O ano é 2010, o Rio de Janeiro está prestes a ser palco de
eventos olímpicos muito importantes para a imagem do Brasil frente às grandes potencias econômicas mundiais. O fato é que episódios como a do ocorrido no Hotel Intercontinental maculam a imagem da cidade maravilhosa.
O Rio de Janeiro depois de Paris é a cidade mais fotografada,
pintada e desenhada do Ocidente, existem muitos contrastes, a beleza natural é antagônica a ocupação urbana desorganizada e desenfreada, existe um Rio velho, um novo, moderno, existe o morro e o asfalto, existiu a malandragem relatada historicamente de forma romântica e o terror vivido atualmente pelos cidadãos cariocas. Uma cidade com mais de 400 anos é aterrorizada por facções criminosas em todo o seu território, mas, como isso tudo começou? Será que foi com o processo de favelização? Será que foi com o recrudescimento da venda de narcótico na América do sul? Veremos a seguir alguns pontos a considerar.
Para os historiadores marcos como a lei n°3353 de 13 de
maio de 1888 a Lei áurea, o nascimento de comunidades carentes, o bota baixo do morro do castelo de 1903, o populismo de Getúlio Vargas, o golpe de 64 e a convivência de presos políticos com os presos comuns na ilha grande durante a ditadura, são de extrema importância para entender como o a sociedade carioca entrou em uma rota rumo ao terror.
O mal carioca existe em uma proporção pequena desde o
inicio da colonização, outras nações após a descoberta do Brasil, freqüentavam a costa, pirateando, negociando especiarias e traficando pau Brasil ou escravos de forma ilícita. Avançando na história com a abolição da escravatura no Brasil, especificamente em 13 de maio de 1888, o problema da escravidão se resolveu, no entanto, não houve um planejamento a respeito do que fazer com o destino dos ex escravos, levando-os a uma vida à margem da sociedade com a necessidade de sobrevivência através de trabalhos informais, subempregos e quase desemprego, tendo estes uma vida ambígua perante a sociedade brasileira, distante do caminho da escola e da educação, restando a esta população a ocupação de locais menos apropriados para viverem.
Após a lei Áurea, o Rio de Janeiro passou a receber escravos
libertos que abandonaram cidades vizinhas e outras regiões do Brasil, passando a viver em morros e zonas periféricas da cidade, aumentando o número populacional sem ter uma estrutura organizada.
No final do século 19 nasce a primeira favela oficial do RJ,
atualmente chamada de a comunidade do morro da Providência, que fica atrás da central do Brasil, esta comunidade foi batizada inicialmente como favela (substantivo), nome tal que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio. Os primeiros moradores do morro da favela eram ex-combatentes da guerra de Canudos(antes disso permaneceram ali ex-combatentes da Guerra do Paraguai, sem recursos para retornarem aos seus locais de origem), estes se fixaram no local pela promessa do governo de ganhar casas na então capital federal, mas, pelos entraves políticos e burocráticos estes acabaram por ficar por lá.
A palavra favela significa amontoados de casebres, é
originária de uma planta que havia na região de Canudos, na Bahia.
Atualmente o Morro da Providencia assim como em outras
comunidades, está ocupada pela Unidade de Polícia Pacificadora e encontra-se pacificada com projetos do Estado em andamento.
Em 1903 nos primeiros anos da República, o Rio de Janeiro é
palco de uma reurbanização no centro; o chamado bota baixo, foi um projeto que demoliu o morro do Castelo para arejar a região do centro e dar uma estética mais europeizada, com isso, as pessoas que viviam neste local tiveram que ir para outros morros e/ou para regiões periféricas.
Durante o período do Presidente Getúlio Vargas a quantidade
populacional do Rio de Janeiro sofre mais um aumento, com o fenômeno chamado Populismo, houve a promoção do êxodo rural e a ilusão da vida na cidade grande que levou mais pessoas a cidade maravilhosa. Até então os ilícitos eram desorganizados, cometidos em parte por pessoas que viviam às margens da sociedade. O marco histórico que veio a mudar tudo foi os acontecimentos ocorridos durante a ditadura promovida pelo golpe de 64.
