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Instituto Multidisciplinar

Departamento de Tecnologias e Linguagens


Prof. Benaia Sobreira de Jesus Lima

Os Números Complexos
Notas de aula de IM442 - Variáveis Complexas
Disponı́vel no quiosque em 05/03/2016

Primeiro semestre de 2016


Março de 2016
SUMÁRIO

1 Apresentação 4

2 Os Números Complexos 6
2.1 História dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.1.1 A fórmula que não é de Bhaskara . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
2.1.2 Como surgiram os números complexos? . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
2.1.3 Dedução da fórmula de Tartaglia(Cardano) . . . . . . . . . . . . . . . 9
2.1.4 O problema que levou à descoberta dos Números Complexos . . . . . 10
2.2 O corpo dos números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
2.2.1 Imersão de R em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.2.2 Unidade imaginária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.3 Representação algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.2.4 Por que os complexos não são ordenados? . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2.5 Representação vetorial, módulo e conjugado . . . . . . . . . . . . . . 20
2.3 Forma polar ou trigonométrica de um número complexo . . . . . . . . . . . . 23
2.3.1 Igualdade, conjugado e inverso de complexo na forma polar . . . . . . 24
2.3.2 Operações com complexos na forma polar . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.4 Geometria das operações em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4.1 Soma e diferença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.4.2 Multiplicação e divisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.5 Raı́zes n-ésimas de números complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.6 Consequências importantes da teoria dos Números Complexos . . . . . . . . 31
2.7 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3 Topologia dos números complexos 34


3.1 Noções métricas em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.1.1 C é um espaço métrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
3.1.2 Conjuntos abertos e conjuntos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
3.1.3 Ponto aderente e ponto de acumulação . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.2 Sequência e Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.2.1 Sequência de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.2.2 Caracterização por sequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

2
3.2.3 Séries de números complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

4 Funções complexas: limite e continuidade 47


4.1 Funções complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
4.1.1 Polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.1.2 Reta, segmento de reta e circunferência . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
4.2 Funções contı́nuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4.3 Limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

3
CAPÍTULO 1
APRESENTAÇÃO

Caros estudantes.

A disciplina IM442 Variáveis Complexas ocupa-se de estudar funções complexas de uma


variável, ou seja, aquelas assim definidas:

f : C −→ C.

Algo similar já foi feito nos cursos iniciais de cálculo, quando o interesse era estudar
funções reais de uma variável real, aquelas assim definidas:

f : R −→ R.

Portanto, Variáveis Complexas é um curso de cálculo para funções complexas. Nele serão
estudadas as noções de limite, derivada e integral destas funções. Aqui as funções analı́ticas
serão o objeto de maior interesse. De modo que o objetivo da disciplina pode ser resumido em
apresentar um estudo da teoria elementar das funções analı́ticas de uma variável complexa e
algumas de suas aplicações, sem desviar a atenção para questões marginais ou muito técnicas.
Embora os números complexos sejam parte da ementa de uma outra disciplina, ainda as-
sim, serão abordados aqui. O primeiro passo será construir o corpo dos números complexos,
mas, dada a natureza mais formal da abordagem, serão vistas propriedades métricas e algu-
mas noções topológicas (convergência, continuidade, séries, etc) necessárias para o conteúdo
intrı́nseco do curso de Variáveis Complexas.
Em seguida será feita a extensão das funções elementares no campo real a funções comple-
xas usando a série de Taylor real e o teorema de Abel para séries de potências convergentes
(para assegurar a unicidade do prolongamento e a conservação das propriedades algébricas).
Será apresentada a noção de logarı́tmo de um número complexo e, por meio dele, caracteriza-
das as funções elementares. Ao tentar estender log x ou xy ao campo complexo, forçosamente
são encontradas funções ou expressões multivalentes (fato inicialmente percebido por Euler)
as quais só foram apropriadamente dominadas com a noção de superfı́cie de Riemann, o que
está fora do escopo desse curso.
Com esses elementos básicos em mente, partimos para o estudo das funções analı́ticas, as
quais podem ser caracterizadas por quatro propriedades equivalentes, a saber:

4
(1) admitir derivada complexa;
(2) satisfazer as equações de Cauchy-Riemann;
(3) admitir representação local por série de potências convergentes;
(4) admitir a existência de uma primitiva local.
A maioria das propriedades das funções analı́ticas são uma consequência imediata ou trivial
de uma dessas propriedades. O que não é trivial é a demonstração da equivalência dessas
quatro propriedades, mas essa é uma tarefa desejável, mesmo, para um primeiro curso de
Variáveis Complexas.
Embora seu real contexto seja a Topologia Algébrica, será apresentado o teorema de
Cauchy-Goursart e uma demonstração simples. E, por fim, uma maneira para calcular vários
tipos de integrais complexas usando o cálculo dos resı́duos - o Teorema dos Resı́duos.

5
CAPÍTULO 2
OS NÚMEROS COMPLEXOS

Neste capı́tulo o conjunto dos números complexos será estabelecido como um corpo e um
espaço métrico completo. Também serão abordadas as noções de convergência, continuidade,
sequência e séries em C, todas necessárias para o conteúdo intrı́nseco do curso de Variáveis
Complexas.

2.1 História dos números complexos


Como surgiram os números complexos? Por que surgiram os números complexos? Até
mesmo livros do antigo segundo grau, hoje Ensino Médio, trazem a informação de que esses
números foram inventados para que as equações do segundo grau sempre tivessem raı́zes.
Isso violenta a história da mátemática. De fato a origem dos números comlpexos está ligada
à resolução de equações algébricas de grau 3, e não às de grau 2.

2.1.1 A fórmula que não é de Bhaskara


É oportuno e conveniente desfazer outra informação errada que circula e perpetua-se no
âmbito do Ensino Médio. Apenas aqui no Brasil a fórmula que resolve uma equação do
segundo grau é conhecida como fórmula de Bhaskara. Isso é absolutamente impróprio, pois
ele não fez essa fórmula. Essa correção não tem por objetivo diminuir a fama de Bhaskara.
Talvez o leitor surpreenda-se ao saber que as relações

sen (a + b) = sen (a) cos (b) + sen (b) cos (a) (2.1)
sen (a − b) = sen (a) cos (b) − sen (b) cos (a) (2.2)

foram apresentadas pela primeira vez por ele. Bhaskara obteve grande reconhecimento pelas
suas importantes contribuições para a Matemática. Em 1207, uma instituição educacional
foi criada para estudar o seu trabalho.
Os babilônicos, egı́pcios e os gregos tinham técnicas capazes de resolver equações de grau
2 muito antes de Cristo, enquanto Bhaskara viveu de 1114 a meados de 1185. Babilônicos e
egı́pcios utilizavam-se de textos e sı́mbolos em seus processos resolutivos, enquanto os gregos

6
davam um viés geométrico aos seus processos de resolução. Até cerca de 1.650, por influência
da orientação geométrica da matemática grega, as únicas raı́zes consideradas verdadeiras
eram as que correspondiam a grandezas geométricas ou fı́sicas, o que hoje chamamos de
números reais positivos.
Contudo, no século XVI, quando a resolução de uma equação da forma ax2 + bx + c = 0,
cujas raı́zes são dadas por
√ √
−b − b2 − 4ac −b + b2 − 4ac
x1 = , x2 =
2a 2a
conduzia a uma raı́z de número negativo, eles, simplesmente, diziam que a equação não tinha
raı́zes.
Não havia preocupação de buscar raı́zes complexas, pois esses números ainda não eram
conhecidos. Sequer os números negativos tinham “plena cidadania” naquela época.

2.1.2 Como surgiram os números complexos?


As primeiras noções do que hoje conhecemos como números complexos surgiram na época
do Renascimento, quando se buscava resolver equações algébricas de grau 3, e seu desenvol-
vimento teve alguns atores.
O problema de interesse
Resolver a equação

ax3 + bx2 + cx + d = 0, a, b, c, d ∈ R, a 6= 0.

Fazendo a substituição
b
x=y−
3a
a equação anterior pode ser escrita na forma

y 3 + py + q = 0, p, q ∈ R. (2.3)

b2 c 2b3 bc d
p=− 2
+ e q = 3
− +
3a a 27a 3a a
Portanto, saberemos resolver qualquer equação de grau 3 se soubermos resolver equações
do tipo descrito em 2.3. Isso justifica o interesse nesse tipo particular de equação do terceiro
grau. Vamos retomar o contexto histórico.

O primeiro ator da construção dos complexos foi Scipione del Ferro. Consta que ele obteve
uma forma geral para resolver equações do tipo

x3 + px + q = 0, p, q ∈ R,

mas morreu antes de publicar seu trabalho.


Antonio Maria Fior era aluno de Scipione del Ferro e presumivelmente conhecia seu
trabalho. Fior desafiou Niccolò Fontana, conhecido como Tartaglia (gago), a resolver 30

7
equações de grau 3. Para a surpresa de Fior, Tartaglia desenvolveu um método para a
resolução dessas equações e venceu todas as disputas com Fior.

Figura 2.1: Tartaglia

Ao tomar conhecimento de que Tartaglia sabia resolver tais tipos de equações, Girolamo
Cardano implorou pela “fórmula” para resolvê-las, mas Tartaglia recusou-se e acabou sendo
acusado de mesquinho e egoı́sta. Com a insistência de Cardano e jurando que não divulgaria
o resultado, Tartaglia revelou a solução. Porém, Cardano não cumpriu com sua palavra,
quebrou todas as suas juras e promessas a Tartaglia e em 1545, em sua obra Ars Magna,
publicou a fórmula de Tartaglia como se fosse sua e não fez nenhuma menção de Tartaglia.
Até hoje a fórmula é conhecida como “Fórmula de Cardano”. Essa descoberta marca o
inı́cio da matemática moderna. Como a dedução dessa fórmula não é muito extensa nem
complicada, vamos fazê-la na próxima seção.

Figura 2.2: Cardano, o larápio

Em Ars Magna Cardanho também fez publicar o seguinte problema:

Determinar dois números cuja soma seja 10 e o produto seja 40.

Cardano resolveu este problema por meio de radicais, de forma semelhante às equações
de segundo grau.

8
2.1.3 Dedução da fórmula de Tartaglia(Cardano)
O problema consistia em resolver a equação

x3 + px + q = 0, p, q ∈ R

O que fez Tartaglia para resolver essa equação? A ideia dele foi decompor a raı́z dessa
equação numa soma, ou seja,
x=u+v
então
(u + v)3 + p(u + v) + q = 0,
Desenvolvendo, tem-se

u3 + 3u2 v + 3uv 2 + v 3 + p(u + v) + q = 0,

Daı́ vem
u3 + v 3 + 3uv(u + v) + p(u + v) + q = 0,
E então
u3 + v 3 + (3uv + p)(u + v) + q = 0,
Presume-se que Tartaglia tenha tido a seguinte ideia: que bom seria se 3uv + p = 0, nesse
caso a equação teria solução se

3uv + p = 0 e u3 + v 3 + q = 0

À época métodos para resolver certos sistemas já eram conhecidos e talvez a ideia fosse
transformar a equação em um sistema, o que efetivamente é o caso. De fato, podemos
escrever as condições acima na forma do seguinte sistema
p
 3
 u3 v 3 = − p

 uv = − 
3 ou 27
 3 3
u + v = −q
 3 3
 u + v = −q

Por simplicidade pedagógica pode-se fazer a substituição a = u3 e b = v 3 , assim o último


sistema resume-se a  3
 ab = − p

27

 a + b = −q

Resolver esse sistema é o problema de determinar dois números conhecendo sua soma e
seu produto. Esse último sistema é um problema da mesma natureza daquele publicado por
Gardano.
Ao isolar b na segunda equação tem-se b = −q − a. Levando esse valor à primeira equação
do sistema tem-se
2 p3
a + aq − =0
27

9
As raı́zes dessa equação do segundo grau são
q
p3
−q ± q 2 + 27
r 
q q 2  p 3
a= ou a = − ± +
2 2 2 3
Então, como b = −q − a
r  r 
q q 2  p 3 q q 2  p 3
a=− − + =⇒ b = − + +
2 2 3 2 2 3
ou r  r 
q q 2  p 3 q q 2  p 3
a=− + + =⇒ b = − − +
2 2 3 2 2 3
√ √3
Mas a = u3 e b = v 3 , então u = 3 a e v = b. Assim, independente do valor de a como
raiz da equação do segundo grau, o valor de
√ √
3
x=u+v = 3a+ b

será sempre o mesmo, pois a soma é comutativa e o operador sobre a e b é o mesmo. Daı́
tem-se a
Fórmula de Tartaglia publicada por Cardano
s r  s r 
3 q q 2  p  3 3 q q 2  p 3
x= − − + + − + +
2 2 3 2 2 3

2.1.4 O problema que levou à descoberta dos Números Complexos


Vamos aplicar a fórmula de Tartaglia à equação

x3 − 15x − 4 = 0
√ √
As raı́zes dessa equação são: −2 − 3, −2 + 3 e 4.
É fácil ver que 4 é uma raı́z, daı́, dividindo por (x − 4) pode-se achar as outras raı́zes.

Agora vamos aplicar a fórmula de Tartaglia, temos p = −15 e q = −4, então


v s  v s 
u 3 u
2  2  3
u
3 −4 −4 −15 u3 −4 −4 −15
x= − − + + − + +
t t
2 2 3 2 2 3
Daı́ q q
3
p 3
p
x = 2 − (−2) + (−5) + 2 + (−2)2 + (−5)3
2 3

Então
√ √
q q
3 3
x = 2 − 4 − 125 + 2 + 4 − 125
E, por fim
√ √
q q
3 3
x = 2 − −121 + 2 + −121 (2.4)

10
Quando aparecia uma raı́z de número negativo na fórmula que resolve equações de grau
2 havia o conforto de dizer que aquilo indicava que não existia solução. Mas, agora essa não
era uma possibilidade, pois eram conhecidas as raı́zes da equação de grau 3. O problema era
que o processo passava pela extração de raı́z quadrada de números negativos.
Convém ressaltar que naquela época os números negativos não eram bem vistos, ainda
não gozavam de “cidadania plena”. Imagine o que dizer então de raiz quadrada de número
negativo? É de se supor que os matemáticos da época acacharam que a fórmula não prestava,
ou seja, não resolveria qualquer equação de terceito grau. Ficou evidente que os números
reais não eram suficientes para resolver equações do terceiro grau.
Cardano chamou as raı́zes quadradas de números negativos de “números sofisticados” e
os qualificou de “sutis/inúteis”, mas ele estava errado. Um discı́pulo de Cardano chamado
Rafael Bombelli, engenheiro hidráulico nascido em Bolonha, Itália, em 1530, resolveu dedicar-
se ao estudo dos números sofisticados, ou seja, números da forma

a + −b, a, b ∈ R

e, segundo ele mesmo, teve a “ideia louca” de operar com os números sofisticados como se
fossem reais. Certamente, depois de muito esforço observou que
√ √ √ √
(2 − −1)3 = 2 − −121 e (2 + −1)3 = 2 − −121 (2.5)

É oportuno fazer essas contas. Lembre, vamos reproduzir Bombelli, ou seja, operar com
as mesmas regras dos números reais sem maiores preocupações existenciais.
√ √ √ √
(2 + −1)3 = 23 + 3 · 22 −1 + 3 · 2( −1)2 + ( −1)3
√ √
= 8 + 12 −1 + 6(−1) + (−1) −1
√ √
= 8 + 12 −1 − 6 − −1

= 2 + 11 −1

= 2 + −121

Veja como Bombelli foi arrojado. Numa época em que os números negativos sequer eram
considerados verdadeiros números, ele ousou
√ √ √
( −1)2 = −1 e ( −1)3 = − −1

isso foi um verdadeiro ato de bravura. Tamanha coragem foi recompensada. Com esse salto
no escuro ele finalmente destravou a fórmula de seu professor. E então, levando os valores de
2.5 à equação 2.4 tem-se
√ √ √ √
q q
3 3
x = 2 − −121 + 2 + −121 = 2 − −1 + 2 + −1 = 4
Portanto, havendo coragem para encarar as raı́zes de números negativos seria possı́vel
encontrar a raiz 4.

Esse foi o marco inicial da história dos números complexos, mas a desconfiança era tanta
que foram chamados de números imaginários, e demorou mais de dois séculos para serem

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plenamente aceitos. Isso aconteceu com a estruturação dada por Euler e pelo uso dado por
Gauss.
Bombelli, em 1572, em √ sua obra L’Algebra, estabeleceu as operações algébricas básicas
com as quantidades a + b −1 e mostrou que essas operações são fechadas, ou seja, sempre
produzem números da mesma natureza.
Em seu livro Géométrie, René Descartes escreveu a seguinte frase: “Nem sempre as raı́zes
verdadeiras (positivas) ou falsas (negativas)
√ de uma equação são reais. Às vezes elas são
imaginárias”. A partir de então o número −1 passou a ser chamado de número imaginário
e manipulado de acordo com as regras dos números reais. √
Leonhard Euler criou vários sı́mbolos e foi ele que definiu a notação i = −1, em 1777.
Segundo Euler, os números complexos também podem possuir uma parte real e são do tipo:

z = a + ib, onde a e b são números reais e i2 = −1,

mas essa ideia só foi aceita depois de retomada por Gauss. Euler ainda mostrou que os
números complexos são um corpo fechado.

