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Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Centro de Humanidades (CH)


Disciplina: Tópicos Especiais em Sociologia.
Professor: Wellington Ricardo Nogueira Maciel.
Aluna: Kilvia Tainá Santos Rocha.

Análise sobre os estudos e as contribuições da Sociologia acerca da cidade e


dos fenômenos urbanos.

Oriundos de uma época marcada pelo avanço desenfreado da sociedade, os estudos


sobre os fenômenos urbanos têm se tornado cada vez mais policêntricos nos círculos de
debates, principalmente desde o fim do século XIX até os dias atuais, expandindo-se para
além dos ambientes acadêmicos. Inaugurada no outono de 1892, a Universidade de Chicago
— que esteve em grande atividade nos anos de 1914 a 1940, nos Estados Unidos —
mostrou-se uma das grandes contribuidoras para essas produções, desenvolvendo uma
sociologia qualitativa que tinha como base a utilização de tendências empíricas na elaboração
de pesquisas sociais.

Estabelecida na cidade com o maior índice de crescimento do período, fica evidente o


posicionamento do corpo docente em relação às aplicações metodológicas defendidas na
época, como o uso do interacionismo simbólico, colocando o pesquisador como agente de
participação no seu campo de estudo — mesmo que alguns não concordassem com essa
maneira de fazer ciência, como Robert Park. O sociólogo Howard Becker era um dos que
defendiam a visão de que estudar a conduta do indivíduo de acordo com a sua percepção era
algo positivo, principalmente por trazer um olhar moderno para a produção científica —
diferente das técnicas tradicionais até então, como a antropologia de gabinete —, já que o
mesmo age de acordo com a função que desempenha no ambiente ao qual faz parte.

A instituição também distendeu sobre assuntos como a desorganização social — aqui


compreendida como uma consequência do enfraquecimento das associações sociais no
indivíduo, provocando um aumento na atividade individual desse sujeito —, eventos como a
assimilação e a delinquência, entre outros. Outra inovação foi a postulação de quatro metas
do manifesto científico, estabelecidas por William I. Thomas e Florian Znaniecki, a fim de ter
uma abordagem que fosse coerente com a vida social e suas mudanças, distinguir o diálogo
existente entre os “fatores subjetivos” e objetivos e elaborar um referencial teórico para tal
estudo. De forma geral, a colaboração desses pesquisadores foi fundamental para desenvolver
as indagações sobre as questões sociais, além de como esses profissionais poderiam melhorar
a realidade através de suas teorias.

O alemão Georg Simmel também dissertou sobre a vida moderna e os novos


problemas que se apresentavam com ela, afirmando que, estimulada pela sensação de
desprendimento sentida pelo homem a partir do século XVIII — como a quebra de vínculo
com o Estado, a moral, a religião e a economia —, seus estímulos nervosos acabaram sendo
intensificados. As consequências para tal evento fora uma mudança na vida prática desse
indivíduo, que passa a elaborar mecanismos de reserva como uma forma de se proteger da
nova “natureza calculista” da sociedade — muito influenciada a partir de questões como a
economia monetária e a sua dinâmica competitiva, por exemplo, tal como a atitude blasé.

A divisão do trabalho passa a se afirmar cada vez mais, sendo a cidade o primeiro
ambiente em que ela se manifesta por causa da alta atividade econômica. Isso faz com que o
homem se sinta reduzido e busque maneiras de se afirmar, reproduzindo e gerando novos
entraves na sua vida comum. Ao passo que essas novas questões se apresentam, entende-se a
origem de tantos problemas relacionados à urbanização, proporcionadas pelas influências que
o processo de industrialização causa — principalmente pelo fato da indústria se apresentar
como uma das características da sociedade moderna. O grande cenário para essas relações
serão as cidades, em especial a capital, que presencia a intervenção da burguesia progressista
sobre os centros urbanos e os confrontos ocasionados por essa relação — tal qual o choque
entre facções, a luta de classes e o direito à moradia.

Atualmente, refletir sobre o papel da cidade mediante as urgências coletivas presentes


nas sociedades urbanas se tornou algo necessário para a sociologia urbana. O filósofo Henri
Lefebvre já era um dos estudiosos que se preocupava e defendia a ideia da criação de uma
ciência que trata das relações da vida urbana, a fim de produzir uma força social e política
que constitua esses meios, sendo indispensável para compreender essas “sociedades de
consumo”. O potencial da cidade é muito claro, já que “é a ‘forma mais complexa e refinada
da civilização’, escrevia Lévi-Strauss, mas ela lhe parecia ser também o lugar de uma
individualização extrema e de um borramento dos limites sociais, atingindo o inapreensível
caos.” (AGIER, 2015, p.484).

