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20: Métodos de Pesquisa Sociológica

N
o auditório do Delta Airlines Stewardess Training Desde a publicação de The Managed Heart, muitos outrc
Centre (Centro de Treinamento para Comissárias de estudiosos basearam seu trabalho nas idéias de Hochschild. Apc
Bordo da Delta Airlines), em Atlanta, 123 estagiárias sar de Hochschild ter conduzido sua pesquisa dentro de uma d:
para a função de comissária de bordo escutavam um piloto ex­ mais desenvolvidas "economias de prestação de serviços" d
plicar que o sorriso é o principal atrativo de uma comissária de mundo- os Estados Unidos-, suas descobertas são aplicáveis
bordo. Arlie Hochschild, professora universitária de sociologia muitas sociedades da atualidade. Os empregos na área de prest:
na Universidade da Califórnia, foi para Atlanta participar de ção de serviços vêm se expandindo rapidamente pelo mund,
uma dessas aulas, sobre as quais escreveu em seu livro The exigindo que um número cada vez maior de pessoas se ded
Managed Heart ( 1983). quem ao "��rço emocional" em seu local de trabalho. Em a
"Agora, meninas, eu quero que vocês saiam por aquela por­ guns países que não possuem a tradição do sorriso em públic,
ta e sorriam com vontade", instruía o piloto. "O sorriso é o maior como a Groenlândia (veja a p. 39), essa tarefa tem se mostrac
atrativo de vocês. Quero ver vocês saírem e praticarem o sorriso. um tanto complicada. Nesses países, às vezes se exige que e
Sorriam. Sorriam mesmo. Aquele sorriso bem escancarado." prestadores de serviços participem de "sessões de treinamen1
Tendo como base sua pesquisa com as comissárias de bor­ para aprender a sorrir"- não muito diferentes daquelas freqüe1
do, Hochschild conseguiu acrescentar uma nova dimensão à tadas pelas comissárias de bordo da Delta Airlines.
maneira como os sociólogos imaginam o mundo do trabalho.
Como as economias ocidentais baseiam-se cada vez mais na
prestação de serviços, é preciso compreender o estilo emocio­ Questões sociológicas
nal do trabalho que desempenhamos.
O emprego de comissária de bordo é um trabalho como É tarefa da pesquisa sociológica ultrapassar as interpretaçõc
tantos outros que hoje você e seus amigos executam. Pouco im­ de nível superficial da vida comum, como fez Hochschil,
porta se a sua função for servir expressos ou manobrar carros, Uma boa pesquisa deve nos auxiliar a entender nossa vida se
muitos dos empregos atualmente exigem muito mais de você eia! de uma nova maneira. Deve nos tomar de surpresa, n:
do que trabalho físico. Você terá que oferecer o que Hochschild perguntas que faz e nas descobertas que propõe. Os temas qt
chama de "esforço emocional"- um trabalho que requer de vo­ interessam aos sociólogos, em sua teoria e em suas pesquisa
cê um controle dos seus sentimentos a fim de criar uma expo­ são muitas vezes semelhantes àqueles que preocupam outr:
sição corporal e facial que possa ser publicamente observada (e
aceita). De acordo com Hochschild, as empresas para as quais
você trabalha reivindicam não �as os seus movimel_!!gs. físi­
QQS, mas_ também as suas emoçõei, Elas são donas do seu sor­
riso quando você está trabalhando.
A autora passou um longo período nas aulas de treinamen­
to, porque participar dos processos sociais e observá-los é uma
excelente maneira de compreendê-los. Ela também realizou
entrevistas que lhe permitiram reunir mais informações do que
�o se apenas tivesse observado as aulas. A
sua pesquisa abriu uma janela para um aspecto da vida que a
maioria das pessoas imagina compreender, mas que precisava
ser mais aprofundado. Ela descobriu que os prestadores de ser-
- viços - assim como os trabalhadores braçais - geralmente se
sentem distanciados daquele aspecto particular de si mesmos
que é ·abandonado no trabalho. O braço desses trabalhadores
pode dar a impressão de que seja uma peça de maquinário, e de
que apenas eventualmente uma parte da pessoa o movimenta.
Da mesma forma, os prestadores de serviços com freqüência
diziam a Hochschild que seus sorrisos estavam neles, mas não A pesquisa que Arlie Hochschild realizou com comis­
eram deles. Ou seja, esses trabalhadores sentiam-se afastàaos sárias de bordo levou a uma nova interpretação de
de suas próprias emo ões, o que é um fato interessante se con- como os prestadores de serviços podem se sentir
distantes das ferramentas de seu trabalho - seus
iderarmos que geralmente se imagina que as emoções são
sorrisos.
uma parte profunda e pessoal de nós mesmos.
SOCIOLOGIA 509

pessoas, porém os resultados desse tipo de pesquisa freqüente- de comportamento criminal e de cumprimento das leis variam
mente opõem-se ao que consideramos bom senso. entre esses dois países? (De fato, encontramos algumas dife-
Em quais circunstãncias vivem os grupos minoritários? Co- renças importantes entre eles.)
mo pode existir fume em massa em um mundo que hoje é mui- Na sociologia, precisamos observar não apenas as socieda-
to mais rico do _gue foi oa passado? Quais os efeitos que a utili- des existentes, uma em relação a outra, mas também comparar
zação cada vez maior da tecnologia da informação produzirá o presente e o passado de!a�. Nesse ponto, as questões dos so-
sobre nossas vidas? Será que a farru1ia está começando a se de- ciólogos sã�es@es evolutiv� Para entendermos a nature-
sintegrar enquantojnstituição? o(sociólogos buscam oferecer za do mundo moderno, precisamos observar as antigas formas
respostas para esses e muitos outros problemas. Suas descober- de sociedade e analisar a principal direção tomada pelos pro-
tas não - um, conclusiv Mesmo assim, é um cessos _de mudança. Assim, podemos investigar, por exemplo,
objetivo sempre presente na teoria e na pesquisa sociológicas como se originaram as primeiras prisões e descrever as atuais.
escapar do método especulativo 129r meio do qual as pessoas co- A linha da adoção de questões factuais- ou o que os soció-
muns geralmente consideram essas questões. Um trabalho so- logos geralmente preferem chamar de investigações empíri-
ciológico de qualidade procura garantir a maior precisão possí- �elaciona-se ao modo como as coisas ocorrem. Entretan-
vel às questões e reunir evidências factuais antes de chegar a to, a sociologia não consiste apenas na coleta de fatos, indepen-
concl ões. Para atingir esses objetivos, precisamos conhecer dentemente do quanto estes possam ser importantes e interes-
o étodos de esquisa ais úteis a serem aplicados em deter- santes. Precisamos sempre interpretar o significado dos fatos, e
minado estudo e a melhor maneira de analisar os resultados. para isso é necessário que aprendamos a propor(9§iões teó-
Algumas das questões que os sociólogos utilizam em suas� Muitos sociólogos trabalham fundamentalmente com
pesquisas são, em grande partet§úestões factuaE:for exem- questões empíricas, porém, a menos que em sua pesquisa eles
pio, muitos a�ctos do crime e da justiça necessitam de uma_.lJ sejam instruídos por algum tipo de conhecimento teórico, é
�nves�ação sociológica direta e sistemática. Assim, podemos« pouco provável que seu trabalho seja esclarecedor- o que tam-
perguntar: Quais as formas mais comuns de crime? Qual a pro- bém se aplica à pesquisa realizada com objetivos estritamente
porção das pessoas que se lançam em um comportamento cri- práticos (veja a Tabela 20.1).
minoso que são apanhadas pela polícia? Quantas dessas pes- Neste capítulo, iniciaremos avaliando até que ponto a socio-
soas acabam sendo consideradas culpadas e presas? Questões logia pode ser vista como uma ciência. �uitos aspectos do mun-
factuais como essas, muitas vezes, requerem muita es uisa do social são um sinal da impossibilidade de investigá-lo do_
antes que se possa responder a elas; o valor das e tatísticas ofi- mesmo modo que o mundo natural, e discutiremos por que isso
ciais sobre o crime, por exemplo, na indicação do verdadeiro C>SQrre. Examinaremos, então, alguns elementos-chave envolvi-
nível de atividade criminal, é dúbio. Pesquisadores que estuda- dos na pesquisa sociológica antes de revisarmos as diferentes
ram níveis criminais constataram que apenas cerca dLmetad� formas de métodos de pesquisa que os sociólogos empregam em
de todos os crimes graves é denunciada à polícia. seu trabalho. Analisaremos também algumas investigações con-
lnformações factuais sobre urna sociedade, é claro, nem eretas - pois, muitas vezes, existem contrastes entre o� modos
sempre nos revelarão se estamos lidando com um caso inco- ideais de execução da pesquisa e os estudos da vida real.
rnum ou um conjunto muito geral de in sociólo-
gos, muitas vezes, precisam de uesC comparativas, ue
servem para relacionar um contexto social de uma soc,e ade a A sociologia é uma ciência?
outro, ou contra tar exemplos extraídos de diferentes socieda-
des. Existem élifer as ignificativas, por exemplo, en� Durkheim, Marx e outros fundadores da sociologia imagina­
sistemas social le ai Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. ram-na uma ciência, mas será que podemos realmente estudar
Uma típica questão comparativa poderia ser: como os padrões cientificamente a vida social humana? A ciência é o emprego de

Tabela 20.1 Linha de questionamento de um sociólogo


Questão factual O que aconteceu? Desde a década de 1980, as meninas
têm conseguido melhores resultados
em termos educacionais na escola
do que os meninos.
Questão comparativa Isso ocorreu em todos os lugares? Esse fenômeno foi global, ou ocorreu
somente na Grã-Bretanha, ou apenas
em determinada região da Grã-Bretanha?
Questão evolutiva Essa situação evoluiu com o tempo? Quais toram os padrões de conquista
educacional das meninas ao longo do tempo?
Questão teórica O que subjaz a esse fenômeno? Por que atualmente o desempenho das
meninas na escola é melhor? Quais os ,-;>
fatores que observaríamos para
explicar essa mudança?
510 ANTHONY GIODENS

Humanos estudando humanos, um tipo diferente de ciência.

