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RESUMO
Trata-se de analisar os contornos conferidos pela Constituição Federal de 1988
ao Ministério Público. Examina-se o tratamento conferido ao Ministério Públi-
co pelas Constituições brasileiras, e sua relação com o Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Judiciário em face da separação de poderes. De igual modo
estudam-se a função e o status do Ministério Público no Direito Comparado,
precipuamente Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Itália e França. Analisa-se
detidamente a autonomia que desfruta o Ministério Público no ordenamento
jurídico pátrio, tendo em vista as prerrogativas de seus membros e da própria
instituição. A atuação do Ministério Público na defesa da sociedade e dos valo-
res democráticos é estudada à luz da Constituição de 1988 e dos instrumentos
por ela conferidos, bem como os limites impostos a sua atuação.
PALAVRAS-CHAVE
Autonomia do Ministério Público. Democracia. Defesa da sociedade. Separa-
ção de poderes. Garantias do Ministério Público.
ABSTRACT
This paper analyzes the characteristics conferred by the 1988 Federal
Constitution to the Public Attorney. It examines the treatment given to Public
Attorney by the Constitutions of Brazil and its relationship with the executive,
legislature and judiciary in the face of separation of powers. It also studies the
function and status of Public Attorney in Comparative Law, mainly, Portugal,
Germany, USA, Italy and France. We analize the autonomy enjoyed by the
Public Attorney the national laws, in view of the prerogatives of its members
and the institution itself. The role of Public Attorney in the defense of society
and democratic values is studied in the perspectives of the 1988 Constitution
and other related instruments and the limits of its performance.
KEYWORDS
Autonomy of the Public Attorney. Democracy. Defense of society. Separation of
powers. Guarantees of the Public Attorney.
SUMÁRIO
Introdução. 1. O Ministério Público nas Constituições brasileiras. 2. O Ministé-
rio Público e o princípio da separação dos poderes. 3. O Ministério Público no
direito comparado. 4. A Constituição Federal de 1988 e o Ministério Público.
Conclusão. Referências.
Introdução
O Ministério Público vem, ao longo de sua história, desempenhando rele-
vante papel na defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, bem como da ordem jurídica como um todo. Na execução dessa
1. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988.In: MAR-
TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada.: São Paulo: Revista dos
Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.413.
2. Cf, SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed., São Paulo: Malhei-
ros, 2010, p. 597.
3. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 993.
4. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p.991.
cia, defensoria pública e a advocacia pública. O Ministério Público passa a ser uma
instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, desfrutando
deposição impar no sistema constitucional pátrio5.
É motivo de discussão a questão acerca da classificação do Ministério Público
na tripartição de poderes elencada pela Constituição de 1988, uma vez que ele tem por
função fiscalizar os Poderes. No entanto essa discussão é muito mais de cunho teórico,
doutrinário, do que na verdade de consequências dogmático-jurídicas. A questão, ao
que parece, não deve recair na classificação, mas sim essencialmente no grau de in-
dependência que o Ministério Público desfruta no cenário político-jurídico brasileiro.
Tendo em vista o Direito Comparado, verifica-se, na grande maioria dos paí-
ses, que ele se encontra sob influência do Poder Executivo, mas em alguns casos está
relacionado ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Apenas em alguns países ele
é delineado como órgão independente.
O fato de estar relacionado ao Poder Executivo traz em si alguns problemas no to-
cante à sua independência política e funcional. Vale dizer que essa independência cons-
titui-se em um pressuposto da objetividade e da imparcialidade de sua atuação no mister
de defensor da ordem jurídica. Aplica-se tanto à instituição como aos seus membros6.
Na hipótese de o Ministério Público estar relacionado ao Poder Legislativo
tem-se que ele poderá ser concebido como um defensor do princípio da legalidade.
Legalidade essa oriunda do próprio Poder Legislativo, ao qual se encontra vincula-
do. No entanto, aqui o perigo reside na defesa de uma legalidade socialista.
