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Leitura Extensiva - Valôres e Orientação

Maria Zely de Souza Muniz *

1. Introdução. 2. Leitura Extensiva. 3. Alguns


Exemplos Experimentados. 4. Conclusões.

1. INTRODUÇÃO

No artigo O ensino de português e seu relacionamento com os


objetivos da ação grupal publicado no voI. 9, n. o 1 de Curriculum,
relatamos uma experiência realizada nas aulas de português em
que tínhamos como objetivos, além dos específicos da disciplina,
desenvolver nos alunos qualidades de liderança, contrôle emocional,
conhecimento de si mesmo em relação aos companheiros, a capa-
cidade de' ouvir, a de levar em consideração as opiniões e senti-
mentos alheios e outros ligados ao problema 'de relações humanas.
Foi uma experiência interessante e com resultados muito positivos.
É indispensável que os professôres responsáveis que são pela tarefa
de educar e orientar os jovens, planejem atividades que, como esta,
contribuam para a "formação integral da personalidade do edu-
cando".

A realidade brasileira é que poucos colégios podem contar com


Serviços de Orientação Educativa, muito poucos mantêm Serviços
de Atividades Extraclasse e é raro os que reservam um período

• Maria Zely de Souza Muniz - professôra de português e chefe da seção de línguas


do Colégio Nova Friburgo,

Curriculum Rio de Janeiro, 10(1) : 47/64 jan./mar. 1971


de horário escolar para êste fim ou para sessões de orientação
coletiva, onde os professôres-orientadores de turma debatessem
problemas, organizassem atividades educativas e se preocupassem
com a orientação e informação profi.ssionais. Essa realidade força
os professôres a buscar, dentro de sua carga horária, em seu tra-
balho normal, dentro de suas classes, tôdas as oportunidades que
sua disciplina proporciona para orientação vital de seus alunos.

Embora seja raro, há ainda professôres que, empolgados com o


conteúdo de sua matéria, desprezam o aspecto educativo e destroem
valôres e crenças; despertam revolta, ironia e ceticismo, esque-
cendo-se de que nenhuma disciplina, em nível médio, deve ter um
fim em si mesmo.

Em nosso artigo O texto-elemento formador de mentalidade, pu-


blicado em Curriculum n. o 5, ressaltamos a responsabilidade dos
professôres de língua na formação moral dos educandos. Ao esco-
lher textos e livros devem, antes até de considerar o aspecto lite-
rário, ponderar que ensinamentos morais e educativos podem
extrair dêles, sobretudo em classes do 1.0 ciclo. O provérbio "Dize-
-me com quem andas e dir-te-ei quem és", pode bem ser modificado
para "Dize-me o que lês e dir-te-ei quem és".

2. LEITURA EXTENSIVA

o objetivo de "incentivar e desenvolver bons hábitos de leitura",


encontrado entre os do ensino de línguas, além do aprimoramento
do idioma e do gôsto estético, visa a dar ao educando meios de
bem aproveitar suas horas de lazer. Se a leitura fôr bem escolhida,
favorecerá também o desenvolvimento de uma filosofia de vida
sadia e otimista.

Em artigos anteriores sugerimos atividades extraclasse relaciona-


das com o assunto: clube de leitura, clube literário e academia de
letras. No entanto, conforme as considerações feitas na introdução,
nem sempre o professor pode contar com horário para isso, devendo,
portanto, perseguir êste objetivo durante os períodos normais de
classe.

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3. ALGUNS EXEMPLOS EXPERIMENTADOS

3.1 Seleção dos Livros

Em nossas classes procuramos fazer a seleção dos livros conside-


rando:

a) seu aspecto formativo;


b) seu aspecto literário;
c) o nível de maturidade dos alunos.

3 . 2 Orientação do Trabalho

Antes de iniciarmos o trabalho, selecionamos os objetivos - os da


disciplina e os de educação de um modo geral - para darmos
ênfase aos aspectos mais significativos e escolhermos os procedi-
mentos didáticos que melhor nos conduzam a êles.

