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O MINISTÉRIO PÚBLICO

NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

THE PUBLIC ATTORNEY IN 1988


FEDERAL CONSTITUTION

Samantha Ribeiro Meyer-Pflug


Doutora e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP. Professora da Diretoria de Pesquisa em Direito e
coordenadora da UNINOVE. Membro do Conselho Superior de Direito
da FECOMERCIO.

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RESUMO
Trata-se de analisar os contornos conferidos pela Constituição Federal de 1988
ao Ministério Público. Examina-se o tratamento conferido ao Ministério Públi-
co pelas Constituições brasileiras, e sua relação com o Poder Executivo, Poder
Legislativo e Poder Judiciário em face da separação de poderes. De igual modo
estudam-se a função e o status do Ministério Público no Direito Comparado,
precipuamente Portugal, Alemanha, Estados Unidos, Itália e França. Analisa-se
detidamente a autonomia que desfruta o Ministério Público no ordenamento
jurídico pátrio, tendo em vista as prerrogativas de seus membros e da própria
instituição. A atuação do Ministério Público na defesa da sociedade e dos valo-
res democráticos é estudada à luz da Constituição de 1988 e dos instrumentos
por ela conferidos, bem como os limites impostos a sua atuação.

PALAVRAS-CHAVE
Autonomia do Ministério Público. Democracia. Defesa da sociedade. Separa-
ção de poderes. Garantias do Ministério Público.

ABSTRACT
This paper  analyzes the characteristics conferred by the 1988 Federal
Constitution  to  the Public Attorney. It examines the treatment given to Public
Attorney by the Constitutions of Brazil and its relationship with the executive,
legislature and judiciary in the face of separation of powers. It also studies the
function and status of Public Attorney in Comparative Law,  mainly, Portugal,
Germany, USA, Italy and France. We analize  the autonomy  enjoyed by the
Public Attorney the national laws, in view of the prerogatives of its members
and the institution itself. The role of Public Attorney in the defense of society
and democratic values i​s studied in the perspectives of the 1988 Constitution
and other related instruments and the limits of its performance.

KEYWORDS
Autonomy of the Public Attorney. Democracy. Defense of society. Separation of
powers. Guarantees of the Public Attorney.

SUMÁRIO
Introdução. 1. O Ministério Público nas Constituições brasileiras. 2. O Ministé-
rio Público e o princípio da separação dos poderes. 3. O Ministério Público no
direito comparado. 4. A Constituição Federal de 1988 e o Ministério Público.
Conclusão. Referências.

Introdução
O Ministério Público vem, ao longo de sua história, desempenhando rele-
vante papel na defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, bem como da ordem jurídica como um todo. Na execução dessa

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difícil tarefa, a Constituição Federal de 1988 conferiu-lhe uma série de prerrogativas


e garantias, tanto no que se refere à própria instituição quanto aos seus membros.
O caput do art. 127 da Constituição Federal de 1988 estabelece que o Minis-
tério Público “é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis”.
O Texto Constitucional – tendo em vista a grande relevância da função do
Parquet, além de assegurar-lhe autonomia – também delineou detalhadamente a sua
estrutura, propiciando os elementos necessários para que possa levar a efeito a defesa
do regime democrático. No entanto, impõem-se analisar detidamente os parâmetros
constitucionais impostos para a realização dessa relevante atividade. Nesse sentido
necessário se faz, primeiramente, examinar a evolução histórica da instituição do
Ministério Público nas Constituições brasileiras, bem como comparar o tratamento
jurídico conferido ao Parquet na Constituição de 1988 com a de outros países, preci-
puamente Itália, França, Estados Unidos da América, Portugal e Alemanha.
No entanto, como qualquer outra instituição, há limites impostos pela ordem
jurídica para a atuação do Ministério Público na defesa do Estado Democrático
de Direito. Para compreender quais são esses limites, imprescindível se apresenta
analisar a autonomia e as garantias que usufrui o Ministério Público e as vedações
impostas pelo Texto Constitucional aos seus membros e à sua atividade.
Por fim serão estudados os instrumentos jurídicos disponíveis ao Ministério
Público para desempenhar o seu mister, bem como os limites políticos a ele impostos.

1. O MINISTÉRIO PÚBLICO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS


O Ministério Público tem a sua origem relacionada aos agentes do poder
absoluto, nas monarquias, não estando previsto, inicialmente, na separação dos
poderes. Foi criado para sustentar e manter os arbítrios autocráticos das monar-
cas medievais. Foi a partir da Revolução Francesa que com o liberalismo elevou o
Ministério Público à posição de guardião da legalidade, baluarte da democracia e
também defensor dos direitos indisponíveis dos cidadãos. No entanto, no Brasil, o
Ministério Público se distanciou por completo da sua origem de “acusador do rei”
para se constituir no grande defensor dos interesses sociais, na grande maioria das
vezes, contrapondo-se aos interesses dos próprios governantes e do Estado1.
Pode-se dizer que, por meio de sua atuação, o Ministério Público passou a
ser um dos esteios da democracia. Não há negar-se que o Ministério Público é in-
vestido de parcela de soberania estatal e, como tal, participa de sua estrutura, uma
vez que faz parte de sua organização; por esta razão o seu funcionamento acaba por

1. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988.In: MAR-
TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada.: São Paulo: Revista dos
Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.413.

