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A leitura como elemento auxiliar

da integração ao meio

MARIA ZELY DE SOUZA MUNIZ *

1 - INTRODUÇÃO

A escola de há muito deixou de se ocupar apenas com a


instrução de seus alunos; as diversas contingências da vida
moderna obrigaram-na a ampliar seu campo de ação e,
além do aspecto intelectual, cuidar da educação moral e
social de quantos a freqüentam. Multiplicam-se, dia a
dia, os "Serviços de Orientação Educativa"; a cada momen-
to tem-se notícias de grêmios, associações estudantis, clu-
bes e olimpíadas escolares. O panorama educacional do
país já é promissor.
No entanto, mesmo conjugando os esforços das autorida-
des competentes com os dos professôres que se incumbem
das atividades extraclasse e outras de caráter educativo,
resta ainda muito a fazer. A equipe precisa de ser am-
pliada; não pode contar apenas com alguns professôres
mais dedicados ou que dispõem de mais tempo e, sim, com
todos os professôres. Cada um, em sua matéria, pode
realizar o que o Diretor do Colégio Nova Friburgo, deno-
minou de "ensino integrador" .
Nas oportunidades oferecidas por sua disciplina o mestre
pode promover a integração do aluno ao meio social, atra-
vés de um ensino agradável, atraente e moderno. Con-
siderando que há, em nossa sociedade, atividades que so-
licitam e dispersam a atenção dos jovens, o professor pre-
cisa buscar recursos que se assemelhem, em atrativos, aos
das atividades citadas. Há no comércio uma variedade

* Profes~ôra de Pcrtuguê, do Colégio Nova Friburgo.


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enorme de slides, diafilme~, filmes educativos, discos, ma-
terial ilustrativo, de que se pode lançar mão para adap-
tar-se, cada vez mais, o ensino à vida.

II - AS UNIDADES DO ENSINO DE PORTUGftES

Em artigos publicados em números anteriores de Curri-


cu/um (ns. 2 e 5), comentamos a vantagem de organizar-
-se as Unidades de Português por assuntos escolhidos le-
vando-se em conta o interêsse e o nível da turma, objetivos,
atividades etc. Para promover a integração do maior nú-
mero de alunos por meio da leitura dos textos e recursos
próprios à cadeira de Língua Pátria, os assuntos dessas
Unidades devem ser bem variados, considerando-se que os
interêsses dos alunos são múltiplos e imensas ~ão as dife-
renças individuais. A Unidade "Um pouco de literatura
científica para esclarecer", por exemplo, conquistou para
a leitura extensiva, um aluno anteriormente avêsso a esta
atividade. Havíamos realizado um júri simulado tendo
por réu o cigarro; o aluno em questão fôra advogado de
defesa e para desincumbir-se de sua tarefa consultara vá-
rias obras. Dias depois recebemos uma ficha de leitura
relativa ao livro Vitória sôbre a Doença de Lealon E.
Martins - o primeiro livro completamente lido pelo "ad-
vogado". O assunto da unidade descobrira-lhe o interêsEe
por livros de divulgação científica, enriquecendo seu pro-
grama de lazer - o bom aproveitamento das horas de
lazer ajuda a promover a integração.
Como os textos e as atividades de cada uma, as Unidades
devem estar ligadas entre si por uma característica comum
para reforçar o que se pretende atingir no final do curso,
em nosso caso, a formação do indivíduo que lidera, pelo
menos, a si próprio, que sabe subtrair-se das más influên-
cias, que se define diante dos problemas; do que é capaz
de assumir responsabilidades, que tem opiniões próprias
e sabe fazer julgamentos, do que está, enfim apto a inte-
grar-se nessa nossa "sociedade em mudança" como a defi-
niu Kilpatrick. O desenvolvimento das qualidades neces-
sárias a êste objetivo deve estar presente em tôdas as uni-
dades e constitui uma das características que devem ligá-
64 CURRICULUM VI/64

-las entre si. Pensamos que ao professor da Língua Pá-


tria, é oferecida a melhor das oportunidades para a for-
mação dessas mentalidades sadias e caracteres firmes.