Figura 2.3: Leonhard Euler

Caspar Wessel deu representação geométrica aos números complexos. Em 1797 fez uma
correspondência entre os números complexos e os pontos do plano, mas seu trabalho só foi
publicado em 1806 por Jean Argand. Por isso, Argand leva o crédito por essa representação.
Em 1798, Carl Friedrich Gauss demonstrou em sua tese de doutorado que toda equação
algébrica de grau n(n > 0) e coeficientes complexos, tem pelo menos uma raiz complexa.
Esse é o chamado Teorema Fundamental da Álgebra. Tal teorema resolveu a questão das
soluções de equações algébricas. √
Em 1831, Gauss retomou a ideia de Wessel e pensou nos números a + b −1 como pontos
do plano cartesiano, ou seja √
a + b −1 ⇐⇒ (a, b),
e deu interpretação geométrica para a adição e multiplicação dos complexos. Isso abriu as
portas para a aceitação definitiva dos números complexos. E, para finalizar, em 1832, Gauss
introduz a expressão número complexo.

12
Figura 2.4: Carl Friedrich Gauss

Em 1837 Willian Rowan Hamilton reconhece os números complexos como um par orde-
nado de números reais e reescreve as definições geométricas de Gauss na forma algébrica, e
então os números complexos estavam plenamente estabelecidos.
No século XIX, os números complexos foram difundidos e largamente utilizados em vários
ramos da ciência: Matemática, Mecânica dos Fluı́dos, Eletricidade e outros fenômenos em
meios contı́nuos.
Tartaglia Cardano Bombelli Euler Gauss
1535 1545 1572 1777 1798
Teorema fun-
Apresenta, Aluno de
damental da
como se fosse Cardano,√ con- Introduz a
Descobriu uma Álgebra. Conso-
sua, a fórmula siderou −1 e notação
√ i =
fórmula geral lida o estudo da
de Tartaglia na operou como −1, z = a + bi,
para resolver representação
sua obra Ars se fosse real parte real, parte
equações do tipo geométrica dos
e desenvolveu imaginária e
x3 + px + q = 0, Magna. Surge números com-
o impasse da regras para mostra que
com p, q ∈ R. plexos. E, em
raiz quadrada trabalhar com os complexos
Mas, não publi- 1832, Gauss
de um número números
√ do tipo são um corpo
cou sua obra. introduz a ex-
negativo. a+b −1, a, b ∈ fechado.
pressão número
R.
complexo.

1. BOYER, Carl B. História da Matemática. Trad. Elza F. Gomide. SP: Editora Edgard
Blücher Ltda, 1996.

2. GARBI, Gilberto Geraldo. O romance das equações algébricas. São Paulo: Makron
Books, 1997.

2.2 O corpo dos números complexos


Da explanação histórica sabemos com os números complexos são pares ordenados. O
objetivo desta seção é mostrar que o conjunto dos números complexos nada mais é que o R2
munido de duas operações com as quais torna-se um corpo. Posteriormente, mostraremos
que esse corpo também é um espaço métrico completo. Esse ponto de partida estabelece uma
base concreta para os números complexos, afastando a aura abstrata que os envolve.

13
Teorema 2.1: O conjunto
R2 = {(x, y) | x, y ∈ R}
munido das operações internas soma e produto, assim definidas
• Soma: (x, y) + (u, v) = (x + u, y + v) ∀ (x, y), (u, v) ∈ R2
• Produto: (x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu) ∀ (x, y), (u, v) ∈ R2
é um corpo.

Demonstração: Relembramos que um corpo é uma tripla ordenada (K, ⊕, ⊗) em que


• (K, ⊕) é um grupo abeliano;
• (K, ⊗) é fechado, possue um elemento neutro (unidade), todo elemento de K diferente
do zero admite inverso e valem as leis associativa e comutativa;
• A operação ⊗ é distributiva em relação à operação ⊕.
Devemos provar que R2 com as operações indicadas no teorema 2.1 satisfaz essas três
condições, ou seja, é um corpo.

Fechamento: Sejam (x, y), (u, v) ∈ R2 , então


(x, y) + (u, v) = (x + u, y + v) ∈ R2
Portanto a soma é fechada em R2 .
Elemento neutro: O par (0, 0) ∈ R2 é o elemento neutro. De fato, ∀ (x, y) ∈ R2 tem-se
(x, y) + (0, 0) = (x + 0, y + 0) = (x, y) e (0, 0) + (x, y) = (0 + x, 0 + y) = (x, y)
Portanto, (0, 0) é o elemento neutro.
Simétrico: Seja (x, y) ∈ R2 , seu simétrico é (−x, −y) ∈ R2 . De fato,
(x, y) + (−x, −y) = (x + (−x), y + (−y)) = (0, 0) e
(−x, −y) + (x, y) = (−x + x, −y + y) = (0, 0)
Portanto, (−x, −y) é o simétrico de (x, y), qualquer que seja o par (x, y) ∈ R2 .
Associatividade: Seja (x, y), (u, v), (s, t) ∈ R2 , então
[(x, y) + (u, v)] + (s, t) = (x + u, y + v) + (s, t)
= (x + u + s, y + v + t)
= (x + (u + s), y + (v + t))
= (x, y) + (u + s, v + t)
= (x, y) + [(u + s, v + t)]
= (x, y) + [(u, v) + (s, t)]
Portanto, [(x, y) + (u, v)] + (s, t) = (x, y) + [(u, v) + (s, t)] assim a adição em R2 é
associativa.

14
Comutatividade: Seja (x, y), (u, v) ∈ R2 , então

(x, y) + (u, v) = (x + u, y + v) = (u + x, v + y) = (u, v) + (x, y)

Portanto, (x, y) + (u, v) = (u, v) + (x, y) assim a adição em R2 é comutativa.

Isto prova que (R2 , +), é um grupo abeliano.

Façamos algo semelhante para (R2 , ·).

Fechamento: Sejam (x, y), (u, v) ∈ R2 , então

(x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu) ∈ R2

Portanto o produto é fechado em R2 .

Elementos neutro: O par (1, 0) ∈ R2 é o elemento neutro. De fato, ∀ (x, y) ∈ R2 tem-se

(x, y) · (1, 0) = (x · 1 − y · 0, x · 0 + y · 1) = (x, y) e


(1, 0) · (x, y) = (1 · x − 0 · y, 0 · x + 1 · y) = (x, y)

Portanto, (1, 0) é o elemento neutro para o produto.


(x, −y)
Inverso: Seja (x, y) ∈ R2 − {(0, 0)}, seu inverso é ∈ R2 . De fato,
x2 + y 2

(x, −y) (x2 + y 2 , −yx + xy) (x2 + y 2 , 0)


(x, y) · = = = (1, 0) e
x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2
(x, −y) (x2 + y 2 , −yx + xy) (x2 + y 2 , 0)
· (x, y) = = = (1, 0)
x2 + y 2 x2 + y 2 x2 + y 2

(x, −y)
Portanto, é o inverso de (x, y), qualquer que seja o par (x, y) ∈ R2 − {(0, 0)}.
x2 + y 2
Associatividade: Seja (x, y), (u, v), (s, t) ∈ R2 , então

[(x, y) · (u, v)] · (s, t) = (xu − yv, xv + yu) · (s, t)


= ((xu − yv)s − (xv + yu)t, (xv + yu)s + (xu − yv)t)
= (xus − yvs − xvt − yut, xvs + yus + xut − yvt)
= (xus − xvt − yvs − yut, xvs + xut + yus − yvt)
= (x[us − vt] − y[vs + ut], x[vs + ut] + y[us − vt])
= (x, y) · (us − vt, vs + ut)
= (x, y) · [(u, v) · (s, t)]

Portanto, [(x, y) · (u, v)] · (s, t) = (x, y) · [(u, v) · (s, t)] quaisquer que sejam os elementos
de R2 , assim vale a lei associativa para o produto.

15
Comutatividade: Seja (x, y), (u, v) ∈ R2 , então

(x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu) = (ux − vy, vx + uy) = (u, v) · (x, y)

Portanto, (x, y) · (u, v) = (u, v) · (x, y) assim a multiplicação é comutativa em R2 .

Para concluir que (R2 , +, ·) é um corpo resta provar que a multiplicação é distributiva em
relação a adição. Façamos isso

Distributividade: Seja (x, y), (u, v), (s, t) ∈ R2 , então

(x, y) · [(u, v) + (s, t)] = (x, y) · (u + s, v + t)


= (x[u + s] − y[v + t], x[v + t] + y[u + s])
= (xu + xs − yv − yt, xv + xt + yu + ys)
= ([xu − yv] + [xs − yt], [xv + yu] + [xt + ys])
= (xu − yv, xv + yu) + (xs − yt, xt + ys)
= (x, y) · (u, v) + (x, y) · (s, t)

Portanto, (x, y) · [(u, v) + (s, t)] = (x, y) · (u, v) + (x, y) · (s, t) assim a multiplicação é
disbributiva em relação a soma em R2 .

Assim fica provado que (R2 , +, ·) é um corpo.

Definição 2.1 (números complexos): O conjunto dos Números Complexos, que indicamos
por C, é o conjunto R2 munido da soma e do produto assim definidos

• (x, y) + (u, v) = (x + u, y + v) ∀ (x, y), (u, v) ∈ R2 ;

• (x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu) ∀ (x, y), (u, v) ∈ R2 .

Portanto
C = (R2 , +, ·).

Como vimos, (R2 , +, ·) é corpo. Portanto, C é um corpo.

2.2.1 Imersão de R em C
R é um conjunto numérico, C é um conjunto de pares ordenados de coordenadas reais.
Portanto, os elementos de R e C são de natureza diferente. Assim, no sentido estrito, não se
pode dizer que R ⊂ C, ou seja
R * C.
Mas, para todo x, y ∈ R

(x, 0) + (y, 0) = (x + y, 0)
(x, 0) · (y, 0) = (x · y, 0)

16
isso diz que o subconjuto dos números complexos dado por

< = {(x, 0) | x ∈ R}

é preservado pela soma e multiplicação complexa. Além disso, qualquer que seja x ∈ R,

x ∈ R e (x, 0) ∈ C

ocupam o mesmo lugar do espaço, representam o mesmo lugar geométrico. O exposto, dito
de maneira formal, significa que a aplicação f : R −→ < assim definida

f (x) = (x, 0)

é um isomorfismo do corpo dos números reais no subcorpo < ⊂ C.


Em virtude desse isomorfismo, podemos identificar < com o conjunto dos números reais,
ou seja, estamos considerando R como parte de C e usando

x = (x, 0). (2.6)

Nesse sentido, entende-se R ⊂ C e também que a soma e a multiplicação complexas, quando


restritas a R, coincidem com essas operações no conjunto dos números reais.

2.2.2 Unidade imaginária


Defina
i = (0, 1).
Então, usando a operação produto da definição dos números complexos tem-se

i2 = i·i
= (0, 1) · (0, 1)
= (0 · 0 − 1 · 1, 1 · 0 + 0 · 1)
= (−1, 0)
= −1 (aqui usando 2.6)

Portanto, √
i2 = −1 ou i = −1

2.2.3 Representação algébrica


Seja z = (x, y) ∈ C, então

(x, y) = (x, 0) + (0, y)


= (x, 0) + y(0, 1)
= x + yi (aqui usando 2.6 e a definição de i.)

Então
z = x + yi ou z = x + iy (2.7)
Considerando a forma algébrica dada em 2.7, tem-se

17
• x é a parte real do número complexo z, denotada por Re(z);

• y é a parte imaginária do número complexo z, denotada por Im(z).


Além disso,
• z = 0 ⇐⇒ Re(z) = Im(z) = 0;

• z = w ⇐⇒ Re(z) = Re(w) e Im(z) = Im(w).


Quando Re(z) = 0 o complexo z é dito imaginário puro e quando Im(z) = 0, z é um
número real. E, por fim
z = Re(z) + iIm(z), ∀z ∈ C.
Teorema 2.2 (equivalência): Efetuar a multiplicação de dois números complexos utilizando
a multiplicação dada na definição de números complexos é o mesmo que efetuar a multi-
plicação desses mesmos números na forma algébrica utilizando as propriedades operatórias
dos números reais em conjunto com i2 = −1, ou seja,

(x, y) · (u, v) = (x + yi) · (u + vi), ∀(x, y), (u, v) ∈ R2

Demonstração: Sejam (x, y), (u, v) ∈ R2 , da definição sabemos que

(x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu)

Como i = (0, 1) então i2 = −1, tem-se

(x, y) · (u, v) = (xu − yv, xv + yu)


= (xu − yv, 0) + (0, xv + yu)
= xu − yv + (xv + yu)(0, 1)
= xu + (−1)yv + (xv + yu)(0, 1)
= xu + yvi2 + xvi + yui
= xu + xvi + yui + yivi
= x(u + vi) + yi(u + vi)
= (x + yi) · (u + vi)

(x, y) · (u, v) = (x + yi) · (u + vi)

Esse teorema dá certo conforto para efetuar as operações com complexo utilizando o
conhecimento das operações elementares reais (e mostra que Bombelli não teve uma ideia
tão louca, pelo contrário).

2.2.4 Por que os complexos não são ordenados?


Por que não se ordena os complexos assim como estão ordenados os reais?
O problema não consiste propriamente em ordenar, pode-se definir ordens em C, o pro-
blema é que nenhuma delas teria propriedades interessantes. A ordenação dos números reais
é feita pela relação >, a qual é definida por meio da noção de número positivo.

18
As relações de maior igual ou menor igual são um disfarce, as vezes conveniente, da noção
de positivo. De fato, no conjunto dos números reais, diz-se que

a > b ⇐⇒ a − b > 0 e a < b ⇐⇒ a − b < 0.

Mas quando um número é maior que zero? Resposta. Quando é um número positivo. E
quando um número é positivo?
A noção de positivo está definida da seguinte forma.

Definição 2.2 (números positivos): Seja (K, ⊕, ⊗) um corpo, se existe em K uma classe
K + cujos elementos satisfazem

Fechamento: ∀x, y ∈ K + =⇒ x ⊕ y ∈ K + e x ⊗ y ∈ K+

Tricotomia: ∀x ∈ K =⇒ x ∈ K + ou x = 0 ou − x ∈ K+

Então
a > b ⇐⇒ a ⊕ b−1 ∈ K + , ∀ a, b ∈ K)
é uma relação de ordem total em K, o corpo (K, ⊕, ⊗) é ordenado e os elementos de K + são
os elementos positivos do corpo K. Neste caso, um elemento b ∈ K é dito negativo se o seu
simétrico b−1 é positivo, ou seja, b−1 ∈ K + .

Os números reais com as operações soma e produto usuais satisfazem essa propriedade e
e dela vem as boas propriedades de sua ordenação. Então, se desejamos definir em C uma
ordem que preserve as boas propriedades da ordem dos números reais, devemos procurar em
C a classe C+ dos números complexos positivos.
Se uma tal classe existe em C a tricotomia aplica-se a todos os complexos, em particular
aplica-se a 1 e i. Examinemos esses números.
É claro que 1 6= 0, restam as duas possibilidades 1 ∈ C+ ou −1 ∈ C+ .
Se −1 ∈ C+ então
(−1)(−1) ∈ C+ =⇒ 1 ∈ C+
Portanto, em qualquer dos casos, 1 ∈ C+ , ou seja, 1 é positivo.
Da mesma forma, i 6= 0, restam as duas possibilidades i ∈ C+ ou −i ∈ C+

i ∈ C+ −i ∈ C+
⇓ ⇓
ii ∈ C+ (−i)(−i) ∈ C+
⇓ ⇓
−1 ∈ C+ −1 ∈ C+

Em qualquer dos casos, pela tricotomia, 1 ∈ / C+ . O que é absurdo, pois 1 ∈ C+ .


Portanto, é impossı́vel ordenar completamente os números complexos mantendo as boas
propriedades da ordenação dos reais. Isso não significa que os complexos não possam ser
ordenados, eles podem sim. O que este resultado diz é que não há uma ordem que satisfaça
a tricotomia além do fechamento para a soma e o produto, portanto as ordens que se podem
definir em C são pouco interessantes, daı́ o desinteresse na ordenação dos complexos.