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refletir as características do Estado do qual faz parte. Em assim sendo o Ministério


Público pode existir tanto num regime democrático como num regime totalitarista,
desempenhando distintas funções nos dois sistemas.
No Brasil o Ministério Público se fez presente desde a primeira Constituição,
qual seja, a de 1824. Nela ficava estabelecido que ao procurador da coroa cabia a
acusação no juízo dos crimes, ressalvada a competência da câmara dos deputados
(ministros ou conselheiros de estado). Rezava o seu art. 48 que: “No Juizo dos cri-
mes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador
da Corôa, e Soberania Nacional”.
Já a Constituição de 1891 limitou-se a estabelecer que o Procurador-Geral
era designado pelo Presidente da República, dentre os membros do Supremo Tribu-
nal Federal e que suas atribuições seriam disciplinadas em lei. Também estabeleceu
em seu art. 81, §1º, que o Procurador-Geral da República tinha legitimidade para
ingressar com a revisão criminal, in verbis: “A lei marcará os casos e a forma da revi-
são, que poderá ser requerida pelo sentenciado, por qualquer do povo, ou ex officio
pelo Procurador-Geral da República”.
A partir da Constituição de 1934 o Ministério Público passou a ser uma institui-
ção, estando previsto dentro do Capítulo VI, “Dos Órgãos de Cooperação nas Ativida-
des Governamentais”. Nela ficava disposto, no art. 35, que: “O Ministério Público será
organizado na União, no Distrito Federal e nos Territórios por lei federal, e, nos Estados,
pelas leis locais”. De igual modo restou estabelecido que o Chefe do Ministério Públi-
co Federal nos Juízos comuns era o Procurador-Geral da República, de nomeação do
Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre cidadãos com os
requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema. Vale dizer que ele tinha os
mesmos vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, sendo, porém, demis-
sível ad nutum. Era considerado “órgão de cooperação nas entidades governamentais”2.
Daí se depreende uma nítida subordinação do Ministério Público ao Poder Exe-
cutivo, pois o chefe da instituição exercia cargo de confiança do Presidente da Repúbli-
ca, podendo ser demitido a qualquer tempo. Tal fato impedia por completo a autonomia
do Procurador-Geral no desempenho de suas atividades, pois não usufruía de nenhuma
garantia que lhe assegurasse a independência necessária para realizar o seu mister. No
entanto, os demais membros do Ministério Público ingressavam na carreira por concurso
público, só podendo perder o cargo, nos termos da lei, por sentença judicial, ou processo
administrativo, no qual lhes será assegurada ampla defesa e contraditório (art. 95, §3º).
A Carta de 1937, por sua vez, representou um retrocesso3, na medida em que
tratava apenas do Ministério Público dentro do Poder Judiciário, precipuamente, do
Supremo Tribunal Federal. Em seu art. 39 ficava disposto que: “O Ministério Público
Federal terá por Chefe o Procurador-Geral da República, que funcionará junto ao

2. Cf, SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 34. ed., São Paulo: Malhei-
ros, 2010, p. 597.
3. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 993.

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Supremo Tribunal Federal, e será de livre nomeação e demissão do Presidente da


República, devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para
Ministro do Supremo Tribunal Federal”.
No entanto, no Código de Processo Civil o Ministério Público passou a se
vincular à defesa dos valores adotados por uma ordem social e econômica, com
caráter burguês, sem, contudo, prejuízo da sua titularidade na ação penal. A Consti-
tuição de 1946 tratou do Ministério Público em título próprio, conferindo-lhe certa
independência4. Consoante o disposto no seu art. 126: “O Ministério Público fede-
ral tem por Chefe o Procurador-Geral da República. O Procurador, nomeado pelo
Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre
cidadãos com os requisitos indicados no art. 99, é demissível ad nutum”.
Verifica-se, novamente, a submissão do Chefe do Ministério Público ao Presi-
dente da República, uma vez que o seu cargo era demissível ad nutum. Portanto, não
usufruía da autonomia necessária para defender os interesses da sociedade e dos valores
democráticos. O Texto Constitucional de 1946 estabeleceu também em seu art. 128 a
organização do Ministério Público em carreira nos Estados, observados os princípios per-
tinentes ao âmbito federal, bem como o princípio de promoção de entrância a entrância.
A Constituição de 1967 também tratava do Ministério Público dentro do ca-
pítulo do Poder Judiciário (arts. 137 a 139), e equiparava os integrantes do Ministério
Público aos juízes, no que se referia ao salário, aposentadoria, autonomia e inamovi-
bilidade. A nomeação do Procurador-Geral da República era feita pelo Presidente da
República e era necessária a aprovação do Senado Federal. Com o advento da Emenda
à Constituição n. 1/69, o Ministério Público passou a integrar a seção destinada ao
Poder Executivo, sendo o cargo de Procurador-Geral da República de livre nomea-
ção do Presidente da República. Incumbia ao Ministério Público, por força de norma
constitucional, a defesa dos interesses do Estado, pois tinha o dever de defendê-lo. Tal
situação demonstrava a dependência e a subordinação do Ministério Público ao Poder
Executivo que acabava por não lhe permitir atuar contra a Administração Pública.

