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Primeiramente, penso que, para que se possa ter uma visão sobre as consequências do
capitalismo no modo de vida contemporâneo, antes de mais nada é preciso recapitular os
eventos geradores que possibilitaram a existência desse sistema econômico. Max Weber é um
dos grandes estudiosos que se disporão a estudar sobre tal questão, como está presente em
seu livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, publicado pela primeira vez em
1905. O século XVI realmente foi muito impactante na história, principalmente do Ocidente,
já que o mesmo presenciou um desenvolvimento e uma imposição por parte da civilização
que nunca fora visto anteriormente. O protestantismo se apresentava como uma nova forma
de pensar a existência humana, se desvinculando do estado de penúria tão presente no
catolicismo e dialogando com a classe social que estava em ascensão, a burguesia comercial.
A lógica estabelecida pelo poder religioso — ou seja, a Igreja Católica —, era o que
regia a vida de um povo, em que sempre submetiam o seu modo de vida de acordo com a
visão que era postulada como certa aos olhos de Deus. A riqueza se apresentava como um
grande perigo, já que produzia malefícios como o “ócio e o prazer carnal, mas antes de tudo o
abandono da aspiração a uma vida ‘santa’.” (WEBER, 2004, p.143). Sendo assim, entende-se
o porquê do protestantismo ter ganhado tantos adeptos, se apresentando como um segmento
atualizado do cristianismo, desvinculando-se das concepções entendidas como pecaminosas
para o Catolicismo — tais como a ideia de que o trabalho servia somente para a conservação
da vida individual e coletiva, que o homem de posses deve obediência tanto quanto os pobres,
que o tempo não deveria ser desperdiçado com outras coisas além das que levassem a obter a
graça santa, entre outras.
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Sobre esse tema, gostaria de fazer uma menção honrosa ao trabalho do geógrafo Milton Santos no que se refere
a análise sobre o tema da globalização e do território. No tópico “A Revanche do Território”, Milton continua
sua crítica sobre as relações enfraquecidas entre o que é interno e externo do país — consequências em
detrimento da globalização —, e o debate sobre a exploração dos territórios nacionais. Tais efeitos desembocam
em sequelas como o aumento da corrupção, a falta de controle em relação à governabilidade de outros estados e
municípios, desamparo nos interesses da sociedade e de cidadania, que no caso do Brasil já é algo fragilizado,
pois ele afirma que o mesmo nunca soube o que era isso de fato. No fim, Milton Santos quer transparecer a
influência dessas forças no território e como um dia ele pode cobrar pelo uso indevido de sua função, o que,
muitas vezes, acaba trazendo malefícios para o próprio governo do país e sua população, sejam eles econômicos
ou ambientais.
respeito aos estudos de Deleuze, que argumenta que as disciplinas precisam existir e causar
uma docilização dos corpos para a que seja possível a produção de bens nesse sistema.
Existe uma diferença entre forças que possibilitam as relações de poder, onde
instituições como o Estado e o Capital derivam e agem na estratificação desse discurso sobre
as camadas sociais. Segundo o autor, “as técnicas disciplinares conhecem apenas o corpo e o
indivíduo, enquanto o biopoder visa à população” (LAZZARATO, 2006, p.74), alcançando o
ápice de seu desenvolvimento depois dos eventos causados pela Segunda Guerra Mundial —
acontecimento que explanou os limites que um governo pode chegar para obtenção de poder,
mesmo que isso signifique atacar a civilização e abandonar qualquer noção de humanidade
entre os homens. A sujeição que é imposta por esses métodos invade a vida do ser humano ao
ponto de ser algo necessário para que a acumulação de capital seja possível, onde o emprego
se apresenta como um dos principais aspectos para a validação das sociedades de controle.
Tudo isso caminha para uma realidade mais próxima da que vivenciamos hoje,
especialmente no que se diz respeito à questão do trabalho. Na publicação “A cultura do novo
capitalismo”, o historiador e sociólogo norte-americano Richard Sennett aborda os principais
aspectos que assombram os indivíduos pertencentes às nações capitalistas, colocando como
ponto de partida para o debate o medo da inutilidade. Desde a época da Grande Depressão, a
mobilização social era algo raro entre a população das camadas mais baixas, onde a educação
se apresentava como uma das únicas alternativas para sair dessa lógica. Apesar de já ter se
passado quase um século desses acontecimentos, a mobilização se tornou algo mais palpável
para alguns cidadãos, mas outros problemas ilustrados pelo autor ainda são recorrentes e
agravados na realidade atual.
