Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Primeira Impressão
©Copyright 1971 por Jack Stark Guthrie.
Todos os direitos reservados.
2
Desde a sua juventude, a música e filosofia oriental foram os principais
interesses de Dora M. Kalff, os quais ela estudou intensivamente. Durante seu
treinamento no Instituto C. G. Jung em Zurich, descobriu certos paralelos entre a
Psicologia Analítica e o pensamento oriental. Sob a orientação de C. G. Jung ela
se dedicou à psicoterapia de crianças, para a qual ela tinha muita aptidão, não apenas
devido às suas próprias experiências como também pelas suas qualidades
maternais de empatia. Na Inglaterra, travou conhecimento com a caixa de areia
de Lowenfeld e logo percebeu o grande potencial que oferecia no tratamento
psicológico de crianças. Ela clinica numa casa muito antiga e lindamente
reformada em Zollikon (Zurich) e aí encontrou, novas formas de cura psíquica. Suas
conferências e demonstrações nos Estadas Unidos, Japão e outros países fez com
que o seu método ficasse conhecido bem além das fronteiras da Suíça.
3
À meus filhos
Martin Baudouin e Martin Michael
4
ÍNDICE
Páginas
Prólogo 6
Bibliografia 100
5
PRÓLOGO
Para mim é uma grande honra ter sido convidado a escrever o prólogo do livro
mais importante da Sra. Dora Kalff. Gostaria de começar contando uma estória,
um conto de fadas. É uma estória bem adequada ao conteúdo do livro da autora,
pois fala da relação com o "fio da vida interior", a qual a Sra. Kalff como pessoa
como terapeuta e como escritora, exemplifica tão bem.
"Era uma vez uma princesa chamada Irene. Seu pai era um rei muito bondoso
que passava a maior parte do tempo entre o povo do seu reino, tentando fazer
todo o possível para ajudá-lo de todas as maneiras. A mãe de Irene faleceu
quando ela era muito pequena, de modo que não tinha nenhuma lembrança
dela.
Durante longos períodos, Irene vivia num castelo no campo uma vez que seu pai
frequentemente estava fora do castelo principal, tratando de assuntos de Estado.
Quando estava neste castelo, era cuidada por uma velha pajem e pela criadagem
que tomava conta da propriedade. O que o rei não sabia era que este castelo
estava construído numa montanha, sob a qual moravam duendes que eram
inimigos do rei. Eles tinham um plano de raptar a princesa e fazer com que ela
se casasse com o príncipe dos duendes.
Irene tinha um amigo, seu único amigo, que morava numa casa muito pobre não
muito distante do castelo. Seu nome era Curdie, trabalhava nas minas de carvão
e era filho de um mineiro. Logo adiante falaremos mais sobre Curdie.
O castelo no campo era muito amplo. Irene podia andar por onde bem
entendesse na parte da frente do castelo, mas recebera instruções de que nunca
deveria abrir uma certa porta, pois esta a levaria para partes posteriores do
castelo onde ela poderia se perder facilmente. Mas, é desnecessário dizer que,
como uma verdadeira heroína, um dia abriu a porta e começou a explorar os
inúmeros cômodos que encontrou. Após algumas horas ficou confusa, perdeu-se
no labirinto de escadas e cômodos e começou a chorar. No entanto, como era
uma verdadeira princesa, logo recobrou o controle e começou a procurar o
caminho de volta à parte principal do castelo.
Ela se defrontou com uma outra porta e a abriu. E, para sua grande surpresa,
viu uma mulher sentada no meio do quarto, fiando na roda de fiar. Irene ficou
absolutamente pasmada. E, ainda mais surpresa quando a mulher parando de
fiar, lhe disse: "Olá! Há quanto tempo lhe esperava."
Irene ainda muito surpresa, perguntou quem ela era e ai veio a maior de todas
as surpresas: “Sou sua avó". Isto foi um choque para a princesa. Primeiro
porque não sabia que tinha uma avó e em segundo lugar esta mulher era muito,
muito velha, mais velha do que qualquer avó poderia ser e era, ao mesmo tempo
tão jovem e tão bela como qualquer mulher poderia ser.
Irene chegou perto da avó e disse que nem sabia que tinha uma avó. A mulher
respondeu que todos tem uma avó - só que alguns sabem disso e outros não; era
apenas uma questão de olhar para o que acontecia.
6
A princesa Irene ainda perto da avó, observou-a fiando. Ela olhava para o fio,
mas este era tão fino que não podia ser visto. Perguntou à avó o que estava
fazendo e a avó respondeu que estava tecendo um presente especial, só para ela
e que logo ficaria pronto, mas ainda não era tempo. Disse então à neta que era
melhor ir embora, mas que voltasse dentro de alguns dias. Disse também que
conviria manter a visita em segredo.
Irene deixou sua avó e voltou para a ala principal do castelo. Foi severamente
repreendida pela velha ama pelo fato de ter sumido tanto tempo, mas ela
manteve o segredo e nada falou sobre suas explorações.
Nas semanas seguintes, a princesa visitou frequentemente sua avó. Ela adorava
sentar ao lado da avó e observando-a fiar o fio invisível, falar com ela. Certo dia
conversando com seu amigo Curdie, disse que desejava partilhar algo muito
especial com ele. Contou-lhe então sobre sua avó e levou-o para conhecê-la.
Quando entraram no quarto, ela apresentou Curdie à sua avó e sua avó à
Curdie.
Curdie estava de pé, olhando à sua volta, com o olhar meio vago e obviamente
foi ficando cada vez mais zangado. Finalmente tirou o chapéu de mineiro, jogou-
o no chão e gritou que não estava achando graça nenhuma! Com isto saiu do
quarto furioso com Irene, pela peça que ela havia lhe pregado.
Irene ficou inconsolável e começou a soluçar. Curdie não podia ver sua avó. Ela
estava invisível para ele. Depois que a princesa se recompôs, a avó disse à ela
que nem todos podiam vê-la e que Irene não deveria apressar as pessoas que
ainda não tivessem essa capacidade. No devido tempo, dizia, Curdie seria capaz
de vê-la, pois este era seu destino. Aí a avó disse para Irene voltar na noite
seguinte pois seu presente especial estaria pronto, até então ela teria terminado
de fiar.
Irene estava muito ansiosa e mal podia conter sua excitação até a noite seguinte.
E quando finalmente chegou, Irene foi para o quarto da avó nesta noite tão
especial. A avó a despiu, banhou-a em água especial, vestiu-a com um vestido
também especial e Irene estava pronta para o presente.
A avó então, pegou a bola de fio na qual tinha estado trabalhando durante tanto
tempo e colocou-a na sua gaveta. Depois, delicadamente pegou a ponta do fio da
bola e estendeu-o para Irene.
Irene então expressou seu segundo desapontamento. Queria saber que tipo de
presente era aquele que tinha que ficar na gaveta da avó. Já era mim que o fio
era invisível, mas não fazia sentido algum receber um presente que não poderia
ter para si.
7
A avó lhe respondeu que não seria um presente se a bola de fio ficasse em outro
local que não com ela. Disse à Irene que ela deveria pegar esta ponta do fio e
carregar com ela por toda parte. Ai quando estivesse em dificuldades ou
necessidades, tudo que tinha que fazer era voltar à origem e isto lhe permitiria
encontrar uma saída para o perigo.
Irene ficou surpresa com tudo isto: um presente que era invisível, não podia se
ver mas somente sentir, um presente que deveria ser guardado no quarto da avó
e que ela ficava apenas com a ponta dele. Estava desorientada, no entanto sabia
que recebera algo muito importante. Você pode ter certeza que quando Irene se
percebeu em apuros, o presente da avó foi então muito valorizado. Era algo que
Irene tinha aprendido a compreender.
Há alguns anos atrás, trabalhei com uma mulher que sofria de violenta
enxaqueca. Trabalhamos com muitos problemas e áreas de conflito, mas as
enxaquecas continuavam, até o aparecimento de um sonho. As enxaquecas não
desapareceram devido ao sonho, mas uma alteração estava ocorrendo no
inconsciente que a levou ao sonho e ao aparecimento do sintoma. Esta é uma
visão não causal, uma visão que C. G. Jung chamou de sincrônica.
Para esta paciente, a soltura da cobra não era apenas um problema pessoal. É
um problema histórico que envolve cada um de nós, pois todos nós nascemos
com dois históricos: um pessoal, familiar e um impessoal, coletivo.
Mas como é que podemos senti-lo nesses dias de atividade constante, tráfego
barulhento, ruídos, poluição, agitação e violência? Devemos desenvolver
maneiras de nos ajudar e, se somos terapeutas, ajudar o paciente a ligar o seu
ego consciente ao seu centro de sentimentos profundos, o centro eterno do
espírito, que sempre tem sido o cerne e o sustentáculo do homem. O fio invisível
do espírito está enraizado num centro espiritual; o que Jung chamou de Self ou
a psique objetiva, o que Maslow chamou de base biológica da psique. É a ligação
à este centro que é o grande presente da avó de Irene.
Quanto a ajudar as pessoas a atingirem este centro por meios comuns, a cultura
ocidental tomou-se algo danoso. A instituição escolar também tomou-se um
tanto danosa e, somente agora estamos vendo os primeiros sinais de mudança
10
no horizonte. A educação tomou-se o instrumento que tem perpetuado a
destruição do espírito humano. A nossa meta tem sido fazer crianças se
"amoldarem" o mais rapidamente possível, precisam pensar e aprender o mais
rapidamente possível, assim como competir com seus colegas com notas e
prêmios - tudo o que efetivamente destrói o desenvolvimento de um desejo
intrínseco de aprender.
Um dos motivos pelo qual a caixa de areia é ferramenta tão eficiente, é que nos
proporciona a chance de brincar. Para muitos adultos, é primeira vez que
lembram ter a oportunidade de brincar. É triste ver um jovem de 10 anos e
perceber que a única oportunidade que ele tem durante a semana, de brincar é
quando está na caixa de areia na sua hora de terapia.
O inconsciente é uma expressão que descreve energia, isto é algo que devemos
perceber. Esta energia é expressada de duas maneiras: uma é pela emoção e a
outra por pensamento e imagem. Uma criança deve entrar em contato com suas
emoções naturais, caso contrário não será capaz de viver e competir com seus
iguais. No entanto. a nossa cultura tem embotado as nossas emoções,
recompensando as pessoas que são "boazinhas" ou melhor, "bem comportadas".
Indubitavelmente isto tem a ver com uma série de fatores, entre os quais
podemos mencionar o sistema de algumas ideias que chamaremos de ética
cristã. Esta ética começou com a deificação de Cristo e a queda (expulsão) do
céu do Arcanjo Satanás. De fato, a sua queda do céu lançou-o profundamente
no inconsciente do homem ocidental onde tem vivido de uma maneira simbólica,
carregando as emoções e paixões, que gradualmente se esvaziavam da sua
contrapartida no céu.
O que estou dizendo aqui é que a imagem de Deus, expressada por Jesus,
tomou-se demasiadamente branca e luminosa; pois sem o elemento satânico,
não temos nenhuma ligação com nossos corpos, nossas emoções ou nossas
paixões. Não é por acaso que atualmente observa-se o impressionante fenômeno
de grupos de bruxos, satanismo e rituais de magia negra. São as expressões do
lado escuro de um deus, cuja imagem tomou-se por demais luminosa.
Assim, vemos que brincar na caixa de areia é justamente o que o nome diz. É
brincar com areia, brincar no sentido crítico de liberdade e experimentação
imaginativa, diversão, medo e tudo mais que faz parte da imaginação. Pois a
imaginação contém tudo que é positivo e o bem mais elevado; e tudo que é
negativo e o mal mais profundo.
Mas existe uma importante limitação ligada a esta liberdade de fantasia. A caixa
tem uma dimensão específica. Essencialmente, esta dimensão permite que o
espectador a veja sem ter que virar a cabeça de um lado para o outro. Esta
dimensão da caixa é um fator bastante critico, porque significa que a liberdade
total da fantasia, que está a disposição da criança, tem uma limitação embutida;
ou seja, o tamanho da caixa. Tem que ser um recipiente, um "temenos" e o
simples fato de que o "temenos" está aí é que destaca a liberdade da criança.
Nos nossos tempos, isto leva as pessoas a sentirem que devem expressar tudo
que está contido nelas, como se a resposta aos males da sociedade fosse uma
enorme catarse. Individualmente, não há nenhuma dúvida que temos
necessidade de nos soltar, pois temos realmente sofrido uma severa repressão
das nossas emoções. No entanto, a nossa necessidade de expressão deve ser
equilibrada por um senso de responsabilidade para com o nosso próximo; caso
contrário, aquela fugaz liberdade que estamos procurando ao nos expressarmos
estará perdida. Se temos que nos soltar com base na ideia que isto é a coisa
correta a se fazer, então já não há mais liberdade, mas sim um novo dogma.
Por que os terapeutas adotaram este método? Penso que o motivo é semelhante
ao fenômeno que se experimenta quando observamos alguma atividade ritual.
Os espectadores de um verdadeiro ritual, realmente se tornam participantes,
sentimentos profundos são tocados e existe um sentido de identidade com o
grupo. O terapeuta que observa as retratações simbólicas e as fantasias verbais
que ocorrem na caixa de areia, se envolve num ritual de significado profundo.
Somos afetados por estas retratações simbólicas e a nossa própria vida
simbólica é ativada. Um verdadeiro símbolo é sempre experimentado pelo
paciente e pelo terapeuta, a não ser que o terapeuta insista em reduzir o símbolo
a um sistema puramente causal, retirando assim todo o "sumo" dele. O interesse
pela caixa de areia tem se difundido, não somente pelo fato de ser uma eficaz
ferramenta no processo de cura, mas também pelo terapeuta ficar tão
profundamente tocado pela experiência.
Lembro da primeira vez que vi os slides da Sra. Kalff. Isto foi há muitos anos
atrás e eu já tinha começado a trabalhar com crianças na caixa de areia,
usando-a, no entanto, de uma maneira interpretativa, montando cenários,
fazendo sugestões. Quando o trabalho da Sra. Kalff pela primeira vez e quando
vi a evolução das imagens numa determinada criança, senti que finalmente
tinha chegado em casa. Aqui estava algo que deixava ocorrer o desenvolvimento,
que se relacionava com a criança com o mais profundo calor e conexão, mas que
permitisse que a vida simbólica tivesse vida própria. Até mesmo através dos
slides, a pessoa se envolve com o desenvolvimento destes símbolos - quanto
mais se tiver o privilégio de observar este desenvolvimento, na própria sala de
terapia.
