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Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Centro de Humanidades (CH)


Disciplina: Economia Política.
Professor: Natália Monzon Montebello.
Aluna: Kilvia Tainá Santos Rocha.

Análise sobre o tema “Capitalismo como modo de vida contemporâneo”.

Primeiramente, penso que, para que se possa ter uma visão sobre as consequências do
capitalismo no modo de vida contemporâneo, antes de mais nada é preciso recapitular os
eventos geradores que possibilitaram a existência desse sistema econômico. Max Weber é um
dos grandes estudiosos que se disporão a estudar sobre tal questão, como está presente em
seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, publicado pela primeira vez em
1905. O século XVI realmente foi muito impactante na história, principalmente do Ocidente,
já que o mesmo presenciou um desenvolvimento e uma imposição por parte da civilização
que nunca fora visto anteriormente. O protestantismo se apresentava como uma nova forma
de pensar a existência humana, se desvinculando do estado de penúria tão presente no
catolicismo e dialogando com a classe social que estava em ascensão, a burguesia comercial.

A lógica estabelecida pelo poder religioso — ou seja, a Igreja Católica —, era o que
regia a vida de um povo, em que sempre submetiam o seu modo de vida de acordo com a
visão que era postulada como certa aos olhos de Deus. A riqueza se apresentava como um
grande perigo, já que produzia malefícios como o “ócio e o prazer carnal, mas antes de tudo o
abandono da aspiração a uma vida ‘santa’.” (WEBER, 2004, p.143). Sendo assim, entende-se
o porquê do protestantismo ter ganhado tantos adeptos, se apresentando como um segmento
atualizado do cristianismo, desvinculando-se das concepções entendidas como pecaminosas
para o Catolicismo — tais como a ideia de que o trabalho servia somente para a conservação
da vida individual e coletiva, que o homem de posses deve obediência tanto quanto os pobres,
que o tempo não deveria ser desperdiçado com outras coisas além das que levassem a obter a
graça santa, entre outras.

Como resultado, há uma reviravolta no pensamento religioso que possibilitará a


criação e o desenvolvimento do espírito capitalista, que apoiava-se no discurso de que
continuar na pobreza significava o mesmo que desejar ser doente, e que a ambição pela
riqueza era uma maneira de obter uma vida mais próspera e serena, mas que isso deveria ser
buscado através do trabalho profissional racional. A popularização do protestantismo é
evidente — atualmente é o segmento do cristianismo que mais possui fiéis —, principalmente
pela nova concepção do Deus que permite o acúmulo, mas que, consequentemente, traz
outros efeitos desfavoráveis, como a questão do orgulho, da agressividade, das mudanças
recorrentes sobre o trabalho profissional — como a especialização — e, principalmente, no
que diz respeito da desigualdade social que provoca.

Como evidencia o economista Thorstein Veblen, esses aspectos já podem ser


identificados em atividades presentes na fase industrial do século XVIII, que deveriam
“valorizar a vida humana por meio da exploração do ambiente não-humano'' (VEBLEN,
1987, p.27)1. Há o surgimento de novos problemas, como a ocupação dos cargos comuns para
pessoas que não são pertencentes a classe alta — que geralmente estão mais presentes em
áreas que têm relação com o governabilidade e a religiosidade, por exemplo — e a
valorização da atuação do homem mediante as suas ocupações, sendo destinado às mulheres
aquelas atividades consideradas como mais primitivas. Além disso, existe a questão cultural
que é originada sobre a competição como uma forma de auto-afirmação e sobrevivência
nesse sistema, algo que se tornará muito marcante neste novo modo de ser do indivíduo.

Atualizam-se as visões das formas de controle sobre a vida desse indivíduo na


sociedade capitalista, principalmente no que diz respeito ao trabalho. A teoria marxista acaba
limitando-se ao afirmar que somente a exploração que move o aprisionamento dos
trabalhadores, desconsiderando a existência de outras relações e modalidades do exercício do
poder que articulam novos dispositivos e técnicas disciplinares em todo o âmbito da
sociedade, expandindo-se para além do cenário das fábricas — como é abordado em
trabalhos como o de Foucault. O sociólogo Maurizio Lazzarato se dispõe a analisar as
contribuições e mudanças advindas da atualização desse discurso, principalmente ao que diz

