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ÍNDICE
01 UMA EXTENSÃO DE NÓS MESMOS 03

02 UM MUNDO SEM FOCO 06

03 DOIS TIPOS DE ATENÇÃO 08

04 SUPERANDO A FALTA DE FOCO 13

REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER


05 SE APROFUNDAR NO TEMA
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UMA EXTENSÃO DE NÓS MESMOS


Responda com sinceridade: quando foi a última vez
em que você conseguiu fazer alguma atividade to-
talmente focado, sem desviar sua atenção para o
WhatsApp, a rede social, ou quaisquer outras dis-
trações?

Faço essa pergunta porque sei que as tecnologias


que temos à nossa disposição se tornaram um dos
maiores desafios para o foco dos seres humanos
nos dias atuais.

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Naturalmente, essas tecnologias trouxeram, sim,
uma série de benefícios, que você bem conhece.
Facilitaram nossa comunicação, nos conectaram a
pessoas de todos os lugares, democratizaram co-
nhecimentos. Como sempre digo, se não fosse por
elas, nós não estaríamos aqui, juntos, na SN.

Acontece que, ao se tornarem praticamente uma


extensão de nós mesmos, elas nos afundaram
em uma crise de desatenção sem precedentes
na história da humanidade. Observe como isso
é verdadeiro:

Vamos a um restaurante com amigos ou colegas de


trabalho e, não passa muito tempo, alguém saca o
aparelho celular, encolhe os ombros e se fecha no
próprio mundo, de olho na tela, esquecendo o am-
biente ao seu redor.

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Começamos uma tarefa ou uma pesquisa no com-
putador e, em alguns minutos, nos vemos abrindo
novas abas, fuçando notícias, fofocas e afins, sem
qualquer relação com aquilo que pretendíamos
fazer.
Abrimos um bom livro e, do nada, voltamos nos-
sa atenção a conversas de grupos no WhatsApp ou
feeds nas redes sociais.
Por que isso acontece tanto, e com cada vez mais
frequência, nos dias atuais?
Por que se tornou tão difícil manter o foco em nos-
sas atividades, mesmo quando sabemos que pre-
cisamos realizá-las?
Como podemos combater esse problema para ter
uma vida menos dispersa e mais focada naquilo que
realmente importa?
É sobre isso que vamos falar, hoje, no CA#20.

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UM MUNDO SEM FOCO


Se você me pedir para falar um dos problemas mais
contundentes e que mais afeta os seres humanos
nos dias de hoje, minha resposta será muito dire-
ta: a falta de foco.

Pode até parecer exagero para você, em um primei-


ro momento, mas pare para pensar como a cultura
da distração, na qual vivemos atualmente, impacta
todos os aspectos da nossa existência — direta ou
indiretamente.

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Um relacionamento morno, sem graça, provavel-
mente é afetado pelo fato de os parceiros não da-
rem a atenção devida um ao outro. A epidemia de
obesidade e sobrepeso é uma consequência de as
pessoas não estarem mais presentes durante as
refeições. A sobrecarga no trabalho, muitas vezes,
é devida ao fato de os profissionais viverem pin-
gando de uma tarefa a outra, sem focar direito em
nenhuma delas.
É uma crise, de fato. Potencialmente, a maior dos
tempos atuais. O nosso foco é absolutamente limi-
tado e, em uma cultura de distração, na qual nossa
atenção é sugada o tempo todo, tudo acaba sendo
impactado por esse problema.
Mas qual é a origem disso, segundo a ciência?
Para responder a essa pergunta, precisamos,
antes de mais nada, entender o que é a atenção.

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DOIS TIPOS DE ATENÇÃO


Nas neurociências, atenção é um tema complexo.
Existem diferentes tipos de atenção, e o nosso ob-
jetivo aqui não é mergulhar nesse assunto. Talvez
em um próximo CA façamos isso. Hoje, no entanto,
falaremos sobre os dois tipos de atenção que es-
tão diretamente envolvidos nessa crise de desa-
tenção que assola o planeta.