Se o Ministério Público se encontra dentro da estrutura do Poder Judiciário,
ele se torna sua dependente ou integrante, o que pode comprometer a sua atua-
ção. Os Estados democráticos preferem relacionar o Ministério Público à estrutura
constitucional do Poder Judiciário, por conceberem-no como função essencial ao
desempenho da justiça. No sistema constitucional brasileiro o Ministério Público in-
tegra as funções essenciais à justiça e é erigido ao status de instituição permanente,
desvinculada dos demais Poderes, constituindo-se em crime de responsabilidade do
Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Ministério
Público, conforme o disposto no art. 85, II, da Constituição Federal de 19887.De
igual modo restam vedadas a edição de medida provisória e a delegação legislativa
em matéria relativa a organização do Ministério Público.
5. CF. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. In: MAR-
TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada: São Paulo: Revista dos
Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.411.
6. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de
Direito. Brasília: Brasília Juridica, 2003, p 194.
7. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 411.
de Direito, que conferiu especial tratamento a esse, é imperioso analisar como ou-
tros países concebem a autonomia do Ministério Público, em face da tripartição
de Poderes. Nesse sentido é importante analisar como França, Alemanha, Espanha,
Portugal, Itália e Estados Unidos organizam o Ministério Público.
Na França o Ministério Público é concebido como uma magistratura espe-
cial, na medida em que possui as mesmas garantias da magistratura e é responsável
por representar a sociedade e exigir a aplicação das leis8. Incumbe ao Ministério
Público representar a sociedade e em seu nome requerer a aplicação das leis, sua
observância, bem como a execução das decisões judiciais. Cabe a ele ainda a defesa
dos interesses dos incapazes. Também atua nos âmbitos penal e civil9.
No entanto, incumbe ao Ministro da Justiça dirigir o Ministério Público na
administração da instituição e na esfera civil cabe estabelecer o comportamento e a
aplicação das normas, e solicitar que os membros do Ministério Público adotem de-
terminada posição de interesse do Estado perante o tribunal ao qual está vinculado.
Todavia, as atividades penais são controladas exclusivamente pelo próprio Mi-
nistério Público, que é independente em relação ao tribunal no qual atua. Contudo,
sofre a supervisão do Ministro da Justiça, que pode dar ordens e até proibir a sua atuação
por meio da imposição de medida disciplinar, substituição, remoção, rebaixamento e
até mesmo exoneração. Também se constata dependência hierárquica, pois o Ministério
Público tem o dever de informar o Ministério da Justiça sobre assuntos relevantes.
Na Alemanha, que adota o sistema da Civil Law, o Ministério Público (Fiskalat)tem
o monopólio da ação penal e sua origem se encontra relacionada aos funcionários reais
que defendiam os interesses fiscais do rei. O Ministério Público é órgão independente
da acusação penal pública10. O Ministério Público encontra-se sob a autoridade e fisca-
lização dos órgãos superiores da administração da justiça. Verifica-se assim uma contra-
dição, pois, ao mesmo tempo que o Ministério Público é independente na persecução
penal e na defesa da lei, ele também deve obediências às ordens do superior hierárquico.
Na Espanha o Ministério Público (Ministério Fiscal) se constitui no represen-
tante do governo perante o Poder Judiciário. Cabe a ele zelar pelos direitos dos cida-
dãos e pela independência dos tribunais a seu cargo. A nomeação é real, baseada,
portanto, no critério da livre indicação e não da carreira, ou seja, por concurso pú-
blico11. O Procurador-Geral é denominado de Fiscal General Del Estado e não só do
Tribunal Supremo. Trata-se de cargo de confiança e seus membros devem atuar em
conformidade com as suas diretrizes, sob pena de configurar falta muito grave. Essa
circunstância nada mais é do que o reflexo da política governamental. Embora não
exista dependência funcional direta ao Poder Executivo, também não há expressiva
independência funcional da instituição.
rantia constitucional da autonomia do Ministério Público visa a evitar que ele seja
subordinado aos demais órgãos estatais. Nesse particular são asseguradas garantias,
tanto à instituição como aos seus membros, tais como o princípio da unidade, in-
divisibilidade, independência funcional, administrativa e financeira da instituição.