métodos sistemáticos de investigação empírica, de análise de dos seres humanos, e não de objetos inertes. Portanto, a relação
dados, do pensamento teórico e da avaliação lógica dos argu­ entre a sociologia e o seu tema é necessariamente diferente da
mentos a fim de desenvolver um corpo de conhecimento a res­ relação entre os cientistas naturais e o mundo físico. ()s ser�s
peito de um tema específico. De acordo com essa definição, a humanos têm a capacidade de ept�ndtcr o conhecimento-Social e­
sociologia é um esforço científico; envolve métodos sistemáti­ de responder a ele de !!!TIª forma que os elementos do mundo
cos de investigação empírica, análise de dados e avaliação de �tural 11fuLçonseguem. É dessa forma que a sociologia pode
teorias à luz das evidências e do argumento lógico. servir como uma poderosa força libertadora.
Estudar os seres humanos, no entanto, é diferente de obser­ O fato de não odermos estudar os seres humanos exata­
var os acontecimentos no mundo físico, �ciologia oãa ck.ve- mente da mesma forma que os objetos da natureza é, em alguns
)( �imediatamente vista como uma ciência naturaL!)iferen­ aspectos, !!!Dª vantagem para a sacia)agia. Os pesquisadores
temente dos objetos da natureza, os humanos são seres autocons­ sociológicos saem ganhando ao��or questões dire­
cientes, que conferem sentido e propósito ao que fazem. Não po­ tamente àqueles que estudam ..la.utros seres humã§::::Em ou­
demos sequer descrever a vida social com precisão a menos que tros aspectos, a sociologia cria dificuldades que não são encon­
primeiro compreendamos os conceitos que as pessoas aplicam tradas pelos cientistas naturais. Quando as pessoas têm cons­
ao seu comportamento. Por exemplo, descrever uma morte como ciência de que suas atividades estão sendo escrutadas, elas ge­
suicídio significa saber quais as intenções da pessoa em questão ralmente não se comportam da mesma forma que o fazem nor­
no momento. �o pode ocorrer apenas quando o indivíduo malmente. É possível que, conscientemente, elas assumam um
traz viva, em sua mente, a�ia da autodestruiç_ão. Não se pode papel diferente daquele de suas atitudes usuais. Talvez elas até
dizer que alguém que se colocou acidentalmente na frente de um mesmo cheguem a tentar "auxiliar" o pesquisador, dando as
carro e morreu atropelado tenha cometido suicídio. respostas que acreditam ser as esperadas.
Êxiste ainda outra razão que diferencia o estudo da socieda­
de do estudo do mundo natural. Est ntemente cri -
.do e reçriando..í!_s sociedades em que vivemos por meio de nos­ O processo de pesquisa
sas próprias ações. A sociedade não é uma entidade estática ou
imutável; iS instituições saciais estão senda cQOtinuamen�­ Observemos agora as etapas normalmente presentes no traba­
�o longo do tempo e do espaço por meio das.!ções., lho de pesquisa. O processo de pesquisa abrange uma série de
repetidas dos indivíduos. A sociologia interessa-se pelo estudo passos distintos, que vão desde o ponto de partida da investiga-
SOCIOLOGIA 511

ção até o momento em que suas descobertas são publicadas ou ajuda os sociólogos a esclarecer os temas que podem ser levan­
disponibilizadas por escrito. tados e os métodos que podem ser empregados na pesquisa.

O problema da pesquisa Como tornar o problema preciso


ema da es ui o Uma terceira etapa envolve a elaboração de uma formulação
qual, às vezes, é uma área de · ac ua : podemos sim­ clara do problema de pesquisa. No caso de já existir uma lite­
plesmente desejar ampliar nosso conhecimento a respeito de ratura relevante, o pesquisador pode retomar da biblioteca com
certas instituições, processos sociais ou culturas. Um pesquisa­ uma boa noção de como o problema deve ser abordado. Nessa
dor pode iniciar sua tarefa respondendo a questões do tipo: Que etapa, palpites sobre a natureza do problema, às vezes, podem
proporção da população demonstra fortes crenças religiosas? ser transformados em uma hipótese definitiva - uma suposição
Atualmente, as pessoas estão mesmo descontentes com Õ "go­ baseada em fatos ou informações a respeito do que está acon­
verno central"? Até que ponto a situação econômica das mu­ tecendo. Para a eficácia da pesquisa, é necessário formular uma
lheres é inferior à dos homens? hipótese de forma que o material factual coletado ofereça evi-
A pesquisa sociológica de melhor qualidade, contudo, co­ dências para confirmá-la ou contestá-la. ·
meça com problemas que são também enigmas. Um enigma
não se resume à falta de informações, mas é umajacuna em.
nossa compreensão. Grande parte da habilidade em produzir A elaboração de um plano
�a pesquisa sociológica recompensadora consiste em identi­
ficar corretamente os enigmas. Em vez de simplesmente res­ O pesquisador precisa então decidir apenas como os materiais
ponder à questão "O que está acontecendo aqui?", a pesquisa da pesquisa devem ser coletados. Existe uma série de diferen­
que busca solucionar enigmas tenta contribuir para que possa­ tes métodos de pesquisa, e a escolha de um depende dos obje­
mos compreender o motivo pelo qual os eventos ocorrem des­ tivos gerais do estudo, bem como dos aspectos comportamen­
sa maneira. Assim, podemos perguntar: Por que os padrões de tais a serem analisados. Um levantamento (no qual geralmente
crença religiosa estão mudando? O que explica a mudança nas se utilizam questionários) pode ser adequado para algumas fi­
proporções da população que votou nas eleições dos últimos nalidades. Em outras circunstâncias, entrevistas ou um estudo
anos? Por que as mulheres marcam pouca presença nos empre- observacional, como aquele realizado por Adie Hochschild,
gos de alto status. podem ser apropriados.
Não existe nenhuma pesquisa isolada. Os problemas de
pesquisa surgem como parte do trabalho contínuo; um projeto
de pesquisa pode facilmente levar ao projeto seguinte porque le­ A execução da pesquisa
vanta temas que não haviam sido considerados previamente pe­
lo pesquisador. Um sociólogo talvez descubra enigmas lendo o No momento de efetivamente dar prosseguimento à pesquisa,
trabalho de outros pesquisadores em livros e periódicos especia­ podem surgir facilmente dificuldades práticas imprevistas.
lizados, ou estando ciente das correntes específicas da socieda­ Contatar algumas das pessoas a quem os questionários devem
de. Por exemplo, nos últimos anos, cresce o número de pro�­ ser enviados ou as quais o pesquisador deseja entrevistar é uma
mas que buscam tratar os !:nc!!,yíduos com problemas mentais tarefa que pode revelar-se impossível. Uma empresa ou agên­
dentro da comunidade em vez de confiná-los em hospitais psi­ cia do governo talvez não esteja disposta a permitir que o indi­
quiátricos. Os sociólogos podem ser impelidos a perguntar: O víduo execute o trabalho planejado. Por exemplo, se o pesqui­
que provocou essa mudança de atitude em relação aos doentes sador estiver estudando como as corporações empresariais
m�ntais? Quais são as prováveis conseqüências, tanto para os cumprem os programas que garantem a igualdade de oportuni­
próprios pacientes quanto para o resto da comunidade? dades para as mulheres, então aquelas que não obedecem a tais
programas talvez não queiram ser estudadas, e, conseqüente­
mente, h�veria resultados parciais.
Uma revisão das evidências
Uma vez identificado o problema, o próximo passo do processo A interpretação dos resultados
de pesquisa geralmente consiste na revisão das evidências dispo­
níveis no campo; talvez a pesquisa anterior já tenha esclarecido A coleta do material a ser analisado não significa o fim das di­
satisfatoriamente a questão. Caso isso não tenha ocorrido, o pes­ ficuldades do pesquisador - elas podem estar apenas começan­
quisador precisará esquadrinhar qualquer tipo de pesquisa rela­ do! Resolver as implicações dos dados coletados e relacioná­
cionada a esta para avaliar sua utilidade. Será que os pesquisado­ las novamente ao problema de pesquisa é uma tarefa raramen­
res anteriores d.e.!_ectaram o mesmo enigma? Como tentaram re­ te fácil. Embora talvez seja possível encontrar uma resposta
solvê-lo? Que aspectos do problema a pesquisa deles não anali­ clara para as primeiras questões, muitas investigações não che­
sou? Aproveitar as idéias de outras pessoas é uma medida que gam a ser totalmente conclusivas.
512 ANTHONY GI0DENS

O relato das descobertas


Defina o problema
O relatório da pesquisa, normalmente publicado na forma de Selecione um tópico para a pesquisa.
artigo de periódico ou de livro, explica a natureza dessa pesqui­
sa e busca justificar as conclusões a que se chegou. No caso de
Hochschild, esse relatório foi o livro The Managed Heart. Es­
sa é uma etapa final apenas em termos de projeto de pesquisa Revise a literatura da área
individual. A maioria dos relatórios indica questões que conti­ Familiarize-se com a pesquisa
existente sobre o tópico.
nuam sem resposta, sugerindo novas pesquisas que possam ser
proveitosas no futuro. Todas as investigações da pesquisa indi­
vidual fazem parte do processo contínuo da pesquisa que ocor­
re dentro da comunidade sociológica.
Formule uma hipótese
O que você pretende testar? Qual a
relação existente entre as variáveis?
A realidade intromete-se!
A seqüência de passos apresentada anteriormente é uma ver­
são simplificada do que acontece em projetos de pesquisa
Selecione um plano de pesquisa
concretos (veja a Figura 20.1). Na pesquisa sociológica de fa­ Escolha um ou mais métodos de pesquisa:
to, raramente há uma sucessão tão nítida entre essas etapas, o experimento, levantamento, observação,
uso das fontes existentes.
que quase sempre faz com que o indivíduo simplesmente te­
nha que "se virar". Essa diferença lembra um pouco a que
existe entre as receitas esboçadas em um livro de culinária e
o verdadeiro processo de preparar uma refeição. Quem é um
Execute a pesquisa
cozinheiro experiente geralmente não acompanha nenhuma Colete seus dados, registre as informações.
receita, mesmo assim, talvez cozinhe melhor do que aqueles
que assim o fazem. Seguir esquemas fixos pode ser uma me­
dida excessivamente restritiva; na realidade, a maior parte das
pesquisas sociológicas de destaque não poderia se encaixar Interprete seus resultados
rigidamente nessa seqüência, ainda que alguns dos passos es­ Resolva as implicações dos dados que
você coleta.
tivessem lá.