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Sobre esse tema, gostaria de fazer uma menção honrosa ao trabalho do geógrafo Milton Santos no que se refere
a análise sobre o tema da globalização e do território. No tópico “A Revanche do Território”, Milton continua
sua crítica sobre as relações enfraquecidas entre o que é interno e externo do país — consequências em
detrimento da globalização —, e o debate sobre a exploração dos territórios nacionais. Tais efeitos desembocam
em sequelas como o aumento da corrupção, a falta de controle em relação à governabilidade de outros estados e
municípios, desamparo nos interesses da sociedade e de cidadania, que no caso do Brasil já é algo fragilizado,
pois ele afirma que o mesmo nunca soube o que era isso de fato. No fim, Milton Santos quer transparecer a
influência dessas forças no território e como um dia ele pode cobrar pelo uso indevido de sua função, o que,
muitas vezes, acaba trazendo malefícios para o próprio governo do país e sua população, sejam eles econômicos
ou ambientais.
respeito aos estudos de Deleuze, que argumenta que as disciplinas precisam existir e causar
uma docilização dos corpos para a que seja possível a produção de bens nesse sistema.

Existe uma diferença entre forças que possibilitam as relações de poder, onde
instituições como o Estado e o Capital derivam e agem na estratificação desse discurso sobre
as camadas sociais. Segundo o autor, “as técnicas disciplinares conhecem apenas o corpo e o
indivíduo, enquanto o biopoder visa à população” (LAZZARATO, 2006, p.74), alcançando o
ápice de seu desenvolvimento depois dos eventos causados pela Segunda Guerra Mundial —
acontecimento que explanou os limites que um governo pode chegar para obtenção de poder,
mesmo que isso signifique atacar a civilização e abandonar qualquer noção de humanidade
entre os homens. A sujeição que é imposta por esses métodos invade a vida do ser humano ao
ponto de ser algo necessário para que a acumulação de capital seja possível, onde o emprego
se apresenta como um dos principais aspectos para a validação das sociedades de controle.

Tudo isso caminha para uma realidade mais próxima da que vivenciamos hoje,
especialmente no que se diz respeito à questão do trabalho. Na publicação “A cultura do novo
capitalismo”, o historiador e sociólogo norte-americano Richard Sennett aborda os principais
aspectos que assombram os indivíduos pertencentes às nações capitalistas, colocando como
ponto de partida para o debate o medo da inutilidade. Desde a época da Grande Depressão, a
mobilização social era algo raro entre a população das camadas mais baixas, onde a educação
se apresentava como uma das únicas alternativas para sair dessa lógica. Apesar de já ter se
passado quase um século desses acontecimentos, a mobilização se tornou algo mais palpável
para alguns cidadãos, mas outros problemas ilustrados pelo autor ainda são recorrentes e
agravados na realidade atual.

Vivemos em uma “sociedade das capacitações”, onde a busca por uma mão de obra
mais barata gera receios como a oferta global desses empregos, a automação e a velhice.
Obviamente que no sistema em questão, orientado pela competitividade e influência das
grandes empresas, a busca pela mão de obra mais barata — principalmente visando atrair
indivíduos pertencentes a países considerado como de terceiro mundo, convencidos a
alcançar uma ascensão social —, se tornou algo recorrente, já que visa o maior lucro dessas
corporações. Tal movimento gera consequências como o medo do estrangeiro, apoiada por
um argumento pautado pelo preconceito étinico e racial, muito comum em países como os
Estados Unidos da América, onde a população se sente ameaçada ao ponto de abrir margem
para que os direitos humanos sejam violados — como ocorreu após as políticas duras
assumidas pelo ex-presidente Donald Trump em relação ao fortalecimento das fronteiras e o
controle de imigração no país.

Outro ponto é a crescente automação das indústrias, que hoje, incontestavelmente, se


apresenta como um grande perigo para as forças de trabalho, sobretudo por causa dos
avanços tecnológicos tão ilustres no século XX e XXI. Resultado disso é uma crescente
precarização da prestação de serviços, algo tão presente em fenômenos do último século,
como a “uberização” — assunto que está cada vez mais criando espaço nas discussões
trabalhistas da última década. Por se tratar de algo tão recente, o argumento que atraiu tantas
pessoas para esse tipo de ofício fora a autonomia que poderia ser alcançada, onde tinha-se a
falsa impressão de que o trabalhador teria domínio sobre sua jornada de trabalho, ao ponto de
trazer mais benefícios positivos do que negativos para sua vida. Assume-se um
posicionamento que romantiza a superexploração dos trabalhadores e o abandono dos direitos
trabalhistas, onde esses indivíduos acabam colocando a própria vida em risco, como o caso
do Thiago de Jesus Dias — homem de 33 anos que morreu em julho de 2019, em uma
entrega vinculada a plataforma RAPPI, sem receber apoio nenhum por parte da empresa de
aplicativo.