Pense em você neste exato momento. Se você não


está com o celular na sua mão ou com a TV ligada,
provavelmente está lendo estas linhas de maneira
bastante focada. O nome disso é Atenção Contínua,
também conhecida como Atenção Sustentada
(Sustained Attention, em inglês).

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Esse tipo de atenção não é nada automática. A
atenção contínua requer esforço consciente — e
por isso, é desgastante, cansativa, demandando
uma carga cognitiva muito alta. É simplesmente
impossível mantê-la por um longo período de tem-
po. Afinal, como já dissemos antes, o nosso foco é
limitado.

Por outro lado, existe outro tipo de atenção, bas-


tante diferente da atenção contínua.

Gosto de exemplificá-la por meio do famoso atalho


ALT + TAB nos computadores pessoais (Command
+ TAB, no caso dos computadores Mac), usado para
mudar de janelas no computador. Você está lá, ven-
do um e-mail importante, e aí, do nada, abre uma
janela para ler as notícias, depois vai ver um ví-
deo, depois entra no chat do trabalho, depois está
passeando pelas redes sociais. Esse processo, de
pular de galho em galho, é chamado de Atenção
Alternada.

Ocorre que, diferentemente da atenção contínua


(que é consciente, desgastante e cansativa), a
atenção alternada é automática e dopaminérgica.

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Isso significa, em primeiro lugar, que suas raízes
no cérebro são inconscientes. Além disso, signi-
fica que ela é engajante e motivadora. Novidades
ativam o sistema dopaminérgico, e o combustível
da atenção alternada são justamente as novidades.
É exatamente por isso que existem tantas pesso-
as praticamente viciadas no próprio celular. Seres
humanos que abrem o WhatsApp ou uma rede so-
cial antes mesmo de darem um beijo de bom dia na
pessoa amada. Que, mesmo em um ambiente ale-
gre e movimentado, estão sempre imersos em um
mundo de 5 polegadas.
Não estou dizendo que você tem esse hábito, mas,
se você acordasse desesperado — todos os dias —
desejando um copo de uísque, você provavelmen-
te admitiria ter um problema com o álcool. Então
se isso acontece com você pela manhã com o ce-
lular, é bastante provável que você tenha, sim, um
problema com o aparelho. Mas esse é um assunto
para outro momento.

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Meu ponto é que, agora que você entende que a
atenção alternada é dopaminérgica, precisamos
investigar o significado real disso.

Entre as principais funções do sistema dopaminér-


gico, está a busca pelo que acreditamos que será
prazeroso. Ou seja, a motivação, o desejo produzi-
do pelo sistema dopaminérgico nos faz correr atrás
de coisas que, consciente ou inconscientemente,
imaginamos que serão prazerosas.

Cabe, então, perguntar: por que estamos sempre


em busca desse prazer? Qual é a verdadeira raiz de
tudo isso?

É aí que entra o grande X da questão:

Nós buscamos o prazer


das distrações para
reduzir algum desconforto.

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Por exemplo, quando você assiste a uma série gos-
tosa, daquelas que não demandam muita energia
do seu cérebro, é bastante fácil ficar assistindo
essa série no sofá por horas e horas a fio, sem bus-
car qualquer outra coisa para fazer.

Agora, e quando você precisa ler um livro técni-


co, difícil, que demanda energia e grande esforço
cognitivo?

Observe da próxima vez em que fizer algo do tipo:


sem sequer perceber, você logo vai puxar o celu-
lar para olhar algum aplicativo, levantar para tomar
um copo d’água, beliscar qualquer coisa… Você vai
buscar alguma distração para reduzir aquele des-
conforto — por mais inconsciente que seja ele.

Mas como lidar com isso?

É esse o objetivo da nossa ferramenta de hoje.