IH - A CAPACIDADE DE FAZER JULGAMENTOS E


DE EMITIR OPINIÔES PRÓPRIAS

Não é difícil levar-se o educando a ter opiniões próprias


e fazer julgamentos judiciosos e sensatos. É preciso, no
entanto, que o professor se disponha a desenvolver nêle
estas capacidades. Para isso deve solicitar em tôda opor-
tunidade o parecer do aluno e aceitá-lo seja êle qual fôr.
°
À medida que se fôr efetuando processo educativo como
um todo, verificará as opiniões melhorando gradativa-
mente.
Há uma série de atividades que levam ao objetivo propos-
to: crítica a personagem de textos, crítica a situações vi-
vidas ou observadas através da leitura, júris simulados jul-
gando personagens de romances, autores, personagens his-
tóricos, sentimentos, e o que o interêsse dos educandos ou
o assunto da Unidade ditar.
Na "ficha de leitura" utilizada no Colégio Nova Friburgo
(publicada no Curriculum n.o 1) há, juntamente com os
destinados ao registro da compreensão e interpretação da
obra lida, um item: "Qual sua opinião sôbre o livro?" com
o propósito de forçar o aluno a emitir um julgamento pró-
prio. Inicialmente as respostas são simples e pouco sig-
nificativas: "muito bom", "interessante", "ótimo", porém
pouco a pouco vão aparecendo outras mais refletidas e al-
gumas até fundamentadas.
O texto O Plebiscito apresentado na unidade "A vida no
lar e em sociedade inspira a arte literária", por exemplo,
favoreceu a realização de exercícios, além dos destinados
aos estudos de língua e gramática, que buscaram desen-
volver o espírito crítico e a capacidade de fazer julgamen-
tos. A leitura silenciosa foi seguida pela audição do texto
gravado por Luís Jatobá no disco "Antologia falada do
Conto Brasileiro", VaI. I, - o que despertou grande inte-
rêsse.
LEITURA E A INTEGRA:::ÃO AO MEIO 65
Uma discussão em grupo das atitudes julgadas pmitivas e
negativas contribuiu para a educação moral dos educandos.
Nossos alunos de 2. a série apontaram como atitudes posi-
tivas: "O menino perguntar porque teve dúvida"; "a sin-
ceridade de D. Bernardina dizendo que não sabia"; "o con-
selho de consultar-se o dicionário quando se desconhece
uma palavra"; "a atitude meiga e conciliatória da menina";
"a atitude de D.Bernardina ao aceitar a sugestão da filha
dando oportunidade ao Sr. Rodrigues de voltar à sala".
Como atitudes negativas: "O Sr. Rodrigues fingir que dor-
mia"; "falta de sinceridade do Sr. Rodrigues"; "forma pouco
respeitosa do menino ao responder: - se soubesse, não
perguntava"; "discussão dos pais na presença dos filhos";
"a expressão "vá para o diabo" do Sr. Rodrigues". Sem
revelar-se os autores, as respostas foram comentadas e dis-
cutidas . Opiniões sôbre como deveriam ter agido o Sr.
Rodrigues e D. Bernardina apareceram, espontâneamente,
durante as discussões.
Reforçando a tarefa de orientação e incentivo à leitura
realizada na Biblioteca do Colégio, solicitamos de nossos
alunos o preparo de pequenas monografias sôbre livros
lidos, o que nos permitiu também observar, sob outro ân-
gulo, se nossos objetivos foram atingidos.
O trabalho que selecionamos para exemplificar, foi apre-
sentado em formato de livro, com capa ilustrada, gram-
peado e limpo, tendo sido executado por um aluno da
1.a série. Nêle podemos apontar várias das "caracterís-
ticas comuns a tôdas as unidades" de que falamos ante-
riormente, incluindo o cabeçalho que recebeu: "Meu pa-
recet sôbre o livro Memórias de Emília".

Começa:
"Na minha opinião o livro de Monteiro Lobato reúne tudo
de agradável. . ."
Mais adiante: "Achei bastante estranho o conteúdo do
livro para o título que o autor deu pois compreendo por
"memórias" fatos. . ."
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E ainda: ((No meu entender o livro não deveria ter o nome


que tem e sim "O anjinho da asa quebrada" e "as crianças
inglêsas no sítio de D. Benta ... " "O conteúdo do livro
é múltiplo". Feita a introdução segue com o resumo do
livro, que constitui o corpo do trabalho. A conclusão foi a
seguinte: "Em geral achei o livro agradável, uma nova mo-
dalidade de leitura em que são misturadas filosofia infantil
e ficção. Por causa dos vários assuntos torna-se difícil
interpretar-se êsse livro e dizer qual a mensagem que o
autor tinha em mente enviar, porém do que compreendi
podemos resumir nestas palavras: com bondade e obe-
diência assim como com perseverança tudo se consegue:'.
Em anexo apresentamos o texto de Artur Azevedo e os
exercícios que, em tôrno dêle, foram propostos à dasse.

