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O que está acontecendo conosco? É o que vamos procurar entender neste curso,
cientes de que o primeiro passo para remediar um problema dessa gravidade é
saber em que ele consiste. Pois não se pode combater o que, antes, não se
conhece.
AULA 01
Em resumo, houve toda uma evolução técnica, que causou uma série de
mudanças comportamentais. Dentre esses avanços está a internet veloz, que
possibilitou, dentre muitas outras coisas positivas e negativas, que uma
pessoa pudesse ter, em dez minutos, acesso à mais pornografia do que os
nossos antepassados jamais conceberiam ter durante a vida inteira.
É exatamente esse o mecanismo que, por assim dizer, move aquele olhar de
caçador. E não só o olhar do homem, nas ruas, à caça de mulheres. Acontece,
por exemplo, quando se está diante de vitrines de shopping center ou da lista
de produtos do site de vendas. Claro, não é possível viver sem dopamina.
Seria necessária uma virtude sobrenatural para forçar o nosso organismo, sem
essa recompensa interna, a buscar as coisas. O problema, conforme os
estudos mencionados constataram, é que o excesso de dopamina, como o
provocado pela caça de pornografia, está causando mudanças no cérebro
humano comparáveis às que ocorrem quando se usa uma droga.
Isso chamou a atenção de Nora Volkow e de toda a sua equipe. E tal foi a
relevância de suas descobertas que, desde a administração Bush,
sobrevivendo a Obama, Trump e Biden, ela é diretora do Instituto Nacional de
Abuso de Drogas (National Institute on Drug Abuse, ou NIDA, na sigla em
inglês), em Washington, fato que mostra, sem chance de dúvidas, que sua
preocupação não se reduz a uma questão partidária.
Nessa primeira aula, quis apenas colocar o problema de forma geral, com
enfoque nas descobertas de Nora Volkow. Nas próximas aulas, veremos
concretamente como essa realidade migrou da cocaína e das drogas para a
pornografia, e como agora está operando até mesmo sobre quem nunca vê
pornografia, sobre aquele adolescente que joga videogames e fica o dia inteiro
no Instagram ou no TikTok.
AULA 02
É por isso que, fatalmente, nossa geração está sempre distraída da presença
divina. Pois Deus só nos visita no presente: se Ele nos visitou ontem, é porque
aquele ontem era um hoje; se nos visitar amanhã, aquele amanhã será um agora.
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Vamos dar continuidade ao nosso curso sobre a capacidade da internet de
nos criar uma dependência. Não se trata de dependência química, como
acontece com a cocaína, o LSD, a maconha, pois, por mais que o nosso
próprio organismo, naturalmente, produza opióides, canabinóides etc., essas
drogas são artificiais e provocam, artificialmente, uma descarga dopaminérgica
muito grande no nosso organismo. No entanto, conforme as descobertas de
Nora Volkow, esse fenômeno provocado artificialmente pelas drogas ocorre
também quando há excesso de dopamina produzida pelo natural mecanismo
de busca do ser humano.
O Pombo de Skinner
Como seja, aprendemos com Skinner e seu pombinho que a dopamina nos
induz a buscar uma recompensa futura imediata, mas que a carga é maior se
houver o elemento de surpresa. Acontece que as plataformas digitais também
tomaram aulas com Skinner. As redes sociais todas têm a comidinha do
pombo — que no caso somos nós. Quando nos inscrevemos numa plataforma,
qualquer uma delas, no YouTube, no Instagram, no Facebook, a plataforma
vai aprendendo nossos hábitos, vai aprendendo, inclusive, os horários em que
costumamos buscar tal ou qual conteúdo. A inteligência artificial, que as redes
usam, é capaz de detectar tudo isso com minúcias e armazenar essas
informações, organizadamente, no banco de dados dos nossos gostos.
É preciso dizer que tudo isso tem consequências espirituais importantes. Ora,
se ficamos sempre buscando uma recompensa futura imediata, fatalmente
estamos distraídos da presença de Deus. Deus nunca nos visita no futuro,
mas sempre no agora. Ou seja, se estamos nesse estado, nessa ânsia pelo
depois, Deus nos chama e nós nunca o ouvimos. E o diabo quer justamente
isso, que fiquemos distraídos com o futuro ou com o passado e totalmente
apartados do presente.
Entre passado, presente e futuro, essas três partes do tempo, a mais próxima
da eternidade, embora muita gente pense que é o futuro, é o agora. A
eternidade é o eterno presente. Somente o presente tem verdadeiramente ser.
O passado não existe mais e o futuro não existe ainda, de modo que essas
duas realidades só têm, como dizem os filósofos, um ser analógico. Por isso,
quando a eternidade entra na história, é sempre num presente. Se Deus nos
visitou ontem, é porque aquele ontem era um hoje; se Deus nos visitar
amanhã, aquele amanhã será um agora.