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SUPERANDO A FALTA DE FOCO


O primeiro passo para assumir as rédeas do seu
foco é compreender que ele é resultado de 3 com-
portamentos fundamentais:

1) Cuidar da sua saúde e do seu corpo, para que o


seu cérebro funcione bem;

2) Eliminar as distrações;

3) Enfrentar essas distrações, quando eliminá-las


não for possível.

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A ordem dessa lista é proposital, pois ela é hierár-
quica. Ou seja, você deve priorizar esses compor-
tamentos na ordem acima — do contrário, certa-
mente terá problemas de foco.

Cuidar da saúde do corpo e do cérebro inclui,


naturalmente, dormir bem (vide o CA#06), fazer
exercícios físicos regularmente e manter uma
alimentação saudável e equilibrada. Tudo isso é
fundamental. É a essência, o alicerce de um cé-
rebro saudável. Afinal, se você não estiver sau-
dável, nada vai funcionar direito dentro de você
— incluindo o seu cérebro e, portanto, o seu foco.

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Eliminar as distrações, por sua vez, pode abranger
uma série de ações práticas, que você pode apli-
car no seu cotidiano. Um bom exemplo disso são
os escritores que se isolam em localidades dis-
tantes, sem acesso à internet ou televisão, para
que possam se concentrar em seus trabalhos.

Você pode fazer algo semelhante com o seu celu-


lar, saindo das redes sociais ou deixando ele fora
do seu alcance (escondido lá no fundo do armário
da cozinha, por exemplo). Dependendo do grau de
desatenção, pode ser útil desinstalar as redes so-
ciais (e outras distrações do celular) — ou ter um
celular separado, diferente do seu celular princi-
pal, ou seja, um celular só para distrações.

Existe até um um produto (que eu adoro), chama-


do KSAFE. É uma espécie de cofre, no qual você
guarda o aparelho celular e coloca um timer com
o tempo que quer ficar distante dele. Feito isso, o
KSAFE tranca o seu celular, e você não consegue
abrir para pegá-lo.

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Mas e quando eliminar distrações não está ao seu
alcance? Na ferramenta de hoje, vamos trabalhar
o 3º e último item da lista — talvez o mais difícil de-
les: enfrentar as distrações, quando eliminá-las é
impossível.

Como vimos até aqui, toda distração é a busca por


algo prazeroso, que reduz um desconforto. Acon-
tece que, na maior parte das vezes, fazemos isso
sem pensar, da maneira mais inconsciente possí-
vel. Como vimos, as raízes da atenção alternada
são automáticas.

Portanto, o primeiro passo para enfrentar essa


distração é trazê-la a um nível CONSCIENTE. Isso
é absolutamente necessário. Afinal, como você
pode enfrentar um inimigo que não conhece? Que
não é capaz de enxergar com clareza?

Para isso, você vai fazer o seguinte:

TODA VEZ que você se distrair, você vai


mapear QUAL foi o desconforto que essa
distração tentou reduzir.

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Por exemplo, nós podemos pegar o celular por
preguiça de fazer algo que demande esforço — ou
simplesmente por tédio. Comemos chocolate por
ansiedade, tristeza, raiva. Levantamos da cadei-
ra no trabalho por cansaço, falta de motivação e
energia. Enfim, se você está saudável, eu te ga-
ranto que toda distração tem como objetivo redu-
zir desconfortos como esses. Quais são, então, os
desconfortos que te afetam?

Não pense que eu vá te dar aqui uma solução má-


gica para eliminar desconfortos. Isso não existe.
Desconfortos fazem parte do nosso cotidiano. É
verdadeiramente impossível escapar deles.

No entanto, é, sim, possível enfrentá-los. Isso por-


que a ciência entende esses desconfortos como
uma onda: eles surgem, aumentam, arrebentam e
desaparecem. O problema é que buscamos as dis-
trações logo no início, quando eles começam a ga-
nhar corpo dentro de nós.