19
2.2.5 Representação vetorial, módulo e conjugado
A álgebra linear nos ensina que R2 munido da soma usual, que é a mesma dos números
complexos, e da multiplicação por escalar assim definida
λ(x, y) = (λx, λy) ∀λ, x, y ∈ R
é um espaço vetorial. Mas, por definição, C = (R2 , +, ·), então C é um espaço vetorial sobre
R. Isso quer dizer que todo o rico e generoso conhecimento geométrico sobre R2 , acumulado
desde o curso de geometria analı́tica e que foi enriquecido nos cursos de cálculo, álgebra
linear, análise e quem sabe espaços métricos, está presente e disponı́vel em C.
Assim, dado um complexo z = x + yi, existe:
Representação vetorial: é o vetor com origem em (0, 0) e extremidade em z = (x, y);
Módulo de z: é a distância de z à origem, ou o comprimento da representação vetorial.
Indica-se o módulo de z por |z|
p
|z| = x2 + y 2 .
Conjugado de z: é o simétrico de z em relação ao eixo das abscissas, o qual indica-se por z
z = x − yi.

y z = (x, y) = x + yi
|z|
Representação vetorial de z

x
Representação vetorial de z
|z|
−y z = (x, −y) = x − yi

Teorema 2.3 (Inverso, módulo e conjugado): Seja z ∈ C, z 6= 0, então seu inverso, seu
conjudado e seu módulo estão relacionados da seguinte forma
1 z
= 2 (2.8)
z |z|
Demonstração: Escrevendo z ∈ C na forma álgébrica tem-se z = x+yi. Então, conforme
visto na página 15, todo complexo não nulo tem inverso dado por:
1 x − yi
= 2 . (2.9)
z x + y2
Pelas definições de conjugado e módulo, sem óbices, tem-se
1 z
= 2
z |z|
o que encerra a demonstração.
Propriedades(conjugado) Sejam z, w ∈ C, então

20
1. z = z 7. λz = λz, ∀λ ∈ R

2. z + z = 2Re(z) 8. z · w = z · w
 
3. z − z = 2iIm(z) 1 1
9. = , z 6= 0
z z
4. zz = [Re(z)]2 + [Im(z)]2
z z
5. z + w = z + w 10. = , w= 6 0
w w
6. z − w = z − w 11. z = z ⇐⇒ z ∈ R

A demonstração dessas propriedades decorre trivialmente da definição, com eventual


exceção às propriedades 8, 9 e 10, das quais apresentamos a demonstração. A prova das
demais fica como singelo exercı́cio ao caro(a) leitor(a).

Demonstração: (propriedade 8) Sejam z, w ∈ C, z = x+yi, w = u+vi, pelo teorema 2.3

zw = (x + yi)(u + vi)
= xu − yv + i(yu + vx)
= xu − yv − i(yu + vx)
= xu − yv − iyu − ivx
= (xu − ivx) + (−yv − iyu)
= (xu − ivx) + [−iyu − y(−v)i2 ]
= x(u − vi) + (−yi)(u − vi)
= (x − yi)(u − vi)
= zw

Demonstração: (propriedade 9) Seja z ∈ C∗ , z = x + yi, pelo teorema 2.3


1 z 1 z
= 2 ou = 2 (2.10)
z |z| z |z|

Daı́, tomando o conjugado de ambos os membros da primeira igualdade tem-se


   
1 z z z 1
= 2
= 2 = 2 = (2.11)
z |z| |z| |z| z
Então  
1 1
= , z 6= 0
z z
Demonstração: (propriedade 10) Sejam z, w ∈ C, z = x + yi e w = u + vi, w 6= 0,
então
z    
1 1 1 z
=z =z =z =
w w w w w
Propriedades(módulo) Sejam z, w ∈ C, então

21
1. |z| = dist(z, 0) 4. |z| = |z|
z |z|
7. = , w 6= 0

w |w|
5. |zw| = |z||w|
2. |z| = kzk2 8. |z + w| 6 |z| + |w|

1 1
3. |z|2 = zz 6. = , z 6= 0 9. |z − w| > ||z| − |w||
z |z|
Demonstração:
1. Seja z ∈ C, z = x + yi
p p
dist(z, 0) = (x − 0)2 + (y − 0)2 = x2 + y 2 = |z|

2. Seja z ∈ C, z = x + yi p
kzk2 = x2 + y 2 = |z|

3. Seja z ∈ C, z = x + yi

zz = (x + yi)(x − yi) = x2 − (yi)2 = x2 − y 2 i2 = x2 + y 2 = |z|2

4. Seja z ∈ C, z = x + yi
p p
|z| = x2 + y 2 = x2 + (−y)2 | = |z|

5. Sejam z, w ∈ C

|zw|2 = zwzw = zwzw = zzww = |z|2 |w|2 = (|z||w|)2

Tomando a raiz quadrada tem-se |zw| = |z||w| pois essas quantidades são números
reais não negativos.
6. Seja z ∈ C, z 6= 0

1 1 z z
= · = |z| |z| 1
z z z |z|2 = |z|2 = |z|2 = |z|

7. Sejam z, w ∈ C, w 6= 0
z 1
1 1 |z|
= z = |z| = |z| =

w w w |w| |w|

8. Sejam z, w ∈ C

|z + w|2 = (z + w)(z + w) = (z + w)(z + w)


= zz + zw + wz + ww = |z|2 + |w|2 + zw + zw
= |z|2 + |w|2 + 2Re(zw) 6 |z|2 + |w|2 + 2|zw|
= |z|2 + |w|2 + 2|z||w| = |z|2 + |w|2 + 2|z||w|
= (|z| + |w|)2

Tomando a raiz quadrada tem-se |z + w| 6 |z| + |w| pois essas quantidades são números
reais não negativos.

22
9. Sejam z, w ∈ C

|w| = |w − z + z| 6 |w − z| + |z| =⇒ −|z − w| 6 |z| − |w|

|z| = |z − w + w| 6 |z − w| + |w| =⇒ |z| − |w| 6 |z − w|


Juntando essas duas desigualdades tem-se

−|z − w| 6 |z| − |w| 6 |z − w|

Então, devido as propriedades de módulo de números reais

||z| − |w|| 6 |z − w| ou |z − w| > ||z| − |w||

2.3 Forma polar ou trigonométrica de um número com-


plexo
O cálculo nos ensina que cada ponto do espaço bidimensional pode ser univocamente
determinado por meio de sua distância à origem e do ângulo formado pelo eixo x e a reta que
une o ponto à origem. Chamamos essa forma de descrever um ponto de coordenadas polares.
Como um número complexo é um ponto do espaço bidimensional (R2 ), podemos descre-
ver qualquer número complexo em coordenadas polares. Nesse caso dizemos que o número
complexo está escrito na forma polar ou trigonométrica.

y z = (x, y) = x + yi
|z|

θ
x

Aplicando a definição de cosseno, seno e tangente ao triângulo retângulo de catetos x e


y, e hipotenusa |z|, tem-se:
y
y = |z|sen (θ), x = |z| cos(θ) e tan(θ) = (2.12)
x
Qualquer valor θ que satisfaz essas equações é chamado de argumento de z e usa-se a notação
θ = arg(z) para indicá-lo.
É claro que y
θ = arctan
x
satisfaz essas equações, então

arg(z) = θ + 2kπ, k ∈ Z

23
isso mostra claramente que o argumento de um número complexo é multivalente. Chama-se
argumento principal de z ao valor do argumento compreendido no intervalo [0, 2π[, geome-
tricamente ele corresponde ao menor valor positivo para o ângulo formado pelo eixo 0x e a
reta que une z à origem, considerado no sentido anti-horário a partir do eixo 0x e medido
em radianos.
Substituindo os valores de x e y dados pelas equações 2.12 nas formas cartesiana e
algébrica do número complexo z tem-se

z = (x, y) = (|z| cos θ, |z|sen θ) =⇒ z = |z|(cos θ, sen θ) (2.13)


z = x + yi = |z| cos θ + i|z|sen θ =⇒ z = |z|(cos θ + isen θ) (2.14)

Os casos em que y = 0 correspondem a pontos sobre o eixo real (eixo x), então

|z| = |x| e θ = 0 (se x > 0) ou θ = π (se x < 0)

Os casos em que x = 0 correspondem a pontos sobre o eixo imaginário (eixo y), então
π 3π
|z| = |y| e θ = (se y > 0) ou θ = (se y < 0)
2 2
e a fórmula continua válida.

2.3.1 Igualdade, conjugado e inverso de complexo na forma polar


Na forma polar dois complexos z e w são iguais se, e somente se

|z| = |w| e arg(z) − arg(w) = 2kπ, k ∈ Z (2.15)

Teorema 2.4 (conjugado): Seja z ∈ C, z = |z|(cos θ + isen θ), então:


• o conjudado de z é z = |z|(cos θ − isen θ);

• se θ é um argumento de z, −θ é um argumento de z, ou seja,

z = |z|[cos(−θ) + isen (−θ)]

A prova é simples e fica ao leitor como exercı́cio.


Teorema 2.5 (inverso): Seja z ∈ C, z 6= 0, z = |z|[cos θ + isen θ], então
1 1
= [cos(−θ) + isen (−θ)]
z |z|

Demonstração: Seja z ∈ C, z 6= 0, z = |z|[cos θ + isen θ]. Pelo teorema 2.4,

z = |z|[cos(−θ) + isen (−θ)]


1 z 1
Como = 2 = 2 z tem-se
z |z| |z|
1 1
= [cos(−θ) + isen (−θ)]
z |z|

24
Isso prova o teorema. Na demonstração fica provado que
 
1
arg = −arg(z)
z
Exemplo 1: Encontre a forma polar de z = 1 + i.
Neste caso, x = 1 e y = 1, então
√ √ 1 π
|z| = 12 + 12 = 2 e tan θ = = 1 =⇒ θ =
1 4
Assim, a forma polar do complexo z é
√ π π
1+i= 2(cos + isen )
4 4
Exemplo 2: Encontre a forma polar de z = cos θ − isen θ.
√ √
|z| = cos2 θ + sen 2 θ = 1 = 1

Lembre que cos(−θ) = cos(θ) e sen (−θ) = −sen (θ), então

z = cos θ − isen θ = cos(−θ) + isen (−θ)

que é uma forma polar para z.


Exemplo 3: Encontre a forma polar de w = i cos θ + sen θ. Tem-se

w = i cos θ + sen θ = i(cos θ − isen θ)

O termo entre parênteses é precisamente o complexo z do exemplo anterior, então

w = i[cos(−θ) + isen (−θ)]


π  π 
Escrito na forma polar tem-se i = cos + isen . Então
2 2
h π   π i
w = i[cos(−θ) + isen (−θ)] = cos + isen [cos(−θ) + isen (−θ)]
π  π  2 h 2 π  π  i
= cos cos(−θ) − sen sen (−θ) + i cos sen (−θ) + sen cos(−θ)
2 π  2 π 2 2
= cos −θ + + isen −θ +
2 2
que é uma forma polar para w, pois |w| = 1, confira.

2.3.2 Operações com complexos na forma polar


Teorema 2.6 (Produto e quociente): Seja z, w ∈ C

z = |z|(cos θ + isen θ) e w = |w|(cos φ + isen φ),

então
z |z|
zw = |z||w|[cos(θ + φ) + isen (θ + φ)] e = [cos(θ − φ) + isen (θ − φ)], w 6= 0
w |w|

25
Demonstração:

zw = [|z|(cos θ + isen θ)][|w|(cos φ + isen φ)]


= |z||w|(cos θ + isen θ)(cos φ + isen φ)
= |z||w|[cos θ cos φ + i cos θsen φ + isen θ cos φ + i2 sen θsen φ]
= |z||w|[cos θ cos φ − sen θsen φ + i(cos θsen φ + isen θ cos φ)]
= |z||w|[cos(θ + φ) + isen (θ + φ)]

zw = |z||w|[cos(θ + φ) + isen (θ + φ)]

Pelo teorema 2.4 w = |w|[cos(−φ) + isen (−φ)]


z zw 1
= = zw
w ww |w|2
1
= |z||w|[cos(θ − φ) + isen (θ − φ)]
|w|2
1
= |z||w|[cos(θ − φ) + isen (θ − φ)]
|w|2
|z|
= [cos(θ − φ) + isen (θ − φ)]
|w|

z |z|
= [cos(θ − φ) + isen (θ − φ)]
w |w|
Teorema 2.7 (produto de n complexos): Sejam z1 , . . . , zn números complexos

zj = |zj |[cos(θj ) + isen (θj )], j = 1, . . . , n

então
z1 · . . . · zn = |z1 | · . . . · |zn |[cos(θ1 + . . . + θn ) + isen (θ1 + . . . + θn )]

Demonstração: a demonstração é feita por idução sobre n. O primeiro passo é provar


que a fórmula é verdadeira para o produto de dois complexos, o que já foi provado no
teorema 2.6. Então a indução segue sem óbices. Assim, devemos provar que se a fórmula
vale para n complexos, também valerá para n + 1 complexos. Portanto a hipótese de indução
é:
z1 · . . . · zn = |z1 | · . . . · |zn |[cos(θ1 + . . . + θn ) + isen (θ1 + . . . + θn )]
e devemos provar que

z1 · . . . · zn · zn+1 = |z1 | · . . . · |zn | · |zn+1 |[cos(θ1 + . . . + θn + θn+1 ) + isen (θ1 + . . . + θn + θn+1 )]

Como C é corpo, z = z1 · . . . · zn é um número complexo, pois todos os fatores o são, e


devido a hipótese de indução o argumento de z é θ = θ1 + . . . + θn e |z| = |z1 | · . . . · |zn | é
seu módulo. Então

z1 · . . . · zn · zn+1 = z · zn+1 produto de complexos, pelo teorema 2.6


= |z| · |zn+1 |[cos(θ + θn+1 ) + isen (θ + θn+1 )]

26
Substituindo θ = θ1 + . . . + θn e |z| = |z1 | · . . . · |zn | tem-se
z1 · . . . · zn · zn+1 = |z1 | · . . . · |zn | · |zn+1 |[cos(θ1 + . . . + θn + θn+1 ) + isen (θ1 + . . . + θn + θn+1 )]
E o teorema fica demonstrado.
Esse teorema tem duas consequências importantes, tanto que em alguns textos são apre-
sentadas como resultado principal. Antes, vamos estabelecer a noção de potência de com-
plexo.
Definição 2.3 (potência): Seja z ∈ C, z 6= 0 e n ∈ N, então
1
z n = z| × z × z{z× . . . × z}, z0 = 1 e z −n =
zn
n−vezes

Teorema 2.8 (potência n−ésima de complexo): Sejam z ∈ C, z 6= 0 e n ∈ Z, com


z = |z|[cos(θ) + isen (θ)], então
z n = |z|n [cos(nθ) + isen (nθ)]
Demonstração: Seja z ∈ C, z 6= 0 e n ∈ Z, defina z = z1 = z2 = . . . = zn .
• Se n > 0, pelo teorema 2.7 tem-se
z n = |z|n [cos(nθ) + isen (nθ)]

• Se n < 0, não podemos aplicar o teorema 2.7 a z n , pois ele só vale para potência de
expoente positivo, o que não é o caso. Vamos contornar esse pequeno problema, pelo
teorema 2.5
1 1
= [cos(−θ) + isen (−θ)].
z |z|
Defina m = −n ∈ N, então
 −n  m  m
n 1 1 n 1
z = = =⇒ z =
z z z
 m
1
Agora, aplicando o teorema 2.7 a tem-se
z
 m
n 1 1
z = = m [cos(m(−θ)) + isen (m(−θ))] substituindo m = −n
z |z|
1
= [cos((−n)(−θ)) + isen ((−n)(−θ))]
|z|−n
= |z|n [cos(nθ) + isen (nθ)]
E o teorema fica demonstrado.
A fórmula
z n = |z|n [cos(nθ) + isen (nθ)]
é conhecida como fórmula de Moivre, em homenagem a Abraham de Moivre. Essa fórmula
é importante porque estabelece uma ligação entre os números complexos e a trigonometria,
mais precisamente, ela é o cerne das operações de potenciação e radiciação complexa e apon-
tou o caminho para Euler definir a função exponencial complexa.

27
2.4 Geometria das operações em C
Nesta seção vamos examinar a geometria das operação básicas em C, ou seja, o significado
geométrico das operações com números complexos.

2.4.1 Soma e diferença


Por simplicidade pedagógica, e sem perda de generalidade, vamos tomar dois pontos
z, w ∈ C com coordenadas positivas para facilitar as ilustrações. Assim
z = (x, y) = x + yi = |z|(cos θ + isen θ) e w = (u, v) = u + vi = |w|(cos φ + isen φ)
A soma de números complexos é a soma usual de R2 , cuja interpretação geométrica é
muito bem conhecida e dada pela regra do paralelogramo, ainda assim, vamos reproduzı́-la
aqui.
y

y+v
v w
z+w

y z z−w

u x x+u x

Essa imagem diz o seguinte: fixado um complexo z, considerando sua representação


vetorial, o resultado do deslocamento na mesma direção, sentido e magnitude de um vetor
w, a partir da extremidade de z, é o vetor z + w.
A interpretação geométrica da diferença z − w pode ser feita da mesma forma que se faz
para a adição, basta considerar os ponto z e −w ao invés de z e w, pois z − w = z + (−w).

