frio em Curitiba por conta de uma cabeça de bode que Baltazar Carrasco dos Reis, de relações estremecidas com Mateus Martins Leme e Eleodoro Ébano Pereira, enterrou no marco zero da capital.
Essa cabeça pode ter esfriado o clima, e ainda assim esquentado
os motores, pois acabou atraindo uma superpopulação de automóveis. Provavelmente a opção por trafegar sobretudo com automóveis irrompeu de vez em abril de 1942, quando os nazistas proibiram os judeus de se locomover no transporte público. Resta o que, nesse caso, a não ser o transporte individual? Para chegar a mais esse desastre patrocinado pelo nazismo foi uma longa trajetória, iniciada quando o precursor do automóvel, o Fardier, é criado, em 1771, pelo militar francês Nicolas Joseph Cugnot. Movido a vapor, pisando fundo o Fardier chegava aos 4 km/h. E foi ele, o primeiro, que inaugurou a história dos acidentes: bateu no muro do quartel em que Cugnot servia. No Brasil, começa com Henrique Santos-Dumont, irmão do Alberto, que traz de Paris em 1891 o primeiro automóvel: um Peugeot com motor Daimler. 2
Fardier, o carrão de Cougnot
Logo virá a primeira lei do trânsito, em 1910, e um interessante
manual de direção: o “Acto número 1”, de 1915, distribuído nas ruas de Joinville (SC). “Em caso algum poderá a velocidade ir além de 30 quilômetros por hora em campo raso; de 20 quilômetros nos lugares habitados e de 12 quilômetros no quadro urbano; ao aproximarem-se dos cruzamentos das ruas, deverão os condutores dar sinal e moderar a velocidade dos automóveis para 5 quilômetros por hora, no máximo”. Como haver acidentes escabrosos com essas regras? O automóvel entrou triunfalmente em Curitiba pelas mãos de Francisco Fido Fontana, em 1903. E deu a lógica: em 17 de abril de 1.909 esse primeiro carro atropela e mata Carolina Carpiano Russo, no Portão. Na capital já havia congestionamentos logo nos primeiros anos do século XX. Na Rua XV se deu um sério atrito entre os donos de automóveis e os de carros de tração animal. Os automóveis eram estacionados em um local vip, diante do apreciado Café Mignon. Por sua vez, os proprietários das charretes decidiram estacioná-las em fila, no lado oposto da rua, onde recolhiam e deixavam passageiros. Aí surgem os atritos entre os dois lados da rua, as confusões e primeiras ofensas acompanhadas pela trilha sonora das buzinas e relinchos dos cavalos. Deu polícia, é claro. Mas a decisão foi salomônica: o espaço é do pedestre e nem automóveis nem charretes têm o direito de atravancar a rua. 3
Ford Bigode, carro
que Tio Jeca trouxe na fundação de Cascavel
O primeiro “autoimóvel” a chegar ao Oeste do Paraná foi um
Ford comprado pelo coronel Jorge Schimmelpfeng na Argentina. Por que “autoimóvel”? O ex-prefeito iguaçuense, José Werner, narrou o episódio: “O danado não queria pegar. Trocaram os fios e ninguém sabia como fazer o negócio funcionar. Era todo dia uma junta de burros puxando aquele danado”. Quando apareceu um mecânico e fez o Fordão andar, surgiu outro problema: o coronel era redondíssimo. A barriga apertada pelo volante não o permitia dar rolês pelas Três Fronteiras. O primeiro automóvel a chegar a Cascavel, como o de Foz do Iguaçu, foi também um Ford, vindo em março de 1930, na fundação da cidade. Era dirigido pelo Tio Jeca em pessoa, ainda esbelto em seus 42 anos, sem barrigão como o líder de Foz do Iguaçu. Ciro Nardi, Luiz Picoli, padre Luiz Luíse e muitos outros sucumbiram dentro de automóveis, mas toda a lamentável crônica de acidentes do século XX não bastou ao século XXI para criar juízo. A cabeça de bode enterrada em Curitiba ainda não foi exorcizada: os acidentes ficam mais violentos, matam, ferem e desgraçam muito mais. O transporte coletivo é caríssimo e agora mesmo há gente sonhando em abandonar o lotação para sair pilotando carro ou moto. Já é o corpo inteiro do bode atravancando as ruas e avenidas. ** Alceu A. Sperança – escritor