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E COLEÇÃO GEOGRAFIA

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nte  _ B e r t j j a K . B e c k e r
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nali OLIVER DOLFUS Y  v
 v e s  Lacoste e
^an A Análise Geográfica Geografia do Subdesenvolvimento
de c O Espaço Geográfico Os Países  Subdesenvolvidos C laudio A. G. Egler 
iais PlERRE MOMBEIG R.J. JOHNSTON
v'isti O Brasil Geografia e Geógrafos
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dial,  N e il Sm i t h J. O . A y o d e
 Desen volvime nto D esigual  Introd ução d Climato logia dos Tr ópicos
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Espaço e Lugar - P erspectiva
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David Clark 
 Introd ução à G eografia Urbana Brasil
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Experiência

M i c h e l B e c u e ry
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K.J. G r e g o r y
A Natu reza da Geografia Física Uma Nova Potência Regional
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A Exploração dos Oceanos

Josê A. F. Diniz
Claude Mangazol
 Lógica do Espaço Indu strial na Economia-Mundo
 ïg o Geografia da Agricultura  A. C h r i s t o f o l e t t i e o u t r o s
Perspectiva da Geografia
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P i er
er r e G e o r g e
lo I Geografia Agrícola do Mundo J a c q u e s V e r r i ê re
re
est:  A Geografi a Ativ a As Políticas da População 39 EDIÇÃO
irog Geografia da População
o. j; Geografia Econômica D a v i d   D r e w

E: Geografia Industrial do Mundo Processos


Processos Interativos Homem -Meio
Geografia Rural  Amb ient e
ias Geografia Urbana
•lais Os Métodos da Geografia D. K. Fo r d e s
"íras: Panorama do Mundo Atual Uma Visão Crítica da Geografia do
cmei Populações Ativas Subdesenvolvimento
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nA E l i a s d e C a s t r o Lucia Helena O . Gerardi e Barbara-
pobr O Mito da Necessidade C h r i s t i n e  N. S i l v a
cão, Quantificação em Geografia
crisè C. M c E v e d y gg
R(  Atlas Histórico-G eográfico Universal
i^eog B E R T R A N D B R A S IL
i nia-:
Copyright ©  Cambridge University Press,
Press, 1992

Capa: projeto gráfico de Felipe Taborda

1998
Impresso no Brasil
 Printed in B raz il 

Sumário

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional d os Editores de Livros, RJ.
RJ.

Becker, Bertha K.
B35 6b Brasil:
Brasil: um a nova potência regional na economia-mu ndo / Bertha
3a ed. K. Becker, Claudio A. G. Egler. —3a ed. - Rio de Janeiro: L i st
st a d e  F i g u r a s 7
Bertrand Brasil, 1998.
272p. —(Coleção
—(Coleção Geografia)
L is t a d e  T a b e l a s 11
Inclui bibliografia
ISBN 85-286-0172-2 Pr e f á c i o 13

1. Geopolítica —Brasil.
—Brasil. 2. Planejamento regional —Brasil.
—Brasil. 3. I A Ambivalência
Ambivalência de uma Potên cia Re gional 17
Brasil —Condições econômicas. I . Egler, Claudio A. G. II. Título.
III. Série. Um continen te desconhecido 18
CDD-320.120981
94-1537 CDU-32:918.1 Capitalismo histórico, economia-mundo e
semiperiferia 24
Uma via autoritária para a modernidade 29
Este livro 36
Todos os direitos reservados pela:
BCD U NIÃO DE EDITORAS S.A. XI A In c o r p o r a ção do  B r a s il
il n a  E c o n o m i a -M u n d o :
Av. Rio Branco, 99 —20° andar —Centro da Colô n ia
ia à  I n d u s t r i a l iz
iz a ç ã o N a c i o n a l 37
200 40- 004 —Rio de Janeiro —RJ
—RJ
Tel.: (021) 263-2082 Fax: (021) 263-6112 O período colonial 40

Não é permitida a reproduçã


reproduçãoo total ou pardal desta obra, por quaisquer
quaisquer
O império mercantil 53
meios, sem a prévia autorização por escrito da Editora. O Estado e a industrialização nacional 67
 Atendemo
 Atendemoss pelo Reemb
eembolso
olso Posta
Postal.
l.
A questão nacional, redefinida, passa hoje no plan o interno
 pela que stão social e a const ruçã o da naç ão; e a autonomia , no
 pla no exte rno, passa pela ques tão tecnológi ca e d a dívida. A
inflação e a dívida externa constituem os desafios que o Brasil
enfrentará nas próximas décadas e cuja solução dependerá
também da trajetória dos Estados Unidos na economia-mundo.

5 _______________ 
O L e g a d o d a  M o d e r n i z a ç ã o C o n s e r v a d o r a e a
Reestruturação do Território

O Brasil ingressou na modernidad e pela via autoritária, e o


 projeto geopolítico do Brasil-Potência, e laborad o e gerido pe
las Forças Armadas, deixou marcas profundas sobre a socieda
de e o espaço nacionais. A economia brasileira alcançou a
 posição de oitavo PIB do mundo , seu pa rque ind ust rial atingiu
elevado grau de complexidade e diversificação, a agricultura
apresentou indicadores flagrantes de tecnificação e dinamis
mo, e uma extensa rede de serviços interligou a quase-totalida-
de do território nacional.
 No enta nto , a m aioria da .pop ulação bras ilei ra não partic i-
 pqu^ire tame nte ^das .benesses do crescim ento e conóm ico. Õ
Brasil.inaugurava. a m odernidade da pobreza. Não a pobreza
 prim itiva , ma s aque la ilu minad a pela p equ ena jan ela das telas
dos aparelhos de televisão, que se espalhavam nas centenas de
milhares de casas, casebres e favelas. Conectando ricos, reme
diados e pobres no m undo ilusório e utópico das novelas e dos
noticiários programados, a ideologia eletrônica da televisão

168 169
cumpriu no Brasil um papel único no mundo, en quanto instru trapôs-se uma sociedade sub terrânea, “paralela”, “não oficial”,
mento de política social e formação de opinião durante o pe que criou suas próprias regras e suas formas específicas de
ríodo autoritário e mesmo depois dele. resistência.
A mode rnidad e funde-se com a pobreza em um tecido com
 plexo. Com o explicar a ha bilida de de m ilhare s de m ecân icos
existentes ao longo de um a vasta rede rodoviária, capazes de
manter uma frota diversificada de veículos, sem que jamais A explosão demográfica que não houve
tenham freqüentado uma escola e, em grande número, sequer
saibam ler e escrever? Não se trata do “arcaico”e do “mode rno”
separa dos po r uma nítida linh a divisória, dos “dois brasis”, ou O declínio da natalid ade constitui-se talvez na transforma
da Belíndia, uma Bélgica com uma índia. É mais do que isto, ção mais importante para o país neste fim de século e tem
é uma estrutura híbrida, ambivalente, instável, porém muito implicações ainda não conhecidas. O desconhecimento d a nova
dinâmica. Este é o legado da mod ernização conservado ra, que realidade decorre do caráter inédito das tendências recentes,
será analisado neste capítulo ao nível social, econômico e es do fechamento d as informações em círculo restrito de especi
 pacial.  L-0 Lpc ^ o alistas e da campanha internaciona l contra a ameaça da “explo
são demográfica” (Martine, 1989).
A transição demográfica no Brasil —passagem de altos para
 bai xos níveis de natalida de e mortalida de —se distingue da tran 
A modernidade da pobreza sição clássica dos países europeus por duas características
 básicas. A pri me ira é a velocid ade da transiçã o brasileir a qua n
do comp arada aos padrõ es tradicionais. O Brasil, como outros
A modernização conservadora gerou uma pobreza específi  países periféricos, está comp letand o, em alg umas déc ada s,
ca, associada à modernid ade. A problemática social da semipe- transformações que demoraram de um a dois séculos para se
riferia se manifesta em um grande descompasso entre expan concretizarem na Europa. E tal velocidade está associada à
são das red es de serviços e de equipamento s coletivos e o pre redução violenta e surpreendente nos níveis de fecundidade,
cário estado social da nação. O regime autoritário te ntou fazer com conseqüência para o crescimento vegetativo da popula
uma massificação das políticas sociais, degradando com isso ção. O nível mais elevado do crescimento vegetativo brasileiro
a qualidade dos serviços. O problema gerencial, operacional e ocorreu nas décadas de 1950 e 1960 (2,9% ao ano) devido à
administrativo das políticas sociais “foi o espaço esquecido do qued a do nível de mortali dade associa da à industriali zação. Mas
aparelho estatal” (Lessa, 1990). desde o final dos anos 60, a natalidad e começou a declinar, e
 No ent ant o, a malha “pr ograma da” gero u efeito s impre vis o censo de 1980 revelou que a fecundidade caíra de forma
tos —externalidades do modelo —significando profun das mu drástica e generalizada em todo o país, tanto nas cidades como
danças estr uturais, como foi o caso da “revolução demográfi nas áreas ru rais (Fig. 5.1). Essa tendência se confirmou na déca da
ca” e da fragmentação social. Além disso, a dinâmica social de 80; entre 1980 e 1984, o número médio de filhos de uma
escapa à regulação estatal; à estrutura oficialmente regulad a con  bra sileira teri a de 4,35 par a 3,53 , um declínio de 19%. Este