Podemos, por exemplo, destacar entre os objetivos de português,


o desenvolvimento da capacidade de redigir - o andamento dos
trabalhos será um. Se, ao invés, quisermos dar ênfase ao problema
das relações humanas ou dar relêvo à capacidade de expressão
oral, a seqüência dos trabalhos e os procedimentos didáticos serão
outros.

A compreensão das mensagens contidas no livro, a interpretação


de algumas passagens e a apreciação da obra como um todo, deve-
rão também nortear nosso planejamento.

3.3 O velho e o mar de Ernest H emingway

Êste livro foi explorado numa terceira série ginasial. Dividimos


o trabalho em 3 fases:

l. a fase: Leitura do livro, de preferência na própria sala de aula


- o que implica a necessidade de um exemplar para cada aluno.

Dirigimos a observação dos leitores fornecendo o seguinte roteiro,


como sugestão.

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Observar durante a leitura:

a) Os personagens: físico e traços psicológicos.


b) As lições que o livro encerra.
c) O vocabulário e o estilo do autor.
d) Recursos utilizados pelo autor para dar colorido e evitar a
monotonia.

2. a fase: Debate.

Esgotado o prazo concedido para a leitura do livro marcamos o


dia para um debate com a intenção de verificar quais os alunos
que realmente leram, quais os que foram atentos, os que se fixaram
apenas no enrêdo, os que captaram os aspectos significativos do
livro e ainda preparar a terceira fase: a do trabalho escrito. Du-
rante os debates, a troca de opiniões, os esclarecimentos dados,
os problemas levantados, forneceram elementos para o trabalho
de redação. Até os que não se haviam interessado pelo livro ini-
cialmente, durante as discussões descobriram encantos antes des-
percebidos e fizeram excelentes redações.

Apresentamos, como sugestão, as perguntas que preparamos e uti-


lizamos na sessão de debate.

O Velho e o Mar - Perguntas para a sessão de debate.

1. Quantos dias durou a pesca do espadarte?


2. De que se alimentou Santiago durante a pesca?
3. Que dificuldades, do ponto de vista de saúde, teve Santiago
de enfrentar?
4. Qual a maior dificuldade enfrentada por Santiago?
5. Como você pensa ter Santiago resistido à solidão mantendo
sua cabeça lúcida, conforme êle mesmo dizia?
6. Que sentimento animava Santiago a persistir, ambição?
7. Durante a pesca Santiago lembrou-se de um fato ocorrido
em outra pescaria que diz respeito a um casal de espadartes.
Lembra-se do fato? Conte-o.
8. Que fêz Santiago demonstrando respeito pelos sentimentos
do peixe?

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9. Que sentimento nutria Santiago em relação aos peixes de um
modo geral?
10. Comparando os peixes com os homens, a quem Santiago atri..
buía mais valor e nobreza? Por quê?
11. Aponte, nessa linha de pensamento, em que os animais são
superiores ao homem.
12. Você classificaria como fracasso ou como vitória a pescaria
de Santiago? - fracasso de que ponto de vista? - vitória
de que ponto de vista?
13. No início do livro Manolin ofereceu-se para arranjar sardinha
para isca pelo velho. Como você classificaria a atitude de
Santiago: a) comodismo? b) lição de humildade? c) in-
centivo a Manolin?
14. Reflita sôbre dar e receber. Responda: o que é mais difícil:
saber dar sem ostentação? ou receber com simplicidade, sem
humilhar-se? Analise cada uma das situações.
15. Adiante, Santiago recusa-se a pedir emprestado, dizendo:
"primeiro pede-se emprestado, depois pede-se esmola". Esta
atitude e a anterior são antagônicas? Justifique.
16. Que lição nos dá Santiago quando diz: "não é o momento
de pensar naquilo que você não tem. Pense antes no que
pode fazer com aquilo que tem"!
17. Que sentimento nutria Santiago em relação ao mar? No livro,
Santiago referia-se ao mar de uma forma especial. Lembra-se
qual?
18. Numa passagem Santiago diz: "É melhor ter sorte. Mas eu
prefiro fazer as cousas sempre bem, se a sorte me sorrir, estou
preparado". Comente a lição que encerra êste pensamento.
19. Cite uma passagem que revele o espírito observador de
Santiago.
20. Santiago numa passagem diz: "imagine só se um homem
tivesse de matar o sol. Nascemos com sorte". - Que quali-
dade revela êle neste trecho?
21. Que qualidade de Santiago o autor deu mais ênfase no livro:
inteligência, perseverança ou bondade?
22. Que sentimento Manolin nutria pelo velho Santiago:
respeito, admiração, amizade?
23. Você pensa que Manolin sentia-se superior ao velho?