Entender a causa e o efeito Relate as descobertas da pesquisa


Qual a importância dessas descobertas?
Um dos principais problemas a serem abordados na metodolo­ Como elas se relacionam às
descobertas anteriores?
gia de pesquisa é a análise entre a causa e o efeito. Uma rela­
ção causal entre dois eventos ou duas situações é uma associa­
ção na qual um evento ou situação gera outro evento ou outra
situação. Soltando-se o freio de mão de um carro estacionado Suas descobertas são registradas e
em um declive, este descerá morro abaixo, adquirindo cada vez discutidas em uma comunidade acadêmica
mais ampla - o que talvez leve ao início
mais velocidade. A causa desse acontecimento foi a atitude de de uma nova pesquisa.
soltarmos o freio; os motivos disso podem ser facilmente com­
preendidos pela referência com os princípios físicos envolvi­
dos. Assim como a ciência natural, a sociologia depende da su­
posição de que([odos os eventos possrn;m causa9A vida social Figura 20.1 Passos do processo de pesquisa.
não é um conjunto aleatório de ocorrências sem pé nem cabe­
ça. Uma das principais tarefas da pesquisa sociológica - com­
binada ao pensamento teórico �car as causas e as
ção regular entre dois conjuntos de ocorrências o�

� Uma variável é qualquer dimensão ao longo da qual variam
os indivíduos ou os grupos. A idade, as diferenças no nível de
Causalidade e correlação renda, os índices de criminalidade e as diferenças em termos
de classe social estão entre as muitas variáveis estudadas pe­
A causalidade não pode ser inferida diretamente a partir da los sociólogos. Pode parecer que, quando se descobre que
correlação. A correlação significa a existência de uma rela- duas variáveis estão intimamente correlacionadas, uma deve
ser a causa da outra - o que muitas vezes não é verdade. Há bem do que aquelas que vêm de lares em que tais qualidades
muitas correlações que não possuem nenhuma relação causal são inexistentes. Os mecanismos causais neste caso são as
entre as variáveis. Por exemplo, no período após a Segunda atitudes dos pais para com seus filhos, somadas aos recursos
Guerra Mundial, podemos encontrar uma forte correlação en­ de aprendizado oferecidos em casa.
tre o declínio do número de fumantes de cachimbo e a dimi­ As ligações causais na sociologia não devem ser entendi­
nuição do volume de pessoas que vão regularmente ao cine­ das de uma forma muito mecânica. As atitudes das pessoas e
ma. Não há dúvidas de que uma mudança não provocou a ou­ suas razões subjetivas para agirem dessa forma são fatores cau­
tra, e seria difícil descobrir até mesmo uma ligação causal re­ sais nas relações entre variáveis na vida social.
mota entre elas.
Há muitos casos, contudo, em que não fica tão óbvio que
uma correlação observada não implique uma relação causal. ·Os controles
Essas correlações são armadilhas para os imprudentes, levando
facilmente a conclusões questionáveis ou falsas. Em sua obra Ao avaliarmos a causa ou as causas que explicam uma corre­
clássica de 1897, Suicide ( veja o Capítulo 1, "O que É Sociolo­ lação, é necessário traçarmos uma distinção entre variáveis
gia?, p. 24), É.miJe Durkheim descobriu uma correlação entre independentes e variáveis dependentes. Uma variável m�
os índices de suicídio e as estações do.ano (Durkheim, 1952). pendente é aquela que produz um efeito em outra variável. A
Nas sociedades estudadas por Durkheim, os níveis de suicídio variável afetada é a dependente. No exemplo há pouco men­
aumentavam progressivamente a partir do mês de janeiro até cionado, a conquista acadêmica é a variável independente, e a
junho ou julho. Dessa época em diante, eles apresentavam uma renda ocupacional é a dependente. A distinção refere-se à di­
diminuição até o final do ano. Diante desses dados, poderíamos reção da relação causal que estamos investigando. O mesmo
supor que existe uma relação causal entre a temperatura ou a fator pode ser uma variável independente em um estudo, e
mudança climática e a propensão de os indivíduos acabarem uma variável dependente em outro. Tudo depende de quais
com a própria vida. Com a elevação da temperatura, talvez as processos causais estão sendo analisados. Se estivéssemos ob­
pessoas fiquem mais impulsivas, agindo de sangue quente? En­ servando os efeitos das diferenças de renda ocupacional nos
tretanto, neste caso, é provável que a relação causal nada tenha estilos de vida, a renda ocupacional seria então a variável in­
a ver diretamente com a temperatura ou o clima. Essa suposi­ dependente, e não a dependente.
ção é uma correlação espúria - uma associação entre duas va­ Para descobrirmos se uma correlação entre variáveis é urna
riáveis que parecem verdadeiras, mas cuja causa, na realidade, ligação causal, utilizamos controles, ou seja, mantemos algu­
deve-se a outro(s) fator(es). mas miáveis constantes a fim de observarmos os efeitos de
Analisando-se melhor essa questão, percebe-se que a outras. Através desse processo, conseguimos formar uma opi­
maioria das pessoas tem uma vida social mais intensa na pri­ nião entre as explicações das correlações observadas, separan­
mavera e no verão do que no inverno. Indivíduos que estão do as rela5�ausais das não-causais. Por exemplo, os pesqui­
isolados ou tristes tendem a ver esses sentimentos se intensi­ sadores que estudam o desenvolvimento infantil alegam a exis­
ficarem à medida que o nível de atividades das outras pessoas tência de uma ligação causal entre a carência materna na pri­
aumenta. Conseqüentemente, é provável que as tendências meira infância e alguns o
r blemas graves de ersonali.dade na
suicidas se pronunciem mais na primavera e no verão do que fase adulta. Corno podemos examinar se realmente existe u�
no outono ou no inverno, quando diminui o ritmo da ativida­ reTação causal entre a carência materna e os posteriores distúr­
de social. bios de personalidade? Tentando controlar, ou "filtrar" outras
possíveis influências que talvez expliquem a correlação.
Uma fonte de carência materna é a internação de urna crian­
O mecanismo causal ça no hospital por um longo período, durante o qual esta fica se­
parada de seus pais. Mas será que o que conta, nesse caso, é real­
Resolver as ligações causais envolvidas nas correlações é, mente o apego à mãe? Se uma criança receber amor e atenção de
muitas vezes, um processo difícil. Há uma forte correlação, outras pessoas durante a primeira infância, não há chances de ela
por exemplo, entre o '!!vel de conquista educacional e o su­ se tomar uma pessoa equilibrada? Para investigar essas possíveis
cesso ocup_ru;ionaJ nas socieãac;!es �nas. Quanto melho­ ligações causais, precisaríamos comparar casos em que as crian­
res forem as notas de um indivíduo na escola, melhor será a ças não receberam a atenção regular de ninguém e outros em que
remuneração do emprego que ele deverá conseguir. Como ex­ as crianças foram separadas de suas mães, mas receberam amor
plicar essa correlação? A pesquisa tende a mostrar que essa e cuidados de outra pessoa. Se o primeiro grupo desenvolvesse
situação não se deve sobretudo à experiência escolar propria­ graves problemas de personalidade, mas o segundo não, suspei­
mente dita; os níveis de conquista na escola são muito mais taríamos de que o importante, na primeira infância, é a atenção
influenciados pelo tipo de lar onde essa pessoa se criou. regular d� alguém, independentemente de essa pessoa ser ou não
Crianças provenientes de lares mais ricos, nos quais os pais a mãe da criança. (Na verdade, as crianças parecem evoluir nor­
demonstram um profundo interesse em relação ao seu apren­ malmente, desde que vivam uma relação estável, de amor, com
dizado e há fartura de livros, têm mais chances de se saírem alguém que as cuide - e que não precisa ser a própria mãe.)
514 ANTHONY GIDDENS

A identificação das causas


THE FAR SIDE De GARY LARSON
É grande o número de possíveis causas que poderiam ser invo­
cadas para explicar qualquer correlação determinada. Como
podemos ter certeza de estarmos abrangendo todas elas? Ares­
posta é que não podemos. Nunca teríamos condições de execu­
tar uma pesquisa sociológica satisfatoriamente, e interpretar
seus resultados, se fôssemos obrigados a fazer uma análise da
possível influência de cada fator causal que imaginássemos ser
potencialmente relevante. A identificação das relações causais
é normalmente orientada pela pesquisa anterior na área em
questão. Se, de antemão, não tivermos alguma idéia razoável
dos mecanismos causais envolvidos em uma correlação, é pro­
vável que achemos muito difícil descobrir quais são as verda­
deiras ligações causais. Não saberíamos o que avaliar.
Um bom exemplo da dificuldade em saber ao certo quais as
relações causais envolvidas em uma correlação está na longa
história dos estudos sobre o tabagismo e o câncer de pulmão. A
pesquisa tem sempre demonstrado uma forte correlação entre os
dois. Os fumantes correm mais riscos de contrair câncer de pul­
mão do que os não-fumantes e os fumantes inveterados, mais
riscos do que os fumantes moderados. Mas também é possível "Antropólogos! Antropólogos!"
expressar a correlação ao contrário. Uma grande proporção das Fonte:© 1984 FarWorks, lnc. Utilizado com permissão. Todos os direitos re­
pessoas que têm câncer de pulmão é fumante, ou fumaram du­ servados.
rante muito tempo no passado. Existem tantos estudos confir­ Este cartum serve para ilustrar algumas das armadilhas que há em
mando essas correlações que geralmente se aceita a presença de se estudar sujeitos autoconscientes.
um elo causal; porém, os mecanismos causais exatos são, até o
momento, praticamente desconhecidos.
Mesmo que haja um grande volume de trabalho correla­
cionai sobre qualquer tema, sempre resta alguma dúvida a res­ do de meses ou mesmo anos, geralmente assumindo um papel
peito das possíveis relações causais, havendo a possibilidade ativo nas atividades diárias dessas pessoas, observando o que
de outras interpretações dessa correlação. Já se propôs, por acontece e pedindo explicações, ou buscando insights das deci­
exemplo, que as pessoas que têm uma predisposição ao câncer sões, das ações e dos comportamentos.·
de pulmão também são predispostas a fumar. Segundo essa vi­ Um etnógrafo não pode simplesmente estar presente em
são, não é o tabagismo que causa o câncer de pulmão, mas, uma comunidade. Ele deve explicar e justificar sua presença
sim, alguma tendência biológica para o tabagismo e o câncer aos seus membros. Deve ganhar a cooperação da comunidade
que seja inerente ao indivíduo. e mantê-la durante um certo tempo se quiser obter algum resul­
tado vantajoso. Esse processo de ser aceito pode ser demorado
e difícil, porém, com o tempo, os etnógrafos muitas vezes con­
Métodos de pesquisa seguem desenvolver relacionamentos de confiança com os
membros do grupo. Há casos em que o pesquisador pratica­
Passemos agora a observar os diversos métodos de pesquisa mente "toma-se" um membro da comunidade; em outros, ele
comumemente empregados pelos sociólogos em seu trabalho. talvez seja aceito como pesquisador, mas continue sendo con-
siderado alguém de fora.
Durante muito tempo, era comum a exclusão dos relatos
Etnografia dos riscos ou problemas que precisavam ser superados na pes­
A etnografia é O estudo de pessoas e de grupos, em primeira quisa baseada na observação participante, porém, recentemen-
mão, durante um , de tempo, que utiliza bservação te, a publicação de memórias e diários de pessoas que desen-
parti• u _ vista para desvendar O e� ortarnenl!.[__ volvem trabalho de campo tem tido uma abertura maior em re-
sacial�A p squisa etnográfica procura revelar ossignificados lação a esses temas. Freqüentemente, é preciso enfrentar a sen­
que sustentam as ações sociais; é feita através do envolvimen- sação de solidão - não é fácil encaixar-se em um contexto so­
to direto do pesquisador nas interações que constituem a reali- cial ou em uma comunidade à qual você realmente não perten­
dade social para o grupo em estudo. Um sociólogo que esteja ce. O pesquisador pode sentir-se constantemente frustrado
realizando uma pesquisa etnográfica pode trabalhar ou viver diante da recusa dos membros do grupo de falarem francamen­
com um grupo, organização ou comunidade durante um perío- te sobre si mesmos; perguntas diretas podem ser bem recebidas
SOCIOLOGIA