Portanto, minha recomendação é que você come-


ce a superar essa barreira e espere a onda pas-
sar. A melhor maneira de fazer isso, é por meio
de uma regra simples, chamada Regra dos 10 Mi-
nutos. Vou te explicar…

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Toda vez que surgir um desconforto, você precisa
ignorar essa sensação e continuar o que está fa-
zendo por 10 minutos, em vez de buscar uma dis-
tração para evitá-la.
O primeiro passo, como falamos, é mapear a dis-
tração, trazê-la à sua consciência, perguntar-se
qual foi o desconforto que ela tentou reduzir. O se-
gundo é esperar passarem esses 10 minutos, sem
buscar outras atividades.
Essa é uma estratégia do gênero Quando-Então,
também conhecida como “intenção de implemen-
tação” na literatura científica. Falaremos muito
sobre esse tipo de estratégia aqui na SN. A ideia é
a seguinte: quando surgir o desejo de se distrair,
você mentaliza “essa distração está aqui para re-
duzir um desconforto”. Em seguida, faça um es-
forço consciente para entender qual desconforto
é esse. Depois disso, espere 10 minutos antes de
se dispersar. Ou seja, faça um esforço consciente,
por 10 minutos, para ignorar essa distração.

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É simples assim. Eu te garanto que, se você fizer
isso, o desconforto vai passar, na grande maioria
das vezes.

Pode parecer exagero o que afirmo, mas nós te-


mos estudos científicos com fumantes que apli-
caram essa técnica. Durante 7 dias seguidos, eles
usaram a regra dos 10 minutos sempre que tive-
ram vontade de fumar. O resultado é que esses fu-
mantes reduziram o desejo pelo cigarro em 40%.
E olha que estamos falando de um dos vícios mais
difíceis de enfrentar. Para as distrações do dia a
dia, os efeitos são muito maiores.

Aí você pode me perguntar: “Mas, Pedro, o que


eu faço se não aguentar esperar sequer esses 10
minutos?”

Eu sei, isso pode acontecer. Mas tenho uma reco-


mendação para esses casos, que você pode apli-
car imediatamente, caso não consiga esperar esse
tempo passar: um exercício simples de meditação.

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Essa é uma técnica bastante eficiente para re-
duzir desconfortos intensos, usada em um tipo
de terapia chamada Terapia de Aceitação e
Compromisso.

Sempre que você quiser reduzir algum desconfor-


to, feche os olhos e imagine que você está senta-
do na beira de um rio, com os pés dentro da água.
Imagine a sensação da água no seu pé, a corrente
de água passando, as folhas flutuando, passando
e indo embora…

Agora imagine que sempre que surgir uma onda de


desconforto, você vai pegar esse desconforto, co-
locar em cima de uma dessas folhas e observá-lo
indo embora. A ideia é que você faça isso de novo
e de novo, até que volte a se sentir no controle do
seu foco.

Além disso, recomendo que você passe a aplicar


estratégias de ressignificação da sua mentalida-
de no dia a dia. Toda vez que você conseguir resis-
tir a uma distração, faça uma pequena comemora-
ção consigo mesmo — nem que seja uma pequena
mentalização, dizendo:

“Eu sou uma pessoa mais focada e mais forte, por-


que eu consegui resistir a essa distração.”

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Uma boa ideia é colocar essa pequena vitória em
uma folha de papel. Eu tenho uma lista das tarefas
e compromissos do meu dia, e sempre deixo algu-
mas linhas entre uma e outra. Assim, quando me
distraio, eu aplico essas ferramentas que te falei,
faço um quadradinho na minha lista, e escrevo:
“Resisti à vontade de parar o que estava fazendo”.

O importante, aqui, é que você seja carinhoso con-


sigo mesmo. Reconheça suas dificuldades. Tangi-
bilize suas vitórias. Você verá como, aos poucos,
esse hábito cognitivo irá reforçar em você uma
mentalidade de crescimento.

Uma mentalidade que deixará cada vez mais claro


para você que não são as distrações que governam
a sua vida. Quem governa a sua vida é você.

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REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER
SE APROFUNDAR NO TEMA:
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