Ilha Grande foi o lugar que mudou a forma de atuação dos
marginais da lei, o que antes era acontecimentos e fatos isolados, depois deste período, os fatos e acontecimentos seriam organizados e planejados por um poder paralelo e centralizado. O que se pensa das comunidades estava em parte errado, verifica-se o equívoco, pois, antes o que se tinha como verdade, era que as favelas ou como atualmente é chamado comunidade, era o berço dos criminosos, pois, o que se evidencia é que nestes locais, o poder Estatal é falho dando a possibilidade de surgimento do poder paralelo. Onde o Estado não entra com infra estrutura, educação, saneamento básico e com segurança, os moradores criam e vivem sob regras próprias não positivadas pela constituição do País. É fato que estes lugares servem aos propósitos dos marginais, para esconderijo e para recrutar soldados para esta guerra constante, pois, eles se aproveitam da pobreza para aliciar cidadãos para o crime.
No período da ditadura, presos por assalto a banco tinham o
mesmo tratamento ao dos presos políticos, considerados subversivos, o preso político tinha um ideal, um propósito, o preso comum não, a não ser o fato de obter ganhos de forma fácil. O fato é que os presos políticos tinham estratégias e conhecimento teórico para suas práticas, bem como sabiam reivindicar os seus direitos que foram usurpados pela ditadura; os presos comuns através da convivência aprenderam estes modos operandi. É importante ressaltar que no caso dos presos políticos as lutas por direitos e resistência não significam modos operandi, mas, a atuação criminosa dos presos comuns sim.
Em 1979 no presídio cândido Mendes, na Ilha Grande (RJ), a
partir do convívio entre presos comuns e presos políticos, surgiu a partir da Falange Vermelha com o lema “paz, justiça e liberdade” o Comando Vermelho (CV), sendo que a difusão da cocaína na América foi a mola percussora da ampliação do poder desta facção criminosa. Este artigo demonstra que o convívio com os presos políticos não ensinou os comuns a assaltarem, sequestrarem e muito menos traficarem, estes já praticavam tais atos, no entanto de forma a atender necessidades individuais, com a convivência, evidenciaram que se tivessem organização e pensassem de forma coletiva, em grupo, seriam mais eficientes e fortes perante o Estado. O que significou a criação de organizações criminosas empenhadas em espalhar o terror em troca de enriquecimento ilícito, estabelecendo um poder paralelo.
Nos dias atuais as ordens partem de dentro dos presídios do
Rio, como Bangu 1.
Nos anos 80 com a dissidência do Comando Vermelho, nasce
o Terceiro Comando (TC) que veio a se tornar a grande rival da principal organização criminosa do País, tendo em suas ações um forte traço de violência.
Em 1998 foi fundada por Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, e
por Celsinho da Vintém, a facção ADA (Amigos dos Amigos). Uê foi expulso do comando vermelho em 94, após tramar a morte de Orlando Jogador, um dos líderes do CV.
Após a morte de Uê em 2002 durante a rebelião liderada pelo
CV no presídio de Bangu 1 e a prisão de Celsinho da vintém, TC e a Ada se uniram.
Dissidentes das duas facções formaram o TCP (Terceiro
Comando Puro).
Séculos de processo de urbanização desordenada,
crescimento desordenado populacional associado a políticas históricas inadequadas levaram o Rio a elevar o status dos crimes de comuns a crimes organizados e auto nível de terror. Diariamente é possível e corriqueiro saber de noticias sobre a atuação dos membros destas facções.
Os ataques mais recentes relatados e vistos na mídia foram a
audácia de um grupo que numa estratégia para evitar o confronto com a polícia pelas ruas, marginais da lei oriundos da Palmeirinha, renderam o maquinista em Deodoro e armados, surpreenderam os rivais da comunidade do Muquiço e o outro episódio ocorrido foi a atuação de dez marginais da lei fortemente armados que empreenderam fuga depois de trocar tiros com a polícia e adentraram ao hotel Intercontinental.
De fato os marcos históricos contribuiu para o caos em que
vivemos, aumentando o terror espalhado nas grandes capitais, entretanto, cabe ressaltar que outros fatores também pré existentes no seio social, contribuem para o estabelecimento deste terror urbano. A pobreza, a ganância, o abismo social estabelecendo desigualdade entre classes, servem de lenha para o fogo que aquece o terror quase terrorismo no Brasil.