170 171
declínio foi ainda mais espetacular no Nordeste. Em conse Particularm ente, as políticas de telecomunicaçõe s, saúde, trans
qüência, o ritmo de crescimento demográfico caiu para 2,5%  por tes e edu caçã o acelera ram a difusão de valores, do c onhe 
na década de 70, estimando-se que atualmente esteja em torno cimento e de novas práticas e atitudes c ulturais que estimula
de 1,8% (Martine, 1989). ram o controle da natalidade e, ao mesmo tempo, os métodos
de controle tom aram-se mais acessíveis. Em pesquisa recente,
observou-se que 73% das mulh eres casa das na faixa de 15 a 44
anos já haviam utilizado a pílula anticoncepcional, sendo que
93% destas haviam comprado o produto diretame nte nas far
mácias, sem nenhum preparo prévio ou acompanhamento
médico (Martine, 1989). Em suma, a população brasileira e ntrou
na era da pílula sem sair da era da miséria.
A disjunção entre indica dores econômicos e sociais sugere
que o c omportamento demográfico e social não está mais rigi
damente ligado às oscilações da economia, não tendendo a se
reverter por que das tem porárias de renda. Significa que, até o
final do século, o Brasil apresentará padrões de fecundidade e
de crescimento populacional próximos aos dos países desen
volvidos nos dias atuais.
/
1840
-
1860
'
1880
/ 1900
/ /
1920
/
1940
/
1960
/
1980
/ 2000
/ 2020

• TAXA DE NATALIDADE TAXA DE MORTALIDADE

O estado social da nação -


Figura 5.1 Transição demográfica no Brasil —1840-2020.
(Fonte: Martine, 1989)
Mais da metade da população brasileira é pobre. A pobreza
da nação se m anifesta sobretudo nas altas taxas de analfabetis
mo, nas baixas rendas e nas precárias condições devida. Quase
A segunda característica é que a transição não se associa um terço da populaç ão com mais de cinco anos é analfabeta,
diretam ente à melhoria nas condições materiais de parcelas cada e está concentrada principalmente no Nordeste. Embora o
vez maiores da população. O declínio das taxas de natalidade núm ero de escolas tenha au menta do, o ensino básico faliu: hoje
não foi fruto de uma política deliberada do governo, mas a a criança brasileira permanece, em média, apenas duas horas
modernização acelerada está na raiz de sua explicação. Trata- e meia por dia na escola, e as taxas de analfabetismo são desi
se de impactos ind iretos imprevistos de uma série de políticas guais por sexo e por regiões. (Tabela 5.1)
e gastos governamentais para a m odernização da infra-estrutu
ra básica e d os serviços públicos (Faria, 1988; Hirschman, 1986).

172 173
5.1 Tabela T a b e l a 5.2
Taxas médias de aljabetismo no Brasil por região e sexo -  Distribu içã o da ren da no Brasil - 1970-89
 I  . , 1970-1988 (% ),
c[ \ v M % 1970 1980 1986 1989

Centro- Inferior 10- 1,2 1,1 1,0 0,6


 N or te 1 N or d es te Su de st e Su l Oeste Brasil2
50- 19,4 12,6 12,5 10,4
Homens 48,8 53,2
1 97 0 5 4 ,9 3 8 ,8 74,1 7 2,1 5 8 ,7 6 2 ,0 10+ 46,7 50,9
1980 61,2 4 5 ,9 8 0 ,8 8 1 ,4 6 8 ,2 6 9 ,3 Superior i+ 14,7 16,6 15,2 17,3
1988 7 9 ,8 5 4 ,0 8 4 ,4 84,5 77,2 75,1
I D IJ L, L c n b U i u r a i u g w i i r a w vv . . 10Q, ,QnQ
IBGE, Pesquisa Nacional po r Amostragem Domiciliar (PNAD), 1986, iy»y .
Mulheres
1970 5 3 ,7 3 9 ,6 6 9 ,0 6 8,1 55 ,1 58,6
1 98 0 6 0 ,9 4 9 ,4 7 7 ,6 7 8 ,7 67,6 68,2
1988 8 0 ,6 5 9 ,4 8 2 ,9 8 3 ,2 77,8 75,8

Total
1970 5 4 .3 3 9 ,2 7 1 ,6 7 0,1 5 7 ,0 6 0 ,3
1 98 0 61 ,1 4 7 ,7 7 9 ,2 8 0 ,1 6 7 ,9 6 8 ,8 no Sudeste. Um terço dos brasileiros que trabalham recebe até
1 98 8 8 0 ,2 5 6 ,7 8 3 ,6 8 3 ,8 7 7 ,5 7 5 ,4 um salário mínimo (Tabelas 5 . 3 a e 5.3b).
1 Dados de 1988, exclusive população rural.
2 Dados de 1988, exclusive população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 1980.
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 19Ç8.

T a b e l a 5. 3 a
 Desigualdad es de renda p or sexo - 19 81 -198 91
(renda média mensal em dólares)

Sexo 1981 19 83 1985 1987 1989


A pobreza está relacionada à baixa remuneração do trabalho
TÕtãl 155,72 137,75 163 01 178,26 209,27
não qualificado em oposição à alta remuneração de serviços Homens 250,48 219,83 258,59 277,61 327,64
técnicos e gerenciais, e a distribuição desigual da renda aumen Mulheres 64 ,77 58,48 71,52 83,85 97,44
tou. (Tabela 5.2) 1 Exclusive populaç ão rural da região Norte.
Apesar da redução das desigualdades regionais —devido Fonte: IBGE, 1990b.
aos ganhos reais registrados no Nordeste e no Centro-Oeste — 
a concentração da renda cresceu. Cerca de 60% da população
economicamente ativa que recebe algum rendimento (52,4
milhões de indivíduos dos quais 35 milhões de homens) não
ultrapassam a casa de dois salários mínimos, o que demarca a
linha de pobreza, atingindo o máximo no Nordeste e o mínimo

174 175
Tabela 5.3b T a b e l a 5 .4
 Desigualdades regiona is de renda - 1989  Abastecim ento de águ a e esgoto po r regiões (%) -
(renda média m ensal em dólares) 1970-1986 
Centro-
Brasil1 Norte2 Nordeste Sudeste Sul Oeste Abastecimento de água Esgoto
Total 209,27 217,02 107,10 265,28 212,44 235,34 Região 1970 1980 1986 1970 1980 1986
Homens 327,64 335,74 169,46 413,25 333,27 368,86 Brasil 32,8 54,9 69,9 26,6 43,2 51,1
95,12 106,39 Norte .19,2^ 39,2 '81,9 -, 8,8 20,4 51,8
Mulheres 97,94 108,86 48,97 126,83
Nordeste 1 2 , 4 ^ 31.6 47,4 8,0 1-8,2 28,2
1 Exclusive população rural da região Norte.
2 Exclusive população rural. Sudeste 51,6 72.6 84,íb 43,9 63,5 71,3
Fonte: IBGE, 1990b. Sul 25,3 52,0 65,4 20,1 40,3 55,1
Centro- 19,9
Oeste 41,7 58,8 15,0 21,8 29,6
1 Exclusive população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos de 1970 e 1980.
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), 1986.
Além disso, os trabalhadores carecem de amparo legal.
Embora legalmente se exija dos empregadores que assinem a
carteira de trabalho de seus empregados, somente um pouco
mais da metade dos trabalhadores tem carteira de trabalho
assinada, carteira que garante o acesso ao seguro-desemprego, O campo bra sileiro não é comparável às áreas rurai s da África,
tribunais do trabalho e benefícios públicos. Esta maciça evasão Ásia, nem mesmo com grande parte da América Latina. A
do registro legal é uma das mais impressionantes violações da  pobr eza rela cio nad a ao c amp o bras ilei ro está fo rtem ente liga
lei no país. Em todos esses aspectos, a pior situação ocorre no da aos centros urbanos . A maior parte da população de mise
 Nord este e entre as mulhere s. Precárias condiçõ es de vida das ráveis ocorre em áreas “urbana s”, isto é, núcleos urbanos com
famílias e mortalidade infantil são corolários dessas situações. menos de 20.000 habitantes, onde a população d epende tanto
O acesso desigual e inadequado aos serviços públicos reduz a de empregos sazonais e temporários_na agricultura como de
renda real. Um dos piores problemas que afetam a saúde é a empregos nas cidades?-®  j •