Devo admitir a vocês, terapeutas, que o uso da caixa de areia é uma doença cara
de contrair. Uma vez que você começar a fazer caixas de areia montar prateleiras
e, de uma modo especial, começar a comprar miniaturas, você ficará
irremediavelmente envolvido nas alegrias da criança lúdica (e, para o seu próprio
bem, espero que não uma criança compulsiva) que quer cada vez mais
brinquedos, aparentemente para que os pacientes os tenham à disposição.
Como a avó no nosso conto de fadas, a Sra. Kalff com sua caixa de areia, nos
trouxe a refrescante fragrância do mistério da vida. Numa época em que se
supõe que a ciência resolve todos os mistérios, ela novamente torna a vida um
eterno mistério e o presente a cada um de nós é a bola de fio invisível que não
podemos ver, mas apenas sentir. O centro da bola habita, em cada um de nós,
naquele cerne profundo, produtor de imagens dentro do nosso ser, que tão
vigorosamente nos pede para ajudá-lo a se descobrir e desenvolver.
15
Capítulo 1 - Caixa de Areia: Local Livre e Seguro
1
É também considerado o símbolo da sabedoria. Ganesha, o Deus da Sabedoria tem cabeça de elefante. (N. do T.)
16
enorme número destes cenários mostra estes bem conhecidos símbolos de
totalidade.
17
Figura 4 - O Sol . Feito por um rapaz de quinze anos
18
Figura 7: Escavação de uma aldeia Viking - Dinamarca
Publicação do Museu Nacional Dinamarquês
Gerhard Terstegen, nascido no século XVII e que dedicou a sua vida a Deus,
seguia o seguinte princípio: "Aquele que lidar com almas deve ser como a
enfermeira que segura na mão da criança e que somente a protege dos perigos e
quedas mas, fora isto, deixa a criança seguir o seu próprio caminho". Parece-me
que ele dizia que não se pode fazer nenhuma teoria para a cura de almas, mas
sim que se deve reconhecer o que é individual ao paciente - aquilo que não se
repete - de modo que se torne possível um desenvolvimento livre.
20
"Baseado na minha experiência, percebi que é considerável importância
prática que os símbolos voltados para a totalidade sejam corretamente
compreendidos pelo terapeuta. São o remédio, com a ajuda dos quais,
dissociações neuróticas podem ser reparadas, devolvendo à mente
consciente um espírito e uma atitude que desde tempos imemoriais, tem sido
considerados como tendo efeito solucionador e curativo. São as
"representações coletivas" que facilitam necessária união do consciente e
inconsciente. Esta união não pode ser atingida intelectualmente ou de uma
forma puramente prática pois, se no primeiro caso os instintos se
rebelariam, no último caso isto ocorreria com a razão e a moralidade. Toda
dissociação que se enquadra na categoria de neurose psicogênica é devido
a um conflito deste tipo e o conflito só pode ser solucionado através de
símbolos".
Neste contexto, podemos também entender Bachofen quando ele escreve: "É
exatamente aqui que reside a grande dignidade do símbolo, já que ele permite e
até mesmo estimula diferentes graus de compreensão e leva, à partir das
verdades da vida física, àquelas de uma ordem espiritual mais elevada". Em
grande parte, o símbolo incorpora um conteúdo consciente que leva à
transcendência e ao eterno alicerce da nossa natureza que nos foi dado por
Deus. Se ele for reconhecido e sentido pelo homem, leva-o à real dignidade do
seu ser.
A areia da caixa pode ser seca ou úmida. Se a areia for úmida, ela pode ser
moldada para fazer uma paisagem ou topografia. Coloca-se à disposição
centenas de miniaturas de todos os tipos possíveis. A criança escolhe então, a
miniatura que deseja para brincar na areia.
O cenário de areia que é feito pela criança pode ser compreendido com
representação tridimensional de algum aspecto de sua situação psíquica. Um
problema inconsciente, como um drama, é representado na caixa de areia. O
conflito transpõe, do mundo interior para o mundo exterior e torna-se visível.
Este jogo de fantasia não ocorre sem reação na psique do paciente. Parece
influenciar a dinâmica do inconsciente na criança.
21
Sob certas circunstâncias, os cenários são interpretados à criança como maneira
facilmente compreensível que está ligado a sua situação de vida. Isto leva a um
conhecimento da correspondência entre os problemas internos e externos, o que
provoca a próxima etapa no desenvolvimento. Além disso, os detalhes e
composição dos cenários, dá ao terapeuta uma indicação do caminho a ser
seguido no tratamento. Frequentemente, o cenário inicial fornece informações
sobre o problema e contém, oculta nos símbolos, uma indicação de que maneira
irá ocorrer a experiência do Self.
23
Figura 10: O homem e a mulher abraçando circulo centrado. O germe do ego formado
pela interação dos opostos que emergem do Self. Desenho sobre o osso - Dinamarca.
Figura 11: Dançarinos. Menino e menina de dançando em uma estrela de cinco pontas.
Energias masculinas e femininas interagem no símbolo de uma pessoa inteira.
Escultura de gesso de uma menina de doze anos de idade.
As crianças que vem a mim para tratamento sofrem geralmente de uma falta de
segurança interna e não tem nenhum sentimento de identificação ("belonging").
Algo impede a crescimento normal que é necessário ao seu equilíbrio interno -
pode ser uma situação doméstica desfavorável ou algo externo. Acredito,
portanto, que é muito importante não separar a minha clínica da minha casa
(Figura 14A). Quando a minha pesada porta se fecha (minha casa foi
originalmente construída em 1485), a criança entra numa sala com painéis e um
velho fogão de azulejos. Alguns degraus levam até o fogão. A criança pode fazer
agora o que desejar. Pode sentar ou deitar no banco que pertence ao fogão, olhar
o quarto de cima ou pela janela, observar os pássaros que brincam e banham na
pequena fonte que tenho no jardim. Pode ver alguns livros de figuras, ou
revistas, ou ler. Pode também sentir vontade de investigar objetos incomuns e os
quadros na minha velha casa. A ordem irregular dos cômodos e escadarias,
24
aguçam o seu interesse, de modo que as crianças pequenas geralmente adoram
brincar de esconde-esconde, enquanto que os mais velhos se tornam às vezes
aventureiros e começam a procurar tesouros escondidos. Se possível, deixo-os
bem à vontade. Frequentemente, os levo até o porão onde investigam as grossas
paredes para ver se há passagens subterrâneas. As crianças estão realmente
sempre procurando por algo escondido, que gostariam de encontrar dentro de si
próprias.
Figura 13: Homem como microcosmo em estrela de cinco pontas. Tyco Brahe. Calendarium
Naturale Magicum Perpetuum (1582)
25
Assim é que a minha casa, construída há centenas de anos atrás numa pedra e
cujos cômodos não foram construídos de acordo com medidas, mas sim de
acordo com as próprias leis da casa; oferece uma atmosfera que corresponde ao
temperamento natural dos jovens. E mais, a criança vem a um mundo que está
completamente aberto para ela. Quando ela entra na sala onde está a caixa de
areia, ela já está relaxada (Figura 14 B). A cadeia de tensão: "O que irei
encontrar, o que terei que fazer?", é então quebrada.
Existem muitas coisas na minha sala: tinta, argila, mosaico, massa, etc. Ficam
convidativamente sobre uma grande mesa. Por perto estão caixas de areia e
numa prateleira estão centenas de miniaturas de chumbo e outros metais;
representam pessoas não apenas de vários tipos e profissões dos tempos
modernos, mas também de séculos passados, bem como, negros, índios em luta,
etc. Existem também animais selvagens e domésticos, casas de diferentes
estilos, árvores, arbustos, flores, cercas, sinais de trânsito, carros, trens,
carruagens antigas, barcos; em resumo, tudo que existe no mundo bem como na
fantasia da criança.
Tudo que foi descrito acima, é o material que a Dra. Lowenfeld em Londres tem
colecionado para seu "World Play" (brinquedo mundial) (Figura 15). Ela
compreendeu completamente o mundo da criança e criou com uma intuição
engenhosa, uma maneira que permite que a criança construa um mundo - o seu
mundo - na caixa de areia. A medida da caixa corresponde exatamente, a que os
olhos podem abarcar. A criança escolhe objetos que ela gosta. Ela forma morros,
túneis, planícies, lagos e rios na areia, como se fosse no seu mundo e, permite
que as miniaturas ajam como elas as sentem na sua fantasia.
26
Figura 14B: Sala de Brincar de Dora Kalff
27
Capítulo 2
CHRISTOPH
Vencendo uma Neurose de Ansiedade
Christoph, nove anos, foi trazido à minha casa pelo seu pai, um alto, robusto
fazendeiro. O menino dava a impressão de ser delicado e excessivamente
ansioso. Mas, atendendo a meu pedido, seguiu-me de bom grado para a sala de
brincar. Hesitante, mas curioso, olhou à sua volta. Pequenas mechas loiras
caíam sobre a sua pálida fronte. Me perguntava como um menino tão frágil pode
vim do campo? Apôs uns minutos seus olhos viram uma pequena pistola que
estava perto dele. "Gostaria de brincar com ela?" perguntei. Um movimento sutil
mas definitivamente defensivo mostrou que ele estava com medo da pistola.
Seu pai me contou que as autoridades escolares pediram que o Christoph fosse
enviado a um psicólogo, porque frequentemente não comparecia à escola. Cada
dia Christoph saía pontualmente de casa para a escola e chegava em casa no
horário esperado. Portanto, a sua mãe não tinha ideia que muitas vezes ele nem
ia a escola.
Christoph morava com seus pais e um irmão, que era dois anos mais novo,
numa localidade rural razoavelmente isolada. No seu caminho para a escola da
vila, ele passava pelos campos com árvores frutíferas. O que fazia quando as
outras crianças estavam na escola, ninguém sabia.
Christoph olhou para a caixa de areia. "Você já brincou com areia?” perguntei.
"Sim, costumava fazer isto", respondeu, "...mas agora isto é apenas para o meu
irmão menor. Sou grande demais para isto".
"Mas aposto que você nunca brincou na areia com brinquedos e miniaturas
como estes". Mostrei-lhe a minha coleção. Isto chamou a sua atenção e
rapidamente pôs-se a trabalhar No meio da caixa, apareceu um grande morro.
Com grande cuidado cavou um túnel. Só ficou satisfeito quando pode ver através
dele. Voltou-se então para as miniaturas. Uma pequena casa aparentemente lhe
agradou e colocou-a no canto inferior esquerdo. Perto dela colocou um balanço.
Colocou uma cerca em volta disto, sem que tivesse nenhuma abertura para
entrar ou sair. No topo do morro, plantou um grande álamo. Sob esta árvore,
colocou uma pequena criança num banco. Um caminho estreito ligava o morro à
planície abaixo. (Figura 16).
Figura 16
28
Subitamente ele tornou-se vivaz e selecionou tanques pesados, soldados e
armas, que colocou todos em volta do morro. Disse que tinha estourado uma
guerra. Os soldados cercaram o morro, metralhadoras atiravam através da túnel
e os tanques estavam preparados para o combate. Ele até queria que um avião
bombardeiro ficasse pendurado do teto por um fio de modo que a colina pudesse
ser atacada pelo ar. Esse menino, que no início do seu horário era tão tímido e
preocupado agora parecia dominado pela paixão se certificando de que tudo
estivesse exatamente do jeito que queria. Olhou o cenário com satisfação e tinha
certeza de que o bombardeiro não erraria o seu alvo. Antes de sair da sala ele
repentinamente colocou um posto de gasolina no canto esquerdo do cenário.
Sua face estava cintilante quando foi encontrar o seu pai, a quem pediu que
fosse ver o que tinha feito.
Ela contou-me que, como filha de fazendeiro, tivera uma vida difícil.
Frequentemente não se sentia bem e sofria de dores no estômago. No entanto,
pouca atenção foi dada a isto. Ao contrário, era repreendida por ser preguiçosa
quando ficava doente. As dores continuavam mesmo após ter se casado.Tinha
medo de engravidar. Vários médicos tiveram que tranquilizá-la de que não havia
nada com que se preocupar quanto ao fato de dar à luz a uma criança. Assim
que engravidou, o medo do parto tornou-se quase insuportável. Novamente, teve
que ser tranquilizada por um médico. Finalmente, foi possível esperar
pacientemente pelo nascimento. Teve um parto normal. No entanto, tinha
apenas acabado de assumir as responsabilidades de cuidar da criança, quando
foi acometida por novos temores.
29
É, portanto, compreensível que o menino nunca realmente sentiu segurança
com a sua mãe. É ainda mais óbvio que os temores da mãe fossem transferidos
ao filho.
Durante seu segundo ano na escola, teve um professor que tratava rudemente
as crianças. Obviamente, isto aumentou o seu medo e deve ter eventualmente
levado a que volta e meia não fosse para a escola. A esta altura, começou a
roubar pequenas coisas da sua mãe, especialmente doces.
No seu cenário, ele mesmo tinha mostrado de que estava procurando um local
seguro fora da sua casa: sentou no topo do morro sob a proteção de uma árvore.
Estava procurando uma mãe simbólica. A árvore é também o símbolo do Self.
Encarna não somente e mãe feminina mas também o tronco, que tem um
significado fálico. Portanto, representa a união dos opostos. Consequentemente,
ousei esperar que seria possível uma centralização dos seus próprios poderes
naturais. Fiquei contente quando no ultimo minuto Christoph colocou um posto
de gasolina no conto esquerdo do cenário. Energias não usadas poderiam ser
armazenadas no inconsciente!
Contou-me que gostava de desenhar da maneira que seu pai o fazia. Queria
desenhar numa grande lousa branca. Mas fiquei surpresa quando, apesar da
sua vontade de preencher a ampla superfície, desenhou um pequeno homem no
canto inferior. Sim, este ainda era o tamanho do seu pequeno ego.
30
Após um mês, fez um segundo cenário. Novamente o menino sentou-se no morro
com uma pequena cidade aos seus pés. Subitamente, a pacífica vila
transformou-se em batalha com soldados lutando por toda volta. Carros e um
trem estavam paralisados no morro.
Ficou claro para mim que praticamente nenhum progresso foi feito no mês
precedente.
Perto de quatro meses depois, fez um outro cenário, Desenhou com as mãos,
largas ruas na areia com muitos carros circulando. Em contraste com seus
primeiros cenários, este parecia vazio e sem sentido; no entanto, era a primeira
vez em que os carros não estavam obstruídos e podiam mover-se livremente. A
libido represada estava começando a fluir! Esperei que não demorasse muito
para que tomasse um passo definitivo para frente na sua vida.
Na sua próxima consulta, ele novamente desenhou na grande lousa. Desta vez
ele preencheu quase que todo o espaço à sua frente. Desenhou uma pista de
esqui. Muitas pessoas estavam ao lado da trilha e estavam observando o
esquiador correndo para o vale.