No tocante às garantias asseguradas aos membros do Ministério Público, tem-
-se que foram concedidas a ele as mesmas garantias conferidas aos magistrados. São
asseguradas pelo Texto Constitucional: a) a vitaliciedade, consistente na garantia da
perda do cargo, após dois anos de exercício, apenas por decisão judicial transitada em
julgado; b) a inamovibilidade consiste na circunstância de a remoção só poder ocorrer
por interesse público ou por decisão do órgão colegiado competente do Ministério
Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;
c) irredutibilidade de subsídios; e d) foro privativo nos tribunais. Os membros do Mi-
nistério Público desfrutam de independência no exercício de sua função, inexistindo
vinculo de subordinação, apenas o respeito à Constituição e às leis17.
No que se refere às garantias relativas à instituição, assegurou o Texto Consti-
tucional a autonomia funcional, administrativa e financeira. A autonomia financeira
consiste na possibilidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites
da Lei de Diretrizes Orçamentárias18. No entanto, não desfruta do poder de iniciativa
da proposta orçamentária, “devendo esta, por isso, integrar-se no orçamento geral a
ser submetido ao Poder Legislativo pelo Poder Executivo”19.
Pode o Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção
de seus cargos, serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e
títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. Cabe à lei dispor sobre sua
organização e funcionamento. Desfruta de autonomia funcional e administrativa,
“com possibilidade de prover diretamente seus cargos”20.
Desfruta o Ministério Público de autonomia política na medida em que tanto
o Procurador-Geral da República quanto o Procurador-Geral de Justiça são indica-
dos, respectivamente, pelos Chefes do Poder Executivo, Presidente da República
e Governador do Estado. O Procurador-Geral da República será nomeado dentre
os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu
nome pela maioria absoluta do Senado Federal (sabatina). É ele o responsável pela
fixação das diretrizes do órgão. O fato de o Procurador-Geral da República ser indi-
cado pelo Presidente da República acaba por transferir parte da confiança popular
que usufrui para ele. Já o fato de ser aprovado pelo Senado Federal, ou seja, é essen-
cial para manter a relação com o Poder Legislativo e com a sociedade que cabe de-
fender. O mandato é de dois anos, sendo permitida a recondução. A destituição do
17. Cf. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., São Paulo: Saraiva,
1986, p. 298.
18. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 177.
19. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598.
20. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p.412.
21. Cf. MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre: uma repreensão jurídico-consti-
tucional às pretensões investigativas do Ministério Público. Brasilia: Envelopel, 2004, p.129.
22. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 184.
23. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598.
do, há que se reconhecer que o Código Eleitoral, da década de 1930, não conferiu ao
Ministério Público o devido papel. No entanto reconheceu que cabe ao Parquet: a) a
função de promover a ação penal pública no tocante aos crimes eleitorais; b) fiscalizar
a abertura de urnas; c) promover a responsabilidade por nulidade da eleição; d) a ar-
guição de suspeição; e) pedido de cancelamento de registro de partido e candidato; f)
a propositura de ação visando à declaração da perda ou suspensão de direito políticos;
g) as ações civis para decretar a nulidade de atos da administração infringentes da lei
eleitoral, do abuso do poder econômico, político ou administrativo.
