Reestruturação Do Trabalho Docente e Saúde Mental Das Professoras Na Pandemia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

MEMÓRIAS EM TEMPO DE PANDEMIA: a reestruturação do trabalho docente e saúde


mental presente nas narrativas de professoras na cidade de Goiânia.

PROPONENTE: Priscilla Barros da Silva


LINHA DE PESQUISA: Processos psicossociais e educacionais

Goiânia
2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

MEMÓRIAS EM TEMPO DE PANDEMIA: a reestruturação do trabalho docente e saúde


mental presente nas narrativas de professoras na cidade de Goiânia.

Pré-projeto de pesquisa apresentado para


concurso do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal de Goiás, como pré-
requisito para a obtenção de vaga no curso de
Mestrado em Psicologia, ano de 2021.

Goiânia
2021
2

INTRODUÇÃO E DELIMITAÇÃO DO TEMA

O mundo precisou ser reformulado no ano de 2020, devido à pandemia causada pelo
Coronavírus (COVID-19), que alterou significativamente o funcionamento da sociedade, e,
consequentemente, a escola também teve que se transformar. As relações sociais foram
ressignificadas, porque as aglomerações de pessoas não eram mais recomendadas por conta de
risco à saúde1. Diante deste cenário, a escola precisou formular outras maneiras de garantir
acesso dos estudantes ao processo educativo. E sem condições ideias para o exercício da
profissão, professores da Educação Básica, profissionais da educação e estudantes, que já
enfrentavam diversos problemas estruturais graves, necessitaram se adaptar ao Ensino
Remoto.
Esta pesquisa busca suscitar a reflexão sobre como a crise mundial de saúde pública
interferiu de maneira global no processo educativo, e como a crise global afetou de modo
simbólico o cotidiano de quem faz educação, alterando os sentidos atribuídos por professoras
ao processo docente. Neste caso, o estudo se pautará na escuta da memória e vivências das
professoras, que trabalharam no ensino remoto em condição de quarentena, cuja rotina de
produção do conhecimento e atuação profissional foi totalmente alterada.
Pensar a educação em meio a uma crise sanitária mundial requer a percepção daqueles
que viveram e foram vítimas das transformações no campo do trabalho. Neste caso,
consideramos a situação das professoras, que no Ensino Básico representam a maioria em
relação ao sexo masculino. Segundo a Organização para Cooperação do Desenvolvimento
Econômico (OCDE) após uma pesquisa sobre indicadores da educação, no mundo, cerca de
90% dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental são mulheres, no Ensino Médio
esse número sobe para 60% dos docentes. No Brasil, de acordo com o Censo Escolar de 2017,
o número é de 80% de professoras, ou seja, a cada 10 professores, 8 são mulheres e apenas 2
são homens. Diante dessa realidade, esta pesquisa visa escutar as professoras, já que além de
serem maioria nas escolas, ainda são as grandes responsáveis por conciliar o trabalho
profissional com o trabalho doméstico, o que pode ter acarretado com a pandemia o aumento
em suas jornadas de trabalho e consequentemente um maior adoecimento físico e mental.
Portanto, esta pesquisa se configura como um estudo de caso qualitativo, e será
realizada em uma escola pública do município de Goiânia, que atende Educação Infantil e
Ensino Fundamental, campo de atuação de pedagogas, com professoras que enfrentaram o

1
. Segundo as recomendações dadas pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
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desafio de ensinar remotamente. O nosso objetivo é compreender quais foram as percepções


das docentes sobre o trabalho pelo ensino remoto e qual o impacto tiveram no campo pessoal
e profissional. Para gerar os dados, utilizaremos alguns instrumentos como: o questionário,
entrevista e a memória oral.
Os relatos das professoras poderão suscitar a reflexão: do fazer educação em cenário
de crise e as previsões de pós-crise, as condições de trabalho perante a questão de gênero, a
preocupação com a saúde mental, o adoecimento e a reinvenção da profissão. Além disso,
nosso estudo poderá contribuir para se pensar as questões sobre o ensino remoto na formação
inicial e continuada de professores no meio acadêmico.