Sempre aconselho aos jovens que fiquem um tempo sem redes sociais, que
usem o celular apenas para fins de trabalho, que tirem da cabeça que esse
instrumento tem por objetivo a diversão. Meu filho, minha filha, acreditem em
mim: as pessoas existiam antes do celular, e, pasmem!, elas se divertiam, e
passeavam no parque, e viam os passarinhos nos galhos, e visitavam os
amigos, liam livros, praticavam esportes, sentavam à mesa e saboreavam o
que tinham diante de si. Em suma, as pessoas sabiam viver o agora, coisa
que você, jovem, não sabe mais. Na aparência você vive, mas, na realidade,
sua vida lhe está sendo roubada.
Diziam os antigos latinos: Age quod agis, “faça o que está fazendo”. Se estou
aqui, falando com você, fique aqui, no agora, falando comigo; se você está
ouvindo a esta aula, ouça-a realmente, e não fique, no meio tempo,
procurando outras coisas no celular. Dá-se a impressão de que estamos
sempre sendo levados, que estamos sempre num veleiro à deriva, guiados por
doida ventania. Onde fica a autodeterminação humana? Onde fica a
liberdade? Onde fica a nossa capacidade de conhecer a verdade, de amá-la e
de segui-la?
Muito mais do que fazer uma cruzada contra a internet, as redes sociais ou o
celular, gostaria de fazer você enxergar que as coisas podem ser diferentes.
Para os mais velhos, que tiveram a experiência passada, e têm, portanto, uma
referência contrastante, tudo fica mais fácil. Com os mais jovens, no entanto,
que já cresceram com o celular na mão, é preciso um esforço maior. Mas, digo
a vocês: coragem! Vale a pena! Pois foi isso, o agora, que santos e santas,
mais sábios e mais felizes do que nós, viveram.
AULA03
Vimos nas últimas aulas que a dopamina opera no nosso cérebro um circuito
de recompensa. Na verdade, a dopamina atua em cinco diferentes caminhos,
mas, por ora, só dois nos interessam. O primeiro, de que já falamos, é o
circuito mesolímbico, em que ela sai do mesencéfalo e vai para o núcleo
accumbens, causando a já mencionada sensação de prazer pela
recompensa.
Os galos de Coolidge
É isso o que ficou conhecido como o Coolidge Effect, que reflete a capacidade
de um macho acasalar inúmeras vezes na medida em que tenha uma
variedade de fêmeas. Isto já foi observado em laboratório: se pegamos um
rato e lhe colocamos na gaiola uma única fêmea, ele acasala menos vezes do
que se lhe colocarmos várias. É, de certo modo, o mesmo que se dá com o
pombinho frenético do Skinner, quando exposto à novidade. Isso porque, vale
reforçar, essa novidade, essa variedade nos provoca, naturalmente, uma
descarga de dopamina. Naturalmente, pois não há, nesse caso, a intervenção
de drogas exógenas, vindas de fora; o efeito é causado integralmente por
drogas endógenas, cerebrais. Fato é que os marqueteiros sabem disso,
sabem que a novidade vende. Também sabe disso a indústria pornográfica.
Por isso o viciado, conforme dissemos no nosso curso sobre o assunto, tende
a ficar com gostos cada vez mais perversos. Aquilo que antes lhe causava
repulsa vai ficando atraente, uma vez que é preciso haver a novidade,
responsável por estimular novos picos de dopamina.
Tragando o tempo
Abro um parêntese para falar de outra experiência importante que se observa
em pessoas sob o efeito da dopamina: a perda de noção do tempo. Quem não
já se espantou ao notar que ficou duas ou três horas vendo vídeos
no Instagram? Duas ou três horas, como num piscar de olhos. Se fizermos as
contas, quantos dias inteiros, ao longo de alguns meses, não teremos perdido
diante de uma tela, vendo, não raro, completas banalidades? São dias e dias.
Dias em que se poderia descansar, fazer um curso, ficar com a família, se
aproximar de Deus.
Ora, se pedimos para a pessoa rezar duas horas por dia, ela evidentemente
dirá que não tem tempo. Mas, decerto, a mesma pessoa consegue passar,
com a maior facilidade do mundo, duas horas rolando a infinita página de uma
rede social. E é justamente para estimular isso que as plataformas estão
apostando em vídeos curtos, como os que se vê no TikTok, Kwai e
congêneres. O YouTube, em que se costumava colocar conteúdos mais
extensos, agora tem os shorts. Porque os vídeos curtos, vale lembrar, geram
aquela expectativa de recompensa futura imediata, misturada com a sensação
de constante novidade, que é a fórmula mágica para a descarga de dopamina.
Um vídeo longo, claro, pode causar um efeito dopaminérgico. Mas não há,
nesse caso, a surpresa constante que se tem na sessão dos vídeos de trinta,
quinze segundos.
Ou seja, parece que a coisa foi feita mesmo para dar errado. Há dois
caminhos: um que vai na direção do núcleo accumbens e outro que vai na
direção do lobo frontal. O primeiro é uma espécie de acelerador, é a droga do
mais, the molecule of more. No entanto, se há um acelerador, deveria também
existir um freio. E ele existe: é a inteligência emocional, capaz de resistir ao
impulso pelo mais e dizer “menos”. Porém, o excesso de dopamina também
faz o freio — o córtex, onde opera essa emotividade — falhar. Ora, o que
acontece com o carro de acelerador potente cujo freio quebrou? Desastre.