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO


DOS PODERES
A Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição cidadã”, e de
nítido caráter democrático, eis que rompe com o regime político anterior, deu nova
feição ao Ministério Público, estruturando-o com uma série de garantias e prerro-
gativas destinadas a propiciar desempenho satisfatório na defesa dos interesses da
sociedade, inclusive contra os próprios órgãos do Estado. Há certo distanciamento
dessa função, na medida em que o Texto Constitucional trata do Ministério Público
em capítulo próprio, qual seja, “Das funções essenciais da justiça”, com a advoca-

4. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Curso
de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p.991.

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cia, defensoria pública e a advocacia pública. O Ministério Público passa a ser uma
instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, desfrutando
deposição impar no sistema constitucional pátrio5.
É motivo de discussão a questão acerca da classificação do Ministério Público
na tripartição de poderes elencada pela Constituição de 1988, uma vez que ele tem por
função fiscalizar os Poderes. No entanto essa discussão é muito mais de cunho teórico,
doutrinário, do que na verdade de consequências dogmático-jurídicas. A questão, ao
que parece, não deve recair na classificação, mas sim essencialmente no grau de in-
dependência que o Ministério Público desfruta no cenário político-jurídico brasileiro.
Tendo em vista o Direito Comparado, verifica-se, na grande maioria dos paí-
ses, que ele se encontra sob influência do Poder Executivo, mas em alguns casos está
relacionado ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Apenas em alguns países ele
é delineado como órgão independente.
O fato de estar relacionado ao Poder Executivo traz em si alguns problemas no to-
cante à sua independência política e funcional. Vale dizer que essa independência cons-
titui-se em um pressuposto da objetividade e da imparcialidade de sua atuação no mister
de defensor da ordem jurídica. Aplica-se tanto à instituição como aos seus membros6.
Na hipótese de o Ministério Público estar relacionado ao Poder Legislativo
tem-se que ele poderá ser concebido como um defensor do princípio da legalidade.
Legalidade essa oriunda do próprio Poder Legislativo, ao qual se encontra vincula-
do. No entanto, aqui o perigo reside na defesa de uma legalidade socialista.
Se o Ministério Público se encontra dentro da estrutura do Poder Judiciário,
ele se torna sua dependente ou integrante, o que pode comprometer a sua atua-
ção. Os Estados democráticos preferem relacionar o Ministério Público à estrutura
constitucional do Poder Judiciário, por conceberem-no como função essencial ao
desempenho da justiça. No sistema constitucional brasileiro o Ministério Público in-
tegra as funções essenciais à justiça e é erigido ao status de instituição permanente,
desvinculada dos demais Poderes, constituindo-se em crime de responsabilidade do
Presidente da República os atos que atentem contra o livre exercício do Ministério
Público, conforme o disposto no art. 85, II, da Constituição Federal de 19887.De
igual modo restam vedadas a edição de medida provisória e a delegação legislativa
em matéria relativa a organização do Ministério Público.

3. O MINISTÉRIO PÚBLICO NO DIREITO COMPARADO


Para se compreender a extensão da autonomia do Ministério Público na
Constituição de 1988, bem como a sua função de defesa do Estado Democrático

5. CF. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. In: MAR-
TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada: São Paulo: Revista dos
Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008, p.411.
6. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de
Direito. Brasília: Brasília Juridica, 2003, p 194.
7. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 411.