Um exemplo numérico
Tome z = (3, 1) e w = (1, 2), então z + w = (4, 3) e z − w = (2, −1).
y

3
z+w
w
2 z−w
1 z z − w transladado
2
1 3 4 x
−1

28
2.4.2 Multiplicação e divisão
Multiplicação por i
A multiplicação de um número complexo z ∈ C pela unidade imaginária i corresponde a
uma rotação, no sentido anti-horário, de um ângulo de comprimento π2 do vetor correspon-
dente.
De fato, lembre que um complexo é um ponto do R2 e tem representação vetorial, então,
dado
z = x + iy = (x, y), i = (0, 1) ⇒ iz = ix − y = (−y, x)
Note que

hz, izi = h(x, y), (−y, x)i = x(−y) + yx = −xy + xy = 0 =⇒ hz, izi = 0.

Portanto, z e iz são, de fato, ortogonais. Geometricamente

iz

π
Portanto, multiplicar por i é o mesmo que rotacionar em 2
no sentido anti-horário

Multiplicação de dois complexos quaisquer


Sejam z, w ∈ C, z = |z|(cos θ + isen θ) e w = |w|(cos φ + isen φ). Tem-se

zw = |z||w|(cos γ + isen γ), γ = θ + φ

daı́ vê-se que para multiplicar dois complexo multiplica-se seus módulos e soma-se seus argu-
mentos. Assim, multiplicar um complexo z por outro complexo w é rotacionar z no sentido
anti-horário, de um ângulo igual ao argumenteo de w, e depois multiplicar o resultante da
rotação pelo módulo de w. Geometricamente

y y Tome z = (1, 1) e

zw zw w = (2, 1).
3
Então zw = (1, 3)

w z z w
1

x 1 2 x

z 1
A divisão é idêntica, basta considerar =z· .
w w
29
2.5 Raı́zes n-ésimas de números complexas
O problema que levou a criação dos complexos também trouxe a necessidade de calcular
raı́z cúbica desses números, algo que ainda não abordamos, mas esta seção será dedicada
exclusivamente a esse propósito.
Dados n ∈ N e w ∈ C queremos determinar todas as soluções de
z n = w. (2.16)
Se w = 0 a única solução é z = 0. Portanto, daqui em diante, vamos supor w 6= 0.
Suponha z ∈ C uma solução de 2.16, escrevendo z e w na forma polar tem-se
z = |z|(cos θ + isen θ) e w = |w|(cos φ + isen φ)
Levando esses valores à equação 2.16 tem-se
|z|n (cos(nθ) + isen (nθ)) = |w|(cos φ + isen φ)
Daı́, considerando a igualdade de números complexos, equação 2.15, resulta
|z|n = |w| e nθ − φ = 2kπ, k ∈ Z
Então
p
n φ + 2kπ
|z| = |w| e θ = , k∈Z
n
Então a solução z é dada por
    
p
n φ + 2kπ φ + 2kπ
z = |w| cos + isen , k ∈ Z.
n n
Para cada valor de k corresponde um valor de z, que denotaremos por zk , então
    
pn φ + 2kπ φ + 2kπ
zk = |w| cos + isen , k ∈ Z.
n n
Mas esses zk , k ∈ Z são todos distindos? Resposta. Não. Sabemos que dois complexos são
iguais quando seus módulos são iguais
p e a diferença de seus argumentos é um múltiplo inteiro
de 2π. Para todo k ∈ Z, |zk | = n |w|. De fato, pois
    
2
p
n φ + 2kπ φ + 2kπ
|zk | = zk zk = |w| cos + isen ·
n n
    
p
n φ + 2kπ φ + 2kπ
|w| cos − isen
n n
  2   2 !
p φ + 2kπ φ + 2kπ p
= ( n |w|)2 cos + sen = ( n |w|)2 .
n n
Assim, o que difere esses números é o argumento. Então, zk = zj se, e somente se,
φ + 2kπ φ + 2jπ
argzk − arg(zj ) = 2πq, q ∈ Z ⇐⇒ − = 2πq, q ∈ Z
n n
2π(k − j)
⇐⇒ = 2πq, q ∈ Z
n
(k − j)
⇐⇒ = q, q ∈ Z
n
⇐⇒ k − j = nq, q ∈ Z

30
Então zk será igual a zj sempre que k − j for um múltiplo de n, ou seja, as raı́zes zk e zk+n
são iguais. Dessa forma, só podem existir n raı́zes distintas, as quais indicamos por
    
pn φ + 2kπ φ + 2kπ
zk = |w| cos + isen , k = 0, 1, 2, . . . , n − 1. (2.17)
n n
Essas são as n raı́zes da equação z n = w. Esses números complexos são chamados de
raı́zes n-ésimas de w e são indicadas com o mesmo sı́mbolo da raı́z real, ou seja,
√n
w = z0 , z1 , z2 , z, . . . , zn−1

Note a diferença de entendimento em relação aos números √ reais, onde o sı́mbolo x indica
um único valor. No conjunto dos complexos o sı́mbolo z indica todas as raı́zes do número
complexa z.
Exemplo 4: Encontrar todas as soluções de z 3 = 1 + i.
Neste caso
√ h π   π i
n = 3, w = 1 + i, na forma polar, w = 2 cos + isen
4 4
Então as raı́zes são
√ √
 π π
+2·0·π +2·0·π
  h π  π i
6 4 4 6
z0 = 2 cos + isen = 2 cos + isen
3 3 12 12
√ √
 π π
+2·1·π +2·1·π
      
6 6 3π 3π
z1 = 2 cos 4 + isen 4 = 2 cos + isen
3 3 4 4
√ √
 π π
+2·2·π +2·2·π
      
6 4 4 6 17π 17π
z2 = 2 cos + isen = 2 cos + isen
3 3 12 12

2.6 Consequências importantes da teoria dos Números Com-


plexos
A demonstração de Euler de que as equações do tipo z n = w têm n soluções em C abriu
horizontes. Depois dela os matemáticos passaram a conjecturar que toda equação de grau n
deveria ter n raı́zes complexas. Coube ao jovem matemático de 21 anos, Carl Friedrich Gauss
apresentar em sua tese de doutorado (ainda hoje considerada a maior tese de doutorado em
Matemática de todos os tempos) a prova do Teorema Fundamental da Álgebra - denominação
do próprio Gauss. Esse teorema afirma que:
Toda equação polinomial de coeficientes reais ou complexos tem, pelo menos, uma raı́z complexa.
O Teorema Fundamental da Álgebra não só resolveu o problema das soluções de equações
algébricas, mas principalmente mostrou que o conjunto dos números complexos é o melhor
conjunto para se tratar do assunto, pois contém todas as soluções de qualquer equação
algébrica, de qualquer grau.
Gauss resolveu a parte teórica - provou a existência. Faltava a parte prática - o cálculo
efetivo das raı́zes. Poderia haver uma fórmula geral para determiná-las? Já se sabia que
essa resposta era positiva para equações de grau 2 e 3. Mas, o jovem matemático norueguês
Neils Henrik Abel (1802-1829) demostrou que é impossı́vel resolver a equação geral de grau
5 utilizando-se apenas operações algébricas elementares: adição, subtração, multiplicação,
divisão e radiciação.

31
2.7 Exercı́cios
1. Prove que para todo z ∈ C, z 6= 0 o inverso de z é único e (z −1 )−1 = z

2. Prove que Im(iz) = Re(z), z ∈ C.

3. Mostrar que a equação da reta determinada por dois pontos A e B é


 
z−A
Im = 0.
B−A

1
4. Considere z = 1 + i, representar geometricamente os complexos z, , z 2 e z −2 .
z
5. Considere z = 1 + i e w = 1 − 2i, representar geometricamente os complexos
z z
z, w, z + w, zw, e .
w w

6. Prove que para todo z ∈ C



2|z| > |Re(z)| + |Im(z)|.

7. Usar a forma polar de um número complexo para mostrar que


√ √
(a)(1 + i 3)−10 = 2−11 (−1 + i 3);
(b)(−1 + i)7 = −8(1 + i).

8. Determine a forma polar de


3 i √
z= √ , w= e t = ( 3 − i)6 .
1−i 3 −2 + 2i

9. Seja θ um número real, determine uma representação polar para w = sen θ − i cos θ.

10. Seja θ um número real e w = cos θ + isen θ. Achar uma forma polar para os números
complexos w + 1 e w − 1.

11. Encontre todas as raı́zes de z n = w nos seguintes casos

(a)n = 2, w = 1 − i;
(b)n = 3, w = 1 − i;
(c)n = 4, w = 1 − i;
(d)n = 4, w = 1 + i.

12. Quais os argumentos das raı́zes sextas de um número real negativo?


√ √
4

13. Considere z = (1 + i 3) e calcule z 2 e z 2 . Pela sua intuição esses dois termos
deveriam ser iguais, certo? Mas não são. Que coisa triste! Descreva de forma mais
geral o que observou nesse exemplo.

32
14. Determinar e representar geometricamente todas as raı́zes de z 5 = −1.

15. Prove que para as raı́zes de z n = w vale zk = (z1 )k .

16. Resolva a equação complexa z 3 + z 2 + z = 0.

17. Provar que se w é uma raı́z n-ésima não real de α ∈ R, então seu conjugado w também
o é.

18. Seja P (x) um polinômio de grau n e coeficientes reais. Mostre que se w = a + bi é uma
solução de P (x) = 0 então seu conjugado w = a − bi também o é.

19. Agora que você conhece os complexos tintim por tintim, considere
√ √ p √
−1 = i2 = i · i = −1 · −1 = (−1)(−1) = 1 = 1 =⇒ −1 = 1.

Justifique de forma escrita a validade ou a inconsistência de cada uma dessas passagens.

33
CAPÍTULO 3
TOPOLOGIA DOS NÚMEROS COMPLEXOS

Para estudar as noções de limite, continuidade e derivada precisamos antes de mais nada
definirmos funções no plano complexos. Também vamos estabelecer algumas noções to-
pológicas em C, séries de números complexos, e outros conceitos. Vamos fazer uma aborda-
gem mı́nima dessas noções utilitárias para então prosseguirmos ao estudo de limite e conti-
nuidade de funções complexas.

3.1 Noções métricas em C


O tı́tulo talvez não seja muito fiel ao conteúdo dessa seção, mas é bom que ele esteja aı́
ao menos para lembrar que em C exite uma estrutura topológica. Nos interessa as noções
topológicas induzidas pela estrutura métrica de C.

3.1.1 C é um espaço métrico


Conforme definição, o conjunto dos números complexos é o R2 munido de duas operações
adequadas, então há em C uma maneira de medir distância entre quaisquer dois de seus
elementos, nesta seção vamos explorar essa noção e alguns resultados decorrentes dela.

Definição 3.1: A distância entre z, w ∈ C, que indica-se por d(z, w), é o módulo da diferença
z − w. Para z = x + yi e w = u + vi, em sı́mbolos tem-se
p
d(z, w) = |z − w| = (x − u)2 + (y − u)2 .

Essa função distância goza das seguintes propridades:

1. (positividade) d(z, w) > 0 e d(z, w) = 0 ⇐⇒ z = w, quaisquer que sejam z, w ∈ C.

2. (simetria) d(z, w) = d(w, z), quaisquer que sejam z, w ∈ C.

3. (desigualdade triangular) d(z, w) = d(z, t) + d(t, w), quaisquer que sejam z, w, t ∈ C.

34
Demonstração: é imediata a partir da definição, mas vamos fazer a prova da terceira
propriedade, as demais ficam como exercı́cio.
Sejam z, w, t ∈ C, então

d(z, w) = |z − w| = |z − t + t − w| = |(z − t) + (t − w)|


6 |z − t| + |t − w|
= d(z, t) + d(t, w)

d(z, w) 6 d(z, t) + d(t, w)

Munido dessa distância o conjunto dos números complexos passa a ser um espaço métrico
e herda todas as noções, linguagem e propriedades desses espaços - algumas com benefı́cios,
já que C também é corpo.

Definição 3.2: Seja w ∈ C e r um número real positivo. Definimos

(a)Dw [r] = D[w, r] = {z ∈ C; |z − w| 6 r} (Disco fechado)

(b)Dw (r) = D(w, r) = {z ∈ C; |z − w| < r} (Disco aberto)

(c)D∗w (r) = D∗ (w, r) = {z ∈ C; < 0|z − w| < r} (Disco furado)

(d)Sw (r) = S(w, r) = {z ∈ C; |z − w| = r} (Circunferência)

r r r r
w w w w

Disco fechado Disco aberto Disco furado Circunferência


Dw [r] = D[w, r] Dw (r) = D(w, r) D∗w (r)
= D∗ (w, r) Sw (r) = S(w, r)

As noções de disco aberto, disco fechado e circunferência estão definidas em espaços


métricos quaisquer como bola aberta, bola fechada e esfera respectivamente. A notação da
esfera não muda, mas a bola aberta é indicada por Bw (r) ou B(w, r).
O disco aberto com centro em w e raio r é o conjunto dos números complexos cuja
distância a w é menor que r. O disco fechado com centro em w e raio r é o conjunto dos
números complexos cuja distância a w é menor ou igual a r.
Os demais conceitos métricos de interesse serão definidos a partir do conceito de disco
aberto.

Teorema 3.1: Seja w ∈ C e r um número positivo. Então

S[w, r] = D[w, r] − D(w, r).

Demonstração: fica com exercı́cio, é intuitiva e decorre das definições.

35
Definição 3.3 (conjunto limitado): Dizemos que Ω ⊂ C é limitado se existe r > 0 tal que
Ω ⊂ D(0, r).

Em miúdos, um conjunto é limitado se pode ser posto dentro de uma bola.


Exemplo 5:
(1) Todo disco aberto/fechado é um conjunto limitado.
(2) O conjunto vazio é limitado.
(3) C não é limitado.
Teorema 3.2: Seja Ω ∈ C. São equivalentes
(1) Ω ∈ C é ilimitado.
(2) ∃ k ∈ R tal que |z| < k, ∀z ∈ Ω.

Demonstração: fica como exercı́cio.

3.1.2 Conjuntos abertos e conjuntos fechados


Definição 3.4 (ponto interior): O elemento z ∈ Ω ⊂ C é um ponto interior a Ω se existe
um número real positivo r tal que
D(z, r) ⊂ Ω.

O conjunto dos pontos interiores de Ω é indicado por Ω= int(Ω).
Definição 3.5 (conjunto aberto): Dizemos que Ω ⊂ C é aberto se todos os seus pontos são
pontos interiores, ou seja, Ω é aberto se
∀ z ∈ Ω, ∃ r > 0 tal que D(z, r) ⊂ Ω.

Da definição é fácil ver que Ω é aberto se, e somente se, Ω = int(Ω).


Exemplo 6:
(1) Todo disco aberto é um conjunto aberto.
(2) O conjunto vazio é aberto.
(3) O próprio C é aberto.
(4) A região Ω = {z ∈ C; Im(z) > 0}, ou seja, o semiplano superior do plano complexo,
é um conjunto aberto.
Definição 3.6 (conjunto fechado): Dizemos que Ω ⊂ C é fechado se o seu complementar é
um conjunto aberto, ou seja
Ω é fechado ⇐⇒ Ωc = CΩ é aberto.

Exemplo 7:
(1) Todo disco fechado é um conjunto fechado.
(2) O conjunto vazio é fechado.
(3) O próprio C é fechado.
(4) A região Ω = {z ∈ C; Re(z) > 0}, ou seja, o semiplano a direita o eixo imaginário do
plano complexo, é um conjunto fechado.
(5) Considere a região Ω compreendida entre dois discos com centro em w ∈ C, um disco
aberto de raio r > 0 e um fechado de raio s > 0, com s < r. Ω = {z ∈ C; s 6 |z − w| < r}.

36
r
w s

Região Ω

Esta região não é um conjunto aberto e nem fechado. Não é um conjunto aberto porque
os pontos da circunferência S(w, s) pertencem a Ω mas não são pontos interiores a Ω, logo Ω
não é aberto. Não é um conjunto fechado porque os pontos de S(w, r) não pertencem a Ω,
logo pertencem a Ωc , mas qualquer disco com centro em um ponto de S(w, r) e raio positivo
contém pontos de Ω, logo Ωc não é aberto, então (Ωc )c = Ω não é fechado.
Definição 3.7 (fronteira ou bordo): A fronteira de Ω ⊂ C, denotada por ∂Ω, é o conjunto
dos pontos que não são interior a Ω nem a seu complementar. De forma equivalente, z ∈ ∂Ω
se, e somente se, para todo r > 0, existe w ∈ Ω e t no complementar de Ω tais que w, t ∈
D(z, r).

