseia-se apenas no alto número de trabalhadores terceirizados que sofrem acidentes
em determinados ramos industriais.
Existem, contudo, pelo menos duas outras explicações adicionais para a
mencionada correlação. A primeira é de que os trabalhadores que costumam aceitar
contratos terceirizados podem ser mais propensos ao risco e se acidentar mais e a
segunda é de que as empresas que terceirizam suas atividades podem realizar
atividades mais perigosas (BELCHIOR, 2018).
Assim, nota-se que não se pode estabelecer uma relação de causa entre a
terceirização e um aumento de acidentes de trabalho, a não ser que haja um controle
também para os fatores indicados.
Há também a questão também de que a falta de regulamentação do trabalho
terceirizado e sua restrição às atividades levaram a uma maior concentração em
atividades auxiliares à atividade produtiva, como por exemplo, de limpeza e controle
de portarias, que possuem como características a baixa qualificação de sua mão de
obra e condições de trabalho piores que a média de outros setores, como é o caso da
indústria de transformação (REBELO; MOREIRA; LOPES; COURA, 2018).
Dessa forma, com o foco da análise em setores que utilizam mão de obra mais
qualificada, percebe-se que o fato de esse trabalhador estar ou não alocado em uma
empresa terceirizadora de mão de obra, pouco influencia em suas condições de
trabalho: remuneração, jornada e tempo no emprego. Em alguns casos, até mesmo
melhora sua remuneração. Sendo assim, a mera comparação de médias,
desconsiderando-se esses fatos, leva a conclusões equivocadas e a generalizações
distorcidas, que não necessariamente refletem a realidade (REBELO; MOREIRA;
LOPES; COURA, 2018).
REFERÊNCIAS

BELCHIOR, Carlos Alberto. A terceirização precariza as relações de trabalho? O


impacto sobre acidentes e doenças. Revista Brasileira de Economia. V. 72. N. 1.
P. 41 – 60. ISSN 1806-9134. DOI 10.5935/0034-7140.20180003. Publicado em: Jan
– Mar, 2018.

REBELO, André Marques; MOREIRA, Guilherme Renato Caldo; LOPES, Guilherme


Byrro; COURA, Eduardo Batista. Terceirização : o que os dados revelam sobre
remuneração, jornada e acidentes de trabalho. Capítulo 3. Publicado em:
Terceirização do trabalho no Brasil : novas e distintas perspectivas para o
debate. Organizador: André Gambier Campos. Brasília: Ipea, 2018.

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