: ausência de rede de esgotos, situação que é particularmente grave Informações sobre salários, renda, acesso às amenidades,
no Nordeste (Tabela 5.4). Na década de 80, com a crise fiscal  prot eçã o trabalhista e alfabetismo. evidenciam que a pobrez a
do Estado, os serviços sociais se deterioraram ao extremo, assi m está concentrada no campo, no Nordeste e entre as mulheres.
como a escola pública. A violência se intensificou nas rua s, bair Em contrapartid a, as estatísticas sobre as condições sociais pou
ros e domicílios, e o sistema de transporte coletivo, irregular e co dizem sobre as estratégias de sobrevivência criadas pela
apinhado, tri tura a existência cotidiana do trabalhador, que gasta  popul ação pa ra comp leme nta r a renda familia r e resis tir à
grande parte dos seus dias em longas viagens da residência para  pob reza a bsolu ta. Indícios dessa estratégia pa rece m ser o de
 I  o trabalho. clínio da fecundidade e a crescente mobilidade do trabalho.

í } Áf •
17ê 177
 A mo bil idade do trabalho

A concentração do capital e o crescimento econômico não


repousaram apenas na repressão salarial, mas também na ex
traordinária intensificação da mobilidade histórica dos trabalha
dores. O processo migratório resultou não só na ampliação da
margem de pobreza, mas na emergência de novas frações sociais
que compõ em o universo da sociedade capitalista. Simultane
amente, intensificaram-se a rotatividade do emprego e a “poli-
valência”, isto é, o exercício de múltiplas tarefas ou múltiplos
empregos por um mesmo indivíduo.
Esta mobilidade espacial e social foi induzi da pela mod erni
zação das firmas, por políticas trabalhistas explícitas, bem como
 polític as nã o ex plícitas, t end o dois condic ion antes p rin cip ais.
De um lado, a atração exercida pelos espaços dinâmicos, com
novas oportun idade s de emprego e/ou de acesso à,terra, sobre
tudo no Sudeste, nas metrópoles e, secundariam ente, na fron
teira (Centro-Oeste e Amazônia) (Fig. 5.2). De outro lado, a
modernização da agricultura que liberou a mão-de-obra rural
em todo o país, retirando do Nordeste a quase exclusividade
que possuía como fornecedor de migrantes. A mecanização
subsidiada pelo governo, cujo melhor exemplo é o cultivo da
soja, transformou o Estado do Paraná, de uma “fronteira móvel
cafeeira” no maio r exportad or de mão-de-obra em apenas uma PoticipoçaoR elativa
C D I m i gr a nt e s
década (1970/80). A concentração da propriedade da terra Emigrantes
decorren te de sua valorização e do acesso diferenciado ao cré
dito resultou na expropriação violenta de pequenos p roduto Intensidadedosfluxo s

res (posseiros, parceiros, pequenos proprietários, etc.). 200 O 400


UI i I i 1 i I
800 1200

Em conseqüência, a mobilidade passou a se dar na escala Milhares de habitantes


nacion al e se fragmen tou a estru tura de classes sociais. A
mobilidade está em grande par te associada à formação de um
novo mercado de trabalho com especificidades regionais. For Figura 5.2 Fluxos migratórios no Brasil —1970-1980.
mou-se um proletariado diversificado, cujo primeiro tipo é o (Fonte: Ablas e Fava, 1984)
 prole tar iad o móvel rural -ur bano. Nas áreas onde o mercad o de

178 179
ti >s

!
trabalho é melhor organizado, como São Paulo, assalariados O novo significado da urbanização
rurais permanentes foram transformados em trabalhad ores tem
 porários que vivem nas cidades e vão traba lha r diariam ent e no
campo, “osbóias-frias”. Em áreas menos capitaliz adas, o c am Uma urbanização com ritmo acelerado, cujas taxas são das
 pesina to tradicional se adaptou, transformando-se em semipro- mais elevadas no mundo, constitui a maior força por trás da
letários e semicamponeses, vendendo o seu trabalho alternati modernização autoritária, atuando como um instrume nto e um
vamente para o mercado urbano ou rural depende ndo da esta  prod uto das pol ític as gove rnam entais, dos seus efeitos não
ção, e residindo em áreas urbanas. Esse processo significou  prev isto s e dos ajustes espontâne os d a soci edade. Isto porqu e
maior instabilidade e exploração do trabalho, pois permite a urbanização é o nexo da articulação do Brasil à economia-
manter baixos os salários, induz à ampliação da jornada de mundo como semiperiferia. Os núcleos urbanos são a sede das
trabalho e “libera” os patrões das obrigações trabalhistas. novas instituições e da circulação de bens, capital e informa
Um segundo tipo de proletariado corresponde aos emprega ções e são também o lugar onde a força de trabalho, expulsa
dos no se tor urbano formal e informal das grandes cidades e  pela mo dernizaçã o agrícola, reside, circula e é ressoc ializada ,
que respond e em grande p arte por seu crescimento. Ressalta, ingressando na modernidade da pobreza.
de um lado, a formação de um operariado de melhor qualifi As transformações estrutu rais da economia e da sociedade
cação associado à expansão da indústria metal-mecânica em que caracterizam a semiperiferia assumem forma concreta e
São Paulo. De outro lado, uma fantástica massa de em pregadores expressão máxima na formação de uma cidade mundial, São
e empregados co nstituindo um a “economia paralela” que foge Paulo, que se toma um dos centros de controle e acumulação de
da regulação oficial. Ainda pouco estudada, essa massa inclui capital em escala planetária. SãoPaulo passaa terpo dern ão apenas
atividades muito diversificadas, que vão desde o pequeno ven como mais importante núcleo produtivo do país, mas sobretudo
dedor am bulante até as pequenas indústrias. como veículo de articulação financeira, de informação, de P & D,
A expansão e diversificação da classe média associada ao de indústrias de ponta com a economia-mundo. Preenche, as
Crescimento dos setores secundário e terciário e do aparelho sim, duplo papel: estabelece o nexo com a economia-mundo e
do Estado constituem um dos fatos mais marcantes da trans exerce o comando da integração econômico-financeira-tecnológi-
formação da sociedade brasileira nos anos 60 e 70. Sua situa ca do território nacional como cabeça de sua rede urbana.
ção é instável, na medida em que tem uma propens ão consu-
mista superior aos meios de que dispõe para satisfazê-la e é
sobre quem recai o pesado fardo dos impostos da “economia
oficial”. Urbanização acelerada

O Brasil se transformou em um país urbano, em poucas


décadas, comprimindo no tempo um processo que alhures se
fez muito mais lentamente. As áreas urbana s passaram a con
centrar 80 milhões de indivíduos. Ao contrário dos países la-
tino-americanos como os do Cone Sul, que têm urbanização
mais estabilizada, o Brasil manifesta um processo extrem amente
dinâmico devido, em grande parte, ao próprio crescimento
urbano —que não se reduz à mera “inchação” das cidades —à
mobilidade da população e à fronteira móvel.

T a b e l a 5 .5
Taxa de urbanização no Brasil - 1950-1989
População População Urbana %
Ano Total Absoluta
1950 51.944.397 18.782.891 36,2
1960 70.197.370 31.533.681 44,9
1970 93.139.037 52.084.984 55,9
1980 119.002.706* 80.436.409 67,6
1989 144.293.110 107.239.796 74,3
* Não está incluída a população rural da região Norte.
Fonte: IBGE, Censos Demográficos, 1950, 1960,1970 e 1980.
IBGE, 1990b.

