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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro Sócio–Econômico
Departamento de Ciências Econômicas

Curso de graduação em Ciências Econômicas


a distância

Evolução do Pensamento
Econômico
Lauro Mattei
M435e Mattei, Lauro

Evolução do pensamento econômico. / Lauro Mattei. - Florianópolis :


Departamento de Ciências Econômicas / UFSC, 2011.

110p.: il.

Curso de Graduação Ciências Econômicas a distância

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-89032-32-2

1. História das teorias. 2. Doutrinas. 3. Dogmas econômicos. 4. Desenvolvimento


econômico. 5. Movimento econômico. 6. Educação a distância. I. Universidade Federal
de Santa Catarina. Departamento de Ciências Econômicas. II. Título.

CDU: 330.834

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Felipe Augusto Franke
Steven Nicolás Franz Peña

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Felipe Augusto Franke
Max Vartuli
Steven Nicolás Franz Pena
Sumário

UNIDADE 1
BREVE SÍNTESE SOBRE A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO
ECONÔMICO E ESTRUTURA DO LIVRO DIDÁTICO

1.1 O século XVIII e a formação teórica do pensamento


econômico baseado na defesa do livre mercado. ..............................................15
1.2 O século XIX e a crítica às teses da economia política clássica,
a reação a essa crítica e formação do pensamento neoclássico..................... 17
1.3 O século XX e a rejeição ao papel do livre mercado
e o destaque ao papel dos governos no sentido de
organizar a vida econômica das sociedades......................................................19
1.4 Estrutura do livro didático. .............................................................................. 20

UNIDADE 2
OS FISIOCRATAS E OS PRIMEIROS PASSOS PARA A
CONSTITUIÇÃO DA ECONOMIA POLÍTICA

2.1 Breves notas sobre o período que antecede


ao surgimento do capitalismo............................................................................ 25
2.2 Os fisiocratas e o excedente econômico. ...........................................................27
2.3 Principais fundamentos dos fisiocratas............................................................ 28
2.4 Campos de estudos dos fisiocratas. .................................................................. 28
2.5 Algumas lacunas dessa escola de pensamento................................................29
2.6 Principais pensadores fisiocratas....................................................................... 30

UNIDADE 3
A ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA E OS PRIMEIROS
FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO ECONÔMICO

3.1 Contexto histórico e objeto de estudo da economia política......................... 35


3.2 O liberalismo no seio do pensamento econômico clássico...............................37
Doutrina Política............................................................................................................................ 38
Doutrina Econômica.................................................................................................................... 39
Doutrina Populacional ...............................................................................................................40
3.3 O liberalismo e a natureza humana....................................................................41
3.4 Adam smith e o liberalismo econômico clássico............................................... 42
Breves notas sobre o autor e sua construção teórica....................................................... 42
Principais fundamentos teóricos de Adam Smith............................................................. 43
A divisão do trabalho e a geração da riqueza das nações.............................................. 45
O significado do liberalismo econômico em Adam Smith.............................................46
3.5 Ricardo e a consolidação do pensamento econômico clássico...................... 47

UNIDADE 4
MARX E A CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA

4.1 Breves notas sobre a vida, obra e militância de Marx.....................................54


4.2 Filosofia e concepções de Marx. .......................................................................56
4.3 Objeto de estudo e postulados de Marx..........................................................58
4.4 Teoria do valor-trabalho de Marx................................................................... 59
4.5 Teoria da mais-valia.............................................................................................62
4.6 As leis gerais do sistema capitalista..................................................................64
A Taxa de Mais-Valia.....................................................................................................................64
Composição Orgânica do Capital............................................................................................65
Taxa de Lucro..................................................................................................................................65

UNIDADE 5
OS MARGINALISTAS E A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
NEOCLÁSSICA

5.1 Fatos históricos relevantes................................................................................. 71


5.2 As escolas marginalistas.....................................................................................73
A Escola Austríaca..........................................................................................................................73
A Escola Suíça..................................................................................................................................74
Escola Inglesa..................................................................................................................................75
5.3 Teoria do valor-utilidade....................................................................................77
5.4 Pressupostos e ideias básicas do pensamento neoclássico.............................. 78
UNIDADE 6
KEYNES E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
MACROECONÔMICO NO SÉCULO XX

6.1 Fatos históricos que afetaram o pensamento econômico. ..............................86


6.2 Keynes: o homem, o objeto de estudo e as obras..............................................89
6.3 As teses keynesianas............................................................................................90
6.4 Ideias e método da macroeconomia keynesiana. ...............................................92
6.5 Resumo das principais teorias da macroeconomia keynesiana. .......................94

UNIDADE 7
O PENSAMENTO MACROECONÔMICO PÓS TEORIA GERAL
DE KEYNES

7.1 O pensamento macroeconômico ortodoxo e suas principais escolas. ......... 100


A síntese neoclássica.................................................................................................................. 101
A macroeconomia monetarista..............................................................................................102
A macroeconomia dos novos clássicos............................................................................... 103
7.2 O pensamento macroeconômico heterodoxo e suas principais escolas. ...... 105
A macroeconomia Pós-Keynesiana (PK)............................................................................. 106
A macroeconomia Novo Keynesiana (NK)..........................................................................107

Referências................................................................................................................... 110
Palavra do professor

Prezados(as) alunos(as), sejam bem-vindos(as) ao curso!

A disciplina de Evolução do Pensamento Econômico tem como objetivo


básico, por um lado revisar muitos aspectos já estudados em diversas dis-
ciplinas, especialmente nas três grandes áreas do pensamento econômico:
economia política, microeconomia e macroeconomia e, por outro, orde-
nar minimamente as ideias que, num processo histórico, deram corpo ao
que hoje é conhecido como teoria econômica.
Portanto, apresentaremos neste livro didático apenas breve síntese de
ideias gerais em cada um dos campos de conhecimento antes mencio-
nados, considerando-se que praticamente todos eles foram devidamente
estudados nas disciplinas específicas. Com isso, estamos reforçando a ne-
cessidade de que aquelas disciplinas que compõem o conjunto do corpo
teórico-econômico devam ser relidas paralelamente ao estudo específico
desta disciplina.
Ao longo desta etapa é necessário, portanto, um esforço no sentido de
articular os conhecimentos já adquiridos em várias áreas com temas e
questões relativas aos problemas das sociedades contemporâneas. Afinal,
a economia é um objeto de estudo que ganhou uma dimensão extraordi-
nária na conformação social da idade moderna e que, como tantos outros
já disseram, ainda apresenta muitos problemas sem soluções.
Como veremos em muitas passagens, desde os primórdios do pensamen-
to clássico até os dias atuais, a teoria econômica lida constantemente com
temas abstratos e com percepções e intuições empíricas, tornando-se por
assim dizer em um campo de estudo extremamente rico e desafiador. Por
isso, não podemos cair na falsa dicotomia entre teoria e prática. Afinal de
contas, toda teoria tem como objetivo último explicar algum fato do mun-
do real. Se ela não for capaz de fazer isso, deve-se buscar outras capazes de
fazê-lo, com todas suas implicações.
Foi exatamente isso que a Economia Marxista fez em relação à Economia
Clássica, por entender que aquela conformação teórica estava equivocada
e/ou incompleta na sua compreensão dos problemas econômicos da época.
Da mesma forma, foi assim que a Teoria Keynesiana reagiu diante do
domínio dos ensinamentos Neoclássicos, pois segundo Keynes aqueles
instrumentos analíticos não davam mais conta de explicar a realidade (o
mundo prático). E, assim, tem sido desde a formação do sistema econô-
mico capitalista.
Espero que este livro seja capaz de despertar cada vez mais a sua curiosi-
dade no sentido de compreender esse processo histórico em que o pensa-
mento econômico se formou e evolui. Portanto, decorre daqui uma questão
fundamental: ele não substitui os livros básicos em cada área específica do
conhecimento. Ele é apenas um instrumento para levá-lo até aqueles.

Prof. Lauro Mattei


1
Unidade 1 - Breve síntese sobre a evolução do pensamento econômico...

BREVE SÍNTESE SOBRE A EVOLUÇÃO DO


PENSAMENTO ECONÔMICO E ESTRUTURA DO
LIVRO DIDÁTICO
• O objetivo desta unidade é sistematizar e apresentar de forma bem su-
cinta a evolução do pensamento econômico no contexto das mudanças
das sociedades, as quais levaram a formação do sistema econômico atu-
al. Desta maneira, serão resgatados muitos aspectos já estudados em
outras disciplinas, não com o objetivo de revisar as mesmas, mas para
mostrar como historicamente houve uma evolução das interpretações
dos fenômenos econômicos.
A história do pensamento econômico, enquanto importante campo de estudo
no âmbito da teoria econômica vem perdendo prestígio, especialmente nas
três últimas décadas, quando uma forma de pensamento passou a ser domi-
nante e a desacreditar qualquer outra alternativa de interpretar fatos econômi-
cos fora de seus parâmetros analíticos. Esta crença tomou conta dos principais
centros de ensino de economia, tanto nos países desenvolvidos como naqueles
subdesenvolvidos.
É curioso observar como esta concepção fortemente impulsionada pelo pen-
samento dominante – leia-se pela teoria neoclássica - causa estranheza em
estudiosos de outras áreas de ciências sociais, especialmente na Sociologia e
na Ciência Política. Nestas áreas de conhecimento a origem e a evolução de
suas diversas teorias têm sempre lugar de destaque.
Para mostrar aos futuros economistas a importância do estudo da história das
ideias e sua respectiva evolução recorro aos argumentos de um autor clássico,
considerado um dos grandes economistas do Século XX. Em sua obra seminal,
Schumpeter (1954) se pergunta: por que se estuda a História da Economia? O
autor apresenta três razões que justificam o estudo das teorias econômicas
do passado: as vantagens pedagógicas derivadas do conhecimento da gênese
da economia atual; seu papel como fonte de inspiração para novas ideias; e a
compreensão do modo de proceder do espírito humano.
Para esse autor, o estado de uma ciência em um determinado momento impli-
ca sua história passada, não sendo possível se comunicar adequadamente sem
que se explique essa história, uma vez que problemas e suas soluções sempre
estão condicionados historicamente. Por isso, Schumpeter entendia que na
Economia havia muito mais motivos que em outras áreas da ciência para se
estudar a história do pensamento.

13
Evolução do Pensamento Econômico

Considerando esses argumentos, organizamos o presente livro didático numa


perspectiva teórico-histórica, ou seja, procuramos deixar claro em cada mo-
mento histórico quais foram as questões teóricas essenciais e, mais do que isso,
como elas foram interpretadas e explicadas teoricamente. Por isso, nunca se
deve confundir a interpretação da história das ideias com uma simples descri-
ção de fatos históricos. Estes são importantes porque dão sustentação àquelas,
ao permitir a contextualização da formação do pensamento.

Como já foi visto em várias disciplinas, o marco histórico da construção do pensa-


mento econômico corresponde ao período de formação do capitalismo, muito em-
bora relações econômicas já existissem anteriormente a esse modo de produção.
A literatura especializada, todavia, convencionou definir o período de transição do
feudalismo ao capitalismo como a fase histórica de articulação e conformação efeti-
va dos primórdios do pensamento econômico.

Resumidamente pode-se dizer que no sistema feudal, dada a forma que se or-
ganizou a produção no âmbito dos feudos, primava-se pela auto-sustentação,
o que acabava restringindo o processo de trocas entre as pessoas e comunida-
des, ou seja, havia pouca geração de excedente, o que impedia a formação e
evolução de mercados.
Com o processo de desintegração do feudalismo criou-se espaço para o
desenvolvimento de atividades comerciais nas cidades, o que impulsionou
fortemente as grandes disputas comerciais entre as nações da época. Essa
corrida em busca de novas mercadorias, em especial de metais preciosos, fi-
cou conhecida como o período do “Mercantilismo”. Com quase três séculos
de duração, este período histórico apresentou um conjunto de mudanças na
ordem econômica, social e política.
Estritamente do ponto de vista econômico, essa expansão do processo de
trocas impôs mudanças nos sistemas produtivos vigentes. Nesta fase, os pro-
dutores já se separam dos vendedores e a pequena indústria artesanal começa
a ser substituída pelas pequenas manufaturas. Esse processo intensifica a di-
visão do trabalho, levando ao aumento da produção e, consequentemente, a
geração de excedentes que passa a ser trocado nas feiras e mercados. Neste
movimento reside a gênese do sistema capitalista, que somente se tornou um
sistema de produção completo quando essas relações de produção atingiram
todos os ramos de atividades.

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Unidade 1 - Breve síntese sobre a evolução do pensamento econômico...

Neste sentido, é importante destacar o papel dos mercantilistas na formação


das economias nacionais e os reflexos disso sobre o pensamento econômico.
Todavia, como diz Keynes, no capítulo 23 da Teoria Geral, é possível que os
primeiros precursores do pensamento econômico tenham adotado suas má-
ximas de sabedoria prática sem estar muito cientes das bases teóricas em que
elas repousavam.
Mesmo que limitada a análise mercantilista, especialmente no final do Século
XVII, irá contribuir para a formação do pensamento econômico posterior.
Neste caso, destacam-se as obras de William Petty (1682) e de Cantilon (1734),
que já desenhavam a fase científica da economia. Tais obras foram decisivas
na formação do pensamento econômico dos Fisiocratas e do próprio Adam
Smith, considerado por muitos como o pai da Economia.
A Fisiocracia emerge num contexto histórico marcado, por um lado, pela po-
breza e miséria da população rural e, por outro, por um sistema econômico
ainda dominado pelas atividades agrícolas. Decorre daí sua preocupação cen-
tral: compreender as causas de tal pobreza, bem como a forma de prosperidade
humana. Para isso, precisavam entender a dinâmica do processo econômico.
Para tanto, se baseavam na crença de que todas as atividades econômicas eram
controladas por leis naturais, o que implicava que a sociedade humana da época
era governada pelas forças da natureza. É justamente neste enfoque que a agri-
cultura torna-se a fonte de inspiração e de explicação das teorias propostas.
É justamente com essas teses que Adam Smith irá dialogar antes de publicar seu
livro “A Riqueza das Nações”, considerado como o ponto inicial de articulação
do pensamento econômico moderno. A partir daí tornou-se possível organizar
a evolução do pensamento econômico, em três distintos momentos históricos.

1.1 O SÉCULO XVIII E A FORMAÇÃO TEÓRICA DO


PENSAMENTO ECONÔMICO BASEADO NA
DEFESA DO LIVRE MERCADO
Com o sistema capitalista já se constituindo e se ampliando, especialmente
após a segunda metade do Século XVIII, o processo de divisão do trabalho foi
aumentando, porque a própria força de trabalho passou a ser uma mercadoria
a ser vendida nos mercados que ampliavam seus papéis, chegando ao ponto
de se tornarem os reguladores desse processo, conforme afirmou Smith no
início de sua obra.

15
Evolução do Pensamento Econômico

Do modelo teórico de Smith nasceria a Economia Política Clássica com a função de


analisar e explicar o funcionamento econômico das sociedades. Decorre daí seu obje-
to central de estudo: entender as leis relacionadas à produção e distribuição de bens
destinados a satisfazer as necessidades humanas, tanto individuais como coletivas. Ou
seja, entender que da ação do homem sobre a natureza visando atender suas neces-
sidades decorrem relações de produção e de distribuição que se consubstanciam em
processos econômicos. Desta forma, objeto (relações do homem com a natureza para
satisfazer suas necessidades) e objetivo (entender as leis que governam esse processo)
dão consistência a uma definição conceitual geral de Economia Política.

Mas não devemos esquecer que o pensamento econômico clássico estava im-
pregnado pelos valores político-filosóficos da época, o que levou a formação
de um arcabouço teórico assentado nas seguintes proposições:
• Mercado: é o elemento revolucionário e se firma como a mão invisível
que concilia o benefício privado com o bem-estar coletivo. Essa mão
invisível expressa a adequação entre a ordem econômica e a ordem na-
tural, prevalecendo a harmonia social em que todos ganham;
• Liberdade individual: a lógica da ação individual permeada pela bus-
ca dos interesses privados e particulares; é o coração motor do sistema
econômico Smithiano;
• Liberdade econômica: é fundamental para os capitalistas organizarem os
mercados, principalmente operando os mesmos em livre concorrência;
• Propriedade privada: o progresso econômico e social está condiciona-
do ao respeito à propriedade privada;
• Estado mínimo: o Estado não deveria se envolver em assuntos econô-
micos, mas restringir sua atuação às áreas da segurança, da justiça e das
instituições sociais (educação, saúde).
Toda a fundamentação teórica clássica previa um funcionamento harmonioso
da sociedade. Bastava apenas que os interesses individuais fossem atingidos
para que o bem coletivo se realizasse. É a essência da filosofia individualista
que aos poucos também vai se impregnando no pensamento econômico.

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Unidade 1 - Breve síntese sobre a evolução do pensamento econômico...

Veja que fundamentos essenciais dessa escola de pensamento foram aprimorados


na sequência, com destaque para as contribuições de Ricardo, Malthus, Mill e Say.
Como o objetivo dessa escola de pensamento era o de explicar o funcionamento
econômico da sociedade em seu conjunto, não se adotou naquela época distinções
entre áreas de conhecimento, como temos atualmente. Todavia, devemos mencio-
nar que muitos fundamentos da Microeconomia, por exemplo, foram desenvolvi-
dos a partir de teses de economistas clássicos.

1.2 O SÉCULO XIX E A CRÍTICA ÀS TESES DA


ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA, A REAÇÃO
A ESSA CRÍTICA E FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO NEOCLÁSSICO
O Século XIX é extremamente importante, porque ocorreu uma clivagem no
pensamento econômico que havia acabado de se formar. E, isto foi possível
graças aos fundamentos da Economia Marxista, que muitos ainda a classi-
ficam como economia clássica. Neste documento chamamos atenção para
esse equívoco, uma vez que o próprio Marx fez a crítica aos pensadores que o
antecederam.
Isto porque o objetivo de Marx não era o de corrigir e dar continuidade aos
fundamentos clássicos liderados por Smith e Ricardo. Ao contrário, toda a tra-
jetória Marxiana caminha no sentido de mostrar as graves limitações daqueles
ensinamentos, especialmente quando estes não distinguem as fases históricas
transitórias do desenvolvimento da ordem capitalista. Portanto, mesmo que
em diversas passagens das obras de Marx reaparecem categorias, já presentes
nas discussões dos clássicos, existe um abismo entre suas formulações e a de
seus antecessores. E essa diferenciação torna-se mais evidente na questão do
método marxista, assunto já estudado na disciplina de Economia Marxista.
O Objeto de estudo de Marx foi o modo de produção capitalista e as relações
de produção dele decorrente. Neste caso, as questões relevantes não são as
contradições sociais decorrentes das leis do sistema capitalista, mas as pró-
prias leis desse sistema e suas tendências. Com isso, Marx queria descobrir as
leis econômicas que movimentavam a sociedade de sua época.
Para tanto, seu ponto de partida foi a mercadoria, porque ela contém o produ-
to do trabalho humano. Para Marx, as mercadorias adquirem valor não pelas
suas propriedades naturais, mas por causa das relações sociais de produção

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Evolução do Pensamento Econômico

que se estabelecem. Mas, essas relações ocorrem pelas mercadorias e também


através delas, porém na base dessas relações de produção encontra-se sempre
uma única relação: o capital versus o trabalho.
Marx faz a crítica à economia política clássica, tentando compreender o signifi-
cado do valor a partir das leis gerais do sistema capitalista. Contrariamente aos
“clássicos”, Marx afirmava que a sociedade de sua época não era de trocas, mas
sim uma sociedade do capital, porque são suas leis que governam os homens.

Marx então se pergunta: qual era o segredo ou o mistério que envolvia as trocas?
Para ele, “nas trocas estão sendo cambiados trabalhos socialmente necessários, mas
há uma troca especial envolvida nesse processo: a troca entre capital e trabalho,
porque ela esconde uma razão de não-equivalência, a qual deriva do fato de que o
capital paga a força de trabalho, porém o valor do trabalho apropriado pelo capital
é superior ao valor da força de trabalho, uma vez que uma parcela do trabalho não
é paga (sobre-trabalho). É isso que faz com que o trabalho se subordine ao capital”.

A partir daí vai ser formulada a teoria do valor-trabalho que mostrou o se-
gredo do modo de produção capitalista, bem como suas leis gerais e as crises
sistêmicas. Talvez por isso mesmo passou a ser um autor questionado e perse-
guido até final de sua vida. É neste contexto que vai aparecer, ainda no Século
XIX, uma nova linha interpretativa da sociedade econômica.
Conhecido como pensamento econômico Neoclássico, esta corrente de pen-
samento muda o foco do debate e passa a dar maior ênfase na capacidade hu-
mana de fazer escolhas. Deste modo, qualquer escolha dos agentes econômicos,
quanto à alocação dos recursos, implica em uma relação entre custos (meios
empregados) e benefícios (resultados obtidos). Partindo-se da capacidade do
mercado, de atender a todas as satisfações materiais do homem, afirma-se que o
uso eficiente dos meios escassos propicia os melhores resultados. Com isso, a te-
oria deixa de tratar os fenômenos reais para enfatizar os problemas de escolhas,
tornando as explicações extremamente subjetivas e pouco empíricas.
A partir dessa concepção forma-se a teoria do Valor-Utilidade, em que se
afirma que o benefício adicional do aumento de um determinado bem dimi-
nui com o aumento da quantidade do mesmo. Por isso é que os desejos são
medidos indiretamente, ou seja, pelo preço que a pessoa se dispõe a pagar.
Isto permite definir que a utilidade marginal de uma coisa para uma pessoa
diminui a cada aumento da quantidade dessa coisa.

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Unidade 1 - Breve síntese sobre a evolução do pensamento econômico...

A subjetividade da teoria do valor-utilidade aparece no fato de que o valor


representa o grau de satisfação ou de utilidade que deriva das atividades eco-
nômicas, em que o homem atribui valor aos objetos e serviços na medida
em que estes satisfazem suas necessidades. Nesta lógica, essa teoria admite
que a esfera de valorização é o mercado e que o excedente social decorre da
renúncia e/ou sacrifício.
O resultado mais profundo dessas formulações é a mudança no objeto de aten-
ção das Ciências Econômicas. Vimos que tanto para economia clássica como
para economia marxista o objeto era as classes sociais e seus interesses econô-
micos, especialmente no que diz respeito à produção e a distribuição da riqueza.
Agora o objeto passou a ser o consumidor individual, considerado como prin-
cipal determinante da atividade econômico e do próprio progresso do sistema.

Note que a partir dessa fundamentação Neoclássica o pensamento econômico,


dominado por essas novas concepções, passou a ser segmentado. É justamente a
partir dessa segmentação que nascem as bases para a conformação da área de co-
nhecimento microeconômica.