OBJETIVO GERAL:
 Compreender e analisar a memória e a história das educadoras como protagonistas do
processo de ensino aprendizagem em momento de crise pandêmica em Instituição de
Ensino da Educação Básica Municipal de Goiânia em regime de quarentena.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

● Discutir como tem sido o trabalho docente nos períodos de crise e os cenários
possíveis para o pós-crise;
● Delinear as propostas de Saúde Pública no que se refere à saúde mental dos
profissionais de educação nesse período de trabalho remoto devido à pandemia;
● Investigar, por meio de histórias de vida e estudos de casos, como se deu de maneira
individual e subjetiva o trabalho do professor.

RELEVÂNCIA/JUSTIFICATIVA

As condições de vida entre mulheres e homens, historicamente, são perpassadas por


diferenças no tratamento de acordo com o gênero, revelando um modelo de sociedade
estruturalmente machista. A jornada de trabalho da mulher, ainda hoje, é superior à do
homem, se somadas horas dispensadas relacionadas aos cuidados com os filhos e afazeres
domésticos.
De acordo com o Censo Escolar do Estado de Goiás, 91% dos docentes goianos que
ministram aula nas redes municipais são mulheres. Por ser a maioria, as professoras da
Educação Infantil e Ensino Fundamental de primeira fase no Município de Goiânia, e
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compreendendo todo esse panorama do trabalho remoto ter invadido o espaço de suas casas e
se misturado com as demandas particulares, é que essa pesquisa se faz relevante. Esse alerta
está expresso no trecho a seguir:
Em estudo sobre a repercussão da dupla jornada nas condições de vida e no trabalho
docente, Zibettie & Pereira (2010, p. 273) concluíram que as políticas de valorização
docente não podem prescindir de atenção à questão de gênero. Considerando que a
maioria expressiva do quadro docente é feminino, qualquer medida que se proponha a
melhorar a qualidade da educação deve considerar as questões de gênero. Melhores
condições de vida e trabalho, inclusive superando-se socialmente a cultura de atribuir
às mulheres a responsabilidade pelo cuidado da casa e dos filhos, terão como retorno
mulheres mais saudáveis, professoras melhor preparadas, aulas mais adequadas às
necessidades das crianças, portanto melhor qualidade de ensino. (Jacomini, M. A. da
Cruz, R. E., & de Castro, E. C. 2020, p. 8)

Neste sentido, pensando a qualidade de vida e de trabalho, essa pesquisa tem como
intuito analisar os discursos sobre as condições de trabalho de professoras de Escola
Municipal na pandemia. Algumas questões nos instigam a desenvolver esta pesquisa: Quais
foram os sentidos atribuídos por professoras que estiveram em atuação direta nas instituições
de ensino da Educação Básica Municipal da cidade de Goiânia em regime de quarentena?
Como o novo cenário de trabalho a que foram submetidas, durante a pandemia, impactou em
suas rotinas profissional e pessoal?

A melhoria da qualidade da Educação Pública é uma discussão sempre atual, que


engloba aspectos como a valorização das condições de trabalho de educadores e educadoras.
Em um período de crise pandêmica, essa preocupação não poderia ficar em segundo plano. A
vida profissional de professores foi alterada do dia para a noite sem tempo para se
organizarem. O ensino presencial e parte da segurança no seu fazer docente foi abalada pela
nova forma de trabalho remoto. As casas dos professores foram transformadas em locais de
trabalho e foi preciso uma nova organização, nesse sentido, que conciliasse a vida privada e
pública ao mesmo tempo.
Esta pesquisa é de extrema importância para a análise desse processo histórico em que
a sociedade ainda tem que vivenciar, as mudanças que ocorreram e podem deixar marcas
profundas nas políticas educacionais e de saúde. Somando-se a outros trabalhos e discussões
que tem sido construídos no meio acadêmico, como é o caso do “Projeto Arquipélagos de
Memórias: pandemia e vida cotidiana de professores/profissionais da educação, estudantes,
pais/mães de alunos (famílias)” que conta com a iniciativa de diferentes instituições goianas, e
objetiva “produzir um acervo digital de relatos orais dos mais distintos lugares do país acerca
da duração histórica presente com vistas à construção de uma ‘cápsula do tempo’ como
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legado às gerações vindouras.” Dessa forma a subjetividade ganha materialidade e


visibilidade.

