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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE


DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

José Filipe da Costa Silva

Ontologia: resumo dos momentos

Fortaleza
2020
Momento um: Metafísica livro I(Aristóteles), Poema(Parmênides).

Aristóteles principia o livro alfa da metafísica com a afirmação paradigmática de que


todos o homens tendem ao saber , constatando-a pela importância concedida às sensações por parte
dos homens. A primeira vista, o intento de Aristóteles parece ser chegar ao que ele chama de
sapiência(...​σοφίαν​), que pode ser entendida como o conhecimento das causas. Ele faz uma
diferenciação de caráter qualitativo entre o conhecimento empírico e o conhecimento das causas,
aquele parece dizer respeito ao conhecimento do fenômeno assim como ele é, quando apreendido
pelos sentidos,i.e, o dado puro dos sentidos, que pela recordação dos diversos contatos com um
mesmo objeto forma a experiência ; já este trata do conhecimento do porquê tal coisa é do modo
que é, i.e , as causas formadoras das coisas que se mostram ao aparato dos sentidos. Ele atribui mais
propriamente ao homem conhecedor das causas a qualidade de sábio do que ao empírico. Com
efeito, ele diz :
Todavia, consideramos que o saber e o entender sejam mais próprios da arte do que da experiência, e julgamos os que
possuem a arte mais sábios dos que os que possuem só a experiência, na medida em que estamos convencidos de que a
sapiência em cada um dos homens, corresponda à sua capacidade de conhecer. E isso porque os primeiros conhecem a
causa, enquanto os outros não a conhecem. Os empíricos conhecem o puro dado de fato, mas não o seu porquê; ao
contrário, os outros conhecem o porquê e a causa
(Aristóteles, Metafísica, [981b,20-25])

É importante perceber que Aristóteles pretende perscrutar qual a ciência que se refere à
sapiência​, ciência essa que deve especular sobre os princípios primeiros e as causas, o que ele
chama ciência do universal em contraposição à ciência do particular,i.e, a experiência. A
compreensão do conhecimento da causa como princípio de inteligibilidade da substância, e assim,
conhecimento da estrutura mais interna das coisas que primordialmente formam a realidade
é crucial para entender a profundidade a que Aristóteles pretende chegar na sua investigação
No capítulo três do livro alfa da metafísica, Aristóteles, começa a empreender um estudo
da doutrina dos seus predecessores, em busca de encontrar quais princípios foram atribuídos por
eles como causa das coisas​1​. A principal questão que permeia a investigação dos antigos : “O que é
a condição de possibilidade das coisas?”.Tales, Anaxímenes, Diógenes e Heráclito foram os
primeiros que filosofaram, fundamentando seus raciocínios a partir da observação da realidade das
coisas; notando que mesmo as coisas existentes no mundo sendo passíveis de grandes mudanças no

1
​ ​ de bom alvitre notar que, Aristóteles está buscando, nos primeiros filósofos, as causas a que
É
estes se dedicaram tendo como parâmetro as quatro causas por ele elencadas na sua ​física.​ A saber,
causa substancial.(ou formal) que concerne àquilo ao que a coisa possui de mais próprio, i.e, sua
essência necessária; causa material, a matéria do que a coisa é constituída; causa eficiente(ou
motora), o que principiou o movimento da coisa, o que a originou; causa final, a finalidade da coisa,
para o quê a coisa existe. Deixando claro isso na seguinte passagem: “Para a presente investigação
será proveitoso referir-se a eles [ seus predecessores]. Com efeito,​ ou encontraremos outro gênero
de causa ou ganharemos convicção mais sólida nas causas das quais já falamos” ​(Aristóteles,
metafísica,[983​b​,5)
decorrer das suas existências há uma realidade que permanece, a despeito das transformações nas
suas afecções. Acreditaram ser, essa ​realidade imutável, ​princípio e elemento das coisas(...​ἀρκήν
φασιν εἷναι τῶν ὄντων). Aristóteles diz, ainda tendo como norte as suas quatro causas, que esses
filósofos da natureza empenharam-se somente na busca pela ​causa material​, o que era natural para
o grego do período cosmológico , que parte de uma cosmovisão plenamente material e estética da
realidade. Porém, a realidade mesma demonstra que a mudança que é perceptível nas coisas não
tem como causa a própria matéria. Mesmo que o princípio seja material, o que explica os processos
de geração e corrupção da matéria?. A própria realidade exige uma explicação exterior à matéria, ou
seja, exige a explicação da ​causa do movimento.
É nesse ponto que Aristóteles dará atenção especial a doutrina dos eleatas - e dos
pitagóricos - , em especial à doutrina de Parmênides. Deixando claro que os raciocínios deste são
bastante razoáveis. Diz o Estagirita que ​“​Parmênides, ao contrário, parece raciocinar com mais
perspicácia. Por considerar que além do ser não existe o não ser, necessariamente deve crer que o
ser é um e nada mais.” (Aristóteles,Metafísica,[986b,25)
Aristóteles, notara que o Ser ao qual Parmênides refere-se concerne ao aspecto formal(..​.τὸν
λογόν​). O que é uma interpretação crível, que se segue como corolário do fragmento B2 do “Da
Natureza’’​2​ do Eleata :
Vamos vou dizer-te- e tu escuta e fixa o relato que ouviste
quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:
um que é, que não é para não ser,
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
(5) o outro que não é, que tem de não ser,
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois nã​ o poderás conhecer o que não é,​ não é consumável,
nem mostrá-lo [...]

O poema “​Da Natureza”​(...​Περὶ Φύσεως) ​, propriamente dito, trata-se de uma alegoria


que retrata a viagem empreendida por um jovem, Parmênides, que pelo seu reto desejo de saber é
conduzido por aurigas imortais à morada da Deusa que o revelará a verdade acerca do cosmos,
governado pela Justiça inexorável que mantém todas as coisas em sua perfeita ordem.“Terás,pois,
de tudo apreender”(Fragmento I) O saber ao qual o jovem busca é o saber a totalidade do que é.
O que Parmênides realiza é revolucionário, pois, a partir dele, a pergunta pelo o que é
deixa de ser própria da cosmologia e passa à ontologia/gnosiológia, mostrando que o ser é
inseparável do saber. Verdade, realidade e conhecimento aqui se identificam e coincidem. O poema
tem como parte principal a circunscrição de quais são os caminhos aos quais pode-se empreender a
investigação da realidade, delimitando-os em duas vias: uma que é( a verdade) e outra que não é
(que não pode ser). Mas, entende que sobre o que não é( a negação do que é) não é possível

2
Tradução de José Trindade Santos
pensar/falar/investigar sobre, sobrando então a via do que é. Como Parmênides se vale do
pensamento para balizar as duas vias, essas se referem a operação específica do pensamento:
Afirmar e negar. O Eleata, parece estar interessado em constatar que o que é (o substrato da
realidade) o é, na medida em que é cognoscível. O que pode estar inserido em um contexto mais
gnosiológico do quê ontológico​3 ​Porém, são dois contextos que estão plenamente interconectados
,pois, ​eu só posso dizer o que é e o que é é o que eu posso dizer. ​‘O ser’ é aonde verdade,
afirmação e realidade se equivalem; é tudo aquilo que o pensamento alcança. Portanto, é o conteúdo
necessário do pensar​.
Essa leitura torna consistente a leitura do restante do poema, que de B2 segue-se B3 “
[​...] ​pois o mesmo é pensar e ser.” Dessa averiguação é possível perceber os atributos que o ser
possui. Com efeito, Parmênides, cita-os nos fragmentos 7-8:

(8.1) Só falta agora falar do caminho


que é. Sobre esse são muitos os sinais
de que sendo é ingênito e indestrutível,
pois é compacto, inabalável e sem fim;
(5) não foi nem será, pois é agora um todo homogéneo,
uno, contínuo
(20) Pois, se era, não é, nem poderia vir a ser.
E assim génese se extingue e de destruição não se fala.
(25) Por isso é todo contínuo, pois sendo é com o que é.
Além disso, é imóvel nas cadeias dos potentes laços,
sem princípio nem fim.
(Da natureza,fragmentos 7-8)

3
. Ver “José Trindade Santos, «Leitura de “é / não é” a partir de Parmênides B2», ​in Dissertatio UFPel​, nº36,
Verão de 2012, (pp. 11-31).”
Momento dois: República, Livro VI (Platão)