1.3 O SÉCULO XX E A REJEIÇÃO AO PAPEL DO


LIVRE MERCADO E O DESTAQUE AO PAPEL DOS
GOVERNOS NO SENTIDO DE ORGANIZAR A
VIDA ECONÔMICA DAS SOCIEDADES
O início do Século XX se encarregou de colocar em xeque muitas das teses
vigentes, sobretudo aquelas relativas aos temas do emprego e do desemprego,
bem como a ideia da soberania do mercado como regulador das atividades
econômicas. Em grande medida, as crises do sistema capitalista favoreceram o
aparecimento de novas teorias econômicas que mais tarde iriam formar uma
nova área do pensamento vigente até os dias atuais: a macroeconomia.
Os fatos decorrentes dessas crises de funcionamento do sistema econômico
capitalista colocaram em xeque as teses que previam uma economia funcio-
nando harmonicamente à luz da Lei de Say e da filosofia do ajuste automático
dos mercados. É precisamente sobre a maioria desses postulados que Keynes
irá se contrapor, mostrando que a economia mundial do Século XX carecia
de instrumentos analíticos adequados para explicar seu funcionamento, espe-
cialmente a parte relativa às crises e seus reflexos sobre o mundo real. Neste

19
Evolução do Pensamento Econômico

caso, deve-se destacar que a preocupação dessa nova abordagem é entender e


explicar o funcionamento do conjunto do sistema econômico e não apenas a
escolha individual como fazia escola neoclássica, que era dominante até então.

Keynes partiu do pressuposto que “a sociedade capitalista de sua época (Século XX)
tinha dois dilemas básicos para resolver: o desemprego e a desigualdade na distri-
buição da renda. Para ele, a expansão contínua dessas desigualdades se transforma-
ria em ameaça real à estabilidade do sistema econômico capitalista”.

Suas teses são uma reação contrária à teoria Neoclássica, considerada por
Keynes inconsistente para explicar fenômenos reais, como o desemprego, e fe-
nômenos monetários, como o papel dos juros e da moeda no funcionamento
do sistema econômico, além da própria crise geral desse sistema.
Neste sentido, suas fundamentações se concentram tanto no campo teórico, com
questionamentos decisivos sobre o paradigma vigente, como no campo prático,
com a redefinição do papel da política econômica. Isto porque Keynes acredi-
tava que os problemas do emprego e dos salários não se resolveriam pela ideia
simples do livre mercado. Para tanto, entendia ser necessário que os governos
tivessem uma presença mais ativa na condução da vida econômica dos países.

A partir dessas novas concepções o pensamento econômico, especialmente em


sua vertente macroeconômica, tornou-se bem mais complexo e possibilitou o sur-
gimento de novas teorias, especialmente após a segunda metade do Século XX.
Todavia, perceba que este movimento teórico não está desconectado dos conheci-
mentos já adquiridos anteriormente.

1.4 ESTRUTURA DO LIVRO DIDÁTICO


Os assuntos mencionados sucintamente anteriormente estão organizados na
sequência, de tal forma que seja possível compreender a formação e evolução
do pensamento econômico enquanto um processo teórico-histórico. Para
isso, resgatamos inicialmente o mundo prévio à estruturação e formação da
Economia Política Clássica. Neste caso, a Unidade 2 se encarrega de recuperar
a filosofia e as bases conceituais dos Fisiocratas, considerados aqui como in-
fluentes no pensamento de Adam Smith.

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Unidade 1 - Breve síntese sobre a evolução do pensamento econômico...

A Unidade 3 discute a fundamentação teórica da Economia Política Clássica


destacando as principais teses e autores. Neste caso, busca-se compreender a
gênese do pensamento econômico à luz dos valores filosóficos e da política
vigentes na época. Para isso, são discutidos temas específicos, bem como as
questões gerais da sociedade, especialmente a ideia de que da busca do bem
individual se atingiria o bem coletivo, tudo isso sob o manto da mão invisível
do mercado.
A Unidade 4 apresenta a base e os fundamentos da Economia Marxista, em
que se afirma a necessidade de estudar Marx, não como um autor clássico, mas
sim como um pensador que buscou destruir muitas daquelas formulações à
luz do funcionamento do modo de produção capitalista. Para tanto, destaca-
se a teoria do Valor-Trabalho, considerada pelo autor sua grande descoberta,
uma vez que ela revela o segredo deste modo de produção.
A Unidade 5 apresenta a clivagem que ocorreu na evolução do pensamento
econômico, quando a Escola Neoclássica e sua teoria do Valor-Utilidade des-
locam o centro do debate do funcionamento da sociedade para os interesses e
escolhas dos indivíduos. Para isso, reafirmam sua crença teórica no processo
de escolhas permeado pela racionalidade humana e na necessidade de livre
circulação dos mercados como forma de impedir que problemas econômicos
aumentassem, particularmente no caso do desemprego. Registramos que a
partir daqui a compreensão da economia passa a ser segmentada, com a cria-
ção da área microeconômica.
A Unidade 6 mostra a formação do pensamento macroeconômico moderno
ancorado nas teses de Keynes. Seu ponto de partida é uma crítica direta às
concepções anteriores, com destaque para a rejeição de que o livre mercado
per si resolveria os problemas econômicos do Século XX, em especial do de-
semprego. Nesta parte, verifica-se que a complexidade do mundo econômico
aumentou e que as teorias vigentes não davam conta de explicar fatos básicos,
como por exemplo, a grande crise do sistema capitalista da década de 1920.
A Unidade 7 faz uma breve apresentação do quadro atual das correntes do
pensamento macroeconômico, destacando que elas seguem por um duplo
caminho: ou criticam e rejeitam as teses keynesianas, ou então as referendam
e as aperfeiçoam. Neste caso, é importante verificar como ocorreram fortes
questionamentos a parâmetros estabelecidos, como é o caso da crise atual que
se encarregou de colocar em xeque certezas que se propagaram ao longo das
últimas três décadas.

21
Evolução do Pensamento Econômico

Por fim, recorremos a Schumpeter novamente para reforçar a importância


de se estudar as teorias econômicas à luz dos processos históricos. Dizia ele
que devemos levar em conta as implicações do fato óbvio de que o próprio
tema da economia é um processo histórico continuado, de modo que a eco-
nomia de épocas distintas trata em grande medida de diferentes de problemas.
Somente isso já seria suficiente para se dar maior atenção a história das dou-
trinas econômicas.
Nesta unidade não apresentaremos um resumo, porque a própria unidade é
uma síntese dos assuntos, que serão vistos nas unidades seguintes.

Agora, vamos nos encontrar na videoaula!

22
2
Unidade 2 - Os fisiocratas e os primeiros passos para a constituição da economia política

OS FISIOCRATAS E OS PRIMEIROS PASSOS PARA A


CONSTITUIÇÃO DA ECONOMIA POLÍTICA
• Nesta unidade você encontrará os primórdios da fundamentação da eco-
nomia política, bem como as explicações que fundamentam os primei-
ros elementos que darão consistência às teorias econômicas atuais.
Sobre estes elementos, destacamos os estudos e as proposições de um grupo
de pensadores franceses de meados do Século XVIII que, em contraste com
período anterior, passam a defender ideias liberais no campo econômico,
sobretudo do ponto de vista da não intervenção dos governos no comércio
internacional e a própria defesa da propriedade privada.
Denominados de Fisiocratas, esse grupo de pensadores é considerado a pri-
meira escola de pensamento econômico, uma vez que tinha um referencial te-
órico compartilhado por todos os seus integrantes e atuava a partir de alguns
princípios comuns.

Para se familiarizar com essa escola de pensamento econômico você irá conhecer os
seus principais integrantes e estudar:
• Os preceitos mercantilistas que antecederam ao novo grupo de pensadores;

• Os Fisiocratas e a questão do excedente econômico;

• Os principais fundamentos dessa escola;

• O campo de estudo prioritário e algumas lacunas observadas.

2.1 BREVES NOTAS SOBRE O PERÍODO QUE


ANTECEDE AO SURGIMENTO DO CAPITALISMO
O período histórico anterior ao surgimento do capitalismo foi marcado pela
“doutrina mercantilista”, que emergiu a partir do processo de desintegração do
“feudalismo”. Dentre os fatores responsáveis por essa desintegração destacam-
se as mudanças técnicas nas formas de produção; as revoltas entre campone-
ses e senhores feudais; as guerras; as doenças que dizimaram populações; e o
desenvolvimento de atividades comerciais nas cidades.
Dentre as forças que atuaram na transição para o capitalismo destaca-se o pa-
pel da classe trabalhadora, do progresso técnico e do processo de acumulação

25
Evolução do Pensamento Econômico

de capital. No primeiro caso, com o cerceamento dos campos pela nobreza


durante o Século XVI, os camponeses foram expulsos e migraram para as
cidades, sendo que nestes locais a única possibilidade de sobrevivência era
através da venda da força de trabalho. Já o progresso técnico está relacionado
às grandes descobertas (telescópio e compasso) que possibilitaram a realiza-
ção de viagens mais longas. Finalmente, o processo de acumulação de capital
cresceu com a expansão do comércio mundial.
Essa expansão do comércio criou novas necessidades de bens manufatura-
dos, impondo mudanças no próprio sistema produtivo vigente. Nesta fase, os
produtores já se separam dos vendedores e a indústria artesanal começa a ser
substituída pelas pequenas manufaturas. Com isso, o sistema econômico pas-
sa a ser comandado pelos comerciantes, enquanto os trabalhadores iniciam
o processo de venda de sua força de trabalho. Em um sentido amplo, essa é a
gênese do sistema capitalista. Note, porém, que o capitalismo só se tornará um
sistema de produção completo quando essas relações de produção atingem
todos os ramos de atividades.

Dentre os princípios básicos do mercantilismo, destacam-se a defesa da formação


dos estados nacionais (entendiam que o Estado deveria incrementar o bem-estar da
nação); a expansão do comércio como forma de ampliar a riqueza material e estimu-
lar a indústria porque a consideravam mais importante que a agricultura. Para mui-
tos intérpretes, dessa época, a riqueza acumulada com o comércio e, as descobertas
de novas terras forneceram os recursos monetários que, aplicados às atividades pro-
dutivas, acabaram viabilizando a própria revolução industrial.

Com isso, promoveu-se a inclusão da burguesia comercial como classe política,


sendo que todo esse processo estava ancorado nos poderes absolutos dos esta-
dos, que regulavam a vida comercial e industrial. Daqui auferem-se os primeiros
elementos da Ciência Econômica, uma vez que são efetivamente estabelecidas
as causas e efeitos de um fato econômico. Por exemplo, a relação entre a quanti-
dade de moeda circulante e os seus efeitos sobre os preços dos produtos.
Esse poder regulatório dos estados logo passa a ser conflitivo com segmentos
de comerciantes e industriais que se sentem tolhidos pelo poder estatal. Este
fato, aliado aos preceitos filosóficos que defendiam o individualismo como
valor social e que o lucro somente poderia ser viável em uma sociedade que
protegesse os direitos de propriedade, vai fazer parte do ideário “clássico”, con-
forme veremos mais adiante.

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Unidade 2 - Os fisiocratas e os primeiros passos para a constituição da economia política

Em síntese, esse é um período em que, segundo Schumpeter (1968),


as questões comerciais e monetárias provocam importantes efeitos sobre o pensa-
mento da época, mesmo que o “Mercantilismo” não tenha sido uma teoria ou escola
científica, até porque ela nem sequer existia naquele século. Todavia, para esse autor,
além dos mercantilistas terem elevado a questão do sistema monetário em um dos
temas mais relevantes das ciências, eles deram os primeiros passos em direção a uma
teoria econômica ao desenvolver a teoria da balança comercial.

Nas palavras de Schumpeter (1968, p. 45):


eles não souberam ver o que era o ciclo econômico e muito menos formaram uma
ideia exata da interdependência existente nos diversos campos das economias isola-
das dentro de uma nação. Mas nem por isso deixaram de descobrir a própria existên-
cia desta economia nacional, concebendo-a como algo autônomo e real.

2.2 OS FISIOCRATAS E O EXCEDENTE ECONÔMICO

Fisiocracia significa o “governo da natureza”. Decorre daí a denominação de


Fisiocratas ao grupo de pensadores franceses liderados por Quesnais (1694-1774)
que acreditavam existir uma ordem econômica natural sob o comendo de Deus.

A primeira metade do Século XVIII foi o período de maior influên cia desses
pensadores. Com a morte de Quesnais em 1774 e a revolução francesa na
sequência, essa escola é praticamente esquecida, sendo que alguns de seus
fundamentos voltam ao debate quase cem anos mais tarde, quando Marx os
discute em suas teses.
Em meados do Século XVIII o contexto francês era marcado por atividades
econômicas predominantemente agrícolas, porém a renda dos camponeses
era extremamente baixa, levando a população rural a um estado de pobreza
e de miséria. Enquanto a nobreza era protegida dos impostos, os campone-
ses eram expropriados pela estrutura tributária. Decorre daí a preocupação
central dos Fisiocratas: compreender as causas de tal pobreza, bem como a
forma de prosperidade humana. Para isso, precisavam entender a dinâmica
do processo econômico. Para tanto, se baseavam na crença de que todas as
atividades econômicas eram controladas por leis naturais, as quais estavam
sob o comando divino (Deus).
A partir dessa formulação passam a admitir que a sociedade humana da época
era governada pelas forças da natureza. É justamente neste enfoque que a agri-
cultura torna-se a fonte de inspiração e de explicação das teorias propostas.

27
Evolução do Pensamento Econômico

2.3 PRINCIPAIS FUNDAMENTOS DOS FISIOCRATAS

Como dissemos anteriormente, os Fisiocratas acreditavam em uma ordem natural


que se expressava na livre ação humana, a qual era guiada por interesses pessoais.

Contrariamente aos mercantilistas, alçavam a agricultura como único setor


produtivo. Para tanto, fomentavam a expansão da produção agrícola como
instrumento de crescimento econômico. Por isso, defendiam a adoção de um
imposto único sobre a produção líquida oriunda da terra.
Acreditavam, ainda, que o produto líquido oriundo da agricultura seria
distribuído em partes entre as classes agrícolas e as demais (comerciantes,
industriais, etc.), de tal modo que essa distribuição equitativa levaria ao de-
senvolvimento do próprio comércio e indústria.
Do ponto de vista da formação da riqueza, acreditavam que ela era toda
produzida pela agricultura por entender que a indústria nada criava além
da simples transformação dos produtos primários. Perceba, neste caso, que
ignoravam por completo a revolução provocada pelas máquinas no processo
de produção de riquezas.
Mas é na esfera do debate sobre a apropriação dessa riqueza pelas diferentes
classes sociais que vão emergir algumas fundamentações que serão rediscuti-
das posteriormente, especialmente pelos economistas clássicos. Os Fisiocratas
consideravam a existência de três classes sociais: os camponeses, os latifundi-
ários e os artesãos. Do ponto de vista da distribuição entendiam que apenas
parte da renda ficava com os camponeses para lhes garantir a subsistência,
enquanto o restante ficava com os latifundiários, que gastavam com consumo
supérfluo. Isto reduzia o excedente econômico da nação. Decorre daí a for-
mulação geral de que somente os camponeses eram considerados produtivos,
uma vez que produziam a riqueza material.

2.4 CAMPOS DE ESTUDOS DOS FISIOCRATAS


As formulações teóricas dessa escola de pensamento francês se concentraram
em dois campos de estudo: agricultura e comércio.
No caso da agricultura, observa-se que todo sistema produtivo era comandado
pelos proprietários autorizados junto à nobreza. Mas esse sistema se apresentava

28
Unidade 2 - Os fisiocratas e os primeiros passos para a constituição da economia política

de forma distinta: por um lado, havia regiões consideradas atrasadas devido à


baixa produtividade e o pequeno uso da tração animal (cavalo) e, por outro, re-
giões mais avançadas onde se utilizavam melhores técnicas e mais mão-de-obra.
Como considerava que somente as atividades agrícolas eram capazes de gerar
excedente econômico para o país, a saída proposta pelos Fisiocratas era apoiar
os segmentos mais produtivos, porque somente estes teriam condições de
expandir a produção do país e, consequentemente, modernizar a agricultura.
Para tanto, essa passagem deveria ser acompanhada de uma política de redu-
ção das taxações das propriedades.
Já no caso do comércio entendiam que os preços das mercadorias seguiam
uma ordem natural: na escassez subiam e na abundância se estabilizavam.
Nesta lógica, se posicionavam contrários a adoção, por parte dos Estados, de
quaisquer medidas protecionistas, devendo o livre comércio e a concorrência
ser estimulados.

Em síntese, para os Fisiocratas a agricultura seria a fonte dinamizadora da vida eco-


nômica, enquanto o comércio se transformava no principal instrumento acessório
de geração de riqueza para a nação.

Procurando entender as razões de os Fisiocratas terem circunscritos a dinâmi-


ca econômica à agricultura, Coutinho (1993) explica que
o fato de somente o trabalho agrícola permitir a geração de excedente sobre os custos
de produção é o que justifica a atenção especial dada à agricultura, uma vez que ela
é à base de um sistema em expansão no qual o excedente crescente é requisito para
ampliação da diferenciação econômica.

2.5 ALGUMAS LACUNAS DESSA ESCOLA DE


PENSAMENTO
Tanto Marx como Schumpeter deram enorme destaque às formulações dos
Fisiocratas que, partindo do horizonte econômico francês, influenciaram as
reflexões econômicas durante o Século XVIII, particularmente nos temas rela-
tivos à ordem natural, às questões práticas da vida comercial e ao ideário liberal.
Para Coutinho (1993, p.51),
dentre as contribuições mais marcantes, caberia destacar o entendimento do sistema
econômico como um conjunto de grupos sociais e setores produtivos, tratados agre-

29
Evolução do Pensamento Econômico

gativamente e interligados por fluxos mercantis; a noção de excedente econômico e


de produtividade do trabalho; e uma clara compreensão do conceito de capital e da
subordinação do desenvolvimento econômico à acumulação de capital.

Apesar desses avanços, é possível de serem destacados alguns pontos, em que


as formulações dos Fisiocratas foram superficiais e/ou pouco desenvolvidas.
Dentre estes, destacam-se:
a) Tese sobre desenvolvimento econômico: toda voltada para o tema dos
adiantamentos, ou seja, a defesa de que os proprietários deveriam ante-
cipar recursos e bens para os camponeses se sustentarem até a colheita.
Acreditavam que com essa medida a agricultura seria bem mais compe-
titiva, ampliando a geração de excedente econômico ao mesmo tempo
em que o potencial natural seria melhor utilizado;
b) Foco da economia política: todas as explicações se concentravam na
geração de excedentes agrícolas, sendo dada pouca atenção ao processo
produtivo;
c) Categoria Lucro: enquanto elemento essencial do modo de produção
capitalista, essa categoria praticamente não foi discutida pelos Fisiocra-
tas. Eles apenas faziam considerações sobre os custos para se produzir
determinadas
d) Comércio externo: acreditavam que bons preços dos produtos agrícolas
já eram suficientes para estabilizar a riqueza da nação. Por isso, eram
contrários à adoção de medidas protecionistas e intervenção governa-
mental no comércio internacional.

2.6 PRINCIPAIS PENSADORES FISIOCRATAS


A escola Fisiocrata articulava-se a partir de seus dois nomes principais: R.
Cantillon e François Quesnay. O primeiro era um banqueiro anglo-irlandês
que exerceu sua vida profissional na França onde sua obra Ensaio sobre a natu-
reza do comércio geral, publicada postumamente em 1755, discutia as questões
monetárias e da riqueza. Nesta obra Cantillon considerava, em oposição aos
mercantilistas, que as mercadorias eram a fonte de riqueza. Decorre daí sua in-
clinação ao naturalismo agrícola presente nos debates no início do século XVIII.
Em seu trabalho destaca-se a questão do direito à propriedade, bem como os
temas da renda e do excedente, que é tratado como a parte sobrante de bens

30
Unidade 2 - Os fisiocratas e os primeiros passos para a constituição da economia política

em relação à subsistência. Por isso, pode-se afirmar que Cantillon procurava


articular a formação de excedentes na agricultura à estrutura dos fluxos de
produtos e de rendimentos.
François Quesnay, filho de camponeses, era analfabeto até aos 12 anos de ida-
de. Diplomou-se em Medicina aos 24 anos, exercendo sua profissão em Paris,
onde passou a atender a família real tornando-se, com isso, membro da corte.
Seus trabalhos científicos na área da medicina não foram expressivos. Todavia,
transportou sua concepção de natureza da medicina para as investigações do
conhecimento econômico, destacando sempre a ordem natural.
Em sua principal obra, Quadro Econômico, defende que o universo é regi-
do por leis naturais instituídas por Deus. Desta forma, um bom governo era
aquele que deixasse a sociedade funcionar livremente e de acordo com essas
leis. Aos governantes caberia apenas a adoção de medidas que fossem capazes
de acelerar a criação de riquezas na economia.
A partir dessa definição Quesnay explica, através dos fluxos mercantis entre os
segmentos econômicos, os movimentos do excedente e de geração de riqueza.
Compatibilizando produção e excedente, o autor define alguns pressupostos
básicos, com ênfase na teoria da produtividade do trabalho agrícola e na ca-
racterização das classes sociais que seriam economicamente relevantes.

Resumo da unidade:
O estudo dessa unidade possibilitou uma primeira aproximação com alguns fun-
damentos essenciais da economia política clássica, que encontra nos Fisiocratas
os seus primórdios. Pode-se dizer que esta corrente de pensamento elaborou uma
doutrina natural da vida econômica a partir das condições objetivas de seu funcio-
namento à época.
Adotando uma visão geral do sistema econômico, analisam o mesmo a partir da
interação dos indivíduos com o meio natural. Esse caminho analítico pôde ser enun-
ciado à luz de três ideias fundamentais: a produção, a circulação e a distribuição do
produto social. Com isso, concluem que a vida econômica de um povo surge e evolui
como um sistema de relações de intercâmbios que, renovando-se periodicamente,
aproxima as esferas da produção e do consumo.
Essa relação que se formula entre o produto social e a riqueza nacional colocou em
destaque um tema até então alheio aos debates: a geração da riqueza e sua reparti-
ção social. Sem dúvida, essa foi uma das grandes contribuições dos Fisiocratas para
a própria fundamentação da Economia Política Clássica, conforme veremos na uni-
dade seguinte.

31
Evolução do Pensamento Econômico

Atividade de Aprendizagem – 2

Procure fazer uma revisão da unidade visando fixar os ensinamentos básicos dos
Fisiocratas, buscando responder os seguintes aspectos:
1) Quais os principais fundamentos dessa escola de pensamento?

2) Em que eles diferem da doutrina mercantilista prévia?

3) Quais os campos prioritários de estudo dos Fisiocratas e seus respectivos papéis?

4) Quais as principais formulações que irão marcar posteriormente a economia po-


lítica clássica?

Assista agora à videoaula relativa a esta unidade.

32
3
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

A ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA E OS PRIMEIROS


FUNDAMENTOS DO PENSAMENTO ECONÔMICO
• Nesta unidade você encontrará os primórdios da fundamentação do
pensamento econômico a partir da constituição efetiva da primeira es-
cola teórica: a economia política clássica.
Não trataremos aqui de aprofundar os conteúdos dos diferentes autores que
compõem essa escola de pensamento. Isto já foi feito na disciplina de Economia
Clássica. Nosso objetivo aqui é apenas sistematizar as grandes linhas teóricas
que formam essa corrente de pensamento, parte das quais serão elementos
de controvérsias na própria evolução do pensamento econômico, conforme
veremos nas unidades seguintes.
Neste sentido, buscamos situar a fundamentação teórica dos dois principais
expoentes da escola clássica – Smith e Ricardo – na lógica da conformação da
economia política clássica e do pensamento econômico liberal. Tal pensamen-
to é aprimorado e fortemente influenciado pelo contexto econômico e social
da época dominado pela expansão da Revolução Industrial.