REFERENCIAL TEÓRICO

A proposta de pesquisa busca compreender as histórias e as memórias de professoras


que foram sendo sedimentadas por uma realidade verossímil e incerta. Segundo o sociólogo
Zygmunt Bauman (2013), estamos imersos em uma modernidade-líquida, em que as coisas
não são feitas para durarem, mas para seres descartadas sempre que surgirem algo novo,
desmontando as certezas e dando lugar a uma constante e acelerada transformação.
Ao se referir à era líquido-moderna, Bauman (2013) cita o sociólogo Alberto Melucci
quando diz que “ao contemplarmos a mudança, estamos sempre divididos entre o desejo e o
medo, esperança e incerteza” (p. 9), e ao traduzir o significado dessa incerteza coloca evidente
o momento pelo qual toda a sociedade passa de um cenário novo e desafiador, como é
possível perceber no trecho a seguir:
[i]ncerteza significa risco, companheiro inseparável de toda ação e espectro sinistro a
assombrar os compulsivos tomadores de decisão e escolhedores que nos tornamos, por
necessidade, desde que, como Melucci incisivamente afirma, “a escolha se tornou um
destino”. Na verdade, usar o verbo tornar-se não é inteiramente correto, já que os seres
humanos tem sido escolhedores desde o momento em que viraram humanos. Mas se
pode dizer que em nenhuma outra época a necessidade de fazer escolhas foi tão
profunda, nem o ato de escolher se tornou tão dolorosamente embaraçador, conduzido
sob condições de dolorosa mas incurável incerteza, de uma constante ameaça de “ficar
para trás” e ser excluído do jogo, impedido de voltar a ele pela incapacidade de
atender às novas demandas. (BAUMAN, 2013, p.9)

Outro aspecto que pode ser levado em conta e foi mencionado por Giddens (2012) ao
discorrer sobre as condições de trabalho no mundo globalizado, é o excesso de trabalho para
além da carga-horária prevista nos contratos. A tecnologia que poderia ser uma aliada nas
condições de trabalho, muitas vezes, se torna a vilã, pela exigência de se estar o tempo todo
conectado, extrapolar horas, conciliar a vida pessoal com a profissional. Por isso, esta
pesquisa busca encontrar nas histórias narradas pelas professoras como a realidade pandêmica
atingiu suas rotinas, após a necessidade da implantação do ensino remoto. Nesse sentido,
Giddens questiona:

[a] resposta de alguns patrões às pressões da competitividade global consistiu em


encorajar os seus assalariados a aumentar o número de horas de trabalho,
aumentando assim os níveis de produtividade. Por que razão hão de os empregados
aceitar de livre vontade passar tanto tempo no trabalho – muitas vezes bastantes
mais tempo do que as quarenta horas semanais – sem que recebam mais por isso,
quando sabem que tal empenho prejudica a sua vida familiar, e numa época em que
a computadorização aumentou em grande medida a eficiência laboral? Não deveria
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o progresso da tecnologia permitir que os trabalhadores passassem mais tempo com


suas famílias, e não o contrário? (Giddens, 2008. p.63)

Somando-se a isso há o que Freitas (2016) chama de uberização do trabalho docente,


que consiste na informalidade do trabalhador, com maior flexibilidade e trabalho por
demanda, retirando a autonomia e produção intelectual do professor. O autor (2016)
denunciava o avanço dessas práticas em seu artigo “Charterização e uberização: destruindo
profissões”, quando as propostas de privatizações das instituições de ensino público estavam
muito afloradas, principalmente nos Estados de Goiás e Mato Grosso.
O que se percebe é que, com a chegada da pandemia, a necessidade de realizar o
distanciamento social e atividades remotas, e a fragmentação das relações colocou o trabalho
docente sob grandes riscos. E em se tratando de educação é bastante arriscado essa ser
reduzida a mero serviço de transmissão de conteúdos, sem reflexão. Freitas (2016) discorre
acerca do processo de precarização da educação,

aos poucos, os processos de precarização vistos em outras profissões vão se


aproximando dos professores – inclusive a conversão de seu trabalho vivo em
trabalho morto, dentro de plataformas de aprendizagem online que, com ajuda de
tecnologia interativa, procura copiar e eternizar a atuação dos profissionais da
educação. Trata-se de congelar os processos destinados a apoiar o desenvolvimento
das crianças, bem como destinados a regular seu ritmo e profundidade de aquisição
de conhecimentos, e registrá-los em códigos informatizados e reprodutíveis sem a
presença viva do professor. (FREITAS, 2016, p.1)