Entre 1950-80, dobrou o número total de cidades, mas o


crescimento mais significativo ocorreu nas c idades médias e
grandes. As cidades de mais de 100.000 habitantes passaram
de 11 para 95, representando em 1980, 48,7% da população
urbana do país. Dois movimentos complementares caracteri
zam a urbanização: a acentuação da concentração e a tendência
à dispersão espacial (Davidovich e Friedrich, 1988). (Fig. 5.3)
Em termos de concentração, as regiões metropolitanas au
mentaram sua participação relativa, nos anos 70, de 25,5% para
29,0% do total da população urbana. A indústria teve papel
central no crescimento das metrópoles e das aglomerações
urbanas imediatamente abaixo deste nível. Somente as regiões
metro polita nas de São Paulo e Rio dej ane iro —com 12 milhões Figura5.3 Urbanização brasileira pormesorregião -1970-1980.
e 9 milhões de habi tante s, respecti vamente —jun tas respondi- (Fonte: Egler, 1989) '  j~ T '/ 7. ) p>  j'-. >* n
am, em 1980, por 75,4% do pessoal ocupado e quase 65% do constit uem em locais de reprodução d a força de trabalho móvel,
valor da transformação na industrial em todo o país. razão pela qual muitos são tam bém efêmeros, deslocando-se
Estas metrópoles são secundadas,.tanto ao nível do cresci com o deslocamento das frentes (Becker, 1984).
mento demográfico, como de situação de renda, por dois tipos
de cidades: a) as que correspondem à desconcentração ind us
trial de São Paulo ou à implantação da fronteira científico-tec-
nológica, e tiveram crescimento demográfico superio r ao da Pobreza urbana
 pró pri a região m etro politana paulista, como é o caso de Cam 
 pin as e São José dos Campos; b ) regiões me trop olit ana s com
indústrias ou pólos industriais avançados, como Belo Horizon A urbanização foi sustentada em grande parte por um a es
te (metalurgia e material de transporte), Salvador (petroquími magadora m aioria de mão-de-obrabarata e pobre (Santos, 1979).
ca), Curitiba e Porto Alegre (indústrias diversificadas). E ainda assim, o trabalho urbano significa ascensão, pois a
A tendência à dispersão urban a, tanto em termos p opulacio  pro po rção de tra ba lhad ores na faixa inf eri or a um salário
nais, como de renda, se faz por três modalidades, movidas po r mínimo foi de cerca de 25% no Brasil urbano, bem inferior à
fatores que não se ligam diretamente à indústria, geralmente  perc enta gem de 38 % do país como um todo.
correspondendo a posições de contato entre áreas de economi Apesar da multiplicidade de tempos e espaços, persiste, ao
as diversas. A primeira modalidade é a extçnsão contínua de nível regional, a polaridade riqueza/pobre za entre o Nordeste
centros urbanos a partir da cidade mundial; trata-se de cidades e São Paulo. No Nordeste, além da pobreza rural, a urbaniz ação
ricas que baliza m regiões de agricultura diversificada e regiões com industrialização induzida não resu ltou na elevação da renda
 basica mente pecua rist as por onde avan ça a agricu ltura mod er dos trabalhadores, mesmo nas grandes concentrações metro
na da soja e da cana-de-açúcar.  pol itanas . Existe um pa drã o norde sti no de urbanizaç ão: as
A segunda é a formação de uma ampla frente urbana de cidades apresentam prevalência de baixa renda, em que mais
interiorização correspondente às grandes capitais estaduais dos de 50% da PEA urbana recebem até um salário mínimo.
Estados do centro-norte, quejbalizaina urbanização no in terior Ao nível intra-regional e intra-u rbano —a dispa ridade se re
como pontos de contato e intermediação entre as bordas da  produz . A região metropolitan a de São Paulo é muito mais rica
cidade mundia l e áreas de avanço da fronteira. Papel central na do que a do Rio dejaneiro, e a pobreza está contida dentro das
 pre sen ça de gra ndes pop ula çõe s e de renda s rela tivamente grandes metrópoles. Na região metropolitana de São Paulo, a
elevadas deve-se ao Estado. O expoente máximo de ssa situação  pro porção de traba lhador es ga nha ndo até um salá rio m ínim o
é Brasília, a capital da geopolítica, que registrou a maior pro é 9,2%; na do Rio dejaneiro é superior a 14,0%, e na de Belo
 porç ão no país da PEA urb ana nas mais a ltas classes de renda. Horizonte alcança quase 21%.
A terceira modalidade da dispersão é característica da fron Crescimento econômico com pobreza crescente, movimen
teira. Inclui centros regionais e locais que constituem a base tos espontâneos na economia informal e estruturas econômi
logística das frentes de expansão agropecuárias e minerais; inclui cas formais se complementam para sustentar o crescimento
também o crescimento explosivo de pequenos núcleos disper metropolitano. A pobreza, por um lado, constitui um entrave
sos vinculados à abertura da floresta ou a garimpos, que se à maior expansão das grandes empresas; mas, por outro, per-
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mite a proliferação de fabricação menos capitalizadas e criado infra-estrutura, como também avançando à frente do setor pri
ras de emprego. O mercado unifica a economia urbana e, quan vado em segmentos industriais considerados estratégicos para
to maior a cidade, maior a possibilidade de multiplicação de a consolidação do projeto geopolítico.
atividades informais. Explica-se, assim, a expansão do empre
go —ainda que rotativo e mal remun erado —na indús tria me
tropolitana, ao contrário do que ocorre nas economias centrais.
 No caso brasileir o, a periferia cresce com a ind úst ria e a migra Complexos industriais
ção da população de baixa renda. O lugar da riqueza torna-se
literalmente o lugar da pobreza (Santos, 1989).
As metrópoles tornaram-se também o lugar da crise urbana, Com o resulta dode sta política, em 1979, o setor industrial
das carências sociais de vários tipos manifestando em movi respondia por_38%^clo PIB, e a participação dos manufatura
ment os de “posse iros”, de “invasões dos sem-teto” e loteamen- dos, que segundo o critério do Banco Mundial corresponde ao
tos clandestinos. Elas têm os problemas de gestão complexa segmento mais dinâmico da indústria, atingia 28% do PIB. A
comum às grandes aglomerações urbanas que se repartem entre estrutura ind ustrial brasileira sofreu uma transformação subs
distintas adm inistrações locais, bem como os problemas espe tancial nas últimas du as décadas (Tabela 5.6). Esta mudança
cíficos das cidades de economias periféricas, resultando em ele é explicada, em grande parte, p or variações nas participações
vado potencial de conflitos reivindicatórios de direito à ci de apenas quatro ramos industriais: metalurgia e produtos quí
dadania. micos, que aument aram sua participação, e têxteis e alimentos
As grandes aglomerações urbanas tornaram-se o palco prin que reduziram sua participação (Penalver, et al,  1983:9).
cipal da luta pela redemocratização da sociedade e pela preser
vação do parque in dustrial nacional. Amais viva expressão deste
 proces so foi a eleiçã o de Luiza Eru ndina, mul her, mig rant e
nordestina e ativista do Partido dos Trabalhadores, para a T a b e l a 5.6
Prefeitura da cidade mundial brasileira em 1989. Taxas de crescimento das categorias industriais no Brasil
- 1966-1980 (índices percentuais anuais)

Indústrias 1966/67 1 96 8/7 3, 1974/80


Complexos e redes: a armadura do território Bens de consumo 4,8 11,9 5,0
a) duráveis 13,4 23,6 7,7
transportes 13,1 24,0 3,3
elétricos 13,9 22,6 15,5
Entre 1967 e 1982 uma crescente transnacionalização da b) não-duráveis 3,6 9,4 4,5
estrutura produtiva e um elevado endividamento externo se Bens de capital 4,5 18,1 -7,1
verificaram no país. O Estado autoritário, de modo distinto dos 'Bens intermediários 6,8 13,9 6,8
demais países vizinhos do Cone Sul, procurou su stentar níveis 1^onte: Penalver, M. ct a!., 1983
elevados de investimento, não apenas expandindo a rede de n Çi Pv C
fv. i - y u ia   ' t u10
T ffv ^

186 187
Em 1962, a metalurgia e os produtos químicos respondiam
 po r 20,5% do tota l da pr odução industria l, en quanto têxteis e
 produtos alimentares atingia m 34,3%. Em 1980, a situação havia
se invertido, com os dois primeiros ramos dinâmicos respon
dendo p or 33,8% e estes últimos por 21,1% do valor da pro
dução manufatureira. A situação se manteve essencialmente a
mesma pa ra os demais ramos, exceto a indúst ria mecânica, cuja
 participaç ão cresceu regu larm ente de 2,9% em 1962 para 7,8%
em 1976, declinando ligeiramente para 6,4% em 1980.
Os efeitos desta dinâmica, aliados ao próprio movimento
interno da economia, vão se refletir de modo contraditório sobre
a distribuição territorial da indústria no Brasil. De um lado,
reforçam-se as tendências concentradoras do padrão espacial
fundado na concorrência oligopólica. De outro, observa-se a
disper são do investim ento em localizações privilegiadas, como
 por tos, distrit os ind ust riais ince ntivados e a Zona Franca de
Manaus. (Fig. 5.4)
É importante ressaltar que este movimento tem pouco a ver PRODUÇÃO INDUSTRIAL
com a emergência d 2 uma indú stria regional que se configuras
se como uma estrutura produtiva relativamente autônoma. Pelo
contrário, o deslocamento espacial do investimento industrial,
que se acentua nos a nos 70, foi um processo complementar e
articulado à acumulação no núcleo industrial consolidado. O
desenho da nova divisão territorial do trabalho no Brasil assu
me os contornos ditados pela própria estrutura industrial, com
CRESCIMENTO
a conformação de complexos fortemente integrados, como é o 1 9 7 0 / 80
exemplo do químico e do metal-mecânico. ES3 1 -
A divisão em complexos industriais é a mais adequada para T i l s - io •/•
analisar a nova divisão territorial do trabalho resultante da £23 io •/•
inserção do Brasil como semiperiferia na economia-mundo
(Tabela 5.7). Primeiro, porque rompe com a segmentação entre
indústria, agricultura e serviços de apoio à produção, perm itin Figura 5A   Produção industrial e força de trabalho por
do compreender, por exemplo, o Complexo Agroindustrial mesorregião -197 0-19 80. (Fonte: Egler, 1989)
(CAI), como a forma contemporânea de expansão do capitalis
mo no cam po brasileiro. Segundo, porque a e strutura em com-