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24. O que Manolin pregava, poder-se-á aproveitar convivendo com
Santiago?
25. O que o autor valorizou no homem, em seu livro: inteligência,
coragem ou experiência de vida?
26. Santiago atribui a ao peixe qualidades humanas e conversava
com êle. Que nome damos a êste recurso literário?
27. Há uma passagem em que se observa a filosofia otimista de
Santiago mais nitidamente, quando êle joga o jôgo do con-
tente descrito no livro Poliano. Sabe qual é? Que você enten-
deu por jôgo do contente?
28. Quantos dias levou Santiago sem conseguir pescar e que
alcunha lhe deram por isso?
29. Quais os concorrentes de Santiago, na conquista do espadarte?
30. Como o velho se sentiu psicologicamente depois da pesca?
31. Como o velho conseguiu vencer a monotonia da' solidão?
32. Com que prêmio foi laureado o livro de E.H.?
33. Santiago falava a todo momento em Manolin e em sua ajuda.
Seria sintoma de fraqueza?

3. a fase: Trabalho escrito:


Sugestão de roteiro
I. Introdução
a) o autor
b) opiniões sôbre o livro

II. O livro
1. Personagens
a) físico
b) traços psicológicos
2. O enrêdo
3. As lições que encerra (citar trechos do livro)
4. Aspecto literário
a) vocabulário
b) estilo
c) recursos empregados para dar colorido e evitar a
monotonia.

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lU. Apreciação pessoal.

Os trechos de trabalho dos alunos, transcrItos a seguir, atestarão


como vários de nossos objetivos foram atingidos:

"O estilo do autor é simples. O vocabulário, plenamente compre-


ensível, sem cair no corriqueiro ou no vulgar" (P.I.)

"Ernest Hemingway procura nos enviar a mensagem de persis-


tência. Diz que o homem não deve desistir nunca de seu intento
e levar sua obra até o fim" (D.)

"Esta é a história de um homem na solidão do mar, com seus


sonhos e pensamentos, com sua luta pela sobrevivência, com sua
inabalável confiança na vida" (P.I.)

"Os personagens - O velho: era sêco e enrugado, tinha o rosto


queimado pelo sol. Era um homem rude e bastante persistente,
nunca desistia. Nutria profundo amor pelo mar e era extrema-
mente bondoso ... " (A.R.).

"Em geral não reconhecemos que estamos envelhecendo. O autor


nos dá um exemplo de atitude contrária quando apresenta Santiago
reconhecendo que não pode fazer tudo e que o rapaz é indispen-
sável. Dessa forma mostra também que a união faz a fôrça". (R.M.)

"Deixe-me ir arranjar isca fresca".

- Obrigado, disse o velho pescador. Era demasiado simples para


compreender quando alcançara a humildade. Mas sabia que a
alcançara e sabia que não era nenhuma vergonha nem represen-
tava perda do verdadeiro orgulho".

Esta passagem nos mostra que, por mais cultos que sejamos,
devemos aceitar a ajuda alheia e ouvir a opinião dos outros.

"Gostaria de ter uma pedra para afiar a faca ...

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Agora não é o momento de pensar naquilo que você não tem. Pense
antes no que pode fazer com aquilo que tem". (Hemingway nesse
trecho nos ensina que devemos contentar-nos com o que temos
e não nos desesperarmos por não possuirmos o que gostaríamos)
(J.F.)
"Lendo êste livro, que é considerado um monumento literário, so-
mos ao mesmo tempo apreciadores e alunos de Hemingway pelas
tantas mensagens que nos envia através de um velho na solidão
do mar.
Para sermos grandes homens, bem sucedidos na vida, precisamos
mantermo-nos fiéis a nós mesmos, íntegros, autênticos e ainda
receber os triunfos e as derrotas com a mesma disposição de es-
pírito". (J.E.F.)