Para se familiarizar com a escola de pensamento econômico você irá conhecer os


seus principais fundamentos e estudar:
1) O contexto histórico que influenciou a formação e a fundamentação da econo-
mia política clássica;

2) O surgimento da ideologia liberal no seio do pensamento econômico clássico;

3) A forma como o pensamento liberal discute a natureza humana;

4) Os contornos do liberalismo econômico em Adam Smith;

5) A consolidação da economia política clássica com David Ricardo.

3.1 CONTEXTO HISTÓRICO E OBJETO DE ESTUDO


DA ECONOMIA POLÍTICA
No início do Século XVIII aumentaram as preocupações sobre as leis gerais que
governavam a vida econômica e as próprias finanças estatais. Posteriormente,
essas preocupações foram sendo estendidas a outras áreas de conhecimento
que também buscavam compreender o funcionamento da sociedade. A partir

35
Evolução do Pensamento Econômico

daí insere-se na tradição franco-inglesa e germânica a construção teórica de


um pensamento econômico articulado aos temas e desafios de seu tempo.
Para tanto, dois fatos históricos contribuíram de forma decisiva para essa
construção: a revolução industrial (1756) e a revolução francesa (1789).
Esses fatos, aliados a outros anteriores, irão dar consistência a uma nova for-
ma de pensamento que passou a ser conhecida como “Economia Política”.
Tal forma de pensamento aparece com a responsabilidade de desvendar as leis
que governavam a vida econômica daquela época (Século XVIII).
Partindo da necessidade de entender o papel do homem na sociedade, a
Economia Política depara-se com a questão das necessidades humanas (bio-
lógicas, individuais e coletivas) e os meios para satisfazê-las. Nesta linha de
raciocínio, a produção de bens se constituía no elemento que saciaria as ne-
cessidades, sendo estes bens criados no processo de produção, o qual é movi-
do pela força de trabalho humana. A atividade humana, neste caso, atuaria no
sentido de adaptar e/ou transformar elementos naturais em novos produtos,
utilizando-se dos objetos e instrumentos de trabalho.

Decorre daí o objeto central de estudo da Economia Política: entender as leis relacio-
nadas à produção e distribuição de bens destinados a satisfazer as necessidades hu-
manas, tanto individuais como coletivas. Ou seja, entender que da ação do homem
sobre a natureza visando atender suas necessidades decorrem relações de produção
e de distribuição que se consubstanciam em processos econômicos.
Desta forma, objeto (relações do homem com a natureza para satisfazer suas neces-
sidades) e objetivo (entender as leis que governam esse processo) dão consistência
a uma definição conceitual geral de Economia Política: é a ciência que estuda as leis
sociais relacionadas às atividades econômicas.

Obviamente que essa corrente de pensamento que se forma no Século XVIII


tem raízes nas esferas filosóficas, econômicas e políticas. Segundo Coutinho
(1993), princípios filosóficos baseados no racionalismo e humanismo nor-
tearam os precursores de Adam Smith, considerado o criador da Economia
Política Clássica. Sua obra principal, inclusive, guarda relações profundas
com temas tratados em seus cursos de filosofia e moral. Já as discussões de
temas econômicos confirmam a existência de vínculos fortes entre economia,
filosofia e homens de negócios. Finalmente, o elemento político relevante é o
substrato científico proporcionado ao liberalismo, que se tornou dominante a
partir de meados do Século XVIII. Segundo esse autor, é justamente a associa-
ção entre economia política e liberalismo a principal responsável pelo sucesso
das obras de Smith e Ricardo.

36
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

3.2 O LIBERALISMO NO SEIO DO PENSAMENTO


ECONÔMICO CLÁSSICO
O liberalismo clássico é a doutrina ideológica dos primórdios do sistema capi-
talista que valoriza as ações individuais em detrimento dos valores coletivos. A
palavra “clássico” foi cunhado por Marx para identificar o pensamento econô-
Já Keynes denominava
mico-filosófico anterior a ele, especialmente as ideias defendidas por Smith e de “clássicos” os seus
Ricardo, com os quais Marx passou debatendo em boa parte de suas obras. colegas de trabalho
na Universidade de
Os principais nomes dessa escola liberal foram: Adam Smith (1723-1790) e Cambridge que seguiam
os ensinamentos de Smith
sua obra Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, de e Ricardo.
1776; David Ricardo (1771-1828) com a obra Princípios de Economia Política
de Tributação, de 1817; Thomas Malthus (1766-1834) com a obra Princípios
da População, de 1820; e o francês Jean Baptista Say (1767-1832) com sua
obra Princípios de Economia Política.
Esta corrente de pensamento está muito associada ao contexto histórico
fortemente marcado pela evolução da revolução industrial. Tal revolução
impulsionou a expansão dos mercados externos e ampliou as taxas de lucros
devido ao elevado nível de produção de bens manufaturados. A combinação
desses dois fatores (expansão dos mercados e aumento do lucro) impulsionou
um forte processo de inovação tecnológica que primeiramente transformou a
Inglaterra e depois o mundo.
Essas inovações ocorreram inicialmente na indústria têxtil, que era o setor
econômico mais dinâmico na época, porém com desequilíbrios no processo
produtivo. Para atacar esse problema três inovações foram decisivas: a criação
da máquina de fiar em 1760; a criação da máquina de fiar movida a água
em 1768, sendo apenas um aprimoramento da máquina anterior adicionando
cilindros e fusos; e a fiadeira automática em 1780, a qual juntou as duas carac-
terísticas anteriores, porém empregando energia a vapor. Isso só foi possível
porque James Watt tinha inventado, em 1769, a máquina a vapor. O principal
mérito dessa invenção é que a água deixou de ser a principal fonte de ener-
gia, o que implicou em um redirecionamento das plantas industriais para as
cidades, uma vez que agora elas não mais estavam presas as proximidades dos
cursos de água.

37
Evolução do Pensamento Econômico

Essas mudanças tecnológicas tiveram enormes implicações econômicas e so-


ciais, especialmente com o surgimento de cidades manufatureiras. Neste caso,
destaca-se a cidade de Manchester (Inglaterra) que vê sua população subir
de 17 mil pessoas, em1760, para 400 mil, em 1830. Neste mesmo período,
aproximadamente 50% da força de trabalho inglesa já se encontrava ocupada
nas indústrias têxteis e de mineração.
Rapidamente essas mudanças se espalharam por todos os ramos de produção,
transformando a Inglaterra num grande centro mundial de inovações técnicas.
Obviamente que esses fatos tiveram implicações diretas sobre o pensamento eco-
nômico-filosófico liberal que dominava a sociedade daquela época. Tais ideias se
agrupavam a partir de quatro doutrinas básicas que discutiremos na sequência.

3.2.1 Doutrina Política


O credo liberal rejeitava o Estado interferindo na vida econômica, pois o con-
sideravam apenas um mal tolerável quando não fosse possível evitá-lo. Para
Hunt & Scherman (2000),
essa aversão pelo Estado advinha da corrupção e da tirania a que se entregavam
vários monarcas europeus e, particularmente no caso da Inglaterra, da atitude do
parlamento que, carecendo de representatividade, agia de forma despótica.

38
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

Essa restrição à ação do Estado aparece claramente na obra principal de Smith


quando ele enumera as três funções básicas do Estado: proteger o país contra
invasores externos; proteger os cidadãos contra injustiças; e manter institui-
ções públicas nas áreas de saúde, educação e justiça, uma vez que os lucros
jamais compensariam as despesas caso essas atividades fossem exercidas por
um indivíduo ou um pequeno grupo deles.
Mesmo quando se afirma que Smith não falava em nome dos capitalistas,
nota-se que estes últimos não deixavam de recorrer aos argumentos do fi-
lósofo quando investiam contra as ações governamentais temendo que estas
afetassem seus lucros. Para Hunt & Scherman (2000),
os capitalistas se preocupavam apenas com seus lucros e eles estavam seguindo na
risca um conselho do próprio Smith que dizia: agindo em seu próprio interesse a
pessoa prestaria os melhores serviços à sociedade.

Em síntese, pode-se dizer que os liberais clássicos condenavam a ação do


Estado quando esta prejudicava seus interesses. Todavia o apoiavam sempre
quando suas ações abriam novas possibilidades de ampliação de seus lucros.

3.2.2 Doutrina Econômica


Aqui aparece a defesa de que o homem deve ampliar sua riqueza material livre-
mente, ou seja, os homens de negócios deveriam dispor de liberdade para dar
vazão aos seus impulsos individualistas, uma vez que se entendia que a competi-
ção e a rivalidade entre os indivíduos fariam bem para o conjunto da sociedade.
Porém, para que os indivíduos exercitassem todos seus desejos de lucro, a
economia deveria operar sem qualquer tipo de restrições. Decorre daí a defe-
sa do livre funcionamento dos mercados como instrumento de maximização
do bem individual – leia-se do lucro - e enquanto espaço de promoção do
bem coletivo. Isto porque o mercado livre obrigaria os produtores a aprimorar
constantemente a qualidade de seus produtos e a organizar a produção de
forma mais eficiente e menos dispendiosa.
Segundo Smith, o livre mercado agiria como uma “mão invisível” no sentido
de canalizar e potencializar os interesses dos homens para atividades comple-
mentares que, de forma harmoniosa, iriam promover o bem-estar do conjun-
to da sociedade. Mas, para que isso ocorresse seria necessária a supressão de
qualquer tipo de intervenções governamentais.

39
Evolução do Pensamento Econômico

Nesta lógica, dois aspectos se sobressaem. A divisão do trabalho e a defesa da


propriedade privada e dos contratos. O primeiro funcionando como alicerce
básico de toda doutrina econômica liberal, uma vez que o aprofundamento da
divisão do trabalho possibilitaria a expansão da produtividade e, consequen-
temente, dos lucros, o que ampliaria a acumulação de capital. É justamente
nesta espiral de expansão dos lucros e de acumulação de capital que a defesa
da propriedade privada é essencial, ou seja, esse progresso econômico se edi-
fica sob o manto da propriedade privada de capitais.

3.2.3 Doutrina Populacional


O liberalismo clássico malthusiano defendia que a população, quando não
fosse submetida a qualquer tipo de controle, cresceria em proporção ge-
ométrica (1, 2, 4, 8,16...), enquanto que a produção de alimentos cresceria
em proporção aritmética (1, 2, 3, 4, 5...). A consequência é que a oferta de
alimentos não seria suficiente para atender as demandas de uma população
que cresceria a taxas geométricas.
Malthus entendia que era possível controlar o crescimento populacional atra-
vés de duas maneiras: prevenção e controle positivo. Para ele, os mecanismos
de prevenção poderiam ser as restrições morais (para indivíduos da classe
superior) e o vício e controle da natalidade (para os indivíduos de condição
inferior). No caso dos indivíduos de condição inferior os dois mecanismos
eram insuficientes, segundo o autor. Portanto, aqui entrariam os controles
positivos que, segundo Malthus, aumentos da população exerceriam pressões
sobre as reservas de alimentos até que a fome e a miséria produzissem efeitos
positivos sobre o crescimento populacional, reduzindo-o. Ou seja, era a morte
dos pobres e famintos que iria estabelecer no momento seguinte uma nova
situação de equilíbrio entre população e disponibilidade alimentar.
Para Coutinho (1993), Malthus menosprezou a capacidade de resposta do
homem e da natureza, superdimensionando um fenômeno (escassez de ali-
mentos) que não decorre de nenhuma lei natural, ao mesmo tempo em que
desconsiderou os efeitos do progresso técnico sobre a agricultura e sobre a
produção em geral.

40
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

3.3 O LIBERALISMO E A NATUREZA HUMANA


A doutrina liberal sobre a natureza humana apresenta quatro características
de comportamentos sociais:
a) O homem é um ser egoísta: ele busca o lucro se submetendo a duas
ordens soberanas: o prazer e a dor. Segundo esse credo, em tudo que
fazem os homens são governados por essas duas autoridades;
b) O homem é o ser frio e calculista: como todas as motivações dos ho-
mens têm origem no prazer e na dor, suas decisões se baseiam em ava-
liação fria e racional, de tal forma que é a razão que comanda as emo-
ções. Assim, é a razão quem determina a escolha por uma situação que
oferece o máximo de prazer e o mínimo de dor. Neste ponto, aparece a
teoria psicológica do liberalismo clássico: o racionalismo em oposição
ao instinto humano;
c) O homem é essencialmente inerte: se o homem não encontrasse ativi-
dades que lhe desse prazer ou se não temesse a dor, ele ficaria reduzido à
inércia ou entregue à indolência. Por exemplo, o trabalho era tido como
doloroso, portanto ninguém se dedicaria ao trabalho se não existisse a
possibilidade de se obter maior prazer.
d) O homem é atomista: o indivíduo é mais importante que a sociedade, o
que confronta com a ética cristã anterior. Desta forma, o individualismo
liberal torna-se incompatível com os valores atribuídos aos vínculos so-
ciais e humanos, uma vez que pressupõe que a sociedade é a soma dos
indivíduos que a compõe. Neste caso, a sociedade só existia porque os
indivíduos eram úteis.
A consequência é que dessa concepção de natureza humana nasceu a filosofia
individualista, uma vez que o novo pensamento buscava se libertar da moral
da época que condenava fortemente a busca incessante pelo lucro. Neste caso,
opõem-se os valores do catolicismo e do protestantismo. O primeiro crendo
que os homens não se salvariam por si próprios, mas através da igreja, via
confissão, penitência e até ex-comunhão. Já o segundo libertou os homens
desse conflito ao considerar como virtude o egoísmo e o individualismo.
Acreditavam que o melhor caminho para agradar a Deus era sair-se bem na
terra. E uma das formas de fazer bem isso era o apego ao trabalho.

41
Evolução do Pensamento Econômico

3.4 ADAM SMITH E O LIBERALISMO ECONÔMICO


CLÁSSICO

3.4.1 Breves notas sobre o autor e sua construção teórica


Filho de família pertencente à nobreza escocesa estudou filosofia e matemática nas
universidades de Glasgow e Oxford. Lecionou filosofia moral na universidade de
Glasgow até 1764, quando já se destacava pelos seus conhecimentos econômicos.
Em 1760 lança seu primeiro trabalho relevante chamado de “Teoria dos
Sentimentos Morais”, considerado por muitos como o ensaio básico da sua
obra principal: A Riqueza das Nações.
Com esse trabalho, Smith ganha mais espaço junto à nobreza e passa a ser
reconhecido como um grande pensador, o que lhe dá a oportunidade de viajar
para outros países. Em 1964 Smith viaja para a França onde mantém contatos
frequentes com os Fisiocratas. Em 1767 retorna para sua terra natal e fica
enclausurado até produzir a versão final de sua obra maior.
Em sua obra clássica o autor rompe com o pensamento anterior (Mercantilismo)
e também com as ideias dos Fisiocratas, enfocadas a partir do excedente
econômico gerado pela agricultura. Ao mesmo tempo, apresenta uma nova
filosofia de sociedade embasada na liberdade individual, no atendimento dos
interesses individuais e no livre mercado.
A partir desse rompimento, Smith esclarece suas duas preocupações básicas:
a) explicar como o desenvolvimento das forças individuais levaram à cons-
tituição e ao desenvolvimento da sociedade econômica;
b) explicar os fatores que o homem precisava controlar para aumentar o
seu bem-estar.
Desse campo de preocupações investigativas sobressaem dois aspectos: a
separação da filosofia e da economia da moral da época e a emergência do
Homem como objeto de análise. No primeiro caso, a sociedade passa a ser
analisada mais no campo das relações econômicas e sociais, as quais foram
profundamente marcadas pela revolução industrial, enquanto que no cam-
po intelectual a economia passa a ter mais autonomia em relação à moral da
época. O segundo aspecto mostra uma ruptura em relação ao pensamento
anterior (preso às leis naturais e coisas divinas) e a afirmação de que a exis-
tência do homem é produto do próprio homem e não mais da vontade divina.

42
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

Portanto, para melhorar sua existência o homem precisava apenas melhorar


suas condições de trabalho e não ficar apegado às providências divinas, à
religião e aos costumes da época.
Essas duas ordens de questões colocam o problema principal para o autor:
analisar como se forma a riqueza das sociedades. Decorre daí que seu método
se pautará pelas análises das relações que se estabeleciam na sociedade que
ermergia no seio da revolução industrial, a qual já apresentava o processo de
divisão do trabalho com seu alicerce básico.

3.4.2 Principais fundamentos teóricos de Adam Smith

A obra de Smith é extremamente vasta. Todavia, para os propósitos deste curso va-
mos nos ater a seus dois campos de estudos primordiais: econômico e político

No campo econômico:
Ao analisar o curso da revolução industrial Smith percebeu duas coisas impor-
tantes: a) a existência da interdependência entre os homens, uma vez que
esses homens produzem bens para si e também para os outros, o que torna a
sociedade atomizada, uma vez que as pessoas se relacionam entre si para suprir
suas necessidades. Esse processo é mediado pelas trocas e vai desembocar em
uma característica muito especial da sociedade industrial: a formação de uma
sociedade de trocas permeada pelo mercado (elemento revolucionário) e pelo
trabalho (elemento que dá sentido ao mercado); b) a Divisão do Trabalho
era o elemento responsável pela alteração do bem-estar da sociedade. E essa
divisão era a forma de existência do homem, uma vez que sua sobrevivência
dependia de sua quantidade de trabalho, que era regulada pelo mercado.
Dessas percepções surge um novo campo de preocupação: descobrir o que
se encontrava por detrás das trocas, ou seja, porque elas eram realizadas de
acordo com determinadas proporções. Aqui Smith já adianta que o trabalho
é o elemento decisivo, porque somente através dele era possível estabelecer
a equivalência entre as mercadorias, ou seja, o trabalho era o elemento de
intercâmbio entre as mercaorias.
Smith era contra as leis que diziam o que deveria ser produzido, pois enten-
dia que “não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro
que esperamos nosso jantar, mas de suas preocupações com os seus próprios
interesses” (SMITH, 1988, p. 25). E esses produtores devem concorrer nos

43
Evolução do Pensamento Econômico

mercados, disputando os consumidores. Desse modo, em um mercado livre,


no qual a busca do lucro e a defesa dos interesses individuais movia os homens,
o capital e o trabalho seriam investidos de forma mais produtiva, gerando
os bens necessários a todos os cidadãos. Além disso, a qualidade final dos
produtos seria melhor devido a concorrência entre os homens.
Segundo Smith, esse mercado agiria como uma mão invisível canalizando as
ações dos homens para as atividades mutuamente complementares, as quais
promoveriam, de forma harmoniosa, o bem-estar de toda a sociedade. Em
outras palavras, a mão invisível estava relacionada com um postulado bas-
tante subjetivo: cada pessoa buscando seu interesse pessoal faria a sociedade
funcionar adequadamente, atingindo os interesses coletivos.
Para Smith, o mercado livre e sem regulamentações governamentais pos-
sibilitaria um progresso econômico contínuo, além de de asseguar o uso
mais eficiente dos recursos produtivos. Esse progresso econômico dependia,
fundamentalmente, da divisão do trabalho, pois se um homem produzisse
tudo o que ele e seus familiares consumissem a produtividade da economia
seria bastante baixa. É a partir dessa construção lógica que nasce a teoria do
Valor-Trabalho.

No campo político:
A aversão de Smith à intervenção do Estado na economia decorria, em grande
parte, da corrupção, dos favores e da tirania dos monarcas europeus e, es-
pecialmente, dos ingleses. Nesta lógica, Smith define o conceito de Estado-
Mínimo, cujas funções deveriam ser: proteger o país contra os invasores
externos; proteger os indivíduos contra as injustiças e manter as instituições
públicas (saúde, educação e habitação) que, devido a sua natureza, os lucros
jamais compensariam as despesas caso essas instituições estivessem ao encar-
go de um pequeno número de indivíduos.
Posteriormente, essas funções foram ganhando novos contornos e culmina-
ram que o Estado, na parte referente à defesa do território, também poderia
usar sua estrutura militar para adentrar em novos mercados. Além disso, a
proteção de justiça aos cidadãos passou a ter uma nova dimensão: proteger a
propriedade e garantir o cumprimento dos contratos (essenciais para o bom
funcionamento do capitalismo). Finalmente, a função de manter instituições
de interesse público foi sendo interpretada como a criação e a manutenção de
instituições que fomentassem a produção e as operações comerciais.

44
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

3.4.3 A divisão do trabalho e a geração da riqueza das nações


Na economia Senhorial o trabalho era individual e o processo produtivo se
restringia a atender o consumo do feudo, enquanto os artesões e os campo-
neses tinham apenas o produto de seu trabalho. Dessa forma, a economia
permanecia quase que em um estado estacionário.
Na Manufatura ocorre uma mudança na produção e o trabalho atinge um
caráter social. Por exemplo, o homem se especializa e produz de diferentes
formas (antes ele fazia a carruagem sozinho, agora ele faz apenas parte dela).
Ressalta-se que a mudança não está no homem e sim na produção. E isto
não é uma coisa divina, como entendiam os fisiocratas. Outro exemplo neste
mesmo sentido é que as ferramentas também se especializam e aquilo que
antes era feito com aparelhos rudimentares agora passa a ser produzido com
instrumentos mais aprimorados.
Esse processo coloca o fato de que a divisão simplifica o processo do trabalho,
pois pode-se contratar um número maior de trabalhadores, o que permite
supor que o aumento da oferta de trabalho advém da própria divisão do tra-
balho. Assim, o aumento da especialização levaria a um aumento da renda
pessoal via a permuta dos excedentes; essa permuta elevaria a própria dispo-
nibilidade de bens e esta, finalmente, aumentaria a prosperidade e o bem-estar
da sociedade, fazendo que todos se sentissem felizes.
Mas para que esse processo ocorresse dessa maneira seria necessário a existência
dos homens de mercado. Segundo Smith, essa existência dependia das seguintes
condições: os homens deveriam ser livres, autonômos, proprietários do produto
de seu trabalho e se relacionar entre si através do produto de seu trabalho.

A pergunta seguinte é: quem eram os homens da sociedade de Smith?

Eram os proprietários de terra; os acumuladores de capital e os trabalhadores.


Essas 3 categorias formavam as classes sociais identificadas por Smith.

45
Evolução do Pensamento Econômico

Em que consistia a Riqueza das Nações (RN)?

Para Smith, a RN era igual ao somatório de W+RT+L, onde:


W = salários dos trabalhadores;
RT = Renda da terra dos proprietários de terra; e
L = Lucro dos acumuladores de capital.
A partir dessa concepção da distribuição da riqueza, Smith vai concluir que
ao se atingir os interesses pessoais na produção de riqueza geravam-se ganhos
e vantagens para o conjunto da sociedade, pois para o autor era da grande
multiplicação de produtos dos diferentes setores e profissões que derivava a
opulência (fartura) universal para todas as camadas da população.
Esse conjunto de ideias está sintetizado na Introdução e Plano da Obra do
livro A Riqueza das Nações quando autor afirma que:
o trabalho anual de cada nação constitui o fundo que originalmente lhe fornece
todos os bens necessários e os confortos materiais que consome anualmente. O men-
cionado fundo consiste sempre no produto imediato do trabalho ou naquilo que é
comprado das outras nações com o produto desse trabalho. Portanto, na medida em
que este produto, ou o que é comprado a partir dele, tiver uma proporção maior ou
menor em relação ao contingente que irá consumir, a nação estará mais ou menos
bem suprida de todos os bens de que necessita (SMITH, 1988, p.11).

Considerando que toda fundamentação teórica está voltada ao desenvolvimento


dos interesses individuais, a questão seguinte é: como seriam então conciliados os
interesses individuais com o benefício coletivo?