188 189
 plexo ind ust ria l pe rmite verifica r a separa ção territoria l entre e diversificou vigorosam ente através de investime ntos maciços,
as atividades de gestão e P & D das atividades produtivas ro  princi pal me nte de empres as estatais. Atuando na montagem
tineiras. Assim, enquanto se centralizavam os escritórios de das indústrias básicas do complexo, principalmente na petroquí
gerência e os centros de pesquisa e desenvolvimento, verifica- mica, o Estado comandou o processo de descentralização do
va-se a dispersão de fábricas por diversos pontos do território, setor com a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari,
depende ndo da qualificação necessária da força de trabalho. na Bahia, e posterior men te o de Triunfo, no Rio Grande do Sul.
 No entanto, a dist ribu ição espa cial do comple xo mo stra que
as indústrias de química fina, intensivas em tecnologia, conti
nuam concentradas nas vizinhanças da cidade mundial, onde
T a b e l a 5.7 dispõem de m ão-de-obra treinada e quadros técnicos qualifica
Perfil de eficiência dos complexos industriais -1984 dos indispensáveis para a produção de substâncias químicas
(evolução dos índices de produtividade) de rigorosa especificação. Do mesmo modo, os ce ntros de gestão
do complexo químico, sejam de empresas estatais ou privadas,
Setores Tamanho estão c entraliz ados no eixo Rio—São Paulo, mesmo aquelas cri
Complexos Ascendente Descendente Indefinido Relativo adas para operar no Pólo de Camaçari, como é o caso da Nor
Químico 5,1 31,7 63,2 75,9 deste Químic a S.A. (NORQUISA), cujo escri tório c entral se si
Metal-mecânico 69,9 22,8 7,3 32,1 tua no centro financeiro do Rio de Janeiro.
Agroindustrial 44,8 39,0 16,2 22,0 De modo semelhante, o complexo metal-mecânico expan
Têxtil e calçado 91,5 8,5  —  11,2 diu sua área de atuação não apenas no entorno da cidade
Papel e impressão 43,3 34,4 22,1 4,5 mundial, mas, também, através da ação do Estado, em novas
Construção  —  60,6 39,4 4,3 localizações. O eixo automobilístico do complexo continuou
TOTAIS 45,8 29,2 25,0 100,0
 basicamente concen trado em São Paulo, exceto pela impla nta
 Nota: Set or asce nde nte : pro du tiv ida de cres cen te de 1975 a 1984 . ção da FIAT nas vizinhanças de Belo Horizonte. Entretanto, novas
Setor descendente: produtividade decrescente de 1975 a 1984.
Setor indefinido: produtividade decrescente só depois da crise de 1982.  plantas industriais, tanto mo ntadora s de veículos, como de auto
Fonte: Araújo, J. T. et a l , 1989.  peça s, inici ara m sua o pera ção nas borda s da cida de m undial,
 princi pal me nte no Vale do Par aíba Paul ista e no Sul de Minas
Gerais, onde havia mão-de-obra treinada e com baixo nível de
sindicalização.
A configuração espacial do complexo químico no Brasil é Especial destaque deve ser dado ao eixo eletroeletrônico, pois
ilustrativa deste processo. Originalmente concentrado no eixo sua configuração espacial foi bastan te influenciada pela implan
entre São Paulo e Rio, onde estão estabelecidas as grandes cor tação da Zona Franca de Manaus em 1967 que, devido às faci
 pora çõe s mul tinaci onais, algu mas delas basta nte anti gas no lidades de importação de peças e componentes, reorientou a
mercado brasileiro - como é o caso da Bayer ou da Rhodia es montagem de aparelhos eletrônicos de consumo, como televi
tabelecidas no primeiro quartel deste século —ele se expandiu sões, rádios e aparelhos de som para o interior da Amazônia.
A Zona Franca não deve ser confundida com um a Zona de Pro-

190 191
cessamento de Exportações, pois a maior parcela de sua pro reinventadas sob o co ntrole do capital agroindustrial, como é
dução destina-se ao mercado interno. No entanto, apesar de o caso do colonato, típico das regiões cafeeiras do início do
todas as vantagens fiscais oferecidas, o preço interno dos pro século, que assumem novas dimensões justamente onde os
dutos oriundos de Manaus é quatro vezes maior do que os tratos cultura is são intensivos em mão-de-obra, como na cultu
 praticad os no m ercado in ter nac ion al (A rau joJ .T. et al ,  1989), ra da vinha ou na criação de pequenos animais, assim como na
e os incentivos, que deveriam con tribuir para o avanço no generalização do trabalho temporário e sazonal, caso dosbóias-
desenvolvimento do setor, são integralmente transferidos para frias que habitam a periferia de pequenas e médias cidades.
o exterior através da importação de componentes eletrônicos
efetuados por filiais de grandes corporações multinacionais.
A desarticulação entre as montadoras de pro dutos eletrôni
cos e a indústria de componentes, principalmente de semi T a b e l a 5 .8
condutores de larga integração, têm sido um entrave para o Empréstimos do sistema bancário nacional à agricultura
desenvolvimento da microeletrônica no Brasil. Isto afeta tanto -1973-1980 (em bilhões de cruzeiros)
a indús tria de informática, como a bélica, que são consid era
dos setores estratégicos pelas Forças Armadas. A eletrônica Banco do Brasil Bancos Privados
embarcada, que inclui desde equipamentos computadorizad os Período Total Valor % Valor %
 pa ra auto móv eis até aviõ es, co nstitu i um, do s seg men tos m ais 1973 36,6 22,9 62,4 13,7 37,6
1975 105,0 71,2 67,8 33,8 32,2
atrasados do complexo, justamente devido à dificuldade de
1977 212,0 154,5 72,9 57,4 27,1
estabelecer os laços entre a indústria mecânica nacional e a 103,3 22,4
1979 461,3 357,9 77,6
microeletrônica estabelecida no exterior. 491,5 78,4 135,3 21,6
1980* 626,8
O terceiro complexo em importância no Brasil é o agroin * Janeiro/julho.
dustrial; sua conformação representa diretamente os resulta Fonte: Banco Central do Brasil - Departam ento Econômico.
dos da política agrícola da modernização conservadora. O de
senvolvimento do sistemad ecrédito xural, os subsídios diretos
à tecnificação e os incentivos à exportação foram os instru men
tos básicos para promover a expansão da grande empresa no Avia autoritária brasileira de tratar a questão agrária foi capaz
campo brasileiro (Tabela 5.8). Este processo converteu a agri de garantir a mod ernização da agricultura, através de sua cres
cultura em condição necessária da acumulação na indústria, cente tecnificação, mantendo intocável a grande prop riedade.
articuland o diretamente o complexo agroindustrial em forma As conseqüências deste processo foram inevitáveis, com a libe
ção, ao químico e ao metal-mecânico. ração maciça de grandes contingentes populacionais que se
As mud anças estrutu rais não se resumem aos aspectos eco dirigiram para as pequenas e grandes cidades, funcionando
nômico s e tecnológicos, mas abarcam tamb ém a estrutur a social. como reserva de mão-de-obra, acentuand o a histórica concen
 Novas relações se estabelecera m entre trabalha dor es rurais, com tração da posse d a terra (Tabelas 5 . 9 a e 5.9b).  Na década de 70,
ou sem terra, e com as corporações que ampliam sua área de como efeito de medidas anteriores ligadas às áreas fiscal e fi
atuação (Muller, 1982). Formas anteriores de produção foram nanceira e de melhoria das condições de acessibilidade —atra