3.4 Os meninos da rua Paulo de Ferenc Molnar.


Êste livro foi explorado em um trabalho de equipe e, posteriormente,
em outra turma, com os mesmos objetivos selecionados para
O velho e o mar.
O trabalho foi igualmente dividido em três fases:
l.a fase: Leitura do livro.
I. Observar:
1. As características de personalidade dos personagens,
sobretudo de Chico Ats, Nemecsek e Boka.
2. As características de cada grupo.
3. O tipo de liderança que cada chefe exercia sôbre seu
grupo.
4. O sentimento que um chefe nutria em relação ao outro.
II. Procurar localizar passagens do livro em que se pôde observar
atitudes elegantes.
2. a fase: Debate.
Os meninos da rua Paulo - Sugestões de perguntas para a sessão
de debate.
1. Quais os 2 grupos principais do livro?
2. Que outra sociedade aparece também no livro?

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3. Qual o motivo da contenda entre os 2 grupos?
4. Que fato determinou o início da briga?
5. Houve uma cena logo no início do livro, quando os meninos
saem do colégio, em que Boka, Csele e Geréb participam.
nesta cena Boka demonstra sua superioridade sôbre Geréb.
Qual foi?
6. °
Que motivo teria levado Geréb a trair grupo?
7. Analisemos Boka:

a) Tinha êle ares de valentão?


b) Quais as principais qualidades de Boka?
c) Reunia qualidades de líder?

8. Analisemos Áts:

a) Quais as qualidades de Chico Áts?


b) Era severo com seus comandados?
c) Em que passagem você observou isto?

9. Aponte uma característica do grupo de Chico Áts, que se


percebe em algumas passagens do livro que determina de
certo modo a necessidade de um líder severo.
10. Qual dos 2 chefes você julga superior e qual a razão.
11. Faça um paralelo entre o aspecto físico de Nemecsek e suas
características morais.
12. Quem descobriu Nemecsek em cima da árvore?
13. Que atitude tomou Chico Áts em relação a Nemecsek?
14. Que fêz com os irmãos Pasztor?
15. Que fêz com Geréb?
16. Cite uma passagem em que se observa a correção e o espí-
rito de justiça de Boka.
17. Cite uma passagem em que se observa a severidade e pre-
potência de Chico Áts.
18. Você sabe distinguir o que seja um chefe e líder?
19. Que qualidades julga mais importantes em um líder?
20. Que pensa do problema de líderes ocasionais.
21. Cite uma passagem em que se observa uma atitude elegante
de Boka, revelando respeito pelo adversário.
22. Cite uma passagem em que se observa uma mentira ou omis-
são justificável.

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23. Cite uma outra passagem onde a omissão também foi fun-
cional e elegante.
24. Em que consistia o einstand?
25. Quem era o Heitor?
26. Como os meninos camisas vermelhas mostraram sua intenção
de brigar?
27. O que fizeram os da rua Paulo?
28. O que provocou a doença de Nemecsek?
29. Quem tentou subornar o eslovaco Iano?
30. O que motivou o nome de traidor a Nemecsek na sociedade
de Betume?
31. Que atitude tomou Chico Áts quando soube da tentativa de
subôrno de Geréb?
32. Presume-se que o autor tenha participado do grupo da rua
Paulo - você observou por quê?
33. :Êste livro motivou um fato de exploração da opinião pública.
Sabe qual?

3. a fase: Trabalho escrito.

Sugestões de roteiro.