Corre-se o risco de grande prejuízo na relação professor-aluno, tornando o processo


como simples transmissão de conhecimento, que Paulo Freire chamou de Educação Bancária,
“que deforma a necessária criatividade do educando e do educador” (FREIRE, 1996 p.79).
Essa preocupação com as interações, ainda que em ambientes virtuais, revelam o que
há de mais humano na educação. Não perder de vista que educar é lidar com o outro, um ser
complexo, e que mesmo com o distanciamento que as telas impõem, existem universos
particulares que precisam ser respeitados. Santos, em seu artigo sobre a importância da
relação afetiva entre professor e aluno, cita Vygotsky ao dizer que “a aprendizagem
significativa tem como base a afetividade, pois ocorre a partir das interações sociais, mediadas
e internalizadas como aspectos fundamentais para a aprendizagem”. Portanto desse momento
de crise enfrentada pelos professores esses vínculos precisam ser ressignificados para que faça
sentido para todos os envolvidos.
Discorrendo sobre a crise como uma oportunidade de se repensar a Educação e a
necessidade de educar as novas gerações, Hannah Arendt (2016, p.222) afirma que “a crise
força -nos a regressar às próprias questões e exige de nós respostas, novas ou antigas, mas, em
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qualquer caso, respostas sob a forma de juízos diretos. Uma crise só se torna um desastre
quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com preconceitos”.
Dessa forma, a educação brasileira é marcada, historicamente, como um território em
constantes disputas, em que imperam jogos de interesses que evidenciam o processo de
exclusão social das classes trabalhadoras. Infelizmente, em tempos de pandemia, isto não foi
diferente. As condições socioeconômicas precárias ressaltaram realidades de estudantes não
tinham nem mesmo acesso à internet ou aparelhos que possibilitassem conexão com as
escolas e professores, somadas à baixa escolaridade dos pais que não tem condições de
ensinarem os conteúdos, o aumento do desemprego e consequentemente brecha para o
trabalho infantil, dentre outras evidencias que contribuíram para o aumento da evasão escolar.
O Movimento da Escola Nova, por exemplo, comandado por Anísio Teixeira, no
Brasil, foi importante no sentido de chamar a atenção para a democratização do ensino e para
a criação da escola pública de qualidade. Segundo Anísio Teixeira (1989), o Brasil deveria se
preocupar com uma escola única, destinada a todas as classes e que diminuísse as
desigualdades de oportunidades. Além disso, a educação democrática deveria ser pensada por
quem estava no chão da escola, ou seja, os professores e a comunidade escolar. Dessa forma,
caberia ao Estado manter o acesso e qualidade da educação a todas as crianças, conforme o
fragmento a seguir:

[n]ão se cogitava de dar ao pobre a educação conveniente ao rico, mas, antes, de dar
ao rico a educação conveniente ao pobre - pois, a nova sociedade democrática não
deveria distinguir - entre os indivíduos, os que precisavam dos que não precisavam
de trabalhar, mas a todos queria educar para o trabalho, distribuindo-os pelas
ocupações, conforme o mérito de cada um e não segundo a sua posição social ou
riqueza. Não se tratava, com efeito, de generalizar a educação para os privilégios,
mas de acabar com tais privilégios, em uma sociedade hierarquizada nas ocupações,
mas desierarquizada socialmente. (TEIXEIRA, 1989, p.17)

Assim, diante de um cenário de crise para a educação pública, as incertezas que os


professores já acumulam historicamente, podem de fato se concretizar em longo prazo. Os
interesses privados de empresas nacionais e internacionais sobre os investimentos para a
educação pública se intensificou com o ensino remoto e podem ser extremamente prejudiciais
as classes trabalhadoras que precisam da garantia do direito à educação gratuita, de qualidade
e acessível. É o que denuncia a Campanha Nacional pelo Direito à Educação sobre esse
período na seguinte afirmação:
A educação à distância, feita particularmente por meio de soluções de alta
tecnologia promovidas por empresas privadas, pode ser, portanto, uma concretização
muito problemática do direito à educação. Além disso, depender de corporações
multinacionais para entregar soluções educacionais é contribuir para o surgimento
de novas formas de privatização e comercialização da educação, suscitando muitos
8

outros receios, por exemplo, os ligados ao controle democrático da educação.


(Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2020)

Alguns problemas já têm sido evidenciados e relacionados pela Campanha Nacional


pelo Direito à Educação, como a desconsideração da situação socioeconômica das famílias,
estresse psicológico de estudantes, famílias e profissionais de educação, ampliação
desproporcional das jornadas de trabalho e deterioração das condições de trabalho de
educadores e educadoras, evasão escolar, a ausência de instrução das famílias, violência
doméstica, desemprego e trabalho infantil, entre muitos outros que envolvem todos que fazem
parte da comunidade escolar. Portanto é urgente pensar e procurar meios para que não se
aprofunde essa crise na Educação. De acordo com a Campanha,

mesmo adotando o máximo de alternativas e esforços, gestores e educadores


reconhecem a impossibilidade de alcançar a todos estudantes, afastados total ou
parcialmente das atividades escolares por razões de ordem sanitária, social,
econômica, etc. Tal contexto nos leva a redobrar as atenções em relação à garantia
do direito à educação, notadamente nas suas dimensões de igualdade de condições e
não discriminação, transparência pública e gestão democrática, padrão de qualidade,
prioridade absoluta à proteção integral dos direitos de crianças e adolescentes (dada
a centralidade que a escola representa nessa dimensão) e as condições de trabalho
dos profissionais da educação. Nesse sentido, é premente monitorar as políticas
públicas emergenciais ora implantadas para identificar práticas e medidas
discriminatórias eventualmente decorrentes do caráter experimental dessas políticas,
com vistas a corrigi-las e a mitigar os prejuízos educacionais dos estudantes.
(Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2020)

Nesse sentido, é cada vez mais importante que educadores brasileiros sejam ouvidos,
com o intuito de alcançarmos uma educação de qualidade, prevista pela Constituição de 1988
e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN). Dessa maneira propomos que o
enfrentamento da crise pelas redes de educação parta da escuta de professores que estão no
cotidiano da escola.

METODOLOGIA

Para o suporte metodológico dessa pesquisa será utilizada a teoria da sociologia


reflexiva de Bourdieu (2001, página 18), que considera que “nada é mais universal e
universalizável do que as dificuldades” daquilo que é comum a todos, mas que com a
investigação do objeto por meio da pesquisa é possível pormenorizar e dar mais profundidade
ao que será estudado. Segundo ele,

a ciência social está sempre exposta a receber do mundo social que ela estuda os
problemas que levanta a respeito dele: cada sociedade, em cada momento, elabora
um corpo de problemas sociais tidos legítimos, dignos de serem discutidos,
públicos, por vezes oficializados e, de certo modo garantidos pelo Estado.”
(BOURDIEU, 2001, p. 35)
9

E por se tratar de algo que não está alheio ao que acontece socialmente é que o objeto
está em constante relação com outros problemas e conhecimentos, que se modificam e variam
o tempo todo. O olhar sobre o objeto exigirá da pesquisadora uma visão global do espaço
maior da realidade em que está inserido esse objeto estudado, que não é senão um fragmento.
Sobre isso, menciona:

[m]as o proveito científico que se retira de se conhecer o espaço cujo interior se


isolou do objeto estudado (por exemplo, uma dada escola) e que se deve tentar
apreender, mesmo grosseiramente, ou ainda, à falta de melhor, com dados de
segunda mão, consiste em que, sabendo-se como é a realidade de que se abstraiu um
fragmento e o que dela se faz, se podem pelo menos desenhar as grandes linhas de
força do espaço cuja pressão se exerce sobre o ponto considerado. (BOURDIEU,
2001 p. 31)

Dessa forma, compreendemos que a pesquisa por se tratar de um objeto em mutação


pelo que acontece em seu meio social, não é tarefa fácil a ser realizada, pois requer um
constante olhar para os fatores que influenciam o objeto, ou que é influenciado por ele. Esse
processo exige grande fôlego e disciplina para compreender as séries de mudanças que podem
ocorrer para que se chegue o mais próximo da realidade. Segundo Bourdieu:

[c]onstruir o objeto supõe também que se tenha, perante os fatos, uma postura ativa
e sistemática. (...) trata-se de construir um sistema coerente de relações, que deve ser
posto à prova como tal. Trata-se de interrogar sistematicamente o caso particular,
construído em ‘caso particular do possível’ como diz Bachelard, para retirar dele as
propriedades gerais ou invariantes que só se denunciam mediante uma interrogação
assim conduzida. (BOURDIEU, 2001, p.32)