A questão da justiça é o ponto fulcral desenvolvido em toda a obra “A República”; tanto a


justiça qual para os indivíduos qual para a sociedade como um todo. E ao especular sobre a cidade
ideal, Platão, expõe sua tese a respeito do governante filósofo. Esse será o arquétipo de governante,
pois, a natureza de sua atividade especulativa lhe dá uma posição superior em relação à moralidade
e à política em comparação aos demais aspirantes ao comando da polis. O empreendimento da
atividade do filósofo realiza-se na esfera do inteligível, ao qual opera pela inteligência(...​νόησις​),
distinguindo-se dos outros tipos de investigação realizada pelos outros integrantes da cidade. Tal
atividade tem como objeto de investigação o que concerne às Formas e ao Bem, as quais dota o
filósofo do conhecimento prático necessário para governar a cidade.
Argumenta Sócrates que, aquele que deve governar a ​kallipolis, guardando as leis e
ordenando os homens, deve ser quem tem conhecimento da essência das coisas; que possuem, pela
alma, o conhecimento do Ser, do imutável, pois esse é quem vê com clareza o modo como as coisas
verdadeiramente são. Ao contrário dos que conhecem apenas empiricamente, que como cegos, se
guiam às apalpadelas pelo real. Pela boca de Sócrates, diz Platão:
Que diferem dos cegos os indivíduos carecentes, realmente, do conhecimento da essência das coisas, e que não trazem
na alma nenhum conhecimento claro, nem veem, como os pintores, a verdade ideal a que sempre se reportam com a
maior nitidez possível, para depois estabelecerem entre nós as leis do belo, do justo e do bem, no caso de não houverem
sido fixadas ou para guardar e preservar as já existentes?
(A República, 484 c-d)

Então, o filósofo, por estar tão próximo das Formas, tornar-lhes-ão o paradigma das
diretrizes que regem a ​kallipolis, p​ roduzindo por imitação(...​μίμησις​) na cidade, a temperança, a
justiça, a beleza.
Entre no diálogo a questão da ideia do Bem, em virtude do conhecimento dessa ideia ser
de suma importância ao filósofo : Como saberá o guardião das leis da cidade que a virtude, a
temperança, a justiça são boas se esse não sabe o que é o Bem ?. É por meio da ideia de Bem que
as outras formas recebem seu valor. Sócrates admite que não conhece suficientemente essa forma
para versar sobre ela, porém, realiza uma analogia que se aproximará do conhecimento do que é o
Bem; se distanciando das opiniões correntes sobre essa forma, as quais a identificam com o prazer e
o saber. Então, ele faz uma analogia que abrange a relação entre conhecimento, formas e o Bem
com recurso à experiência sensível: O Bem-em-si é como o sol para o mundo sensível, pois é a
causa da inteligibilidade das ideias, a qual possibilita o entendimento dessas no mundo inteligível.
Analogamente à luminosidade do Sol, a qual possibilita a visão dos objetos no mundo sensível.
Com efeito diz Platão:
Dirás, por conseguinte, continuei, que este sol é que eu denomino filho do bem, gerado pelo bem
como sua própria imagem, e que no mundo visível está nas mesmas relações para a vista, e as coisas vistas como
bem no mundo inteligível para o entendimento e para as coisas percebidas pelo entendimento
(A república, 508 b-c)

Ademais, do mesmo modo que o sol é responsável pelo crescimento, nascimento e


manutenção das coisas sensíveis, o Bem é a causa da essência das outras formas, porém, não sendo
o Bem mesmo uma essência, mas algo superior a ela que a supera qualitativamente. Nesses termos,
o Bem não tem como causa nada que lhe é exterior, pelo contrário, é ele que determina a essência
das ideias. Então, Platão realiza mais uma analogia, dessa vez em referência aos dois domínios que
tem o Bem e o Sol como condições ​sine quibus non:​ o inteligível e o sensível. Sócrates pede ao seu
interlocutor para imaginar uma linha dividida em duas grandes circunscrições, cada parte referente
aos dois domínios. E dentro de cada uma dessas grandes áreas há outras partes que correspondem a
determinados objetos que variam de acordo com seu grau de inteligibilidade.(1) Na primeira seção
da parte sensível está os reflexos e sombras projetados nas superfícies e tudo o mais que pertence à
esse gênero de imagem. Na seção seguinte da parte sensível está os animais, os homens e os objetos
concretos em geral. O discurso referente à essa parte é a opinião(...​δόξα​), sendo as imagens
referentes à arte, e os objetos concretos à retórica.(2) Na parte inteligível, a primeira seção
corresponde às Formas, as quais são modelos dos objetos concretos. Essa seção corresponde à
imagem dos objetos concretos, estes são tomados como hipótese para atingir a primeira seção da
parte inteligível, sempre em correspondência à eles. A segunda seção do plano inteligível
corresponde às Formas tomadas como verdadeiras e não dependentes de quaisquer outros objetos.
Essas Formas, através da dialética, alcançam ao princípio de tudo, o fundamento primordial do Ser.
E o discurso referente à essa parte é o conhecimento(...​ἐπιστήμη) propriamente dito, que parte do
imediato empírico, ao mais excelso objeto da razão.
Momento três: Metafísica, livro I,V, VI,X, XII (Aristóteles). Sofista(Platão)
Livro V

No livro V, Aristóteles, procura perscrutar de modo minucioso alguns termos basilares de


toda a estrutura de sua metafísica. ​Delegando à metafísica a tarefa de investigar todos os conceitos
que concernem ao ser e aos seus atributos. O Estagirita inicia a conceitografia indicando os diversos
modos de que os termos podem ser entendidos. Tarefa essa cuja realização já tinha sido anunciada
no passo 1005a1: “Patenteia-se então que diz respeito a uma ciência investigar o ser como ser e os
atributos que lhe são inerentes como ser, estando essa mesma ciência encarregada de investigar,
além dos conceitos já indicados, a anterioridade e a posterioridade,o gênero e a espécie, o todo e a
parte e todos os demais conceitos semelhantes”

Princípio(...​ἀρχή) – (1) A primeira parte de algo em que é possível locomover-se, como o


começo de uma estrada.(2) O ponto mais oportuno para começar algo,e,g, ao iniciar o estudo de
alguma ciência deve-se principiar pelo conteúdo que apreende-se com mais facilidade. (3) A parte
fundamental de alguma coisa,e.g, as fundações de uma casa. (4) A causa eficiente(Motriz) de
alguma coisa, e.g, o escultor relativamente à escultura. (5) O que tem poder necessário para fazer
valer sua vontade, movendo ou mudando algo por seu querer,e.g, uma autoridade política.(6) O
ponto de partida que torna compreensível alguma coisa,e.g, as premissas de um silogismo.
Noção comum a todos esses sentidos: O princípio identifica-se como o ponto elementar do qual
uma coisa ​é ou ​vem a ser ou ​tornar-se conhecida. ​O que revela a interjeição entre
cognoscibilidade e princípio ontológico​.

Causa (...​αιτίον​) - (1) A matéria de que é feito alguma coisa, e.g, o couro de uma jaqueta.
(2) A forma ou o modelo da coisa, apreendida pela noção de essência e os gêneros que a
contêm,v.g, o ‘modelo’ que o marceneiro tem em mente quando constrói uma mesa, dando a mesa à
forma devida​4​. (3) Razão primeira da transformação(mudança) ou do repouso de algo,e.g, o estudo
é a causa do conhecer.(4) O propósito que algo tem,i.e, a sua finalidade como coisa,e.g, ingerir
bebida alcoólica tem como fim embriagar-se. Portanto, causa pode ser entendida como substrato,
como essência, como mudança e como finalidade.

Elemento (...​στοιχείον) - (1) Componente primeiro imanente que compõe as coisas, no qual
é indivisível em espécies diferentes destas​5​,v.g, a parte de um pedaço de couro. ​(2) De maneira
4
. ‘Forma’ e ‘modelo’ aqui estão desprovidos do sentido dado por Platão como “Ideias transcendentes”,
entendidos sim como formas imanentes às coisas.
5
. Elemento diferencia-se de causa e princípio por ser sempre imanente à coisa, enquanto esses podem ser
externos.
metafórica, chamam de elemento qualquer coisa una e pequena que sirva a variados propósitos.
Aristóteles faz alusão ao sentido em que poder-se-ia entender os universais como elementos, dada
as características : Unidade,simplicidade,presença em múltiplas coisas.