I. Introdução

a) o autor, o tradutor (notas biográficas)


b) razões que teriam motivado a tradução e a publicação
da obra.

n. O livro

1. O enrêdo
2. Os personagens

a) traçar os perfis psicológicos de Nemecsek, Boka e


Geréb. Explorar o motivo principal que levou Geréb
à traição (citar trechos do livro).
b) analisar a personalidade de Chico Áts.
c) analisar as atitudes dos 2 chefes. Destacar o senti-
mento que um nutria em relação ao outro.

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3. Conclusão.

a) concluir com os ensinamentos tirados sobretudo no


que se refere ao caráter.

[lr. Apreciação pessoal.

Transcrevemos na íntegra, e sem emendas, o trabalho do aluno


Cláudio Tjurs, que exemplifica como os roteiros apresentados, como
sugestão, não prejudicam a originalidade nem a criação pessoal
dos alunos.

Os Meninos da Rua Paulo

Autor: Ferenc Molnar.

Romancista e teatrólogo húngaro, de origem judaica, nasceu em


Budapeste, em 12 de janeiro de 1878; morreu em 1-4-1952 no exílio.
Os temas em seus livros baseiam-se nos problemas e nas situações
de vida na cidade moderna, embora visem mais à pura diversão
do que ao desenvolvimento dêsses problemas. Como teatrólogo
escreveu: O diabo, O guarda, O cisne, Nenhuma glória maior.
Escreveu o livro Os meninos da rua Paulo, com 28 anos de idade.

Tradutor: Paulo Rónai.

Traduziu Os meninos da rua Paulo convicto de que sua aceitação


se faria tanto entre os jovens, como entre os adultos. É professor
de Latim do Colégio Pedro II (Guanabara).

Razões que teriam motivado a tradução e a publicação da obra.

O principal motivo da realização do livro foi a maestria do autor,


que compôs uma verdadeira obra-prima. Outro motivo é o acesso
que a obra tem tanto sôbre os jovens como aos adultos. A aceitação
foi tão grande na Hungria, que logo foi sendo traduzido em outros
países, para que também outros leitores - sonhadores de voltarem
o espírito para a infância - tivessem a oportunidade de correr
os olhos por páginas tão lindas. Por isso é que a publicação dessa
obra se realizou com tanta segurança, e por isso, é que uma reali-

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zação literária tão importante, não poderia deixar de ser traduzida
e figurar em várias cabeceiras, em vários pontos dêsse grande
mundo - um mundo que lembra o mundo dos meninos da
rua Paulo - o grund.

o enrêdo:
Antes de situar-me na história do livro, darei um intróito, que
creio eu, aqui bem cabe para a facilitação do princípio da engre-
nagem dos acontecimentos.
A gente nasce. E cada dia que passa, é sinal que a vida está em
andamento. A gente nasce, olha, sente, pensa, sonha, ri, ama e
chora. Depois a gente morre. Acaba o chorar, o viver, o amar;
acaba tudo. Se houve alegrias? Poucas, mas houve. Situemo-nos
num ponto bem elevado. Imaginemos que ao ler um livro, estamos
assistindo todo o desenrolar da estória, do alto, numa visão geral,
estamos numa platéia bem alta. Vejo vários meninos a viver um
momento de suas vidas. São meninos como quaisquer meninos.
Mas como quaisquer meninos, êle:s têm sua própria história.
Êsses meninos a que me refiro, são os meninos da rua Paulo.
Êles têm um país. O nome do seu país é grund. O grund é um
pequeno país, mas nenhum país por maior que seja é tão amado,
tão coeso, tão unânime, com ideais tão comuns, quanto o é o grund.
A vida dêles estava ali. Era um grupo belo, chefiado por um rapaz
inteligente e de grande sensibilidade. As atividades no grund eram
muitas. Havia o jôgo de péla, a sociedade do Betume, que tinha
como finalidade armazenar os betumes retirados das vidraças re-
cém-concluídas. Havia um outro grupo, que se situava no imenso
Jardim Botânico. Porém, êsse grupo contava com rapazes mais
fortes, que tinha como líder um rapaz enérgico e audaz. Apesar
de tôda imensidão do seu território, êles invejavam o pequeno ter-
reno dos meninos da rua Paulo. Isto porque era o único lugar
suficientemente plano e descampado para a realização do jôgo de
péla. A conseqüência dessa inveja viria acarretar uma guerra entre
êsses dois grupos. Depois de determinado tempo, os embaixadores
de cada grupo marcaram o dia e a hora da contenda. A situação
era de vida ou morte. Os meninos da rua Paulo iam lutar para
salvar o seu grund. Começou a etapa que consistia em traçar os
planos.