O moralismo vicioso
Do que vimos até aqui, podemos concluir que nem tudo que se faz de errado
tem origem numa “fraqueza moral”. Há uma forte tendência de abordar o
problema da drogadicção pelo prisma moral, mas o discurso moralista, nesse
caso, não é convincente. Não convence pois o dependente experimenta a
impotência, a incapacidade de deixar aquilo. Se diante de uma pessoa nesse
estado alguém chega e afirma que tudo não passa de fraqueza moral, a
pessoa pode desanimar, jogar a toalha, achar-se irremediavelmente vencida
pelo vício. Tanto mais numa sociedade que patrocina e incentiva a prática
diária do pecado. Quantos especialistas já não ouvimos dizer que droga não
faz mal? Quantos programas de TV já não sugeriram que pornografia faz
bem? Wilhelm Reich, psicólogo da Escola de Frankfurt, tem um livro sobre os
benefícios do orgasmo para a saúde, em que defende que, quanto mais
orgasmos tiver, mais saudável uma pessoa será. Num cenário assim é fácil
compreender como seja difícil para um indivíduo, com suas próprias forças,
escapar das cadeias do vício. É difícil, quando não impossível, pois o
mecanismo cerebral, físico, humano, que poderia conter os impulsos e mitigar
a dependência, está debilitado; o carro corre ladeira abaixo, rumo ao
precipício, e o freio não funciona.
AULA04
Como vimos nas últimas aulas, sabendo dos efeitos que causa um dos
circuitos da dopamina, o mesolímbico, os marqueteiros e as plataformas
digitais transformaram nossos celulares em espécies de máquinas caça-
níqueis (slot machines). Segundo se diz, as casas de jogos lucram mais com
as maquininhas do que com as apostas e jogos propriamente ditos. E isso
porque esses aparelhos operam com base na constante surpresa, na infinita
novidade. A cada vez que se puxa a alavanca ou se apertam os botões, uma
nova sequência de caracteres aparece na tela multicolorida e isso vai criando
no jogador aquele prazer dopaminérgico, que se alimenta mais da busca, da
expectativa de ganho, que do ganho propriamente dito. As redes sociais nos
submetem a uma experiência parecida, dado que os conteúdos vão se
alternando na tela de modo infinito e aleatório, causando-nos esse desejo
insaciável por mais e mais. Eis o estratagema que mantém tanto o jogador de
cassino quanto o internauta compulsivo em estado de hipnose.
Montanha-russa no penhasco
Mas, atenção: não quero dizer, em hipótese nenhuma, que, vencido esse mês
abstêmio, o vício estará extirpado de uma vez para sempre, amém, aleluia. De
jeito nenhum. Quem fez o curso de pornografia e masturbação lembra que
existe uma coisa chamada “plasticidade neuronal”. Ou seja, o cérebro tem
uma capacidade adaptativa, ele é como que modelado e remodelado pelos
nossos hábitos. No mesmo curso, fiz a seguinte metáfora: é como um caminho
na floresta. Alguém passa por aquele caminho e vai criando um trilho. Daqui a
pouco, aquele trilheiro vira uma estrada; mais tarde, uma rodovia; por fim, a
trilha se transforma numa autoestrada. É assim o processo de modelação do
cérebro. O hábito vai alargando e sedimentando os caminhos cerebrais. O
cérebro, portanto, já tem como que os caminhos, os atalhos do vício, vício que
pode, portanto, facilmente se reinstalar. Daí a experiência muito comum da
recaída.
Porque, de fato, nesse momento, o sujeito fica abaixo do padrão normal. Seu
mundo fica cinza, sem graça, entediante. Nada o alegra, nada o anima. É o
estado do ratinho de laboratório que não produz dopamina. A diferença é que
o ratinho é irracional e você, que está tentando se livrar do vício, não é. Você
consegue compreender sua situação. Por isso lhe digo: saia dessa! Faça um
esforço! Coragem, meu irmão! Aguente as pontas, reze. Faça o propósito de,
nas duas semanas de sofrimento, ir diariamente à Missa, de receber todos os
dias a Comunhão. Busque a graça, peça a ajuda de Deus. Suporte esse duro
momento e preste atenção no caminho, para se desviar das recaídas.
Conclusão
AULA 05
A neurociência nos ajudou até aqui, mas, cientes de que temos algo que os
métodos científicos não alcançam, precisamos dar um passo adiante, para uma
nova trilha.
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O que é adicção?
A palavra “adicção”, que temos usado ao longo deste curso, é a versão dos
portugueses para “adição”. Tenho preferido a primeira forma, europeia, por ser
mais próxima do inglês e também porque algum desinformado pode se
perguntar: “Mas o que está sendo adicionado?”