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de Direito, que conferiu especial tratamento a esse, é imperioso analisar como ou-
tros países concebem a autonomia do Ministério Público, em face da tripartição
de Poderes. Nesse sentido é importante analisar como França, Alemanha, Espanha,
Portugal, Itália e Estados Unidos organizam o Ministério Público.
Na França o Ministério Público é concebido como uma magistratura espe-
cial, na medida em que possui as mesmas garantias da magistratura e é responsável
por representar a sociedade e exigir a aplicação das leis8. Incumbe ao Ministério
Público representar a sociedade e em seu nome requerer a aplicação das leis, sua
observância, bem como a execução das decisões judiciais. Cabe a ele ainda a defesa
dos interesses dos incapazes. Também atua nos âmbitos penal e civil9.
No entanto, incumbe ao Ministro da Justiça dirigir o Ministério Público na
administração da instituição e na esfera civil cabe estabelecer o comportamento e a
aplicação das normas, e solicitar que os membros do Ministério Público adotem de-
terminada posição de interesse do Estado perante o tribunal ao qual está vinculado.
Todavia, as atividades penais são controladas exclusivamente pelo próprio Mi-
nistério Público, que é independente em relação ao tribunal no qual atua. Contudo,
sofre a supervisão do Ministro da Justiça, que pode dar ordens e até proibir a sua atuação
por meio da imposição de medida disciplinar, substituição, remoção, rebaixamento e
até mesmo exoneração. Também se constata dependência hierárquica, pois o Ministério
Público tem o dever de informar o Ministério da Justiça sobre assuntos relevantes.
Na Alemanha, que adota o sistema da Civil Law, o Ministério Público (Fiskalat)tem
o monopólio da ação penal e sua origem se encontra relacionada aos funcionários reais
que defendiam os interesses fiscais do rei. O Ministério Público é órgão independente
da acusação penal pública10. O Ministério Público encontra-se sob a autoridade e fisca-
lização dos órgãos superiores da administração da justiça. Verifica-se assim uma contra-
dição, pois, ao mesmo tempo que o Ministério Público é independente na persecução
penal e na defesa da lei, ele também deve obediências às ordens do superior hierárquico.
Na Espanha o Ministério Público (Ministério Fiscal) se constitui no represen-
tante do governo perante o Poder Judiciário. Cabe a ele zelar pelos direitos dos cida-
dãos e pela independência dos tribunais a seu cargo. A nomeação é real, baseada,
portanto, no critério da livre indicação e não da carreira, ou seja, por concurso pú-
blico11. O Procurador-Geral é denominado de Fiscal General Del Estado e não só do
Tribunal Supremo. Trata-se de cargo de confiança e seus membros devem atuar em
conformidade com as suas diretrizes, sob pena de configurar falta muito grave. Essa
circunstância nada mais é do que o reflexo da política governamental. Embora não
exista dependência funcional direta ao Poder Executivo, também não há expressiva
independência funcional da instituição.

8. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 58.


9. Ver também: AMADO, Verônica Lazar. A investigação criminal pelo Ministério Público. Ara-
caju: Gráfica texto Pronto, 2002. p. 37.
10. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 75.
11. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit. p. 91.

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Na Itália o Ministério Público encontra-se vinculado ao Poder Judiciário, em-


bora tenha independência política e não se encontre sob a direção do Poder Execu-
tivo12. Cabe à lei garantir a independência do Ministério Público para atuar em juízo.
Contudo, cumpre advertir que tal mister é realizado sob a “vigilância” e não sob a
“direção” do Ministro da Justiça nas funções que a lei lhe outorga.
Em Portugal desfruta o Ministério Público de autonomia e estrutura próprias.
O Presidente da República nomeia o Procurador-Geral, por proposta do governo. O
Procurador-Geral deve prestar esclarecimentos ao governo quando lhe sejam solici-
tados13. Contudo, desfruta de autonomia em relação ao Poder Executivo, encontran-
do-se vinculado à Administração da justiça e segue os poderes diretivos impostos
pelo Ministro da Justiça.
Nos Estados Unidos da América, que adota o sistema da Common Law, o Mi-
nistério Público tem como seu chefe maior em nível federal o United States Attorney
General, que é nomeado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado14. Já
os procuradores distritais são eleitos. Registre-se que – tanto na esfera federal quanto
na estadual – o Ministério Público tem notáveis poderes, dentre eles o monopólio da
ação penal e a disponibilidade para propô-la.
Não existe controle judicial, com exceção da hipótese em que a ação é ajui-
zada pelo Ministério Público com nítida “intenção de perseguição” ou ainda com
caráter discriminatório. Trata-se de um órgão eminentemente político, uma vez que
seus integrantes ingressam na carreira por meio de eleições livres. Segue-se a lógica
de produtividade, ou seja, avalia-se o Ministério Público muito mais pelo numero de
acusações propostas do que pela realização da justiça.
Na antiga União Soviética o Ministério Público encontrava-se relacionado ao
Poder Legislativo15. Em Cuba ainda se verifica a situação.
Tem-se, pois, que – ao analisar o tratamento constitucional conferido ao Mi-
nistério Público pelos países elencados – se verifica que os contornos conferidos
à instituição pela Constituição de 1988, em termos de autonomia, não encontra
paralelo no direito comparado16.

4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O MINISTÉRIO PÚBLICO


A Constituição Federal de 1988 conferiu autonomia ao Ministério Público;
pode-se afirmar que a extensão e a densidade do ordenamento constitucional do
Ministério Público no Brasil não encontram similares no Direito Comparado. A ga-

12. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 130.


13. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 145.
14. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 121.
15. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 160.
16. Cf. MENDES. Gilmar Ferreira; BRANCO; Paulo Gonet., COELHO. Inocêncio Martires, Cur-
so de direito constitucional. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 992.

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rantia constitucional da autonomia do Ministério Público visa a evitar que ele seja
subordinado aos demais órgãos estatais. Nesse particular são asseguradas garantias,
tanto à instituição como aos seus membros, tais como o princípio da unidade, in-
divisibilidade, independência funcional, administrativa e financeira da instituição.
No tocante às garantias asseguradas aos membros do Ministério Público, tem-
-se que foram concedidas a ele as mesmas garantias conferidas aos magistrados. São
asseguradas pelo Texto Constitucional: a) a vitaliciedade, consistente na garantia da
perda do cargo, após dois anos de exercício, apenas por decisão judicial transitada em
julgado; b) a inamovibilidade consiste na circunstância de a remoção só poder ocorrer
por interesse público ou por decisão do órgão colegiado competente do Ministério
Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa;
c) irredutibilidade de subsídios; e d) foro privativo nos tribunais. Os membros do Mi-
nistério Público desfrutam de independência no exercício de sua função, inexistindo
vinculo de subordinação, apenas o respeito à Constituição e às leis17.
No que se refere às garantias relativas à instituição, assegurou o Texto Consti-
tucional a autonomia funcional, administrativa e financeira. A autonomia financeira
consiste na possibilidade de elaborar sua proposta orçamentária dentro dos limites
da Lei de Diretrizes Orçamentárias18. No entanto, não desfruta do poder de iniciativa
da proposta orçamentária, “devendo esta, por isso, integrar-se no orçamento geral a
ser submetido ao Poder Legislativo pelo Poder Executivo”19.
Pode o Ministério Público propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção
de seus cargos, serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas e
títulos, a política remuneratória e os planos de carreira. Cabe à lei dispor sobre sua
organização e funcionamento. Desfruta de autonomia funcional e administrativa,
“com possibilidade de prover diretamente seus cargos”20.
Desfruta o Ministério Público de autonomia política na medida em que tanto
o Procurador-Geral da República quanto o Procurador-Geral de Justiça são indica-
dos, respectivamente, pelos Chefes do Poder Executivo, Presidente da República
e Governador do Estado. O Procurador-Geral da República será nomeado dentre
os integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu
nome pela maioria absoluta do Senado Federal (sabatina). É ele o responsável pela
fixação das diretrizes do órgão. O fato de o Procurador-Geral da República ser indi-
cado pelo Presidente da República acaba por transferir parte da confiança popular
que usufrui para ele. Já o fato de ser aprovado pelo Senado Federal, ou seja, é essen-
cial para manter a relação com o Poder Legislativo e com a sociedade que cabe de-
fender. O mandato é de dois anos, sendo permitida a recondução. A destituição do

17. Cf. MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., São Paulo: Saraiva,
1986, p. 298.
18. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 177.
19. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598.
20. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p.412.

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Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da República, somente


pode ocorrer mediante prévia autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
A nomeação do Procurador-Geral de Justiça é feita pelo Governador a partir
de lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para man-
dato de dois anos, permitida uma recondução.
Assegura o sistema constitucional pátrio igualmente, o princípio do promotor
natural, que consiste na proibição da nomeação de promotores ad hoc21. Contudo,
tal vedação não se aplica à necessidade de realização de forças-tarefas e, via de
consequência, da indicação de determinados membros do Ministério Público para a
realização de certas tarefas. Também se impõe à organização do Ministério Público
o princípio da unidade, que pressupõe que todos os membros do Ministério Público,
federal e estadual, formam parte de um único órgão sob a direção do mesmo Che-
fe. Representam uma só vontade. Já o princípio da indivisibilidade permite que os
membros da instituição possam ser substituídos uns por outros nos processos, não
de maneira arbitrária, salvo nos casos legalmente previstos (remoção, promoção).
O princípio da independência funcional, por sua vez, assegura aos membros do
Ministério Público atuação independente no exercício de suas funções, sem nenhum
vínculo de subordinação hierárquica, “inclusive em relação ao chefe da instituição”22.
Sua conduta deve ser pautada somente pela lei e suas convicções. Apenas há subordi-
nação no plano administrativo, inexistindo subordinação de cunho funcional.
Os membros do Ministério Público, conforme delineado no Texto Constitu-
cional, são agentes políticos, e não funcionários públicos em sentido estrito, não se
submetendo ao regime estatutário comum23. Integram um órgão independente do
Estado, assim como ocorre com os membros dos demais poderes. As garantias cons-
titucionais asseguradas decorrem do fato de que incumbe ao Ministério Público a
defesa do valor mais caro à ordem constitucional, qual seja, a democracia. A defesa
da democracia visa pôr fim a qualquer resquício da ditadura.
Contudo, o Ministério Público pode existir, tanto num regime autoritário
como num democrático, podendo ser forte e atuante em ambos. Num regime auto-
ritário sua força será utilizada na perseguição dos inimigos do regime, dos desafetos
do governo ou ainda como defensor da ordem jurídica, ainda que composta por leis
injustas e arbitrárias. Já em um regime democrático sua atuação recairá na defesa
dos direitos e garantias do individuo, dos valores da democracia e das minorias.
Todavia, o Ministério Público só é verdadeiramente autônomo dentro de um
regime democrático, pois não cabe num governo totalitário uma instituição, ainda
que integrante do Estado, com liberdade para acusar e processar seus inimigos e não
seus governantes. Num regime democrático o Ministério Público desfruta de poder
para acusar e processar seus governantes.