IV - CONCLUSÕES

1. A escola deve procurar promover a integração de


seus alunos ao meio social em que vivem, tornan-
do-os úteis ao grupo e a si mesmos.
2. Cada professor pode contribuir com os recursos pe-
culiares a sua disciplina desde que haja uma intenção
dirigida neste sentido.
3. A cadeira de Português é, talvez, a que conta com
mais oportunidades de realizar o "ensino integrador",
como o definiu o Prof. Amaury Pereira Muniz.
4. Utilizando o método de unidades - eminentemente
flexível - pode-se empregar grande variedade de
técnicas e procedimentos didáticos de forma a aten-
der às diferenças individuais e abranger várias áreas
de atividades dos educandos.
5. Com o intuito de habilitar o educando a integrar-se
na atual "civilização em mudança" é preciso torná-lo
líder de si mesmo e capaz de julgar a nova situação
que surge a cada momento com critério para poder
tomar a melhor atitude.
LEITURA E A INTEGRAÇÃO AO MEIO 67

LEITURA DRAMATIZADA

PLEBISCITO

(Arthur Azevedo)
Narrador - A cena passa-se em 1890.
A família está tôda reunida na sala de jan-
tar. O senhor Rodrigues palita os dentes,
repimpado numa cadeira de balanço. Aca-
bou de comer como um abade, dona Ber-
nardina, sua espôsa, está muito entretida 8.
limpar a gaiola de um canário belga. Os
pequenos são dois, um menino e uma me-
nina. Ela distrai-se a olhar para o canário.
Êle, encostado à mesa, os pés cruzados, lê
com muita atenção, uma das nossas fôlhas
diárias.
De repente o menino levanta a cabeça e
pergunta:
Manduca - Papai, que é plebiscito?
Narrador - O senhor Rodrigues fecha os olhos imediata-
mente para fingir que dorme.
O pequeno insiste:
Manduca - Papai?
Narrador - Pausa.
Manduca - Papai?
Narrador - Dona Bernardina, intervém:
D. Bernardina - Ó seu Rodrigues. Manduca está lhe
chamando. Não durma depois do jantar, que lhe faz
mal.
Narrador - O Senhor Rodrigues não tem remédio senão
abrir os olhos.
Rodrigues - Que é? que desejam vocês?
Manduca - Eu queria que papai me dissesse o que é
plebiscito.
68 ClTRRICULUM VI/64

Rodrigues - Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze


anos e não sabes o que é plebiscito?
Manduca - Se soubesse não perguntava.
Narrador - O Senhor Rodrigues volta-se para dona Ber-
nardina que continua ocupada com a gaiola:
Rodrigues - Oh! senhora, o pequeno não sabe o que é
plebiscito!
Bernardina - Não admira que êle não saiba, porque eu
também não sei.
Rodrigues - Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que
é plebiscito?
Bernardina - Nem eu, nem você; aqui em casa ninguém
sabe o que é plebiscito.
Rodrigues - Ninguém, alto lá! Eu creio que tenho dado
provas de não ser nenhum ignorante!
Bernardina - A sua cara não me engana. Você o que
é, é muito prosa. Vamos! se sabe, diga o que é ple-
biscito! Então? A gente está esperando! Diga ...
Rodrigues - A senhora o que quer é enfezar-me!
Bernardina - Mas, homem de Deus, para que você
não há de confessar que não sabe? Não é nenhuma
vergonha ignorar qualquer palavra. Já outro dia a
mesma coisa, quando Manduca lhe perguntou o que
era proletário. Você falou, falou, e o menino ficou
sem saber!
Rodrigues - Proletário. . . - é o cidadão que vive do
seu trabalho mal remunerado ...
Bernardina - Sim, agora, sabe, porque foi ao dicioná-
rio. Mas dou-lhe um doce se me disser o que é ple-
biscito sem se arredar dessa cadeira.
Rodrigues - Que gostinho tem a senhora em tornar-me
ridículo na presença destas crianças!
Bernardina - Oh! ridículo é você mesmo que se faz.
Seria tão simples dizer: Não sei, Manduca, não sei
o que é plebiscito; vai buscar o dicionário, meu filho.
LEITURA E A TNTEGRA:;:ÃO AO MEIO 69