O autor oferece uma explicação subjetiva, a da mão invisível, que se encarrega-


ria de fazer com que essa sociedade de troca funcionasse em perfeita harmonia.

3.4.4 O significado do liberalismo econômico em Adam Smith


Toda a fundamentção teórica de Smith pressupõe o funcionamento harmo-
nioso de uma sociedade em que seus pilares básicos não sejam tolhidos de
suas funções. Assim, este arcabouço teórico pode ser sintetizado a partir dos
seguintes pressupostos:

46
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

a) Mercado: é o elemento revolucionário e se firma como a mão invisível


que concilia o benefício privado com o bem-estar coletivo. Essa mão
invisível expressa a adequação entre a ordem econômica e a ordem na-
tural, prevalecendo a harmonia social em que todos ganham;
b) Liberdade individual: a lógica da ação individual permeada pela busca
dos interesses privados e particulares é o coração motor do sistema eco-
nômico smithiano;
c) Liberdade econômica: é fundamental para os capitalistas organizarem os
mercados, principalmente operando os mesmos em livre concorrência;
d) Propriedade privada: o progresso econômico e social está condiciona-
do ao respeito à propriedade privada;
e) Estado mínimo: o Estado não deveria se envolver em assuntos econô-
micos, mas restringir sua atuação às áreas da segurança, da justiça e das
instituições sociais (educação, saúde).

3.5 RICARDO E A CONSOLIDAÇÃO DO


PENSAMENTO ECONÔMICO CLÁSSICO
David Ricardo foi um financista inglês que, mesmo não fazendo parte dos
grupos de intelectuais que analisavam a sociedade da época, passou a escrever
artigos sobre economia e problemas econômicos a partir de suas experiências
como operador da bolsa de valores de Londres.
Em 1817 publicou sua principal obra Princípios de Economia Política e
Tributação, que teve uma edição ampliada em 1821, momento em que incor-
porou novos capítulos e explicitou suas discordâncias com Smith. A partir daí
tornou-se um economista respeitável no ambiente intelectual que dominava
o início do Século XIX.
Ricardo viveu em um período histórico marcado por dois fatos relevantes: por
um lado, o apogeu da primeira revolução industrial e, por outro, a revolução
agrícola, período das enclosures, em que as terras comuns foram transforma-
das em propriedades privadas. Decorre daí a grande importância em sua obra
ao tema da renda da terra.
Outro aspecto histórico importante na época de Ricardo foram os efeitos pro-
vocados pelos ideais da revolução francesa sobre o pensamento liberal inglês.

47
Evolução do Pensamento Econômico

Com isso, o liberalismo econômico passa a integrar efetivamente a política


inglesa, deixando de ser apenas uma doutrina filosófica. Soma-se a isso o fato
da Inglaterra ter se envolvido em muitas guerras, o que debilitava economi-
camente o país. Como um homem ligado às finanças, Ricardo se preocupava
com esta situação.
Mas sua preocupação básica dizia respeito à distribuição do produto final
entre os trabalhadores, proprietários de terras e possuidores de capitais. Para
o autor, na medida em que a sociedade avançava cada um desses segmentos
teria participação muito diferente no produto total. Decorre daí que “o princi-
pal problema da Economia Política consiste em determinar as leis que regem
esta distribuição” (RICARDO, 1965, p.21).

A partir daí o autor passou a formular um conjunto de leis que explicassem o fun-
cionamento da sociedade de sua época, com destaque para a Teoria da renda da
terra (também conhecida como renda diferencial); Teoria do comércio internacional
(também conhecida como teoria das vantagens comparativas); Teoria do lucro; e
Teoria do valor-trabalho. Todos esses aspectos teóricos já foram discutidos na disci-
plina de “Economia Clássica”, não sendo necessário retomá-los aqui.

Analisando o processo produtivo de sua época, o autor afirma que uma das
questões mais importantes a serem discutidas era a forma de determinação
do valor das mercadorias e a consequente geração do lucro, tendo em vista os
efeitos deste sobre o nível dos salários. Decorre daí seu embate com a teoria
do valor-trabalho de Smith.
Para Ricardo o valor das mercadorias era definido pela quantidade de traba-
lho contida nessas mercadorias, uma vez que entendia que o valor das coisas
era o trabalho para se produzir essas coisas e não da maior ou menor remune-
ração auferida pelo trabalhador, conforme definiu Smith. Para tanto, o autor
considerava que na troca de mercadorias ocorria troca de quantidades iguais
de trabalho utilizados na produção.

Aparece aqui a questão do tempo de trabalho em oposição à ideia de Smith de


quantidade de trabalho comandado, que considerava o trabalho como medida in-
variável de valor. Para Ricardo, não existia na natureza uma medida invariável de
valor, portanto o valor dependia apenas do trabalho contido nas mercadorias, o que
o tornava em um dos principais componentes dos custos de produção.

48
Unidade 3 - A economia política clássica e os primeiros fundamentos do pensamento econômico

Dessa formulação e da própria formulação da teoria do lucro Ricardo vai ex-


por que a evolução da sociedade capitalista mostrou que as coisas não eram
como Smith previu. Observando mais detidamnente a forma de apropriação
da riqueza ele vai concluir que a natureza da sociedade capitalista não era
harmônica e que os interesses dos homens não são todos iguais, uma vez que
o conflito entre capital e trabalho já era visível. Portanto, não aceita como
válido o argumento de Smith de que “todos” ganhariam.
Especificamente em relação aos salários o conflito já era latente porque a lei de
trocas de Smith, segundo a qual tudo o que era produzido pelo trabalhador se
converteria em salários, não fazia mais sentido em uma sociedade em que o
capitalista já vivia do lucro. Portanto, o grande desafio era entender como se
formava o lucro, questão que somente iria ser desenvolvida posteriormente com
maior propriedade teórica por Marx, conforme veremos na unidade seguinte.

Resumo da unidade:
Esta unidade buscou recuperar a formação e a fundamentação do pensamento
econômico clássico, que tem em Adam Smith e David Ricardo seus dois principais
expoentes. Porém, diferentemente de muitos livros textos, procurei fazer aqui uma
conexão entre os pressupostos especificamente econômicos e a ideologia política
da época, no caso o liberalismo enquanto doutrina filosófica dominante.
Neste sentido, é importante observar como a Economia Política Clássica, conside-
rada a base de toda fundamentação do pensamento econômico, está impregnada
por aqueles valores. Tal situação foi potencializada pela revolução industrial e por
importantes fatos políticos que marcaram todo o período da fase inicial do sistema
capitalista de produção.
E é exatamente no seio das contradições da própria evolução deste sistema de pro-
dução que irão surgir novas teorias para se contrapor aos conhecimentos científico
e econômico instituídos nas sociedades da época. Decorrem daí as distintas aborda-
gens que organizaram o pensamento econômico no passado e, porque não dizer, o
organizam também no presente.

Atividade de Aprendizagem – 3

Procure fazer uma revisão da unidade visando compreender adequadamente os


fundamentos da Economia Política Clássica. Para isso, procure responder os seguin-
tes aspectos:
1) Quais os principais fundamentos dessa escola de pensamento?

2) Em que eles diferem das doutrinas anteriores?

49
Evolução do Pensamento Econômico

3) Quais as questões centrais que os economistas clássicos procuraram responder?

4) Qual o elemento central que organizou todas as explicações de Adam Smith?

5) Quais as principais conclusões desse autor sobre a sociedade do Século XVIII?

6) Considerando o conhecimento obtido na disciplina de Economia Clássica, procure


sistematizar as principais diferenças teóricas entre Adam Smith e David Ricardo?

Vamos agora assistir à videoaula correspondente a esta unidade.

50
4
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

MARX E A CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA CLÁSSICA


• Nesta unidade vamos estudar as contribuições de Marx para a formação
do pensamento econômico na perspectiva rigorosa que esta linha de
pensamento requer, ou seja, fazendo uma análise crítica de todas as fun-
damentações da escola clássica estudada na unidade anterior. Portanto,
desde logo fica claro que a teoria marxista não faz parte daquilo que ficou
conhecido como “pensamento clássico”, ao contrário, ela se constitui em
uma negação àquelas formulações, colocando outras teorias em seu lugar.
Sem sombras de dúvidas, o arcabouço teórico que forma o pensamento mar-
xista trata de um conjunto de questões centrais na formação do pensamento
econômico, uma vez que Marx deve ser entendido como um autor que procu-
rar entender todos os fatos de sua época de forma inter-relacionados. Decorre
daí suas formulações nos campos da filosofia, da história, da economia, da
política e da ciência social.
O reconhecimento dessa multiplicidade de conhecimentos não significa uma
pretensão de sobrevalorização da obra do autor, mas apenas chamar atenção
para a extensão e profundidade de seus ensinamentos sobre a sociedade
capitalista de sua época. Com isso, observa-se que a prática de abordar em
separado aspectos da obra de Marx acaba tendo uma contribuição limitada
para a compreensão unitária de todas as suas formulações teóricas.
É justamente dessa prática que nasceram expressões comuns do tipo “Marx
Economista”; “Marx o Filósofo”, “Marx Historiador”; “Marx Jovem”; “Marx
Maduro”, etc. Soma-se a isso, a própria exclusão na maioria dos centros de
ensino de economia do mundo das obras de Marx, chegando-se ao ponto da
doutrina ortodoxa, que domina o pensamento econômico, de qualificar essas
obras como não científica.
Deste modo, perceba que no livro O Capital o propósito de Marx não é o de
corrigir e dar continuidade aos fundamentos clássicos liderados por Smith e
Ricardo. Ao contrário, toda a trajetória Marxiana caminha no sentido de mos-
trar as graves limitações daqueles ensinamentos, especialmente quando estes
não distinguem as fases históricas transitórias do desenvolvimento da ordem
capitalista. Portanto, mesmo que em diversas passagens das obras de Marx
reaparecem categorias já presentes nas discussões dos clássicos, existe um
abismo entre suas formulações e a de seus antecessores. E essa diferenciação
torna-se mais evidente na questão do método marxista, assunto já estudado
na disciplina de Economia Marxista.

53
Evolução do Pensamento Econômico

Apenas relembrando que Marx inicia sua exposição não pela definição con-
ceitual da mercadoria, mas pela sua forma econômica real. Ou seja, inicia sua
fundamentação pela forma como a mercadoria se apresenta, pela sua manifes-
tação imediata. Após esse percurso, utiliza-se de abstrações para avançar em
suas análises e, posteriormente, reconstruir as formas econômicas mais com-
plexas de tal forma a atingir seu objetivo final: desvendar as leis econômicas
que governam o movimento da sociedade capitalista moderna.

Para se familiarizar um pouco mais com as contribuições e fundamentos dessa esco-


la de pensamento econômico você irá conhecer e estudar nesta unidade:
1) A trajetória, as principais obras de Marx e seu envolvimento político, especial-
mente suas contribuições para a organização política dos trabalhadores;

2) O objeto de estudo de Marx, suas concepções e seus postulados;

3) As teorias do Valor-Trabalho e da Mais-Valia, as quais revolucionaram a compre-


ensão sobre o funcionamento do sistema econômico capitalista;

4) As leis gerais de funcionamento desse sistema.

4.1 BREVES NOTAS SOBRE A VIDA, OBRA E


MILITÂNCIA DE MARX
Karl Marx nasceu em Treves – Renânia (Alemanha), em 1818 e morreu em
Londres, em 1883. Era filho de um advogado defensor das ideias iluministas.
Fez sua escola primária e secundária em Treves e seu curso superior em Bonn
e Berlim, onde estudou história e filosofia. Em 1841 doutorou-se em filosofia
em Weimer (Alemanha), com tese sobre a filosofia de Demócrito e Epicuro.
A partir de 1842 tornou-se editor do jornal Gazeta Renana, mas em 1843 esse
jornal teve sua circulação proibida pelo governo prussiano. Este fato obrigou
Marx a mudar-se para Paris, onde viveu até 1844. Lá ele trabalhou nos Anais
Franco-Alemães, onde escreveu diversos artigos criticando a filosofia hege-
liana. É dessas duas experiências que nasce a paixão pelos temas econômi-
cos, pela própria economia política e pelo socialismo. Nessa época também
conheceu Friederich Engels, com o qual viria a desenvolver uma parceria
profissional até o final de sua vida.
Após várias críticas ao Governo Prussiano, e a pedido deste, Marx é expulso
da França. Muda-se então para Bruxelas (Bélgica), onde permanece até 1848.

54
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

Nesse período, escreveu diversos trabalhos, com destaque para Manifesto


Comunista e Miséria da Filosofia. A partir de 1949 decidiu morar em Londres,
onde passou o período restante de sua vida, de uma forma financeira bastante
precária e precisando quase sempre da ajuda de seus amigos. É neste contexto
que ele escreveu sua grande obra: O Capital.
Marx sempre destinou atenção às questões políticas, envolvendo-se direta-
mente na própria organização dos trabalhadores. Em Bruxelas ajudou a fun-
dar uma associação de operários alemães, que mais tarde viria a fazer parte
da Liga Comunista, organização que também operava clandestinamente em
outros países (França, Inglaterra, Bélgica, Suíça). Registre-se que em 1847 essa
liga se transformou em um partido comunista, sendo Marx e Engels desig-
nados para a redação dos princípios políticos. Decorre daí o nascimento do
Manifesto Comunista no ano seguinte.
Em 1864 Marx participou da organização internacional dos trabalhadores,
que passou a ser conhecida como a Primeira Internacional. Nesse evento, as
ideias de Marx se transformaram na principal fonte de inspiração do movi-
mento operário. É dessa época o artigo de Marx intitulado “Salário, Preço e
Lucro”, onde o autor analisa as leis que presidem a formação dos salários e a
repartição das rendas no sistema capitalista.

Mesmo com todas essas atividades políticas, Marx conseguiu escrever sua obra má-
xima. Porém, como já é de conhecimento de vocês, somente o primeiro volume de
O Capital foi publicado em vida, sendo que os demais foram organizados por Engels
após a morte de Marx.

No primeiro volume de sua obra seminal, Marx retoma a lei do valor e deduz a
partir dela a produção da mais-valia, considerando ser esta sua maior contri-
buição para a economia política. No segundo volume estuda-se o processo de
circulação do capital, contendo os esquemas de reprodução simples e repro-
dução ampliada do capital. Finalmente, o terceiro volume trata do processo
global de produção capitalista, apresentação a transformação de valores em
preços, a lei da tendência à queda da taxa de lucros e as teorias do juro e da
renda da terra.

55
Evolução do Pensamento Econômico

4.2 FILOSOFIA E CONCEPÇÕES DE MARX


Para Marx, é das coisas do mundo que se chega às ideias. Isso é uma crítica
direta ao pensamento filosófico alemão predominante na época, que partia
das ideias para explicar as coisas do mundo. Por isso, Marx dizia que o modo
de produção da vida material condiciona o processo social.
Daí a importância de se observar a concepção materialista da história que apa-
rece no prefácio do livro Para a crítica da economia política, conforme segue:
Na produção social de sua vida, os homens estabelecem entre si determinadas
relações necessárias e independentes de suas vontades, relações de produção, que
correspondem a determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas
materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à
qual correspondem determinadas formas de consciência social.

Desta maneira, o modo de produção da vida material condiciona o processo da vida


social, política e espiritual em geral. Não é a consciência dos homens que determina
seu ser, mas, ao contrário, é seu ser social que determina sua consciência. Num certo
nível de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes (relações de propriedade). De
forma de desenvolvimento das forças produtivas essas relações transformam-se no
seu entrave. Surge então uma época da revolução social. Com a transformação da
base produtiva toda a imensa superestrutura social se altera (...). Assim, as relações de
produção burguesas são a última forma contraditória do processo social de produção,
contraditória não no sentido de uma contradição individual, mas de uma contradição
que nasce das condições de existência social dos indivíduos. No entanto, as forças pro-
dutivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as
condições materiais para resolver essa contradição. (MARX, 1982, p.25).

No Manifesto Comunista Marx identifica o surgimento de classes portadoras


de novas relações de produção apontando que dos servos da Idade Média
surgiram os moradores das primeiras cidades; desta população municipal
desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia. A organização feudal
da produção, vigente até então, não era mais capaz de atender a procura cres-
cente de novos mercados. A manufatura veio e tomou o seu lugar. A divisão
do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu, dando lugar à divi-
são do trabalho dentro das próprias fábricas.
Mas continuavam crescendo os mercados e aumentando a demanda. Também,
a manufatura não era mais suficiente. Então, o vapor e a maquinaria revolucio-
naram a produção industrial. No lugar da manufatura surgiu a grande indústria
moderna, com seus industriais milionários e seus chefes de exércitos industriais.
Em cada um desses estágios de desenvolvimento desenvolveu-se um progresso

56
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

político correspondente, representado por um moderno poder estatal que ape-


nas administra os negócios comuns à classe burguesa como um todo.
Essa nova ordem, segundo Marx, explicitava a ilusão contida no capital. Isto
porque o capital obtém a força de trabalho mediante a compra, pagando de-
terminada quantia por ela. O modo como faz este pagamento engendra nova
ilusão. O salário correspondente ao tempo em que o trabalhador esteve à dis-
posição da empresa. O modo como faz este pagamento engendra nova ilusão:
o salário correspondente ao tempo em que o trabalhador esteve à disposição
da empresa. Fez-se horas extras ele recebe mais, se faltou é descontado. Esse
processo, segundo Marx, cria a impressão de que todo o tempo de trabalho é
pago pelo capital. Mas essa impressão é enganadora, pois se o capital pagasse
um salário equivalente ao total do valor adicionado, evidentemente não lhe
sobraria qualquer lucro. O salário é pago por tempo de trabalho, mas isso não
quer dizer que todo o valor criado pelo trabalho do assalariado lhe é pago.
Pelo contrário, o capitalista só emprega o trabalhador na medida em que o
custo for menor do que o seu trabalho render.
Este aspecto realça o papel decisivo da propriedade privada no sistema capi-
talista. Para Marx, é comum se pensar que o capitalismo é o sistema de pro-
priedade privada. Sem dúvida ele o é, desde que não se esqueça de acrescentar:
propriedade privada de alguns e não-propriedade privada dos demais. A pro-
priedade do capitalista tem que ter como contrapartida a não-propriedade do
proletariado, pois se não fosse assim, se os proletários tivessem propriedades
e, portanto, possibilidades de adquirir meios de produção, nada os fariam tra-
balhar para outros. Para que as coisas que são propriedades dos capitalistas se
tornem realmente capital, ou seja, fontes de lucro, é preciso que haja, na mesma
sociedade, homens desprovidos de propriedade e cujo acesso a uma parcela
do produto social, indispensável à sua sobrevivência, esteja condicionada à
venda de sua força de trabalho aos capitalistas. Daí a noção marxista de incluir
não somente a propriedade privada dos meios de produção, mas a existência
de um proletariado que é obrigado a colocar em movimento aqueles meios de
produção, fecundando-os com o seu trabalho e, desta maneira, dando-lhes a
condição de valorizarem, ou seja, de acrescentarem ao valor original um novo
valor, isto é, lucro.

57
Evolução do Pensamento Econômico

4.3 OBJETO DE ESTUDO E POSTULADOS DE MARX

Marx procurou estudar o modo de produção capitalista e as relações de produção


dele decorrente. Neste caso, as questões relevantes não são as contradições sociais
decorrentes das leis do sistema capitalista, mas as próprias leis desse sistema e suas
tendências. Com isso, Marx queria descobrir as leis econômicas que movimentavam
a sociedade de sua época.

Para tanto, seu ponto de partida foi a mercadoria porque ela contém o produ-
to do trabalho humano. Para Marx, as mercadorias adquirem valor não pelas
suas propriedades naturais, mas por causa das relações sociais de produção
que se estabelecem. Mas essas relações ocorrem pelas mercadorias e também
através delas, porém na base dessas relações de produção encontra-se sempre
uma única relação: o capital versus o trabalho.
Marx faz a crítica à economia política clássica, tentando compreender o signifi-
cado do valor a partir das leis gerais do sistema capitalista. Contrariamente aos
“clássicos”, Marx afirmava que a sociedade de sua época não era de trocas, mas
sim uma sociedade do capital porque são suas leis que governam os homens.
Marx então se pergunta: qual era o segredo ou o mistério que envolvia as
trocas?
Para ele, nas trocas estão sendo cambiados trabalhos socialmente necessários,
mas há uma troca especial envolvida nesse processo: a troca entre capital e
trabalho porque ela esconde uma razão de não-equivalência, a qual deriva
do fato de que o capital paga a força de trabalho, porém o valor do trabalho
apropriado pelo capital é superior ao valor da força de trabalho, uma vez que
uma parcela do trabalho não é paga (sobre-trabalho). É isso que faz com que
o trabalho se subordine ao capital.
Portanto, Marx trata a mercadoria como a célula econômica da sociedade, por-
que ela possui o produto do trabalho humano, que se expressa na forma valor.
As mercadorias possuem valor de uso, que diz respeito à qualidade e utilidade
da mercadoria, e valor de troca, que expressa à proporção pela qual valores de
uso de uma determinada mercadoria são trocados por valores de uso de outras
mercadorias. O que significa dizer que nas trocas são permutados produtos que
possuem valor de uso também para os outros, porém com valores distintos. Isso
implica dizer, também, que os tipos de trabalho não são iguais.

58
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

Com isso, Marx observa que as mercadorias – como valor de uso – possuem
qualidades diferentes e – como valor de troca – têm quantidades diferentes.
Isso o permite concluir que a troca exprime uma relação social em que o valor
de uso de uma mercadoria representa exatamente o valor de uso de outra
mercadoria. Marx então afirma que o caráter misterioso da mercadoria con-
siste no fato de que ela mostra aos homens as características sociais de seu
próprio trabalho.
A partir daí a mercadoria passa a ser analisada sob dois aspectos: o material,
contendo o trabalho concreto que é definido pela destreza e habilidade dos
trabalhadores; e o abstrato, que é a igualação social dos diferentes tipos de
trabalho, ou seja, o trabalho social, que nada mais é senão o trabalho que
todos executam e que produz as relações sociais. É esse trabalho que funda-
menta a sociedade capitalista.

Marx dizia, ainda, que o que conectava os homens era a propriedade privada que
o trabalho adquiria. Assim, diferentemente dos clássicos que concebiam o trabalho
como unidade de valor, Marx vai dizer que a unidade de valor é a propriedade priva-
da advinda do trabalho.
Outra diferença fundamental de Marx em relação aos clássicos é sua análise das clas-
ses sociais, uma vez que, diferentemente de Smith e Ricardo, Marx entendia que
existiam apenas duas classes: os Proprietários privados dos meios de produção e os
Não-Proprietários privados dos meios de produção.

É a partir desses postulados e de suas críticas aos fundamentos clássicos


que Marx vai formular suas teorias, que serão apresentadas brevemente na
sequência, considerando-se que todas elas já foram estudadas na disciplina de
Economia Marxista.

4.4 TEORIA DO VALOR-TRABALHO DE MARX


Como o objeto de estudo de Marx não é o valor, mas a mercadoria porque
nela se encontra o produto do trabalho humano, é esta e não o valor que re-
cebe o foco das atenções teóricas. Decorre daí a primeira conclusão de Marx:
o trabalho não é valor, mas sim o seu fundamento. Neste sentido, a teoria
marxista do valor procura compreender e explicar o processo de igualação
das mercadorias no mercado, em sintonia com a igualação do trabalho social
no processo de produção.