Definição 3.8 (conjunto compacto): Dizemos que Ω ⊂ C é compacto se for fechado e li-
mitado.

Exemplo 8:
(1) Um disco fechado é um conjunto compacto.
(2) O conjunto vazio é compacto.
(3) O próprio C não é compacto, pois não é limitado.

3.1.3 Ponto aderente e ponto de acumulação


Definição 3.9 (ponto aderente): Dizemos que z ∈ Ω ⊂ C é um ponto aderente a Ω se

D(z, r) ∩ Ω 6= ∅, ∀ r > 0.

Definição 3.10 (fecho ou aderência): O fecho de Ω ⊂ C, que indica-se por Ω, é o conjunto


dos pontos aderente a Ω.

Ω = {z ∈ C|z é ponto aderente a Ω}.

Teorema 3.3: Seja Ω ∈ C. Então


(1) Ω é fechado.
(2) Ω ⊆ Ω.
(3) Ω é fechado se, e somente se, Ω = Ω.

Definição 3.11 (ponto de acumulação): Dizemos que z ∈ Ω ⊂ C é um ponto de acu-


mulação se
D∗ (z, r) ∩ Ω 6= ∅, ∀ r > 0.

O derivado de Ω é o conjunto de seus pontos de acumulação, o qual indica-se por Ω0 .

37
Definição 3.12 (ponto isolado): Dizemos que z ∈ Ω ⊂ C é um ponto isolado se não é ponto
de acumulação.

Dizer que z é ponto isolado é equivalente a dizer que existe r > 0 tal que

D(z, r) ∩ Ω = {z}.

Definição 3.13 (conjunto conexo): Dizemos que Ω ⊂ C é conexo se não existem abertos
não vazios e disjuntos A, B ∈ C, tais que

(A ∩ Ω) ∪ (B ∩ Ω) = Ω.

3.2 Sequência e Séries de números complexos


Sequências são úteis para vários propósitos, um deles, de particular interesse, é caracte-
rizar funções contı́nuas.

3.2.1 Sequência de números complexos


Definição 3.14: Seja Ω 6= ∅ um conjunto qualquer. Uma sequência em Ω é uma função

f : N −→ Ω

que associa a cada natural n um elemento f (n) ∈ Ω. Indicamos a imagem de n por fn e a


sequência por (fn )N e chamamos fn de termo geral da sequência.

Em R é comum denotar uma sequência por (xn )N e seu termo geral por xn . Como nosso
conjunto de interese é C, vamos denotar uma sequência qualquer por (zn )N e seu termo geral
por zn .
Dada uma sequência zn de números complexos, como C = (R2 , +, .) então

zn = (xn , yn ) = xn + iyn = |zn |(cos θn + isen θn ), xn , yn ∈ R, ∀ n ∈ N

Portanto, a cada sequência de números complexos zn correspondem duas sequências de


números reais. Uma representando a parte real e outra a parte imaginária. Vários resulta-
dos podem ser dados e até melhor compreendidos e utilizados se postos em função dessas
sequências de números reais.
Exemplo 9: O termo geral  
1 1 1 i
zn = , n = + n
n 2 n 2
define uma sequência de números complexos. Note as sequências de números reais
1 1
xn = e yn =
n 2n
Definição 3.15 (convergência): Uma sequência zn = xn + iyn converge a um ponto z ∈ C
se para todo ε > 0 existe p ∈ N tal que

|zn − z| < ε, ∀ n > p

38
Neste caso, escrevemos
lim zn = z ou zn −→ z.
n→+∞

Se uma sequência não converge, dizemos que ela diverge ou que é divergente.
Ao afirmar que uma sequência converge a um ponto, diz-se que os pontos da sequência
aproximam-se do limite para o qual ela converge. Afirmar que uma sequência diverge é dizer
que seus pontos (todos) não se aproximam de qualquer ponto.
Exemplo 10:  
1 1
(1) a sequência zn = , converge a (0, 0), então podemos escrever.
n 2n
 
1 1
zn = , −→ (0, 0).
n 2n
 
1
(2) a sequência zn = n, n diverge pois a sequência real xn = n diverge.
2
Teorema 3.4: seja zn = xn + iyn uma sequência de números complexos e z ∈ C, z = x + iy.
Então
zn −→ z ⇐⇒ xn −→ x e yn −→ y.

Demonstração: a demonstração desse teorema é relativamente simples e se constitui em


belo exercı́cio, o qual é fortemente incentivado.
O teorema 3.4 diz, objetivamente, que em C uma sequência converge se e somente se as
sequências de números reais associadas a ela convergem e mais, o limite desses sequências
reais são parte real e parte imaginária do limite da sequência complexa. Portanto, há uma
relação muito estreita entre convergência em C e convergência em R.
Teorema 3.5: o limite de uma sequência, quando existir, será único.

Demonstração: seja zn uma sequência convergente em C. Suponhamos que existam z, w ∈ C


tais que
zn −→ z e zn −→ w
Então, dado ε > 0
ε
∃ p ∈ N tal que |zn − z| < , n > p. (3.1)
2
ε
∃ q ∈ N tal que |zn − w| < , n > q. (3.2)
2
Tome m = max {p, q}, então, para todo n > m tem-se

|z − w| = |(z − zn ) + (zn − w)| 6 |z − zn | + |zn − w|


ε ε
= |z − zn | + |w − zn | < + = ε
2 2

|z − w| < ε, ∀n > m.

Isso significa que |z − w| pode ser feito tão pequeno quanto qualquer ε > 0 dado, portanto
|z − w| = 0, então z = w. Isso completa a demonstração.

39
A definição de sequência convergente é pouco prática porque ela exige o conhecimento do
ponto para o qual a sequência converge e, em geral, não conhecemos esse ponto, apenas a
sequência. Cauchy elaborou uma outra maneira para verificar se uma sequência é convergente
sem depender de um ponto, mas apenas dos pontos da sequência.
A idéia de Cauchy aplica-se a qualquer espaço métrico, mas sua versão apresentada a
seguir não.
Definição 3.16 (sequência de Cauchy): uma sequência zn ∈ C é de Cauchy se para todo
ε > 0 existe p ∈ N tal que
|zn − zm | < ε, ∀ m, n > p.

Intuitivamente uma sequência ser de Cauchy significa que seus pontos aproximam-se uns
dos outros arbitrariamente.
O teorema seguinte é fonte de muitos exemplos de sequência de Cauchy.
Teorema 3.6: toda sequência convergente é de Cauchy.

Demonstração: fica como exercı́cio.


Uma sequência de Cauchy sempre converge para algum ponto. Eventualmente esse ponto
não está no mesmo espaço da sequência. Quando essa eventualidade não ocorre, o espaço
ganha a importante qualificação consignada na definição seguinte.
Definição 3.17 (espaço métrico completo): um espaço métrico é completo se toda sequência
de Cauchy cujos pontos são elementos desse espaço converge a um ponto desse espaço.

Teorema 3.7: o conjunto dos números complexos (C) é um espaço métrico completo.

Demonstração: devemos provar que em C qualquer sequência de Cauchy converge. A ideia


da demonstração é a seguinte: dada uma sequência de complexos zn escritos na forma
algébrica, ou seja, zn = xn + iyn , n ∈ N. Prova-se que xn −→ x ∈ R e yn −→ y ∈ R.
Define-se z = x + yi (candidato a limite) e, por fim, prova-se que zn −→ z.

Seja zn uma sequência de Cauchy em C. Então

zn = xn + iyn , n ∈ N.

Dado ε > 0, como zn é sequência de Cauchy existe p ∈ N tal que

|zn − zm | < ε, ∀m, n > p.

Então p
(xn − xm )2 + (yn − ym )2 < ε =⇒ (xn − xm )2 + (yn − ym )2 < ε2
Daı́ tem-se

(xn − xm )2 < ε2 =⇒ |xn − xm | < ε, ∀m, n > p.


(yn − ym )2 < ε2 =⇒ |yn − ym | < ε, ∀m, n > p.

Portanto xn e yn são sequências de Cauchy em R, que é completo, logo

xn −→ x ∈ R e yn −→ y ∈ R

40
Definimos z = x + yi, é claro que z ∈ C. Resta provar que zn −→ z.
Seja ε > 0, como xn e yn são sequências convergentes, existem m, q ∈ N tais que
ε ε
|xn − x| < √ , ∀n > m e |yn − y| < √ , ∀n > q.
2 2
ε ε
Tome p = max {m, q}, então, |xn − x| < √ e |yn − y| < √ , ∀n > p.
2 2
Então, elevando ao quadrado tem-se

ε2
2 2 ε2
|xn − x| < e |yn − y| < , ∀n > p.
2 2
Somando essas desigualdades tem-se

|xn − x|2 + |yn − y|2 < ε2 , ∀n > p.

Extraindo a raiz quadrada temos


p √
|xn − x|2 + |yn − y|2 < ε2 , ∀n > p =⇒ |zn − z| < ε, ∀n > p

Portanto zn −→ z. O que encerra a demonstração.

Definição 3.18 (subsequência): seja zn uma sequência. Uma subsequência é uma função
definida em qualquer K ⊂ N tal que seus valores coincidem com os valores de zn . Nesse
caso indica-se os valores da subsequência por znk com os ı́ndices nk ∈ K. Tem-se para cada
nk ∈ K.
znk = zm , para algum m ∈ N

Exemplo 11: Considere a sequência


1
zn = + ni, n ∈ N.
n
Um subsequência de zn pode ser formada pelos termos de ı́ndice par,
1
znk = + nk i, nk ∈ K = 2N (conjunto dos números pares)
nk
Note que a subsequência coincide com a sequência nos termos de ı́ndice par.

n zn nk znk
1 1 + i −− − − −
2 12 + 2i 2 12 + 2i
3 13 + 3i −− − − −
4 41 + 4i 4 14 + 4i
5 15 + 5i −− − − −
6 61 + 6i 6 16 + 6i

41
3.2.2 Caracterização por sequência
Em espaços métricos, a caracterização de certas noções topológicas por meio de sequências
é uma alternativa de notável conveniência em várias abordagens e contextos. Neste pequena
seção vamos caracterizar algumas noções topológicas por meio de sequências.

Definição 3.19: no conjunto dos números complexos, dizemos que uma sequência zn é li-
mitada se o conjunto de seus termos é um conjunto limitado, ou seja, se existe k > 0 tal
que
|zn | < k, ∀n ∈ N.

Teorema 3.8 (Bolzano-Weierstrass): no conjunto dos números complexos, toda sequência


limitada possui uma subsequência convergente.

Demonstração: sabemos que o teorema de Bolzano-Weierstrass é válido em R(vejam o livro


de análise do Elon, vol. 1, ed. 11a , páginas 123 e 125). Dada uma sequência limitada zn em
C, podemos escrever zn = xn + iyn , como é limitada existe k > 0 tal que
p
x2n + yn2 = |zn | < k, ∀n ∈ N.

Daı́
|xn | < k e |yn | < k ∀n ∈ N.
Então (xn ) e (yn ) são sequências limitadas, e como são reais, a elas aplica-se o teorema de
Bolzano-Weierstrass em R. Portanto (xn ) possui uma subsequência convergente, digamos

(xnk ), nk ∈ N1 ⊂ N e lim xnk = x.


nk ∈N1

Como (yn ) é limitada, (ynk ), nk ∈ N1 ⊂ N também é limitada. O teorema de Bolzano-


Weierstrass (real) aplicado a (ynk ) garante a existência de uma subsequência convergente

(ynk ), nk ∈ N2 ⊂ N1 ⊂ N e lim ynk = y.


nk ∈N2

Defina
(znk )nk ∈N2 e z = x + yi
Pelo teorema 3.4 tem-se lim znk = z. O que encerra a demonstração.
nk ∈N2

Teorema 3.9: seja Ω ⊂ C e z ∈ Ω, as seguintes afirmações são equivalentes:


(1) z é ponto de acumulação de Ω.
(2) Existe uma sequência zn de pontos de Ω que converge a z e zn 6= z para todo n ∈ N.
(2) Todo disco aberto de centro z contem uma infinidade de pontos de Ω.

Demonstração: [(1) ⇒ (2)] supondo (1), como z é ponto de acumulação, por definição, para
qualquer ε > 0 o disco furado D∗ (z, ε) contem pontos de Ω. Então, para todo n ∈ N, tomando
1
ε = obtem-se zn ∈ Ω tal que
n
1 1
zn ∈ D∗ (z, ) =⇒ 0 < |zn − z| <
n n
42
Portanto, lim zn = z. Logo (1) ⇒ (2).
n→+∞
[(2) ⇒ (3)] supondo (2), dado um disco D(z, r), r > 0, como lim zn = z tomando ε = r
n→+∞
existe p ∈ N tal que

|zn − z| < ε = r, ∀n > p =⇒ zn ∈ D(z, r), ∀n > p

É claro que o conjunto {zn , n > p} é infinito. Logo (2) ⇒ (3).


[(3) ⇒ (1)] supondo (3), cada disco de centro em z tem infinitos pontos de Ω, a definição
de ponto de acumulação só exige um. Então é claro que (3) ⇒ (1). E o teorema fica
demonstrado.
Uma consequência imediata desse teorema é que se um conjunto tem ponto de acumulação
então é infinito. Evidente pela propriedade 3.
Teorema 3.10: seja Ω um subconjunto de C, são equivalentes:
(1) Ω é compacto.
(2) Todo subconjunto infinito de Ω tem ponto de acumulação em Ω.
(3) Toda sequência em Ω tem uma subsequência convergente em Ω.

Demonstração: [(1) ⇒ (2)] supondo (1), dado X infinito, X ⊂ Ω, então podemos tomar
uma sequência (zn ) de modo que zn ∈ X para todo n ∈ N. Como Ω é limitado e X ⊂ Ω,
X é limitado, então o mesmo acontece a (zn ). Pelo teorema 3.8 existe uma subsequência
convergente (znk ), nk ∈ N1 . Pelo teorema 3.9 o limite dessa subsequência é um ponto de
acumulação que pertence a Ω pois este, por hipótese, é fechado. Logo (1) ⇒ (2).
[(2) ⇒ (3)] supondo (2), (3) é imediata pois o conjunto dos termos de uma sequência é
um conjunto infinito, logo, por hipótese, tem um ponto de acumulação, e pelo teorema 3.9
todo ponto de acumulação tem uma sequência que converge a ele. Logo (2) ⇒ (3).
[(3) ⇒ (1)] supodo (3) devemos provar que Ω é compacto, ou seja, fechado e limitado.
Provemos que é fechado. Devemos provar que Ω = Ω. Como Ω = Ω ∪ Ω0 , basta provar
que Ω0 ⊆ Ω. Seja z ∈ Ω0 , pelo teorema 3.9 existe uma sequência de pontos de Ω que converge
a z e devido nossa hipótese, z ∈ Ω. Portanto Ω0 ⊆ Ω, então Ω = Ω ∪ Ω0 = Ω, ou seja, Ω é
fechado.
Provemos que é limitado. Se Ω = ∅ não há o que provar. Supondo Ω não vazio, existe
z1 ∈ Ω. Se o conjunto Ω − D(z1 , 1) é vazio, então Ω ⊆ D(z1 , 1) e portanto Ω é limitado. Se
Ω − D(z1 , 1) não é vazio, podemos escolher

z2 ∈ Ω − D(z1 , 1) =⇒ |z2 − z1 | > 1.

Se o conjunto Ω − {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1)} é vazio Ω ⊆ {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1)} e portanto Ω é


limitado. Se Ω − {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1) não é vazio, podemos escolher

z3 ∈ Ω − {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1)} =⇒ |z3 − z2 | > 1

Prosseguindo definimos

zn ∈ Ω − {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1) ∪ . . . ∪ D(zn−1 , 1)} =⇒ |zn − zn−1 | > 1, ∀n ∈ N

Esse procedimento não pode continuar indefinidamente pois, nesse caso, zn seria uma
sequência infinita de elementos de Ω que não admite subsequência convergente, uma vez que

43
a distância de dois elementos consecutivos é maior ou igual a 1, isso contradiz a hipótese de
que toda sequência de elementos de Ω admite uma subsequência convergente. Portanto, para
algum p ∈ N o conjunto

Ω − {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1) ∪ . . . ∪ D(zp , 1)}

é vazio e então tem-se

Ω ⊆ {D(z1 , 1) ∪ D(z2 , 1) ∪ . . . ∪ D(zp , 1)}

que é limitado porque está contido em uma união finita de conjuntos (bolas - discos em C)
limitados. Portanto (3) ⇒ (1) e o teorema fica demonstrado.

