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Foi também o que entendeu Alberto Caeiro quando escreveu: "Por isso se diz
que os deuses nunca morrem./Por isso não têm corpo e alma / Mas só corpo e são
perfeitos / O corpo é que lhes é alma / e têm a consciência na própria carne divina".
Para Artaud, para Deleuze, não há transcendência do pensamento
relativamente à acção. O movimento do pensamento age sobre o plano de acção,
desencadeando actos que são ao mesmo tempo acontecimentos (movimentos) do
pensamento.
Em Fernando Pessoa (mas em todos, certamente) dá-se o ponto de
incandescência (o mergulho, quando o movimento começa a voltar) da imanência,
quando o inconsciente invade a consciência. Entre mim e mim, entre a minha cons -
ciência e as minhas sensações, entre o pensamento e a vida, entre a poesia e o
real, entre o meu presente e o "outro" (inconsciente) que sou não existe já
separação. Não porque os dois pólos opostos se uniram; mas porque coexistem
num plano único de consistência em que viajo, a velocidade infinita, de um pólo a
outro, transformando a sua negatividade em diferença, a sua lógica exclusiva em
lógica disjuntiva. É porque a velocidade é infinita que não há fusão ou dialéctica
entre pólos contrários, mas afirmação das suas diferenças. Estas mantêm-se e
manifestam-se graças à velocidade infinita que os não-une: há agora, em mim, "uma
sinfonia de sensações incompatíveis e análogas" (Ode Marítima), realizo em mim
"toda a humanidade de todos os momentos / Num só momento difuso, profuso,
completo e longínquo" (Passagem das Horas).
Em Álvaro de Campos, em Bernardo Soares, no Fausto, a criação do plano
de consistência ou de imanência a partir da consciência e da sua transformação em
corpo de consciência é evidente. Nos outros heterónimos é mais obscura.
A imanência dá-se quando não existem um pensamento e uma consciência
fora do corpo. O corpo, os seus ritmos, o seu tempo próprio, plasmam-se no ritmo
do pensamento. O tempo do pensamento implica-se no tempo das coisas.
Alberto Caeiro: quando, na imanência, eu penso uma significação, ela não se
destaca do meu acto de pensar, mas logo encontro, no movimento do pensar, um
eco dessa significação. Esse eco é afectivo: como se o afecto produzisse a
significação que faz nascer o afecto como sendo o substrato real da significação.
"Comer um fruto é saber-lhe o sentido": não há separação entre sentidos (dos
órgãos sensoriais), sentido, pensamento, afecto.
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