21. Cf. MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre: uma repreensão jurídico-consti-
tucional às pretensões investigativas do Ministério Público. Brasilia: Envelopel, 2004, p.129.
22. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 184.
23. Cf. SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 598.

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O Ministério Público tem o poder-dever de controlar e fiscalizar os atos ad-


ministrativos com vistas a garantir a ordem jurídica e o regime democrático. Cabe
a ele a defesa da ordem jurídica. Nesse particular, cumpre ressaltar que seu mister
não se reduz apenas à defesa da legalidade, mas sim a defesa da legalidade demo-
crática24. Isso implica, necessariamente, a avaliação crítica do conteúdo da norma
jurídica. Desse modo, às vezes se apresenta necessário invalidar as leis que contra-
riam os princípios constitucionais; para tanto, o Procurador-Geral da República é
legitimado pela própria Constituição para ingressar com as ações diretas previstas no
controle concentrado de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade,
representação interventiva, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de
descumprimento de preceito fundamental (art. 103 da CF/88).
Portanto, tem-se que a defesa do regime democrático é muito mais ampla
do que a defesa da legalidade democrática, pois implica – além do controle de
adequação das leis, formal e materialmente em face da Constituição de 1988 – a
própria defesa do sistema democrático. Nesse sentido, assevera Walter Claudius Ro-
thenburg: “a incumbência de defender o regime democrático condiciona a defesa
da ordem jurídica à vinculação desta à democracia: o exercício do Poder Público de
modo participativo e consentâneo com as expectativas do povo”25.
Há que se atentar para o fato de que a democracia não se reduz apenas ao
governo da maioria, mas sim da maioria do povo, livre e atuante. Nesse particular, tem-
-se que uma democracia legítima não é despótica nem pode ser, pois não é permitido
a maioria escravizar a minoria; ela deve ter direito à participação num regime demo-
crático. Manoel Gonçalves Ferreira Filho26 assevera que todos dizem que praticam a
democracia, mas em lugar algum o povo governa e sim é governado. Ele entende que
é impossível que a maioria governe a todos, sempre uma minoria governa uma maioria
na prática. A solução, segundo o autor, é que exista uma minoria com caráter democrá-
tico – a partir de liberdade pluripartidária com grande mobilidade social (liberdade de
profissões) e garantia de acesso à posição de decisão, por meio de eleições.
Dentro de uma democracia tem-se que os grandes litígios às questões rele-
vantes dentro de uma sociedade precisam necessariamente ser afrontados por um
órgão independente e fortalecido, qual seja, o Ministério Público27. Um órgão capaz
de assegurar a eficácia dos direitos fundamentais e a defesa da sociedade e dos fins
do Estado, qual seja, a realização do bem comum. Em nosso sistema constitucional
tal mister é exercido pelo Ministério Público.
Tendo em vista a necessidade de defesa dos valores democráticos tem-se que o
processo eleitoral é de supina importância para a manutenção da democracia; contu-

24. Cf. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 243.


25. ROTHENBURG, Walter Claudius .“Arts.127 ao 130”.In. Comentários a Constituição Federal
de 1988. BONAVIDES,Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de Janeiro:
Forense,2009: p.1633.
26. Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1972.
27. PAES, José Eduardo Sabo. Op. cit., p. 243.