Evidenciou-se que era muito cedo ainda para que Christoph fosse agora capaz
de lidar com esta energia, mas fiquei encantada ao perceber que a influencia
terapêutica da psique tinha começado a brotar. O desenha indicava o
considerável potencial da criança; no entanto, o traçado fraco indicava que esta
realização ainda estava no futuro. De minhas observações anteriores, sei que
pelo menos seis a oito semanas são necessárias antes que um sinal visível possa
brotar do inconsciente para a vida exterior. É tão delicado como um broto novo
de grama que acabou de sair e precisa de muitos cuidados.
Ele veio uma semana depois, mas a expressão na sua face me preocupou.
Estava mais pálido do que nunca e olhava ansiosamente à sua volta. O que será
aconteceu? Cumprimentei-o com a pergunta "Como vai você?" Não muito bem",
respondeu. "Acabei de ver um acidente".
31
Christoph tinha feito uma curta viagem de trem para vir até meu consultório.
Viu um carteiro, que estava levando pacotes até o trem, cair do seu vagão
quando o trem começou a se mover. O homem nada tinha sofrido. No entanto,
os poucos segundos de incerteza antes que Christoph soubesse se o carteiro
estava ou não seriamente machucado foram suficientes para destruir a
segurança que estava apenas começando a se construir dentro dele.
Isto ficou muito claro no cenário que fez aquele dia, quando ainda estava
perturbado.
Figura 17
Christoph disse "Não gostaria de morar num mundo assim". Estava procurando
refúgio na situação terapêutica que estava representada pela criança e pela
mulher. Ele já tinha sentido segurança aqui e sabia que ganhou novas forças de
fontes desconhecidas (seu próprio inconsciente, simbolizado pela água). Aqui,
também, a árvore em flor representa o Self, que orienta o processo de
crescimento. O elefante, que pode ser considerado como pertencente ao mundo
animal, provavelmente representa as grandes exigências que o menino carrega
dentro de si. Animais representam os diferentes aspectos dos instintos humanos
e seu significado espiritual. O elefante possui grande inteligência e ajuda os
homens no seu trabalho nas florestas primitivas. Na Índia, ele é sagrado pois é o
pai lendário de Buda. Portanto, ele representa, entre outras coisas, a forma
animal pré-consciente da salvação.
Dizendo que não queria viver num mundo assim, Christoph já expressou a sua
esperança de liberdade. Isto ele revelou inconsciente e simbolicamente na
pequena lagoa. Obviamente, a força avassaladora da situação caótica que o
circundava ainda parecia forte demais.
32
De vez em quando o professor de Christoph entrava em contato comigo e fiquei
satisfeita em saber que Christoph não estava mais evitando a escola. No entanto,
estava tendo dificuldades em se equiparar com seus colegas nos estudos, o
professar então sugeriu que Christoph fosse transferido a uma classe especial. A
mim parecia que isto seria um novo choque para o menino. A sua ambição, que
estava dormente no inconsciente mas que se tinha evidenciado tão fortemente
nos cenários, iria certamente sofrer. E a pequena segurança que Christoph tinha
adquirido seria destruída.
Apôs isto, durante muitas consultas ficamos os dois no chão e ele me ensinou
sobre desvios e cuidado com trens, etc. Como realmente não sou grande coisa
nestes assuntos, deixei que me instruísse. Isto lhe dava uma satisfação óbvia.
Intencionalmente, às vezes esquecia de acionar um desvio ou de fazer algo. Isto
lhe dava a oportunidade de me corrigir. Nesta brincadeira, ele se tornou meu
mestre e assim entrou num outro papel. Sabia algo que eu ainda tinha que
aprender.
33
Figura 18
34
Isto deu surgimento a mais um cenário.(Figura 19).
Figura 19
Um músico estava tocando uma gaita num pequeno morro no centro. Em volta
do morro, seres circenses moviam-se nas duas direções dentro de um círculo
fechado. Havia elefantes, tigres, cavalos e uma carruagem romana, bem como
palhaços e acrobatas. A plateia estava do lado fora, à esquerda e à direita.
O Self, que se tinha revelado no cenário anterior pelo movimento da água, bem
como a ponte e o tráfego nas quatro direções, tinha agora claramente se
desenvolvido num movimento circular do centro.
Seria possível que um menino de nove anos já tivesse ouvido falar das corridas
dos romanos e que tivesse dois deles circulando no seu cenário "Certamente
não, porque ele me disse que nunca tinha ido a um circo. Morando longe da
cidade, num ambiente simples, ele nunca teve a oportunidade de ir ao circo. Já
que não é comum hoje em dia que circos apresentem carruagens romanas, deve
então ter sido um conhecimento inconsciente de algo que tem vivido através da
tradição humana. É mais provável que ele tenha ouvido de animais amestrados
como elefantes e tigres, que circulava dentro do cenário com os cavalos.
Christoph explicou que o músico no meio fazia música para que todos se
deleitassem. Neste cenário, é claramente "uma questão de "circumambulatio"
que se concentra no meio. Ao examinarmos mais de perto, pode-se ver que os
dois círculos externos se moviam da direita para a esquerda (sentido anti-
horário), que é psicologicamente comparável a um movimento em direção ao
inconsciente - enquanto que as figuras internas descreviam um circulo da
esquerda para a direita (sentido horário), que psicologicamente é a direção do
consciente.
35
Sabemos que o equilíbrio central no homem é equivalente a uma experiência
religiosa-emocional. È uma movimentação de forças religiosas internas. Como
analogia, podemos comparar esta experiência com os três movimentos circulares
do padre na sequência da missa católica com o incensário (duas vezes da direita
para a esquerda e uma vez da esquerda para a direita) sobre a oferenda.
O próximo cenário representava uma floresta primitiva (Figura 20). Um rio corria
como um limite natural através do meio de uma mata. Uma vau e uma ponte
ligava as duas margens. Os animais se dirigiam ao regato para beber. No canto
direito, de cada lado da água, havia um marroquino.
Figura 20
Não demorou muito para que esta situação se expressasse num cenário (Figura
19).
Enquanto que a água no cenário anterior criava um limite natural, desta vez
estava canalizada num canal feito pelo homem. Navios se moviam nas duas
direções, Dos dois lados, soldados estavam lutando e homens escuros estavam
lutando pela posse do Canal de Suez, foi o que ele me disse. No lugar de árvores
escuras, que lembravam a floresta primitiva, havia palmeiras que crescem no
Oriente Médio e sul da Europa. Havia também elefantes.
Vamos imaginar uma cena de floresta tropical, do tipo que podemos encontrar
na África. Se o considerarmos psicologicamente, testemunharíamos uma cena
num nível inconsciente mais profundo do que aquele que ocorre num canal
construído pelo homem. A água na Figura 21 corria de uma maneira natural, em
contraste com a canalização consciente da água no canal. Portanto, estimulei-o
a fazer algo que pudesse também ser útil numa profissão mais tarde na vida.
37
Figura 21
Entre outras coisas, construiu uma pequena via férrea funicular que ligava a
casa do seu amigo com a sua própria. Fez isto de iniciativa própria. No entanto,
todos os planos foram debatidos comigo e ofereci ajuda para completar. A
funicular também significava uma ligação com o mundo exterior, que
necessitava muito para seu futuro.
A escola, que tinha provocado tanta preocupação no início, já não era mais um
problema. Perseverava em cima das matérias que lhe eram mais difíceis. A
ameaça de ser transferido a uma classe especial tinha passado há muito tempo.
Mesmo sem ser um aluno brilhante, ele estava certamente preparado e aberto a
maiores estudos.
O último cenário (Figura 22) que ele fez durante a terapia mostrava a colina que
separa o lago de Zurich do lago Greifensee. Algumas casas representavam as
vilas e os homens que estavam por perto eram seus donos. Uma estrada
serpenteava a colina. No ponto mais elevado, estava sentado um menino.
Sentava em completa liberdade na colina onde ele realmente se sentia em casa.
Figura 22
38
Capítulo 3
TOM
Cura de Uma Inibição Para Aprender
Conhecia Tom, que tinha doze anos, e que não podia fazer nada com a sua vida.
O seu pai o descreveu como sendo solitário, sem amigos, retirado e
frequentemente entediado. Brinquedos não o tinham interessado desde a tenra
infância. De vez em quando lia um livro, mas sem maior interesse. Na
companhia de adultos, parecia muito bem ajustado.
Suas roupas estavam sempre impecáveis e seu cabelo era bem penteado.
Embora desse uma impressão de destreza, Tom preocupava seu pai. Os seus
primeiros anos escolares se passaram sem maiores dificuldades. No entanto, o
seu afastamento de crianças da sua própria idade tornou-se cada vez mais
óbvio. As vezes, aparecia uma relutância de aprender. Foi testado quanto à
inteligência e descobriu-se que tinha uma boa média. Iniciou uma terapia mas
sem grande sucesso. O conselho do terapeuta foi o de enviá-lo a um internato,
onde se esperava que fosse mais fácil encontrar amigos da sua própria idade e
com quem poderia participar de esportes.
O pai não queria se separar de seu filho. Desde a morte de sua mulher vários
anos atrás, agarrava-se muito ao seu filho.
Entrementes, Tom tinha doze anos. De acordo com a sua inteligência e habilidades,
entrou para a primeira série da ginásio. Não era um aluno excelente. De um modo
específico, o latim e novas matérias pareciam ser os que apresentavam maiores
dificuldades para ele.
A pergunta perturbada que o pai me fez foi: Será que meu filho será capaz de pas-
sar pelo ginásio sem ter que se separar de mim?
Seria esperar demais que um terapeuta respondesse uma pergunta deste tipo com um
simples 'sim' ou 'não'. Nada é mais complexo, mais delicado e influente do que a
psique. Mas o desenvolvimento de suas forças aparece quando se estabelece um
local livre e, no entanto, seguro. Somente então as possibilidades da psique se
tornam visíveis, que frequentemente consideramos como um milagre. A psique tem
uma tendência a curar a si mesmo. A tarefa do terapeuta é o de preparar o
caminho para esta tendência. Mas seria mera fanfarronice afirmar, com base na
39
inerente tendência terapêutica, de que o caminho será sempre achado. Adoramos
começar e terminar com base numa reflexão racional e esquecer, ao fazer isto, que
somos constantemente surpreendidos por eventos completamente irracionais.
Mesmo assim, enquanto houver uma possibilidade de cura, todo caso merece ser
tentado de uma maneira sincera.
Quando Tom entrou na minha sala de terapia pela primeira vez, tive a impressão
de que era um menino que não sabia o que era alegria ou diversão e o que
interessava na sua vida estava profundamente enterrado no seu interior.
Falemos de escola e de latim. Quando lhe perguntei algo sobre vocabulário, co-
meçou a bocejar. Esta era a melhor expressão pela sua completa falta de interesse.
Por este motivo, sabia que aconselhamento individual não ajudaria e que uma
mudança de ambiente também não provocaria nenhuma melhora sensível. Sua
falta de interesse era a expressão de um desenvolvimento desigual, cuja causa
ainda tinha que ser descoberta.
Quando veio para a segunda consulta, parecia muito mais alegre. Perguntou-me
diretamente se podia fazer algo na caixa de areia. Surpreendida pela sua
sugestão a de brincar, mostrei-lhe as miniaturas que poderia usar (Figura 23).
Algo que parecia ser impossível estava por acontecer. Primeiramente a areia foi
cuidadosamente misturada com água de modo que pudesse ser moldada.
Depois, com incrível cuidado, construiu paredes que representavam todo um
sistema defensivo. Armas pesadas, tanques, canhões e bombardeiros eram,
como se por um cálculo exato, colocados para defesa. Primeiramente o lado
esquerdo da caixa de areia foi deixado vazio. Somente depois que estava
satisfeito com o lado direito, depois que se tinha repetidamente convencido de
que as armas não podiam ser vistas do lado, é que se voltou para o lado
esquerdo. Aí colocou três peças leves de artilharia, com relativa rapidez, atrás de
uma proteção de metal razoavelmente fraca. Contemplou tudo e depois
adicionou quase que imperceptivelmente um avião, que definiu como tendo sido
derrubado dentro do sistema defensivo cuidadosamente construído.
Figura 23
A desigualdade dos campos opostos de força fez com que fizesse a única
pergunta dirigida ao rapaz durante toda aquela consulta: "Essas três peças
fracas de artilharia podem fazer frente a armas pesadas?" Sua resposta foi:
"Nunca se sabe".
40
Essas palavras comoveram-me profundamente. Pois, inconscientemente, ele
mesmo expressou na sua resposta e possibilidade de uma cura.
O avião derrubado mostrava a sua própria situação. Até agora, toda a sua vida
foi desligada do inconsciente, mas a sua resposta mostrou-me que ele poderia
aprender, poderia se adaptar a poderosos fatores externos. No entanto, algo
dentro dele estava quase asfixiado. Era a criatividade dentro dele, que realmente
constitui o tornar-se um homem. No início da fase desenvolvimentista da
puberdade, quando o rapaz de transforma em homem e a menina numa mulher,
é extremamente importante que permaneça intacto o acesso às fontes inerentes
de energia que garantem o desenvolvimento da personalidade.
No seu caso isto tinha sido ameaçado na sua tenra infância. A criança, ao sair
do útero protetor materno para o mundo, ainda requer a proteção da mãe por
muito tempo. Tinha perdido isto. Através dos cuidados e, acima de tudo, através
do amor que a mãe dá à criança, ela fornece um sentimento de segurança, a única
segurança que é necessária para que a criança se desenvolva de acordo com o seu
próprio potencial. Se a mãe estiver ausente, então a criança se recolhe dentro de
si mesmo. A fim de se proteger contra as influências do meio ambiente, constrói
um abrigo para seu ser ainda inseguro. Por detrás de um tal abrigo, oculta-se o
medo que, ao se tornar demasiadamente grande, se transforma em agressão. Se a
agressão for contida, se não se puder manifestar, isto exige tanta energia interna,
que pouca ou nenhuma energia pode ser dada para qualquer coisa nova na vida.
Portanto, a criança subitamente se recusa a operar. Recusa-se a expandir
quando se espera "demais" dele. Neste caso, a exigência de que Tom começasse a
estudar latim tornou-se "demais" para ele. É facilmente compreensível de que
uma criança sensível, assustada por uma exigência que parece demasiada, perca
coragem e mostre uma aparente falta de interesse naquilo que se exige dele. Isto
provoca grande preocupação entre os pais e professores.
O avião derrubado no nosso cenário era uma expressão do que sentia como
sendo a sua situação sem esperança. Estava no alcance onde a agressão retida
estava representada na forma de armas pesadas por detrás de abrigos pesados.