uma melhor compreensão dos motivos que levam os seus


bros a agirem da forma que agem. Talvez possamos ti
aprender mais a respeito dos processos sociais que se e
com a situação em estudo. A etnografia é, muitas vezes cc
rada um tipo de pesquisa qualitativa, por se interessar m
las interpretações subjetivas do que pelos dados numéri
etnografia também confere ao investigador uma flexib
maior do que a maioria dos demais métodos de pesquisa.
quisador consegue se adaptar a circunstâncias novas ou i
ra�guir de perto qualquer orientação que possa s�
(_ Mas o tra am o UU:nbêm tem grandes liiaj_l
Apenas grupos ou comunidades razoavelmente pequen
dem ser estudadas. O trabalho depende muito da habilid
pesquisador em ganhar a confiança dos indivíduos envo
Sem essa habilidade, é pouco provável que a pesquisai
chão. O contrário também acontece. Um pesquisador pc
meçar a se identificar muito com o grupo, parecendo-se e
com alguém de dentro dele e perdendo aquela perspec1
observador de fora do grupo.

Levantamentos
A interpretação dos estudos etnográficos - e de outras f
de pesquisa qualitativa - geralmente envolve problemas
No trabalho de campo, os sociólogos precisam se neralização. Como apenas um pequeno número de pesso;
aproximar das comunidades que estão estudando, ticipa desses estudos, não podemos ter certeza de que o e
mas não devem chegar tão perto a ponto de perder a descoberto em um contexto também se aplicará a outras
capacidade de enxergá-las de fora.
ções, ou ainda de que dois pesquisadores diferentes che!
às mesmas conclusões ao estudarem o mesmo grupo. Em
esse é um problema menor na pes u· eita através de 1
em alguns contextos, mas se deparar com um silêncio hostil em tamentos, cuja naturez mais quantitativa. s levantan
outros. Alguns tipos de trabalho de campo podem até oferecer têm por objetivo a cole a ãe d�ue p�am ser anal
perigo físico; por exemplo, um pesquisador que esteja estudan­ estatisticamente para revelar padrões ou regularidades. S
do urna gangue de delinqüentes pode ser visto como um infor­ ver um planejamento adequado dos instrumentos do le
mante da polícia, ou ainda envolver-se involuntariamente em mento, as correlações encontradas por meio de um levant
conflitos com gangues rivais. to podem ser generalizadas para um púbQco maior. A pe,
Os trabalhos tradicionais da etnografia mostravam relatos etnográfica adapta-se melhor aos estudos ·em profundid;
que não continham muitas informações a respeito do observador. pequenas frações da vida sociªl:..a pesquisa p-or meio de
Isso ocorria porque se acreditava que um etnógrafo pudesse apre­ tamentos tende a gerar informações menos detalhadas, m
sentar quadros objetivos do que ele estudava. Mesmo a pesquisa habitualmente podem ser aplicadas em uma área mais ar
de Hochschild, escrita no início dos anos 1980, traz poucas infor­
mações a respeito da autora ou da natureza da sua ligação com as Questionários
pessoas que estudou. Recentemente, os etnógrafos começaram a
falar sobre si mesmos e sobre a natureza de sua ligação com as Os levantamentos, muitas vezes, contam com os questionári
pessoas estudadas. Às vezes, pode ser uma questão de tentar ava­ mo seu principal instrumento para reunir informações. Os
liar como a raça, a classe ou o gênero de uma pessoa afetam o tra­ tionários podem ser aplicados pessoalmente pelo pesquisad
balho, ou como diferenças, em termos de poder, entre o observa­ enviados pelo correio ou por e-mail às pessoas que respond
dor e o observado distorcem o diálogo que eles estabelecem. eles (os chamados "questionários autoaplicáveis"). O gru
pessoas que fazem parte do levantamento ou do estudo é de
Vantagens e limitações da etnografia nado pelos sociólogos de população. Em alguns levantam
essa população pode chegar a vários milhares de pessoas.
Quando bem-sucedida, a etnografia oferece uma riqueza maior Nos levantamentos, são utilizados dois tipos de ques1
de informações a respeito da vida social do que a maioria dos rio. Alguns contêm um conjunto fechado de questões p�
demais métodos de pesquisa. Observando como são as coisas a quais existe apenas urna �érie definida de respostas possí1
partir de dentro de determinado grupo, é provável que tenhamos por exemplo, "Sim/Não/Não Sei" ou "É bem provável/É p
516 ANTHONY GIDDENS

vel/É pouco provável/É bastante improvável". A vantagem des­ Estudos envolvendo apenas 2 a 3 mil eleitores, por exemplo,
ses levantamentos é que as respostas são de fácil comparação e podem dar uma indicação bastante precisa das atitudes e das
contagem, já que há apenas um pequeno número de categorias intenções de voto de toda a população. Mas, para se chegar a
envolvido. No entanto, como eles não prevêem sutilezas de opi­ essa precisão, eles devem ser uma amostra representativa: é
nião ou expressão verbal, as informações que rendem provavel­ necessário que o grupo de indivíduos represente a população
mente terão um alcance restrito, quando não enganoso. como um todo. A amostragem é um método muito mais com­
_9utros questionários são abertos. Os entrevistados têm plexo do que pode parecer, e os estatísticos desenvolveram re­
mais oportunidades de expressarem seus pontos de vista utili­ gras para planejarem a natureza e o tamanho corretos das
zando suas próprias palavras, sem que suas respostas se limi­ amostras.
tem a alternativas definitivas. Os questionários abertos sempre Um procedimento particularmente importante empregado
fornecem informações mais detalhadas do que os fechados. O para garantir a representatividade de uma amostra é a amostra-
pesquisador pode acompanhar de perto as respostas para uma ,,,_gem aleatória. na qual se escolhe uma amostra de forma que
investigação mais profunda das opiniões do entrevistado. Por cada membro da população tenha a mesma probabilidade de
outro lado, a falta de padronização significa uma dificuldade ser incluído. O modo mais sofisticado de se obter uma amostra
maior de comparar as respostas estatisticamente. aleatória é por meio da atribuição de um número a cada mem­
Normalmente, os itens de um questionário são organizados bro da população, utilizando, depois, um computador para ge­
de forma a que uma equipe de entrevistadores possa fazer as rar uma lista aleatória, a partir da qual se extrai a amostra - por
perguntas e registrar as respostas na mesma ordem predetermi­ exemplo, selecionando-se um indivíduo a cada dez números
nada. Todos os itens devem ser de compreensão imediata, tan­ nas séries aleatórias.
to para o entrevistador quanto para os entrevistados. Nos gran­
des levantamentos nacionais, empreendidos regularmente pelas Vantagens e desvantagens dos levantamentos
agências do governo e pelas organizações de pesquisa, as en­
trevistas são realizadas quase que simultaneamente em todo o Os levantamentos são amplamente empregados na pesquisa so­
país. Os indivíduos que conduzem as entrevistas e aqueles que ciológica por dh;ersas razões. As respostas dos questionários po­
analisam os resultados não poderiam desempenhar um trabalho dem ser..Ql.l.antificadas e analisadas com maior facilidade do que
eficaz se constantemente tivessem que troca,r informações en­ o matr .al gerado pela maioria dos demais métodos de pesquisa;
tre si para verificar as ambigüidades encontradas nas perguntas é pos: vel estudar UJI\.J'.'olume enorme de pessoas; e, quando re­
ou nas respostas. cebem verbas suficientes, os pesquisadores podem contratar
Os questionários também deveriam levar em conta as ca­ uma a_gência especializada nesse trabalho de levantamentos pam
racterísticas dos entrevistados. Será que eles perceberão o ob­ fºletar a� respos_ta:;. O método científico é o modelo para esse ti­
jetivo do pesquisador ao fazer determinada pergunta? As infor­ po de pesquisa, porque os levantamentos dão aos pesquisadores
mações de que dispõem são suficientes para uma resposta útil? uma medida estatística do seu objeto de estudo.
No entanto, há muitos sociólogos que criticam o método
Será que eles irão responder às perguntas? Os termos de um
do levantamento, sustentando a idéia de que descobertas qu�
questionário podem ser pouco familiares aos entrevistados. Por
talvez não sejam muito precisas podem aparentar precisão,
exemplo, a pergunta "Qual é o seu estado civil?" pode confun­
dada a natureza relativamente superficial da maioria das res­
dir algumas pessoas. O mais apropriado seria perguntar "Você
postas dos levantamentos. Os níveis de perguntas sem respos­
é sol. teiro, casado, separado ou divorciado?" A maioria dos le­
ta às vezes são altos, especialmente nos casos de questioná­
vantamentos é precedida de estudos-piloto, cuja finalidade é
rios enviados e recebidos pelo correio. Não é incomum a pu­
localizar problemas que não foram previstos pelo investigador.
blicação de estudos baseados em resultados extraídos de um
Um estudo-piloto é uma experiência na qual apenas algumas
volume um pouco superior à metade daqueles que participam
pessoas completam um questionário. Qualquer dificuldade po­
da amostra - ainda que normalmente haja um esforço no sen­
de então ser solucionada antes que se faça o levantamento prin­
tido de recontatar aqueles que não responderam ou substituir
cipal.
outros. Pouco se sabe a respeito daqueles que preferem não
responder aos levantamentos ou que se recusam a ser entre­
Amostragem vistados.
Os sociólogos geralmente se interessam pelas características
de um grande número de indivíduos - por exemplo, as atitudes Experimentos
políticas da população britânica como um todo. Seria impossí­
vel estudar todas essas pessoas diretamente; por isso, nessas si­ Podemos definir um�orno uma tentativa de tes­
tuações, os estudos de pesquisa concentram-se na amostra­ tar uma hipótese sob condições extremamente controladas es­
gem, ou seleção de uma pequena proporção do grupo total. tabelecidas por um investigador. Os experimentos são, muitas
Normalmente, podemos ter a segurança de que os resultados de vezes, empregados nas ciências naturais, pois oferecem gran­
uma amostra populacional, desde que esta seja escolhida ade­ des vantagens .sobre outros procedimentos de pesquisa. Em
quadamente, podem ser generalizados para a população total. uma situação experimental, o pesquisador exerce um controle
SOCIOLOGIA 51