Natureza (...​φύσις) - (1) O vir-a-ser das coisas que crescem. (2) O princípio do qual começa
o crescimento das coisas. (3) O princípio de movimento interno às coisas em virtude de sua
essência. (4) A substância dos seres naturais. Nesse último sentido pode-se entender substância
como forma, enquanto constitutivo necessário das coisas naturais, i.e, substância como natureza
imanente às coisas naturais. Percebe-se que Aristóteles faz uma mediação entre às concepções de
φύσις de seus predecessores, integrando-as ao seu realismo.

Um(...​ἔν) - (1) Pode ser dito que as coisas são um por acidente, e podem ser feitas várias
distinções entre essas unidades acidentais, e.g,(a) “filósofo” e “sábio” formam filósofo sábio(dois
acidentes) (b) “Sócrates” e “justo” formam Sócrates justo(substância com um acidente).(c)
“Sócrates” e “Sócrates justo” (uma substância com um acidente, tendo como referência a mesma
substância) etc. (2) As coisas podem ser ditas um por sua própria natureza (a) quando são contínuas,
e de modo mais perfeito, quando são contínuas naturalmente. (b) Quando os substratos são um pela
espécie.

O Ser(...​ὄν) - (1) Pode ser expresso de modo acidental, como quando dizemos “O homem ​é
professor​”. O ser do professor ​é ​de modo acidental,pois somente é ser em referência à homem, o
qual ​é em sentido verdadeiro e próprio.(2)O Ser pode ser expresso pela sua natureza própria. Assim
o é entendido quando manifesto nas figuras das categorias,a saber,
substância,qualidade,quantidade,relação,lugar, tempo,estado,ação e paixão.(3) “O ser é” pode ser
interpretado como “algo é verdade” e o não-ser e o não é como “algo não é verdadeiro”.(4) O Ser
pode ser entendido como ser em potência e ser em ato. Nesse sentido é aplicado a todos os
significados precedentes.

Substância(...​οὐσία) - (1) Em um primeiro sentido é entendida em referência aos corpos


simples e as suas partes. São entendidos como substâncias porque todos os outros modos de ser são
predicados deles.(2) Pode ser concebido como o que é causa de ser e imanente a esses substratos,
como a alma nos animais.(3)Pode ser entendido como substância as partes inerentes ao todo. Partes
constitutivas que, se eliminadas, compromete a existência do corpo​6​. (4) Ademais, entende-se por
substância a essência, que por sua noção as coisas são definidas. É substância, em sentido próprio,
este último. Aristóteles, compreende a substância em todos esses sentidos, porém, à forma é
concedida uma superioridade em relação à matéria e ao sínolo(matéria+forma), em virtude da forma
não está sujeita à mudança, ao tempo e ao espaço, o que os tornam “inferiores” em contraste com a
forma.

Potência (...​δύναμισ) - (1) Entende-se como princípio do movimento da coisa, princípio


esse que pode ser externo ao que é movido ou interno, ou seja, quando a coisa é causa da sua
própria mudança enquanto outra​7​. (2) Pode-se entender potência em um sentido passivo, quando
dizemos que uma coisa é passível de mudança, v,g, existe em um homem barbado a potência para
ser barbeado.(3) Chama-se também potencia a execução com excelência de uma ação,e.g, quando
asseveramos “essa mulher tem potência para a oratória”.(4) Entende-se como a capacidade de algo
de manter-se impassível frente às diversas afecções das quais está sujeita. Tem-se essas coisas como
dotadas de uma potência inexorável que não possibilita a sua corrupção.

​Livro VI

No livro sexto, Aristóteles, estabelece a primazia da ciência das primeiras causas e volta à
identificar o objeto de pesquisa dessa ciência como as primeiras causas dos seres. Um ponto fulcral
desse livro é a diferenciação entre a filosofia primeira e as outras ciências. De modo semelhante,
parece que todas as ciências estão em busca de princípios e causas, porém, à ciência primeira
interessa o princípio geral e a causa de todos os seres, ao contrário das outras ciências que buscam
princípios e causas de uma circunscrição do Ser. Outrossim, a filosofia primeira procura determinar
e buscar o que é verdadeiramente as coisas que são, i.e, indaga sobre a essência das coisas. Por
outro lado, as outras ciências a assumem como pressuposto para as suas investigações. De modo
análogo ao anterior, as ciências empíricas e as matemáticas admitem a existência dos objetos
tratados em seus escopos específicos, já a filosofia primeira discutirá e perguntará sobre como se dá
a existência dos seres, de onde provierem e como se mantêm na realidade.

6
. Aristóteles parece mencionar essa concepção de substância em referência aos platônicos e aos
pitagóricos e não como parte integrante da sua doutrina da substância.
7
. Pode-se exemplificar como: Um barbeiro que corta a própria barba. Ele a corta não na qualidade de um
homem barbado que quer tirar a barba, mas ele é princípio de mudança de si mesmo na qualidade de
barbeiro.
Em um segundo momento , o Estagirita, realiza a discriminação entre as ciências​8​, com o
fito de entrar no âmbito das ciências teoréticas(Física, matemática e a filosofia primeira) e
estabelecer a primazia da filosofia primeira entre estas. Argumenta ele que: se existe algo eterno,
imóvel e suprassensível caberá à uma ciência teorética o seu exame. Não será a física, pois, mesmo
que trate de realidades separadas não trata das imóveis; Nem a matemática,pois, mesmo que seus
objetos sejam imóveis, são ainda imanentes ao sensível. Portanto, caberá à filosofia primeira
investigar sobre as realidades concernentes ao que é eterno, imutável e imóvel. Diz ele que ”Será
filosofia primeira, e desse modo, ou seja, enquanto primeira, ela será universal, e a ela caberá a
tarefa de estudar o ser enquanto ser, vale dizer, o que é o ser e os atributos que lhe pertencem
enquanto ser”(Metafísica,[1026b30])
No segundo ponto do capítulo, Aristóteles, se deterá nos sentidos que Ser pode ter.
Findando a discussão quanto ao Ser entendido como acidental e mostrando a impossibilidade de
haver uma ciência do que é acidental. Argumenta ele que: Não há ciência produtiva que trate do
que é acidental; quando um cozinheiro prepara um alimento não o faz com o fito de ser saudável ou
malsão a sujeitos particulares que se alimentam dele (Será saudável à quem não tenha algum
desajuste intestinal e malsão aos que o tem). Isso ocorre de modo alheio à intenção do produtor.
Por isso, o que é acidental é o que não existe nem necessariamente, nem na maioria das vezes, mas
existe às vezes. Não há ciência produtiva que investigue o que é acidental. Pois, para haver
cognoscibilidade de um objeto investigativo é preciso que haja a mínima determinação de sua
ocorrência e de suas causas. O que não é o caso que ocorra com o ser acidental, em virtude dele ser
propriamente algo eventual e fortuito. Portanto, não havendo possibilidade mínima de
cognoscibilidade.
Aristóteles, então, versará sobre o ser como verdadeiro e o não-ser como falso. Notara que
esse sentido de ser é próprio do pensamento e de suas operações, a saber, as operações de conectar
as coisas que são conexas e dividir as coisas divisíveis. O ser em tal acepção é um ser puramente
mental e as operações que lhe articulam são afecções da mente. Cabe, então, não à metafísica a
perscrutação desse ser, mas a lógica, visto tratar-se de uma atividade da mente humana,nesse
sentido, destituído de ​densidade ontológica. Portanto, não reside nesses dois modos de conceber o
ser à ciência do ser enquanto ser. No caso do ser acidental, as causas são indeterminadas; No caso
do ser como verdadeiro, é um ser mental. À busca do filósofo( ou sábio, como dito no livro um)
consiste na investigação do ser enquanto ser, destituída dessas características secundárias e
particulares. Nessa perspectiva, a inquirição metafísica de Aristóteles encaminha-se à sua doutrina