Como seja, vale esclarecer que a adicção não é somente um vício. Vícios são
maus hábitos. Há quem tenha o vício de falar palavrões, contar mentiras,
roubar etc. Quando falamos de adicção, temos em vista um outro fenômeno,
estudado nos últimos anos, que consiste em certas modificações no cérebro,
neuronais, provocadas pelo uso de certas substâncias — como o álcool, a
maconha, a cocaína, o crack e outras do gênero. A novidade é que, conforme
descobertas recentes, essas mesmas modificações ocorrem, em grau menor,
nas pessoas que consomem muita internet. Modificações estas que têm
ocasionado sintomas disfuncionais, como desânimo, falta de foco e energia
para a realização de tarefas etc. —, deixando-as como aqueles ratinhos
apáticos da aula anterior.
O cérebro e a lâmpada
O ser humano, capaz de dar ordens, é o único animal que restringe o seu
comportamento através de um vínculo interior, moral. A foca do circo deixa de
fazer certas coisas porque sabe que se fizer vai levar uma paulada e começa
a fazer outras coisas porque sabe que vai ganhar um peixe. Isso não é um
imperativo, é um condicionamento. O ser humano é o único animal que tem
consciência e, por isso mesmo, é capaz de refletir livremente sobre um
imperativo e pode obedecê-lo ou não por um ato de vontade.
Resumo
A neurociência nos ajudou até aqui, mas, cientes de que temos algo que os
métodos científicos não alcançam, precisamos dar um passo adiante, para
uma nova trilha. E é disso que vamos nos ocupar na sequência do curso,
sequência para a qual essa aula serviu de preâmbulo.
AULA 06
Nas primeiras aulas deste curso, em que investigamos por que o celular tem
se transformado, para muitas pessoas, numa espécie de cachaça, olhamos,
de modo panorâmico, interessantes descobertas neurológicas a respeito do
cérebro humano. Vale reforçar que essas descobertas são importantes para
que, na avaliação e na solução de problemas ocasionados pela adicção, não
se caia num moralismo. É evidente que há um componente de ordem moral,
um pecado, um erro, que deve ser confessado, que deve provocar o
arrependimento. Mas não se pode perder de vista que há também um
componente físico, cerebral.
Imagine o ladrão que se arrepende de ter pulado o muro da casa, pois, no ato,
quebrou a perna. O homem é preso, confessa seu erro, admite-se pecador. Do
ponto de vista moral, está limpo. Mas e a perna? Será que ficou mais curta,
mais fina, atrofiada? Será que perdeu em destreza? Ora, ainda que fiquem
essas e outras sequelas do episódio, não é correto passar o resto da vida
atribuindo cada passo manco a uma imoralidade. Isso seria neurotizar-se. A
causa da marcha capenga não é o crime, que já foi esquecido e perdoado,
mas uma condição física, que em si mesma não é moral nem imoral.
O excesso de internet causa uma condição física. Vimos, inclusive, que a Dra.
Nora Volkow descobriu o acelerador que nos impulsiona para o uso da
substância aditiva, que é a dopamina. Vimos, conforme descobertas mais
recentes, que esse mesmo acelerador é o que nos movimenta para o consumo
desenfreado de conteúdos na internet. Existe, pois, no nosso cérebro, algo
que grita sedentamente por mais, mais e mais. Logo, não se trata, somente,
de tentação do diabo. O diabo, claro, faz tentações. Mas, evidentemente, é
mais fácil que elas alcancem sucesso caso o tentador tenha como maior
cúmplice o cérebro de sua vítima. Vimos, por fim, ainda nas questões físicas,
que uma outra parte do cérebro, o córtex, que ajudaria a resistir aos impulsos
dopaminérgicos, também fica debilitada quando no estado de adicção.
Considerando tudo isso, fica a questão: como ajudar a pessoa drogadicta não
somente com base na neurologia, que cuida do cérebro, do físico, mas
considerando aquilo que é propriamente humano: a alma?
Em busca de sentido
Veja, então, que o sentido de cada coisa não está na coisa mesma, mas fora.
Então, no fundo, nada aí teve sentido. E a vida vai correndo assim. Vai
correndo até que, num belo dia, esbarra-se com a realidade da morte.
Suponha a seguinte história: alguém, precisando de dez reais, chega a um tal
de Eduardo e pede a quantia emprestada. O Eduardo diz que não tem, mas
que pedirá ao Francisco. O Francisco, porém, também diz não ter, mas que
vai arrumá-lo com o Tiago. E este diz que não tem e o próximo também não, e
assim sucessivamente. Até que alguém resolve pedir o dinheiro à Fátima, que,
também não o tendo, vai demandá-lo no cemitério. Como não é muito provável
que uma cova se abra e um cadáver saque de entre os ossos a tão sonhada
nota de dez, ninguém vai conseguir o dinheiro, e a primeira pessoa que pediu
ficará a ver navios. Ora, a nota de dez é o sentido que todos buscamos. As
pessoas, para quem se pediu o dinheiro, são as coisas da vida nas quais
buscamos o sentido, mas nunca encontramos. E isso até o fim, até o
cemitério, até a morte.