59
Evolução do Pensamento Econômico

Na produção o trabalho assume a forma de trabalho privado concreto e in-


dividual. Já na troca, esse trabalho adquire propriedades que o caracterizam
como trabalho social e abstrato. O trabalho abstrato cria valor e é, ao mesmo
tempo, substância de valor, uma vez que o dispêndio de energia física não é
trabalho abstrato e não cria valor. Assim, o trabalho abstrato corresponde ao
trabalho igualado e a igualação social do trabalho pressupõe a homogeneida-
de fisiológica do trabalho. Neste caso, o trabalho abstrato é o aspecto social do
trabalho incorporado na mercadoria que se materializa no ato da troca. Com
isso, a igualação social das diferentes formas de trabalho é o que constitui a
categoria “trabalho abstrato”.
Para definir o valor, Marx diz que era preciso demonstrar que esse valor de-
corria das relações sociais entre as pessoas; que assumia uma forma material;
e que estava relacionado com o processo de produção.
Em seu corpo teórico Marx vai buscar responder a seguinte questão: por que
o trabalho é o fundamento de valor?
A produção de valor só ocorre quando produzo algo para alguém. Exemplo:
quando trabalho no meu jardim não estou produzindo valor. Assim, para cada
produtor, o produto do seu trabalho aparece como utilidade para os outros, da
mesma forma que o produto do trabalho dos outros aparece como utilidade
para si. Decorre daí que o trabalho me dá o direito de eu dispor das coisas dos
outros como se minhas fossem. E essa obtenção do produto do trabalho dos
outros ocorre através da troca.
Como se processam as trocas?
Não são determinadas pela quantidade de trabalho gasta por um produtor isola-
damente, uma vez que a quantidade de trabalho gasta por cada produtor se torna
uma fração (parte) do trabalho de todos que é consumido na sociedade. Desta
forma, Marx vai mostrar que o valor de troca de cada mercadoria não é definido
pelo esforço isolado de cada produtor. Isso significa que a produção para a troca
transforma o trabalho individual em um componente do trabalho social.

Decorre daí a conclusão de Marx de que o trabalho não é valor. O valor é uma relação
social que faz com que o trabalho de cada um se transforme em trabalho social. E é
esse trabalho social que se torna a substância do valor. Durante a produção da mer-
cadoria ocorre o desprendimento de energia física e mental, que é o trabalho social,
e que se expressa em valor no momento da troca.

60
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

Como a mercadoria possui valor de uso (que diz respeito à qualidade e à uti-
lidade das mercadorias – características que as diferenciam umas das outras)
e valor de troca (que expressa à proporção pela qual valores de uso de uma
mercadoria são trocados por valor de uso de outras mercadorias - relação
quantitativa que muda com o tempo), a troca exprime uma relação social em
que o valor de uso de uma mercadoria representa o valor de outra mercadoria.
Portanto, aqui ocorre uma igualação das mercadorias através do trabalho.
Com isso, o trabalho individual de cada um se transforma em trabalho social
(igualação dos diferentes tipos de trabalho), sendo que a troca transforma os
diferentes tipos de trabalho em equivalentes. E essa transformação é deter-
minada pelo tempo de trabalho socialmente necessário (trabalho gasto, em
média, na sociedade para produzir as mercadorias) e exprime uma relação
entre o trabalho concreto de um produtor de uma mercadoria e o trabalho
concreto dos outros produtores das demais mercadorias.
Essa média, porém não advém da produtividade individual, mas da produti-
vidade média da sociedade. Essa média é encontrada no mercado, através dos
movimentos de oferta e procura. É isso que faz com que, no longo prazo, as
mercadorias mantenham seus valores.

Marx então se pergunta: o que há de comum em todas as coisas?


O produto do trabalho humano! Conclusão de Marx: “o trabalho tem um duplo
caráter porque ele se decompõe, durante a troca em duas categorias: Trabalho
Individual/Privado, que se transforma em Trabalho Social (trabalho de todos e re-
presentado pelo desprendimento de energia); e Trabalho Concreto (trabalho que
diferencia os trabalhadores e é dado pela habilidade e destreza de produzir merca-
dorias), que se transforma em Trabalho Abstrato (surge através da troca e representa
a igualação social das diferentes formas de trabalho). Desta forma, a transformação
do trabalho individual para o trabalho social (aspecto quantitativo) revela o aspecto
qualitativo do processo concreto para o abstrato”.
Em síntese, o trabalho privado/individual originário da produção adquire, durante
o processo de troca, propriedades sociais que o caracterizam como trabalho social.
A essa passagem ele diz que o valor de uso se converte em valor. Marx então afirma
que essa foi sua grande descoberta!

61
Evolução do Pensamento Econômico

4.5 TEORIA DA MAIS-VALIA


Após definir a teoria do valor-trabalho Marx dá um passo adiante e for-
mula outra teoria fundamental em sua estrutura conceitual: a mais-valia.
Conceitualmente, significa o valor criado pela força de trabalho (FT), além do
valor da cesta de bens necessária à manutenção e reprodução da FT.
Para os clássicos, os salários oscilavam conforme a oferta e procura de mão-de-
obra e de acordo com o nível de subsistência dos trabalhadores, ou seja, aumen-
to da mão-de-obra implicava, necessariamente, em diminuição dos salários.
Para Marx a explicação é bem distinta. Partindo do pressuposto de que, se o
valor é definido pela quantidade de trabalho, isso também deveria valer para
a FT, pois Marx a considerava uma mercadoria especial, como vimos no item
anterior. Desta forma, o ponto de partida é distinguir Jornada de Trabalho
de FT, que significa a aptidão física e mental para trabalhar. São exatamente
essas aptidões que são vendidas antes mesmo de ser iniciada a jornada de
trabalho. Esta FT tinha um valor que era igual à cesta de bens, capaz de fazer
o trabalhador manter-se vivo, ou seja, reproduzir sua FT.

Marx então afirma que “é neste momento que aparece a contradição fundamental
do modo de produção capitalista: o produto da jornada de trabalho (aquilo que foi
produzido durante x horas de trabalho) entregue ao capitalista (dono dos meios de
produção) era maior que o valor da cesta de bens que o capitalista devolvia ao tra-
balhador, em forma de salário, pelo pagamento de sua jornada de trabalho. A partir
daí ele vai estudar essa contradição e explicar suas consequências”.

Em primeiro lugar, Marx observa que o valor da FT – ou o tempo de produção


do trabalhador para produzir a cesta de bens necessária à reprodução da FT –
não necessita de uma jornada completa de trabalho. Considere, por exemplo,
uma jornada de trabalho de 8 horas. Por contrato o trabalhador deve trabalhar
08 horas, mas em 4 horas ele produz a cesta de bens necessária ao seu sustento.
O restante (4 horas) é trabalho que não mais lhe pertence, ou seja, é trabalho
excedente. E este pertencerá a quem comprou a FT. Esse diferencial é o que
justifica o conceito enunciado no início deste item.
No exemplo anterior, note que o capitalista pagou apenas o valor da FT e não o
trabalho completo (jornada de 8 horas). E por que isso ocorre dessa maneira?
Porque o capitalista comprou a FT e, ao comprá-la, ele passa a ter o direito de
uso dessa mercadoria especial. Para Marx aí se escondia o segredo do proces-
so de acumulação da riqueza da sociedade capitalista.

62
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

Ao desvendar o processo de geração de riqueza do modo de produção capita-


lista e discutir a origem do lucro, Marx faz uma crítica frontal à teoria clássica,
especialmente às fundamentações de Smith e Ricardo. Estes definiam a equiva-
lência das trocas entre mercadorias (2A=5B) como se fosse trabalho=trabalho
(jornada de trabalho). A teoria Marxiana é bem mais complexa e evoluída nesta
parte, pois afirma que não é somente uma questão relativa à jornada de trabalho.
Marx inicia sua crítica aos clássicos mostrando que nessa troca de 2A por 5B
está envolvida uma relação entre trabalho passado e trabalho presente, em
ambos os lados da equação. O trabalho passado corresponde à produção que
não é consumida e que serve para gerar novos produtos. Exemplo: máquinas
e equipamentos quando são usados para produzir novas mercadorias. Com
isso, vão se constituindo em propriedade privada de alguns capitalistas. Em
outras palavras, é o capital que se destina à construção de fábricas, compra
de máquinas e equipamentos, matérias-primas e bens intermediários, etc. A
isso tudo se denominou de Capital Constante (CC), porque transfere apenas
parte de seu valor ao produto final. Assim, quanto maior for o CC, maior será
o desenvolvimento do capitalismo.
Já o trabalho presente diz respeito à jornada de trabalho, envolvendo dois
aspectos. Por um lado, a parte do capital destinada à compra da FT (trabalho
necessário), denominada de Capital Variável (CV); e, por outro, a produção
de excedente que conforme visto acima aparece no decorrer da jornada de
trabalho, sendo denominada de Mais-Valia (MV).
Daqui, então, Marx formula sua teoria sobre a origem do lucro, o qual está
amparado na parcela do produto do trabalho que é retida pelos capitalistas
que contratam força de trabalho, cujo valor é determinado apenas pela quan-
tidade de coisas necessárias para se repor as energias físicas e mentais gastas
durante a jornada de trabalho.
Como foi visto na disciplina de Economia Marxista, a mais-valia pode ser
absoluta e relativa. No primeiro caso, é obtida através do prolongamento da
jornada de trabalho. Por exemplo: no caso A temos uma jornada de trabalho
de 8 horas, sendo 4 horas para reprodução da FT e o restante de trabalho
excedente. No caso B a jornada de trabalho passa para 10 horas, porém com
o mesmo tempo para reproduzir a FT. Isso significa que o trabalho excedente
aumentou de 4 para 6 horas, ou seja, aumentou a mais-valia absoluta. Todavia,
sabemos que dado os limites físicos e naturais, é impossível aumentar infini-
tamente a jornada de trabalho.

63
Evolução do Pensamento Econômico

Esse limite introduz então o tema da mais-valia relativa, que é obtida através
da redução do tempo de trabalho para reproduzir a FT. Esse processo se dá
via aumento da produtividade do trabalho a partir das inovações tecnológicas.
A finalidade é sempre baratear o custo da FT e, com isso, reduzir o trabalho
necessário sem que ocorra redução da jornada de trabalho. O resultado final
é que o trabalho excedente aumentará. Por isso, Marx afirma que a criação da
mais-valia ocorre no processo de produção.

Segundo Marx, “para se entender o funcionamento da sociedade capitalista não era


mais suficiente analisar apenas o comportamento dos preços baseado na lei de oferta e
procura (lei de Say), sendo necessário estudar a natureza e as implicações da Mais-Valia”.

A partir dessa formulação é possível observar uma ruptura fundamental de


Marx em relação ao pensamento clássico em dois aspectos essenciais. O pri-
meiro é a resposta a pergunta sobre o que conecta os proprietários dos meios
de produção aos não proprietários desses meios. Para os clássicos eram as
trocas que, com auxílio da mão invisível do mercado, garantia o bem-estar de
todos. Para Marx é o capital que faz essa conexão, cuja aparência se expressa
nas trocas, mas que na essência esconde uma relação social de classe baseada
na exploração do trabalho dos outros.
O segundo aspecto dessa ruptura diz respeito à sociedade resultante desse
processo. Para os clássicos essa era uma sociedade de trocas que, funcionando
livremente, faria com que os interesses individuais e o lucro fossem atingidos,
o que proporcionaria o bem-estar de todos. Para Marx essa era uma sociedade
do capital (K=CC+CV=MV), cujas leis gerais governavam a vida dos homens
gerando contradições sociais incapazes de gerar o bem-estar coletivo.

4.6 AS LEIS GERAIS DO SISTEMA CAPITALISTA


A partir de toda a estrutura teórica discutida anteriormente foi possível para
Marx desenvolver suas teses sobre as leis gerais que governam o funcionamen-
to das sociedades capitalistas, conforme veremos na sequência.

4.6.1 A Taxa de Mais-Valia


A taxa de Mais-Valia é a razão entre a MV (Mais-Valia) e o CV (Capital
Variável), como vimos acima.

64
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

TxMV = MV/CV
Essa taxa mede a razão entre o trabalho necessário para reprodução da FT
e a proporção de trabalho excedente. Registre-se que essa relação sempre é
expressa em termos monetários porque no sistema capitalista o dinheiro é a
expressão monetária do valor.
Vejamos um exemplo simples. Suponha um salário (W) de R$ 20,00 e R$
10,00 acrescidos ao produto ao final da jornada de trabalho (MV), com um
montante de capital da ordem de R$ 80,00. Então,
C= CC+CV+MV
C = 50 + 20 + 10
T x MV = MV/CV = 10/20 = 0,5 ou 50%
Essa taxa, como já vimos, pode ser aumentada de diversas maneiras. Pelo
aumento da jornada de trabalho; pela redução dos salários; e pela elevação da
produtividade do trabalho, via inovações tecnológicas.

4.6.2 Composição Orgânica do Capital


Esta é a relação que se estabelece entre o capital constante (CC) e o capital
total (C) e que se explicita pela seguinte fórmula:
COC = CC/CV
Na verdade, essa relação mede a taxa de substituição da mão-de-obra por má-
quinas e equipamentos, cujo valor é crescente ao longo da história.
Então, qual o significado dessa tendência crescente de aumento da COC? É
que cada vez mais a mão-de-obra (CV) será substituída por máquinas e equi-
pamentos (CC).

4.6.3 Taxa de Lucro


A determinação da taxa de lucro, por possuir uma relação umbilical com a
taxa de mais-valia, é determinada da seguinte forma:
L = MV/CC+CV
Seguindo o exemplo anterior do cálculo, teríamos:
L = 10/50+20 = 1/7 = 0,1428 ou 14,28%

65
Evolução do Pensamento Econômico

É importante não confundir essa taxa de lucro com a taxa de mais-valia, uma
vez que a primeira considera o trabalho passado que se materializa nas máqui-
nas, equipamentos, prédios, etc., que aos poucos é transferido ao produto final.
Essa relação, segundo Marx o elemento chave do sistema capitalista, está em
função da MV e da COC, conforme fórmula seguinte:
L= MV (1 – COC)

Desta forma, pela taxa de lucro é possível observar que a concentração de capitais
se eleva, diminuindo o número de capitalistas. Nesta lógica, o trabalho teria cada vez
menos espaço no processo produtivo e, em consequência, os salários cada vez mais
reduziriam sua participação no conjunto da riqueza da sociedade.
A partir desse movimento, segundo Marx, surgiria o “Exército Industrial de Reserva”
composto por trabalhadores latentes, flutuantes, estagnados e pauperizados. O vo-
lume desse exército é que iria influenciar decisivamente o valor dos salários. Assim,
quanto maior esse número, menor a possibilidade dos salários aumentarem.
E assim Marx chega a sua derradeira conclusão: os salários sempre perdem! Isso é
totalmente distinto das teses de Smith (todos ganhavam) e de Ricardo (se salários
aumentassem os lucros cairiam).

Resumo da unidade:
Nesta unidade expusemos de forma bastante simples a fundamentação teórica de
Marx, cujo objetivo principal era entender as leis gerais que governam o funciona-
mento da sociedade capitalista de sua época. Para tanto, vimos que a base argu-
mentativa de Marx foge às amarras das teses clássicas de Smith que previam um
funcionamento harmonioso dessa sociedade.
Para Marx a sociedade capitalista moderna era movida pela contradição social evi-
denciada através da contraposição dos interesses do capital em relação ao trabalho,
sua substância de valorização. E era justamente essa contradição que explicitava aos
olhos de todos exatamente o oposto daquilo que a Economia Clássica propunha, ou
seja, o bem-estar coletivo. Sem dúvida, esta é a razão fundamental que não permite
que Marx seja estudado como um autor da “escola clássica”, como faz a grande maio-
ria dos livros e manuais sobre evolução do pensamento econômico.
Exatamente por entender que da relação entre capital e trabalho nascia à contradi-
ção social fundamental, Marx afirmava que a saída seria os homens construírem ou-
tra sociedade, em que sua reprodução e a própria geração de riqueza não ficassem
presas à relação salário versus lucro (W/L).

66
Unidade 4 - Marx e a crítica à economia política clássica

Atividade de Aprendizagem – 4

1) Considerando os pontos abordados anteriormente (e também aqueles aborda-


dos nas disciplinas de Economia Clássica e Economia Marxista) procure sistema-
tizar as ideias de Marx, fazendo sempre a contraposição com aquelas defendidas
por Smith e Ricardo.

2) Além disso, revise toda construção teórico-metodológica de Marx, procurando


entender porque foi possível esse autor afirmar que a dinâmica econômica capi-
talista é extremamente contraditória. Para isso, revise a teoria do valor-trabalho
e também a teoria da mais-valia.

3) Finalmente, procure entender as leis gerais de funcionamento do sistema econô-


mico capitalista, segundo a abordagem marxista, fazendo a relação entre salário,
lucro e formação do exército de reserva.

Agora, assista à videoaula desta unidade.

67
Anotações d m a

importante
5
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

OS MARGINALISTAS E A FUNDAMENTAÇÃO
TEÓRICA NEOCLÁSSICA
• Nas unidades anteriores vimos que a Economia Política, tanta a Clássica
como a Marxista, dava ênfase às relações sociais de produção que se
estabeleciam entre os homens e suas atividades econômicas.
• Nesta unidade veremos como a Escola Neoclássica dará ênfase na capa-
cidade humana de fazer escolhas, em função dos múltiplos fins e meios
para se efetivar essas escolhas. Deste modo, qualquer escolha dos agen-
tes econômicos quanto à alocação dos recursos implica em uma relação
entre custos (meios empregados) e benefícios (resultados obtidos).
Partindo-se da capacidade do mercado de atender a todas as satisfações ma-
teriais do homem, afirma-se que o uso eficiente dos meios escassos propicia
os melhores resultados. Com isso, a teoria deixa de tratar os fenômenos reais
para enfatizar os problemas de escolhas, tornando as explicações extrema-
mente subjetivas e pouco empíricas.

Para se familiarizar um pouco mais com as contribuições e fundamentos dessa esco-


la de pensamento econômico você irá conhecer e estudar nesta unidade:
1) Alguns fatos históricos que atuaram decisivamente no sentido de imprimir uma
mudança na trajetória de formação do pensamento econômico;

2) As Escolas Marginalistas e suas fundamentações teóricas;

3) A Teoria do Valor-Utilidade;

4) Os fundamentos básicos e alguns pressupostos que dão sustentação à Escola


Neoclássica.

5.1 FATOS HISTÓRICOS RELEVANTES


Há um conjunto de fatos econômicos e políticos que contribuíram decisiva-
mente para a rejeição às explicações da economia política clássica e, espe-
cialmente, da economia política marxista. Na esfera econômica as crises do
capitalismo, que já tinham começado a se explicitar a partir de 1840 com a
superprodução, tornaram-se constantes e ampliaram os conflitos entre capi-
talistas e trabalhadores, tendo seu ápice na Comuna de Paris de 1871. Por
outro lado, a própria expansão do trabalho assalariado seguida de arrochos
dos salários alimentava constantes conflitos entre patrões e trabalhadores.
71
Evolução do Pensamento Econômico

Já na esfera política a burguesia que havia tomado o poder na França e na


Inglaterra queria uma resposta, não em termos de qual a teoria econômica
mais correta, mas sobre o que era útil e o que era prejudicial ao capital.
Como as obras de Marx foram decisivas para esclarecer as contradições fun-
damentais do sistema capitalista, o pensamento econômico burguês ficava
debilitado em sua fundamentação clássica, uma vez que se tornou impossível
depois das formulações econômicas marxistas de ser favorável a teoria do
valor, mas negar a existência da mais-valia. Essa contradição assolava os eco-
nomistas burgueses da época. Portanto, era urgente colocar algo no lugar das
explicações Marxiana.
É a partir daí que vão surgir num mesmo período histórico (1870-1900) as
diversas escolas marginalistas, naquilo que ficou conhecido como a “síntese
marginalista”. Este também é um período em que a burguesia aparece como
contra revolucionária, impedindo sua derrocada pelo movimento operário.
Neste sentido, a Teoria Econômica Neoclássica nasce exatamente para dar
sustentação à ordem burguesa que se restabelece e se solidifica.

Saiba que desde a obra seminal de Marx as teorias que enfatizassem as relações so-
ciais de produção e explorassem as contradições do sistema econômico capitalista
não eram desejáveis, ao passo que as teorias que não abordassem esses antagonis-
mos passaram a ser bem acolhidas e respeitadas.

Neste caso, deve-se destacar que as diversas teorias marginalistas não tinham
como objetivos estudar a evolução e as crises do sistema econômico capitalista,
que na época já migrara da fase concorrencial para a monopolista. Apenas pre-
tendiam provar que o capital também era criador de valor e que os preços dos
bens e serviços caminhavam sempre para uma situação de equilíbrio estável.
Por isso a rota da formação do pensamento econômico daria sua grande gui-
nada nesta época, já que os economistas deixaram de se preocupar com o
processo de produção e de distribuição da riqueza e voltaram suas atenções/
preocupações para a alocação dos recursos visando maximizar a utilidade e
a satisfação dos consumidores. Para tanto, as escolas marginalistas desenvol-
veram a teoria do valor utilidade, tentando integrá-la à teoria dos custos de
produção da economia clássica.

72
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

5.2 AS ESCOLAS MARGINALISTAS


A fundamentação teórica neoclássica deriva de diversas escolas que foram
fortemente influenciadas pelos ideais individualistas e utilitaristas que mar-
caram a segunda metade do século XIX, chamando atenção que entre 1870
e 1880 economistas dessas várias escolas definiram uma nova teoria do valor
visando substituir o debate da economia política (clássica e marxista) sobre
valor-trabalho.
De um modo geral, o que agregava e unia essas diferentes correntes de pensa-
mento era a busca de uma resposta contrária às ideias de Marx e sua teoria do
valor-trabalho. Surge então o “princípio da utilidade marginal”, que afirmava
que o valor de uma mercadoria ou de um bem decorria da utilidade da última
unidade adquirida desse bem e/ou mercadoria.

5.2.1 A Escola Austríaca


Também conhecida como “Escola de Viena” teve como fundador Karl Menger
e como principais seguidores Friederich Von Wieser e Eugen Böhm-Bawerk,
esta escola teve um papel decisivo no sentido de deslocar o debate econômico
da época. Com isso, abandona-se a discussão sobre produção e distribuição da
riqueza que dava sustentação à formulação da teoria valor-trabalho e prioriza-
se a análise econômica das necessidades humanas, sua satisfação e valoração
subjetiva dos bens.
A partir daí criou-se o “princípio da utilidade decrescente” dos bens não mais
com base no trabalho, mas sim em função da utilidade e da satisfação dos con-
sumidores, uma vez que estes quando colocados diante de um grande número
de alternativas para gastar sua renda irão procurar maximizar sua satisfação. E
esta será obtida quando o consumidor alocar sua renda de tal forma que a última
quantidade (valor marginal) gasta em um bem não proporcione nem mais nem
menos satisfação ou utilidade do que o último montante gasto com qualquer
outro bem e/ou mercadoria. Desta forma, segundo esses autores, era possível
determinar a demanda de qualquer consumidor por qualquer mercadoria.
Em síntese, essa escola formulou uma teoria do valor, visando explicar a
importância atribuída subjetivamente pelos indivíduos às mercadorias, fun-
damentada na utilidade das mesmas e nas suas capacidades de satisfazer
necessidades do homem econômico. Assim, se procede a uma mudança de
concepção sobre a própria mercadoria, que na tradição da Economia Política

73
Evolução do Pensamento Econômico

continha valor de uso e valor de troca, como vimos nas unidades anteriores.
Agora a mercadoria passa a ser portadora de valores pessoais, ou seja, ela é
tratada como um bem superior que atenderá o consumo pessoal e seu valor é
definido subjetivamente, sem qualquer relação com o trabalho.