Na defesa da democracia incumbe, por força da Constituição, ao Ministério
Público: a) propor ação penal para responsabilizar tanto os que violaram as regras de-
mocráticas, bem como as ações penais típicas (conferiu-se privatividade ao Ministério
Público na promoção da ação penal pública, ou seja, “atribui-lhe parcela direta da
soberania do Estado”28); b) propor ação direta de inconstitucionalidade, ação declara-
tória de constitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental e
ação de inconstitucionalidade interventiva; c) instaurar o inquérito civil e propor ação
civil pública visando à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos e dos serviços de relevância pública; d) com-
bater a inércia governamental em questões ambientais, consumidores educação; e)
visitação aos presos; f) velar pelos direitos constitucionais do cidadão; g) defesa das
minorias (vitimas, deficientes, idosos, mulheres, consumidor...); h) controle externo da
atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
No tocante à atuação do Ministério Público suscita certa discussão acerca
da possibilidade de ele realizar diretamente investigações e diligências em procedi-
mento administrativo investigatório, com o fim de apurar crime29. Parte da doutrina
entende que o Ministério Público não tem legitimidade para realizar esse mister,
uma vez que essa função deve ser exercida com exclusividade pela polícia, confor-
me disposto no Texto Constitucional. Nessa linha destaca-se a posição dos Ministros
Carlos Velloso30 e Nelson Jobim31, do Supremo Tribunal Federal. O Min. Nelson Jo-
bim faz referência a outras tentativas de juizados de instrução no Brasil que foram re-
pelidas em 1936 e pela votação das leis orgânicas nacionais do Ministério Público32.
Já os que entendem que o Ministério Público pode exercer tal tarefa argumen-
tam que a Constituição só menciona a exclusividade no tocante à polícia federal33.
Nesse sentido, pode o Ministério Público participar do inquérito, mas não instaurá-
34. Ver também: TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo:
RT,2004, p. 28.
35. Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius . “Arts. 127 ao 130”. In. Comentários a Constituição
Federal de 1988. BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de
Janeiro:Forense,2009, p.1639.
36. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008 p.274.
pondem por abusos que cometam, nas áreas civil, penal e disciplinar37. A Emenda
à Constituição n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, criou o Conse-
lho Nacional do Ministério Público que tem por finalidade o controle da atuação
administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres
funcionais de seus membros38. Possui poder regulamentar autônomo no âmbito da
sua competência39, conforme disposto no art. 130-A, §2º, I, do Texto Constitucio-
nal, mas não poder normativo40. Portanto, resta vedada a possibilidade de edição
de normas gerais e abstratas sob pena de violar o princípio da legalidade e a pró-
pria autonomia do Ministério Público41. Trata- se de um órgão que confere maior
eficiência e legitimidade ao Ministério Público, na medida em que exerce controle
sob sua atuação administrativa e financeira.
CONCLUSÃO
Em face do exposto é possível afirmar que o Ministério Público pode ser
forte e atuante, tanto num regime autoritário como em um regime democrático.
No entanto, não há negar-se que o Ministério Público só será efetivamente forte e
independente, “quanto mais autentico é o regime democrático de um País”42. Nesse
sentido a existência de regime democrático é condição sine qua non para o desen-
volvimento de um Ministério Público livre, forte e atuante. Ademais, quanto mais
democrática é a representação da sociedade, maior é sua independência para de-
fender seus próprios interesses fundamentais e, por via de consequência, mais eficaz
será a atuação do Ministério Público.
O Ministério Público é uma instituição imprescindível a toda organização
democrática, constituindo-se em um instrumento de realização da justiça social, na
medida em que é o guardião das liberdades públicas.
A Constituição de 1988 inovou em relação às Constituições anteriores, bem
como em relação ao Direito Comparado, ao conferir autonomia ao Ministério Pú-
blico, ao erigi-lo à condição de instituição. A circunstância de elencar o Ministério
Público no rol das funções essenciais à justiça, portanto não submetido ao Poder
Executivo, lhe conferiu autonomia e independência para exercer o mister livremente
e se legitimar como defensor da sociedade e dos valores democráticos.
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