3.2.3 Séries de números complexos


Definição 3.20 (série): Uma série em C é uma sequência cujos termos são somas parciais
de uma sequência. Se zn é o termo geral de uma sequência em C, então a série associada é
+∞
X
zn
n=1

e as somas parciais são


n
X
sn = zj , ∀ n ∈ N.
j=1

De forma explı́cida.
s1 = z1
s2 = z1 + z2
s3 = z1 + z2 + z3
↓ ↓ ↓
sn−1 = z1 + z2 + . . . + zn−1
sn = z1 + z2 + . . . + zn−1 + zn
Daı́ é fácil ver que
zn = sn − sn−1 , ∀ n ∈ N.
+∞
X
Definição 3.21 (série convergente): Uma série de números complexos zn é dita con-
n=1
vergente e tem soma z ∈ C se a sequência de suas somas parciais sn converge a z. Nesse
caso escreve-se
+∞
X +∞
X
zn = lim sn = z, ou simplesmente, zn = z.
n→+∞
n=1 n=1

Dizemos que uma série diverge se ela não converge. Nesse caso também dizemos que a
série é divergente.

44
+∞
X
Teorema 3.11 (equivalência): Seja zn = xn + yn i, n ∈ N. A série zn converge com
n=1
+∞
X +∞
X
soma z = x + yi se, e somente se, as séries de números reais xn e yn convergem
n=1 n=1
com soma x e y respectivamente. Em sı́mbolos
+∞
X +∞
X +∞
X
zn = z ⇐⇒ xn = x e yn = y
n=1 n=1 n=1

Demonstração: pelo teorema 3.4 a sequência de somas parciais (sn )N converge se, e somente
se, suas sequências de números reais associadas convergem. Como
n
X n
X n
X n
X
lim sn = lim zj = lim xj + iyj = lim xj + i yj
n→+∞ n→+∞ n→+∞ n→+∞
j=1 j=1 j=1 j=1

Então
n
X n
X
lim sn existe se, e somente se lim xj e lim yj existem.
n→+∞ n→+∞ n→+∞
j=1 j=1

E como
+∞ n n n n
!
X X X X X
zn = lim sn = lim zj = lim xj + iyj = lim xj + i yj
n→+∞ n→+∞ n→+∞ n→+∞
n=1 j=1 j=1 j=1 j=1

+∞
X +∞
X +∞
X
a série zn converge se, e somente, as séries de números reais xn e yn convergem.
n=1 n=1 n=1
Como são únicos os elementos x, y ∈ R tais que

X ∞
X
xn = x e lim yn = y,
n→+∞
n=1 n=1

definindo z = x + yi o teorema fica demonstrado.


+∞
X +∞
X
Teorema 3.12: Seja t ∈ C, zn e wn séries convergentes, então
n=1 n=1

+∞
X +∞
X +∞
X +∞
X +∞
X
(zn + wn ) = zn + wn e t · zn = t · zn .
n=1 n=1 n=1 n=1 n=1

Demonstração: fica como exercı́cio


+∞
X
Definição 3.22 (convergência absoluta): Uma série de números complexos zn converge
n=1
+∞
X
absolutamente se, e somente se, a séries de seus módulos |zn | converge.
n=1

45
+∞
X
Teorema 3.13: Seja zn = xn + yn i, n ∈ N. A série zn será absolutamente convergente
n=1
+∞
X +∞
X
quando, e somente quando, as séries de números reais xn e yn também o forem.
n=1 n=1

Demonstração: fica como exercı́cio. Mas é simples, basta observar que

max {Re(z), Im(z)} 6 |z| 6 |Re(z)| + |Im(z)|, ∀ z ∈ C

e aplicar a definição de convergência de séries.


O teorema 3.13 permite alçar aos números complexos resultados conhecidos no campo dos
números reais, encerramos essa seção enunciando, sem demonstração, dois desses resultados.
+∞
X
Teorema 3.14: Se uma série zn é absolutamente convergente então qualquer reordenação
n=1
dela é ainda absolutamente convergente e tem a mesma soma que ela.
+∞
X +∞
X
Teorema 3.15: Se as séries zn e wm são absolutamente convergentes então a
X n=1 m=1
séries zn wm é absolutamente convergente e
m,n

+∞
! +∞
!
X X X
zn wm = zn wm
m,n n=1 m=1

46
CAPÍTULO 4
FUNÇÕES COMPLEXAS: LIMITE E CONTINUIDADE

4.1 Funções complexas


Para esclarecer ou informar vamos consignar a designação de uma função. Considere

f : A −→ B

Dizemos que f é uma função


• de variável real, se A ⊂ R.
• real, se B ⊂ R.
• real de variável real, se A ⊂ R e B ⊂ R.
• de variável complexa, se A ⊂ C.
• complexa, se B ⊂ C.
• complexa de variável complexa, se A ⊂ C e B ⊂ C.
Nosso interesse está no último tipo de funções.
Seja Ω um subconjunto não-vazio de C. Uma função complexa de variável complexa ou
a valores complexos sobre Ω é uma lei f que a cada z ∈ Ω associa um único elemento de C,
denotado por f (z), o qual chamamos de imagem de z por f . Usa-se a notação

f : Ω −→ C

para representar a função f definida em Ω ⊆ C que toma valores em C. Normalmente f é


definida por uma expressão e neste caso seu domı́nio é o conjunto dos pontos para os quais
essa expressão faz sentido.
1
Exemplo 12: f (z) = . Então Df = Im(f ) = {z ∈ C|z 6= 0}.
z
Como f (z) ∈ C para todo z ∈ C, existe uma parte real e uma parte imaginária, então

f (z) = Re[f (z)] + Im[f (z)] · i

47
As grandezas Re[f (z)], Im[f (z)] variam com z e como z = x + yi = (x, y) as funções reais

u(z) = u(x, y) = Re[f (x, y)] e v(z) = v(x, y) = Im[f (x, y)]

dadas por
u(z) : Ω −→ R e v(z) : Ω −→ R
z 7→ Re[f (z)] z 7→ Im[f (z).
estão bem definidas e são chamadas de partes real e imaginária de f , respectivamente. É óbvio
que elas são funções reais de duas variáveis reais, ou seja, são funções da mesma natureza
daqueles estudadas no cálculo 2.
Exemplo 13: Considere f (z) = z −1 e determine sua parte real e sua parte imaginária.
Ja vimos que essa função está definida para z ∈ C, z 6= 0. Então
1 z x y
f (z) = = 2 = 2 2
− 2 · i.
z |z | x +y x + y2
Logo
x y
u(x, y) = e v(x, y) = − 2 (x, y) 6= (0, 0).
x2+y 2 x + y2
são a parte real e imaginária de de f . Observe que são funções reais de duas variáveis.

4.1.1 Polinômios
Definição 4.1 (polinômio): Dados os números complexos a0 , a1 , . . . , an a função
n
X
p(z) = a0 + a1 z, . . . , an z n = aj z j
j=0

é chamada de função polinomial ou polinômio de grau n com coeficientes a0 , a1 , . . . , an .

Teorema 4.1: Se p é um polinômio de coeficientes reais então p(z) = p(z).

Demonstração: seja

p(z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + . . . + an−1 z n−1 + an z n

um polinômio com coeficientes reais. Tomemos z na forma polar z = |z|(cos θ + isen θ), então

z j = |z|j (cos θj + isen θj )

daı́

z j = |z|j (cos θj + isen θj ) = |z|j (cos θj + isen θj )


= |z|j [cos θj − isen θj ] = |z|j [cos (−θj ) + isen (−θj )]
= |z|j (cos (−θj ) + isen (−θj )) = (z)j

Portanto,
z j = (z)j , ∀ j = 1, 2, 3, . . . , n.

48
Com esta informação mostremos que p(z) = p(z).
p(z) = a0 + a1 z + a2 z 2 + . . . + an−1 z n−1 + an z n
= a0 + a1 z + a2 z 2 + . . . + an−1 z n−1 + an z n
= a0 + a1 z + a2 z 2 + . . . + an−1 z n−1 + an z n
= a0 + a1 z + a2 (z)2 + . . . + an−1 (z)n−1 + an (z)n = p(z)
Portanto, p(z) = p(z). E o teorema fica demonstrado.
Decorre desse resultado que as raı́zes complexas de um polinômio de coeficientes reais
sempre ocorrerem em pares conjugados, ou seja, se z é raı́z, então seu conjungado z também
é raı́z.
A hipótese de que os coeficientes sejam reais é fundamental, sem ela a tese não se verifica.
Exemplo 14: considere o polinômio
p(z) = z 2 + (2 + i)z − 1 − 5i.
seus coeficientes são 2, 2 + i e − 1 − 5i, dois deles não são reais, por isso acontece
p(1 + i) = 0 mas p(1 + i) = p(1 − i) = 2 − 8i 6= 0.
Definição 4.2: seja Ω ⊂ C e f : Ω −→ C. Dizemos que f é limitada se existe k > 0 tal
que
|f (z)| 6 k, ∀ z ∈ Ω
Se uma função não é limitada, é dita ilimitada.
Exemplo 15: toda função constante é limitada. Os polinômios são exemplos de funções
ilimitadas.

4.1.2 Reta, segmento de reta e circunferência


É conveniente expressar as curvas estudadas na Geometria Analı́tica: retas, circun-
ferência, elipse etc, em função de operações complexas. Na geometria analı́tica, são utilizadas
operações reais para descrever equações que as coordenadas dos pontos que estão sobre estas
curvas devem satisfazer. Entretanto, para o estudo pretendido, é mais adequado expressá-las
em termos do ponto z e de seu conjugado z utilizando operações complexas. O que vimos
dos complexos até aqui é suficiente para garantir essa passagem.
Teorema 4.2 (reta que passa por dois pontos): Sejam z1 , z2 ∈ C, a reta que passa por
esses dois pontos é dada por
z = z1 + t(z2 − z1 ), t ∈ R.
Demonstração: como C é um espaço vetorial sobre R, a diferença z2 − z1 é um vetor em C.
Para um ponto z ∈ C pertencer a reta que passa por z1 e z2 basta que os vetores z − z1 e
z2 − z1 sejam paralelos, ou seja, basta que exista t ∈ R tal que
z − z1 = t(z2 − z1 ) condição de paralelismo
Portanto, os ponto que pertencem a reta que passa por z1 e z2 são aqueles que satisfazem
a equação
z = z1 + t(z2 − z1 ), t ∈ R.
E o teorema fica demonstrado.

49
Corolário 1 (segmento de reta): Sejam z1 , z2 ∈ C, o segmento de reta que une esses dois
pontos é dado por
z = z1 + t(z2 − z1 ), t ∈ [0, 1].

Demonstração: pelo teorema 4.2 a reta que passa por z1 e z2 tem equação dada por

z = z1 + t(z2 − z1 ), t ∈ R.

Basta restringir o parâmetro t ao intervalo [0, 1] e observar que quando t percorre esse inter-
valo z percorre os pontos de z1 a z2 .

Corolário 2: Sejam z1 , z2 ∈ C, a reta que passa por esses dois pontos é dada por
 
z − z1
Im = 0.
z2 − z1

Demonstração: pelo teorema 4.2 a reta que passa por z1 e z2 tem equação dada por

z = z1 + t(z2 − z1 ), t ∈ R.

Considerando a imersão de R em C e operando com as operações complexas tem-se


z − z1
= t ∈ R.
z2 − z1
Portanto, um complexo z pertence a reta que passa por z1 e z2 se e somente se
z − z1
z2 − z1
é um número real, portanto, se e somente se
 
z − z1
Im = 0.
z2 − z1

Teorema 4.3 (reta): A equação da reta que passa em (x0 , y0 ) e tem incliação m é dada em
R e C, respectivamente, por

y − y0 = m(x − x0 ) e (m + i)z + m + iz + c = 0, c = 2(y0 − mx0 ).

Demonstração: a equação y − y0 = m(x − x0 ) é conhecida desde o Ensino Médio de modo


que não precisa de demonstração. Vamos utilizá-la para deduzir a fórmula complexa.

y − y0 = m(x − x0 ) ⇐⇒ y − mx − y0 + mx0 = 0 (4.1)

Para todo z ∈ C, z = (x, y) = x + yi tem-se


z+z
z + z = 2x =⇒ x = (4.2)
2
−iz + iz
z − z = 2yi =⇒ y = (4.3)
2
50
substituindo as equações 4.2 e 4.3 em 4.1 tem-se
 
−iz + iz z+z
−m − y0 + mx0 = 0 ⇐⇒ ×(−2)
2 2
iz − iz + mz + mz + 2y0 − 2mx0 = 0 ⇐⇒
mz + iz + mz − iz + 2y0 − 2mx0 = 0 ⇐⇒ c = 2y0 − 2mx0
(m + i)z + (m − i)z + c = 0 ⇐⇒
(m + i)z + (m + i)z + c = 0.
E o teorema fica demonstrado. Observe que a equação pode ser posta na forma
Re[(m + i)z] + c = 0.
O coeficiente angular da reta determina sua direção. Dizer que uma reta tem coeficiente
angular m é o mesmo que dizer que ela tem a direção do vetor d = (1, m).

m
v

θ
1

Portanto, dada uma direção arbitrária d = (a, b) e um ponto (x0 , y0 ) = x0 +iy0 faz sentido
perguntar como seria a equação da reta que passa nesse ponto e tem essa direção.
Teorema 4.4 (reta): a equação da reta que passa em (x0 , y0 ) e tem direção d = (a, b) é
(b + ai)z + (b + ai)z + c = 0, c = 2y0 a − 2x0 b.

Demonstração: Vamos utilizar o teorema 4.3 para demonstrar este resultado sem esforço.
Se a ou b for zero a reta é paralela a um dos eixos, portanto vamos considerar ambos não
nulos. Os vetores  
b b
d = (a, b) e 1, = (1, m), m =
a a
representam a mesma direção, mas o segundo está na forma do teorema 4.3, então, usando
este resultado tem-se que a equação da reta que passa por (x0 , y0 ) = x0 + iy0 e tem a direção
de d = (a, b) é:
   
b b
+i z+ + i z + c = 0 ⇐⇒ ×(a)
a a
(b + ai)z + b + aiz + c = 0 ⇐⇒ c = 2y0 a − 2x0 b
E o teorema fica provado. A tese desse teorema também pode ser escrita na forma
Re[(b + ai)z] + c = 0, c = 2y0 a − 2x0 b.
Exemplo 16: determine a equação

51
1. do segmento de reta que une os pontos z1 = 1 + i e z2 = 3 − i.

2. da reta que passa pelos pontos z1 = 1 + i e z3 = −1 − 2i usando o teorema 4.2.

3. da reta que passa pelos pontos z1 = 1 + i e z3 = −1 − 2i usando o teorema 4.4

Resolução

1. pelo corolário 1 a equação é

z = 1 + i + t(2 − 2i), t ∈ [0, 1].

2. basta levar os valores z1 = 1 + i e z2 = −1 − 2i ao teorema 4.2. Tem-se

z = 1 + i + t(−2 − 3i), t ∈ R.

3. as hipóteses do teorema 4.4 são um ponto e uma direção d. Como foram dados dois
pontos escolhemos um (z1 ) e definimos a direção

d = z2 − z1 =⇒ d = −1 − 2i − (1 + i) =⇒ d = −2 − 3i = (−2, −3)

Por fim, aplicando o teorema 4.4 com o ponto z1 = 1 + i e a direção d = (−2, −3) temos

(−3 − 2i)z + (−3 − 2i)z + (2 · 1 · (−2) − 2 · 1 · (−3)) = 0

Portanto a equação da reta é

(−3 − 2i)z + (−3 + 2i)z + 2 = 0

z1

z2

z3

Teorema 4.5 (circunferência): no plano complexo a equação da circunferência com centro


em w e raio r > 0, C(w, r) = {z ∈ C; |z − w| = r} é

zz − zw − zw + c = 0, c = |w|2 − r2 . (4.4)

52
Demonstração: se z ∈ C pertence à circunferência de centro em w e raio r então |z − w| = r,
daı́ vem
|z − w| = r ⇐⇒ |z − w|2 = r2 ⇐⇒ (z − w)z − w = r2 ⇐⇒ zz − zw − zw + ww = r2
Defina c = ww − r2 = |w|2 − r2 =⇒ c ∈ R e
zz − zw − zw + c = 0.
Exemplo 17: determinar a equação dos pontos que pertencem a circunferêcia de raio 3 e tem
centro em w = 1 + i.
Pelos dados tem-se w = 1 + i e r = 3 =⇒ c = |w|2 − r2 = 2 − 9 = −7. Então a equação
da circunferência de centro w = 1 + i e raio 3 é
zz − z(1 − i) − z(1 + i) − 7 = 0.
Exemplo 18: determine o centro e o raio da circunferência descrita pela equação
1. zz + z(i − 2) + z(−2 − i) − 4 = 0
2. zz + z(3 + 2i) − z(−3 + 2i) + 12 = 0
Resolução (1): basta colocar a equação dada na forma da equação da circunferência, então
zz − z(2 − i) − z(2 + i) − 4 = 0
Daı́ vem w = 2 − i e c = −4. Então
|w2 | − r2 = −4 ⇐⇒ 5 − r2 = −4 ⇐⇒ r2 = 9 ⇐⇒ r = 3.
Portanto a circunferência tem centro em w = 2 − i e raio r = 3.
Resolução (2): basta colocar a equação dada na forma da equação da circunferência, então
zz − z(−3 − 2i) − z(−3 + 2i) + 12 = 0
Daı́ vem w = −3 + 2i e c = 12. Então
|w2 | − r2 = 12 ⇐⇒ 13 − r2 = 12 ⇐⇒ r2 = 1 ⇐⇒ r = 1.
Portanto a circunferência tem centro em w = −3 + 2i e raio r = 1.