192 193
vés de grandes eixos viários que articulam as áreas de maior que os agricultores do S udeste ou Sul. A questão é q ue isto foi
desenvolvimento econômico do país com espaços pouco inte  conseguido através de tratamento privilegiado por parte do
grados à produ ção —a agricultura apresentou um a ampliação aparelho do Estado, que garantiu não apenas linhas de crédito
extrao rdiná ria da superfície cultivada. Registrou-se um aum ento especiais, como mercados cativos para a produção regional.
absoluto de 70 .708.955 hectares na área dos estabelecimentos,
o mais elevado desde 1940, como resp osta aos fortes incenti
vos governamentais à ocupação da mata amazônica e do cer
rado, consubstanciados em programas especiais, criados em T a b e l a 5.9b
1975, para o desenvolvimento do Brasil Norte e Central (Mes Posse da terra no Brasil - 1985
quita , O. e Silva, S.T. 1 988). (em percentagem de estabelecimentos rurais)

menos de 100 ha 100 a 1.000 ha mais de 1.000 ha


n9 área n9 área n9 área
Brasil 90,0 21,2 8,9 35,1 0,1 43,7
T a b e l a 5. 9 a
Norte 83,0 22,0 15,9 30,2 1,1 47,8
Percentagem do total de área pertencente às 5% Nordeste 94,3 28,6 5,1 39,3 0,6 32,1
maiores propriedades rurais no Brasil  — 1 960-1980 Sudeste 75,8 25,6 23,4 46,7 0,8 27,7
Sul 94,1 39,0 5,4 35,9 0,5 25,1
1960 1970 1980 Centro-O este 6 2, 4 4,8 30,7 25,9 6,9 69,3
Fonie: IBGE, Sinopse P reliminar do Ce nso Agrícola, 1985.
Brasil 67,9 67,0 69,3
Norte 90,1 64,5 68,6
Nordeste 65,3 66,7 68,3
Sudeste 55,2 53,0 53,9
Sul 56,6 56,3 57,9
Considerada em seu conjunto, boa parte da modernização
Centro-Oeste 64,6 67,4 65,3 conservadora na agricultura brasileira pode ser resumida na
Fonte: Hoffmann, 1982. intr odu ção e difusão d o cultivo de soja no Brasil. Em 1960, a área
colhida com essa oleaginosa era de 171 mil hectares, produzin 
do 20 6 mil tonelada s; vinte anos depo is, o Brasil cultivava 8.765
mil hectares, colhendo 15.159 mil toneladas. (Fig. 5.5)
Mesmo no Nordeste, onde a persistência dos domín ios agro- Consid erando o conjunto do setor soja —grãos, farelo/torta
mercantis se faz marcante até os dias atuais, a modernização e óleo —pass ou ele a rivalizar com o café para oc upa r o primei
está presente no s grandes projetos de irrigação e na revitaliza ro lugar em valor, com 12% da pauta da s exportações brasilei
ção da agricultura canavieira, que recebeu subsídios vultosos ras em 1980 (Homem de Melo, 1983). A rápida expan são da
 para a prod uç ão de álcoo l comb ustível. As nova s formas de área cultivada, abrindo inclusive a fronteira ecológica dos cer
adaptação tornaram as oligarquias regionais dependentes de rados p ara a agricultura, seria impossível sem os melhoramen
financiamentos e de bens e insum os agrícolas, do mesmo modo tos genéticos, a tecnificação maciça dos tratos c ulturais e a grande

194 195
escala das plantas de beneficiamento. A soja é um produto da truídas novas formas adequadas ao processo de produção e
nova fase da agricultura brasileira, onde o complexo agroin gestão da empresa capitalista em sua fase avançada. Neste
dustrial assume papel preponderan te na moldagem do espaço sentido, as redes m anifestam a territorialidade dos complexos
rural. industriais. (Fig. 5.6)
26000

2 1000

CO
tu
01
ü 16000
<
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£ 11000
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6000

1000

Figura 5.5  Evolução da área cultivada co m soja. (Fonte: IBGE,


 pro dução agrícola municip al, vários a nos)

 As redes nac ion ais

 A  organização espacial das redes de circulação de mercado


rias, distribuição de energia elétrica e de telecomunicações Figura 5.6   Redes nacionais. (Fonte: Egler, 1989)
constitui um indicador, mesmo que superficial, dos efeitos do
 proc esso de moderniza ção sobre o território, na medida em
que foram transformadas estruturas espaciais pretéritas e cons-

196 197
A rede de circulação de mercadorias, expressa na malha rápida de informações a longa distância. A construção desta
rodoviária nacional, delimita, grosso modo, a área de mercado rede, iniciada durante os anos sessenta e intensificada durante
integrada. Não se trata propriamente de uma estrutu ra monta a década de setenta, mostra os efeitos da centralização dos
da a partir do setor m anufatureiro, pois que reflete as heranças  processos decisórios na cidade mund ial e atende, princip alm en
do passado agrário-mercantil, quando assumia a forma de te, às demandãsTiõ^sêtõrfmànceiro, que de pende de ligações
“bacias de drenagem ” destinadas a integrar as áreas produtivas rápidas e confiáveis a longa distância para operar competitiva-
aos portos litorâneos, tal como a rede ferroviária. Sobre estas mente.
“bacias” superimpõe-se o traçado dos grandes eixos nacionais, A principal observação que deve ser feita quanto à rede de
que convergem para o centro manufatureiro no Centro-Sul do telecomunicações é que, desde o momento de sua concepção,
 país, como, por exemplo, a BR-116, antiga Rio—Bahia, qu e se  já nec essariamente é um a re de nacional. Em pou cas pa lavras,
constitui no primeiro grande eixo de interligação entre o Nor é a materialidade espacial da forma mais avançada de operação
deste e o núcleo industrial do Sudeste. capitalista, a em presa financeira multilocacional. É neste sen
A rede de energia superimpõe-se à área industrial central, tido que é possível compreender o rápido desenvolvimento do
mostrando a capacidade da atividade manufatureira de cons sistema nacional de comunicações a longa distância que, em
trui r sua base técnica territorial, que, no caso específico da rede duas décadas, interligou todo o território nacional, sem que a
de distribuição de energia elétrica, foi montada nos últimos tri nta grande maioria da população te nha acesso sequer a um apare
anos com maciço investimento estatal. É corrente conside rar as lho telefônico.
fontes de energia como um fator-chave de localização industri
al. Entretanto, dado o caráter tardio da industrialização brasi
leira, que já nasceu buscando atingir economias de escala, e
considerando a mobilidade da energia elétrica, a constituição O espaço transfigurado
do parque industrial ocorreu concomitantem ente com a cons
trução da rede de distribuição de energia, o que resultou na
extraordinária concordância entre a localização de plantas O caráter híbrido da semiperiferia se manifesta também ao
industria is e os circuitos da rede de energia elétrica. nível da estrutura espacial. A cidade mundial e a m alha progra
O resultado espacial deste processo, pode ser percebido mada tendem a sup erar as dimensões das regiões históricas, a
quando se compara o sistema de geração e distribuição de das regiões de política oficial, bem como a e strutura centro-
energia elétrica no Sudeste com seu congênere nordestino.  periferia. Mas a fluidez do espaço é incomple ta, pelo me nos por
Enquanto na área industrial central observa-se o adensamento três razões.
dos circuitos, formando uma rede complexa, o sistema nordes Primeiro, a proposta de modernização conservadora é em si
tino se apresenta com eixos isolados que atendem os principais limitada, privilegiando grupos sociais, setores de atividades e
núcleos urba nos da região. lugares selecionados. Segundo, é forte a inércia espacial exer
Finalmente, a rede nacional de telecomunicações, expressa cida pelo padrão histórico conce ntrado do antigo arquipélago
no sistema de microondas, mostra que os maiores aglomera econômico, escala em que os domínios exercem expressão
dos urbanos estão interligados no que diz respeito à circulação máxima e diferenciada. Terceiro, a dimensão continental do