"Escolha popular?"
Um dos primeiros e mais famosos exemplos de pesquisa fei­ questões_m�s, e as descobertas. de um modo
ta através de levantamentos foi The People's Choice?, um geral, vieram a confirmar essa hipótese. Os pesquisadores
estudo executado por Paul Lazarsfeld e diversos colegas há desenvolveram técnicas sofisticadas para medir e analisar
cerca de meio século (Lazarsfeld et ai., 1948). Esse estudo, atitudes políticas; mas seu trabalho também gerou contribui­
que investigou as intenções de voto dos habitantes do Con­ ções significativas para o pensamento teórico. Entre os con­
dado de Erie, Ohio. durante a campanha de 1940 para a Pre­ ceitos que eles ajudaram a introduzir estão os de "lideres de
sidência dos EUA, foi o pioneiro de várias das principais opinião" e o do "fluxo de comunicação em duas etapas". O
técnicas de pesquisa por meio de levantamentos utilizadas estudo mostrou que alguns indivíduos - líderes de opinião -
até hoje. Para um aprofundamento ainda maior do que um tendem a moldar as opiniões políticas daqueles que estão à
único questionário poderia oferecer, os investigadores entre­ sua volta. Os pontos de vista das pessoas não são formados
vistaram cada membro de uma amostra de eleitores em sete de uma maneira direta, mas em um processo de duas etapas.
ocasiões distintas. O objetivo era traçar as mudanças nas ati­ Na primeira. há uma reação dos líderes de opinião aos acon­
tudes de voto e entender suas razões. tecimentos políticos; na segunda, esses líderes influenciam
Essa pesquisa foi iniciada tendo em vista diversas hipó­ outras pessoas - parentes, amigos e colegas. As idéias ex­
teses definidas. Uma delas era de que as relações e os acon­ pressas pelos líderes de opinião, filtradas dessa forma, atra­
tecimentos que,.ocorrem pró?Y,DJO aas eleitores e,n uma co­ vés das relações pessoais. influenciam as respostas de outros
munidade, influenciam as intenções de voto mais do que indivíduos em relação às questões políticas do dia.

direto sobre as circunstâncias que estão sepdo estudadas. O es­ alto, que foi preciso �ll_!!90Q8[ a expemnento em um estágio in
paço para a experimentação, na sociologia, é bastante restrito cial. Os resultados obtidos, contudo, foram importantes. Zimba
se comparado ao das ciências natyrais. Somente pequenos gru­ do concluiu que o comportamento nas prisões é mais influenci,
pos podem ser levados a um ambiente d� laboratório, e, nesses do pela natureza da própria situação prisional do que pelas cara,
experimentos, as pessoas sabem que estão sendo estudadas, terísticas individuais dos sujeitos envolvidos.
podendo não se comportar com naturalidade. Essas mudanças
no comportamento dos sujeitos pesquisados são denominadas
efeit<:Jj_awthol'!l:!.. Na década d�, pesquisadores que esta- Histórias de vida
vam conduzindo um estudo sobre a produtividade no trabalho,
na usina Hawthome da Western Electric Company, perto de Diferentemente do que ocorre com os experimentos,� históri�
Chicago, constataram, para sua surpresa, que a produtividade . de vida pertencem exclusivamente à sociologia e às dema
dos trabalhadores continuava a subir, independentemente de ciências sociais, não tendo espaço na ciência natural. As histórii
quais condições experimentais fosserh impostas (níveis de ilu- de vida consistem em um material biográfico reunido sobre ind
minação, padrões de intervalo, tamanho da equipe de trabalho víduos específicos - geralmente na fonna de lembranças de
e assim por diante). Os trabalhadores tinham consciência de rios indivíduos. Omrr>s procedimentos de pesquisa, em g<
que estavam sob escrutínio e aceleravam seu ritmo natural de ra l, não rendem tantas infonna�ões quantoo método da históri
' (!
d a sobre a eyo)nção �renças e das atitudes ao lo_!lg9 _ç!
trabalho. e vid
Apesar disso, há casos em que a aplicação dos métodos ex- em o. No entanto, os estudos que mostram a história de uma v
a
perimentais pode ser de grande ajuda na sociologia. Um exem- da r ramente confiam totalmente na memória das pessoas. No1
pio é o experimento engenhoso realizado por Philip Zimbardo, malmente, fontes como cartas, informações atuais e descriçõe
que criou um prisão fictícia, atribuindo o papel de guarda a al- de jorn ais são utilizadas para um maior detalhamento e para vt
guns voluntários estu�e o de detentos a outros voluntários ri.ficar a validade daquilo que os indivíduos informam. Os soei<'
(1972). Seu objetivo era avaliar até que ponto o desempenho logos apresentam opiniões divergentes em relação ao valor da
desses diferentes papéis levava a mudanças de atitude e de com- histórias de vida: alguns têm a impressão de que elas são muit
portamento. Os resultados chocaram os investigadores: os estu- pouco confiáveis para fornecer informações úteis, mas outro
� fizeram o papel de guarda logo assumiram uma pos- acreditam que elas oferecem fontes de insight às quais pouco
tura autoritária; eles revelaram uma verdadeira hostilidade em outros métodos de pesquisa são capazes de se igualar.
relação aos detentos, mandando neles, maltratando-os e amea- As histórias de vida têm sido empregadas com sucess,
çando-os verbalmente. Já os prisioneiros mostraram uma mistu- em estudos de grande importância. Um antigo e célebre estu
ra de apatia e rebeldia geralmente percebida entre prisioneiros de do foi The Polish Peasant in Europe and America, realizadc
verdade. Esses efeitos foram tão visíveis, e o nível de tensão tão por W. 1. Thomas e Florian Znanieck.i, cujos cinco volume
518 AtmiONY GIDDENS

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Fontes primárias, como diários e cartas, podem enriquecer a compreensão das realidades de outras épocas e de outros locais.

foram primeiramente publicados entre 1918 e 1920 (Thomas e históricas. Do contrário, para realizarem pesquisas históricas
e Znanieck.i, 1966). Thomas e Znaniecki conseguiram produ­ sobre períodos mais antigos, os sociólogos dependem de doc.u­
zir um relato mais sensível e sutil da experiência da migração mentos e registros escritos, geralmente mantidos em coleções es­
do que seria possível sem as entrevistas, as cartas e os artigos peciai& das bibliotecas ou dos arquivos nacionais.
de jornais por eles coletados. Um exemplo interessante de pesquisa documentária em
um contexto histórico é o estudo de Anlhony Ashworth sobre a
�ncheiras durante a_Primejra Guerra Mundial (1980).
Análise histórica Ashworth ocupou-se em analisar como era a vida de homens que
precisavam suportar a situação de estar sob fogo constante, vi­
Na pesquisa sociológica, muitas vezes é essencial _um panoram�
vendo apinhados por semanas a fio. Ele aproveitou uma diversi­
�rque freqüentemente sentimos a necessidade de uma
perspectiva temporal para dar sentido ao material que coletamos dade de fontes documentárias: histórias oficiais sobre a guerra,
acerca de determinado problema. Os sociólogos geralmente pre­ incluindo aquelas que relatavam diferentes divisões militares e
ferem fazer uma investigação direta dos acontecimentos passa­ batalhões, publicações oficiais da época, anotações e registros
dos. Alguns peóodos da história podem ser estudados de fonna feitos informalmente pelos soldados, além de relatos pessoais
direta, quando ainda existem sobreviventes da época - como no sobre as experiêndas da guerra. Utilizando tamanha variedade
caso do Holocausto, quando uma infinidade de judeus e outros de materiais, Ashworth conseguiu desenvolver uma descrição ri­
indivíduos morreram nos campos de concentração, nas mãos dos ca e detalhada da vida nas t:Iincheiras. Ele descobriu que a maio­
nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. Pesquisar: a histó­ ria dos soldados tinha opiniões próprias a respeito da freqüência
ria oral significa entrevistar pessoas a respeito dos acont�imen: com que pretendiam se engajar em combates com o inimigo e,

tos que elas testemunharam em algum momento de seu passado. muitas vezes, de fato, ignoravam as ordens de seus comandantes.
Uma pesquisa direta desse tipo pode se estender apenas pelo es­ Por exemplo, no Natal, os soldados alemães e os aliados suspen­
paço de uma vida, mas os registros antigos preservados estão ga­ deram as hostilidades, e houve um local em que eles, inclusive,
nhando cada vez mais importância enquanto fontes sociológicas organizaram uma partida informal de futebol.
SOCIOLOGIA 519