8
. A saber, ciências práticas( que tem como objeto o princípio de movimento que existe no sujeito. Percebido
pela ação, que principia e finda em razão do próprio sujeito.) Ciências poiéticas( Semelhante à anterior na
esfera da ação , conquanto, tem como fim produzir algo exterior ao agente)Ciências teoréticas(Que tem
como âmbito investigativo os objetos separados da esfera sensível)
da substância. É nela que se estrutura todo o sistema metafísico aristotélico. Pode-se, então,
entender a ontologia aristotélica como essencialmente uma usiologia.
Livro X
No livro X as indagações sobre o um são retomadas e desenvolvidas de modo mais amplo,
isso acontece porque ao se tratar do ser, o filósofo, também deve, tratar do um, já que são conceitos
próximos​9​.
Primariamente, é dito, os sentidos em que ‘um’ é entendido. são eles : (a) O um como o
que é contínuo, principalmente contínuo por natureza,v.g, os animais, as plantas, em contraposição
ao que é contínuo artificialmente, como, por exemplo, uma porta, uma cadeira etc. (b)O um como o
que é inteiro,i.e, se o princípio de sua continuidade é imanente. Ademais, os outros sentidos nos
quais são entendidos o um dizem respeito a noção de unidade e indivisibilidade que é captada pela
intelecção das coisas.(c) quando a intelecção apreende o que indivisível por meio da forma, é o caso
das espécies, que são unidades específicas,vg,cavalo,homem,anjo.(d) por meio do número, é o caso
dos indivíduos particulares, que são unidades individuais, vg, Platão, Sócrates etc. Nesta
diferenciação, Aristóteles concebe que o último sentido é causa da unidade do primeiro. Desse
modo, a forma é causa da unidade das substâncias e um em sentido primordial.
Logo após essa conceituação das noções de um, o Estagirita ocupar-se-á da essência do
‘um’, que é compreendida em sua definição. O um consiste em ser indivisível,além do disso, em ser
medida primeira no gênero de todas as coisas. Diz ele:
De fato, em todos os casos, busca-se como medida algo uno e indivisível e isso é o que é simples ou segundo
a qualidade ou segundo a quantidade. Portanto, a medida da qual é impossível acrescentar ou retirar algo é medida
perfeita. Por isso a medida mais perfeita de todas é a medida do número: de fato põem-se a unidade como indivisível
em todos os sentidos
Aristóteles,metafísica,[1052b30-35]

Em outras palavras, a medida mais perfeita é o um porque conhecemos quando dividimos


as coisas particulares em seus constitutivos unitários, seja segundo à quantidade seja segundo à
qualidade.
Nesse ínterim, Aristóteles, apresenta a acepção de contrariedade como uma diferença
perfeita entre dois opostos e a desenvolve no decorrer dos últimos capítulos. Mas, o que mais nos
interessa é como essa contrariedade ocorre nas substâncias. Nesse sentido, é qualificado como se dá
a diferenciação entre seres de uma mesma espécie que possuem características comuns que os
unifica, a saber, o gênero. Para haver diferenciação de espécie é preciso que o gênero seja comum.
Por exemplo: Um pé de manga é diferente de um pé de pitomba, todavia, há algo que ambos são e
que os diferencia enquanto tais, isto é, pode-se dizer que ambos são plantas

9
.São até mais próximos dos outros sentidos que o ser pode ser entendido, e que foram tratados nos
capítulos anteriores, a saber, ser por acidente,ser categorial,ser como potência e ato etc.
Nesse mesmo âmbito é coloca um interessantíssimo tópico: Por quê certas contrariedades
tornam as coisas diferentes por espécie e outras não ? Por exemplo: Por que tanto do homem e da
mulher podemos predicar homem - no sentido de humano- enquanto que entre um animal bípede e
uma árvore não podemos predicar um mesmo gênero nem a mesma espécie. Responde Aristóteles
que, na primeira diferenciação ocorre modificação apenas na espécie, ao contrário da segunda que
ocorre modificação no gênero. Entre homem e mulher só há distinção acidental, referente às
afecções próprias da matéria. Assim como a diferença entre homem branco e homem negro está na
esfera acidental e material. Portanto, diferenças formais modificam o gênero e produzem distinções
na espécie(Por exemplo, uma pedra e um macaco); Enquanto que diferenças relativas somente ao
composto - diferenças próprias do gênero (como no gênero animal: macho e fêmea) ou diferenças
especificamente materiais(como branco e negro) - não produzem distinções no gênero

Livro XII

Nesse livro é postulado o coração da metafísica aristotélica, o motor imóvel. Porém, antes
disso, Aristóteles preocupa-se em retomar assuntos já tratados, recapitulando-os e dirigindo-os, de
maneira apropriada, ao presente tópico. Ele começa por resgatar noções precípuas que agora
ser-lhe-ão úteis. Tais como: Os princípios e causas que são procurados pela filosofia primeira
concerne à substância, ela é o objeto de investigação dessa ciência. Isso por que, a substância é o ser
fundamental da realidade. Ela é primeira nos mais diversos aspectos do real, seja no que diz respeito
ao universo como um todo, seja em relação às outras categorias, que, só ​são porque há substância.
Essa prioridade da substância na metafísica aristotélica, demonstra seu caráter usiológico, que é
justificado no ínterim da obra.

Aristóteles, então, diferencia os tipos de substância​10 e expõe algumas peculiaridades a que


estão sujeitas. Entre essas peculiaridades estão: Como se dá a geração ( que se diferencia entre as
substâncias ) e a mudança (em razão da distinção que ocorre entre substância sensível e substância
imutável). Quanto à geração, diz Aristóteles, as substâncias provêm de outras substâncias da mesma
natureza, que lhe são causa eficiente. Pode ocorrer dos seguintes modos: pela arte (onde o princípio
gerador é exterior ao que vem a ser ,i.e, o produto) pela natureza( onde o princípio gerador é o
próprio sujeito) e pelo acaso(ocasionado pela privação das ocorrências anteriores). A mudança
ocorre entre contrários em um substrato, sendo esse transformado de um contrário para outro, ou
seja, diz respeito à matéria. A mudança é constituída pela : causa do movimento, o motor imediato;
o que é mudado, a matéria; em que é mudado, a forma.

10
. A saber, substância sensível-corruptível (plantas, animais, tudo que possui matéria corruptível derivada dos quatro
elementos), sensível incorruptível (as estrelas, os planetas, os astros, pois são derivados do éter) e suprassensível (o
motor imóvel e os outros motores secundários).
​ udança é uma noção
Entendida como ​a realização do que está em potência, m
fundamental que conduzirá ao motor imóvel, pois ​tudo que se move é movido por alguma coisa.
Argumenta Aristóteles que : Uma vez que a substância é primeira na realidade, se tudo que é fosse
corruptível, não haveria nada incorruptível. Ora, o tempo e a movimento não se corrompem​11​. Então
é imperioso que haja uma substância eterna, que seja causa da eternidade do movimento. ​Em
virtude da existência da mudança, a qual as substâncias estão sujeitas, Aristóteles deriva, como
consequência dessa constatação, a existência de uma substância eterna que é causa do movimento.
Isso é uma consequência necessária do que foi anteriormente postulado. Pois, tendo em vista que as
substâncias são a primazia da realidade, se todas elas fossem perecíveis tudo estaria passível de
deixar de ser. Disso ele infere condições que tornam a estrutura do primeiro motor coesa. Ei-las: (a)
É preciso que essa substância seja em ato, em virtude da anterioridade do ato sob a potência no
processo de mudança. (b) Não é possível que nessa substância haja potência, caso contrário não
haveria movimento eterno, como é o dos céus. (c) Essa substância é consequentemente imaterial,
dada a necessidade de sua eternidade, além disso, a matéria pode ser concebida como potência para
o não-ser.

Aristóteles finda o capítulo salientando que o tipo de causalidade exercida pelo primeiro
motor é a causalidade final, pois move(atraí) as coisas como objeto de amor, como supremo fim, em
razão do desejo da perfeição que há nas substâncias, permanecendo imóvel. Assim como o belo e o
bom movem a vontade humana sem moverem-se e o inteligível move a inteligência sem se mover.