Esta era a situação que vivia quando fez esta representação. Na verdade, esta
era a primeira brincadeira criativa que começou a animar sua resistência
enrijecida. A dinâmica bloqueada dentro dele estava representada por três peças
de artilharia leve por trás de uma estrutura fraca. Que fossem em número de
três pareceu-me significativo, já que o número três é um número dinâmico.
Sempre que o encontramos, está sempre ligado a um início e uma meta. Em
contos de fadas, por exemplo, sabemos das três tarefas difíceis que o jovem herói
deve executar a fim de conquistar a sua princesa e ganhar para si o reino.
O nosso rapaz também quer atingir o seu reino, que residia no fato de se tornar,
como uma pessoa de acordo com a sua tendência normal, um membro da
coletividade.
Afinal, não somos cada um seu próprio mestre e rei que é capaz, com seus
talentos e habilidades, de desempenhar uma tarefa que diariamente revive e o
torna feliz? Não interessa em que campo, quer seja de habilidade manual ou em
disciplinas intelectuais. Mas o que seria do rei sem o seu reino? E, acima de
41
tudo, de onde ele tira seu poder quase sobre-humano para liderá-lo e governá-
lo?
Num significado simbólico adicional, o número três tem a chave de como este
poder pode ser alcançado. Desde os tempos antigos, o número três não é apenas
dinâmico mas também definido como sendo sagrado. Milhares de anos antes do
cristianismo, atos de natureza divina estavam ligados a ele, quer seja na
Babilônia, no Egito, na Índia ou outras culturas - o homem tinha ou uma tríade
de deuses ou então um deus com três atributos cooperativos.
Assim, três parece ser ligado a um poder sobre-humano que aponta para
desenvolvimentos futuros.
e no capítulo 78
Aquilo que é fraco conquista aquilo que é forte,
e o que é delicado conquista o que é rijo,
Todos na terra conhecem isto,
mas ninguém quer agir de acordo.
42
Lao-tsé expressa aqui a possibilidade do fraco triunfar sobre o forte, o que não é
conhecido na história, pelo menos nos nossos tempos. Penso nos antigos suíços
ou nos israelenses que receberam forças insuspeitas na profundeza da sua
fraqueza devido à sua profunda fé e que os levaram a vitória.
Figura 24
Figura 25
De fato, as paredes já não eram tão altas e parecia que o menino já começou a
retirar as paredes do abrigo.
43
Na próxima consulta, não queria mais brincar na areia. Perguntei-lhe então o
que queria fazer, olhou à sua volta e descobriu alguns dardos que ele
eventualmente lançou no alvo destinado a eles. No entanto, após um pouco,
ficou entediado de jogar dardos no alvo e começou a lançá-los na minha parede
de painéis recém pintada. Usava tanta energia no arremesso que lascas caiam
das paredes de madeira. Provavelmente para seu grande espanto, deixei que
fizesse o que queria. Pela primeira vez, a sua face se iluminou. Que eu não o
repreendesse nem tivesse dito, por exemplo: "É terrível como você está
demolindo a minha sala!", lhe deu a sensação de que aqui havia algo que
poderia ajudá-lo.
Devo reconhecer que perguntei a mim mesma se não tinha ido longe demais ao
deixar isto ocorrer. Temia que agora quisesse atirar em pessoas vivas.
No dia seguinte perguntei ao pai que efeito teve este acontecimento sobre o
menino. "Algo muito fora do comum ocorreu comigo na noite passada",
respondeu. "Pela primeira vez desde a tenra infância, Tom deu-me um beijo de
boa noite".
Mas isto me comoveu ainda mais porque sabia que o próprio pai era incapaz de
mostrar à criança seus próprios sentimentos espontaneamente. O pai estava
felicíssimo de que menino agora chegava até ele.
Agora pareceu-me que tinha chegado a hora para um novo cenário e ele mesmo
aceitou a sugestão com prazer (Figura 26).
Figura 26
Vi com satisfação de que os tanques não foram mais tocados. Pela primeira vez,
foram usados cores, árvores e pessoas. Onde anteriormente foram construídos
abrigos fortes, havia uma tênue floresta sobre a paisagem. À esquerda disto -
não podia crer no que via - quatro mulheres índias com crianças nos braços
sentavam em volta do fogo.
Fiquei profundamente comovida por esta feliz mudança. A minha experiência diz
que tal transformação e manifestação são sempre sentidas como um despertar
espiritual. Isto foi-me novamente confirmado pela fato dos índios estarem rezando. A
vida, especialmente na puberdade, é sentida como uma luta. Mas se for lutada
com base numa segurança profundamente arraigada que contém uma qualidade
numinosa, então desenvolve e fortalece a personalidade total.
46
Uma semana depois, foi produzido um cenário similar que aprofundou a
impressão daquilo que havia precedido (Figura 27). Havia quatro índios com
cachimbos da paz nas suas bocas sentados em círculo em volta do fogo,
enquanto que uma mulher sentava atrás deles. Algumas mulheres estavam
cozinhando e algumas tinham crianças no colo. Aqui foi atingido o centro.
Figura 27
Enquanto que o número quatro está ligado, na maioria das culturas, com a terra
e, portanto, a uma situação de realidade, o círculo significa um símbolo de
totalidade, céu e que está voltado para o espiritual. Já que, de acordo com o meu
ponto de vista, a manifestação do Self, que é representado de muitas maneiras
mas de forma mais impressionante no círculo, significa o ponto de partida para
um ego saudável e um desenvolvimento de fatores inerentes de personalidade, a
mim parecia que um desenvolvimento saudável do menino estava assegurado.
Mas os seus primeiros sinais exigem proteção e cuidados, como uma criança
recém-nascida. Portanto, seria errado dar alta para a criança a esta altura da
terapia. O potencial para progresso, que estavam anteriormente inibido e
portanto, sentido como agressão, tornou-se livre e deve agora ser ajudado e
orientado. Ai é possível que tarefas aparentemente insolúveis ou talentos que
não podiam se expressar, possam então repentinamente serem abordadas com
facilidade.
47
A meta ou, em outras palavras, o reino que queria obter, estava prestes a ser
atingido.
Encontrou satisfação em trabalho construtivo. Fez muitos amigos e tornou-se
também um bom amigo para seu pai. O seu trabalho na escola melhorou. Hoje,
seis anos após e já com alta há muito tempo, chegou ao ponto de prestar os
exames em Matura e ele mesmo responde a pergunta que nó início da terapia
tinha sido tão difícil de responder.
Figura 28
Capítulo 4
48
GABRIELA
Separação de Uma Avassaladora Fixação Materna
A mãe descreveu Gabriela, de doze anos, como sendo tímida e retraída. Faltava-
lhe a coragem a ir em qualquer lugar sem a sua mãe. Não foi nem capaz de pas-
sar uma noite com a sua avó. Tinha dificuldade em arrumar amigos. Era uma
criança solitária. Sua professora reclamava da sua falta de interesse e parti-
cipação nas atividades escolares. Apesar de ser crescida e fisicamente bem
desenvolvida, dava a impressão de ser uma aluna totalmente passiva, incapaz
para o nível ginasial para o qual tinha sido designada. A escola propôs colocar a
menina num nível menos avançado. Seus pais ficaram muito perturbados com
isso e trouxeram-na para mim.
Figura 29
49
pálido do eu da menina. A cobra geralmente aparece no inconsciente durante a
puberdade. A troca da pele da cobra simboliza a renovação que está preparada
no inconsciente. Contem o segredo da vida. Para a menina de doze anos, a cobra
enrolada representava o lado feminino ainda não desenvolvido.
Figura 30
O marcante disto foi o fato de que o fluxo de carros da esquerda passava por
uma estrada ladeada de árvores. Poder-se-ia supor que as energias bloqueadas
na inconsciente já estavam sendo ativadas. Esta ideia foi reforçada por um posto
de gasolina no canto inferior esquerdo do cenário. Aqui os motores eram reabas-
tecidos com novas energias.
Todo cunho do cenário parecia dar uma indicação esperançosa de que estas
novas energias galopantes poderiam ser disciplinadas em terapia e que ela
poderia vencer a sua passividade. (Havia uma ambulância para ajudar).
50
Figura 31
Gabriela trouxe pedras grandes tiradas do jardim do lado de fora da sala de
brincar e colocou-as no rio. A água corrente indicou que as restrições na menina
tinham começado a se dissolver, mas as pedras indicavam que os impedimentos
ainda tinham que ser vencidos. As pedras que represavam o curso natural da
água indicavam dificuldades. Por outro lado, este mesmo cenário lembrou-me de
uma representação chinesa de água descrita da seguinte maneira no "I Ching"
(Livro das Mutações): "A água corre ininterruptamente e atinge a meta. Flui e
não se acumula em lugar nenhum. Sua natureza confiável tampouco se perde
nos locais perigosos".
Isto dava confiança para o futuro - especialmente desde que Gabriela tinha-se
também tornado muito mais ativa e disposta na vida cotidiana. Encontrava
ocasionalmente com os amigos e convidava-os a irem em casa. Gostava de
trabalhos manuais e, acima de tudo, de pintar e desenhar, no que tinha muito
talento.
No quarto cenário representou um circo (Figura 32). Todo o espaço estava
dividido em seis quadrados. Em cada um deles, estava sendo encenado algo. No
canto superior esquerdo, havia tigres e leões exibindo seus talentos. Um tigre
estava descendo do pódio enquanto que um leão estava prestes a subir nele. Na
área contígua, um domador trabalhava com quatro elefantes. No canto, cinco
bailarinas formavam um círculo. No canto inferior esquerdo, cavalos brancos
circundavam um que estava no meio. Na próxima área, havia uma carruagem
romana e no canto inferior direito da caixa de areia havia palhaços exibindo
suas habilidades. Bem embaixo, havia bancos para os expectadores.
Figura 32
51
As diferentes representações em todos os cenários apontavam para uma
centralização ou representavam uma oircuambulação: o tigre, aparecendo com o
leão, tinha que ser considerado como o feminino, a sombra do leão. Em latim,
"tigris", o tigre, contém um caráter feminino e representa a feminilidade escura.
O leão, na qualidade de rei dos animais, e associado com o sol devido à sua juba
amarela. Aponta para uma iluminação do consciente como parte da
personalidade. A sua vitalidade fala de energias que estão prontas a se tornarem
conscientes. Já que na representação o tigre estava descendo do pódio no centro
e o leão estava prestes a subir nele, podemos supor que uma transformação no
desenvolvimento da menina estava aqui indicada. Isto levaria a uma
revitalização das energias que tinham, até então, permanecido adormecidas na
menina. Esta vitalidade estava também expressa nos elefantes, um símbolo geral
para força e sagacidade.
A menina de doze anos apresentava aqui uma profunda experiência interna, que
nunca traduziria em palavras.
Cavalos são animais com excelente instinto e, como animais de carga, tem um
aspecto maternal. Cavalos brancos são cavalos celestes e estão perto dos deuses.
Por este motivo, os cavalos brancos circundando um outro no centro, de pé
sobre suas patas traseiras, podem expressar um impulso religioso ainda
inconsciente na menina.
A Figura 33, feita algumas semanas depois, mostrou que esta suposição estava
correta. Entrementes, o trabalho de Gabriela e a participação geral em
atividades escolares melhoraram significativamente e seus esforços estavam
sendo reconhecidos.
52
Figura 33
Este penúltimo cenário mostra cinco mulheres que estão buscando água no
poço da vila. (Poço: um telhado vermelho sobre a pequena floresta). A esquerda,
um homem está de pé. Um caminho com uma ponte sobre ele vai até uma vila
próxima.
Finalmente, mostrou a sua disposição de sair da casa dos pais num último
cenário (Figura 33): num aeroporto, aviões estavam prontos para a decolagem,
navios estavam ancorados prontos para a partida, um vagão de correio e um
carro estavam prontos para partir e um trem estavam prestes a se mover. Todos
53
estavam prontos - na água, na terra e no ar - para explorar os quatro pontos
cardeais.
Figura 34
54
Capítulo 5
CHRISTIAN
Cura de Uma Enurese
De uma maneira geral, sabemos que é muito difícil curar uma enurese. É
especialmente difícil quando a criança atingiu uma idade em que isso deveria ter
sido cuidado muitos anos atrás. Portanto, tive sérias dúvidas quando uma mãe,
que morava longe da minha cidade, pediu se eu podia ajudar seu filho de doze
anos a se livrar deste mal durante umas férias de oito dias. Finalmente cedi às
suas súplicas e concordei em ver o menino no meu consultório. Esperei chegar à
raiz do problema durante esta consulta. Durante as suas férias, o menino ficou
com parentes que moravam perto de mim.
Ele estava no sexto ano e era um aluno muito destacado. Na presença da sua
mãe, que era a autoridade da família, parecia muito inibido. O pai era
complacente. O rapaz relaxou imediatamente assim que entramos na sala de
brincar.
.
Como esperava ser capaz de diagnosticar seu mal o mais rapidamente possível e,
se fosse viável, dar um prognóstico, pedi que o rapaz fizesse um cenário com as
minhas miniaturas, Este não é o meu procedimento usual. Obviamente
estimulado por esta ideia, colocou logo mãos à obra. Mas ele também duvidava
de que isto fosse curar o seu mal. Enquanto trabalhava com as miniaturas,
começou a falar. Disse-me que sofria muito com a sua enurese. Já havia
consultado vários médicos, mas nada adiantou. Ele sempre acordava quando já
era tarde demais para ir ao banheiro. Chegou até mesmo a tentar um
complicado mecanismo para acordá-lo em tempo, mas isto tampouco ajudou.
Figura 35
A mãe me disse que teve toda a responsabilidade pela criação dos seus quatro
rapazes. Teve que discipliná-los e ensinar-lhes ordem, porque o pai estava
completamente absorvido pela sua profissão. Portanto, este mimava os meninos
nos raros momentos que ficava junto.
No dia seguinte, Christian fez um outro cenário (Figura 36). Isto foi ainda mais
indicativo do seu problema. Representava um circo. Na arena, havia um
domador com quatro tigres amestrados. No centro Christian colocou um poste
de luz com quatro braços. Isto é muito incomum para uma arena de circo. Os
espectadores estavam todos à volta. A esquerda, havia artistas, palhaços e
carruagens romanas prontas para entrarem no próximo número.
Ficou claro para mim que Christian sentia a educação da sua mãe como uma
"domação”. A mãe assumiu o papel do pai com muita força e energia e em boa
fé, mas ele sentia falta de afeto por parte da mãe.