Uma combinação entre a pesquisa cessos de mudança, a globalização tem sido impulsionada por
comparativa e a histórica uma mistura de c,enseqü�cias planejadas e não-planejadas. _
Dessa forma, como explica o Capítulo 15 ("A Mídia e as Co­
A pesquisa de Ashworth concentrou-se em um espaço relativa­ municações de Massa"), a internet surgiu como um projeto or­
mente curto de tempo. Como exemplo de estudo que investi­ ganizado dentro do Departamento de Defesa dos EUA, com a
gou um período mais longo e que também aplicou uma análi­ finalidade de facilitar a comunicação entre seus diferentes seg­
se comparativa em um contexto histórico, podemos citar Sta­ mentos. O impacto subseqüente da internet, contudo, foi dema­
tes and Social Revolutions (1979), de Theda Skocpol, um dos siadamente maior do que qualquer pessoa havia inicialmente
mais conhecidos estudos sobre a !@!lsformação social. Skocpol imaginado ou planejado.
incumbiu-se de uma tarefa ambiciosa: elaborar uma teoria so­
bre as origens e a natureza da revolução, baseada em um estu­
do empírico detalhado. Ela observou os processos de revolução A pesquisa no mundo real: problemas,
em três diferentes contextos históricos: a Revolução de 1789 na armadilhas, dilemas
França, a Revolução de 1917 na Rússia (que levou os comunis­
tas ao poder e estabeleceu a União Soviética, novamente dis­ Qualquer um que já tenha• executado uma pesquisa sociológi­
solvida em 1991) e a Revolução de 1949 na China (que criou a ca na fonte pode atestar o fato de que a pesquisa no "mundo
China comunista). real" é bastante diferente dos métodos de pesquisa descritos
Os sociólogos que combinam a pesquisa comparativa com a em um livro texto! Ao iniciar um estudo, o pesquisador pode
histórica dedicam-se à chamada análise secundária. Eles re­ constatar que os instrumentos de pesquisa originalmente esco­
vêem uma variedade de fontes documentárias, como registros lhidos acabam tendo um valor limitado para o tópico em estu­
oficiais e relatos históricos, a fim de identificar as semelhanças e do. Em outros casos, pode haver dificuldades imprevistas no
as diferenças entre os casos em questão. Ao adotar essa aborda­ acesso a determinada população, ou na elaboração de um
gem, Skocpol conseguiu desenvolver uma explicação convin­ questionário viável para o levantamento. A pesquisa socioló­
cente da transformação revolucionária, enfatizando as condições gica exige certa flexibilidade; não é incomum que vários mé­
estruturais sociais subjacentes. Ela demonstrou que as Il;_Volu­ todos sejam combinados em uma única pesquisa, na qual cada
�ões sociais ocorrem, em grande parte, deJ°Q!!na invoiuotfui._ um completa e controla os demais em um processo conhecido
Antes da Revolução Russa, por exemplo, diversos grupos políti­ como triangulação.
cos estavam tentando derrubar o regime existente, mas nenhum Examinando mais uma vez o estudo de Mitchell Duneier
deles - incluindo os bolcheviques, que acabaram chegando ao sobre a sociologia da vida urbana, sua investigação a respeito
poder - anteviu a revolução que ocorreria. Uma série de confli­ dos vendedores de rua e dos mendigos na Cidade de Nova York
tos e confrontos originou um processo de transformação social (1999), podemos perceber quais os desafios encontrados ao
muito mais radical do que qualquer um havia previsto. iniciarmos e executarmos uma pesquisa sociológica concreta.

Um estudo da transformação social:


o caso da globalização Uma investigação da raça e da pobreza nos
espaços urbanos
Quando estudamos os processos de transfw:maçã9Wf:i?l em
larga escala, é geralmente necessário "'adotar uma combinação Na década de 1950, o Greenwich Village foi tema de um estudo
entre a perspectiva comparativa e a histórica. Tomemos como sociológico clássico realizado por Jane Jacobs (1961) sobre a
exemplo o estudo da globalização, um dos temas mais impor­ natureza da vida urbana. O bairro serviu como um laboratório
tantes enfatizados neste livro. As mudanças envolvidas na glo­ natural para a compreensão do importante papel das interações
balização abrangem um longo período e afetam milhões e mi­ cotidianas nas calçadas em unir a vida da comunidade e tomar
lhões de pessoas. Poderíamos estudar certos aspectos da globa­ possível que estranhos vivam bem próximos uns dos outros.
lização por meio das técnicas de pesquisa mencionadas ante­ Quatro décadas depois, Mitchell Duneier ficou curioso em
riormente. A observação participante, os levantamentos e o ma­ saber como a natureza da vida nas calçadas do Greenwich Vil­
terial que revela a história de vida poderiam, cada um deles, lage havia mudado desde a época do estudo de Jacob. O bairro
nos permitir uma exploração do significado da experiência do ainda conservava seu�ráte(J>®mig, mas contava com uma
crescimento da globalização para as pessoas, individualmente, Qffi'Jl população. Um grupo de homens pobres, negros, predo­
dentro de contextos sociais específicos. É possível que nos in­ minantemente sem-teto começara a ganhar a vida nas ruas do
teressemos, por exemplo, pela maneira como as pessoas se bairro. Como vimos, alguns trabalhavam como vendedores de
ajustam ao mercado global, no qual a troca de empregos é mais rua, vendendo livros e revistas nas calçadas; outros vendiam ar­
comum hoje em dia do que foi no passado. Todavia, precisaría­ tigos encontrados nas lixeiras da vizinhança. E outros ainda er­
mos de um estudo comparativo e histórico que tivesse um al­ am mendigos, que pediam trocados de quem passasse na rua.
cance muito mais amplo para demonstrar graficamente todos Como um sociólogo põe-se a "estudar'' o conteúdo da vida
os processos globalizantes. Assim como todos os grandes pro- nas ruas? A primeira abordagem da pesquisa de Duneier ocor-
520 ANTHONY GIDDENS

Tabela 20.2 Quatro dos principais métodos empregados na pesquisa sociológica


Método de pesquisa Pontos fortes Limitações

Etnografia Geralmente produz informações Pode ser utilizada apenas no


mais ricas e aprofundadas do que estudo de grupos ou comunida­
os demais métodos. des relativamente pequenas.
A etnografia pode oferecer uma As descobertas só podem ser
compreensão mais ampla dos aplicadas aos grupos ou às
processos sociais. comunidades estudadas; é
difícil fazer uma generalização
com base em um único estudo
de campo.
Levantamentos Possibilitam a coleta eficiente O material coletado talvez seja
de dados sobre uma grande superticial; nos casos em que
quantidade de indivíduos. um questionário é extremamente
padronizado, é possível que
Prevêem a realização de diferenças importantes entre os
comparações precisas entre as pontos de vista dos
respostas dos entrevistados. entrevistados sejam encobertas.
As respostas talvez tragam
elementos nos quais as pessoas
alegam acreditar, e não aquilo
em que elas realmente acreditam.
Experimentos O investigador pode controlar Muitos aspectos da vida social
a influência de variáveis não podem ser levados ao
específicas. laboratório.
Geralmente, são mais fáceis de serem As respostas dos sujeitos
repetidos posteriormente estudados podem ser afetadas
por outros pesquisadores. por sua situação experimental.
Pesquisa documentária Pode fornecer fontes de materiais O pesquisador depende das
em profundidade, assim como dados fontes existentes, que podem
sobre grandes grupos, de acordo ser parciais.
com os tipos de documento estudado. Talvez seja uma tarefa difícil
interpretar o quanto as fontes.
Geralmente é essencial quando um representam tendências
estudo é totalmente histórico ou reais - como no caso de algumas
possui uma dimensão histórica definida. estatísticàs oficlais.

reu através de um contato pessoal com um dos vendedores de observação, ele redigiu um manuscrito de sua pesquisa sobr� a
livros, chamado Hakirn Hasan. Duneier era um cliente regular vida e as atividades cotidianas de um vendedor de rua e das
de Hakirn e observou corno as pessoas freqüentemente se reu­ pessoas que o procuravam para discutir livros.
niam em torno de seu tabu]eiro para discutir livros, política e fi­
losofia. Hakim era um exemplo de "personalidade pública" - Repensando o foco da pesquisa
um personagem que pertence à vida nas calçadas e que man­
tém um contato regular com urna ampla variedade de pessoas. O manuscrito foi aceito para publicação, mas Duneier sentia-se
Duneier acreditava que o papel de Hakim nas calçadas e sua apreensivo. Ele havia pedido a Hakim que comentasse o ma­
história de vida um tanto fora do comum (ele abandonou o nuscrito - um processo às vezes denominado "validação do en­
mundo empresarial para vender livros nas ruas) poderiam ser­ trevistado" - e estava preocupado com um dos comentários.
vir como uma importante janela para a vida das calçadas do Hakím achou que o manuscrito concentrava-se demais sobre
Greenwich Village. ele e seu tabuleiro; que o foco da pesquisa de Duneier era mui­
Embora Hakim tenha hesitado em se tornar o tema da pes­ to limitado para captar outras dinâmicas importantes presentes
quisa, ele acabou concordando em cooperar com Duneier, per­ nas calçadas - que, sozinho, o seu caso não era adequado para
mitindo que este escrevesse a respeito de sua vida e de seu tra­ transmitir a complexidade da vida social nas ruas.
balho. Duneier conduziu um trabalho etnográfico de campo: Duneier percebeu que os comentários de Hakim eram vá­
ele passava um tempo observando Hakim em seu tabuleiro, ou­ lidos e sugeriu uma nova maneira de desenvolver melhor o pro­
vindo as interações dos clientes com Hakim e dos clientes en­ jeto de pesquisa. Convidou Hakim para apresentar com ele um
tre eles, e testemunhando como a presença dos livros poderia seminário na Universidade da Califórnia, como forma de se
inspirar o diálogo e o debate nas calçadas. Após dois anos de concentrarem nos detalhes dos temas levantados no manuscrí-
SOCIOLOGIA 521

Termos estatísticos
Na sociologia, a pesquisa geralmente emprega técnicas esta­ 1 l f, 200.000 13 f. 10.000.000
tísticas ao analisar as descobertas. Algumas são extrema­ 12 f, 400.000
mente sofisticadas e complexas. mas as mais utilizadas são
A média aritmética corresponde à média à qual chega­
de fácil compreensão. As mais comuns são as medidas de
mos somando a riqueza pessoal das 13 pessoas e dividindo o
tendência central (formas de calcular as médias) e os coe­
resultado por 13. O total é f, l 1.085.000; após a divisão, che­
ficientes de correlação (para avaliar até que ponto uma va­
gamos a uma média aritmética de f, 852.692,3 l . O cálculo
riável mantém uma relação constante com outra).
dessa média geralmente é útil. pois baseia-se em todo o al­
Existem três métodos para o cálculo das médias, cada
cance dos dados oferecidos. Entretanto, pode ser enganoso
um dos quais possui deternúnadas vantagens e falha�. Tome­
quando um ou um pequeno número de casos são muito dife­
mos como exemplo o volume de riqueza pessoal (incluindo
rentes da maioria. No exemplo acima, a média aritmética, na
todos os bens, como casas, carros, contas bancárias e inves­
verdade, não é uma medida adequada de tendência central,
timentos) de 13 indivíduos. Suponhamos que essas 3 pes­
pois a presença de um número muito grande, f. 10.000.000,
soas possuam os seguintes valores:
distorce rodos os demais. Podemos ficar com a impressão de
l f. 000 (zero) 6 f.40.000 que a maioria das pessoas possui bem mais dinheiro do que
2 f. 5.000 7 f.40.000 realmente tem.
3 f.10.000 8 f. 80.000 Nesse�podemos utilizar uma destas duas outras
4 f. 20.000 9 f. 100.000 medidas. � é o número que ocorre com maior fre­
5 f.40.000 10 f. 150.000 qüência em determinado conjunto de dados. Em nosso