11
. Essa asseveração é feita dada a própria natureza do tempo, uma vez que, se pensarmos em uma ‘geração’ ou
‘corrupção’ desse já estaríamos colocando o tempo em termos de anterioridade e posterioridade. Ora, como pode
haver anterioridade e posterioridade se não houvesse tempo. Considerações análogas podem ser feitas ao movimento
e a mudança, já que estes são percebidos no tempo.
O Sofista
O problema de como o discurso retrata a realidade era um problema em voga em
Atenas na época de Platão(Assim como as questões de gênero, questões climáticas o são na
contemporaneidade), e nesse contexto o diálogo se desenvolve. Platão propõe uma síntese entre o
discurso e o real. Na primeira parte da obra, o personagem que conduzirá o diálogo- O hóspede de
Eléia – procura estabelecer um método apropriado de abordagem que levará ele e o seu interlocutor
– Teeteto – a entender de modo claro o que é o sofista e como se caracteriza essencialmente sua
atividade. No final da primeira parte (231b), a partir de uma série de dicotomias para definir o que é
o sofista, os discursantes o enquadram como: Um caçador interesseiro de jovens ricos, um mercador
dos ensinamentos da alma, um vendedor desses ensinamentos, um fabricante dos mesmos
ensinamentos, um praticante de ginástica de modo análogo aos discursos (especificamente dedicado
à arte da erística, que é a arte de argumentar de maneira contrária ao adversário com o fito de
apenas vencê-lo, e não de buscar a verdade) e, por último, um purificador de opiniões que impedem
a educação da alma. Ao inquirirem sobre quais tópicos o sofista discute, percebem que são muitas
as questões das quais eles produzem discursos falsos e ilusórios.Decidem, então, tratar do discurso
falso e da falsidade em geral.
Como é possível dizer uma falsidade? Pois, um discurso falso trata de “coisas que não
são”, mas, por serem ditas, de alguma maneira ​são. A possibilidade do discurso falso contrária o
sistema parmenídeo, que não permite dizer que ​são coisas que ​não são​. Como “o que não é” não é
possível qualificar qualquer nome, nem objeto. Pois toda a referência é para “algo que é”. O “não é”
não é nada”. Essa é a aporia que conduz qualquer discurso que se proponha versar sobre sobre “o
que não é”. É colocada, então, a questão da verossimilhança, a imagem de certo modo “é“ e “não
é”. Para superar essa aporia, é preciso criticar o sistema de Parmênides, pois é forçoso concluir que
de certo modo o que não é é, e o que é não é.
O hóspede de Eléia empreende um exame dos modos com os quais o Ser fora
qualificado pelos diversos sistemas. Identificando problemas nas formulações feitas ao Ser pelos
antigos sistemas. Há os que identificam “aquilo que o ser é” como matéria, e outros afirmam que o
ser é imutável, imóvel e Uno, distinguindo-o dos corpos, que estão sujeitos à geração e à corrupção.
Para os que concebem “aquilo que é” como algo material, o Hóspede de Eléia dá como exemplo a
alma e a virtude, que não são corpos, mas, que são Ser de alguma maneira. Por outro lado, há coisas
que são, e , no entanto, são móveis. O próprio conhecimento que tem como objeto os entes,
movimenta-se em direção a eles. Essa concepção leva a concluir que o movimento, vida , alma e
inteligência não integram o Ser.
Muitos são os problemas que essas concepções do Ser produzem, principalmente a
última, que tem seu expoente na escola Eleática. O monismo absoluto de Parmênides leva a duas
principais aporias. (1)O problema relativo a predição: “Ser” e “Uno” são dois nomes distintos para
uma mesma coisa, o que já contradiz a ideia de admitir somente o Uno. A própria admissão de que
o nome é, e a coisa que ele exprime também é, coloca em xeque o monismo absoluto. Pois, então, o
nome e a coisa são dois distintos e não uma só coisa. (2) Além disso, quando Parmênides reconhece
o Uno como uma esfera acaba atribuindo-o partes, como centro e extremidades, o que deixa de ser
um Todo.
Platão , na boca do hóspede de Eléia, expõe sua noção de “comunhão entre os gêneros”
para responder as aporias que o monismo eleático provoca. Partirá das relações entre as idéias
supremas( meta-ideias) nas quais “Movimento”, “Repouso” e “Ser” pertencem. “Repouso” e
“Movimento” se relacionam de modo negativo, não há participação de uma ideia de outra. Já o
gênero “Ser” se relaciona positivamente com as duas,pois, o movimento ​é​, da mesma forma que o
repouso também ​é​. Porém, já que são três ideias gerais, cada uma possui identidade consigo mesma,
e também, diferenças umas das outras. Disso surgem dois outros gêneros generalíssimos: “Diverso”
e “Idêntico”. Há um nexo dialético que integra essas cinco ideias e superará os limites ontológicos
imposto ao Ser pelo eleatismo. Do movimento pode-se dizer que ele é (é movimento), também que
ele não é (não é repouso). Além disso, o movimento participa do Ser, porém, não é idêntico ao Ser ,
nesse sentido, diz-se que ele é não ser. Esse procedimento dialético pode ser feito às cinco
meta-ideias, até mesmo com o Ser, pois, cada ideia não é a outra. Do que foi dito fica claro que há
dois sentidos diferentes em que se pode entender o não-ser: Primeiro, como negação do Ser, e nessa
acepção Parmênides está correto; Segundo, o não-ser como alteridade, como aquilo que o ser não é.
Com efeito, Platão diz:
Portanto, como parece, a mútua oposição de uma parte da natureza do outro e da natureza do ser não é,por assim dizer,
menos ser que o próprio ser, pois não significa um contrário do ser, mas simplesmente algo diverso com relação a ele
(Sofista,258b)

É preciso ousar ousar dizer que o não-ser possui firmemente a sua própria natureza. E como vimos que o grande é
grande e o belo é belo, e o não-grande é não-grande e o não-belo é não-belo, assim, pela mesma razão, também o
não-ser era e é não-ser, a saber uma Ideia una que entra no número da multidão das Ideias?
(Sofista,258c)
Momento quatro: Suma Teológica, Prima Pars(Tomás de Aquino)

Na perspectiva de Santo Tomás de Aquino, e da escolástica, a filosofia é o recurso


utilizado pelo teólogo para desenvolver as razões pressupostas pela fé. Os chamados ‘preâmbulos
de fé’ são as verdades que a própria razão consegue chegar sem recurso à revelação , e pela qual, a
fé firma-se como base. A investigação dessa natureza é tratada na chamada teologia natural.
Questões como ‘a existência de Deus,’ ‘a imortalidade da alma’ precisam conter conteúdo
racionalmente estabelecido para que entendamos o que daí se segue. Depois desse ponto, chega-se a
teologia sagrada que tem como pressupostos as verdades racionais e se desenvolverá a partir da
revelação. A filosofia não esgota tudo que há para conhecer. Com ela, temos um conhecimento
imperfeito da realidade, conhecimento esse que a teologia esclarece e ratifica a partir dos aspectos
relativos à salvação. Pela luz da graça, a natureza racional é melhorada. Assim, a filosofia é
melhorada pela teologia.
O ponto fulcral, e mais famoso da obra do Aquinate, são as demonstrações que provam a
existência de Deus. Porém, não é evidente a existência de Deus para nós, pois, para que seja
evidente para nós, precisaríamos conhecer como o predicado faz parte em si da razão do sujeito. Por
exemplo, quando dizemos que o homem é animal, sabemos que animal é parte integrante da razão
de homem. Sabemos o que significa ‘homem’ e sabemos o que significa ‘animal’ daí se segue que
inferimos que o gênero ‘animal’ é parte integrante da espécie ‘homem’, o que não ocorre com
‘Deus existe’. Ou seja, não nos é conhecido como existir faz parte de Deus. Para que a existência de
Deus seja conhecida por nós é preciso que invertemos a ordem do real,i.e, das causas ao efeito, pela
ordem do conhecimento,i.e, do efeito para a causa.
Então, levanta-se a questão: É possível demonstrar a existência de Deus ?
Santo Tomás, diferencia dois tipos de demonstrações: Pela causa(​Propter quid​) ​– É
​ a
demonstração do que é anterior de modo absoluto na ordem da realidade - e pelo efeito(​Quia)​ –
Demonstração do que é anterior para nós - i.e, pela ordem do conhecimento, que parte do efeito à
causa. Na realidade, vemos os efeitos da obra criadora que tem como causa Deus. Pela existência do
efeito, sabemos que há uma causa, mas não sabemos o que ela é, pois não é tão evidente quanto o
efeito. De um efeito qualquer pode-se inferir a existência de uma causa, mesmo que, o que essa
causa verdadeiramente é seja desconhecido.
No artigo três da questão dois, Tomás trata da existência de Deus. O aquinate, nesse artigo,
expõe os seus argumentos para provar a existência de Deus. Isso é efeito por meio das cinco
vias(​Quinque viae​), argumentos a posteriori, que por meio da observação de como as coisas são,
chegam à existência de um ser criador. “E a isso chamamos Deus(​Et hoc dicimus Deum)​ ”, frase
que encerra os argumentos do artigo.
Primeira via- Movimento
Mover é passar algo que está em potência para a sua efetivação em ato. Não ocorre que
uma coisa esteja em ato e em potência sobre o mesmo aspecto, sendo causa de sua própria
mudança. Por exemplo, algo não pode estar potencialmente gelado e gelado de maneira efetiva. Ou
seja, algo não pode ser motor e movido em relação ao mesmo aspecto e sobre si mesmo. Se assim é,
o movimento de algo tem como motor outrem, e este, outro motor, assim, a mudança de uma
qualidade tem como motor outro ente que possui a qualidade modificada em ato. Essa série não
pode regressar ao infinito, pois em uma série de infinitos termos nenhum seria anterior ou posterior
a outro, desse modo, não haveria motores secundários, o que é um contra intuitivo, pois vemos que,
por exemplo, a razão da moção de um bastão é a mão de um homem. Portanto, se não é o caso que a
série é infinita, então existe um primeiro movente.
Segunda via – Razão de causa eficiente
A segunda via é similar à primeira, pois tem como pano de fundo a impossibilidade de
uma série infinitas de termos. Entre as coisas que existem há uma ordem de causas eficientes,i.e,
vê-se que há coisas que efetivam a existência de outras. Por exemplo, o escultor é a razão do vir a
ser da escultura. O mesmo acontece com os pais em relação aos filhos, o gol em relação ao jogador
etc. Não é o caso que uma casa surja sem ser causada por um artífice. Ora, essa ordem, se regredida,
chegará a uma causa eficiente primordial que causou todas as demais causas, e foi causa de si
mesma, iniciando a ordem de causalidades dispostas hierarquicamente.
Terceira via – Necessidade
Das coisas que são há aquelas que podem ser e não ser,i.e, são possíveis. Ou seja, houve
um momento em que não foram e passaram a ser e, em algum outro momento, deixarão de ser. Se
todos os entes compartilhassem dessa natureza possível, houve um momento em que não havia
nada. Porém, do nada, nada pode vir. Se houve tal momento, em que nada havia, hoje, ainda, nada
existiria, o que não é o caso. Além disso, o que não é só passa a ser a partir do intermédio de um
outro entre que é. Portanto, é imperioso que exista um ente que é causa de sua própria necessidade e
que passou ao Ser todo o mais que antes não era​12​. Cabe aqui apresentar as distinção entre a
natureza do ser dos entes​13​: Dizemos que Deus, e o resto dos entes, existem, porém, de maneiras
distintas. Apenas Deus é ​Ser, enquanto as coisas possuem potência para ser. Nesses termos, a