S(−3 + 2i, 1)
1
S(2 − i, 3)
2

2
−3
−1 3

53

z − i
Exemplo 19: descreva o lugar geométrico dos ponto que satisfazem = 2.
z + i
Resolução:
z − i 2 2
z + i = 2 ⇐⇒ |z − i| = 2|z + i| ⇐⇒ 4|z + i| = |z − i|

Daı́, lembrando que |z|2 = zz tem-se

4(z + i)(z + i) = (z − i)(z − i) ⇐⇒


4(z + i)(z + i) = (z − i)(z − i) ⇐⇒
4(z + i)(z − i) = (z − i)(z + i) ⇐⇒
4(zz − iz + iz − i2 ) = zz + iz − iz − i2

Reduzindo os termos semelhantes tem-se


5i 5i
3zz − 5iz + 5iz + 3 = 0 ⇐⇒ zz − z+ z+1=0
3 3
5i
Esta última equação está na forma da equação da circunferência com centro em w = − e
3
c = 1. Contudo, ela também pode representar o conjunto vazio se não houver r > 0 tal que

|w|2 − r2 = c.
5i
Mas, como w = − e c = 1 então |w| = 35 . Daı́
3
 2  2  2
5 2 5 25 16 4
− r = 1 =⇒ r = −1= −1= =⇒ r = pois r > 0.
3 3 9 9 3

Então a equação dada é equivalente a


   
5i 5i
zz − z − −z − +1=0
3 3
4
que é a equação da circunferência com centro em w = − 5i3 e raio r = .
3

− 5i3

54
4.2 Funções contı́nuas
O estudo das funções contı́nuas reais de uma variável real, feito no primeiro curso de
análise, estabelece os fatos e conceitos topológicos essenciais à análise. Nesta seção, ali-
cerçados pela experiência adquirida, vamos fazer a mesma coisa, agora para o conjunto dos
números complexos.
Intuitivamente a noção de função contı́nua, em qualquer espaço métrico, consiste em poder
tomar f (z) tão próximo de f (w) quanto se queira, desde que se tome z convenientemente
próximo de w. Quando isso é possı́vel para uma função f em algum ponto de seu domı́nio,
dizemos que f é contı́nua neste ponto.
Há várias maneiras de descrever formalmente essa noção, vamos estabelecer a definição
com a seguinte redação.
Definição 4.3: seja Ω ⊆ C um conjunto não vazio. Uma função f : Ω −→ C é dita contı́nua
em w ∈ Ω quando, para qualquer ε > 0, existe δ(w, ε) > 0 tal que

z∈Ω e |z − w| < δ =⇒ |f (z) − f (w)| < ε (4.5)

Note a grande semelhança entre a definição de continuidade e de limite, e observe também


as diferenças. A noção de continuidade só faz sentido para um ponto do domı́nio da função,
diferente do que ocorre para a noção de limite.
Em termos de discos a continuidade de f no ponto w assume a seguinte forma:
Definição 4.4: para todo disco aberto D com centro em f (w) ∈ C existe um disco X de
centro em w ∈ Ω tal que
f (X ∩ Ω) ⊂ D.

Quando f é continua em todos os pontos de seu domı́nio dizemos simplesmente que f é


contı́nua.
Exemplo 20: seja Ω ⊂ C e f : Ω −→ C uma função. Se w é um ponto isolado de Ω então f
é contı́nua em w.
Como w é ponto isolado existe δ > 0 tal que D(w, δ) ∩ Ω = {w}. Então, para qualquer
ε > 0 tome o δ mencionado, assim

f (D(w, δ) ∩ Ω) = {f (w)} ⊂ D(f (w), ε)

Exemplo 21: toda transformação linear T : C −→ C é contı́nua.


De maneira informal podemos afirmar que a composta de duas funções contı́nuas, quando
estiver definida, também será contı́nua. A rigor esse fato é expresso no teorema seguinte
Teorema 4.6: sejam D ⊂ C, Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e g : D −→ C. Se f é contı́nua em
w ∈ Ω, f (Ω) ⊆ D e g é contı́nua em f (w), então g ◦ f : Ω −→ C é contı́nua em w.

Demonstração: seja ε > 0, como g é contı́nua em f (w) existe γ > 0 tal que

t ∈ D, |t − f (w)| < γ =⇒ |g(t) − g(f (w))| < ε (4.6)

Como f é contı́nua em w a condição t ∈ D, |t − f (w)| < γ implica que existe δ > 0 tal
que
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |f (z) − f (w)| < γ (4.7)

55
De 4.6 e 4.7 tem-se

z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |g(t) − g(f (w))| < ε

Isso encerra a demonstração do teorema.

Teorema 4.7: as projeções π1 : C −→ R e π2 : C −→ R definidas por

π1 (z) = Re(z) e π2 (z) = Im(z)

são contı́nuas.

Demonstração: dado qualquer w ∈ C e qualquer ε > 0, tome δ = ε. Então para todo z ∈ C


tal que |z − w| < δ tem-se

|π1 (z) − π1 (w)| = |Re(z) − Re(w)| 6 |z − w| < δ = ε.

|π2 (z) − π2 (w)| = |Im(z) − Im(w)| 6 |z − w| < δ = ε.


Portanto π1 e π2 são contı́nuas.

Dada uma função f : Ω −→ C tem-se

Re(f ) = u(z) = (π1 ◦ f )(z) e Im(f ) = v(z) = (π2 ◦ f ))(z)

e para todo z ∈ Ω tem-se

f (z) = u(z) + iv(z) = (π1 ◦ f )(z) + i(π2 ◦ f )(z)

ja sabı́amos dessa igualdade, a novidade aqui é que as funções parte real e parte imaginária
são projeções. As funções π1 ◦ f e π2 ◦ f são chamadas de funções coordenadas.

Teorema 4.8: uma função f : Ω −→ C é contı́nua se, e somente se, suas funções coordena-
das são contı́nuas.

Demonstração: (⇒) seja w ∈ Ω. Como f é contı́nua, para qualquer ε > 0 existe δ > 0 tal
que
z ∈ Ω e |z − w| < δ =⇒ |f (z) − f (w)| < ε (4.8)
Como

|Re(f (z)) − Re(f (w))| 6 |f (z) − f (w)| e |Im(f (z)) − Im(f (w))| 6 |f (z) − f (w)|

A equação 4.8 fornece

z ∈ Ω e |z − w| < δ1 =⇒ |Re(f (z)) − Re(f (w))| < ε

e
z ∈ Ω e |z − w| < δ2 =⇒ |Im(f (z)) − Im(f (w))| < ε
Portanto, as funções coordenadas são contı́nuas em w.

56
(⇐) se as funções coordenadas são contı́nuas em w, qualquer que seja ε > 0 existem
δ1 > 0, δ2 > 0 tais que

ε2
|z − w| < δ1 =⇒ |Re(f (z)) − Re(f (w))| < , e
2
ε2
|z − w| < δ2 =⇒ |Im(f (z)) − Im(f (w))| <
2
Tome δ = min {δ1 , δ2 }, então para todo z ∈ Ω tal que |z − w| < δ tem-se
r
p ε2 ε2
|f (z) − f (w)| = [Re(f (z)) − Re(f (w))]2 + [Im(f (z)) − Im(f (w))]2 < + =ε
2 2
Portanto, f é contı́nua e o teorema fica demonstrado.

Teorema 4.9: sejam f : Ω −→ C e g : Ω −→ C funções contı́nuas em w ∈ C. Então,


são contı́nuas em w as funções

(a) αf (z) + βg(z) para quaisquer α, β ∈ C.

(b) f (z)g(z).
1
(c) , se g(z) 6= 0, ∀z ∈ Ω.
g(z)
f (z)
(d) , se g(z) 6= 0, ∀z ∈ Ω.
g(z)

Demonstração:

(a) nos casos α = 0 ou β = 0 ou α = β = 0 a tese se verifica trivialmente. Portanto, vamos


supor que essas constantes são ambas não nulas. Como f e g são contı́nuas, para todo
ε > 0 existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tal que
ε
z ∈ Ω, |z − w| < δ1 =⇒ |f (z) − f (w)| < , α ∈ C∗
2|α|
ε
z ∈ Ω, |z − w| < δ2 =⇒ |g(z) − g(w)| < , β ∈ C∗
2|β|
Tome δ = min {δ1 , δ2 }, então, quaisquer que sejam α, β ∈ C∗ e |z − w| < δ tem-se

|αf (z) + βg(z) − (αf (w) + βg(w))| = |αf (z) − αf (w) + βg(z) − βg(w)|
6 |α||f (z) − f (w)| + |β||g(z) − g(w)|
ε ε
< |α| + |β|
2|α| 2|α|
ε ε
= + =ε
2 2

Portanto, αf (z) + βg(z) é contı́nua.

57
(b) vamos aplicar a definição de continuidade três vezes com valores convenientes de ε0 s e
δ 0 s, como a definição vale para todo ε, vale em particular para esses valores escolhidos.
Seja w ∈ Ω e ε > 0, devemos encontrar δ > 0 tal que

z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |f (z)g(z) − f (w)g(w)| < ε

Tome ε1 = 1, como f é contı́nua em w existe δ1 > 0 tal que

z ∈ Ω, |z − w| < δ1 =⇒ |f (z) − f (w)| < 1

Mas
|f (z)| = |f (z) − f (w) + f (w)| 6 |f (z) − f (w)| + |f (w)|
Portanto
z ∈ Ω, |z − w| < δ1 =⇒ |f (z)| 6 1 + |f (w)| (4.9)
ε
Tome ε2 = , pela definição de continuidade existe δ2 > 0 tal que
2(1 + |g(w)|)
ε
z ∈ Ω, |z − w| < δ2 =⇒ |f (z) − f (w)| < ε2 = (4.10)
2(1 + |g(w)|)

ε
Tome ε3 = , pela definição de continuidade existe δ3 > 0 tal que
2(1 + |f (w)|)
ε
z ∈ Ω, |z − w| < δ3 =⇒ |g(z) − g(w)| < ε3 = (4.11)
2(1 + |f (w)|)

Defina δ = {δ1 , δ2 , δ3 }. Para todo z ∈ Ω tal que |z − w| < δ tem-se

|f (z)g(z) − f (w)g(w)| = |f (z)g(z) − f (z)g(w) + f (z)g(w) − f (w)g(w)|


= |f (z)[g(z) − g(w)] + g(w)[f (z) − f (w)]|
6 |f (z)[g(z) − g(w)]| + |g(w)[f (z) − f (w)]|
= |f (z)||g(z) − g(w)| + |g(w)||f (z) − f (w)|
ε ε
< (1 + |f (w)|) + |g(w)|
2(1 + |f (w)|) 2(1 + |g(w)|)
ε ε |g(w)|
< + = ε pois <1
2 2 1 + |g(w)|

Portanto
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |f (z)g(z) − f (w)g(w)| < ε.
Assim f g é contı́nua e o item (b) do teorema fica provado.

(c) seja ε > 0, devemos encontrar δ > 0 tal que



1 1
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒
− < ε.
g(z) g(w)

58
Note que
1 1 |g(w) − g(z)| |g(z) − g(w)|
g(z) − g(w) = |g(w)||g(z)| = |g(w)||g(z)| (4.12)

1
Então vamos buscar majorantes para os termos |g(z) − g(w)| e .
|g(z)|
ε |g(w)|
Defina ε1 = |g(w)|2 e ε2 = . Como g é contı́nua em w, pela definição de
2 2
continuidade existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que
ε
z ∈ Ω, |z − w| < δ1 =⇒ |g(z) − g(w)| < ε1 = |g(w)|2 (4.13)
2
|g(w)|
z ∈ Ω, |z − w| < δ2 =⇒ |g(z) − g(w)| < ε2 = (4.14)
2
Como

|g(w)| = |g(w) − g(z) + g(z)|


6 |g(w) − g(z)| + |g(z)|
= |g(z) − g(w)| + |g(z)|

|g(z)| > |g(w)| − |g(z) − g(w)|

Substituinto nessa última inequação a majoração dada em 4.14 tem-se


|g(w)| |g(w)|
z ∈ Ω, |z − w| < δ2 =⇒ |g(z)| > |g(w)| − |g(z) − g(w)| > |g(w)| − =
2 2
Portanto,
1 2
z ∈ Ω, |z − w| < δ2 =⇒ < (4.15)
|g(z)| |g(w)|
Tome δ = min{δ1 , δ2 }, então
ε 1 2
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |g(z) − g(w)| < |g(w)|2 e <
2 |g(z)| |g(w)|
Daı́, e considerando a equação 4.12 tem-se

1 1 |g(w) − g(z)| 1 ε 2
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ − = < |g(w)|2 =ε
g(z) g(w) |g(w)||g(z)| |g(w)| 2 |g(w)|
Portanto
1 1
g(z) g(w) < ε sempre que |z − w| < δ

E o item (c) do teorema fica provado.

(d) como g(z) é continua e não se anula, pelo item (c) h : Ω −→ C dada por
1
h(z) =
g(z)

59
é contı́nua. Como f é contı́nua, pelo item (b) deste teorema, f h : Ω −→ C definida por
1 f (z)
f (z)h(z) = f (z) =
g(z) g(z)
é contı́nua. Portanto
f (z)
g(z)
é contı́nua e o item (d) do teorema fica provado.
Para encerrar essa seção vamos enunciar e demonstrar o um resultado que caracteriza a
continuidade por meio de sequência convergente. Resultado idêntico ao seu correspondente
para funções reais de uma variável real.
Teorema 4.10: seja Ω ∈ C e w ∈ Ω. A função f : Ω −→ C é contı́nua em w se, e somente
se, para toda sequência de pontos zn ∈ Ω com lim zn = w, tem-se lim f (zn ) = f (w).
n→+∞ n→+∞

Demonstração: (⇒) seja f : Ω −→ C uma função contı́nua em w e zn ∈ Ω uma sequência


que converge a w, ou seja, lim zn = w. Pela definição de continuidade, para todo ε > 0
n→+∞
existe δ > 0 tal que
z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |f (z) − f (w)| < ε
Como zn converge a w existe p ∈ N tal que

n > p =⇒ |f (zn ) − f (w)| < ε

Logo lim f (zn ) = f (w). Suponha, por absurdo, que a resı́proca não seja verdadeira, ou
n→+∞
seja, f não é contı́nua em w. Então existe ε > 0 tal que para qualquer δ > 0 não se verifica

z ∈ Ω, |z − w| < δ =⇒ |f (z) − f (w)| < ε

Então, para cada p ∈ N podemos obter zn ∈ Ω tal que


1
|zn − w| < e |f (zn ) − f (w)| > ε
p
Então a sequência (zn ) converge a w mas, contradizendo a hipótese, f (zn ) não converge a
f (w). Isso encerra a demonstração.

4.3 Limite
Definição 4.5 (limite): Sejam Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e w um ponto de acumulação de Ω, ou
seja, w ∈ Ω0 . Dizemos que existe o limite de f em w se existir L ∈ C tal que para todo ε > 0
existe δ(ε) > 0 de modo que

∀ z ∈ Ω tal que 0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − L| < ε

neste caso escrevemos


lim f (z) = L.
z→w

60
O leitor deve observar que essa definição é estruturalmente a mesma de limite de funções
reais de uma variável real, mas o espaço, os elementos e o módulo aqui são bem diferentes.
Convém ressaltar que a expressão 0 < |z − w| < δ diz que z pertence ao disco furado

D (w, δ), ou seja, z 6= w embora possa aproximar-se arbitrariamente dele. O limite de f em w
significa que dado qualquer disco D(L, ε), ε > 0, sempre existe um outro disco D(w, δ), δ > 0
cujos pontos distintos de w e que estão em Ω são mandados por f em D(L, ε), ou seja, a
definição pode ser reescrita assim

∀ε > 0, ∃ δ(ε) > 0; f (D∗ (w, δ) ∩ Ω) ⊆ D(L, ε).