5.2.2 A Escola Suíça


Também conhecida como “Escola Matemática”, teve como fundador e
seu principal líder Léon Walras, um francês que por 22 anos lecionou na
Universidade de Lausane, tendo como principal seguidor Vilfredo Pareto.
É a Escola que desenvolve a teoria do Equilíbrio Geral fundamentada na ideia
básica de que quando os preços forem apropriados, as quantidades totais de
demandas serão iguais as ofertadas. Assim, os preços de equilíbrio seriam de-
finidos nos mercados, sendo que o equilíbrio representaria a compatibilização
mútua dos interesses individualizados. Tal compatibilização ocorria porque
os agentes têm informações e agem sob o princípio da racionalidade.
A hipótese básica é que os resultados observados corresponderiam exatamente
aos anseios individuais dos agentes econômicos, os quais não faziam qualquer
planejamento prévio. Essa correspondência entre as ações dos agentes econô-
micos se daria através dos mecanismos de contratações virtuais explicados por
Walras via a metáfora do “leiloeiro” (sujeito que teria o papel de promover ajustes
nos preços de tal forma que demanda e oferta funcionassem equilibradamente).
No sistema econômico Walrasiano os agentes econômicos (indivíduos e em-
presas) tomam suas decisões de modo descentralizado a partir das informações
de mercado e suas escolhas de compra e venda de produtos se constituem na
força que põe o sistema em movimento. O equilíbrio é então obtido quando
em todos os mercados houver compatibilidade entre quantidades ofertadas e
demandadas aos preços vigentes. O resultado disso tudo é que se formulou uma
teoria do valor com base na utilidade em resposta às teorias do valor-trabalho.
Em síntese, Walras afirma que:
se chegaria ao equilíbrio geral envolvendo todos os produtores e consumidores
quando as seguintes condições fossem satisfeitas: os indivíduos agiam com base no
auto-interesse; a concorrência fosse perfeita; e os preços fossem flexíveis.

74
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

Além de formular suas teses abstratamente sobre uma economia imaginária de tro-
cas, diversas questões ficaram sem respostas e tornaram-se motivo de grandes con-
trovérsias no Século XX, conforme veremos na unidade seguinte.

5.2.3 Escola Inglesa


Esta escola tem duas contribuições distintas. Willian Stanley Jevons apre-
sentou em 1871 sua Teoria da Economia Política, cujo objetivo era apresentar
uma nova teoria do valor. O ponto de partida do autor é a negação da teoria
do valor-trabalho por entender que o trabalho não pode ser a causa do valor
dos bens porque a prática dos negócios não o reconhece com tal função. Além
disso, o trabalho não representa o valor dos bens porque o gasto com o mes-
mo antecede o momento em que o bem é consumido.
Para tanto, propõe a Lei da Proporcionalidade das Utilidades Marginais, afir-
mando que o consumidor de bens tende normalmente a obter quantidades
destes bens de tal forma que as relações dos grupos finais de utilidade das
mercadorias sejam iguais às relações de seus preços.
O autor concluiu que os preços dos bens, quando normais, satisfazem a con-
dição de igualação das utilidades marginais ponderadas. Assim, quanto maior
a posse de uma mercadoria, menor será a satisfação obtida ao consumir outra
unidade dessa mercadoria, além de menor a disposição de pagar por ela. Isso
significa que mercadorias abundantes serão baratas porque uma quantidade
adicional não terá muito valor para o consumidor.

Essa formulação de Jevons não consegue dar conta de fenômenos reais como, por
exemplo, das relações de preços dos bens entre setores. Além disso, não ofereceu uma
explicação convincente sobre o que determina o custo de produção das mercadorias.
Em resumo, sua teoria apenas demonstra que, para os preços existentes, é desejável
que cada indivíduo possa obter as quantidades de mercadorias que deseja comprar.

Mas a grande contribuição nesse debate ocorreu com Alfred Marshall na


Universidade de Cambridge, que em 1890 publicou seu livro denominado de
Princípios de Economia. Dele constam suas principais formulações e inova-
ções teóricas, bem como sua doutrina geral que vai dar substância e corpo ao
arcabouço teórico neoclássico, conforme veremos em um item específico.

75
Evolução do Pensamento Econômico

Marshall, ao contrário dos autores das escolas marginalistas antes estudadas,


partiu de algumas teses dos economistas clássicos e incorporou em sua estru-
tura teórica as questões novas trazidas pela fase do sistema capitalista de sua
época que se encontrava sob o domínio do capital financeiro. Assim, procurou
fazer a união da teoria da utilidade marginal com as formulações sobre custos
de produção dos clássicos.
Um primeiro aspecto a ser mencionado é que Marshall excluiu os principais
pontos da teoria do valor-trabalho dos clássicos e de Marx, construindo sua
teoria baseada nos custos reais de produção. Com isso, reduziu as análises dos
fatores econômicas a uma questão simples de oferta e demanda. Registre-se
que o autor faz uma crítica às explicações marginalistas que estariam excessi-
vamente presas à esfera da demanda, afirmando ser necessário também discu-
tir o lado da oferta (custos de produção). Para tanto, ele fundamenta sua tese
na célebre comparação com a tesoura dizendo não ser possível cortar o papel
apenas com uma única lâmina, para dizer que o valor não pode ser definido
apenas pela esfera da demanda.
Todavia, deve-se registrar que os custos mencionados foram tratados no âm-
bito da subjetividade, uma vez que não eram considerados como gastos com
trabalho e/ou com meios de produção, mas como privações e/ou sacrifícios
dos capitalistas.
Outra mudança fundamental é o tratamento dado a mercadoria. Nos clássicos
e, especialmente, em Marx a mercadoria era a célula portadora de um conjun-
to de relações sociais entre diversos produtores. Para Marshall a mercadoria
servia apenas para avaliar o sistema de preços, ou seja, as relações quantitati-
vas nos mercados, que eram medidas em unidades monetárias e físicas. Esta
é a razão que explica porque toda a dimensão das relações socioeconômicas
aparece apenas em termos numéricos, reduzindo as relações de classe ao nível
da concorrência entre proprietários privados.
Dentre as principais teses de Marshall destacam-se a definição de elasticida-
de-preço da demanda (conceito que mostra a sensibilidade da demanda em
relação a pequenas variações dos preços); a relação entre oferta e demanda
considerando-se todos os fatores constantes, exceto os preços; a importância
do tempo na oferta de produtos e formação de preços, relacionando o tempo
e as diferentes situações de mercado; e o princípio da livre concorrência como
lei suprema de funcionamento do sistema econômico capitalista.

76
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

Seu método é a análise microeconômica tendo a firma como referência. Como


todas as escolas marginalistas realçavam o problema do equilíbrio, Marshall
desenvolveu a teoria do equilíbrio parcial como contraposição ao conceito de
equilíbrio geral de Walras, aceitando que existiam forças atuantes no sistema
econômico que levavam a uma situação de equilíbrio.
Por fim, merece nota a reformulação na Lei de Say (toda oferta cria sua própria
demanda), mostrando que o movimento geral do capital obedece tanto as leis
de oferta como de procura. Para tanto, transfere a ideia de produtividade dos
fatores (presente em Say) para o mundo das utilidades subjetivas onde não se
diferenciavam os fatores produtivos dos serviços de consumo, tendo em vista
que a lei da produtividade marginal regia esses dois fatores.

5.3 TEORIA DO VALOR-UTILIDADE


A utilidade total diz que o benefício adicional do aumento de um determinado
bem diminui com o aumento da quantidade do mesmo. Por isso é que os de-
sejos são medidos indiretamente, ou seja, pelo preço que a pessoa se dispõe a
pagar. De alguma forma, esse movimento está relacionado à compra marginal
que nada mais é a quantidade de coisas que chega ao limite da compra porque
marca o momento da dúvida de se efetuar ou não um novo gasto.
Isto permite definir que a utilidade marginal de uma coisa para uma pessoa
diminui a cada aumento da quantidade dessa coisa. Tomemos como exemplo
o carro. Como não se dirige dois carros ao mesmo tempo, a compra do segun-
do carro tem uma utilidade muito inferior ao primeiro.
A subjetividade da teoria do valor-utilidade aparece no fato de que o valor
representa o grau de satisfação ou de utilidade que deriva das atividades eco-
nômicas, em que o homem atribui valor aos objetos e serviços na medida em
que estes satisfazem suas necessidades. Assim, parte-se da relação que se esta-
belece entre as necessidades humanas e o objeto que irá satisfazer as mesmas.
Por exemplo, a fome é uma necessidade subjetiva porque depende de quanta
fome a pessoa está sentido, o que não é dado por critérios objetivos.
Isto ocorre desta forma porque o pensamento marginalista supõe que o con-
sumidor é racional, sendo sempre capaz de reconhecer suas necessidades e a
melhor forma de satisfazê-las.

77
Evolução do Pensamento Econômico

Do ponto de vista do produto social, o valor é um somatório de cotações apli-


cado a diferentes quantidades de bens que variam de acordo com as mudanças
no gosto, nas expectativas, nas preferências, etc.
Quanto ao tempo histórico, a teoria do valor-utilidade pode ser classificada
como a - histórica, uma vez que pressupõe que o comportamento humano na
esfera econômica é sempre idêntico, mesmo que sua forma de manifestação
possa mudar.
Nesta lógica, essa teoria admite que a esfera de valorização seja o mercado
e que o excedente social decorre da renúncia e/ou sacrifício. A renúncia diz
respeito à postergação de um consumo imediato a favor de um consumo fu-
turo. Isto também pode ser considerado um sacrifício porque não se gasta
pensando em um consumo futuro.
Em síntese, os pressupostos de que os consumidores tentavam maximizar sua
satisfação e que o nível de produção era determinado segundo as necessidades
trariam como resultado a maximização dos benefícios. Com isso, o sistema
econômico passou a ser concebido como se girasse exclusivamente em torno
dos consumidores individuais e das suas necessidades.

O resultado mais profundo dessas formulações é a mudança no objeto de atenção


das Ciências Econômicas. Vimos que tanto para economia clássica como para eco-
nomia marxista o objeto era as classes sociais e seus interesses econômicos, espe-
cialmente no que diz respeito à produção e a distribuição da riqueza. Agora o objeto
passou a ser o consumidor individual, considerado como principal determinante da
atividade econômica e do próprio progresso do sistema.

5.4 PRESSUPOSTOS E IDEIAS BÁSICAS DO


PENSAMENTO NEOCLÁSSICO
O ponto de partida é que em uma economia de mercado os agentes econô-
micos tomam decisões em função de seus interesses, preferências e restrições.
Com isso, a economia passa a ser interpretada como uma ciência que trata da
maneira de utilizar os meios escassos capazes de assegurar o grau máximo de
realização do objetivo escolhido pela atividade humana.
O resultado dessa lógica interpretativa é que a economia deixa de ser uma
ciência empírica que trata dos fenômenos reais e passa a ser uma ciência base-

78
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

ada na “lógica da escolha” assentada nos mesmos critérios que conformam a


matemática. Isto porque, na visão neoclássica, não existem teorias capazes de
reproduzir o mundo da forma como ele é. Esta é a razão que explica porque
todas as suas afirmações estão sujeitas a testes que podem comprovar ou rejei-
tar os pressupostos adotados.
Portanto, a meta básica desse conjunto de ideias é estudar os fenômenos
relacionados à escassez, que por sua vez está relacionado à ideia de escolha
(opção). A consequência disso é que a argumentação deixou de ser a classe
social e passou a ser o indivíduo, ou seja, a esfera individual passou a ser o
padrão de referência. Com isso, a atenção prioritária deixou de ser a esfera da
produção e passou a ser a da realização (troca), enaltecendo-se o conceito de
utilidade das mercadorias. Finalmente, a renda deixou de ser analisada pela
forma de divisão entre as diferentes classes sociais e também passou a ser uma
questão dos indivíduos que se confrontam nos mercados.
Assim, utilizam um conceito subjetivo (utilidade) para tentar resolver o para-
doxo da água e do diamante de Smith. Além disso, substituem a ideia de acu-
mulação da economia política pela noção de equilíbrio entre oferta e procura,
o qual é obtido por um preço de equilíbrio.
Por fim, vimos que Marshall compatibiliza os postulados da economia clássica
sobre custos de produção com a teoria da utilidade. Essa compatibilização
permitiu afirmar que os preços são determinados tanto pela oferta quanto
pela demanda. Essa formulação tinha um objetivo claro: mostrar que não era
apenas o trabalho que gerava valor.
Dessa trajetória teórica nascem os fundamentos centrais da teoria microe-
conômica, cuja base está assentada no princípio da racionalidade individual
e na busca incessante do lucro por parte dos empresários. Decorrem daí a
teoria do consumidor, a teoria da firma e a teoria do bem-estar, conforme
já foi estudado nas disciplinas de Introdução à Economia e Microeconomia
I e II. Todas essas teorias são restritas ao pensamento microeconômico or-
todoxo. Mais recentemente (meados do Século XX em diante) se fortaleceu
outro campo microeconômico negando os preceitos ortodoxos. Neste caso,
destacam a microeconomia evolucionária (Corrente Neo-schumpeteriana) e
a própria Nova Economia Institucional (NEI).
Apenas recapitulando o que já foi estudado nas disciplinas de Introdução à
Economia e de Microeconomia I e II. Do ponto de vista do objeto de estudo
registre-se que a grande área da Microeconomia busca analisar a formação

79
Evolução do Pensamento Econômico

dos preços nos mercados de bens e de fatores de produção, ou seja, como


empresas e consumidores interagem e decidem quantidades e preços dos bens
e mercadorias. Decorre daí a importância da análise das estruturas de mer-
cados, particularmente no que diz respeito aos temas da concorrência, dos
oligopólios e monopólios, além das questões relativas à oferta e demanda e
suas relações com a ideia de equilíbrio dos mercados.
Partindo da análise subjetiva da utilidade que, segundo essa corrente de pen-
samento, indica o grau de satisfação dos consumidores em relação aos bens
disponíveis, ressalta-se a esfera da demanda, a qual indica a quantidade de um
determinado bem e/ou serviço que os consumidores desejam adquirir. Esta
demanda depende, basicamente, de três fatores: renda dos consumidores, pre-
ferências e preços dos bens e serviços. Decorre daí a lei geral que diz que sempre
existirá uma relação inversa entre quantidade demandada e preço de um bem.
Já a esfera da oferta indica a relação entre uma quantidade de bens e mer-
cadorias disponibilizados pelos empresários em um determinado período
de tempo, sendo que a curva de oferta demonstra a correlação direta entre a
quantidade e o nível de preços. Por isso, diz-se que a oferta depende, além do
preço do bem ofertado, dos preços dos demais bens, dos preços dos fatores de
produção e das preferências dos empresários.
A partir dessas concepções chega-se à ideia de equilíbrio dos mercados de-
terminada pela lei de oferta e procura, fato demonstrado pela intersecção das
duas curvas (oferta e demanda) e que significa a existência de equilíbrio entre
preço e quantidade de uma determinada mercadoria.

80
Unidade 5 - Os marginalistas e a fundamentação teórica neoclássica

Resumo da unidade:
Nesta unidade expusemos de forma sintética toda a fundamentação básica do pen-
samento econômico Neoclássico que, ao contrário das escolas estudadas anterior-
mente, procurou explicar o funcionamento da sociedade do final do Século XIX e
início do Século XX com base no valor-utilidade dos bens. A partir daí desloca-se a
preocupação anterior que dominou o pensamento econômico por mais de um sé-
culo da órbita da sociedade em seu conjunto para a esfera dos indivíduos.
Por detrás dessas explicações buscou-se formular uma tese geral em contraposição
às ideias Marxiana, ou seja, comprovar que não era apenas o trabalho que gerava
valor. Para tanto, através da teoria da utilidade a síntese marginalista apresentou
agrupamentos de noções básicas do pensamento clássico com suas teses básicas.
Dentre estas, destaca-se a fundamentação nos pressupostos das escolhas e preferên-
cias racionais dos indivíduos, com o objetivo de mostrar que a economia deveria ser
interpretada como uma ciência que trata da maneira de utilizar os meios escassos ca-
pazes de assegurar o grau máximo de realização do objetivo escolhido pela atividade
humana. O resultado dessa lógica interpretativa é que a economia deixa de ser uma
ciência empírica que trata dos fenômenos reais e passa a ser uma ciência baseada na
“lógica da escolha” assentada nos mesmos critérios que conformam a matemática.
A partir daí as explicações econômicas migram para o campo da subjetividade, uma
vez que agora se busca estudar os fenômenos relacionados à escassez, que por sua
vez está relacionado à ideia de escolha (opção). O resultado é que com este olhar
fixo na questão da utilidade das mercadorias as preocupações anteriores (produção,
acumulação e distribuição da riqueza) perdem importância e tudo passa a ser expli-
cado através da noção de equilíbrio entre oferta e procura.
Desse caminho teórico instaura-se a separação econômica, nascendo os fundamen-
tos básicos de todas as explicações microeconômicas.

Atividade de Aprendizagem – 5

1) Considerando os pontos abordados nesta unidade (e também aqueles aborda-


dos nas disciplinas de Economia Clássica e Economia Marxista) procure sistema-
tizar as ideias da Escola Neoclássica, fazendo sempre a contraposição com aque-
las defendidas pelos clássicos e por Marx.

2) Além disso, revise toda a construção teórico-metodológica da síntese margina-


lista, procurando entender porque foi possível essa escola se firmar como cor-
rente dominante do pensamento econômico. Para isso, revise a teoria do valor-
utilidade dos bens.

Agora é hora da videoaula desta unidade.

81
Anotações d m a

importante
6
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

KEYNES E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO


MACROECONÔMICO NO SÉCULO XX
• Na unidade anterior vimos como a Escola Neoclássica fundamentou
suas teses na capacidade humana de fazer escolhas e no uso eficiente
dos recursos escassos, tornando as explicações dos fenômenos extrema-
mente subjetivas e, de certa forma, bastante superficiais.
• Nesta unidade iremos estudar como o pensamento econômico tornou-
se bem mais complexo com as questões colocadas por Keynes. Este au-
tor, mesmo formado dentro dos padrões do pensamento econômico
Neoclássico, rompeu essa tradição que dominava a teoria econômica da
época, mostrando suas principais contradições.
De maneira geral, podemos dizer que a própria realidade durante a primeira
metade do Século XX se encarregou de colocar em xeque as teses vigentes,
sobretudo aquelas relativas aos temas do emprego e do desemprego; ao papel
da moeda na economia; bem como a ideia da soberania do mercado como
regulador das atividades econômicas.
Este cenário de crises constantes favoreceu o aparecimento de uma nova teoria
econômica que iria demarcar toda a trajetória até então desenvolvida e formar,
em definitivo, a grande área do pensamento macroeconômico vigente até os
dias atuais. Neste caso, registremos que a preocupação dessa nova abordagem
é entender e explicar o funcionamento do conjunto do sistema econômico e
não apenas as escolhas individuais, como faziam os ensinamentos neoclássicos.

Para compreender melhor essa complexa caminhada e se familiarizar com as novas


teorias econômicas que irão dar corpo ao chamado campo macroeconômico, você
irá conhecer e estudar nesta unidade:
a) Alguns fatos históricos da primeira metade do Século XX que foram decisivos
para o aparecimento dessa nova abordagem econômica;

b) A trajetória, o objeto de estudo e as principais obras de Keynes;

c) As principais teses defendidas por esse pensador;

d) As ideias e o método analítico utilizado por Keynes; e

e) As principais teorias que conformam o arcabouço macroeconômico keynesiano.

85
Evolução do Pensamento Econômico

6.1 FATOS HISTÓRICOS QUE AFETARAM O


PENSAMENTO ECONÔMICO
A passagem do século XIX para as primeiras décadas do século XX é forte-
mente marcada por alguns fatos históricos que afetaram a evolução e a própria
formação do pensamento econômico, pois como vimos na unidade anterior,
nas décadas de 1870 e 1880 triunfou uma nova forma de interpretação da
economia naquilo que passou a ser conhecido como “Teoria Neoclássica”, ex-
pressão síntese do pensamento marginalista.
Este, de uma forma bem sistematizada, resumia o mundo econômico à ideia
de equilíbrio entre oferta e demanda representada pela lei do valor utilidade.
Esta fundamentação derivava da concepção de que se formou uma sociedade
em que os indivíduos buscavam sempre maximizar sua utilidade, sendo esta
última responsável pelo gerenciamento dos preços.
Neste arcabouço teórico dois conceitos essenciais articulavam o pensamento
econômico: o conceito de Equilíbrio Geral e a Lei de Say. O primeiro afirmava
que os mercados sempre se equilibravam, mesmo que ocorressem pequenos
distúrbios, uma vez que era a barganha nos mercados que determinava os
preços e as quantidades de todas as mercadorias. Já o segundo conceito dizia
que toda oferta cria sua própria demanda, o que significava dizer que não
havia defasagem entre as esferas da produção e da realização das mercadorias.
Com isso, a oferta determinava todo movimento da economia, não havendo
espaços para crises.
Mas a história teimou em mostrar à teoria econômica que sua trajetória não é
retilínea e que a própria evolução do sistema capitalista viria a interferir sobre
a conformação teórica dominante na época. Este sistema já havia evoluído
de sua fase concorrencial para monopolista, com implicações diretas sobre
o conceito de livre concorrência, tão precioso no arcabouço “neoclássico”.
Além disso, este mesmo sistema já apresentava crises recorrentes, as quais se
responsabilizaram para colocar em xeque os pressupostos teóricos vigentes.
Assim, a conjugação da lógica de funcionamento do capitalismo com alguns
fatos históricos colocaram na ordem do dia a necessidade de novos instru-
mentos analíticos.
Dentre esses fatos históricos dois deles foram decisivos: a primeira guerra
mundial e a crise geral do sistema econômico a partir de 1929. O período que
antecedeu a primeira grande guerra foi marcado por uma crise na economia
inglesa, que dominava o cenário econômico global. No centro dessa crise

86
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

estava a estagnação industrial inglesa devido ao aparecimento de indústrias


similares, sobretudo na França, Alemanha e Estados Unidos; o aumento do
desemprego; e a retração dos mercados ingleses no exterior. Paralelamente
a esse cenário, observa-se a forte expansão imperialista em direção à África,
especialmente por parte da França e Alemanha. Ao mesmo tempo observa-se
também a adoção dessa política expansionista por parte dos EUA – neste mo-
mento ainda restrita as Américas – e do Japão em direção a Coréia e a China.
Essas disputas por novos territórios esbarravam nos interesses particulares de
cada nação, tornando-se o epicentro do conflito bélico mundial.
Deve-se registrar que em meio a esse cenário da primeira guerra mundial
ocorreu a Revolução Russa que, de alguma forma, pode ser considerada uma
contra-tendência do capitalismo, devido suas inspirações nas teses e teorias
marxistas. É a partir desse fato que vai se desenhar uma geopolítica mundial
que perduraria até quase o final do Século XX. O primeiro desafio do governo
revolucionário foi controlar e transformar o sistema capitalista. Para tanto, foi
estabelecida uma política de controle dos mercados e de planificação que, na
prática, centralizou todo o processo produtivo e distributivo nas mãos do go-
verno. Para muitos analistas, esse planejamento centralizado acabou bloque-
ando, na sequência, algumas mudanças essenciais, principalmente no campo
da ciência e da tecnologia e na esfera social e política.
O outro fato histórico decisivo foi a crise que se estabeleceu na economia
mundial com o crash da bolsa de valores de Nova York em 1929, inaugu-
rando uma fase avançada de “orgias especulativas” que marcaram o sistema
capitalista durante o Século XX e que eram retroalimentadas pelos fundos de
“investimentos” dos grandes bancos e corretoras de valores. Especificamente
em relação à década de 1920, esse movimento especulativo começou no setor
imobiliário para logo atingir as ações das grandes empresas industriais que
eram revendidas imediatamente a valores superiores.
Os anos finais da década de 1920 já deixavam indícios claros de problemas, es-
pecialmente na esfera industrial onde a produção caiu acentuadamente, com
reflexos diretos sobre a bolsa de valores. Essa queda do nível global de produ-
ção instaurou o medo e a incerteza nos “investidores-especuladores”, gerando
um movimento de todos no sentido de se desfazer das ações. Quando as ações
das principais companhias industriais dos EUA entram em queda livre o pâni-
co se instaurou, sendo que entre os dias 21 e 25 de Outubro de 1929 mais de 12
milhões de ações mudaram de mãos a preços baixíssimos, sepultando o sonho
daqueles que imaginavam ficar ricos rapidamente.