12
Santo Tomás, passa das considerações dos seres que estão sujeitos à geração e à corrupção para os
entes necessários incorruptíveis. Estes, por sua vez, tem como causa de sua natureza necessária outro ser
necessário. Sendo assim, é forçoso que haja um ser que é a causa de sua própria necessidade, caso
contrário regressaria ao infinito. Outrossim, nos próprios seres contingentes é possível enxergar uma
natureza necessária no composto( Matéria e forma), como a essência, e a própria necessidade do Ser,
pois,o que é não pode ser e não ser concomitantemente.
13
Tudo o que existe é ente, porém, deve-se fazer uma diferenciação entre ente lógico( puramente
conceitual) – Por exemplo, Cegueira, que não existe efetivamente na realidade exterior, se não como nos
referimos a privação da visão dos olhos - e ente real(extra mental) – como Sócrates, que efetiva sua
existência pelo ato de ser da sua essência. Nesses termos, o que é, apresenta natureza ontológica distinta.
essência do criador ​é a própria existência​, mas nas criaturas, ​a essência tem existência​. É o ato de
ser que, em combinação com a essência, torna o ente real(extra mental). A essência das criaturas
não possui uma relação necessária com o existir, sendo assim, potência de ser. Ao contrário, a
essência de Deus é o próprio ​Ser​, necessariamente. Do que foi dito demonstra-se o caráter
contingencial do mundo. Esse é o núcleo da metafísica tomista que fundamenta as cinco vias.
​Quarta via- Graus de Ser.
Nas coisas vemo encerradas certas qualidades, que, a depender do que se examina, estão
nos seres de modo mais acentuado ou não. Por exemplo, podemos pensar em uma qualidade
material como estar molhado. O que é molhado assim o é em razão de um outro ser que é
essencialmente molhado, nesse caso, a água. Ou seja, A água, que é molhada em grau máximo, é a
causa do molhado nas outras coisas, que derivam o ser molhado dela. Para o doutor angélico, isso
também se aplica às qualidades não materiais, como o que é verdadeiro, o que é belo, o que é justo.
Se há coisas que são verdadeiras assim o são por derivarem de um ente que encerra em si a própria
verdade em grau ontológico perfeito. E esse ente possui essa qualidade de maneira não acidental, o
que não ocorre com as qualidades materiais, que possuem seu grau de intensidade mensurado pela
quantidade. Dado o que foi dito, pode-se entender que os graus de ser implicam a graduação da
unidade. Quando mais um ente é ​Ser​, mais uno ele é. Por isso, Deus é, de maneira especialíssima,
uno, pois sua unidade vem da simplicidade da totalidade do Ser, que é ele mesmo.
Hierarquicamente, seguido de Deus vem as substância naturais, que são unas por sua combinação
entre essência e ato de ser.
Quinta via- Governo das coisas.
As coisas que não possuem conhecimento e inteligência tendem a um fim natural
determinado por sua própria natureza. É o que ocorre com um cachorro que tende a manter-se na
sua natureza - na sua cachorrice, digamos assim - e conservá-la de qualquer alteração qualitativa.
Em termos aristotélicos, as coisas tendem à perfeição, que se na manifesta na busca por sua causa
final. Porém, aquilo que não possui conhecimento não tende a um fim por si mesmo, mas por uma
inteligência que o dispôs a atingir esse fim específico, como um tiro que é disparado em direção ao
alvo pelo atirador. De maneira análoga, existe uma inteligência ordenadora que dispôs as coisas
naturais a dirigirem-se ao seu fim.
Momento cinco : Meditações de Filosofia Primeira, Meditações II e VI (Descartes)

A crítica ao modo de configuração tradicional da ciência é o que leva Descartes a


empreender seu projeto filosófico : A reconstrução da metodologia científica a partir da relação
mais basilar que há nesta, a relação entre o “eu” e o mundo. Há adequação perfeita entre o intelecto
e os objetos ? O conteúdo apreendido pelos sentidos é de caráter indubitável? : São algumas das
questões que podem ajudar a entender o que pretende Descartes.
Começa, desse modo, um profundo processo de reavaliação veritativa das informações que
desde a tenra idade são transmitidas a ele. Seja as informações provenientes dos sentidos, seja as
crenças repassadas, cuja verdade é duvidosa. São essas crenças e informações que fundamentam o
conhecimento dos homens e a ciência, o que justifica o caráter hesitante de Descartes quanto a
verdade dessas. Levando-o a buscar reconstruir o edifício do conhecimento por meio da
implementação da dúvida metódica – ferramenta que será usada na demolição do edifício anterior –
rejeitando as informações e crenças incertas, buscando por algo que se apresente de modo auto
evidente à razão.
Descartes abraça o procedimento da dúvida, tanto a natural, referente às informações
oriundas dos sentidos, quanto a dúvida metafísica, referente às imagens formadas em seu intelecto;
procurando algo firme e certo que seja seu ponto de partida. No terceiro parágrafo conjectura que
talvez a única certeza que possa ter é que não há certeza. Mas, pergunta ele, de onde surgiu essa
dúvida? De que ser teria ela vindo ? Ele mesmo, talvez seja a causa de tal pensamento, já sugerindo
que é preciso que ele seja alguma coisa para que fosse possível duvidar.
Mas, de onde sei que não há algo diverso de todas as coisas cujo censo acabo de fazer e a respeito de que não
haveria mais a mínima razão de duvidar? Não há nenhum Deus, qualquer que seja o nome com que o chame, que tenha
posto em mim esses mesmos pensamentos ? ​Não sou, portanto, eu pelo menos algo ? ​Mas já me neguei a posse de
todos os sentidos e de todo corpo.
(Descartes,2004,p.43)