Figura 36
Este era completamente diferente (Figura 37). Construiu, com grande cuidado,
uma estrada larga com um caminho por baixo. Isto foi razoavelmente difícil de se
fazer e foi necessário muito trabalho com madeira de modo que pudesse colocar
areia em cima para forrar uma estrada firme e sólida. O tráfego em ambas as
direções estava disciplinada por uma faixa forte e visível no meio da estrada. A
estrada que passava por baixo tinha tráfego intenso orientado pela polícia. Isto
mostrava que as energias agressivas, retratadas no primeiro cenário, estavam
agora bem disciplinadas e tinham perdido a sua agressividade.
O pelicano no primeiro cenário foi substituído - mas no lado oposto - por uma
enfermeira. Christian tinha sentido a minha total aceitação dele e, portanto,
sentia-se tão seguro como sob a proteção de uma mãe dedicada. Isto agora
começou a ter um efeito terapêutico sobre ele.
Figura 37
No dia seguinte, brincou novamente com outros materiais. Quando estava muito
ocupado fazendo um avião para seu irmão, disse repentinamente:
57
Fiquei muito contente, e torci em silêncio para que isto não ocorresse mais. Ele
tinha se livrado da dúvida de que a caixa de areia poderia ajudar tanto quanto
os remédios de um médico. Parecia ter havido algum sucesso no meu tratamento
e discuti com Christian a possibilidade de receber permissão do seu professor
para prolongar a sua estada aqui. Ficou encantado com a ideia e recebemos um
prolongamento de oito dias. Christian vinha diariamente e continuou a fazer
presentes de Natal. Queria fazer algo para seus irmãos e pais. Nunca discutimos
a sua enurese. Certo dia, ele repetiu, enquanto balançava a sua cabeça, "É
verdade - a senhora sabe mais do que os médicos".
Sua cama permaneceu seca. Falou sobre seus irmãos e pais, e senti o quanto
gostava deles. Sentia-se suficientemente seguro para esperar que acontecesse a
coisa mais ansiada por ele que pudesse ir com os amigos numa viagem de esqui.
Até agora, teve que ficar em casa devido à sua enurese.
Seu trabalho de duas semanas comigo tinha acabado. No último dia, pedi que
fizesse um outro cenário (Figura 38). Novamente começou com um circo. Mas
desta vez os ingleses eram os atores. Representavam a paz interior. Quase não
pude acreditar! Uma transformação tinha aparentemente ocorrido neste curto
espaço de tempo. Sugeri que continuasse a ter contato comigo por telefone.
Temia que a súbita interrupção de nosso íntimo relacionamento pudesse
provocar uma regressão. Quando se despediu de mim, sussurrou no meu ouvido
"A senhora realmente sabe mais do que um médico".
Figura 38
58
Capítulo 6
JAMES
Perda de Instinto Devido à Identificação Com Uma Mãe Extrovertida
James tinha dezesseis anos e era excepcionalmente alto para a sua idade. Seus
ombros eram tão largos quantos os de um homem, e suas maneiras eram
aquelas de um adulto. Fumava incessantemente e tinha a conversa fácil e
espirituosa. Seu objetivo era ter tantos amigos quanto fosse possível, a fim de
nunca ficar só.
Era o segundo filho de um total de cinco. Sua família tinha vindo dos Estados
Unidos para morar um ano na Europa. As crianças deveriam cursar escolas
alemãs, a fim de ter um maior contato com o povo e cultura europeias. Podia-se
ver que James, que teve problemas nos Estados Unidos com aprendizado e
concentração no colégio, iria fracassar numa escola estrangeira. Acima de tudo,
o seu inglês não correspondia à norma para a sua idade, parece que não havia
dúvidas de que seria incapaz de entrar numa faculdade no futuro. Por este
motivo, os pais pediram que deixasse rapaz morar comigo durante a primeira
parte da sua estadia na Europa.
Figura 39
59
Porém, duas coisas me chamaram a atenção: primeiramente, no campo onde as
vacas estavam pastando perto de árvores exuberantes, havia uma pequena
árvore desenxabida e sem folhas na qual dois corvos estavam sentados. A vaca-
mãe que dá o leite simboliza a mãe nutriente em muitas culturas antigas - na
Mesopotâmia, no Egito, na China e, ainda hoje, na Índia. Portanto, as vacas
pastando no seu cenário poderiam, ser consideradas como maternidade.
Já que a pequena árvore sem folhas estava à direita das vacas que estavam
pastando, deduzi que algo tinha destruído o relacionamento mãe-filho.
Consequentemente, perguntei à mãe de James se qualquer experiência ou
doença seria tinha ocorrido no primeira ano da sua vida que teria influenciado
seu desenvolvimento. Ela se lembrou de seguinte:
Quando James tinha nove meses, contraiu bronquite, que foi tratado com
inalador. Devido a um manuseio descuidado do aparelho, o berço tinha pegado
fogo. Felizmente, o bebê não se queimou seriamente e ficou apenas com uma
pequena cicatriz na testa. No entanto, achei que esta experiência foi um choque
para James. Considerando que nesta tenra idade a criança normalmente ainda
vive totalmente dentro da unidade mãe-filho, este choque foi suficiente para
destruir parcialmente este relacionamento. Seria possível que esta experiência
tinha provocado uma influência inconsciente?
O cavalo branco está ligado à luz, o sol. Cavalos brancos puxavam a carruagem
de Hélios. Foi também um cavalo branco que carregou à Índia o monge chinês
que voltou à China com manuscritos budistas. Lá havia um templo dedicado ao
cavalo. Desta maneira, estava também relacionado com religião. O cavalo branco
pode também ser encontrado na tradição cristã assim como na chinesa. No Livro
de Revelações da Bíblia, cap. 19 - versículo 11, diz que Cristo saiu com um
cavalo branco a fim de enfrentar os dois animais malignos que saiam do Hades.
Ia ao zoológico duas a três tardes por semana. Limpava as jaulas dos macacos e,
após fazer o seu serviço, observava os animais. Esta tarefa era evidentemente
divertido para ele. Pouco a pouco, os animais o reconheciam e desafiavam-no a
brincar com eles. Um deles gastava muito de James e reagia afetuosamente.
A fim de saber como é que James se saía na escola, olhei seus livros, Pareciam
um tanto rasgados. Davam a impressão de pertencer a um menino que estava
entediado e, como consequência, tinha rabiscado nas páginas. Descobri na
última página em branco um pequeno desenho feito por James que representava
Cristo na cruz. No entanto, esta figura masculina não tinha pênis. James não
poderia ter retratado mais claramente a situação. Considerava-se como crucifi-
cado, já que a sua masculinidade não foi capaz de se desenvolver. De fato,
parecia muito ligado à mãe. Era o filho predileto dela. Ele era tão devotado para
com ela que o seu próprio eu não pode se desenvolver.
Agora que estava separado de uma mãe enfática, extrovertida e dominadora pela
primeira vez, foi terrivelmente difícil para James se orientar. E, no entanto, ele
rapidamente tornou-se feliz na nossa casa e tentou se adaptar ao nossos
hábitos. Eu prezava a confiança que ele tinha nos seus pontos de vista no que
lhe era possível, a fim de fazer com que brotasse um sentimento do seu
verdadeiro eu. A ajuda que vinha recebendo quase que diariamente com o
estudante logo permitiu que falasse um pouco em alemão. Ele não podia e não
queria escrevê-lo. Provoca-lhe um esforço extraordinário e sua caligrafia era
praticamente ilegível. Somente a contragosto cedeu à proposta de escrever um
sonho ou uma experiência. No entanto, tornou-se visivelmente calmo e começou
a interessar-se mais pela sua própria língua.
61
Dois meses depois, James veio para casa e disse "Avisei o diretor do zoológico de
que não vou mais trabalhar lá". Fiquei surpreendida pela decisão e, no entanto,
respeitei-o. Quando lhe perguntei o que queria fazer, respondeu "Quero ir para a
escola". Isto era ainda mais surpreendente. No entanto, discutimos imediata-
mente a questão de que escola, já que teria que se acostumar com alemão.
Dentro de poucos dias, foi como ouvinte numa escola particular, enquanto
continuava com as aulas de alemão com maior entusiasmo. Nesta época, fez um
cenário que indicava a inesperada mudança na sua condição (Figura 40).
Figura 40
A esquerda, perto do canto, construiu uma pequena vila, da qual saía um largo
caminho através da caixa até em cima. Uma menina estava levando alguns
gansos para casa e um pastor estava prestes a recolher alguns carneiros, fora do
rebanho para a cocheira. Os carneiros que estavam pastando, um cavalo e uma
vaca estavam dirigindo-se à vila. Parece que era de tarde. Um pequeno grupo
estava indo para a vila. Um homem e uma mulher estavam no lombo de um
burrico. Perguntei ao James se estas pessoas tinham algum significado. Disse
que era Maria e José, que estavam se dirigindo à vila porque Maria estava
prestes a dar à luz.
Esta declaração comoveu-me profundamente. Será que era possível que James,
que aparentemente só queria fugir de si mesmo, já estava a caminho de se
encontrar? Será que a criança que estava por nascer não era a sua própria nova
situação? Será que era ele mesmo que iria "novamente nascer"? Alguns sinais
tinham realmente filtrado através cio seu relacionamento para comigo. Não havia
dúvida na minha mente de que James estava prestes a abordar uma centralização
no inconsciente, da maneira que ocorre com uma criança pequena.
Às vezes, escrevia uma estória sobre um jovem chamado Tol, que largou a sua
família para entrar na floresta, armado apenas com uma faca. Quero citar aqui a
parte principal da estória, palavra por palavra:
"Tol parou por um momento para contemplar o sol que caía lentamente sobre
as árvores. Com um meio sorriso, pegou a sua faca e desceu o morro. Ao
chegar embaixo, virou para a esquerda, preferindo o abrigo das árvores ao
campo aberto. Andava rapidamente, esperando poder chegar logo a um
pequeno regato, pois estava com sede. Depois de andar meia milha, parou
subitamente. Alterando de direção, continuou vagarosamente. Tinha andado
apenas um poucos passos quando novamente parou. Franzindo levemente a
testa, prosseguiu um pouco mais rapidamente. Após andar algumas centenas
de jardas, parou abruptamente. Desta vez não havia dúvidas. Tinha ouvido o
ruído de homens. Logo o ar tornou-se pesado com o seu cheiro. Rapidamente,
pôs-se à salvo subindo num galho baixo e depois subiu mais. Os homens logo
apareceram, andando em fila indiana. Marcharam pela árvore onde Tol estava e
prosseguiram até saírem de vista. Assim que desapareceram, Tol desceu da
árvore e correu na direção oposta. Correu até que tinha sacudido para fora o
ruído e o cheiro deles. Indo mais devagar, mudou de direção até que estivesse
paralelo à direção tomada pelos homens. Manteve então uma cadência de passo
contínua até o meio da manhã, quando chegou a um regato. Parando somente
para beber, seguiu adiante.
"Viajou o resto da manhã em paz, parando somente uma vez para beber água.
Por volta do meio-dia, estava com muita fome e, virando-se para a esquerda
saiu numa ampla planície. Ficou um pouco de pé no capim alto, acostumando-
se com a luz brilhante e,ao mesmo tempo, procurando por comida, Apôs um
momento, viu uma cadela pastando um pouco afastado do rebanho. O vento
estava favorável e foi capaz de chegar suficientemente perto para atirar a faca. Num
movimento praticamente simultâneo, atirou a faca e correu para a sua presa.
Ainda estava se debatendo quando chegou até ela, mas ela rapidamente partiu-lhe
o pescoço. Tirando a pele com cuidado, começou a comer. Após saciar a sua
fome, deitou na relva para dormir, mas antes de adormecer seus pensamentos
estavam, como sempre, em casa.
Vinte dias depois:
Adormecendo, Tol começou a sonhar. Andando pelo longo caminho até a caverna,
viu a sua mulher sentada na saliência do rochedo, brincando com seu filho de sete
anos, Ruk. Ao chegar no topo, olhou à sua volta. As árvores estavam começando a
tornarem-se verdes e a suave fragrância de flores novas pairava no ar. Lá
embaixo no vale, podia ver o movimento de grandes animais à medida que
arrancavam a espessa vegetação rasteira. Aqui era o melhor local de caça num
raio de cinquenta milhas. Havia gazelas, ursos, grandes mamutes e aves de todos
63
os tipos. Por perto havia frutas silvestres e água. Seu peito se encheu de orgulho
ao contemplar isto. Aqui era o seu lar, seu desejo de viver e sua própria vida. Tudo
que queria ou precisava estava aqui. Chamou pela mulher e filho, que ainda não
sabiam da sua presença. Ruk, alcançando-o primeiro, colocou seus pequenos
braços em volta do pescoço do seu pai enquanto que sua mulher, mais vagarosa,
cumprimentou-o com lágrimas nos olhos.
"Ainda no processo de acordar, Tol podia ouvir a alegria de sua mulher e filho
pelo seu retorno. Relutantemente, levantou-se e começou novamente a andar".
"Pensou nos dias e semanas que passou à procura de Kezz, o cavalo. Tinha
primeiramente visto-o duas semanas atrás perto da caverna e tinha estado à sua
procura desde então. Aí a pista se perdeu quando tinha ido atrás dele nas
montanhas. Foi então obrigado a voltar para casa, onde a sua mulher e filho
estavam pacientemente à sua espera.
Enquanto Tol corria pela floresta, outras criaturas estavam olhando. Um grande
brontossauro estava mastigando grama. Por perto, uma pequena corça apareceu
por entre os arbustos, logo seguido por um ser com aspecto de lobo. Um
64
plerodáctilo voava bem no alto, procurando pequenos animais para caçar. Um tigre
com dentes de sabre estava num rochedo ao alto e rugia o seu desafio ao
mundo. Ao longe, ouviu o último triste grito de um pequeno animal que tinha
sido agarrado por um maior.
"Nada disto Tol percebia conscientemente, mas foi lançado para trás na sua
mente. Quando ouvia o som de um animal maior ou mais perigoso, ele
automaticamente desviava para a o direita ou esquerda. No entanto, isto nem
sempre funcionava. Certa vez saiu dos arbustos direto em cima de um
tiranossauro e por muito pouco não foi dilacerado pelos seus dentes.
"A medida que caminhava, seus pensamentos estavam se esforçando para achar
uma maneira de capturar o cavalo. Sabia que quando o visse novamente, teria
apenas uma chance; pois, se ele errasse ou o ferisse de qualquer forma, não
haveria mais esperança de recapturá-lo. Abruptamente, seus pensamentos
pararam. Não sabia o que estava atrapalhando, mas havia algo errado. Parou
bruscamente. À sua frente, estava seu cavalo, com sua alvura brilhando ao sol.