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Porém, houve um imprevisto. Um rapaz despeitado por ter perdido
a eleição para presidente do grupo dos da rua Paulo, passou a
fazer o papel de traidor, informando tudo ao grupo dos camisas-
-vermelhas, grupo do Jardim Botânico. Todavia, um menino loiro,
franzino, cabo do exército dos da rua Paulo, descobriu tudo, e,
informou a seu líder os acontecimentos. Porém para tudo isso
descobrir, êle muito se sacrificou. Êle chegou a ser descoberto, e
só não foi torturado por ser pequenino. Entretanto, êle foi atirado
na água de uma lagoa por invadir território inimigo. Era a terceira
vez que êle tomava um banho dêsses. A primeira numa missão de
reconhecimento pelo Jardim Botânico, quando escorregou do barco,
a segunda quando teve que se esconder dos camisas-vermelhas num
tanque de água de uma estufa, e a terceira atirado pelos Pásztor,
os dois mais fortes do bando de Chico Áts, líder severo, porém
justo, dos camisas-vermelhas.

A guerra, enfim, estourou. Os meninos da rua Paulo estavam com


ótimos planos. O general, Boka, líder supremo dos meninos da
rua Paulo, contava com seus capitães, tenentes; porém não com
Nemecsek, que adoecera em virtude dos banhos tomados.

o traidor, Geréb, que se arrependeu de sua atitude, mediante severa


lição dada por Nemecsek, regenerou-se, e, com muito custo, depois
de várias recusas, foi readmitido no grupo dos meninos da
rua Paulo.

Tudo saiu bem para os da rua Paulo. Todo o plano ofensivo e


defensivo do general surtira efeito. Os camisas-vermelhas foram
derrotados! Não adiantara fôrça, nem violações de leis de guerra,
foram seriamente fulminados. Nemecsek, que não agüentara a
reclusão em seu quarto, fugiu em direção à batalha, no momento
crucial. Tomado de violenta coragem e momentânea fôrça, diri-
giu-se a Chico Áts, que queria, num último desespêro, salvar os
seus companheiros prisioneiros; e derrubou-o num único golpe.
Porém, aquilo fôra demais para êle, por conseguinte, desmaiou.
A guerra acabara. Os camisas-vermelhas se retiraram cabisbaixos,
sendo que seu líder foi libertado com honras, sem ser humilhado.
Nemecsek foi levado para sua casa, e horas depois, tràgicamente,
morreu.

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Além disso delirou muito. Sua única alegria fôra a vitória e o título
de capitão que recebera. Seus pais choraram muito a partida do
filho. Boka também sentiu muito. Os membros da Sociedade do
Betume, se arrependeram, de precipitadamente, consideraram-no
culpado de algo que êle não fizera de certa feita.
Dias depois, Boka, só pelas ruas, pensava nas tantas vêzes que
andara com Nemecsek, ora na escola, ora nos montes de lenha
do grund, ora a brincar com o cachorro de Eslovaco. Resolvera
então visitar o grund. Lá êle ainda podia ver as pegadas, a terra
revolvida pela luta. Nisso algo o sobressaltou. Vira instrumentos
de construção. Não demorou muito para concluir que ali, onde
êles tanto lutaram, tanto amaram, ia ser construído um edifício.
Lágrimas fizeram-se preseI1tes. A dor era grande. Seu coração
acelerava mais rápido, seu sofrimento era, pràticamente, inconso-
lável. Sua única consolação era a de que Nemecsek não estaria
ali para ver a terra, pela qual morrera, ser tomada para carregar
um pesado edifício em suas costas, para todo o sempre.
No dia seguinte, na escola todos estavam cientes da morte de
Nemecsek e da morte de grund.
Boka sentira, então, na sua alma o que era vida. A vida é algo
que tem em suas mãos soldados que, conforme sua vontade, são
alegres ou tristes. A vida tem nesses soldados servidores, enfim,
verdadeiros fantoches.
Os personagens
Nemecsek - Era o mais fraco. Porém se mostrou muito corajoso
durante tôda a sua pequena existência.
Boka - Espírito de líder. Justo, de idéias coordenadas e inteligen-
tes. Como general revelou-se um grande estrategista.
Geréb - Era ambicioso, e possuia certos defeitos. Só depois com-
preendeu seus erros, e tornou-se novamente digno dos meninos da
rua Paulo, pois não o fôra quando os traiu. O principal motivo da
traição de Geréb foi quando não ganhou a eleição para a presidên-'
cia. Boka o vencera por onze votos contra três. Outro motivo era
que êle pensava que teria, no outro grupo, um meio de se distinguir
mais do que com os meninos da Rua Paulo.