Quando a impressão factual do mundo exterior é posta em dúvida, pode-se chegar como
consequência de que quem implementa tal dúvida também nada seja. Todavia, apesar da empresa de
um enganador sumamente poderoso que o engane sobre tudo o mais, nunca esse, haveria de
fazer-lhe crer que ele nada seja, enquanto ele pode pensar que é alguma coisa. A razão, pela
capacidade de julgar, é a condição de inteligibilidade do mundo. É por ela que o sujeito
afirma,nega,deseja,dúvida,imagina. Não há gênio maligno que possa enganar quanto a isso, pois,
mesmo que todo o conteúdo imaginativo não passasse de uma ilusão, a capacidade de imaginar não
pode o ser. Capacidade essa que pressupõe algo pensante, capaz de imaginar.
Não há dúvida,portanto, de que eu, eu sou,também, se me engana: que me engane o quanto possa, nunca
poderá fazer,porém, que eu nada seja, enquanto eu pensar que sou algo. De sorte que, depois de ponderar e
examinar cuidadosamente todas as coisas, ​é preciso estabelecer, finalmente, que este enunciado eu, eu sou,eu
existo é necessariamente verdadeiro,​ todas as vezes que é por mim proferido ou concebido na mente
(Descartes,,2004,p.45)
Descartes, nesse ponto, chega a sua primeira certeza, certeza essa que não se pode mais
negar. Esse é o ponto inicial no qual é possível a construção sólida de um novo edifício do saber, a
partir do critério de verdade da existência do “eu”.
É a pergunta “quem sou eu ?” que trará a tona a dúvida quanto ao testemunho que os
sentidos nos dão. Quando se faz essa pergunta percebe-se que há coisas que parecem fazer parte do
“eu” e que o “eu” é responsável por fazer. Locomover-se, alimentar-se, pensar, sentir. Ao corpo
cabe realizar ações específicas, e a alma outras, mas tudo isso, parece ser o “eu” que empreende.
Porém, Descartes realiza uma suposição: E se aquele mesmo enganador maligno que me enganara
quanto a aos dados dos sentidos me engana agora quanto a essas ações que atribuo ao “eu”.
Supondo que tudo o que é percebido não passa de uma ilusão, há apenas uma das ações
empreendidas que pode-se dizer ocorrer sem a existência de um corpo que percebe e que não pode
ser separado do “eu”: o pensamento. O puro pensamento é o atributo principal do natureza humana,
é somente por ele que é possível duvidar. Somente ele passa pelo crivo do método e firma-se como
algo claro e distinto, que não poderia se realizar sem a existência de um “eu” pensante.
Em uma primeira consideração, parece que não há nada mais verdadeiro do que os corpos
particulares. A existência desses se dá de maneira mais manifesta do que a existência do
pensamento, que se considera ser o “eu” verdadeiro. Isso se constata quando um corpo qualquer é
considerado. Descartes dá o exemplo da cera, mas pode ser feito com qualquer outro corpo,por
exemplo, um pedaço de plástico. Quando um plástico é examinado, parece está presente as
qualidades exigidas para conhecer algo de modo objetivo e claro. Esse objeto possui
textura,peso,som,figura etc. Porém, quando esse plástico sofre um processo de mudança - como por
exemplo, o derretimento ao aproximá-lo do fogo - todas as qualidades que se considerava conhecer
desse objeto deixaram de existir. Ele torna-se líquido, possuirá outra textura, outra figura etc. Mas,
mesmo assim, aquele corpo ainda permanece plástico. Todas as qualidades percebidas
anteriormente pelos sentidos já se modificaram mas o plástico permanece. Portanto, aquele corpo
não era as qualidades percebidas, mas sim um corpo extenso, que pode apresentar-se de diversos
modos a depender das circunstâncias que está submetido, porém ele é indubitavelmente um corpo
extenso. A imaginação e os sentidos não podem apreender o que é esse corpo extenso de modo
claro, pois são inumeráveis os modos de lhe perceber e de lhe imaginar. Depreende-se daí que a
ação de perceber é uma capacidade da mente. Uma coisa é certa, eu vejo esse corpo, eu o toco, eu o
imagino, mesmo que todos os modos de perceber sejam uma ilusão, a capacidade de ver, de
perceber pressupõe alguém que os faça, uma coisa pensante.
Meditação sexta

Após a implementação da dúvida quanto aos sentidos externos, em razão do engano dos
sentidos, e quanto aos internos, pelas impressões verossímeis do sonho, Descartes procura superá-la
ao considerar a bondade de Deus e as faculdades próprias desempenhadas pelo pensamento, a saber,
a imaginação, a intelecção e o sentir; que com o pensamento, em união com a substância extensa,
formam uma unidade essencial. Procura ele, nessa meditação, pela condição de possibilidade do
conhecimento do mundo físico, condição essa que envolve o conhecimento claro da natureza do
corpo, substância extensa, e da natureza da alma, substância pensante. Diz Descartes:
De modo que para dispensar-lhe um tratamento mais apropriado, é conveniente cuidar igualmente do que
seja sentir, examinando se, a partir das coisas percebidas por esse modo de pensar que chamo sentir, posso obter
algum argumento certo em favor da existência das coisas corporais
(Descartes,2004,p.161)

Pela imaginação, que é a aplicação da faculdade cognoscitiva aos corpos, depreende-se que
há corpos que são imaginados.
A imaginação é a representação mental de um objeto; a intelecção pura é a compreensão
conceitual do objeto. O modo com o qual a imaginação opera só ocorre por que há um corpo. Na
intelecção a mente opera por intermédio dela mesma, já a imaginação tem como referencial uma
ideia que fora apreendida pela mente, percebida pelos sentidos. Desse modo, só há imaginação por
que existem corpos que são referenciados pela capacidade imaginativa.
Dentre os diversos corpos que parecem exteriores ao sujeito, mostram-se percepções
sensíveis diferentes. É percebido dureza,maciez,odor, bom cheiro etc, alguns desses são agradáveis
e buscados pelo sujeito, outros são desagradáveis e evitados. Assim, o composto - corpo e mente - é
afetado pelos outros corpos que o circundam, o que demonstra que tais percepções são causadas por
algo externo ao sujeito. Outrossim. no sujeito está encerrada certa faculdade passiva de intelecção
das ideias das coisas sensíveis. Para que essa venha a ter utilidade é preciso que algo detenha a
faculdade ativa de produzir essas ideias. Sendo que, quando examina-se a natureza da produção
dessas ideias, percebe-se que ocorrem, muitas vezes, sem a cooperação do sujeito. Esta faculdade
ativa pertence a outra substância que não o sujeito, substância essa que produz a ideia formalmente
ou efetivamente, constituída de toda a realidade objetiva presente na ideia. Essa substância ou é
uma substância extensa ou uma substância mais nobre, tal como Deus. Tendo em vista a bondade de
Deus, que não é enganador e dotou-nos da clara impressão que essas ideias provém das coisas
corporais, é imperioso a existência dos corpos, que existem como substrato das ideias que pelo
sujeito são inteligíveis. Essa concepção é esclarecida pelo vigésimo parágrafo da sexta meditação:
Mas, como não é enganador, é de todo manifesto que Deus não põe por si, imediatamente, essas ideias em
mim, nem mediante alguma criatura que contivesse não formalmente, mas só eminentemente, a realidade que,
nelas, é objetiva. Pois, como ele não deu nenhuma faculdade para o reconhecer, e ao contrário, deu-me uma
grande propensão para crer que elas são emitidas das coisas corporais, ​não vejo razão por que não o possa
entender enganador, se essas ideias forem emitidas de alhures que não das coisas corporais. Por conseguinte,
é preciso confessar que​ as coisas corporais existem. ​(Descartes,2004,p.173)

A asseveração de que Deus não é enganador abre o precedente para que a natureza –
entendida aqui como o conjunto das coisas que foram atribuídas ao sujeito por Deus – apreenda
com certa verdade às realidades extensas. A natureza, pelo seu testemunho parcialmente veraz,
atesta que o sujeito tem um corpo. Evidenciando-o pela ocorrência das sensações, como fome, frio,
sede , e, além disso, que o corpo ea mente possuem uma ligação essencial. O Composto – corpo e
mente - estão estritamente ligados, o homem é então uma unidade composta.
Momento seis : Ciência da Lógica, Prefácios (I e II) e introdução (Hegel)

Pode-se entender o projeto filosófico apresentado na ​Ciência da Lógica​(Wissenschaft der