Outro caso que ganhou grande reconhecimento por parte das redes sociais foi o da
aposentada Maria Cardoso, que gerou tantos compartilhamentos pelo fato da senhora ter 101
anos e estar a procura de emprego para não depender financeiramente da família, a fim de
comprar seus vinhos. Apesar de ser um caso à parte — devido ao motivo da necessidade — e
a comoção ocasionada pela notícia, isso evidencia os desafios que a terceira idade enfrenta
hoje em relação ao mercado de trabalho. O Estado previdenciário caminha para cada vez
mais longe de seus princípios, deixando de lado seus deveres e funções, como providenciar
suporte para essa parte da população, tornando mais comum a extensão da atuação dessas
pessoas nas prestações de serviços, com o objetivo de ampliar sua renda, já que a pensão
fornecida pelo governo muitas vezes é insuficiente para cobrir as despesas básicas.

A pressão acarretada por esses novos desafios leva a sociedade a ficar cada vez mais
doente. Apesar disso, Sennett afirma que as pessoas não podem ser vistas como vítimas, pois
participam e acabam afirmando vários aparelhos que fazem parte desse sistema. A
autodisciplina e a autocrítica se apresentam como galhos desse aparelho, onde aqueles que
possuem mais habilidades são honrados com o prestígio moral, geralmente influenciada por
sentimentos como o ego e o individualismo — sendo o último aquilo que Emma Goldman
considera que “reduz a vida a uma corrida degradante aos bens materiais, ao prestígio social;
sua sabedoria suprema exprime-se numa frase: ‘Cada um por si e maldito seja o último’.
Inevitavelmente, [...] desemboca na escravidão moderna, nas distinções sociais aberrantes, e
conduz milhões de pessoas à sopa dos pobres.” (GOLDMAN, 2007, p.32) —, mas que não
adiantam a partir do momento em que a substituição dos trabalhadores se torna algo banal, já
que o mesmo não está permitido ao erro.

Em resumo, apesar de nos gabarmos por viver em um mundo que se diz tão avançado
— advindos de uma superação muito grande, proporcionada por esse sentimento de
concorrência tão característico do sistema capitalista e de eventos como a globalização —,
ainda estamos presos a princípios arcaicos, principalmente no que diz respeito ao abuso de
poder sobre os indivíduos. Grande parte dos estudiosos sobre o tema tentam criar alternativas
para pensar a sociedade para além dessas relações de subalternização, mas a impressão
deixada é a de que o sistema capitalista sempre está um passo à frente, reinventando-se
diariamente. O que fica é o objetivo de questionar a nossa vivência mediante a essa realidade,
pensar para além de novas ideias que tentem decifrar seus dispositivos, mas atitudes que
penetrem na vida social, política e econômica, a fim de provocar mudanças reais no mundo.

BIBLIOGRAFIA

A uberização das relações de trabalho. Carta Capital, São Paulo, 9 de ago. de 2019.
Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/justica/a-uberizacao-das-relacoes-de-trabalho/>. Acesso
em: 20 de fev. de 2021.

GOLDMAN, Emma. O indivíduo, a sociedade e o Estado. In. O indivíduo, a sociedade e o


Estado, e outros ensaios. Tradução e organização de Plínio Augusto Coêlho. - São Paulo:
Hedra, 2007, pp.29-45.

LAZZARATO, Maurizio. Os conceitos de vida e do vivo nas sociedades de controle. As


revoluções do capitalismo. Trad. Leonora Corsini. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2006, pp. 61-93.

NUNES, Júlia. Idosa de 101 anos que viralizou na web por entregar currículo ganha vinhos
de presente; 'Muito feliz', diz bisneta. G1, Bauru, 16 de fev. de 2021. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2021/02/16/idosa-de-101-anos-que-viralizou-
na-web-por-entregar-curriculo-ganha-vinhos-de-presente-muito-feliz-diz-bisneta.ghtml>.
Acesso em: 20 de fev. de 2021.

SANTOS, Milton. A Revanche do Território. In. O País distorcido: o Brasil, a globalização e


a cidadania / organização, apresentação e notas de Wagner Costa Ribeiro : ensaio de Carlos
Walter Porto Gonçalves, - São Paulo: Publifolha, 2002, pp.84-89.

SENNETT, Richard. O talento e o fantasma da inutilidade. A cultura do novo capitalismo.


Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 81-121.

VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São
Paulo: Nova Cultural, 1987, pp. 19-35.

WEBER, Max. Ascese e capitalismo. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Trad.


José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, pp. 141-167.

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