87
Evolução do Pensamento Econômico

A crise da década de 1920 foi tão ampla e afetou o sistema como um todo por-
que as ondas especulativas visavam à valorização fictícia do capital ocioso das
grandes empresas. Este movimento articulado e coordenado pelos bancos era
possível porque havia um fluxo contínuo de capitais de outros países em direção
aos EUA atraídos pela valorização acionária das empresas norte-americanas.
Esse movimento foi potencializado pela ação política do governo dos EUA que,
ao invés de atuar no sentido estruturar um sistema cambial estável, de manter o
funcionamento dos mercados e de aumentar os empréstimos, atuou apenas no
sentido de preservar os mercados dos produtos de suas empresas.
Com isso, as consequências sobre a economia mundial foram decisivas, com
forte retração das atividades econômicas devido ao desemprego dos fatores
produtivos; expansão do desemprego; redução da procura por mercadorias
com efeitos negativos direto sobre comércio internacional; retração geral do
crédito e dos mecanismos de estímulo aos investimentos; queda da renda
nacional nos principais países; aumento da desigualdade de distribuição da
renda; etc. A consequência disso foi a expansão em escala mundial da exclu-
são social.
No plano teórico, esses fatos decorrentes do funcionamento do sistema eco-
nômico capitalista colocaram em xeque as teorias em voga, especialmente
aquelas ligadas à corrente neoclássica que previa uma economia funcionan-
do harmonicamente à luz da Lei de Say e da filosofia do ajuste automático
dos mercados. Tais fundamentações descartavam a possibilidade de crises
econômicas e descreviam o problema de desemprego como um problema
do trabalhador. Para tanto, bastaria apenas flexibilizar os salários (na prática
diminuir) que o mercado de trabalho se equilibraria novamente. Da mesma
forma, bastaria deixar o livre mercado operar que as defasagens entre oferta e
procura desapareceria e a economia retornaria ao seu nível de equilíbrio.
É precisamente sobre a maioria desses postulados que Keynes irá se contrapor
mostrando que a economia mundial do Século XX carecia de instrumentos
analíticos adequados para explicar seu funcionamento, especialmente a parte
relativa às crises e seus reflexos sobre o mundo real.

88
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

6.2 KEYNES: O HOMEM, O OBJETO DE ESTUDO E AS


OBRAS
John Maynard Keynes nasceu em Cambridge e estudou matemática, econo-
mia e política, mas não se especializando em nenhum desses campos profis-
sionais, apenas dedicando atenção central aos temas econômicos. Participou
ativamente da vida cultural e artística de Londres, sobretudo com o grupo
Bloomsbury, liderado por Virginia Wolf.
Sua vida profissional foi marcada por passagens pelo governo, pelo setor
privado e pela academia. No governo iniciou atuando na área de supervi-
são da administração das colônias, tornando-se um especilista em questões
monetárias da India. Posteriormente trabalhou no tesouro inglês, o que lhe
aproximou dos problemas da primeira guerra. Por isso, foi indicado membro
da delegação inglesa nas discussões da conferência de paz, que resultou no
Tratado de Versalhes.
Sua segunda passagem pelo governo ocorreu em 1939 quando se tornou
assessor especial de Churchill como responsável pela política econômica
da Inglaterra. Posteriormente chefiou a delegação inglesa na conferência de
Bretton Woods, onde foi definida a nova ordem mundial com a criação do BM,
OMC e FMI. Ressalta-se que Keynes tinha proposto somente a formação de
um Banco Mundial com a instalação de uma moeda única (proposta rejeitada
pelos EUA). Keynes tinha certeza que o acordo de BW era muito prejudicial
aos países endividados e so trazia beneficios para os EUA.
Trabalhou no setor privado com negócios financeiros, assessorando e participan-
do da administração de empresas. Paralelamente a isso escrevia para jornais da
Europa, enquanto preparava os primeiros esboços de seus dois livros principais.
Sua vida acadêmica é marcada por uma tentativa frustrada de ingresso na
universidade com uma dissertação sobre probabilidade que não foi aceita, o
que levou Keynes a abandonar a matemática e a se dedicar mais a economia.
Após essa tentativa fracassada, em 1909 foi convidado por Marshall para ser
monitor da disciplina de economia política. Um ano depois já se tornou pro-
fessor responsável pela disciplina atuando ao longo de toda segunda década
do Século XX nesta área.
A partir de 1930 retorna a Universidade de Cambridge e publica o livro
Tratado sobre a moeda, onde expõe suas divergências teóricas básicas com a
Escola Neoclássica. Com a crise da década de 1930 essa escola entra em co-

89
Evolução do Pensamento Econômico

lapso, fortalecendo os argumetnos keynesianos. Em 1936 publica sua grande


obra: Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro, onde questiona toda a
teoria neoclássica que dominava o cenário intelectual no campo econômico.
Nos três anos seguintes passou ministrando conferências em universidades e
escrevendo artigos sobre o seu livro para os jornais de todo o mundo.

Sua obra seminal mostra que Keynes partiu do pressuposto que a sociedade capita-
lista de sua época (Século XX) tinha dois dilemas básicos para resolver: o desempre-
go e a desigualdade na distribuição da renda. Para ele, a expansão contínua dessas
desigualdades se transformaria em ameaça real à estabilidade do sistema econômi-
co capitalista. Decorre daí sua preocupação em estudar essa ordem de problemas
com o objetivo de revitalizar o funcionamento desse sistema, pois diferentemente
de Marx, ele não queria destruir o modo de produção capitalista.

A partir dessa concepção define como objeto de estudo entender precisamen-


te quais são os fatores responsáveis pela determinação do nível de emprego e
quais são as causas geradoras de desemprego, bem como o efeito de ambos
sobre o nível de renda dos consumidores. Para tanto, seu desafio era enorme,
uma vez que, além de comprovar a inconsistência teórica do pensamento
neoclássico sobre emprego e desemprego, era necessário formular uma nova
teoria que se aplicasse ao conjunto do sistema econômico e não apenas aos
indivíduos e/ou as empresas. Sobressaem, neste caso, as inter-relações entre as
variáveis macroeconômicas, tanto na esfera monetária como no mundo real.

6.3 AS TESES KEYNESIANAS


A teoria keynesiana, em sua essência, é uma crítica ao princípio de que a oferta
cria sua própria demanda; de que o sistema econômico opera em equilíbrio;
de que o desemprego é um processo voluntário; e de que a moeda não afeta
as variáveis reais da economia. Keynes, ao contrário, coloca no centro de suas
análises a dinâmica da esfera da demanda e sua relação com o pleno emprego,
concluindo que mesmo em condições de livre mercado, existiria insuficiên-
cia de demanda que levaria a subutilização da produção com consequências
negativas sobre o nível de emprego. Nesta lógica, há um espaço decisivo para
o gasto público enquanto instrumento anticíclico às crises econômicas, em
grande parte devido ao efeito multiplicador desses gastos sobre a renda.

90
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

Suas teses são uma reação contrária à teoria Neoclássica, considerada por
Keynes inconsistente para explicar fenômenos reais, como o desemprego, e fe-
nômenos monetários, como o papel dos juros e da moeda no funcionamento
do sistema econômico, além da própria crise geral desse sistema.
Neste sentido, suas fundamentações se concentram tanto no campo teórico, com
questionamentos decisivos sobre o paradigma vigente, como no campo prático,
com a redefinição do papel da política econômica. Isto porque Keynes acredi-
tava que os problemas do emprego e dos salários não se resolveriam pela ideia
simples do livre mercado. Para tanto, entendia ser necessário que os governos
tivessem uma presença mais ativa na condução da vida econômica dos países.
O autor entendia, também, que grande parte das crises que assolava o sistema
econômico capitalista tinha origem na insuficiência dos investimentos; uma
vez que ao contrário da teoria Neoclássica que negava a possibilidade de subu-
tilização da capacidade produtiva instalada, porque se assentava na lei de Say
que não poderia admitir crises, Keynes mostrou que em situações permeadas
por quedas sequenciais na demanda as empresas operavam com capacidade
produtiva ociosa.
A partir daí o autor vai concluir que são as deficiências na demanda que não
deixam a economia capitalista funcionar adequadamente. Desta constatação
deriva a formulação do princípio da demanda efetiva que vincula dois as-
pectos básicos: o nível de emprego e de renda dos consumidores ao nível de
investimento global da economia. À luz dessa linha de raciocínio Keynes iria
formular uma nova teoria do emprego, contrapondo-se às teses neoclássicas
ardorosamente defendidas por seus colegas da Universidade de Cambridge,
especialmente de Pigou.
Em linhas gerais, esta teoria se opõe ao fundamento Neoclássico básico que
receitava a redução dos salários como mecanismo de combate ao desemprego.
Keynes questiona teoricamente esta ideia afirmando que reduções de salários
gerariam ainda mais desemprego, uma vez que estas reduções promoveriam
quedas no poder de compra dos assalariados, que por sua vez desaqueceriam a
economia e fariam com o sistema econômico operasse com capacidade ociosa.
Neste contexto, estavam dadas as condições para o desemprego continuar a
se expandir. Além disso, dizia ainda que as questões relativas aos temas do
emprego e do desemprego eram bem mais complexas, por dependerem de
um conjunto de relações macroeconômicas, conforme veremos mais adiante.

91
Evolução do Pensamento Econômico

6.4 IDEIAS E MÉTODO DA MACROECONOMIA


KEYNESIANA
Com uma linguagem assentada na força das palavras (no longo prazo a única
certeza que temos é que estaremos todos mortos), Keynes organizou suas ideias
com o objetivo de romper com o passado teórico (inclusive seu) e apresentar
um novo paradigma para interpretação dos sistemas econômicos no Século
XX. Este rompimento pode ser sistematizado nos pontos descritos a seguir.

Mudança no foco de abordagem:


A teoria neoclássica concentra suas atenções nos preços, tendo em vista per-
manecer baseado no modelo de equilíbrio geral, que tem no vetor preço o ins-
trumento de igualação entre oferta e demanda. Já Keynes dá menos destaque
aos preços e mais atenção aos determinantes da produção e emprego, que são
comandados, em última instância, pelo comportamento da demanda agregada.

Problema de rigidez de preços:


A teoria neoclássica afirmava que os preços rígidos eram responsáveis pelo de-
semprego. Portanto, bastava apenas flexibilizar os preços, especialmente dos salá-
rios, que se atingiria o pleno emprego. Keynes, afirmava que mesmo com preços
flexíveis poderiam ocorrer mudanças na produção com efeitos diretos sobre nível
de emprego. Portanto, o problema não dizia respeito à questão da flexibilidade,
mas sim das expectativas dos agentes econômicos em relação ao futuro.

Papel do tempo no processo econômico:


A teoria neoclássica estabelecia uma relação entre passado e presente via movi-
mentos dos preços, ou seja, P em t-1 é a referência para P no presente. Keynes
afirmava que o presente condicionava o futuro através das expectativas dos
agentes econômicos, as quais eram formadas em clima de incerteza, pois esses
agentes desconheciam os eventos futuros. Como exemplo, o autor citava que
não sabemos precisamente como será a taxa de juros daqui a 20 anos.
Neste caso, vale a pena reproduzir a crítica literal de Keynes: todas as técnicas
bonitinhas feitas para reuniões bem apaineladas e para um mercado regulado
tendem a entrar em colapso no futuro. Assim, acusa a Teoria Tradicional (leia-
se teoria Neoclássica) de ser uma dessas técnicas bonitinhas que tenta lidar
com o presente sem atentar para o fato de que sabemos pouco sobre o futuro.

92
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

Papel da moeda:
A teoria neoclássica sempre considerou a moeda como um meio de paga-
mento. Com isso, variações em sua quantidade afetavam apenas as variáveis
monetárias. Já Keynes afirmava que num mundo econômico permeado pela
incerteza a moeda desempenha um papel fundamental, especialmente no que
diz respeito às expectativas dos agentes em relação ao futuro. Portanto, esta
é uma variável que provoca efeitos tanto nas variáveis monetárias como nas
variáveis reais.

Perturbações no sistema econômico:


Para a teoria neoclássica, as perturbações decorriam de choques exógenos, sendo
classificados como momentos transitórios de um ponto de equilíbrio para outro
porque concebem o sistema econômico enquanto um sistema auto-regulável.
Keynes afirmava que as perturbações são de caráter endógeno, uma vez que
fazem parte do próprio sistema econômico. Em seu funcionamento ocorre um
conjunto de relações de causalidades que provocam instabilidades sistêmicas.
Portanto, a vida econômica era bem mais complexa, exigindo uma nova teoria
que explicasse adequadamente os processos de produção e de realização.
Decorre daí que seu método de análise articula o curto e o longo prazo dentro
da lógica de funcionamento de uma economia empresarial privada, em que
as decisões de produzir e de investir dependem das expectativas futuras. A
partir daí se estabelecem as relações com as variáveis reais (consumo e renda)
e com as variáveis monetárias (taxa de juros e moeda). Dessas relações se
estabelecem três causalidades básicas: a primeira relacionada à determinação
da taxa de juros; a segunda relação causal diz respeito à determinação do vo-
lume de investimento, uma vez conhecida a taxa de juros os agentes fazem
suas expectativas em relação à taxa de lucro; e finalmente a definição do nível
renda, uma vez que esta é criada, segundo Keynes, a partir da decisão de gasto.
E é esta renda que vai condicionar o nível de emprego.

A partir dessas definições foi construído o modelo geral composto por 4 variáveis
macroeconômicas: uma de natureza institucional e que diz respeito à fixação da
oferta monetária por conta da autoridade monetária (BC), enquanto as demais, se-
gundo Keynes, são de natureza psicológica. Isto porque a Preferência por liquidez (L)
relaciona a taxa de juros com moeda; a Eficiência Marginal do Capital (EMC) relacio-
na investimentos com juros; e a Propensão Marginal a Consumir (PMgC) relaciona o
consumo com a renda.

93
Evolução do Pensamento Econômico

Com esse conjunto de variáveis é possível medir o nível de produção, de renda e


de emprego em um determinado período. É exatamente por isso que Keynes afir-
mava que a determinação do nível de emprego e as causa do desemprego são bem
complexas, comparativamente a forma que era explicada pela teoria neoclássica.

6.5 RESUMO DAS PRINCIPAIS TEORIAS DA


MACROECONOMIA KEYNESIANA
A Teoria Geral apresenta diversas formulações articuladas entre si para dar
conta daquilo que Keynes almejava, ou seja, apresentar uma nova teoria do
emprego, do juro e da moeda. Para tanto, todo esse conteúdo está organizado
em grupos de capítulos distintos.
A obra inicia pela formulação de uma nova teoria do emprego. Para tanto,
antes de apresentar suas formulações, Keynes faz uma severa crítica à teoria
neoclássica do emprego. Neste caso, a grande novidade é a afirmação da exis-
tência da categoria de desemprego involuntário, que era negada pela teoria
tradicional. Para chegar a este ponto o autor parte de duas premissas básicas:
de um lado, que o nível de emprego depende do nível de produção e, por outro,
que este nível de produção é determinado pelo princípio da demanda efetiva,
que por sua vez é determinada pelos gastos com consumo e investimento. Pelo
fato de que no longo prazo os investimentos sofrem mais variações que a fun-
ção consumo, estes tiveram maior importância nas formulações keynesianas.
A teoria de investimentos keynesianas deixa claro que são gastos com ati-
vidades produtivas reais e não transações em bolsas de valores. Para tanto, a
função investimento é condicionada pelas expectativas dos agentes econômi-
cos em relação ao retorno futuro (incerto) e pela taxa de juros. Desta forma, o
agente investe dinheiro no setor produtivo até o momento em que o retorno
do capital investido for maior que os rendimentos do capital a juros. Quando
o retorno for maior no mercado financeiro, a tendência é que os recursos
sejam destinados àquele mercado. É neste momento que Keynes defende a
importância da política econômica, tanto no sentido de estimular os gastos
das empresas privadas como nos períodos de crise adotando políticas anticí-
clicas. Para autor, o principal determinante do investimento não é a poupança
– como diziam os neoclássicos – mas as expectativas em relação ao lucro futuro.
Em estreita relação com a formulação anterior, Keynes apresenta sua teoria
dos juros. O ponto de partida é a rejeição da formulação neoclássica que dizia

94
Unidade 6 - Keynes e a formação do pensamento macroeconômico no século XX

que o juro é a remuneração pelo sacrifício de se adiar o consumo. Para o autor,


as pessoas que guardam seu dinheiro em casa (entesouramento) também fa-
zem sacrifício, mas não recebem nada por isso. E fazem isso porque preferem
ter dinheiro em mãos (preferem ter liquidez) para realizar trocas imediatas
e ampliar suas possibilidades de lucros maiores. Desta forma, Keynes define
os juros como sendo o prêmio para abrir mão da liquidez, destacando que
são três os motivos que provocam a preferência por liquidez: transação, pre-
caução e especulação. A partir daí é desenvolvido o conceito de “Armadilha
da Liquidez”, mostrando que a queda dos juros atingirá seu limite quando a
preferência por liquidez (L) ficar paralela a quantidade de moeda (M), impli-
cando que qualquer aumento na oferta monetária não afetará a taxa de juros.
A complementação teórica de Keynes ocorre com a formulação de sua teoria mo-
netária geral, em que é reservada à moeda uma nova função para além daquela
já descrita pela teoria neoclássica (meio de pagamento): ela também desempenha
a função de reserva de valor. Com isso o autor mostra que oferta e demanda por
moeda estão fortemente relacionados com a preferência por liquidez.
Por fim, deve-se registrar que Keynes também se contrapôs fortemente à ideia
de livre mercado da teoria neoclássica, afirmando ser necessária a intervenção do
Estado na economia em duas direções: por um lado captando e orientando inves-
timentos no sentido de induzir as empresas privadas a investir e com isso manter
a demanda agregada em expansão e, por outro, controlando a taxa de juros como
forma de evitar que estes provocassem retrações sobre o nível de investimentos.

Saiba que as teses e as políticas keynesianas tornaram-se quase hegemônicas entre


os anos de 1930 e 1970 e influenciaram o desenvolvimento econômico do sistema
capitalista no Século XX, de tal forma que alguns autores classificam esse período
com sendo os “anos dourados” desse sistema.

95
Evolução do Pensamento Econômico

Resumo da unidade:
Os fatos históricos, sobretudo durante as três primeiras décadas do Século XX, apre-
sentaram um novo cenário da economia mundial marcado pela forte retração das
atividades econômicas e com elevação dos níveis de desemprego em escala global.
Esses fatos não encontravam mais guarida na teoria Neoclássica que até então do-
minava o pensamento econômico, especialmente a Lei de Say e o Equilíbrio Geral de
todos os mercados. É neste contexto que emerge a teoria keynesiana para mostrar
que os instrumentos analíticos existentes não davam conta de explicar o funciona-
mento da economia capitalista do Século XX.
O ponto de partida de Keynes foi observar que as questões do desemprego e da
desigualdade na distribuição da renda eram centrais para a sociedade capitalista
contemporânea. Por isso, ele se dedicou a estudar os fatores responsáveis pela de-
terminação do nível de emprego e quais eram as causas geradoras de desemprego,
bem como o efeito de ambos sobre o nível de renda dos consumidores.
Portanto tinha dois grandes desafios: comprovar a inconsistência teórica do pensa-
mento neoclássico e, ao mesmo tempo, formular uma nova teoria que se aplicasse
ao conjunto do sistema econômico e não apenas aos indivíduos e/ou as empresas.
Era isso que, segundo ele, tornava a teoria econômica algo bem mais complexa.
Assim, ataca logo princípios consagrados como o da Lei de Say; a teoria do emprego
clássica; a teoria monetária; e a própria ideia do livre mercado como instrumento
de equilíbrio do funcionamento econômico. Para tanto, coloca no centro de suas
análises a dinâmica da esfera da demanda e sua relação com o nível de produção,
emprego e renda, concluindo que mesmo em condições de livre mercado, existiria
insuficiência de demanda que levaria a subutilização da produção com consequên-
cias negativas sobre esses dois indicadores. A partir daí vai provar que a dinâmica
econômica dependia fortemente do nível de investimento global da economia, sen-
do esta afetada tanta pelas variáveis reais como pelas variáveis monetárias.

Atividade de Aprendizagem – 6

Como forma de recapitular as grandes mudanças propostas pela teoria keynesiana


– que formará o pensamento macroeconômico moderno - revise as disciplinas de
macroeconomia e procure fazer sempre um contraponto sobre o que estava em de-
bate e as novas proposições defendidas por Keynes. Dê atenção especial aos temas
do emprego, do investimento, dos juros e do papel da moeda na economia.


Assista agora à videoaula relativa a esta unidade.

96
7
Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

O PENSAMENTO MACROECONÔMICO PÓS TEORIA


GERAL DE KEYNES
• Na unidade anterior vimos como o pensamento econômico tornou-se
bem mais complexo após os questionamentos e formulações realizadas
por Keynes que, via Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro,
rompeu com os fundamentos básicos da Escola Neoclássica que hege-
monizava a teoria econômica.
• Nesta unidade veremos como o pensamento econômico keynesiano que
conformou a macroeconomia moderna foi sendo interpretado de dis-
tintas maneiras, de forma a se constituir atualmente em duas grandes
linhas de pensamento macroeconômico: a ortodoxa e a heterodoxa.
Este processo começou ainda em 1937 quando Hicks interpretou, a pedido de
Keynes, a Teoria Geral (TG). Com o artigo “O Senhor Keynes e os clássicos:
uma sugestão de interpretação” Hicks formalizou a nova teoria com base no
Modelo de Equilíbrio Geral. Deste trabalho nasceu o conhecido diagrama IS-
LM, que viria a ser uma interpretação equilibrista da TG e que gerou tantas
controvérsias que só foram esclarecidas quando Hicks, ao final de sua vida
acadêmica, reconheceu seu equívoco interpretativo da obra de Keynes logo
após sua aparição.
Esses equívocos interpretativos da Teoria Geral marcaram a macroeconomia
no Século XX, conformando diferentes escolas de pensamento. Porém, o de-
bate não se distanciou de um dilema básico: criticar e rejeitar as proposições
keynesianas ou resgatá-las e referendá-las.