Logik) como uma tentativa de aperfeiçoamento lógico da filosofia. A identidade entre o puro
pensamento, objeto da lógica, e a realidade constituem o principal “insight” da ciência da lógica.
Hegel retoma o centro da pesquisa filosófica à ontologia por meio da lógica - que foi um
instrumento utilizado pelos filósofos por toda a história da filosofia, sem alterações substanciais,
desde Aristóteles - ao contrário dos rumos que vinha tomando a filosofia moderna, que tinha como
norte de pesquisa o projeto gnosiológico da possibilidade de conhecimento.
A filosofia especulativa de Hegel tem como objeto e problema a ser resolvido a reunião
entre sujeito e objeto, relação essa que foi rigorosamente abalada pela noção de coisa-em-si
kantiana​14​. Um dos instrumentos que possibilitaria a retomada do empreendimento ontológico é a
lógica, que por sua vez, também precisaria ser reestruturada, por meio da reunião do conteúdo
factual e da forma estrutural​15​, que são diferenciados desde a antiguidade. Essa divisão entre
conteúdo e forma na ciência da lógica está inteiramente ligada à crise da credibilidade que a
metafísica vem a sofrer na modernidade, em virtude de a verdade dizer respeito ao conteúdo. Diz
Hegel: “ Isso é um fato: que o interesse, seja pela conteúdo, seja pela forma da metafísica anterior,
seja por ambos simultaneamente, está perdido” ( Hegel, 2016, p. 25). A metafísica e a lógica não
estariam preocupadas com a realidade mesma, enquanto verdade e validade fossem tratados como
campos distintos. Por conta do florescimento dos novos empreendimentos científicos, a metafísica
limitou-se a ser considerada como mera especulação formal destituída de validade empírica. A
ciência lógica precisaria compreender em seu escopo especulativo tanto a forma quanto o conteúdo,
desse modo, tornar-se-á uma ciência do real. Evoluindo seu campo de atuação que antes era
referente apenas às leis do pensamento, privadas de conteúdo, para a totalidade. Logo, a lógica
hegeliana se “ontoliza ” e a ontologia se “logifica”(com o perdão do neologismo), pela síntese
unitiva entre sujeito e objeto, forma e conteúdo, verdade e certeza. Nesses termos, pode-se dizer que
o princípio da filosofia de Hegel está na objetividade dos pensamentos, pois é nos pensamento que
está a determinação do real
O conceito de pensamento também sofre um novo desdobramento com o fito de adequar-se
ao projeto hegeliano. É nesse ponto que a perspectiva hegeliana diferencia-se tanto da relação
pensar/Ser presente na antiguidade, quanto da relação sujeito/objeto presente na modernidade. Na
primeira o pensamento se estabelecia como verdadeiro a partir da adequação com a realidade

14
A filosofia de Hegel é especulativa em sentido positivo, porque pretende superar a limitação do
conhecimento concebida por Kant.
15
A lógica tradicional, criada por Aristóteles, é essencialmente formalista,i.e, a forma estrutural do raciocínio
tem primazia sobre o conteúdo do qual se constitui o discurso.
exterior que existia ​per se, f​ ora do pensamento. Já na modernidade, essa relação é totalmente
distanciada e hierarquizada, sendo possível ao sujeito intuir somente o fenômeno e não a coisa
mesma. Para Hegel o que há, entre sujeito e objeto, não é uma conformação entre o pensamento e a
realidade objetiva, nem a impossibilidade gnosiológica kantiana, mas sim uma identidade entre
pensamento e objeto. É nisso que consiste a subjetividade objetiva. Esclarece Hegel:
A pura ciência pressupõe, com isso, a libertação da oposição da consciência. Ela contém o
pensamento, na medida em que ele é igualmente a Coisa em si mesma, ou seja, a Coisa em si mesma na medida
em que ela é igualmente o pensamento puro. Como ciência, a verdade é a pura autoconsciência que se desenvolve
e tem a figura do Si, a saber, que o ente em e para si é o conceito sabido, mas o conceito enquanto tal é o ente em
e para si.
(Hegel, 2016, p.52)
A lógica será a pedra angular na construção do edifício das ciências filosóficas. E como tal,
Hegel procura diferenciá-la das outras ciências, em razão de seu princípio operativo: O puro ser,
que equivale ao puro pensar, o conceito mais amplo no qual os outros conceitos derivam. O puro ser
é o que há de mais geral e abstrato, que não se se limita a nenhuma singularidade; é aquilo que não
possui nenhuma determinação, sendo assim, se identifica com o nada , pois não qualifica a
existência de nenhuma coisa propriamente dita. O ser é o imediato indeterminado, que se configura
a todas as categorias metafísicas, é o que ainda está para ser alguma coisa. O ser é o que há de mais
imediato na estrutura do pensamento, por exemplo, antes de dizer que x é y, digo imediatamente
que x é. O começo da ciência pura abarca, assim, o ser e o nada, que estão unidos
conceitualmente(pode-se dizer que o ser é o nada e o nada é o ser). É de bom alvitre notar que ser e
nada são proto-signos, unidades semânticas elementares que sustentarão todo o discurso sobre o
objeto-ente e para toda a caracterização do sistema lógico-ontológico hegeliano, sem que eles
referenciem à algo.
Entre as estruturas básicas do pensamento- ser e nada – há um trânsito dialético: Pelo
indeterminismo imediato do ser ele se converge ao nada, e o nada, por sua vez, pelo seu grau de
abstração conceitual acaba se encontrando com o ser. O movimento categorial de trânsito entre o ser
e o nada, é sintetizado por uma unidade conceitual que resolve as contradições desses dois
operadores lógicos basilares: O devir. O devir é o conceito lógico que compreende tanto a passagem
do ser ao nada quanto a passagem do nada ao ser, possibilitando o vir-a-ser e o deixar-de-ser. Eis
que o Devir se exprime como a verdade lógica fundamental da metafísica de Hegel.
Momento sete: Ser e Tempo, introdução (Heidegger)

O pensamento de Martin Heidegger está inserido no contexto moderno do homem em relação com
o mundo a sua volta. A filosofia moderna provocara uma cisão intransponível entre sujeito e objeto,
entre o ‘eu’ e o ‘outro’, separou o sujeito do mundo ao qual pertencia. Consequentemente, é a
compreensão do Ser que é afetada, tornando-o objeto de análise científica. Dessa forma, o Ser é
objetificado, assim como o próprio Sujeito, tornando-os suscetíveis de manipulação pelos novos
meios de mensuração da realidade surgido com o desenvolvimento das novas técnicas científicas. A
concepção Heideggeriana faz uma crítica à esse processo que causa um acentuado esquecimento do
Ser. Para Heidegger, a divisão entre sujeito e objeto abala a apreensão da verdade, que só é
possibilitada no próprio Ser como um todo, e não em suas partes tomadas isoladamente. Essa
dicotomia entre sujeito e objeto precisaria ser suprimida para que houvesse as mínimas condições
de se pensar o sentido de Ser, que é o mesmo que pensar sobre a essência do Homem.

Heidegger também constata que a metafísica tradicional errou ao postular a essência como algo
imutável e eterno, pois tal concepção nega a verdadeira natureza do homem, em virtude de não
abarcar o que há de mais humano no homem, a experiência, a possibilidade. Realizar as suas
potencialidades é o que há de mais necessário no pensamento, ao qual leva a essência das
coisas.Então,Heidegger empreende uma revisita à história da filosofia, que ele entende como
metafísica, para buscar as origens do esquecimento do Ser. Percebe ele que há uma relação
temporal que ocasionou o esquecimento do ser, a qual acontece desde o surgimento da metafísica
com Platão até um dos expoentes mais paradigmáticos que é o niilismo produzido pelas novas
tecnologias. E o que acarreta o esquecimento do Ser é o modo como ele foi pensado por todo o
pensamento metafísico: como um ente. Desde Platão, o Ser sempre é pensado como uma coisa. Ao
tentarem responder a pergunta mais fundamental de toda a filosofia, “ O que é ?’’(...​Quid est?), os
filósofos “coisificam” o Ser. Esse modo de interpretar a pergunta já distancia o Ser do que ele é,
tornando-o ente.

Para que o Ser seja pensado do modo como ele é verdadeiramente se faz necessário um novo modo
de concebê-lo, não mais o objetificando e tornando-o matéria para teorias, conceitos e serventias
práticas. É preciso afastar-se das determinações ontológicas anteriores impostas ao Ser. Diz
Heidegger:

Por mais rico e estruturado que possa ser o seu sistema de categorias, toda ontologia permanece, no fundo, cega e uma
distorção do seu propósito mais autêntico, se, previamente, não houver esclarecido, de maneira suficiente, o sentido do
ser nem tiver compreendido esse esclarecimento como sua tarefa fundamental

(HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo, primeiro capítulo, p.37)


Heidegger, para uma nova compreensão não-dual do ser, desloca o conceito de sujeito para outro:
Dasein, o​ ser-aí. Esse conceito compreende tanto o “eu” do sujeito quanto a relação do homem com
o ser, sua experiência no mundo, que é marcada pela indagação sobre o que é e o que não é. É o ser
que pergunta-se a si mesmo sobre o seu ser, e assim o conhece.
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