198 199
 país que perm ite expand ir a mobilizaçã o de rec ursos e o povo  pelo contrá rio, como a quelas q ue têm na heterogenei dade seu
amento, m as favorece também a desigualdade. traço constituinte fundamental.
Apolitização da estrutura espacial neste contexto foi levada A questão que fica a descoberto, entretanto, é a de como
ao extremo, com o espaço tornando-se instrumento e condição compree nder o movimento de uma sociedade heterogênea. Ou
da mode rnização conservadora. A gestão estatal do território seja, já q ue ela não “evolui”na direção da hom ogeneid ade, qua l
foi eminentemente estratégica, envolvendo não apenas sua será o seu comportam ento dinâmico? É nesse ponto que o
administração em termos econômicos, mas também as relações conceito de semiperiferia de Wallerstein assume importância.
de poder. Entre 1955 e 1970, a política regional procuro u se Enquanto síntese contraditória, ela combina, em um mesmo
identificar com a construção da nação. A macrorregião foi a território e em um mesmo mom ento, espaços e tempos díspa
escala ótima de operação do tripé, tanto para promove r a uni res cujo ajuste é conseguido a partir de instrum entos políticos,
ficação do mercado nacional, como para a centralização do poder onde o Estado assum e papel central.
governamental. Na década de 70, os grandes projetos geridos O Estado participou da introdução das rápidas mudanças
 pel as em presas estatais, em joint-ventures   ou isoladamente, do mundo contemporâneo, sincronizando-as com a permanên
substituem a política regional através de novos ajustes com as cia de estrutu ras diacrônicas, cuj o tempo é definido por rotinas
frações hegemônicas regionais. solidamente enraizadas que tendem a “atrasar” o relógio da
modernidade. Sao ritmos e cadências completamente distin
tos, com diferentes velocidades que convivem em um mesmo
 período tem pora l, obrigand o a uma complex a gestão dos rit
A espacialidade da semiperiferia mos de mudança.
O espaço dos fluxos, conectado aos circuitos internacionais
de capitais, mercadorias e informações, tende a “descolar-se”
Os  modelos de análise disponíveis para apreender um a re do espaço dos lugares, fundado na perm anência de territoria-
alidade complexa como a brasileira podem ser grupados em lidades historicamente adquiridas, que constituem imensa
duas vertentes básicas. O primeiro deles se fundamenta nas resistência a transformações. A semiperiferia é o locus de fortes
estruturais duais, na c oncepção do tradicional que se opõe ao tensões que tendem a levar à fragmentação espacial, em várias
moderno como um freio que dificulta o desenvolvimento eco escalas, de mosaicos de modernidade em uma superfície irre
nômico e a difusão do progresso técnico. A superação da con gular de miséria.
cepção dual ista foi feita através do conceito de “hetero geneida  O Brasil é ím par para exemplificar esta situação, contribu
de estrutura l”propost o originariamente por Anibal Pinto (1965), indo inclusive para melhor precisar o próprio conceito de
que refutava a aplicação mecânica de modelos fundados na semiperiferia. O status de potência regional foi alcançado atra
‘homogeneidade ’ das estrut uras econômicas e sociais, típicos vés de uma modernização conservadora, que produziu trans
das economias centrais, na América Latina. O m érito da con formações significativas, sem rom per com ordem social hierar
cepção de Pinto estava em romper o ‘nó górdio’ imposto pelo quicamente organizada. A gestão autoritária do território foi
dualismo, permitindo compreende r as sociedades latino-ame- um instrum ento essencial para produzir fronteiras, enquanto
ricanas, não como estruturas imperfeitas ou disformes, mas, indutoras de rupturas; garantir domínios, enquanto suportes
 /  ___  j , r 
20 0
do establishment   e consolidar uma cidade mundial, enquanto ÿoa Vist£* /j

nexo com a economia-mundo. Macapo'


 A fron teira  não se resume a uma vasta extensão de terras li
vres, a ser explorada po r homens tamb ém —pretensam ente — 
livres, nem tampouco representa um determinado tipo de Teresin;

 periferia. Co nstitui um espaço econômico, social e polí tico não


 plenamente est ru tur ad o e pot encialm ente g era dor de rea lida  • PortoVelho
des novas. A geopalítica do Estado brasileiro construiu, não T^Macekf
/Aracaju
apenas uma, mas muitas fronteiras, que deveriam oferecer pers ^SALVADOR

 pectiva s de cre scimento econôm ico, de soluçã o de ten sõe s


sociais e do pleno exercício do po der sob re o tempo e o espaço. 'Goiânia

Os domínios são áreas consolidadas, com estruturas políti ,BELÓ / / f 


vHORIZOÇiyE
cas relativamente estáveis, mantidas através de alianças com
A
'Campo
'Gronde
interesses locais e regionais que participam do bloco do p oder, A CIDADE MUNDIAL
dando sustentação ao projeto de modernização conservadora. COMPLEXO URBANO INDUSTRIAL
RIODEJANEIRO
SÃOPAULO
Assim se perpetuaram formas quase monopolistas de propri CINTURÃO AGRO-INDUSTRIAL
^ /CURITIBA

edade da terra e do capital, graças a toda sorte de instrum entos wAFIoriandpolis


'//fy o d om ín io  a g r o - m e r c a n t il
 políticos q ue garantem privilég ios adq uirido s, criando ba rre i FRENTES DE MODERNIZAÇÃO PORTO ALEGRE
ras à entrada de novos concorrentes. AAA A GRANDE FRONTEIRA
Fronteiras e domínios são articulados através de uma cidade * M ETRO PO LES 

 jnundial,  que manifesta a nova forma de inserção do Brasil na • C AP IT AI S E ST AD UA IS

economia-mundo. A cidade mundial na semiperiferia é, ao Figura 5.7 O espaço transfigurado.


mesmo tempo e lugar, centro de gestão e acumulação de capital
em escala planetária e núcleo de comando de uma vasta rede
urban a que conecta a multiplicidade de espaços e tempos que A malha “program ada” manteve domínios, expandiu fron
compõem o território nacional. teiras e fortaleceu a cidade mundial, que na escala nacional
A emergência da cidade mundial é explicada, em parte, pelo assumem ex pressão mais geral respectivamente na persistên
movimento de acumulação do capital multinacional na econo cia da questão regional no Nordeste, na configuração de uma
mia-mundo. Entretanto, é da combinação deste movimento imenoa Fronteira e na conformação de um vasto complexo
global com a atuação do Estado q ue se configura, no Brasil, um urbano-industrial a partir do cen tro dinâmico do Sudeste. Estes
 padrã o dinâmico ond e a con centração social e esp acial d a ri movimentos ex propriaram e excluíram significativos contin
queza é acompan hada pela dispersão seletiva do investimento gentes sociais, gerando conflitos que constituem matrizes de
 público e privad o através da malha “program ada ”, imposta pelo novas territorialidades, que passam a expressar projetos alter
Estado, porém cujo traçado atende aos interesses que compõem nativos da sociedade civil.
o tripé.

202 203
 Ree strutu raç ão territo rial

A estrutura centro-periferia foi transfigurada pela moderni


zação conservadora, redefinindo hierarquias e posições de
 pod er, re est ruturan do funções e unid ade s de pro duç ão, d istr i
 bui ção e gestão. A consolidaç ão da cidade mun dial, d e domí
nios, e a abertura de fronteiras são expressões desse processo.
As novas territorialidades que emergem do conflito entre a malha
 pro gramada e o espaço vivido assumem feições específicas em
cada uma destas formações espaço tempo. (Fig. 5.7)

A cidade mundial e o complexo urbano-industrial

A nova forma de inser ção do Brasil na economia-m undo teve


sua maio r expressão n a formação da cidade m undial —São Paulo
 —e de uma estrutur a u rbano-in dus tria l intimamente articula
da, que emergiu da concentração e ampliação do núcleo eco
nômico du rante os anos 60 e 70. Esta área é a parte do país mais
integrada à economia-mundo e a mais dinâmica, tanto em ter
mos de relações internas, como externas, promovendo a urb a
nização acelerada do território e gerando focos de modernida 
de. As mudanças na distribuição territorial da po pulação ex
 pre ssa esse process o, que é ca racteriz ado pelo desc ompasso
entre o intenso crescimento urban o, mesmo em áreas de pre
domínio d as atividades agrícolas, e a fraca mudança no aden
samento da popu lação, só expressiva em tomo de São Paulo e
nas bord as da grand e fronteira. (Fig. 5.8)
Os fluxos de informação estão amplamente concentrados em
São Paulo, sede da maioria dos bancos privados, correspon
dendo a 60% do sistema bancário nacional, incluindo 18 dos
23 bancos estrangeiros que operam no Brasil (Corrêa, 1989).