Para que a definição de limite tenha sentido é fundamental que w seja um ponto de
acumulação do domı́nio da função, sem essa premissa qualquer complexo L poderia ser limite
e a definição perderia o sentido. Se for considerada a definição de limite sem que w seja um
ponto de acumulação do domı́nio de f , então existe δ > 0 tal que o disco furado D∗ (w, δ)
não contem pontos do domı́nio de f , ou seja, não existe z ∈ Ω que satisfaça 0 < |z − w| < δ.
Portanto, se escolhermos este δ para qualquer ε > 0, a definição de limite será satisfeita, pois
se não existe z ∈ Ω que satisfaça 0 < |z − w| < δ a implicação

0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − L| < ε

é satisfeita com qualquer L. Dito de outro modo, nos termos da reescrita da definição de
limite, se não existe z ∈ Ω que satisfaça 0 < |z − w| < δ, então a interseção do disco furado
D∗ (w, δ) com o domı́nio de f é vazia, ou seja, D∗ (w, δ) ∩ Ω = ∅. Daı́ segue que

∅ = f (D∗ (w, δ) ∩ Ω) ⊂ D(L, ε)

A afirmação lim f (z) = L nada diz a respeito do valor da função em w, mesmo que se
z→w
tenha w ∈ Ω, o limite descreve apenas o comportamento de f (z) quando z está próximo de w
mas é diferente de w. O limite não exige que w pertença ao domı́nio da função, na verdade,
/ Ω mas w ∈ Ω0 .
os casos de maior interesse são aqueles em que w ∈

Teorema 4.11 (unicidade do limite): seja Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e w ∈ Ω0 . O limite de


f em w, quando existir, será único.

Demonstração: suponha que

lim f (z) = L e lim f (z) = M


z→w z→w

Neste caso, pela definição de limite, para qualquer ε > 0 existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que
para
ε
z ∈ C e |z − w| < δ1 =⇒ |f (z) − L| <
2
ε
z ∈ C e |z − w| < δ2 =⇒ |f (z) − M | <
2
Defina δ = min{δ1 , δ2 }. Como w ∈ Ω0 , existe t ∈ C tal que 0 < |t − w| < δ. Então

61
|L − M | = |L − f (t) + f (t) − M | (4.16)
= |(L − f (t)) + (f (t) − M )| (4.17)
6 |L − f (t)| + |f (t) − M | (4.18)
= |f (t) − L| + |f (t) − M | (4.19)
ε ε
< + =ε (4.20)
2 2
Logo |L − M | < ε para todo ε > 0, isso implica que |L − M | = 0, então L = M . Portanto,
o limite é único.

Teorema 4.12: sejam w, k ∈ C fixos. Então

1. lim k = k 2. lim z = w 3. lim z = w 4. lim |z| = |w|


z→w z→w z→w z→w

Demonstração: em todos os casos a demonstração pode ser feita tomando δ = ε.

Teorema 4.13: seja Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e w ∈ Ω0 . Se lim f (z) = L então f é limitada


z→w
em algum disco aberto contendo w.

Demonstração: de fato. Como lim f (z) = L, para ε = 1 a definição de limite assegura que
z→w
existe δ > 0 talque
z ∈ Ω, 0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − L| < 1
|f (z)| = |f (z) − L + L| 6 |f (z) − L| + |L| < 1 + |L| =⇒ |f (z)| 6 1 + |L|
Pomha k = 1 + |L| e D(w, δ). O teorema está demonstrado.

Teorema 4.14: seja Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e w ∈ Ω0 . Para que se tenha lim f (z) = L é


z→w
necessário e suficiente que lim f (zn ) = L para toda sequência de pontos zn ∈ Ω − {w} tal
z→w
que lim zn = w.
n→+∞

Demonstração: (⇒) suponha que lim f (z) = L e que lim zn = w com zn ∈ Ω − {w}.
z→w n→+∞
Dado ε > 0 existem m ∈ N e δ > 0 tais que

para todo n > m =⇒ 0 < |zn − w| < δ e


z ∈ Ω, 0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − L| < ε

Daı́ tem-se
∀ n > m, |f (zn ) − L| < ε =⇒ lim f (zn ) = L.
n→+∞

(⇐) suponha, por absurdo, que lim f (zn ) = L para toda sequência zn que converge a w
n→+∞
mas não se tenha lim f (z) = L. Então existe um ε > 0 para o qual qualquer que seja δ > 0
z→w

z ∈ Ω, 0 < |z − w| < δ não implica |f (zn ) − L| < ε (4.21)

62
1
Então, para esse ε > 0 escolhemos δ = . Pela equação 4.21 e pela definição sequência
n
convergente, existe zn tal que

zn ∈ Ω, 0 < |zn − w| < δ e |f (zn ) − L| > ε

Isso contradiz a hipótese de que lim f (zn ) = L. E o teorema fica demonstrado.


z→w

Teorema 4.15: sejam f, g funções tais que lim f (z) = L e lim g(z) = M . Então
z→w z→w

(a) para quaisquer α, β ∈ C

lim (αf (z) + βg(z)) = α · L + β · M.


z→w

(b) lim f (z)g(z) = LM .


z→w

1 1
(c) Se lim g(z) = M 6= 0 =⇒ lim = .
z→w z→w g(z) M

f (z) lim f (z) L


(d) Se lim g(z) = M 6= 0 =⇒ lim = z→w =
z→w z→w g(z) lim g(z) M
z→w

Demonstração:

(a) é simples e, sem óbices, fica ao leitor.

(b) a demonstração é idêntica ao caso real, vamos aplicar a definição três vezes com valores
convenientes de ε0 s e δ 0 s, como a definição vale para todo ε, vale em particular para
esses valores escolhidos.
Seja ε > 0, devemos encontrar δ > 0 tal que

|f (z)g(z) − LM | < ε sempre que |z − w| < δ

Tome ε1 = 1, como lim f (z) = L existe δ1 > 0 tal que


z→w

|f (z) − L| < 1 sempre que |z − w| < δ1

Mas
|f (z)| = |f (z) − L + L| 6 |f (z) − L| + |L|
Portanto
|f (z)| 6 1 + |L| sempre que |z − w| < δ1 (4.22)
ε
Tome ε2 = , pela definição de limite existe δ2 > 0 tal que
2(1 + |M |)
ε
|f (z) − L| < ε2 = sempre que |z − w| < δ2 (4.23)
2(1 + |M |)

63
ε
Tome ε3 = , pela definição de limite existe δ3 > 0 tal que
2(1 + |L|)
ε
|g(z) − M | < ε3 = sempre que |z − w| < δ3 (4.24)
2(1 + |L|)

Defina δ = {δ1 , δ2 , δ3 }, sempre que |z − w| < δ tem-se

|f (z)g(z) − LM | = |f (z)[g(z) − M ] + M [f (z) − L]|


6 |f (z)[g(z) − M ]| + |M [f (z) − L]|
= |f (z)||g(z) − M | + |M ||f (z) − L|
ε ε
< (1 + |L|) + |M |
2(1 + |L|) 2(1 + |M |)
ε ε |M |
< + = ε pois <1
2 2 1 + |M |
Portanto
|f (z)g(z) − LM | < ε sempre que |z − w| < δ.
E o item (b) do teorema fica provado.

(c) seja ε > 0, devemos encontrar δ > 0 tal que



1 1
g(z) − M < ε sempre que |z − w| < δ

Note que
1 1 |M − g(z)| |g(z) − M |
g(z) − M = |M ||g(z)| = |M ||g(z)|

1
Então vamos buscar majorantes para os termos |g(z) − M | e .
|g(z)|
ε |M |
Defina ε1 = |M |2 e ε2 = . Como lim g(z) = M , pela definição de limite
2 2 z→w
existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que
ε
|g(z) − M | < ε1 = |M |2 sempre que |z − w| < δ1 (4.25)
2
|M |
|g(z) − M | < ε2 = sempre que |z − w| < δ2 (4.26)
2
Como

|M | = |M − g(z) + g(z)|
6 |M − g(z)| + |g(z)|
= |g(z) − M | + |g(z)|

|g(z)| > |M | − |g(z) − M |

64
Substituinto nessa última inequação a majoração dada em 4.26 tem-se
|M | |M |
|g(z)| > |M | − |g(z) − M | > |M | − = sempre que |z − w| < δ2
2 2
Portanto,
1 2
< sempre que |z − w| < δ2 (4.27)
|g(z)| |M |
Tome δ = min{δ1 , δ2 }, então
ε 1 2
|g(z) − M | < |M |2 e < sempre que |z − w| < δ
2 |g(z)| |M |
Daı́

1 1 |M − g(z)| 1 ε 2 2
g(z) − M = |M ||g(z)| < |M | 2 |M | |M | = ε sempre que |z − w| < δ (4.28)

Portanto
1 1
g(z) M < ε sempre que |z − w| < δ

E o item (c) do teorema fica provado.

(d) basta lembrar que


   
f (z) 1 1 L
lim = lim f (z) =L =
z→w g(z) z→w g(z) M M
Portanto
f (z) lim f (z) L
lim = z→w =
z→w g(z) lim g(z) M
z→w

E o item (d) do teorema fica provado.


Considere a função identidade em C, isto é, f (z) = z, para todo z ∈ C. É evidente que
lim z = w para qualquer w ∈ C. O teorema 4.15 nos dá
z→w
 2
lim [f (z) · f (z)] = lim f (z) · lim f (z) = lim f (z)
z→w z→w z→w z→w

Portanto
lim z 2 = w2
z→w

O mesmo teorema, aplicado n − 1 vezes fornece

lim z n = wn , ∀w ∈ C.
z→w

Segue dai, com o auxı́lio das outras partes do teorema 4.15 que, para todo polinômio
n
X
n
p(z) = a0 + a1 z, . . . , an z = aj z j
j=0

65
tem-se
lim p(z) = p(w) qualquer que seja w ∈ C.
z→w

p(z)
Também para uma função racional f (z) = , quociente de dois polinômio, tem-se
q(z)

p(z) p(w)
lim f (z) = f (w), ou seja lim =
z→w z→w q(z) q(w)

desde que o demoninador não se anule em w, ou seja, desde que q(w) 6= 0. Quando q(w) = 0
o polinômio q(z) é divisı́vel por z − w, então podemos escrever

q(z) = (z − w)m q1 (z)

em que m ∈ N, m > é a multiplicidade de w e q1 (z) não é divisı́vel por z − w, ou seja,


q1 (w) 6= 0. Também podemos por

p(z) = (z − w)n p1 (z)

em que n ∈ N é a multiplicidade de w e p1 (z) não é divisı́vel por z − w, ou seja, p1 (w) 6= 0.


Se p(w) 6= 0 então n = 0 e p1 (z) = p(z). Há três casos a considerar

Se m < n então
(z − w)n p1 (z)
 
p(z) n−m p1 (z) p(w)
lim = lim = lim (z − w) =0· =0
z→w q(z) z→w (z − w)m q1 (z) z→w q1 (z) q(w)

Se m = n então
p(z) (z − w)n p1 (z) p1 (z) p(w)
lim = lim = lim =
z→w q(z) z→w (z − w)m q1 (z) z→w q1 (z) q(w)
 
p(z) p1 (z)
Se m > n então lim = lim que não existe pois o denominador tem
z→w q(z) z→w (z − w)n−m q1 (z)
limite zero e o numerador não. Tem-se
p(z)
lim = +∞
z→w q(z)

A noção de limite lateral que assiste às funções de uma variável real não existe para as
funções de uma variável complexa, pois é possı́vel aproximar-se de um ponto w ∈ C por
infinitas direções e caminhos, diferente do que ocorre em R. Existe, no entantanto, e sem a
mesma força, a noção de limite por caminhos, tal como vista no estudo de funções de mais
de uma variável real. Os limites sobre caminhos não servem para garantir que o limite da
função existe, mas são úteis para provar que ele não existe, temos o seguinte resultados.

Teorema 4.16: sejam Ω ⊂ C, f : Ω −→ C uma função de uma variável complexa e w ∈ Ω0 .


Se f (z) admite limites distintos sobre dois caminhos distintos então não existe o limite de
f (z) em w.

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Demonstração: é simples e fica como exercı́cio. Lembre que um caminho é uma curva
contı́nua que passa pelo ponto, neste caso, w.
z
Exemplo 22: a função f (z) = não tem limite em w = 0.
z
De fato, basta considerar os caminhos sobre os eixos real e imaginário. Sobre o eixo real
a função vale 1 para todo z não nulo, portanto seu limite sobre esse caminho é 1. Mas sobre
o eixo imagináio a função vale −1 para todo z não nulo, logo seu limite sobre esse caminho é
−1. Como os limites sobre esses dois caminhos são distintos, f não possui limite em w = 0.

A definição de limite é na verdade um teste. Segundo ela, um número L será limite de


uma função f em um ponto w se atender algumas condições. Contudo, nada é dito sobre L,
como ele pode ser obtido ou que propriedade satisfaz. Sua utilidade está em poder testar,
uma vez que se tenha L, de posse da definição, é possı́vel determinar se ele é ou não limite
de f em um ponto w.
Assim como acontece ao limite de sequências, há um critério de Cauchy para limite de
funções. Ele permite estabelecer a existência ou não de limite para uma função em um ponto
w, conhecendo apenas a função e o ponto w. Este é o conteúdo do próximo teorema.

Teorema 4.17 (critério de Cauchy): sejam Ω ⊂ C, f : Ω −→ C e w ∈ Ω0 . Para que


exista lim f (z), é necessário e suficiente que, para qualquer ε > 0, exista δ > 0 de modo que
z→w

∀ z, t ∈ Ω | 0 < |z − w| < ε e 0 < |t − w| < ε =⇒ |f (z) − f (t)| < ε

Demonstração: (⇒) por hipótese, existe limite de f (z) em w, então podemos escrever
lim f (z) = L. Daı́, pela definição de limite, para todo ε > 0 existe δ > 0 tal que
z→w

ε
z ∈ Ω e 0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − L| < e
2
ε
t ∈ Ω e 0 < |t − w| < δ =⇒ |f (z) − L| <
2
Daı́

|f (z) − f (t)| =|f (z) − L + L − f (t)|


=|[f (z) − L] + [L − f (t)]|
6|f (z) − L| + |L − f (t)|
=|f (z) − L| + |f (t) − L|
ε ε
< + =ε
2 2
Portanto

∀ z, t ∈ Ω | 0 < |z − w| < ε e 0 < |t − w| < ε =⇒ |f (z) − f (t)| < ε

Como queriamos demonstrar.


(⇐) seja (zn )n∈N uma sequência que satisfaz

zn ∈ Ω − {w} e lim zn = w.
n→+∞

67
Então, dado ε > 0, pela nossa hipótese existe δ > 0 de modo que

∀ z, t ∈ Ω | 0 < |z − w| < δ e 0 < |t − w| < δ =⇒ |f (z) − f (t)| < ε.

Como lim zn = w os pontos da sequência se aproximam de w e portanto, a partir de algum


n→+∞
ı́ndice p ∈ N, todos eles estarão a uma distância de w menor que δ, ou seja,

0 < |zn − w| < ε, ∀n > p (4.29)

Mas isso significa que os pontos da sequência (zn )n∈N satisfazem a hipótese, então, reescre-
vendo a hipótese para os pontos da sequência tem-se

∀ zn , zm ∈ Ω | 0 < |zn − w| < δ e 0 < |zm − w| < δ =⇒ |f (zn ) − f (zm )| < ε. (4.30)

Note que, devido 4.29, a condição zn , zm ∈ Ω | 0 < |zn − w| < δ e 0 < |zm − w| < δ é o
mesmo que m, n > p. Assim, podemos reescrever 4.30 da seguinte forma

∀ m, n > p =⇒ |f (zn ) − f (zm )| < ε.

ou seja, a sequência (f (zn ))n∈N é de Cauchy, e como C é completo, converge em C, logo existe
lim f (zn ), qualquer que seja a sequência (zn )n∈N . Portanto, existe lim f (z). E o teorema
n→+∞ z→w
fica demonstrado.

Para encerrar os resultado sobre limite vamos estabelecer quando e como obter o limite de
uma função composta a partir das funções fatores (aquelas com as quais se fez a composição).

Teorema 4.18 (composta): sejam Ω1 , Ω1 ⊂ C, f : Ω1 −→ C, g : Ω2 −→ C e f (Ω1 ) ⊂ Ω2 .


Então, dado w ∈ Ω01 e t ∈ Ω02 ∩ Ω2 , se

lim f (z) = t e lim g(s) = g(t) =⇒ lim g(f (z)) = g(t).


z→w s→t z→w

Demonstração: dado ε > 0 existe δ1 > 0 tal que

s ∈ Ω1 , 0 < |s − t| < δ1 =⇒ |g(s) − g(t)| < ε

A partir de s ∈ Ω1 , 0 < |s − t| < δ1 e da hipótese f (Ω1 ) ⊂ Ω2 obtemos δ > 0 tal que

z ∈ Ω1 , 0 < |z − w| < δ =⇒ |f (z) − t| < ε

Daı́, substituindo s = f (z) tem-se

z ∈ Ω1 , 0 < |z − w| < δ =⇒ |g(f (z)) − g(t)| < ε.

E o teorema fica demonstrado.

Bons estudos
68

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