to, ao mesmo tempo que envolviam um grupo de estudantes na distinta daquela dos bomeo5-J2abres, �s, ,est�
discussão. O foco da pesquisa de Duneier evoluiu assim que que eram o foco de seu estudo. Duneier reconfiecia que seria
ele e Hakim apresentaram juntos The life of the street and the inútil tentar se "encaixar" - mesmo que ele tentasse mudar sua
life of the mind in black America ("A vida das ruas e a vida da maneira de vestir ou de falar, ainda assim ele se sobressairia.
mente na América negra"). Ele passou a entender como uma Em vez disso, ele concentrou-se em construir, aos poucos, re­
abordagem mais ampla da vida nas calçadas poderia superar lações de respeito mútuo com os homens nas calçadas. Passa­
algumas das limitações da pesquisa original. As perguntas dos va mais tempo escutando do que falando, confiando nas con­
estudantes serviram como uma importante orientação nesse as­ versas informais com os homens em vez de nas entrevistas
pecto: Onde Hakim conseguia seus livros? Qual o papel dos "formais". Duneier ganhou o consentimento dos homen� da
mendigos nas calçadas? Como os moradores brancos do bairro quadra para deixar um gravador ligado o tempo todo embaixo
interagem com esses homens? Ao abrir seu primeiro trabalho do tabuleiro de revistas onde ele trabalhava; os homens fami­
para o escrutínio, Duneier conseguiu formular uma nova abor­ liarizaram-se com o equipamento e muitas vezes ofereceram­
dagem para sua pesquisa. se para "controlá-lo" quando ele se afastava do tabuleiro, ou
quando não estava na cidade.
O "ingresso" como observador participante A presença de Duneier foi gradualmente aceita, e nos dois
anos seguintes ele transformou-se em um personagem habitual
Quando Duneier retomou às calçadas do Greenwich Village, da calçada. Embora Duneier tivesse "ingressado" naquele am­
ele não era �m observador, mas um � biente com sucesso, ele entendia que tolerar um observador
ativo da vida c�al. Com a ajuda de Hakim, ele participante e confiar nele não são necessariamente a mesma
chegou a um acordo com Marvin, um vendedor de revistas de coisa. Duneier sabia que alguns dos homens na quadra suspei­
uma quadra vizinha, para passar um verão trabalhando com ele tavam dos motivos que estavam por trás de sua pesquisa e ima­
em seu tabuleiro. Marvin "patrocinou" a presença de Duneier ginavam que ele estivesse tentando ganhar dinheiro com um li­
na quadra, apresentando-o aos outros homens que ganhavam a vro que contasse a vida deles. Outros achavam que ele era
vida nas ruas e dando credibilidade à sua pesquisa. Entretanto, bem-intencionado mas ingênuo, sendo, portanto. um legítimo
mesmo com o auxílio de Marvin e de Hakim, Duneier teve que "alvo" para exploração. No começo, os mendigos, que viam
enfrentar diversos desafios como observador participante. O Duneier como um "intruso rico", sempre lhe pediam pequenas
processo de "ingressar" na vida das calçadas demandou tempo quantias em dinheiro. Para Duneier, era difícil dizer "não" a es­
e paciência. Sendo um homem branco extremamente culto, da ses pedidos, ainda que ele estivesse financiando sua própria
classe média alta, Duneier ocupava uma posição social muito pesquisa e não tivesse muito dinheiro sobrando. Duneier sen-
522 ANTHONY GIDDENS

exemplo, é f. 40.000. O problema da moda é que ela não le­ desvio-padrão para os dados em questão - uma forma de
va em conta a distribuição geral dos dados, ou seja, o alcan­ 'calcular okau de.dispersão, ou a yariação, de um conjun­
ce da cobertura dos números. O caso que aparecer com to de números, que, neste �o. vai de zero a,f. 1QQ@ 000.
maior freqüência em um conjunto de números não necessa­ Os Z?eficientes de correl�ão são um caminho útil pa-
riamente representará sua distribuição como um todo e, con­ ra expressar até que ponto duas (ou mais) variáveis estão
seqüentemente, talvez não seja uma média útil. Nesse caso, intimamente relacionadas. Quando existe uma correlação
poderia nos preocupar o fato de f. 40.000 estar muito próxi­ completa entre duas variáveis, podemos falar de uma cor­
mo da extremidade inferior na escala dos números apresen­ relação positiva perfeita, expressa como 1.0. Quando não
tados acima. há nenhuma relação entre duas variáveis - elas não pos­
A terceira medida é a mediana, que é a metade de qual­ suem nenhuma ligação constante - o coeficiente é zero. .:s,(
quer conjunto de números; neste caso, seria o sétimo núme­ Uma correlação negativa perfeita, expressa como -1,0,
ro: f. 40.000. Nosso exemplo traz um número ímpar de itens, existe quando duas variáveis estão em uma relação com­
13. Se fosse par- por exemplo, 12-, a mediana seria calcu­ pletamente inversa entre si. Correlações perfejtas nunca
lada tomando-se a média aritmética dos dois casos interme­ são encontradas nas ciências sociais. Em geral, acredita-se
diários, os números que estão no sexto e no sétimo lugares. cjü"e correlações õa ordem de 0,67 ou mais, sejam elas po­
Assim coroo a moda, a mediana não indica o verdadeiro al­ sitivas ou negativas, indicam um forte grau de ligação en-
cance dos dados avaliados. tre quaisquer variáveis que estejam sendo analisadas. Cor­
Às vezes, um pesquisador utilizará mais de uma medida relações positivas nesse nível podem ser encontradas en-
de tendência central para evitar fornecer um retrato engano­ tre, digamos, a classe social de origem e o comportamen-
so da média. O roais comum é que ele venha a calcular o to eleitoral.

tia-se de mãos atadas - como conseguiria transmitir seu objeti­ Duneier eram vulneráveis e relativamente impotentes; para
vo enquanto pesquisador e seu profundo respeito pela luta diá­ eles, seria difícil reagir publicamente ao livro e ao seu conteú­
ria dessas pessoas sem ter que estar todo o tempo distribuindo do após sua publicação.
trocados e notas de dólar? Com grande dificuldade, Duneier Ao publicar suas descobertas em Sidewalk (1999), Duneier
aprendeu a dizer "não" para os habituais pedidos de dinheiro, rompeu com a prática adotada por alguns sociólogos de escon­
mas dispunha-se a ajudar de outras maneiras - lidando com der os nomes das pessoas e os locais retratados no trabalho. Ele
proprietários de imóveis, ou dividindo seus conhecimentos ju­ imaginou que revelar a verdadeira identidade dos sujeitos estu­
rídicos. Duneier descobriu que um dos principais desafios que dados elevaria o padrão de responsabilidade de sua pesquisa.
enfrentava como etnógrafo, no trabalho em uma comunidade Além do mais, segundo Duneier, os homens que viviam nas
carente, era decidir quando era apropriado intervir na vida das calçadas não estavam preocupados com o fato de suas identida­
pessoas que estavam no centro de sua pesquisa. des serem reveladas; alguns deles até gostavam da idéia de ve­
rem suas palavras e imagens publicadas. No entanto, ao optar
A etnografia nas publicações: anonimato, pelo abandono do anonimato, Duneier teve o cuidado de asse­
consentimento e relações de poder gurar que cada indivíduo que figurava no livro estivesse ciente
do modo como fora representado. Ele levou uma cópia do ma­
...ll�Hk�uisa que lida com os seres humanos pode apresentar
nuscrito final para o quarto de um hotel situado próximo àque­
· emas éticos. uneier foi honesto com os homens nas ruas a
la quadra e convidou cada pessoa que aparecia no livro para re­
respeito a finalidade de sua pesquisa e da sua identidade de
sociólogo, mas ele também precisou ter cuidado em relação às visar todos os pontos nos quais ela era mencionada. Em muitos
questões éticas envolvidas na publicação das descobertas de casos, esse processo revelou-se difícil. Muitos dos homens es­
sua pesquisa. Os sujeitos que participam de um estudo etnográ­ tavam menos interessados no argumento que estava sendo
fico podem achar a publicação dos resultados ofensiva, ou por apresentado no livro do que em sua aparência nas fotografias.
terem sido retratados por um ângulo desagradável, ou porque Duneier constatou que suas tentativas de demonstrar "respei­
algumas atitudes e comportamentos que eles prefeririam man­ to", mostrando o texto para as pessoas que nele haviam sido ci­
ter em segredo são tomados públicos. Essa foi uma questão po­ tadas muitas vezes acabaram sendo um tiro que saiu pela cula­
tencialmente problemática na pesquisa de Duneier: o manus­ tra, fazendo com que ele se sentisse como se estivesse impon­
crito descrevia, em detalhes, tópicos como urina em público, do seu programa sobre uma audiência relutante. Mesmo sendo
assédio a mulheres que passavam pela rua, vício de drogas e ál­ um processo difícil, Duneier acreditava que isso era necessário
cool e tensões com a policia local. Os indivíduos do estudo de para que o livro garantisse a integridade dos homens nas ruas.
SOCIOLOGIA 523

Ao longo da pesquisa, Duneier sensibilizou-se bastante com Conclusão: a influência da sociologia


as <!ifrrenças deJ_aca. c�e e stattJs entre ele e os homens que
trabalhavam nas ruas. Porém, mesmo no manuscrito final, achou Em geral, a pesquisa sociológica desperta o interesse de muitas
difícil jgnarac a�ões de poder existentes entre ele - o autor pessoas, além da comunidade intelectual de sociólogos, e seus
- e aqueles homens que apareciam como tema do estudo. Acre­ resultados normalmente são bastante difundidos. �gia,
ditando na importância de que essas pessoas tivessem a oportu­ �precisa enfatizaJ, não é apenas o..es�Q:..
nidade de reagir à pesquisa que havia conduzido, Duneier convi­ �s; é um elemento significativo na continuidade da vida
dou Hakim para escrever o epílogo de Sidewalk. Embora Hakim .dessas sociedades. Tomemos como exemplo a�sformaç§W
certamente não pudesse falar por todos os homens da quadra, ele ã
· que afetam cajam�o. uexualidage e a famnia. Diante da
já estava envolvido no projeto desde o início e podia oferecer infiltração da pesquisa sociológica, poucas pessoas que vivem
uma perspectiva diferente daquela do pesquisador. em uma sociedade moderna não têm noção dessas mudanças.
Duneier também estava ciente da longa tradição de estu­ Nosso pensamento e nosso comportamento são afetados pelo
diosos brancos que se apoderam das palavras e das imagens de conhecimento sociológico de maneiras complexas e muitas ve­
negros pobres para proveito próprio. Para Duneier, era impor­ zes sutis, remodelando, assim, o próprio campo da investigação
tante que sua pesquisa não perpetuasse tais formas de explora­ sociológica.
ção acadêmica; ele fez acordos legais para a divisão dos royal­ Não deveríamos nos surpreender com a íntima correla­
ties do livro com os homens que nele apareceram. Duneier re­ ção que, muitas vezes, há entre as d�cobertas sociológicas _.1
conheceu que as ações do pesquisador social não podem sepa­ e as çonvicções do senso comum. O motivo disso nao está
rar-se do contexto histórico e cultural mais amplo no qual elas simplesmente no fato de que a sociologia apresenta desco­
ocorrem. Atentou para a idéia de que seu próprio papel enquan­ bertas que já conhecíamos, mas, sim, na idéia de que a pes­
to sociólogo deveria contribuir para superar - e não para piorar quisa sociológica exerce uma influência contínua sobre a
- a divisão entre os favorecidos e os desfavorecidos na atmos­ verdadeira essência do que conhecemos como senso comum
fera urbana em que trabalhara. na sociedade.