60 Curriculum 1171
Personalidade de Chico Ats

Era rígido e duro com seus camaradas. Justo, honesto, e de bom


coração. Exemplo de sua justiça dá-se quando êle descobre a ati-
tude que os Pásztor tiveram ao fazer einstand com o pequeno
Nemecsek. O castigo foi, também, um banho de água, como o
tivera o pequeno loirinho. Outro exemplo da personalidade de
Chico Ats foi quando se interessou pelo estado de saúde de
Nemecsek; chegou até a mandar uma comitiva em seu nome para
visitá-lo.

Atitudes dos dois chefes: Sentimentos que nutriam um pelo outro

Possuiam grandes virtudes. Eram rapazes de ação, de atitudes pen-


sadas e cumpriam os seus deveres de chefes. Boka era mais líder,
pois agia para o bem comum, enquanto que Chico Ats era mais
chefe, pois agia de modo a satisfazer certas vontades suas, inde-
pendentes das opiniões dos seus soldados. Os dois chefes nutriam
um pelo outro uma admiração bem grande.

Conclusão

o livro dá uma visão de como enfrentar as realidades da vida.


Ensina como se deve vencer uma batalha, e como se deve aceitar
uma derrota. Como se deve agir para consigo próprio, e para com
os outros. Como formar o caráter, como se educar a si próprio, a
viver a vida como ela é, e não como se quer que ela seja.

Apreciação pessoal

o livro é, em todos os sentidos, ótimo. Cativa a pessoa do comêço


ao fim, dando ensinamentos e noções da vida. A pessoa se prende
no desenrolar da história, e passa a vivê-la, a sentir suas emoções;
passa a criar imagens referentes aos trechos do livro, enfim, passa
a integrar-se no livro, e tornar-se personagem do mesmo. É um
livro que deve fazer parte de tôda seleção de clássicos, com o
caráter de obra-prima.

Leitura Extensiva 61
3.5 O pequeno príncipe de Anioine de Saini-Exupéry.

:Este livro, estudado na 4. a série ginasial, por seu conteúdo sim-


bólico sofreu uma alteração nas fases: depois da leitura, seguiu-se
o trabalho escrito e finalmente o debate, baseado nas interpre-
tações pessoais dos alunos. Os roteiros sugeridos foram os seguintes:

l. a fase: Leitura do livro

Durante a leitura:
a) Observar os símbolos e a línguagem simbólica.
b) Destacar os tipos humanos apresentados sob esta forma sim-
bólica. Anotar em uma ficha.
c) Observar o vocabulário e o estilo do autor.
d) Anotar as passagens que não compreender.

2. a fase: Trabalho escrito.

Sugestão de roteiro:

a) Fazer um resumo do enrêdo do livro.


b) Fazer um comentário sôbre o conteúdo do livro dividindo-o
em 2 partes:

- a parte em que o autor ironiza pessoas, sentimentos e de-


feitos humanos (citar trechos do livro).
- A parte em que o autor fala à nossa sensibilidade (citar
trechos do livro).

c) Apreciação pessoal.

3. a fase: Debate.