Para compreender melhor essa complexa caminhada e se familiarizar com as novas


escolas de pensamento macroeconômico que se formaram ao longo do século XX,
você irá conhecer e estudar nesta unidade:
a) As principais distinções entre o pensamento macroeconômico ortodoxo e
heterodoxo;

b) As principais correntes macroeconômicas ortodoxas;

c) As principais correntes heterodoxas.

99
Evolução do Pensamento Econômico

7.1 O PENSAMENTO MACROECONÔMICO


ORTODOXO E SUAS PRINCIPAIS ESCOLAS
Esta corrente de pensamento macroeconômico também conhecida como ma-
croeconomia do mainstream, está ancorada nos pressupostos teóricos neo-
clássicos. Como vimos nas unidades anteriores, neste caso ainda consideram-
se como relevantes a Lei de Say, os Modelos de Equilíbrio Geral; a obtenção
do Pleno Emprego e o Ajuste Automático da Economia via Mecanismos de
Mercado.
Partindo do pressuposto que ocorrerá equilíbrio no longo prazo, adota-se
a suposição de que não existem forças internas ao sistema econômico que
provocam mudanças. Portanto, toda explicação decorre dos famosos “cho-
ques exógenos”. Assim, no sistema econômico ortodoxo não há espaço para
incertezas; as decisões são reversíveis; o tempo econômico não é relevante; a
teoria dos ciclos não faz sentido; e prevalece a racionalidade microeconômica.
As consequências deste tipo de abordagem são: o equilíbrio corresponde a
uma situação de pleno emprego dos fatores de produção; os possíveis dese-
quilíbrios são interpretados apenas como momentos transitórios de um ponto
de repouso para outro; as flutuações na economia são explicadas através do
mecanismo dos choques exógenos (choque monetário, choque derivado de
fenômenos naturais, etc.); e a dinâmica dos sistemas econômicos não é tratada.
O resultado é que por mais sofisticados que sejam os modelos adotados, eles
não conseguem explicar as causas do movimento do sistema econômico em
seu conjunto. Por isso, recorre-se então a tese de que o livre mercado ajustará
automaticamente todos os setores. Este pressuposto está fortemente ancorado
na concepção de equilíbrio geral, o qual é obtido no processo de trocas via
preço de equilíbrio.

Palavra do Professor
Perceba aqui a grande diferença com relação à teoria geral, uma vez que nas inter-
pretações ortodoxas não existe espaço para expectativas e incertezas e a moeda é
apenas um meio de troca.

A crítica geral que é feita a essa corrente de pensamento é que se transfor-


mou em uma teoria reducionista porque analisa fenômenos extremamente
complexos de forma inapropriada e simplificando em demasia a realidade.

100
Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

Assim, a complexidade passa a ser interpretada como fato corriqueiro. Neste


caso, o tempo passa de irreversível a reversível; a instabilidade dá lugar ao
equilíbrio; a análise dinâmica é tratada como um mundo estático.
Por isso Keynes afirmava a necessidade de uma teoria não reducionista que
buscasse a complexidade dos fenômenos econômicos, analisando-os de forma
abrangente. Para ele, a teoria neoclássica não tinha instrumentos capazes de
analisar apropriadamente a economia monetária da produção que se formara
ainda na primeira metade do século XX. Já Schumpeter mostrava que a análi-
se econômica baseada nos modelos de equilíbrio geral, nada mais fazia do que
analisar a economia como um fluxo rotineiro.

7.1.1 A síntese neoclássica

Como dissemos anteriormente, a trajetória pós TG foi marcada por grandes contro-
vérsias e equívocos analíticos, sendo o mais conhecido o “keynesianismo ortodoxo”,
ou o “velho keynesianismo”. Essas expressões, na verdade, acabaram agrupando cor-
rentes do pensamento macroeconômico que fizeram uma leitura “equilibrista” de
Keynes. A todas elas Samuelson chamou de Síntese Neoclássica (SN), a qual sinteti-
zava as diferentes interpretações neoclássicas da TG (lembre-se: Keynes escreveu a
TG exatamente para rejeitar as teses neoclássicas).

Essa corrente começou a se formar quando Hicks procurou, via diagrama IS-
LM, mostrar como e porque os agregados flutuavam. Seu objetivo final era
provar a possibilidade de conciliar as formulações neoclássicas com aquelas
da Teoria Geral de Keynes. Após formular seu modelo geral – representa-
do pelo IS-LM - concluiu que variações na demanda agregada ou na oferta
monetária deslocavam as curvas IS-LM, levando a um ponto de equilíbrio
simultâneo da renda (mundo real) e dos juros (mundo monetário). Em outras
palavras, a um processo de equilíbrio simultâneo tanto no mercado de bens
como no mercado monetário.
Essa conclusão levou Hicks a afirmar que, ao contrário do que Keynes dizia,
sua teoria não era geral, mas sim um caso particular (Armadilha de Liquidez)
da teoria tradicional (Neoclássica). A partir daí, passou-se a interpretar a TG
como base nos modelos de equilíbrio, como se nesses coubessem as expecta-
tivas e incertezas.

101
Evolução do Pensamento Econômico

Todos esses equívocos foram desfeitos em 1979 pelo próprio Hicks que, re-
conhecendo seu erro, admitiu ter interpretado equivocadamente a TG, espe-
cialmente nas questões relativas aos preços (rigidez versus flexibilidade) e à
duração do período, cujo curto prazo foi suposto por ele como sendo de uma
semana. Esse erro, segundo Hicks, mostrou que as duas curvas não se ajusta-
vam ao mesmo tempo (equilíbrio simultâneo) porque o ajuste no mercado de
bens, por depender de planos de produção, não ocorre imediatamente como
se verificava no mercado monetário.

O resultado final apontado pelo próprio Hicks é que seu diagrama IS-LM não con-
tinha uma versão completa e correta da Teoria Geral. Na verdade sua interpretação
havia transformado a TG em uma teoria do equilíbrio econômico, o que não corres-
pondia aos ensinamentos elementares de Keynes.
Mas entre 1937 e 1979 o estrago já havia sido feito e, principalmente nas escolas ma-
croeconômicas norte americanas, se passou a ensinar a TG com base em Hicks e não
em seu teor original. Era isso que gloriosamente o ensino manualizado da macroe-
conomia passou a chamar de “revolução keynesiana”. Nada mais estranho porque
esses ensinamentos eram a própria negação da teoria keynesiana original.

7.1.2 A macroeconomia monetarista


Esta escola de pensamento macroeconômico se consolida nos anos de 1960
sob a hegemonia do curso de Economia da Universidade de Chicago (EUA) e
sua principal liderança: o professor Milton Friedman.
Registre-se que o cenário daquele período havia mudado, surgindo o pro-
blema do estagflação (aumento da inflação acompanhada de estagnação do
produto e do emprego) e da instabilidade dos preços. Esses fatos praticamente
estavam ausentes dos debates nas duas décadas anteriores, que estiveram sob
hegemonia do pensamento keynesiano. Por isso, Friedman afirmava que a
“Revolução Keyneisiana” não dava mais conta de explicar a realidade, sendo
necessária nova formulação teórica.
Esta escola, na verdade, é um ataque aos pressupostos da TG naquilo que ficou
conhecido como a “Revolução Anti-Keynesiana”. Este ataque se consubstan-
ciou em cinco pontos básicos: redução do desemprego só gera mais inflação;
fim do trade-off explicado pela Curva de Phillips; no longo prazo a economia
caminha em direção a uma taxa natural de desemprego; ineficácia da política
econômica; e inexistência de uma teoria quantitativa da moeda em Keynes.

102
Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

Dentre os principais pressupostos teóricos destacam-se:


a) Teoria da Moeda: Friedman dizia que modificações no estoque monetá-
rio têm efeitos diferenciados no CP e LP, sendo que no curto prazo essas
variações afetam tanto o nível de produção e emprego (variáveis reais)
como os preços (variável monetária). Já no longo prazo essas mudanças
provocam efeitos somente sobre o nível de preços. Devemos lembrar
que esta formulação não apresenta nenhuma grande novidade em rela-
ção à teoria da moeda clássica.
b) Teoria do Emprego: afirma-se que a economia opera com uma taxa na-
tural de desemprego. Para provar isso, Friedman reescreveu a Curva de
Phillips introduzindo nela as expectativas dos agentes econômicos.
c) Ineficácia da política econômica: esta corrente afirma também que o uso
da política econômica para reduzir o desemprego só gerava mais in-
flação. Portanto, rejeitava-se qualquer intervenção governamental nesta
área, supondo-se que o mercado com seus mecanismos de ajuste auto-
mático levariam a economia a sua taxa natural de desemprego.
d) Hipótese das Expectativas Adaptativas (HEA): afirmavam que os agentes
econômicos adaptam suas expectativas em relação aos preços, sendo
que o nível futuro era comparado ao passado. Decorre daí a formulação
do princípio da “ilusão monetária”, em que se afirmava que para manter
o desemprego abaixo da taxa natural era necessário que a política eco-
nômica iludisse continuamente os trabalhadores.

Saiba que essa escola teve grande influência na conformação das políticas econô-
micas das décadas seguintes, bem como na formação de professores de economia,
especialmente na América Latina, local onde mais se disseminou essa corrente de
pensamento macroeconômico.

7.1.3 A macroeconomia dos novos clássicos


Esta escola é uma continuidade da “Revolução Anti-Keynesiana” iniciada
pelos monetaristas, tendo como principal nome Robert Lucas, também da
Escola de Economia de Chicago (EUA). Na verdade, é produto da formação
de um grupo dissidente dos monetaristas originais.

103
Evolução do Pensamento Econômico

O principal objetivo dessa nova escola de pensamento macroeconômico é


oferecer explicações alternativas à teoria geral, pois entendiam que as teses
de Keynes não continham fundamentações microeconômicas capazes de ex-
plicar adequadamente o funcionamento macroeconômico, ou seja, buscavam
dotar a macroeconomia de fundamentações microeconômicas.
Além disso, entendiam que a teoria econômica precisava explicar por que
os distúrbios monetários geravam efeitos sobre o sistema e quais as formas
de propagação desses distúrbios. Neste caso, fazem uma crítica também aos
monetaristas por discordarem das teses contidas na HEA.
A partir daí formulam a Hipótese das Expectativas Racionais (HER) adotando
como fundamentos básicos:
a) Princípio da racionalidade: adotam o pressuposto que os agentes eco-
nômicos agem racionalmente, visando maximizar a função utilidade.
Retornam ao mundo Neoclássico adotando os modelos de equilíbrios
como premissas.
b) Informações imperfeitas: afirmavam que os distúrbios de CP derivam do
processo de informações imperfeitas que levam os agentes a cometer er-
ros que, por pressuposto, são inevitáveis. Mas no LP os agentes acertam
porque eles agem racionalmente ao conhecer as informações.
c) Market Clearing: adotam esse princípio para justificar a defesa do livre
mercado entendendo que este se ajustaria sempre via movimento flexí-
vel dos preços.
Com essa fundamentação em mente formularam o modelo geral das expecta-
tivas racionais mostrando que quando os trabalhadores subestimam a inflação
futura o emprego aumenta. Ao contrário, quando superestimam a inflação
futura o desemprego aumenta. Com isso, concluíram que o nível de emprego
varia na mesma proporção dos erros das expectativas dos agentes econômicos.
Além disso, formularam também o modelo de ineficácia da política econômi-
ca com o objetivo de mostrar que alterações na oferta monetária são ineficazes
para afetar as variáveis reais, especialmente o nível de emprego. Registre-se
que neste caso o pressuposto é que variações da oferta monetária só produ-
zem efeitos sobre variáveis monetárias, tanto no CP como no LP.

104
Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

Em síntese, a corrente novo clássica ataca tanto a teoria keynesiana quanto a teoria
monetarista. Particularmente em relação a esta última escola de pensamento discor-
dam da formação das expectativas, mas confluem na teoria monetária. Em última
instância reafirmam os primórdios do livre mercado para que o sistema econômico
funcione adequadamente.

7.2 O PENSAMENTO MACROECONÔMICO


HETERODOXO E SUAS PRINCIPAIS ESCOLAS
Esta corrente de pensamento macroeconômico está fortemente ancorada nos
pressupostos teóricos keynesianos, que rejeitam como vimos na unidade an-
terior às formulações neoclássicas gerais, especialmente as ideias de equilíbrio
geral e de ajuste automático do sistema via mecanismos de mercado.
O pressuposto básico é que o sistema econômico é complexo e se caracteriza
pela interação de subsistemas dependentes. Dessa interação nascem os ele-
mentos explicativos sobre as flutuações econômicas, ou seja, as explicações
decorrem de elementos endógenos ao funcionamento do próprio sistema.
Isso implica admitir que a fonte de instabilidade faça parte e, é produto do
conjunto do sistema econômico. Em consequência, o conceito de equilíbrio
perde espaço e ganham destaque nas análises as condições de produção e de
reprodução do sistema. Com isso, o campo heterodoxo não aceita interpre-
tações equilibristas de Keynes e nem interpretações do problema dos preços
de produção em Marx através do equilíbrio geral walrasiano. Isto porque na
perspectiva heterodoxa equilíbrio significa apenas uma mediação para se es-
tudar a realidade, ou seja, a instabilidade.
A instabilidade na perspectiva heterodoxa é tratada de diferentes maneiras. Na
perspectiva Shumpeteriana a instabilidade decorre do processo de transfor-
mações das estruturas produtivas, as quais darão dinamicidade aos processos
econômicos. O elemento motor desse movimento é a inovação tecnológica,
que por sua vez depende das decisões dos agentes, decisões estas que são
tomadas no âmbito das empresas (ambiente microeconômico), porém com
reflexos agregados (macroeconômicos).
Segundo Schumpeter, o processo inovativo gera desequilíbrios que afastam
a economia das explicações tradicionais. Decorre daí o novo enfoque sobre
a concorrência, que não é explicada pela lógica tradicional das vantagens

105
Evolução do Pensamento Econômico

comparativas (vide formulações de Ricardo), mas sim pelas vantagens compe-


titivas. Com isso, a economia passa a funcionar através de ciclos econômicos,
sendo que a competitividade depende cada vez mais de políticas públicas,
especialmente da política industrial.
Na perspectiva Keynesiana a instabilidade decorre das flutuações do estado
de confiança sob o qual os agentes econômicos tomam suas decisões de in-
vestimento. Portanto, o volume geral de investimentos flutua em função das
expectativas, uma vez que os agentes estão sujeitos às mudanças bruscas e em
função de fenômenos geradores de crises, que podem advir tanto da esfera
produtiva como da órbita financeira.
Segundo Keynes, essa forma de definição real do nível de investimentos gera
um clima de incerteza, uma vez que a não realização das expectativas tem im-
pactos diretos sobre o nível de investimento futuro. Para ele, são exatamente
essas expectativas formadas em condições de incerteza que provocam flutua-
ções, levando o sistema econômico a operar de forma cíclica.

Em síntese, a macroeconomia heterodoxa mostra que a instabilidade e a dinâmica


são determinadas internamente aos sistemas econômicos, os quais estão sujeitos
a mudanças periódicas. Neste contexto, o tempo é um indicador importante, pois
permite interpretar variações específicas no ritmo de produção.

7.2.1 A macroeconomia Pós-Keynesiana (PK)


A corrente Pós-Keynesiana se propõe a recuperar na essência os ensinamentos
da teoria geral, destacando-se a formulação do princípio da demanda efetiva,
que explica o surgimento e a existência de uma nova categoria de desemprego:
o involuntário; o papel ativo da moeda, principalmente, como instrumento
de reserva de valor; destaque ainda para o tempo econômico, uma vez que o
futuro é incerto; e o tratamento ao emprego enquanto uma variável resultante
da própria dinâmica da atividade econômica.
Após recuperar minimamente as principais categorias explicativas de Keynes,
os pós-keynesianos vão fazer a crítica aos monetaristas e também aos novos
clássicos. Aos primeiros os PK respondem que existe sim uma teoria mone-
tária em Keynes, especialmente no capítulo 17 da TG, quando o autor explica
as propriedades fundamentais da moeda, destacando-se a função de reserva
de valor da mesma.

106
Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

A partir daí os PK vão recuperar e desenvolver o conceito de economia mo-


netária da produção, que tem na moeda um de seus principais instrumentos
explicativos. Keynes entendia que a moeda detinha poder de comando sobre
bens e serviços, ao mesmo tempo em que se transformava em uma forma
de riqueza abstrata. Isto porque a incerteza criava demanda por segurança, o
que implicava em flexibilidade para adaptar estratégias diante de imprevistos,
sendo que o mais flexível instrumento para tal era a moeda.
A escola macroeconômica pós-keynesiana definiu dois objetivos básicos para
enfrentar os debates com as demais correntes de pensamento: a) analisar as
formas como as forças financeiras interagem com a produção e o consumo
na determinação da renda, emprego e preços; b) analisar as influências das
operações de pagamento sobre o nível de liquidez da economia.
Nesta lógica, é fundamental relembrar que no arcabouço teórico Neoclássico
a moeda era apenas um meio de trocas que não afetava a natureza geral das
transações. Já na Economia Monetária da Produção de Keynes a moeda não
tem uma função meramente temporária, afetando as decisões empresariais e
jogando um papel decisivo, porque ela não interfere apenas no nível de produ-
ção e de emprego, mas também nas formas e ritmo de acumulação de capital.

Por isso, os PK têm claro que sua tarefa é concretizar aquilo que Keynes se propôs
a fazer: uma abordagem nova e complexa da economia. Para tanto, entendem que
não é seu papel ficar introduzindo problemas keynesianos no âmbito das teorias:
clássica e neoclássica.
Com isso, verifica-se que atualmente esta corrente de pensamento está concentrada
no desenvolvimento de instrumentos teóricos sobre sistema financeiro internacio-
nal; na teoria da firma bancária; e na explicitação do circuito financiamento-inves-
timento-poupança-funding. Este último aspecto vai mostrar como os recursos para
investimentos provêm dos bancos e dos mercados de títulos e de capitais e não
apenas da poupança como afirmava a teoria neoclássica.

7.2.2 A macroeconomia Novo Keynesiana (NK)


Esta é uma corrente de pensamento macroeconômico que surgiu nos anos de
1980, como uma reação a critica dos Novos Clássicos à Teoria geral. Os prin-
cipais nomes desta escola são Gregory Mankiw (Universidade de Harvard)
e David Romer (Universidade de Berkeley). Essa escola desempenhou um
papel relevante para quebrar o consenso que havia sido estabelecido pelos
monetaristas e novos clássicos.

107
Evolução do Pensamento Econômico

O principal objetivo dessa escola foi mostrar que as suposições microeco-


nômicas baseadas no modelo de equilíbrio geral não serviam para se fazer
análises macroeconômicas no curto prazo. Para tanto, buscaram responder as
duas críticas básicas das escolas anti-keynesianas: que os modelos macroeco-
nômicos keynesianos não tinham fundamentação microeconômica, e que as
expectativas não estavam presentes nos modelos antigos.
Dentre os principais fundamentos dessa escola destaca-se que os NK acredi-
tavam que as flutuações no produto, e o desemprego involuntário decorriam
de falhas dos mercados e que estas não permitiam o equilíbrio instantâneo
dos mercados. Com isso, afirmavam que a mão invisível era lenta para ajustar
preços e salários, sendo necessária a política econômica.
Negam a existência do market clearing, porque ocorria rigidez de preços e sa-
lários no CP induzindo ao desemprego involuntário, além de trabalhar com a
ideia de concorrência imperfeita. Para tanto, acabaram aceitando a HER para
explicar o desemprego, mas com a imperfeição de mercado devido à rigidez de
preços e salários, mas defendem o papel decisivo da política econômica, enquan-
to instrumento para estimular gastos e com isso elevar os níveis de emprego.
Desenvolveram dois modelos básicos para explicar a rigidez de preços e de
salários no curto prazo. O modelo “custo de cardápio” explica a rigidez de
preços e se aplica aos desequilíbrios no mercado de bens, enquanto o modelo
“salário-eficiência” se aplica aos problemas de rigidez salarial, procurando
demonstrar as razões que promovem desequilíbrios no mercado de trabalho.
Registre-se que essa corrente de pensamento, mesmo que se autodenominan-
do de keynesiana, acabou cometendo equívocos em relação aos princípios
básicos da Teoria Geral. Por exemplo, o próprio Keynes afirmava que o pro-
blema do desemprego não decorria da existência ou não de rigidez de preços,
pois mesmo que estes fossem flexíveis iria existir desemprego. Por isso, cita-se
muito na literatura específica que esta foi uma tentativa de recuperar Keynes
pela porta dos fundos.

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Unidade 7 - O pensamento macroeconômico pós teoria geral de Keynes

Palavra do Professor
Perceba que desde a década de 1980 a macroeconomia do Mainstream dominou
completamente as formulações econômicas mundiais. De um modo geral, receitou-
se a mais ampla possível desregulamentação dos mercados, em especial dos merca-
dos financeiros, ao longo de todo esse período. Essa estratégia gerou um movimen-
to especulativo sem precedentes na história contemporânea do sistema econômico
capitalista, cujo resultado se explicitou na primeira grande crise de proporções mun-
diais que tomou conta da economia a partir de 2007/2008.
De um modo geral, a crise financeira atual se encarregou de colocar em xeque dog-
mas e postulados da macroeconomia ortodoxa, em especial a tese da livre circula-
ção dos capitais. Com isso, atualmente o mundo está buscando uma nova estrutura
institucional capaz de recuperar as atividades econômicas e os níveis de emprego
aos patamares do final do Século XX. Para tanto, é momento dos postulados das
escolas heterodoxas voltarem ao centro dos debates teóricos e práticos, em especial
da política econômica de retomada do desenvolvimento.

Resumo da unidade:
Nesta unidade vimos como o pensamento macroeconômico moderno se tornou ex-
tremamente complexo após as formulações keynesianas e, como a macroeconomia
passou a ser interpretada de distintas maneiras, levando à formação atual de duas
grandes linhas pensamento: a ortodoxa e a heterodoxa.
Por um lado, a ortodoxia que continua insistindo em usar Keynes para comprovar
suas teses básicas assentadas em modelos de equilíbrio geral e no pleno emprego
de fatores, destinando a moeda um caráter meramente passivo na vida econômica.
Por outro, a heterodoxia que, no campo específico da macroeconomia, procura res-
gatar os fundamentos gerais de Keynes, mostrando as inconsistências e superficiali-
dades da teoria macroeconômica neoclássica para explicar os fatos contemporâne-
os, como foi o caso da recente crise econômica mundial.

Atividade de Aprendizagem – 7

Faça uma resenha dos fundamentos teóricos de cada escola com base nos estudos
desenvolvidos nas diversas disciplinas ministradas ao longo de todo o curso. Dê
atenção especial às proposições Keynesianas e às críticas que foram formuladas a
essas teses, uma vez que elas representam a base teórica do pensamento macroe-
conômico ortodoxo.

Vamos agora assistir à videoaula correspondente a esta unidade.

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Evolução do Pensamento Econômico

REFERÊNCIAS
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Hucitec, 1993.
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VALIENTE, Rolando Ruiz. Principales Doctrinas del Pensamiento
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