Estava a apenas 20 pés de distância, mas Tol tinha certeza de que ele não tinha
sentido a sua presença. Bem vagarosamente, ele se aproximou. Quando estava a
um dez pés do cavalo, parou novamente e rapidamente tentou encontrar um
meio para capturá-lo. O que queria fazer era colocá-lo numa espécie de cercado,
mas não teve tempo de fazer um. Por um momento, ficou completamente perdido
sobre o que fazer. Depois, ao repassar na mente a viagem do ultimo dia,
lembrou-se de um pequeno desfiladeiro que poderia usar como curral. O grande
problema era como fazer com que o cavalo fosse até lá. Chegando por trás e
deixando que o cavalo sentisse o seu cheiro, poderia ser capaz de assustá-la na
direção certa. Tol não queria assustá-lo muito; pois então ele semente iria correr
para cima na montanha.
"Bem devagar, Tol aproximou-se por trás do cavalo, sempre temendo quebrar
um galho e assustá-lo. Pelo menos foi capaz de chegar diretamente atrás dele.
Cautelosamente, moveu-se em direção ao cavalo. Primeiramente, o cavalo nada
percebeu; mas quando chegou mais perto, o cavalo começou a trotar embora,
Tol temia que tivesse se aproximado demais, mas o cavalo parou e recomeçou a
comer. Tol andou, então se aproximou e o cavalo andou. Isto continuou durante
três horas; a cada retirada do cavalo, Tol temia de que não fosse parar. Logo Tol
pode ver a abertura do desfiladeiro e temia que o cavalo não fosse entrar nele;
mas, à medida que foram chegando mais perto, não deu o menor sinal de que
soubesse que estava sendo levado à uma armadilha. Repentinamente, o cavalo
desferrado trotou pelo caminho de pedras que ia até o desfiladeiro. Assim que o
cavalo entrou, Tol começou a bloquear a entrada com galhos. O cavalo era seu!
"Agora que o cavalo era seu, tinha que encontrar um meio de domá-lo".
"Tol sabia que apôs ter encurralado o cavalo, ele ficaria ressentido porque tinha
sido privado da sua liberdade. Para domá-lo, tinha primeiramente que mostrar
ao cavalo que queria ser amigo dele. Portanto, toda manhã trazia pequenas
guloseimas para o cavalo, na esperança de que ajudassem a construir uma
confiança mutua entre eles. Primeiramente, Kezz apenas bufava e corria para o
outro lado do desfiladeiro; mas, gradualmente, Tol foi capaz de acariciá-lo
enquanto o cavalo comia da sua mão. Após vários dias, quando Tol assobiava,
Kezz galopava em sua direção.
65
"Muitos dias passaram antes de Tol decidir que tinha chegado a hora de passar
para a próxima etapa, a de entrar no curral com o cavalo. Bem cedo de manhã,
Tol passou sob o portão e ficou perto do cavalo. Kezz contemplou o seu novo
amigo por um momento e depois trotou para o outro lado do desfiladeiro.
Lentamente, Tol caminhou em sua direção com uma grande fruta na sua mão e
falando suavemente. O cavalo parou por um momento, sem saber se fugia ou
ficava. Finalmente, decidiu ficar e permitiu que Tol lhe acariciasse o pescoço.
Todo dia Tol entrava na curral com Kezz, mas nunca tentou subir nas suas
costas temendo perder a confiança que tinha construído.
"Várias semanas se passaram e Tol sabia que, cedo ou tarde, deveria tentar
montar em Kezz. Consequentemente, escolheu uma bela manhã de primavera e
foi ao curral mais cedo do que costume. Assim que chegou perto de Kezz, o
cavalo sabia que algo estava errado. Tol começou falando com ele e, ao mesmo
tempo, colocava seu peso nas costas do cavalo. Depois vagarosamente, tirou os
pés da terra. Durante todo este tempo, Kezz ficou perfeitamente imóvel; mas
assim que sentiu o peso de Tol nas suas costas, disparou para o alto. Um salto
foi o suficiente para atirar Tol para fora, que veio a cair com um pesado baque
na terra. Lentamente, Tol levantou-se e caminhou em direção ao cavalo, que
tinha corrido para o outro lado do desfiladeiro. Novamente falou suavemente
com o cavalo, novamente colocou seu peso nas suas costas e mais uma vez foi
atirado para fora. Tentou muitas vezes e, a cada tentativa, o cavalo reagia
menos, até que finalmente Tol foi capaz de trotar pelo desfiladeiro sem que o
cavalo empinasse. Kezz foi domado! Tol desceu, abriu a porta do curral e deixou
Kezz sair. Assobiou e Kezz voltou. Isto foi o início de uma longa e sincera
amizade.
Fortalecido por um profundo sono nos galhos de uma árvore, no dia seguinte
chegou a um lago onde foi incapaz de agarrar um peixe. Para se proteger das
influências desfavoráveis e devoradoras do seu ambiente anterior, teve que
pescar seus próprios conteúdos ocultos e tirá-los para fora do inconsciente
(água). Tinha, de fato, já indicado seu novo nascimento no cenário que
representava o nascimento de Cristo. "O peixe nos sonhos", diz Jung no seu livro
"Símbolos de Transformação", (Obras "Completas 5, página 190), "ocasionalmente
significa a criança não nascida, porque a criança, antes do nascimento, vive na
água como o peixe".
66
O peixe que foi agarrado e comido por Tol tinha realmente um importante
significaria no desenvolvimento de James. Foi tirado das profundezas do
inconsciente. James foi enriquecido com os conteúdos que o peixe representa
simbolicamente: é um símbolo de fertilidade devido aos seus muitos ovos. Será
que se poderia supor de que James estava ocultando um tesouro desconhecido
dentro de si?
Após ter pego o peixe e comido como sendo um ritual, descobriu a beleza da
natureza à sua volta. Descobriu as altas árvores que faz com que a pessoa se
sinta pequena. Isto me fez lembrar de uma declaração de um velho Zen-Sudista,
Suzuki. Ele disse: "O ocidental quer vencer a natureza; o oriental, ao contrário,
sente-se como uma pequena parte dela".
Era somente agora que James estava realmente perto da terra. Animais
andavam pela floresta; e, na sua alegria pela linda manhã na natureza, ele
repentinamente se lembrou do cavalo que planejava pegar. Não demorou muito
para descobri-lo: "À sua frente, estava seu cavalo, com à sua própria natureza
fez com que fosse possível, com toda precaução, capturar o cavalo e ter
suficiente paciência para domá-lo.
Fiquei profundamente comovida pelas suas palavras: "Isto foi o início de uma
longa e sincera amizade entre o homem e o animal". Com isto, tinha adquirido
acesso à sua esfera instintiva que correspondia a um novo nascimento.
Ele logo arrumou uma namorada e, apesar de estar quase sempre em casa, só se
permitia sair uma vez por semana. Sua vida ficou muito mais rica.
Com muitos povos primitivos, as passagens de uma etapa da vida para outra,
especialmente da infância para a idade adulta, são marcadas através de
prolongadas cerimônias. Hoje em dia, isto em grande parte desapareceu ou
perderam seu significado profundo. Por este motivo, é tão importante na terapia,
principalmente para jovens, falar sobre a questão de Deus. Somente com o
relacionamento com o arquétipo do divino é que o jovem pode realizar a sua
transformação em adulto. Isto, por sua vez, aparece quando o homem tem um
acesso natural à sua esfera de instinto.
Um cenário que James fez cerca de três meses mais tarde confirmou meus
insights" (Figura 41). Novamente, representava uma paisagem:
Figura 41
68
À esquerda, havia um curral com dois cavalos. Um de cor escura e outro de cor
clara. Estavam prestes a irem em direção a um portão aberto. Um pastor aí
estava com seu rebanho. A direita, dois cisnes estavam nadando numa lagoa.
No primeiro cenário, havia dois corvos sentados numa árvore despida. Naquela
época, podia-se facilmente considerá-los apenas pelo seu aspecto negativo
devido às suas penas pretas, que está ligado a aves de mau agouro. James era
uma ave de mau agouro e acobertou seu humor melancólico sobre seu
desamparo através de uma conduta enfaticamente extrovertida. Os corvos são
geralmente amigos dos eremitas. São os mensageiros dos deuses que traziam
ajuda para aquelas pessoas reclusas. Os corvos são também representados na
Bíblia (Salmos 147:9, Jó 38:14) como um tipo de ave de Deus. Quando em
apuros, os jovens corvos chamam a Deus e são ouvidos.
O cisne que agora aparecia no seu cenário anunciava algo novo. Jung no seu
livro "Símbolo de Transformação" (Obras Completas 5, página 348) que "cisne"
('swan' em inglês) deriva da raiz 'sven', assim como "sol” ('sun') e "som" (sound').
Esta ascensão significa renascimento, o surgimento da vida vindo da mãe.
Quando representa, como ave nectarínia (em inglês, 'sun-bird', literalmente 'ave
do sol'), aquilo que é brilhante e claro, aponta em direção a uma consciência
ampliada, em direção à relação de possibilidades internas. Ao mesmo tempo,
representa um aspecto completamente diferente! Como ave e especialmente
como ave meteorológica, pressente o que irá acontecer no futuro. Quando temos
uma má sensação, dizemos: "Tenho um pressentimento como um cisne". No
entanto, podia-se ver qual dos dois aspectos seria o mais importante.
No entanto, surgia uma outra questão. Após mais de dois anos no estrangeiro,
tinha-se acostumado com o nosso modo de vida. Como se sentiria no seu país de
origem? Pensou em ir de navio cargueiro, o que demoraria várias semanas.
Assim, teria tempo para se preparar para o futuro e para aquilo que poderia vir a
ser diferente. Seus pais, que queriam comemorar o que o seu filho tinha
conseguido, decidiram de outra forma. Enviar uma passagem de avião; queriam
que chegasse em casa o mais rápido possível!
Não era surpreendente que a ideia de uma transição assim rápida de um mundo
para outro gerou um pânico interno nele.
69
Sonhou: "Estava na minha cidade natal, numa grande casa. Um incêndio
parecia ter começado. Deus estava aí mas, por algum motivo, Ele não podia
ajudar. Ai chamou-se pelo 'homem na lua'. Podia vê-lo à medida que se
aproximava vindo lá de longe no espaço. Ele e Deus entraram no quarto e
conferenciaram. O que se seguiu não ficou claro para mim".
O incêndio que tinha começado indicava a emoção interna de James. Mas por
algum motivo, Deus não podia ajudar. E como, então, o 'homem na lua' deveria
ajudar a Deus?
Existe incontáveis variações em lendas e mitos sobre a 'face' que está na lua, O
homem frequentemente foi levado à lua como castigo No entanto, uma lenda
norte germânica de um grande homem que se curva na maré vazante para
derramar água na terra a fim de apagar um fogo pareceu-me significativa. A lua,
em oposição a resplandecente bola quente da luz do dia, tem seu efeito nas
ondas do mar, e representa o princípio inundador da natureza nos mitos de
quase todos os povos.
Num conto de fadas chinês, o homem na lua é citado como sentado numa
perfumada árvore cássia em flor. Na África, a polpa doce da árvore cássia é
também chamado de maná. Maná é o alimento enviado pelos céus aos israelitas
no deserto. Diz-se que caía da céu ao entardecer, assim como o orvalho. Assim,
maná é frequentemente chamada de pão da céu ou alimento da lua. Nas
Sagradas Escritura, maná é comparada com orvalho, que por' sua vez era um
símbolo de oração. Nas "Revelações de São João" (2: 17), consta: "Para aquele
que venceu, darei da comer do maná oculto".
70
Capítulo 7
DEDE
Vencendo um Bloqueio de Fala
Dede veio a mim para fazer terapia quando estava entre cinco e seis anos.
Tantas coisas ocorreram durante o tratamento, que durou mais de dois anos,
que é impossível para eu relatar todos dentro do esquema deste livro. Portanto,
escolhi alguns pontos relevante que foram de especial importância no desenvol-
vimento do menino.
Seu vocabulário era reduzido. Isto não coincidia, de maneira alguma, com sua
idade. Exibia também outros sintomas alarmantes. Exigia a presença da sua
mãe constantemente, na rua e escondia atrás do seu casaco e tinha que usar
uma touca de noite. Tinha uma nítida preferência pelo azul e recusava-se a usar
um pulôver de uma cor diferente. Nada podia persuadi-lo a entrar numa
banheira. Adorava música e desenhava em grande papel marrom.
Duvida-se de que seria capaz de se desenvolver normalmente.
Descobri pela pediatra como ele tinha se comportado no hospital infantil, onde
teve que ficar com uma aguda infecção causada por estafilococos. A experiente
médica disse-me que seus músculos estavam tão tensos que uma agulha
hipodérmica quebrava quando era inserida. Durante três dias, o menino esteve
em grande perigo de vida. Após isto, recuperou-se rapidamente mas não podia
nem andar nem falar após sua doença. Antes da sua doença, parecia um bebê
saudável, mas agora tinha que começar tudo de novo. Embora não tivesse
dificuldade andar novamente, nunca desenvolveu a fala de acordo com sua
idade. Segundo uma opinião psiquiátrica, duvidava-se que fosse capaz de
frequentar uma escola, Este foi um dos motivos porque a família entrou em
contato comigo
Passamos a primeira hora juntos com seu irmão de quatro anos no meu jardim.
Brincamos com um bondinho e pude observá-lo. Dede dominou o
desenvolvimento da brincadeira com gestos e algumas palavras. Seu irmão
falava pouco. Na primeira consulta, Dede foi direto ao meu toca-discos. Isto
parecia indicar de que gostaria de ouvir música. Sentado numa cadeira baixa,
ouviu atentamente a música. Após um pouco, mostrou que era para eu sentar
ao seu lado. Ouvimos Mozart. Quando o disco acabou, ficou multo satisfeito e
disse: "verde". Aí decidimos ouvir Bartok. Esta música ele chamou de "amarelo".
Percebi que as conotações correspondia às etiquetas coloridas fixadas no centro
dos discos. Agora queria "azul". Este era um disco de Bach. Observei a atenção
com que escutava e sabia agora que tinha ligada as cores com certos
compositores que chamava de verde, amarelo ou azul.
71
Passamos várias consultas ouvindo estes três compositores. Desta maneira,
estabelecemos um certo relacionamento um com o outro. Mas sabia que tinha
que tentar outros meios para fazer com que a terapia fosse bem sucedida. Fui ao
piano e toquei e cantei uma canção infantil. Sentou bem perto de mim e ouviu
com muita atenção. Eu tinha certeza de que não perdia um único som. Sentou
imóvel na sua cadeira. Quando eu queria virar e página para cantar uma nova
canção, ele parou-me. Adorava a canção referente à lua e as gravuras com a lua
e estrelas no céu. Repeti todos os versos duas; ou três vezes. Não queria escutar
nada além disso. Então fechou o livro e fomos para a sala de brincar no andar
de baixo. No nosso caminho, passamos por um relógio que fazia um suave tique-
taque. Parou por um momento e agarrou minha mão. Senti a sua insegurança e
ansiedade e assegurei-lhe de que não havia nada a temer.