Como ler uma tabela


Nos textos de sociologia, você sempre irá se deparar com ta­ proporção de veículos licenciados adequadamente po­
belas. Elas, às vezes, parecem complexas, mas será fácil deci­ de ser menor do que em outros. Por meio das notas, po­
frá-las se você seguir esses passinhos básicos listados abaixo; de-se saber como o material foi coletado, ou por que é
com a prática, eles se tomarão automáticos. Não sucumba à exibido de uma forma específica. Caso os dados não te­
tentação de pular as tabelas; elas contêm informações em um nham sido reunidos pelo pesquisador, mas se baseiam
formato concentrado, que podem ser lidas com maior rapidez em descobertas relatadas originalmente em outro local,
do que seria possível caso esse mesmo material fosse expres­ será incluída a fonte. Esta, às vezes, dá a você algum
so em palavras. Ao ganhar habilidade na interpretação das ta­ insight do provável grau de confiabilidade das informa­
belas, você também terá condições de verificar até que ponto ções e também mostra onde encontrar os dados origi­
as conclusões de um autor realmente parecem se justificar. nais. Em nossa tabela, a nota sobre a fonte esclarece
1. Leia todo o título. É comum ver tabelas com títulos que os dados foram extraídos de mais de uma fonte.
n
bastate compridos, os quais representam uma tentati­ 3. Leia os cabeçalhos que se encontram acima e no lado es­
va, por parte do pesquisador, de exprimir com precisão querdo da tabela. (Às vezes, as tabelas ganham "cabeça­
a natureza das informações transmitidas. O título da ta­ lhos" na parte de baixo e não na de cima.) Neles, você
bela de amostra informa primeiramente o tema dos da­ encontrará uma especificação do tipo de informações
dos; em segundo lugar, o fato de que a tabela fornece que estão contidas em cada linha e coluna. Ao ler a tabe­
material para comparação; e, em terceiro, o fato de que la, concentre-se em cada conjunto de cabeçalhos à medi­
os dados são oferecidos apenas em relação a um núme­ da que você examina os números. No nosso exemplo, os
ro limitado de países. cabeçalhos à esquerda informam os países envolvidos. ao
2. Procure notas ou comentários explicativos sobre os da­ passo que os de cima referem-se aos níveis de posse de
dos. Uma nota no rodapé da tabela de amostra, relacio­ carros e aos anos aos quais esses níveis se relacionam.
nada ao cabeçalho da coluna principal. indica que os 4. Identifique as unidades utilizadas; os números no cor­
dados cobrem todos os carros licenciados. Essa é uma po da tabela podem representar casos, percentuais, mé­
informação importante, porque, em alguns países, a dias ou outras medidas. Há casos em que pode ser útil
524 Ar-ITHONY G1 □□ENS

Posse de carros: comparações entre diversos países selecionados


Número de carros para cada 1.000 representantes da população adultaª
1971 1981 1984 1989 1993 ou posteriores
Brasil 12 78 84 98
Chile 19 45 56 67
Eire 141 202 226 228
França 261 348 360 475 420
Grécia 30 94 116 150
Itália 210 322 359 424 500
Japão 100 209 207 286 300
291 348 445 445 410
224 317 343 366 360
448 536 540 607 570
Alemanha Ocidental 247 385 312 479 470!;}

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a. !lo� exomplo, I!!/IIB
no nfull ilsc . _o, em f993, na NC: '.
Mliofh,, atli't llml'lliln.o dop-ocl:ISBO & Utli:fiQlliãO dB.lfl111mrc'·
m l!el' J'l"NObiltiis nos fbtQ::id�tal com a Oi:iemal. Em quinto Jogl't, 6 na::essá:óo
númWlltlé · · enlõ, " níYel levar em l:0!114 n fonM! dos \lados . .for e:u,mple, os nl1me-
tte poa,e,<le

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. ção con,má•ol. t111- ros menereli referente� a 1993, rm C<IG:ipmação com os de
w<Mbr.111$ • • eaifa 1.000 llabl• 1989 00 R.U, na l!rança, na Snl!clia II noll BUi'í, pbilem ser,
tllll!e» é qnase ilez vezes · q110 no Olile. patte, spHcallos pela lilíi!ten.,,d de funtc11, O ttaballio
BIii: •�'tml,, ln�. mate ntre .a posse de com datfoa 11:que, oautela e, ideaWenle, uma CV'eriflt:açia
Clll'l'OB e9 mel de Jàqueza e; �vavcl- QIIÍdallosa daa ellliitíslicas.
SOCIOLOGIA 525

Pontos Principais
1. Os sociólogos estudam a vida social apresentando ques­ 5. Os métodos de pesquisa dizem respeito à maneira como a
tões distintas e tentando encontrar respostas para elas por pesquisa é executada.-Na etnografia, o pesquisador passa
meio da pesquisa sistemática. Essas questões podem ser períodos bastante longos com o grupo ou a comunidade
factuais, comparativas, evolutivas ou teóricas. que está sendo estudada. Um segundo método, a pesqui­
2. Para seus fundadores, a sociologia é urna ciência no sen­ sa feita através de levantamentos, envolve o envio de
tido de que ela envolve métodos sistemáticos de investi­ questionários para grupos a.mostra.is de populações maio­
gação e a avaliação de teorias à luz das evidências e do ar­ res, ou a administração dos questionários nesses grupos.
gumento lógico; mas ela não pode ter diretamente como A pesquisa documentária utiliza materiais impressos,
molde as ciências naturais, pois estudar o comportamen­ provenientes de arquivos ou de outros recursos, como
to humano é, em aspectos fundamentais, diferente de es­ fonte de informações. Outros métodos incluem experi­
tudar o mundo da natureza. mentos, o uso de histórias de vida, a análise histórica e a
pesquisa comparativa.
3. Toda a pesquisa se inicia com um problema de pesquisa
que preocupa ou intriga o investigador. Os problemas de 6. Cada um dos diversos métodos de pesquisa possui suas li­
pesquisa podem ser sugeridos por lacunas na literatura da mitações. Por essa razão, os pesquisadores em geral com­
área ou por debates teóricos ou questões práticas no mun­ binam dois ou mais métodos em seu trabalho, sendo que
do social. É possível distinguir diversas etapas claras no cada um deles é utilizado para checar ou complementar o
desenvolvimento das estratégias de pesquisa - mesmo material obtido a partir de outros métodos. Esse processo
que, em uma pesquisa de verdade, estas raramente sejam é denominado triangulação. Os melhores exemplos de
seguidas exatamente dessa forma. trabalho sociológico combinam perspectivas históricas e
comparativas.
4. Uma relação causal entre dois eventos ou situações é
aquela em que um evento ou situação gera outro evento ou 7. A pesquisa sociológica, muitas vezes, apresenta dilemas
situação - uma questão mais problemática do que pode éticos ao investigador. Eles podem surgir quando os sujei­
parecer à primeira vista. É necessário traçar uma distinção tos da pesquisa são enganados pelo pesquisador, ou quan­
entre a causalidade e a correlação, a qual se refere à exis­ do a publicação das descobertas da pesquisa pode afetar
tência de uma relação regular entre duas variáveis. Uma adversamente os sentimentos ou a vida daqueles que es­
variável é uma medida - como a idade, a renda, os índices tão sendo estudados. Não existe nenhuma fórmula total­
de criminalidade, etc. - que permite uma comparação. mente satisfatória para se lidar com essas questões, mas
Precisamos também distinguir as variáveis independentes todos os pesquisadores precisam ter sensibilidade em re­
daquelas as ·quais elas afetam, as variáveis dependentes. lação aos dilemas que propõem.
Os sociólogos geralmente utilizam controles para manter
outros fatores constantes e isolar uma relação causal.

Questões para Reflexão


1. Se a maioria dos projetos de pesquisa originam-se em pro­ 4. Como o pesquisador consegue minimizar a possibilidade
blemas de pesquisa, quem decide quais são os problemas? de erros e/ou parcialidade?
f
2. Por que é importante formar hipóteses específicas que 5. Existem métodos de pesquisa mais cientí icos do que
possam ser confirmadas ou refutadas? outros?
3. Por que o andamento do processo de pesquisa rara.mente 6. Por que é tão crucial estabelecer uma distinção entre a
obedece ao pia.no? correlação e a causalidade?

Leitura Complementar
Martin Hammersley e Paul Atkinson, Ethnography: Princi­ Charles Ragin, Constructing Social Research: The Unity and
pies in Practice (London: Routledge, 1995) Diversity of Method (Thousand Oaks, Calif.: Pine Forge Press,
Lee Harvey, Morag MacDonald e Anne Devany, Doing So­ 1994)
ciology (London: Macmillan, 1992)
526 ANTHONY GIDDENS

Endereços na Internet
Martin Hammersley e Paul Atkinson, Ethnography: Princi­ Charles Ragin, Constructing Social Research: The Unity and
pies in Practice (London: Routledge, 1995) Diversity ofMethod (Thousand Oaks, Calif.: Pine Forge Press,
Lee Harvey, Morag MacDonald and Anne Devany, Doing 1994)
Sociology (London: Macmillan, 1992)

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