E o sentido, como vimos, nunca está na coisa mesma, mas fora. O sentido da
escola é a faculdade; o sentido da faculdade é o trabalho; o sentido do
trabalho é a família etc. É uma constante. Ora, se é logicamente assim, temos
que concluir que, se a vida tem um sentido, o sentido não está nela mesma,
mas fora, para além. Mas estamos no mundo da ciência, onde não se pode
mais falar no pós-morte, onde não se pode mais levar em consideração o
“detalhe” chamado Deus. Estamos na era que se vangloria de ter superado a
teocracia medieval e ter inaugurado o antropocentrismo moderno, o
humanismo, o homem no centro de tudo, o homem, no mundo, como o sentido
de si próprio. Infelizmente, por crer nessas coisas, o mundo adoeceu. A
gloriosa virada antropocêntrica terminou na vitória bancocêntrica, em que o
homem vive para pagar dívidas do banco, o seu senhor. O mundo moderno
jura ter promovido a liberdade, jura ter livrado os homens dos antigos grilhões.
Mas qual é a liberdade substantiva que esse mundo nos dá? A moribunda
democracia? A tecnologia que é capaz de amestrar e submeter uma geração
inteira sem o uso da força?
No fundo, esse mundo da abundância está nos tornando adictos. E, como falta
a perspectiva do Céu, as pessoas, ao serem alertadas de que estão nesse
estado, simplesmente não veem sentido em superá-lo. Simplesmente não são
capazes de vislumbrar uma vida fora dessas cadeias do espírito. É como
aqueles jovens traficantes cariocas que, perguntados se não temem a morte,
respondem, numa ironia sádica, que “não”, pois “já que todo o mundo morre, é
melhor morrer com emoção”. Eis a profissão da insensatez de uma vida
humana sem sentido.
Memento mori
Mas será que sempre foi assim? As pessoas não eram mais saudáveis
espiritualmente quando tinham sentido, quando tinham a transcendência,
quando tinham um porquê? Evidente que sim. Por isso, dentro do tratamento
para a adicção — ao celular ou ao que quer que seja — é importante ajudar a
pessoa a se colocar diante do sentido da vida, de um futuro maior; é
importante colocá-la, como dizem os filósofos, sub specie æternitatis, debaixo
do olhar da eternidade, sob a perspectiva da morte.
O filósofo Olavo de Carvalho, por exemplo, fazia isso com seus alunos. Na
primeira aula do Seminário de Filosofia, ele pedia que o aluno fizesse um
necrológio. Necrológio é um texto de homenagem a um recém-falecido. Nesse
exercício, o próprio aluno devia se imaginar morto e escrever o necrológio
como a expressão resumida daquilo que as pessoas diriam de si diante do seu
túmulo. Ou seja, o objetivo era o aluno conceber sua própria imagem acabada,
sua biografia realizada, e tomar aquilo como meta para as suas ações
presentes, de modo a fazer tudo em face daquele sentido último.
É, por outros meios, aquilo que a Igreja sempre fez. A Igreja sempre ensinou
as pessoas a fazerem exame de consciência, todos os dias, e se colocarem
diante da morte. Não para entristecer, para deprimir, mas para meditar no
sentido da vida. Colocar-se na hora da morte é se colocar naquela posição em
que tudo tem sentido ou tudo é insensato. E é isso que faz com que a pessoa
ou se mova numa determinada direção ou fique paralisada.
É por isso, por levar o paciente a essa perspectiva mais alta, que o método
dos Doze Passos do A.A., uma fraternidade de autoajuda, funciona. Ali, o
adicto é tirado dessa gaiola dos pombos e colocado não só diante de uma
responsabilidade social, perante os outros membros do grupo, mas,
principalmente, colocado diante do transcendente, diante de Deus.
Conclusão
Em resumo, precisamos nos dar conta de que só o ser humano produz certas
doenças, porque só o ser humano tem alma, de modo que analisar o homem
como se se tratasse de um macaco, fatalmente não vai funcionar. Trocando
em miúdos, o primeiro passo para a cura é aquele velho conselho dos
filósofos: conhece-te a ti mesmo.
AULA 07
Isso acontece porque, quem tem um propósito, uma causa final para sua vida, é
capaz de suportar até a mais difícil das circunstâncias — e esse fenômeno,
ausente do mundo animal, a neurociência não pode explicar.
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Na segunda parte deste curso, estamos nos esforçando por ver como os
conhecimentos científicos acerca do cérebro humano, sobretudo do cérebro
drogadicto, são, apesar de bons, úteis e valiosos, insuficientes. Insuficientes
pois, como já tivemos a chance de ver, não dão conta de explicar o fenômeno
humano em sua plenitude, limitando-se apenas àquilo que há em comum entre
os homens, os pombos, os ratos e os demais bichos.
Para dar prosseguimento a esses esforços, vamos agora nos concentrar num
autor mencionado em aulas passadas, mas que requer uma maior atenção.