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do, há que se reconhecer que o Código Eleitoral, da década de 1930, não conferiu ao
Ministério Público o devido papel. No entanto reconheceu que cabe ao Parquet: a) a
função de promover a ação penal pública no tocante aos crimes eleitorais; b) fiscalizar
a abertura de urnas; c) promover a responsabilidade por nulidade da eleição; d) a ar-
guição de suspeição; e) pedido de cancelamento de registro de partido e candidato; f)
a propositura de ação visando à declaração da perda ou suspensão de direito políticos;
g) as ações civis para decretar a nulidade de atos da administração infringentes da lei
eleitoral, do abuso do poder econômico, político ou administrativo.
Na defesa da democracia incumbe, por força da Constituição, ao Ministério
Público: a) propor ação penal para responsabilizar tanto os que violaram as regras de-
mocráticas, bem como as ações penais típicas (conferiu-se privatividade ao Ministério
Público na promoção da ação penal pública, ou seja, “atribui-lhe parcela direta da
soberania do Estado”28); b) propor ação direta de inconstitucionalidade, ação declara-
tória de constitucionalidade, arguição de descumprimento de preceito fundamental e
ação de inconstitucionalidade interventiva; c) instaurar o inquérito civil e propor ação
civil pública visando à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos e dos serviços de relevância pública; d) com-
bater a inércia governamental em questões ambientais, consumidores educação; e)
visitação aos presos; f) velar pelos direitos constitucionais do cidadão; g) defesa das
minorias (vitimas, deficientes, idosos, mulheres, consumidor...); h) controle externo da
atividade policial e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
No tocante à atuação do Ministério Público suscita certa discussão acerca
da possibilidade de ele realizar diretamente investigações e diligências em procedi-
mento administrativo investigatório, com o fim de apurar crime29. Parte da doutrina
entende que o Ministério Público não tem legitimidade para realizar esse mister,
uma vez que essa função deve ser exercida com exclusividade pela polícia, confor-
me disposto no Texto Constitucional. Nessa linha destaca-se a posição dos Ministros
Carlos Velloso30 e Nelson Jobim31, do Supremo Tribunal Federal. O Min. Nelson Jo-
bim faz referência a outras tentativas de juizados de instrução no Brasil que foram re-
pelidas em 1936 e pela votação das leis orgânicas nacionais do Ministério Público32.
Já os que entendem que o Ministério Público pode exercer tal tarefa argumen-
tam que a Constituição só menciona a exclusividade no tocante à polícia federal33.
Nesse sentido, pode o Ministério Público participar do inquérito, mas não instaurá-

28. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 412.


29. Cf. . PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p.189.
30. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 205473.
31. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 233072.
32. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3494.
33. No mesmo sentido MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado,5.
ed., São Paulo: Atlas, 1997,p. 37; e MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério
Público. 2ºed.,São Paulo: Saraiva, 1995, p. 228.

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-lo34. Ademais, o inquérito é meramente informativo e dispensável. O próprio teor da


Sumula 234 do Superior Tribunal de Justiça é enfático ao dispor que: “a participação
de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu
impedimento ou suspeição para o oferecimento da denuncia”. Em outras palavras, diz
que a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal
não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denuncia.
Ao mesmo tempo que a Constituição assegura amplo rol de garantias ao Minis-
tério Público, também impõe limites e vedações que lhe garantem a imparcialidade35.
São vedações impostas ao Ministério Público: a) exercer atividade política partidária;
b) receber por qualquer título honorários, percentuais e custas processuais; c) exercer
a advocacia; d) participar de sociedade comercial, na forma da lei; e) exercer, ainda
que em disponibilidade, outra função pública, salvo uma de magistério; f) receber a
qualquer título auxílios, contribuições de pessoas físicas ou entidades públicas ou
privadas, salvo exceção em lei. Acrescenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho que “abre
a Constituição a possibilidade de criação de exceções legais para os membros do Mi-
nistério Público, o que não faz em relação aos da magistratura”36.
Também é vedado ao Ministério Público invocar sua independência funcional
para violar a ordem jurídica, buscar fim incompatível com a defesa do regime demo-
crático e preterir a defesa dos interesses sociais que deve defender. De igual modo resta
vedado ao Ministério Público, na qualidade de fiscal, invadir as áreas governamentais e
até mesmo não governamentais de maneira a se impor em juízo ou extrajudicialmente.
No Brasil os membros do Ministério Público são selecionados por concurso pú-
blico de provas e títulos, ou seja, provas objetivas, segundo critérios de mérito e capaci-
dade. No entanto, a aprovação em concurso não confere por si só legitimação democrá-
tica aos seus membros, apenas os qualifica tecnicamente. Diferentemente do que ocorre
no sistema americano, no qual os membros do Ministério Público são eleitos pelo povo.
A legitimação dos membros do Ministério Público no Brasil resulta diretamente
da sua atuação, da lei e da própria Constituição, que lhes confere determinados poderes e
atribuições para ser exercidos na estrita obediência de procedimentos pré-determinados
também pela lei de certos princípios, dentre os quais se destacam o da legalidade, obje-
tividade, imparcialidade e igualdade. Assim sendo, a legitimação do Ministério Público
deve vir de sua vinculação à lei e de sua atuação na defesa da sociedade e dos valores
democráticos. Trata-se da mesma legitimação que fundamenta a atividade jurisdicional.
Na legislação infraconstitucional os membros do Ministério Público podem
e devem ser responsabilizados pelo exercício irregular de suas funções, pois res-

34. Ver também: TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo:
RT,2004, p. 28.
35. Cf. ROTHENBURG, Walter Claudius . “Arts. 127 ao 130”. In. Comentários a Constituição
Federal de 1988. BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de
Janeiro:Forense,2009, p.1639.
36. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 34. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008 p.274.