As questões para debate foram, conforme dissemos, retiradas dos


trabalhos escritos.

Os pontos duvidosos, as interpretações interessantes e os aspectos


controvertidos foram destacados e serviram de tema para discussão
dirigida.

62 Curriculum 1/71
Neste livro demos maior ênfase à expressão oral e à interpretação.
Apesar de os debates terem levado a algumas conclusões deixamos
bem claro que interpretação é tarefa subjetiva e pessoal, sendo
muito relativos os conceitos de certo ou errado.
A discussão despertou tanto interêsse que ocupamos três aulas
nos debates.
Houve muita troca de opiniões, muitas divergências e algumas
lições foram tiradas: "Tôdas as pessoas grandes foram um dia
crianças (Mas poucas se lembram disso)" - mensagem aos adultos
que pensam serem as crianças homens em miniatura.
"Eu fôra desencorajado pelo insucesso do meu desenho n. o 1" -
mensagem às pessoas que tiram o estímulo pela crítica e incom-
preensão.
"Então eu não lhe falava nem de jibóias, nem de florestas virgens,
nem de estrêlas. Punha-me ao seu alcance" - refere-se ao fato
de, às vêzes, têrmos de falar sôbre banalidades com certas pessoas.
"As pessoas grandes adoram os números" - crítica ao pragmatismo
e materialismo dos homens.
"O astrônomo repetiu sua demonstração, numa elegante casaca.
Então, dessa vez, todo o mundo se convenceu" - ironia à valori-
zação dos aspectos exteriores.
"Quando a gente lhes fala de um nôvo amigo, elas jamais se
informam do essencial" - crítica aos homens que só vêem a posição
social das pessoas.
"Meninos! cuidado com os baobás" - significando que devemos
"atacar o mal pela raiz".
O rei diz "é preciso exigir de cada um o que cada um pode dar"
- ensinando que só se deve dar ordens razoáveis, as que podem
ser cumpridas.
"Tu julgarás a ti mesmo. É o mais difícil. É bem mais difícil julgar
a si mesmo que julgar os outros".
O acendedor de lampiões - crítica aos regulamentos absurdos e
que não se atualizam de acôrdo com as novas realidades: "No

Leitura Extensiva 63
entanto, é o único que não me parece ridículo. Talvez porque é o
único que se ocupa ou outra coisa que não seja êle mesmo".
o geógrafo - crítica ao aprendizado excessivamente teórico.
Homem de negócios - crítica aos avarentos e excessivamente
pragmáticos.
Falando à nossa sensibilidade, destacaram, entre outros, os se-
guin tes trechos:
"Quando a gente está triste demais, gosta de pôr do sol" ...
"Devia tê-la julgado pelos atos, não pelas palavras ... "
"Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos".
"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".
Os trabalhos escritos apresentaram algumas deficiências porém
as novas interpretações dadas a passagens do livro durante as
discussões revelaram a importância e o valor dessa atividade.

4. CONCLUSÕES

a) A carência de Serviços de Orientação Educativa e de Serviços


de Atividades Extraclasse organizados nas escolas, dificulta a atua-
ção dos professôres em sua tarefa de orientação vital dos alunos.
b) Raramente dispondo de tempo, na carga horária, para sessões
de orientação coletiva - o que seria ideal - o professor precisa
aproveitar tôdas as oportunidades que sua disciplina proporciona
e programar atividades que contribuam para a "formação integral
da personalidade do educando".
c) A leitura, além de proporcionar o aprimoramento do idioma
e do gôsto estético, é uma excelente atividade para as horas de
lazer, devendo portanto ser incentivada.
d) O professor pode, em seu período normal de classe, incentivar
a leitura de bons livros, selecionando-os e explorando-os de forma
tal que favoreça também o desenvolvimento de uma filosofia de
vida sadia e otimista.
e) Esta atividade é de tal relevância que, mesmo nos colégios
em que os serviços de orientação sejam bem aparelhados e as
atividades extraclasse funcionem regularmente, o professor de
português deve inclui-la em seu plano de trabalho.

64 Curriculum 1;71

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