Trata-se de Viktor Frankl. Pode ser que apresentá-lo, no Brasil, onde vários
psicólogos seguem sua linha terapêutica, a Logoterapia, seja chover no
molhado — mas vale a pena correr o risco com um pequeno resumo. Viktor
Frankl, nascido em Viena, na Áustria, em 1905, foi, na sua juventude, aluno de
Sigmund Freud. Com esse aclamado mestre, aprendeu que toda a dimensão
que chamamos de espiritual, a nossa ligação com Deus, as virtudes, os
pecados etc., não passa de uma construção humana, um produto cultural
inventado por alguém e repassado, ardilosamente, de geração em geração.
No fundo, o que realmente existe no homem, diria o psicanalista, é a Natureza,
sua parte animal, as suas paixões, as suas pulsões; numa palavra: o Eros.
Eros este que, tragicamente, é oprimido pela Cultura — criada justamente com
esse objetivo.
Com base nessa teoria, Freud defendia que pessoas expostas a situações
extremas, como a da fome, terminariam largando todas as suas crenças e
valores, que no fundo eram postiços. Segundo ele, caso um pastor e um
ladrão fossem colocados num bunker, com privação de alimento, não
demoraria para o primeiro nivelar-se moralmente ao segundo, pois que todas
as convicções do religioso, diante das necessidades materiais, se
dissolveriam, ficando apenas as pulsões, o instinto de sobrevivência [2].
Foi com essas ideias que Viktor Frankl, um médico judeu, entrou num campo
de concentração nazista. Disse em outra aula que é possível fazer certas
experiências científicas com ratinhos e com pombos, mas que seria
completamente imoral repeti-las com seres humanos, por motivos óbvios.
Mas, nos campos nazistas, os seres humanos foram tratados como pombos e
ratos, e isto, esta abominação, serviu como laboratório para que aquele jovem
freudiano pudesse observar, bem de perto, o comportamento humano em
situações limites.
Então, ele logo notou que existiam dois tipos de prisioneiros. Havia pessoas
que, de fato, nessas situações extremas, deixavam desmoronar tudo que
tinham aprendido sobre religião, valores etc. Eram pessoas que se vilificavam,
que ficavam piores. Eram pessoas movidas ou pelo instinto de sobrevivência,
a pulsão de Eros, ou pelo ímpeto da morte, a pulsão de Tanatos, que induz ao
suicídio. Os primeiros, para fugir da dor, matavam os outros; os últimos, para
fugir da dor, matavam-se a si mesmos. Até aqui, seu professor estava certo.
Mas Frankl também notou que havia um outro grupo. Havia prisioneiros que,
naquela situação, melhoravam. Ele começou a ver atos de caridade, de
altruísmo, de abnegação. Viu pessoas se entregando umas pelas outras, viu
moribundos, em pele e osso, realizando atos heróicos. Ou seja, ele tinha ali
exemplos concretos que refutavam as teses de Freud. A situação extrema, ao
contrário do que dizia seu professor, poderia enobrecer e mesmo santificar,
ampliando no sofredor sua fé, solidificando seus valores e virtudes.
Certa feita, um dos prisioneiros, homem que ele já observava, veio lhe fazer
um desabafo:
— Doutor — disse o doente, fatigado pela fome, pelo frio, pelas pancadas,
pelas humilhações —, estou pensando em tirar a minha vida.
— Por quê?
Eis que Frankl lhe fez a pergunta salvadora, pergunta que Freud não poderia
formular:
O como e o porquê
Necrológio
Para ajudá-lo, aluno, a responder essa pergunta sobre o sentido da vida, peço
que realize a seguinte tarefa [3]:
Imagine que você morreu. Não precisa ser agora, com sua idade atual. Projete
a idade de sua morte, na época em que bem entender.
Em seguida, imagine que escreveram, no jornal da cidade, o seu necrológio,
um texto descrevendo e narrando quem foi o recém falecido.
Então escreva, numa folha de papel, aquilo que você gostaria que estivesse
registrado nesse jornal. Quais feitos, quais realizações, quais exemplos você
gostaria que estivessem listados nessa homenagem pública?
É preciso, pois, descobrir a causa final de nossas vidas. E, como vimos neste
curso, a causa final de alguma coisa nunca está na coisa mesma, mas além.
Logo, para encontrarmos a nossa causa final, temos que renunciar às nossas
vidas. É como diz o Cristo: “Quem quiser se salvar, vai se perder, mas quem
se perder, por amor de mim, irá se salvar”. Eis o sentido de tudo. Eis o que
pode nos curar da insensatez da vida, essa insensatez, essa falta de sentido
que termina nos empurrando para o abismo do vício e da depressão.
AULA 08
Saindo da caverna
O famoso mito da caverna, de Platão, fala de homens aprisionados, acostumados
a ver apenas a sombra do mundo real, projetada na parede de seu cativeiro. Ora,
alguém tem dúvidas de que a nossa caverna, hoje, é o celular e as novas
tecnologias?