Na sala de brincar, foi direto à caixa de areia. Construiu um morro e furou-o nos
quatro lados com as suas mãos. Desta forma, fez um túnel e um quadrado oco
no centro. Sua face me mostrou que ele não via nada além da caverna. Aí
descobriu uma vela, colocou dentro da caverna e pediu-me para acendê-lo.
Parecia gostar disso.
Certo dia, descobriu papel e lápis de cor. Com surpreendente firmeza, desenhou
um grande quadrado. Esta era a minha casa. Quando eu desenhei a porta, ele a
queria aberta. Os velhos sinos ao lado da entrada também tinham que constar
no desenho. Precisava da segurança de saber que sempre poderia voltar.
Tudo que agora fazia nas nossas consultas era motivado por uma necessidade
interna. Não tinha opção. Seu inconsciente assim o determinava. Seu problema
72
ainda estava obscuro. Algo dentro dele o empurrava em direção a luz. Adorava
as canções sobre a lua e as estrelas, porque lhe davam luz no céu da noite. A
vela na caverna podia também se relacionar com a sua necessidade da ver a luz.
Não estava interessado em mais nada além disso. Teria sido completamente
inútil tentar ensiná-lo como amarrar os sapatos, apesar dele tropeçar devido a
cadarços frouxamente amarrados.
Dois meses depois, logo antes do Natal, mostrei a Dede no seu livro de canções
uma ilustração da canção "Noite Silenciosa, Noite Sagrada". Havia ilustrações de
uma igreja muito iluminada, algumas casas na noite de Natal e pessoas que
andavam pelos campos cobertos com neve carregando lampiões. Cantei o toquei
a canção de Natal. Dede ouviu atentamente a canção e a estória do nascimento
de Cristo. Lembrou-se da árvore de Natal com muitas velas. Colocou uma igreja
e uma casa na areia (Figura 42), Assentou-os num pequeno morro. Agora já não
precisava fazer uma caverna. Para completar o cenário, iluminamos a igreja e o
casa com luzinhas elétricas. Procurou por sinos na torre da igreja, mas não os
encontrou. No entanto, estava satisfeito. Cada vez que vinha à minha casa,
ouvia os sinos da igreja baterem o meio-dia. Aí eu tinha que abrir as janelas. Por
que estava satisfeito com a sua pequena igreja que não tinha sino, já que
gostava tanto do seu som? Seu vocabulário ainda era muito reduzido. Somente
depois fiquei sabendo que temia que os sinos fossem cair. Tive garantir-lhe
repetidas vezes de que havia um chão sob o sino que separa o campanário da
igreja. Aparentemente, os sinos simbolizavam as energias criativas entre o céu e
a terra. O seu medo de que os sinos fossem cair tinha aparentemente a ver com
o medo de que seria sobrepujado pelas suas energias criativas. Seu eco ainda
não estava suficientemente forte. Era por isso que queria ter certeza de que
havia um chão sob os sinos como uma proteção natural, da mesma maneira que
o terapeuta teve que observar suas expressões criativas e tentar dar-lhes
direção.
Figura 42
Dede não apenas gostava da música "Canção da lua" como também adorava
canções de Natal, bem como suas lindas gravuras de Natal. Repetidas vezes
colocou a casa e a igreja na areia. As vezes, colocava algumas casas à mais de
modo a formar uma vila. Outras vezes, a casa ficava isolada ao lado da igreja no
morro. As vezes, chamava a casa de "minha casa" e, às vezes, que era do Menino
Jesus. Vagarosamente a unidade mãe-filho - como se forma na terapia via
transferência - começava a se dissolver. Sentia-se completamente aceito e
compreendido e o seu Self estava protegido. Estava muito seguro na "minha
casa" e às vezes, na casa do Menino Jesus.
73
Estava muito seguro na "minha casa ao lado da igreja", já que às vezes referia-se
a casa como sendo a moradia do Menino Jesus, poderia agora esperar pelo
nascimento da criança divina - representando Self de um menino - como
descrevi na introdução.
Ocupou-se com o Menino Jesus. Começou a se interessar por igreja pois numa
das canções o nascimento de Jesus está ligado à igrejas intensamente
iluminadas. Já tinha desenhado a minha casa como sendo uma igreja. Olhamos,
com entusiasmo, um livro sobre igrejas e catedrais. Lembra-se
surpreendentemente bem, de uma consulta para outra, os nomes da igrejas que
eu lhe tinha mostrado. Lembrava-se até mesmo de detalhes de uma determinada
igreja, porque se lembrava da rosácea de um vitral. Pedia-me frequentemente
para ver o "livro das igrejas" e finalmente começou e desenhar e a pintar igrejas
(Figuras 43 - 44) - não igrejas imaginárias sim igrejas reais. Tinha-as visto ou no
livro ou nos passeios pelo campo. Seu traçado estava igualmente firme para
traçar igrejas e catedrais como quando desenhou o quadrado pela primeira vez.
O que não podia dizer em palavras, parecia dizer muito melhor por meio de
desenhas e pinturas. Uma necessidade o impelia a procurar uma forma de
expressão como um meio de se comunicar. Isto era tão forte que às vezes todo o
ser do menino estava envolvido nisto. Este era o motivo porque nenhuma figura
humana aparecia nas suas brincadeiras. Algo muito diferente o tinha agarrado.
Figuras 43
Figuras 44
74
Será que era possível que uma consciência cristã queria se manifestar nele?
Aparentemente, tinha adormecido nos ancestrais de Dede durante gerações.
Ficou fascinado com os desenhos do estábulo em Belém e o nascimento divino
que ele encontrou no meu livro de canções.
Pouco tempo depois, Dede construiu uma vila sobre um morro (Figura 45). Uma
casa de madeira estava profundamente envolta pele neve e rodeado de pinheiros
cobertos de neve; com uma igreja atrás. Uma carruagem de núpcias carregando
a Rainha e o Rei foi levado ao topo do morro por um cavalo branco e um preto.
Dois serviçais precediam a carruagem. Uma grande raposa indicava o caminho.
Figura 45
A intensidade com que ouvia a música das canções de Natal e o badalar dos
sinos de igreja estavam obviamente ligados à necessária ruptura. Assim o Self
podia-se manifestar a tradição cristã que estava profundamente oculta no seu
inconsciente até agora. A esperta raposa, o instinto do menino, foi de grande
ajuda.
Logo após, "o gelo derreteu". Começou a falar normalmente. Tinha renascido.
Tinha agora descoberto outras canções no nosso livro. Adorava ouvir algumas
canções especificas, tal como "Maio Renova Tudo" ou "Venha Querido" Mês de
Maio e Torne as Árvores Novamente Verdes". As gravuras que acompanhavam
75
estas canções mostravam crianças brincando. Mas não escutava com a mesma
atenção com que escutava as canções da lua. Interessou-se numa gravura com
pessoas com suas roupas dominicais andando pelos prados ensolarados em
direção à igreja. Fez muitas perguntas: "Por que as pessoas vão a igreja no
domingo? O que estão fazendo na igreja?”Disse-lhe que escutavam estórias
sobre Deus contadas pelo ministro e que rezavam e cantavam ao som do órgão.
Fui ao piano e tentei improvisar um culto: o badalar dos sinos, sons claros e
escuros, a entrada do ministro, a cantoria e a musica do órgão. Ficou fascinado
e pedia mais improvisação até que tentou fazer o mesmo com seus próprios
dedos. Foi muito comovente observar como suas mãos destreinadas tentavam
achar as notas certas. E encontrou-as! Fiquei surpresa com a sua extraordinária
habilidade musical. Ele agora tocava o piano com a mesma intensidade com que
anteriormente ouvia as canções.
Também queria ouvir estórias sobre Deus e escutava atentamente quando disse:
Deus velava por todos. "Então deve morar no andar mais alto", disse, "para
poder ver a todos".
Como já não tinha mais dificuldade em falar, discutimos a questão dele ir para
escola. Normalmente, começaria na escola no ano seguinte.
Ao longo da sua vida, Dede praticamente não teve contato com o mundo exterior.
Tinha feito contato com o mundo exterior somente através dos seus pais ou
irmão mais velho. Seus pais concordaram com a minha sugestão de entrar num
jardim da infância particular duas ou três vezes por semana onde poderia
encontrar crianças da sua idade e se acostumar com elas. Esta tentativa foi
apenas parcialmente bem sucedida. Dede não tinha o menor interesse em usar as
suas mãos para trabalhos manuais assim como as outras crianças. Seu
professor também teve dificuldades em se relacionar com intensidade. No entanto,
gostava da escola e falava entusiasticamente sobre as crianças.
76
Figura 46
Figura 47
A ideia de renovação da vida tornou-se ainda mais forte quando Dede fez o
próximo cenário. muitas pessoas nadavam num largo rio, Ele disse: "Todos eles
mergulham e depois voltam à superfície". Mais tarde, expressou isto ainda mais
nitidamente ao fazer um batismo (Figura 48). Colocou uma pequena vasilha na
areia e batizou uma boneca mantendo-a sob a água. Homens e animais
rodeavam ritual em circulo.
77
Figura 48
Foi aceito no primeiro ano ao atingir a idade normal. Este foi o primeiro passo no
desenvolvimento de Dede. Recompôs o equilíbrio entre a natureza primitiva e o
cristianismo. Isto não curou todo o problema. Ele agora construía mesquitas ao
lado de igreja cristãs.
78
Capítulo 8
MARINA
Os Antecedentes de uma incapacidade de ler de uma criança adotiva
Sim, pegue aquelas que você gostar mais, aquelas com as quais você mais
gostaria de brincar" respondi.
Ela gostou mais de uma pequena casinha da madeira (Figura 49). Colocou
exatamente no meio da caixa de areia. Olhou-a de todos os lados e,
aparentemente satisfeita, virou-se para as miniaturas. Escolheu algumas
árvores para servir de cerca às terras pertencentes à casinha. À esquerda, ela
construiu uma cerca de madeira que cercava um pasto de um cavalo branco que
estava sendo trinado por um homem que estalava o chicote. Animais
domésticos, vacas, ovelhas e gansos estavam por perto da casa e uma menina
estava prestes a alimentar as galinhas e gansos. Tudo isto foi colocado
exatamente à esquerda da caixa de areia, enquanto que o lado direito
permaneceu completamente vazio. Com sua mão esquerda, fez alguns buracos
rasos na areia e colocou um semeador no campo que, disse ela, estava
semeando a terra.
Figura 49
79
Este cenário representava a situação psicológica de Marina.
Ela tinha sido adotada quando tinha seis semanas de idade. Quando teve idade
suficiente para compreender, seus pais contaram-lhe que ela tinha sido adotada.
Sua mãe adotiva queria ardentemente uma criança. A menininha desenvolveu-se
se bem, embora molhasse a cama até os seis anos. De vez em quando, exibia
uma forte resistência contra seus pais adotivos e endurecia seu corpo contra
eles. Quando tinha quatro anos, queria uma pequena irmã, e então seus pais
adotaram uma segunda criança. Nesse período, seus pais, que moravam nos
Estados Unidos, tinham vindo para a Europa. Já que pretendiam voltar aos
Estados Unidos dentro de alguns anos, foi escolhida para Marina uma escola
onde pudesse aprender na sua língua de origem. Mostrou muito talento em
desenho e trabalhos manuais mas teve problemas com aritmética e leitura. O
fato dela não ser capaz de ler com a idade de nove anos, aliado a um
comportamento geralmente retirado e depressivo, foram os motivos que fizeram
com que fosse trazida até mim.
Suas dificuldades de leitura eram tão aparentes que teve necessidade de aulas
particulares no segundo ano. Isto, no entanto, não a tinha ajudado. O pai
adotivo estava especialmente descontente porque queria uma filha inteligente.
Na segunda consulta, Marina trouxe um pequeno buquê de flores que tinha pego
no caminho. Quando agradeci, ela disse: "Não é ótimo? Gosto de você e você
gosta de mim".
80
"Hoje quero pintar", disse. Mostrei-lhe as diferentes tintas, lápis, giz pastel e
aquarelas. Essas eram-lhe atraentes. Contemplei, surpresa, os traçados que
executava com mão firme, com a qual fez uma bonita representação de tulipa em
flor. Levou o desenho para casa; queria dar à sua mãe.
Na sua terceira consulta, ela novamente trabalhou na caixa de areia (Figura 50).
Começou construindo uma estrada sobre a areia. Aí escolheu algumas casas que
colocou à alguma distância. Eram casas como as que podem ser encontradas na
nossa região da Suíça. À sua frente, fez um pequeno regato sobre o qual colocou
uma ponte de estrutura oriental. Perto disso, colocou um pagode; e, na água,
um junco. Alguns outros elementos orientais, pequenos templos e um pagode
branco, foram colocados entre as casas orientais e as árvores. Aí foram colocadas
grandes árvores, bem à esquerda do cenário crescente. Logo depois, a estrada,
que atravessava o cenário, tornou-.se povoada. Para fazer isto ela escolheu, com
o maior cuidado, todas as miniaturas orientais que pudesse encontrar, até que
uma, longa fila de pessoas estava se movimentando da direita para a esquerda.
Bem para a frente, quase desaparecendo na floresta, havia um carregador de
lâmpada chinesa. Quando perguntei à Marina o que ele estava fazendo na
floresta, ela respondeu: "Ele tem que trazer luz para a floresta escura".
Figura 50
"Sim, você esta certa", disse para ela. Sabia que a sua psique sentia uma
excitação interna com este pensamento. Somente através da escuridão é que corre o
caminho para a luz. Uma eterna verdade estava aqui expressa, sem hesitação, no
inconsciente da criança.
O terceiro cenário falava mais (Figura 51). Dentro dele, havia uma ilha que
Marina chamava de Havaí. No canto superior esquerdo da ilha havia uma
pequena floresta, na frente da qual uma dançarina havaiana dançava ao som de
alguns músicos que estavam em pé num semicírculo. Um pouco abaixo havia
um pequeno lago redondo, atravessado por uma ponte chinesa, levando a uma
outra parte de terra na qual havia uma única a árvore. A ilha estava cercada de
81
água. À direita havia uma terra deserta, que eu poderia definir como sendo terra
firme.
Figura 51
A coisa toda me lembrava de uma face muito triste. Para os olhos, que
representam o consciente e o contemplar do mundo, havia músicos estrangeiros
com a dançarina. Em cima disto, a floresta parecia mechas de cabelo. O
pequeno lago redondo com uma ponte deu-me a impressão de uma boca
fechada.