Assim, ao compreender que não há o individual separado do coletivo, já que estar em


sociedade implica relação de trocas durante toda a vida, a teoria da memória coletiva poderá
auxiliar nesse entendimento. Como afirma Silva:

[s]egundo Halbwachs o indivíduo que lembra está inserido na sociedade na qual


sempre possui um ou mais grupos de referência, a memória é então sempre
construída em grupo, sendo que “cada memória individual é um ponto de vista sobre
a memória coletiva”, como se pode ver, o trabalho do sujeito no processo de
rememoração não é descartado, visto que as “lembranças permanecem coletivas e
nos são lembradas por outros, ainda que trate de eventos em que somente nós
estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos. Isso acontece porque jamais
estamos sós” (SILVA, 2016)

Levando em consideração em meio à sociedade, a importância da individualidade dos


sujeitos, “a percepção de que a história mais ampla é construída por histórias individuais de
cada sujeito” (ALMEIDA et al. p. 149) é que essa pesquisa se baseia na abordagem
qualitativa, posto que, a preocupação com o processo será maior do que com o produto e os
dados coletados poderão ser observados e analisados. Não analisaremos a quantidade das
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informações, mas a qualidade, ou seja, as memórias e os dizeres presentes em cada fala. Nos
dizeres de Delgado (2006),

uma característica fundamental da metodologia qualitativa é sua singularidade e


não-compatibilidade com generalizações. [...] Situa-se no terreno da
contrageneralização e contribui para relativizar conceitos e pressupostos que tendem
a universalizar e a generalizar as experiências humanas. [...] Não objetiva a história
em si mesma, mas um dos possíveis registros do que passou e sobre o que ficou
como herança ou como memória. (DELGADO, 2006, p. 18 apud Almeida, 2009)

Além disso, esta é uma pesquisa bibliográfica em que consultaremos livros e trabalhos
acadêmicos para sustentar teoricamente conceitos importantes sistematizados para melhor
compreensão do objeto. Sabendo que ela “[...] deve encabeçar qualquer processo de busca
científica que se inicie [...]” (SANTOS, 1999 p.31)
Para gerar os dados e contemplar as vivências e a escuta dos sujeitos, utilizaremos
como instrumentos: o questionário, entrevista.
Inicialmente, aplicaremos um questionário com o intuito de construir o perfil
sociocultural do grupo de professoras. Escolhemos o questionário, porque concordamos com
as vantagens apresentadas por Moreira (2008) sobre o uso desse instrumento pelo
pesquisador: uso eficiente do tempo, anonimato para o respondente, possibilidade de uma alta
taxa de retorno.
Em um segundo momento, realizaremos uma entrevista com as professoras
selecionadas, com o objetivo de gerar informações detalhadas e necessárias sobre o trabalho
em tempos de pandemia. Segundo Colin (2008) a entrevista é um método de coleta de dados
muito útil para esclarecer as interpretações do pesquisador.
Consideramos o questionário e a entrevista como fontes muito importantes para o
registro oral e compreensão das questões de pesquisa. Conforme Almeida (2019):

[a] fonte oral é a base primária para a obtenção de qualquer forma de conhecimento,
seja ele científico ou não, o que vai dar legitimidade científica serão os critérios
adotados na busca desse conhecimento. As narrativas ganharam caráter científico
quando os argumentos foram sistematizados, arranjados metodologicamente,
equiparados uns aos outros em diálogo continuado e cumulativo e assumidos
profissionalmente (ALMEIDA et al 2019).

Nesse período de isolamento social, houve um grande enriquecimento no que diz


respeito às possibilidades de acesso a materiais de qualidade por meio de estudos, palestras e
cursos online de todo o mundo. Outra fonte de pesquisa extremamente importante será os
periódicos, jornais, revistas, sites que auxiliarão na construção linear do entendimento das
transformações ocorridas. O trabalho também buscará acompanhar o que tem sido produzido
11

pelas universidades e seus grupos de professores sobre o mesmo tema que pretendemos
trabalhar.

REFERÊNCIAS

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desafios e conquistas: Reflexões à partir de Arendt. In: OLIVEIRA, Daniele L. ALMEIDA,
Maria Zeneide C. M. Hannah Arendt pensando Educação. Goiânia: Kelps, 2019.

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