A internet, as redes sociais, as plataformas digitais, nos revelam apenas uma
sombra da realidade. E esta nos entretém, nos hipnotiza e termina por nos
afastar da própria realidade. Felizmente, porém, existe um caminho de saída, que
passa pelo uso da nossa inteligência.
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Nossa caverna
Todavia, essa virada de vida exige um ato de vontade. Mas como realizá-lo?
Na época das chuvas, das cheias, o Pantanal fica alagado e as cascas das
árvores, as folhas etc. que caem no solo, apodrecem. Na época da seca, essa
maçaroca toda se transforma num pó, bem fininho, muito semelhante ao talco.
Ora, quando se bate o pé nessa camada, ocorre um espetáculo tremendo. O
pó imediatamente sobe e forma uma nuvem. Quem quer que passe numa
estrada dessas sabe melhor que ninguém o valor da expressão “comer
poeira”.
Digo isso pois numa das comunidades que eu atendia, rio abaixo, chamada
Porto Brandão, havia um rapaz que fazia de um saco de arroz, desses de
cinco quilos, uma bolsa, em que colocava um punhado de roupas, e, com ela
nas costas, sob um sol de rachar mamona, se punha na estradinha rumo a
Barão de Melgaço. Três horas de caminhada, margeando o Rio Cuiabá. Três
horas de caminhada na estradinha de pó, sob nuvens de poeira.
Isso tudo quer dizer que, para realizar aquele ato de vontade, aquela saída da
caverna, ou, melhor dizendo, a fuga das telas, é preciso ter um objetivo. Mas,
por outro lado, esse objetivo depende de um ato da nossa inteligência. Na
alma humana, e isso não vale só para os cristãos, pois se trata da estrutura
natural do ser humano, existe uma coisa chamada intelecto. Por causa disso,
existem conhecimentos e experiências cognitivas humanas que nenhum
animal, nenhum computador nunca, jamais irá reproduzir: a experiência da
autoconsciência; aquela sensação de compreender alguma coisa, seja numa
pregação, seja na leitura de uma obra literária; aquelas intuições
ou insights que tiram da nossa boca, involuntariamente, um “nossa!”,
expressão natural daquele maravilhamento de que falava Aristóteles.
Então faça o exercício: tire o celular da sua vida, exceto nas ocasiões
realmente necessárias, e vá passear num parque. Se não tem parque na sua
cidade ou você não sente segurança para frequentá-lo, vá, aí mesmo no seu
prédio, observar as árvores, uma folha, as nuvens. Ou, mais fácil ainda, vá até
a geladeira, pegue uma maçã e veja, quem sabe pela primeira vez na vida, os
seus detalhes, os seus matizes, o seu brilho, a sua textura. Saia, vá ver o
mundo! Caminhe pelas ruas, fale com pessoas, sem pressa. Chame sua mãe
para conversar, pergunte sobre sua vida e a ouça com todo o interesse, o
tempo que for preciso.
Para os pais, fica o apelo: pare de educar os seus filhos com telas! Claro, isso
implica que você precisará se doar mais. E esse é o problema. As pessoas
muitas vezes não querem tirar a tela da mão da criança porque, no lugar,
sabem que precisarão doar-se a si mesmas, doar o seu tempo, a sua atenção.
Mas, pai, mãe, acreditem: vai fazer bem para você. Para você e para a
criança. Olhe no rosto do seu filho, enquanto ele brinca como as crianças
sempre brincaram, no mundo real, com coisas reais, em contato com a
natureza, com as pessoas.
AULA 09
“Órfã na Janela”
No belo poema “Órfã na Janela”, Adélia Prado fala das “saudades de Deus”. Sua
experiência, descrita em versos belíssimos, lembra-nos por que só o ser humano
é capaz de fazer poesia.
A partir desse texto literário, Padre Paulo Ricardo mostra como a cura para as
angústias, sofrimentos e desilusões próprias do homem, é necessariamente
espiritual — por mais ajuda que nos dêem os fármacos e os psiquiatras.
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A cura do corpo
Nas últimas aulas, temos nos esforçado para deixar bastante claro que a
escravidão digital não pode ser explicada unicamente pelo funcionamento do
cérebro humano. Temos feito todo um trabalho pedagógico — que envolve
repetição e abordagens diferentes para alcançar todos os tipos de alunos —
para demonstrar que o ser humano é corpo, sim, mas que é igualmente alma,
e que a alma não é alguma coisa que se possa conhecer fazendo testes com
pombos ou colocando a cabeça de um homem no scanner.
A medicina não pode dar o braço a torcer, mas, na prática, ela supõe uma
inteligência que criou as coisas, dentro de uma lógica, de um funcionamento
considerado excelente. É absolutamente impossível fazer medicina sem ter, in
the back of your mind, no fundo da sua mente, essa realidade: a saúde do
corpo humano funciona a partir de um padrão inteligente, pensado por alguém.