Narrador - O Senhor Rodrigues ergue-se de um ímpeto


e brada:
Rodrigues - Mas se eu sei ...
Bernardina - Pois se sabe, diga!
Rodrigues - Não digo para não me humilhar diante de
meus filhos! Não dou o braço a torcer! Quero conser-
var a fôrça moral que devo ter nesta casa! Vá para
o diabo!
Narrador - E o senhor Rodrigues, exasperadíssimo, ner-
voso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto,
batendo violentamente a porta. No quarto havia o
de que êle mais precisava naquela ocasião: algumas
gôtas de água de flor de laranjeira e um dicionário.
A menina toma a palavra:
Menina - Coitado do papai! Zangou- logo depois do jan-
tar. Dizem que é tão perigoso!
Bernardina - Não fôsse tolo, e confe~sasse francamente
que não sabia o que é plebiscito.
Manduca - Pois sim, mamãe, chame papai e façam as
pazes.
Menina - Sim, sim! façam as pazes! Que tolice! duas
pessoas que se estimam tanto, zangarem-se por cau-
sa do plebiscito.
Narrador - Dona Bernardina dá um beijo na filha e vai
bater à porta do quarto ...
Bernardina - Seu Rodrigues, venha sentar-se; não vale
a pena zangar-se por tão pouco.
Narrador - O negociante esperava a deixa. A porta abre-
-se imediatamente. Êle entra, atravessa a sala e vai
sentar-se na cadeira de balanço.
Rodrigues - É boa! - é muito boa! Eu ignorar a signifi-
cação da palavra plebiscito! Eu!
Narrador - A mulher e os filhos aproximaram-se dêle.
70 CliRRICULUM VIj64

o homem continua num tom profundamente dogmá-


tico. E olha para todos os lados a ver se há por ali
mais alguém que possa aproveitar a lição.
Rodrigues - Plebiscito é uma lei romana, percebem?
E querem introduzi-la no Brasil! É mais um estran-
geirismo!

EXERCÍCIOS

l.a Parte

I No texto há algumas palavras grifadas e que foram


repetidas abaixo. Numere a coluna da direita, de
acôrdo com o que lhe corresponde na coluna da
esquerda, de acôrdo com o sentido do texto.
1. entretida ( ) indivíduo pobre, ope-
rário
2. plebiscito ( ) absorta
3. intervém ( ) interpõe a SUei autori ..
dade-
4, prosa ( ) voto do povo sôbr"
proposta que lhe é
apresentada
5. proletário ( ) fanfarrão
6. dogmático ( ) autoritário, sentencio-
so
11 - Adiante você encontrará frases, extraídas do tex-
to, contendo construções toleradas na linguagem
familiar. Você deverá repeti-las em sintaxe lite-
rária, isto é, de forma correta.

a) Ó seu Rodrigues

b) Manduca está lhe chamando


.......................... , ...... .
c) Se soubesse, não perguntava
, , , !' , ~ , , , , , , , • • • , • • • • '. I ! ~ , , , , , • • • •
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d) ... vai buscar o dicionário, meu filho

e) A gente está esperando!

IH - Leia novamente o texto prestando atenção às ati-


tudes dos personagens. Critique-as e separe nas
colunas abaixo os procedimentos que, de acôrdo
com S6U julgamento foram:

POSITIVOS NEGATIVOS

• •••• • , •••••••••• • 1.

, ................. .
• • , • , • , • , t , • , t •• t •• · .. , ..... .. . ... , , , ,

• •• , I ••••••••••••••
·................. .
·................. . • •• t • • 11' ••••••••••

• •••• • 11 •••••••••••

2." P::.rt3

I Faça o que se pede:


a) Preencha a lacuna com o pretérito perfeito
do verbo intervir: Dona Bernardina ..... .
. . . . . . . . no momento exato.
b) Mude o verbo grifado para o futuro do indi-
cativo fazendo as modificações que se fize-
rem necessárias: Dou-lhe um doce se me dis-
ser o que é plebiscito.
,,,,,, , . , ........... , , ... ,
72 CL;RRICLTLUM VI/64

II Passe para o plural:

a) O cidadão sentou-se na cadeira de balanço

b) A flor de laranjeira serve para fazer calmante

III - Retire, no texto, um adjetivo flexionado no grau


superlativo absoluto sintético: ............. .

IV - Classifique as orações abaixo colocando dentro


dos parênteses os números correspondentes ao tipo
a que pertencem, de acôrdo com o seguinte:
1. Oração declarativa
2. Oração interrogativa
3. Oração exclamativa
4. Oração imperativa

( ) Que é plebi~cito?
( ) Que pergunta!
( ) Consulte o dicionário.
( ) Plebiscito é uma lei romana.

V - Sublinhe o predicado de cada uma das orações abai-


xo e coloque, nos parênteses, os números:
1. Quando fôr oração sem sujeito.
2. Quando fôr oração com sujeito simples.
3. Quando fôr oração com sujeito composto.
4. Quando fôr oração com sujeito indeterminado.
.5. Quando fôr oração com sujeito oculto.

( ) A família está na sala de jantar.


( ) Era à hora da sobremesa
( ) A mulher e os filhos aproximaram-se
( ) Alguém precisa de um dicionário!
( ) Confesse com franqueza!
( ) Dizem que é tão perigoso!
( ) A gente está esperando!

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