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pondem por abusos que cometam, nas áreas civil, penal e disciplinar37. A Emenda
à Constituição n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, criou o Conse-
lho Nacional do Ministério Público que tem por finalidade o controle da atuação
administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres
funcionais de seus membros38. Possui poder regulamentar autônomo no âmbito da
sua competência39, conforme disposto no art. 130-A, §2º, I, do Texto Constitucio-
nal, mas não poder normativo40. Portanto, resta vedada a possibilidade de edição
de normas gerais e abstratas sob pena de violar o princípio da legalidade e a pró-
pria autonomia do Ministério Público41. Trata- se de um órgão que confere maior
eficiência e legitimidade ao Ministério Público, na medida em que exerce controle
sob sua atuação administrativa e financeira.

CONCLUSÃO
Em face do exposto é possível afirmar que o Ministério Público pode ser
forte e atuante, tanto num regime autoritário como em um regime democrático.
No entanto, não há negar-se que o Ministério Público só será efetivamente forte e
independente, “quanto mais autentico é o regime democrático de um País”42. Nesse
sentido a existência de regime democrático é condição sine qua non para o desen-
volvimento de um Ministério Público livre, forte e atuante. Ademais, quanto mais
democrática é a representação da sociedade, maior é sua independência para de-
fender seus próprios interesses fundamentais e, por via de consequência, mais eficaz
será a atuação do Ministério Público.
O Ministério Público é uma instituição imprescindível a toda organização
democrática, constituindo-se em um instrumento de realização da justiça social, na
medida em que é o guardião das liberdades públicas.
A Constituição de 1988 inovou em relação às Constituições anteriores, bem
como em relação ao Direito Comparado, ao conferir autonomia ao Ministério Pú-
blico, ao erigi-lo à condição de instituição. A circunstância de elencar o Ministério
Público no rol das funções essenciais à justiça, portanto não submetido ao Poder
Executivo, lhe conferiu autonomia e independência para exercer o mister livremente
e se legitimar como defensor da sociedade e dos valores democráticos.

37. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p.273.


38. Cf. MAZZILLI, Hugo Nigro. Op. cit., p. 425.
39. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade-Medida Cautelar/DF
n. 12 de16-2-2006.
40. Cf. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n.26.264. Tribunal Pleno. Informati-
vo Supremo Tribunal Federal, n. 468.
41. Ver nesse sentido: STRECK. Lênio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang. CLÉVE, Clemerson Merlin.
“Limites das resoluções do CNJ e do CNMP”. In.: O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de
2005,p.A-2.
42. Cf. PAES, José Eduardo Sabo, Op. cit., p. 269.

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Ao conferir uma série de garantias à própria instituição do Ministério Público e


aos seus membros, conferiu a liberdade necessária à sua atuação, apenas submetendo-o
ao respeito à Constituição e às leis. No entanto, a atividade do Ministério Público encon-
tra limites no próprio Texto Constitucional e eventuais abusos serão responsabilizados.
Em síntese tem-se que a Constituição de 1988, ao dispor sobre o Ministério Pú-
blico, lhe conferiu autonomia e os instrumentos e garantias necessárias para cumprir a
sua missão. A atuação do Ministério Público acabou por legitimá-lo perante a sociedade
representando hoje a instituição um dos grandes esteios do próprio regime democrático.

REFERÊNCIAS
AMADO, Verônica Lazar. A investigação criminal pelo Ministério Público. Aracaju, Grá-
fica texto pronto, 2002.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional.34. ed., São Paulo:
Saraiva, 2008.
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MAHON, Eduardo. O Ministério Público de Robespierre: uma repreensão jurídico-consti-
tucional às pretensões investigativas do Ministério Público. Brasília: Envelopel, 2004.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público depois da Constituição de 1988. In: MAR-
TINS, Ives Gandra; REZEK, Francisco. Constituição Federal anotada. São Paulo:
Revista dos Tribunais e Centro de Extensão Universitária, 2008.
MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal anotada. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 1986.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires, Curso
de direito constitucional. 2. ed., São Paulo:Saraiva, 2008.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal interpretado, 5. ed., São Paulo:
Atlas, 1997, p. 37; e MAZZILI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público.
2.ed.,São Paulo: Saraiva, 1995.
PAES, José Eduardo Sabo. O Ministério Público na construção do Estado Democrático de
Direito. Brasília: Brasília Jurídica, 2003.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Comentários a Constituição Federal de 1988. Rio de
Janeiro: Revista dos Tribunais, 2009. p. 1629-1642
BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Rio de Janeiro: SILVA,
José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed., São Paulo: Malhei-
ros, 2010.
STRECK, Lênio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; CLÉVE, Clemerson Merlin. Limites das re-
soluções do CNJ e do CNMP. In O Estado de S. Paulo, 5 de dezembro de 2005.
TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.

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