Segredo: nós, cristãos, sabemos que esse padrão foi pensado por Deus. E
sabemos que ele deriva daquilo que podemos chamar essência ou natureza
humana. Nós, cristãos, ainda sabemos que essa natureza humana perfeita
não é somente uma essência abstrata. Existe uma realidade concreta,
histórica, que é Jesus Cristo. O homem, como Deus o pensou, existiu nesse
mundo. E ainda existe, no Céu.
A cura da alma
Poesia medicinal
“O amor hoje está tão pobre, tem gripe, / Meu hálito não está para salões”. Um
amor gripado. Não há dias em que sentimos nosso amor indisposto? Não há
aqueles dias em que não queremos amar ninguém? Em que só queremos ficar
sozinhos? Não há dias em que nosso hálito — ou nossas palavras — não está
para salões, para encontros, para o próximo, pois sabemos que lhe
causaremos desconforto, que o adoeceremos?
Depois ela diz querer “um pôster dele no meu quarto”. Quem é esse “ele”? Ela
começou dizendo estar com saudade de Deus. Deus é invisível, não tem
rosto. Mas as meninas adolescentes, antigamente, colecionavam pôsteres dos
seus artistas favoritos. Não seria isso uma oração, um pedido para que Deus,
de quem ela sentia saudade, mostrasse a ela o seu rosto? Não seria um jeito
curioso de uma jovenzinha rezar?
Tudo isso é para dizer que está aí o caminho da cura. Os psiquiatras e seus
remédios podem ajudar, mas a cura para essas angústias humanas, para os
sofrimentos humanos, para as desilusões humanas, para essas dores que
ferem nossos corações, como a saudade de Deus, como a saudade de nossos
pais falecidos, a cura para essas experiências, que são espirituais, deve
também ser espiritual. É como diz o Nosso Senhor na Última Ceia: “Eles estão
no mundo, mas não são deste mundo”.
AULA 10
O cérebro
Até aqui nosso curso se concentrou em duas etapas. Num primeiro momento,
voltamo-nos para o cérebro a fim de entender por que motivo e por quais
meios ele está nos deixando no estado de adicção que se observa nos usuário
da internet.
A alma
Nota: é muito importante que você, aluno, tenha compreendido bem esses
dois pontos. Caso contrário, aconselho fortemente que assista de novo às
aulas. Muitas vezes, diante de um livro que nos interessa, fazemos uma
primeira leitura, mais rápida, para nos certificar do assunto, e, em seguida,
relemos de modo mais lento, mais meditado, para compreender aspectos
menos evidentes a um primeiro olhar. Recomendo o mesmo procedimento
com os cursos do site.
A inteligência e a vontade
Quanto à saída do problema, vimos ser difícil, não raro impossível, alcançá-la
por vias cerebrais. Pois isso dependeria de uma mecanismo natural de
frenagem, no lobo central, que o acesso de dopamina danifica ou mesmo
destrói. Daí que, conforme explicamos, precisemos recorrer a um freio
infinitamente mais seguro e mais potente, que está para além e acima do
cérebro e seus neurotransmissores: a vontade.
São José de Anchieta saiu das Canárias para o litoral brasileiro, terra bruta e
inculta, quase inteiramente desconhecida. Ele veio, porém. De São Vicente,
olhava o paredão montanhoso da Serra do Mar, com seus picos sumidos por
detrás do nevoeiro. Tinha vontade de superá-lo, escarpa por escarpa. Afinal,
ali em cima havia almas, almas sedentas do Deus vivo que ele conhecia e
sabia anunciar. Então, ignorando o difícil da rota, o perigo das matas, as
peçonhas, as doenças, os selvagens, ele foi, subiu, abriu caminho às picadas
até o Planalto de Piratininga e, em terras bravias, pôs-se a cumprir sua
missão: trazer aquela gente para Cristo.
Que mecanismo meramente cerebral explica uma tal atitude? São José de
Anchieta, como tantos outros santos e santas, fez o que fez movido de amor,
um amor que inflama e arrebata, amor que nos comove e inspira aos mais
incríveis sacrifícios.
Mas de onde vem esse amor? Ele começa na inteligência. Como já disse
tantas vezes, é conhecendo a verdade que passamos a amá-la. É esse amor
pela verdade o que nos capacita a renunciar os prazeres e abraçar,
amorosamente, as cruzes. Mas é claro que não precisamos sair das nossas
misérias atuais e já começar com obras como a de São José de Anchieta. A
verdade também nos leva a amar coisas mais simples, mais do dia a dia. O
trabalho, por exemplo. Quem já não viu um trabalhador empenhado, que ama
o que faz, só percebendo, já alta noite, que passou o dia inteiro sem comer.
Teve fome, sentiu um desconforto, mas o amor pelo trabalho, pelo bem que
produz, foi maior, superou a dor. Claro também que, conforme nos
aprofundamos na verdade e a vemos, pela luz da inteligência, com maior
nitidez, somos capazes de amar realidades, por assim dizer, menos
comezinhas, como a família, a pátria, as almas, o próprio Deus.
FIM