204
Figura 5.9  Expansão da área metropolitana de São Paulo
 —1930-1980. (Fonte:  Retrato do Brasil, 1984)
Figura 5.10  Expansã o indu stri al no Estado de São Paulo —1975-
1986. (Fonte: Azzoni, 1989)

Os bancos são os principais clientes dos serviços da EMBRA-


TEL que ligam o cen tro nevrálgico da Av. Paulista às re stante s Rio de Janeiro e uma grande área indus trial praticamente con
cidades mundiais. Para São Paulo vai metade do fluxo de cha tígua que, partindo da cidade mundial, ultrapassa os limites do
madas da rede de telex nacional (Cardoso & Bovo, 1989). Con Estado de São Paulo —incorporando porções dos Estados vi
tíguo à cidade mundial, consolidou-se um domínio dinâmico, zinhos de Minas Gerais e Rio de Janeiro —e projeta um vetor
que absorveu grandes fatias do investimento estatal e das mul em direção a Brasília, a capital da geopolítica (Vesentini, 1986)
tinacionais, configurando-se como o locus privilegiado do tripé (Fig. 5.11). A sua volta, um a const elação de metrópoles —for
(Figs. 5.9 e 5.10). Aí se localiza a fronteira científico-tecnológi- mada por Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre -de staca -se
ca, o eixo de expansão m etropoli tano que conec ta São Paulo ao  pelo dinam ismo do crescimento da indústria, con f gurando uma
20 6
20 7
hierarquia de funções e de poder vinculada às atividades pro
dutivas, de distribuição e de gestão.
Um vasto cinturão agroindustrial se espraia em todas as
direções, desde os campos meridion ais até os cerrado s centrais,
avançando em fronteiras ao longo dos princip ais eixos rodo
viários, dinamizando centros regionais, capitais estaduais e a
 própria capital federal. Apartir daí, a modernidade se instala em
focos isolados, na sua maioria resultantes da malha programada.
Bolsões de pobreza e domínios conservadores perm anecem
nas vizinhanças e mesmo dentro da pró pria cidade mundial e
nas demais metrópoles. Em contrapartida, aí emergem a opo
sição e as novas territorialidades mais significativas, que não
 po dem ser desligadas da nova forma de inserção na economia-
mundo. É na bord a ocidental da cidade mundial, no território
da ind ústria automobilística, que emergiu o “novo sindicalis
mo”, autônomo em relação ao Estado, com ligações com fede
rações sindicais internacionais. Novas formas de resistência à
modernização conservadora foram geradas e difundidas a partir
da cidade mundial e de seu entorno imediato. Movimentos
sociais, de base localizada, representam projet alternativos
da sociedade em busca de justiça social.

O domínio agromercantil com frentes de


modernidade

O domínio agromercantil expressa a persistência de níveis


dramáticos de pobreza rural e urban a e de modernas oligarqui
as. No caso do Nordeste, através do expediente histórico de Figura 5.11 Brasília e cidades-satélites. (Fonte: adaptado do
utilizar a fragilidade da economia regional às estiagens perió
dicas como instrumento de solicitar tratamento diferenciado, IBGE/CNG, 1966)
construiu-se uma intrincada trama de subsídios e proteção
209
208
estatal, q ue resiste às forças da concorrência intercapitalista. Os impactos desses grand es projetos sobre o domínio agrá-
Reside aí a “questão regional” nordestina. rio-mercantil são restritos. De um lado forçam reacomodações
A proposta de industrialização regional promovida pela entre os grup os do minantes locais, que se beneficiam de modo
SUDENE facilitou a integração do domínio n ordestino à cida diferenciado do aporte de recu rsos; de outro, têm efeitos limi
de mundial. Entretanto, foram os grandes projetos da década tados sobre a estrutura produtiva e de renda, já que em sua
de 70 que criaram fronteiras de modernidade, seja em focos maioria operam com elevada produtividade ejntemaliza m boa
como é o caso do Pólo Petroquímico de Camaçari, nas vizinh an  parte de.sua d eman da.p orh ens.e.ser viço s, o_que pou co jesu lta
ças de Salvador, seja em eixos como foi o caso dos grandes i ^ termos de desenvolvimento regional. Há, no entanto, exter-
 proje tos de irrigaçã o ao long o do vale do São Francisco. O nalidades ineren tes aos projetos. Uma delas é a rápida difusão
Program a Na cional do Álcool —PROÁLCOOL levou à mo der de movimentos ecológicos, que gradativamente assumem di
nização da agro-indústria canavieira nordestina, embora de for mensão nacional a partir do final dos anos setenta, passando
ma distinta de sua congênere paulista, pois foi incapaz de com a exercer pressões sobre as autoridades locais no sentido de
 pletar plenamente a integração em complexo devido à sua grande minor ar a deterioração acelerada das condições ambientais.
i li; dependência de fornecedores extra-regionais de equipamentos
e insumos.
Com o PROÁLCOOL, a luta pela terra e pela regulamentação L a ^  M f c' -
dos direitos trabalhistas assumiu novas formas. Aherança das Ligas
Camponesas, movimento social de camponeses que eclodiu na
A grande fronteira
zona canavieira no final da década de 50, foi potenciada e unifica
da pelos conflitos resultantes da expansão das plantações, o
que transform ou os sindicatos de canavieiros em instrumentos A Amazônia assume hoje a expressão básica das fronteiras.
de luta pelos direitos sociais e levou à conquista de territórios Devido à ausência de organizações sociais preexistentes capa
; t  zes de oferecer resistência, o governo federal assumiu direta
através da resistência, geralm ente apoiad a pela Igreja Católica,
í: !íl; à expropriação promovida pela modernização da agricultura. mente a iniciativa da modernização, implantando a malha
A fronteira energética e de recursos também atua diretam en  program ada em tempo acelerado e numa escala gigantesca que
te sobre o domínio agromercantil. A exploração de gás natural transformou parte d as antigas regiões Centro-Oeste e Nordeste
e petróleo,oj[Jshore realizada pela PETROBRÁS, levou à implan e toda a região Norte numa grande fronteira nacional.
tação de bases de apoio, terminais e instalações de beneficia- O valor simbólico da malha programada, entr etanto, foi maior
mento em vários pon tos do litoral, desde Campos, no Estado do que o seu valor real para a ocupação da região. Programas
do Rio dejane iro, até Natal, no Rio Grande do Norte. Grandes e projetos, ainda que nem semp re materializados, provocaram
 pro jetos foram imp lantad os, na forma de co mple xos terr itori um imediato aumento do valor da terra e dos conflitos sociais,
ais, que incluem minas, plantações, unidades de beneficiamen- incompatíveis com as relativamente baixas taxas de investimen
to, dutos, ferrovias e terminai s especializados, prod uzind o ferro to, ocupação e produção. Somente 24% da área total da região
e metais ferrosos, bauxita e alumina, soda e barrilha, celulose estavam ocupados por unidades produtivas em 1980, repre
e papel, na maior par te destinados à exportação. sentando 7% das terras cultivadas no país.
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211
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Os assentamentos estão restritos às áreas ao longo das prin
cipais rodovias. Domínios agromercantis situados nas margens
da floresta foram criados, favorecendo o crescimento da gran
de metrópole regional, Belém, e das capitais estaduais, que atuam
como elos de articulação à cidade mundial. Surgiram eles a partir
de programas de colonização e de cerca de 600 projetos agro-
 pas tor is sub sidiados de grandes e mpr esas nacú riais e es tran 
geiras, embora só 20% deles fossem efetivamente instalado.
Focos de modernidade estão representado« pela Zona Fran
ca de Manaus, cidade que cresce hoje mais rapidamente que
Belém, e pelos grandes projetos d° exploração min eral com sede
nas company-towns  —núc leos de produ ção e gestão —em ioint-
ventures ou isoladamente. Devido à recessão mundial do início
dos anos 80, o investimento estrangeiro foi muito menor do
que o esperado. Dos seis granaes projetos implantados segun
do os objetivos do programa, somente um é totalmente estran
geiro —Alcoa-Billington, o maior investimento estrangeiro já
feito no Brasil. A mais importante empresa é a estatal Cia. do
----- D Vale do Rio Doce (CVRD), que nesse processo se transnacio-
nalizou, diversificando atividades e ampliando sua participa
ção no mercado mundial. (Fig. 5.12)
Da estratégia de ocupação regional resultaram também in  — Rodovias
Ferrovias
tensos c onflitos sociais e ecológicos. Com a expans ão da pecu  — *. Hidrovi as
ária, da exploração florestal e da mineração, verificou-se um p«jj projetosdeMineração
desmatamento a uma taxa exponencial. Estimativas do total (rt)Ferro
desmatado na década são conflitivas e vão desde 12% (Mahar, @ M an ga nê s
1988), 8,2% (Fearnside, 1986) até 5,1% (INPE), equivalentes @  C o br e
0 a 598.921 km2, 399.765 km2e 251.429 km2, respectivamente. ©  N í qu el
O legado da modernização conservadora sobre o território (J)Bauxita _____________ 

c} ^  W é ambivalente. A sustentação do tripé levou o Estado a estender


sua função reguladora e empresarial além de seu poder de gerar
fundos públicos, esgotando assim sua capacidade de sustentar Figura 5.12 Sistema logístico global do programa Grande
domínios, de abrir fronteiras e negociar com o capital multinacio Carajás. (Fonte: Becker, 1990)
nal. O território foi um instrumen to de consolidação e crescimen
to do Leviatã, mas também expressão de sua vulnerabilidade.
 J J L . 213
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