Abracei por um momento a pequena Marina para mostrar-lhe que entendi a sua
linguagem. Para ela, significava ser plenamente aceita.
82
Figura 52
Após algumas semanas, ela fez um outro cenário (Figura 53). No centro,
construiu um morro e colocou uma igreja nele; diretamente à sua frente, uma
entrada em arco de estilo chinês. Na frente da igreja, os caminhos se dividiam,
indo um para a esquerda, até uma pequena ponte oriental que, à sombra de
árvores em flor, cruzava um pequeno regato. Uma pequena menina japonesa
com uma sombrinha estava no meio da pequena ponte. O outro desvio ia na
direção oposta, à direita. Dirigia-se, numa grande curva, à uma vila com casas
ocidentais, que formavam um círculo quase completo. Um grupo inteiro de
pessoas, semelhante àquele que estava se movimentando em direção a floresta
no segundo cenário, estava se aproximando da vila. Um pequeno riquixá, no
qual uma mulher estava sentada, já estava entrando na vila. Mariana disse que
ela era a princesa que estava indo para casa. À direita, em frente, havia uma
pequena lagoa com peixe.
Figura 53
83
Agora Marina podia abordar o seu lado ocidental. Isto estava representado no
grupo de pessoas que se movimentavam na direção oposta, indo à direita, em
direção à vila de estilo ocidental. Também a paisagem, com a sua pequena
floresta de pinheiros, tinha uma característica ocidental. Era como se, no
interior mais profundo da criança, o Oriente e o Ocidente tinham-se encontrado;
como se, só com base nesta comunicação, a adaptação a um novo meio pudesse
agora ser abordada com grande intensidade (expressada pelas muitas pessoas).
Os peixes na lagoa podiam ser uma sugestão do Self em termos cristãos. Para
ser capaz de atingir isto, Marina teve que sacrificar-se até um certo ponto (a
japonesinha), de modo a vivenciar a centralização. No adulto, significaria tornar-
se consciente, mas a criança vivência isto ao fazer o cenário.
Ao dar a uma criança oportunidades com argila, madeira, massa, vidro, esmalte,
papel colorido, tintas e outros materiais, eu não espero nenhuma obra de arte.
Só quero captar a energia criativa da criança. Procuro, sem nenhuma meta
artística, ativar as energias criativas que estão em perigo de serem tolhidas pela
rotina diária na escala e em casa. Somente considerando-se a totalidade do
homem é que se pode esperar o desenvolvimento normal das suas capacidades.
Se, desta maneira, talentos artísticas puderem ser despertos, então encontrarão
uma expressão à própria maneira. Mesmo assim, é tarefa da terapeuta descobrir
e estimular qualquer talento artístico genuíno. Por exemplo, na música a criança
pode tocar as notas desajeitadamente; no entanto, através da intensidade e
poder de formação, mesmo em melodias bem simples, podemos reconhecer
talento e, se houver potencial, estimulá-la. Mesma através de um trabalho
criativo limitado, é frequentemente possível para a criança vivenciar seus
próprios sentimentos e, através deles, relacionar-se com o mundo.
Brincar na areia era, contudo, o que mais atraía Marina e, depois de uma tempo,
novamente fez um cenário com uma ilha (Figura 54). Desta vez, mostrou a
mesma vila anterior na qual a princesa e todos as suas pessoas estavam en-
trando. Novamente havia a dançarina e os músicos. No entanto, desta vez eles
estavam na parte interior da praça da vila. Apesar da dançarina ser a única
figura feminina na representação, o cenário produziu uma mudança significativa
na psique da criança. Aqui havia uma área circular na qual se dançava, um tipo
de 'temenos', um espaço abrigado, apesar de ser uma ilha.
84
Figura 54
No livro "A Grande Mãe" (The Great Mother) - página 231, Neumann fala o se-
guinte com referência à dança: "O ritual é originalmente sempre dança, na qual
o corpo-psique, na verdadeira acepção da palavra, é posta em ação". Este
cenário, com a dançarina no centro da vila oval, continha a promessa de ação.
85
Figura 55
Fiquei muito tocada pelo cenário, não somente porque era uma verdadeira
continuação do cenário anterior e representava o nascimento arquetípico mas
também porque a sua própria força atestava os talentos artísticos que
concediam à criança a capacidade de expressar simbolicamente aquilo que
nunca poderia ser expressado verbalmente. Quando pensamos na penúria e
solidão que estavam expressados no terceiro cenário, reconhecemos aqui, no
símbolo do Nascimento, uma expressão de uma situação psíquica
completamente nova.
Durante a terapia, um intenso esforço foi feito para fortalecer a sua recém
adquirida personalidade. Os novos aspectos eram delicados como grama nova
que tinham acabado de brotar. Marina voltou-se com renovado ardor para
trabalhos manuais artísticos. Fez uma menina com massa e bonitas peças de
86
bijuteria foram feitos com esmalte. A maioria delas acabou dando à mãe e
amigas.
Decidimos pegar um professor particular para ajudar Marina nas suas dificul-
dades com leitura e escrita. Sob a orientação do professor, Marina escrevia
quase que diariamente uma pequena redação dos seus acontecimentos diários.
As palavras que não conhecia ou cuja ortografia era difícil, eram escritos em
letras grandes e nítidas num pedaço de papel, dispostas em ordem alfabética.
Desta maneira, fez-se o seu própria livro de ortografia através do qual Marina
poderia aprender novas palavras. Primeiramente, suas redações eram curtas,
consistindo de quatro frases curtas. O professor então datilografava cada
redação e Marina fazia um bonito desenho para acompanhá-la. Cada folha era
cuidadosamente colocada num caderno espiral, de modo que gradualmente se
fez um livro com estórias coloridamente ilustradas. Marina agora mostrava
grande dedicação em escrever e tentar ler. Cada estória dava mais informações
sobre seu desenvolvimento psíquico.
Após a sétima aula particular, ela fez visíveis progressos na leitura e, na noite
seguinte, sonhou que era a primeira da classe. Rezou a Deus para que Ele a
ajudasse.
Figura 56
Marina fez um outro cenário. Novamente havia uma ilha [Figura 57). Desta vez,
tinha uma montanha que estava coroada com uma fortaleza, quadrada com
muros fechados. A torre na praça da fortaleza não era uma torre de controle,
como na maioria das fortalezas. Era importante para Marina que isto
pertencesse à igreja. Árvores e arbustos em flor circundavam a fortaleza. Na sua
frente, do lado de fora e ao céu aberto, havia uma menina vestida de branco.
Abaixo, próximo a uma ponte que fazia a ligação com a terra firme, um homem
forte montava guarda. Um pequena navio estava ancorado. Fortalezas e castelos
eram construídos, no início da Idade Media pela nobreza ou comunidades
monásticas, frequentemente em locais elevados. Davam abrigo; atrás de suas
grossas muralhas, a vida, fortuna e propriedade estavam seguras.
88
Figura 57
Isto fez com que fosse possível eu esperar que Marina, com nove anos, estivesse
suficientemente segura para enfrentar as circunstâncias novas, ainda
desconhecidas da vida, sem nenhuma ajuda exceto sua recém nascida força e a
coragem que sempre fora sua.
89
Capítulo 9
URSULA
Notas sobre a restauração de um ego demasiadamente fraco
(Uma moça de 23 anos)
O cenário inicial (Figura 58) foi feita pela moça de vinte e três anos durante uma
sessão de uma hora e meia, quando estava num humor bem depressivo. Esses
humores foram o motivo pelo qual me tinha procurado.
Figura 58
Figura 59
90
Dois dias depois, fez um outro cenário (Figura 60). Da meia lua cresça uma árvore.
È um símbolo do Self, porque o tronco é um símbolo masculino e a coroa é um
símbolo feminino.
Figura 60
Dois dias depois, fez uma escultura de Cristo (Figura 61) com argila. Ele estava
segurando uma lua crescente nos seus braços. O Self é aqui representado como
um 'imago dei'. Contém a base de um desenvolvimento posterior, representada
na lua nova como o ponto de origem de nova vida feminina.
Figura 61
Esta nova vida foi produzida de forma marcante numa outra representação
(Figura 62). Mostra um monge segurando uma menina recém nascida nos seus
braços.
Figura 62
91
Devido à sua preocupação com os níveis mais profundos da sua psique, a moça
vivenciou um renascimento no inconsciente. Somente então é que seu próprio
componente masculino ficou positivamente indicado. Isto é mostrado em mais
figuras, como em O Príncipe (Figura 63), O Primitivo (Figura 64) e, finalmente,
Um Menino (Figura 65).
Figura
63
Figura
64 Figura 65
Isto ficou simbolizado num desenho que a moça fez quando era uma criança de
três anos. Ela chamou-o de uma representação de um homem. Atendendo ao meu
pedido, ela copiou o desenho usando a memória (Figura 66). Representa uma
criança urinando e defecando, representada pelos quatro círculos. Esta
representação mostrava uma compreensão da totalidade do homem, com seu lado
sinistro bem como seu lado radioso.
92
Figura 66
Figura 67
Figura 68
93
Capítulo 10
ERIC
Uma cura de enrubescimento, que tinha um fundo religioso
(Notas sobre um jovem)
Figura 69
94
Figura 70
Notei que todos os animais colocados no seu cenário vinham aos pares. O
número dois simboliza o contraste, bem como a tendência de unir os opostos.
O terceiro cenário (Figura 71) era uma escavação. Um peregrino, carregando sua
trouxa aos ombros, caminha em direção à pedra preciosa que estava visível. Por
isso, pensei que o jovem era uma pessoa que tinha procurado em vão pela sua
casa no ambiente exterior, porque não a podia achar dentro de si.
Figura 71
Conto-me que passou algum tempo como um jovem judeu num mosteiro, a fim
de se proteger das perseguições. Com relação à isto, lembrou-se de um sonho
que teve no passado. Ele disse, "No jornal está escrito a palavra 'perdido'.
Na sua juventude, não pode viver de acordo com a sua tradição. Nunca
vivenciou a segurança maternal. Perturbações como esta na infância evitam a
constelação de uma centralização. Não tendo mãe, seu desejo de ser cuidado de
uma forma maternal tornou-se demasiadamente forte e evitou um
desenvolvimento normal. O sonho mostra que, sob estas circunstâncias, sua
consciência de ego não se tinha formado.
No próximo cenário (Figura 72) construiu um morro. Uma árvore crescia nele.
Disse que, ao lado dela, havia um judeu. Todo tipo de pessoa, saudáveis e até
doentes, carregados em macas, subiam pelo caminho que serpenteava morro
acima. O peregrino estava na ponte. A ponte era o símbolo da sua recém
95
encontrada ligação entre os dois polos, Através de toda história, um significado
sagrado foi projetado em árvores e morros ou montanhas. O judeu que faz a
peregrinação a Jerusalém está "subindo e montanha".
Figura 72
Este jovem estava cumprindo seu destino. Ele era o peregrino que estava se
juntando a todos os outros peregrinos que subiam pelo caminho que serpenteava
morro acima. Ele repartia o seu destino com todas as outras pessoas, porque todo
ser humano tem que achar o caminho para si próprio. Este caminho leva à
experiência do divino, no qual todos participam. Desde a Idade Media, a maneira racional
e unilateral de pensamento tem evitado que muitas pessoas tenham um
relacionamento com o espírito. A unidade com Deus não existe para elas. Estão
todos procurando por esta vivência que está tão profundamente enterrada no
inconsciente.
Antes de viajar, fez um outro cenário (Figura 73). Chamou-o de "O Jardim do
Paraíso". Está centrado e cercado e, no entanto, há um portão que leva a um
pequeno templo. Uma paz e quietude mágicas irradiam deste cenário.
Figura 73
96
A união da ideia platônica de "um e do outro" apareceu na sua procura de um
caminho a este santuário. As cores azul e amarela eram divididas de maneira
razoavelmente regular no seu primeiro cenário (Figura 69) e que iam da periferia
ao centro do santuário.
O que tinha aparecido no segundo cenário como sendo apenas uma insinuação -
a união dos opostos espirituais e a transformação da anima escura - estava
agora pronto a ser realizado num ritual. A anima arquetípica, coletiva - a
princesa - dançava no templo. Muitas culturas usam a dança como um ritual
para reverenciar seus deuses. Somente após isto, tocado e sensibilizado pelo
divino, é que o homem pode tornar-se aquilo que realmente é e confiar em Deus.
O jovem teve o seguinte sonho em Israel. Estava olhando pessoas que estavam
próximas a um vulcão e viu a sua pele caindo em tiras.
Após seu retorno de Israel, teve um outro sonho, no qual encontrou um bebê
recém nascido sob os galhos de uma grande árvore. A criança simbolizava este novo
"Weltanschauung". Não precisavam mais escolher "Um ou o Outro"; agora podia viver
com "Um e o Outro". Tinha vivenciado ambos.
Seu próximo cenário (Figura 74), que representa um deserto com animais,
demonstrava sua chegada em Israel. Olhando atentamente, vi que os morros no
cenário tinham a forma de uma mulher. Estava deitada na água com os joelhos
recolhidos como um embrião. Este era seu anima pessoal que era terrena e que
nasceu do inconsciente no momento que colocou os pés na terra das suas
raízes. Os animais das estepes eram os instintos. A anima estava como o ego,
ainda num nível bastante primitivo. Agora o círculo, cujo ponto de partida tinha
sido o nascimento interno, estava fechado. Seu enrubescimento desapareceu e
logo recebeu a oferta de um emprego que garantia seu futuro profissional.
97
Figura 74
Para esta nova atividade, energias foram liberadas e usadas. Estas energias que
agora estavam crescendo estavam representadas na Figura 75 de uma maneira
que ia muito além disto. Continha muitas outras cores além do azul e do amare-
lo e dirigia-se a um amplo passeio com lindas árvores. A meta era uma árvore
frutífera. A fonte de nova vida estava simbolizada por um poço. Ao seu lado,
sentava um figura feminina, seu próprio ser feminino, para ajudá-lo no seu
trabalho criativo. Aqui a árvore era o símbolo daquilo que cresce da terra e que
unifica em si o masculino e o feminino, assim como o crescimento e fertilidade
da vida.
Figura 75
Nota do Editor:
Estas duas notas foram incluídas de modo que o leitor possa ver que a técnica de
caixa de areia é de grande ajuda em terapia com adultos. Também servem como
uma prévia de um planejado segundo livro a ser escrito pela autora.
98
EPÍLOGO
Quando somos bem sucedidos no nosso trabalho, em atingir uma harmonia interna
na qual vive todo o nosso ser, podemos chamar isto de bem-aventurança.
99
BIBLIOGRAFIA
100