Com o passar do tempo e a falta de amparo por parte do Estado — causando


balbúrdias como a citada anteriormente —, fenômenos como a formação de favelas passam a
se tornar recorrentes na história da cidade, algo que demonstra a conotação política desses
movimentos ocupacionais. Isso evidencia a notoriedade da discussão, já que o “fazer-cidade
deve ser entendido como um processo sem fim, contínuo e sem finalidade. Ele faz sentido no
contexto de uma expansão contínua dos universos sociais e urbano.” (AGIER, 2015, p.493).
Entendido a importância do movimento para a vida da cidade, Michel Agier defende que a
antropologia deve agir de maneira que conserve essa mobilidade, através da (1) sobrevivência
no distanciamento; (2) ocupação e manutenção da durabilidade desse exercício e (3) na
atuação do mesmo sobre mecanismos que transformem o urbano, garantindo o estar e o viver
na cidade.

Discutir sobre a forma como a ocupação da cidade se transformou com o passar dos
séculos é de suma importância para entender a realidade que enfrentamos
contemporaneamente. Ainda hoje em dia, apesar de toda a mudança que teve a partir do
processo de autoafirmação e valorização da própria identidade daqueles que fazem parte
desses aglomerados urbanos denominados como as favelas, o preconceito ainda se mantém,
principalmente para aquelas pessoas que pertencem à camadas mais altas. Isso ainda só piora
se comparado com aquelas pessoas que se encontram em situações ainda mais
marginalizadas, em que muitas vezes nem são dignas da atenção do Estado.

Taniele Rui desenvolveu uma pesquisa sobre as “cracolândias” presentes no território


do Rio de Janeiro e São Paulo — algo que vem ganhando visibilidade no país sobre os
espaços de consumo e de comércio desde o início dos anos 2000. Políticas públicas foram
criadas para tentar dar fim nesses polos de concentração, porém o discurso que continua
sendo sustentado e se reafirmando — especialmente pela cidade de São Paulo — é de que o
aparato policial deve ser a principal ou única forma para “resolver” o problema. Isso traz à
tona o porquê do incômodo, principalmente do poder público, sobre a situação dessas
pessoas, já que deixa claro os problemas e falhas que o governo apresenta sobre suas
responsabilidades políticas, sociais e urbanas.

Essas zonas de concentração e refúgio são cotidianamente afetadas por essas “forças
de pacificação”. A arquitetura hostil é uma das evidências mais claras de como o governo se
posiciona em relação à vida e sobrevivência dessas pessoas na cidade, tentando deixar fora de
vista a existência desses indivíduos. A última notícia a ter destaque no início do mês nos
canais de comunicação, foi em relação ao padre Júlio Lancellotti, homem de 72 anos que
quebrou a marretadas os paralelepípedos instalados pela prefeitura de São Paulo debaixo do
viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, com o objetivo de afugentar moradores de rua
que se abrigam no local. Apesar de a prefeitura ter retirado as pedras do local após a
viralização da notícia, o padre continuou alegando que houve outras investidas pela polícia de
tentar tirar os frequentes moradores do local.

Notícias como essa trazem à tona a discussão sobre o direito à cidade e as


consequências geradas pela realidade depreciativa que a lógica capitalista impõe sobre a vida
dos cidadãos, principalmente aqueles que vivem à margem da sociedade. Isso evidencia a
importância da produção de estudos e discussões sobre o tema, algo que já era levantado
pelos colaboradores da Escola de Chicago, como foi citado anteriormente. Claro que não é
tarefa do sociólogo mudar a realidade ao seu entorno, o seu papel é criar diálogos que
transbordem as discussões intelectuais para o lugar da ação — que deve ser efetuada sob a
responsabilidade dos órgãos públicos —, a fim de gerar uma conscientização e uma
continuação dessas produções, para que o movimento sempre esteja atualizando e se
reinventando.

BIBLIOGRAFIA

AGIER, Michel. Do direito à cidade ao fazer-cidade. O antropólogo, a margem e o centro.


Mana 21(3); p.483-498, 2015.

COULON, Alain. A Escola de Chicago. Campinas-SP: Papirus, 1995.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo:
Centauro, 2001.

RUI, Taniele. Por entre territórios visíveis e territórios invisibilizados: mercados ilícitos e
cracolândia de São Paulo e Rio de Janeiro. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, v.38, n.03,
p.573-588, 2019.

SAYURI, Juliana. O que é arquitetura hostil. E quais suas implicações no Brasil. Nexo, 3 de
fev. de 2021. Disponível em:
<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/03/O-que-%C3%A9-arquitetura-hostil.-E-
quais-suas-implica%C3%A7%C3%B5es-no-Brasil#:~:text=%E2%80%9CArquitetura%20ho
stil%E2%80%9D%20se%20refere%20a,pessoas%20em%20situa%C3%A7%C3%A3o%20d
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SIMMEL, Georg et al. O Fenômeno Urbano. Organização e Introdução de Otávio
Guilherme Velho. Rio de Janeiro, 1967.

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