Vivemos em uma “sociedade das capacitações”, onde a busca por uma mão de obra
mais barata gera receios como a oferta global desses empregos, a automação e a velhice.
Obviamente que no sistema em questão, orientado pela competitividade e influência das
grandes empresas, a busca pela mão de obra mais barata — principalmente visando atrair
indivíduos pertencentes a países considerado como de terceiro mundo, convencidos a
alcançar uma ascensão social —, se tornou algo recorrente, já que visa o maior lucro dessas
corporações. Tal movimento gera consequências como o medo do estrangeiro, apoiada por
um argumento pautado pelo preconceito étinico e racial, muito comum em países como os
Estados Unidos da América, onde a população se sente ameaçada ao ponto de abrir margem
para que os direitos humanos sejam violados — como ocorreu após as políticas duras
assumidas pelo ex-presidente Donald Trump em relação ao fortalecimento das fronteiras e o
controle de imigração no país.
Outro caso que ganhou grande reconhecimento por parte das redes sociais foi o da
aposentada Maria Cardoso, que gerou tantos compartilhamentos pelo fato da senhora ter 101
anos e estar a procura de emprego para não depender financeiramente da família, a fim de
comprar seus vinhos. Apesar de ser um caso à parte — devido ao motivo da necessidade — e
a comoção ocasionada pela notícia, isso evidencia os desafios que a terceira idade enfrenta
hoje em relação ao mercado de trabalho. O Estado previdenciário caminha para cada vez
mais longe de seus princípios, deixando de lado seus deveres e funções, como providenciar
suporte para essa parte da população, tornando mais comum a extensão da atuação dessas
pessoas nas prestações de serviços, com o objetivo de ampliar sua renda, já que a pensão
fornecida pelo governo muitas vezes é insuficiente para cobrir as despesas básicas.
A pressão acarretada por esses novos desafios leva a sociedade a ficar cada vez mais
doente. Apesar disso, Sennett afirma que as pessoas não podem ser vistas como vítimas, pois
participam e acabam afirmando vários aparelhos que fazem parte desse sistema. A
autodisciplina e a autocrítica se apresentam como galhos desse aparelho, onde aqueles que
possuem mais habilidades são honrados com o prestígio moral, geralmente influenciada por
sentimentos como o ego e o individualismo — sendo o último aquilo que Emma Goldman
considera que “reduz a vida a uma corrida degradante aos bens materiais, ao prestígio social;
sua sabedoria suprema exprime-se numa frase: ‘Cada um por si e maldito seja o último’.
Inevitavelmente, [...] desemboca na escravidão moderna, nas distinções sociais aberrantes, e
conduz milhões de pessoas à sopa dos pobres.” (GOLDMAN, 2007, p.32) —, mas que não
adiantam a partir do momento em que a substituição dos trabalhadores se torna algo banal, já
que o mesmo não está permitido ao erro.
Em resumo, apesar de nos gabarmos por viver em um mundo que se diz tão avançado
— advindos de uma superação muito grande, proporcionada por esse sentimento de
concorrência tão característico do sistema capitalista e de eventos como a globalização —,
ainda estamos presos a princípios arcaicos, principalmente no que diz respeito ao abuso de
poder sobre os indivíduos. Grande parte dos estudiosos sobre o tema tentam criar alternativas
para pensar a sociedade para além dessas relações de subalternização, mas a impressão
deixada é a de que o sistema capitalista sempre está um passo à frente, reinventando-se
diariamente. O que fica é o objetivo de questionar a nossa vivência mediante a essa realidade,
pensar para além de novas ideias que tentem decifrar seus dispositivos, mas atitudes que
penetrem na vida social, política e econômica, a fim de provocar mudanças reais no mundo.
BIBLIOGRAFIA
A uberização das relações de trabalho. Carta Capital, São Paulo, 9 de ago. de 2019.
Disponível em:
<https://www.cartacapital.com.br/justica/a-uberizacao-das-relacoes-de-trabalho/>. Acesso
em: 20 de fev. de 2021.
NUNES, Júlia. Idosa de 101 anos que viralizou na web por entregar currículo ganha vinhos
de presente; 'Muito feliz', diz bisneta. G1, Bauru, 16 de fev. de 2021. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2021/02/16/idosa-de-101-anos-que-viralizou-
na-web-por-entregar-curriculo-ganha-vinhos-de-presente-muito-feliz-diz-bisneta.ghtml>.
Acesso em: 20 de fev. de 2021.
VEBLEN, Thorstein. A teoria da classe ociosa: um estudo econômico das instituições. São
Paulo: Nova Cultural, 1987, pp. 19-35.