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O compartilhamento desse módulo, dentro ou fora do Clube Criativo é

terminantemente proibido. Ele é de uso pessoal e intrasferível.

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Olá, Criativa!
Estou muito feliz que você tenha me escolhido para fazer parte da sua
jornada de transformação. Durante os próximos quatro meses estaremos juntos
em um processo de aprendizado intenso. Sugiro que você separe um espaço para
anotações, seja no caderno ou no computador e, principalmente, organize sua
agenda para que você consiga fazer os exercícios.

É muito importante que você leve nosso trabalho aqui a sério, compareça as
aulas sempre que possível e, se não puder, assista as aulas gravadas, que ficarão
disponíveis somente durante todo o período do curso. Além disso, estarei
respondendo os comentários das aulas durante o mês em que elas aconteceram.
Você talvez não saiba, mas a quantidade de pessoas que compra cursos online por
aí e desiste no meio é enorme, mas se você tem o objetivo de se tornar profissional
no mercado literário, de viver de escrita, de investir no seu futuro, esse é o seu
primeiro passo.

Esse módulo é composto por 12 incríveis módulos preparados por mim com
base em muito estudo, como você pode ver pelas referências ao final desse
documento, e muito conhecimento adquirido nos meus 5 anos de experiência. Se
você tiver alguma dúvida ou se encontrar algum erro, fale comigo através do nosso
grupo no Telegram ou do e-mail. Evite enviar mensagens importantes para o
Instagram, a chance dela se perder ou de demorar de responder é grande devido a
demanda da plataforma. O último módulo é um caderno de exercícios para que
você possa praticar a sua escrita.

Espero que nós tenhamos uma jornada incrível e que, ao final dela, você olhe
para a pessoa que era há 4 meses sentindo orgulho de ter escolhido seguir o seu
sonho de uma vez por todas. Obrigada pela confiança. É uma honra poder pegar na
sua mão e te mostrar o caminho, mas lembre-se que você terá que andar sozinho.
Toda vez que pensar em desistir, respire fundo e continue a voar.

Com muito carinho, Karoline Dias.

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Sumário

Módulo 1 – Esse módulo é sobre você 9

A Mentalidade do Escritor 10

1 - Organização 10

2 - Inspiração e Ideias 10

3 – Comparação 11

4 – Leitura crítica 11

5 - Decisões 11

6 - Emoções 12

Módulo 2 – Conceitos Básicos 13

Introdução 14

1 - O texto criativo 14

2 - Técnicas que auxiliam o texto 14

O Início 16

1 - Começando a escrever 16

2 - Problemas comuns para escritores 16

3 – Informações Básicas 17

Módulo 3 - Personagens 19

Tipos de Personagens 20

1 - A alma da história 20

2 - Protagonistas 20

3 - Antagonistas 21

4
4 - Personagens secundários 22

Criando personagens 25

1 – Público-alvo 25

2 – Biografia 25

3 - Características 26

Detalhamento 27

1 - Perfil psicológico 27

2 - Arquétipos 29

3 - Ficha de personagem 30

4 – Como evoluir personagens 30

Módulo 4 – Diálogos 32

Bases do Diálogo 33

1 – Funções 33

2 – Discursos 35

3 – Pontuação 35

O Não Dito 37

1 – Por trás do texto 37

2 - Como não escrever diálogos 38

Módulo 5 – Narração 39

Narração I 41

1 – Escolhendo o narrador 41

2 – Narrador onisciente 42

Narração II 44

1 – Narrador personagem - Protagonista 44


5
2 – Narrador personagem - Coadjuvante 45

3 - O quanto um narrador revela 45

4 - O perigo da voz única 46

Cenas I 47

1 – Mostre, não conte 47

Cenas II 51

1 - Como criar cenas 51

2 - Descrição 54

Módulo 6 - Gêneros Literários 56

Conhecendo Gêneros: Parte I 57

1 – Romance 57

2 – Suspense/Thriller 59

Conhecendo Gêneros: Parte II 62

4 – Ficção Científica 62

5 – Ação e aventura 63

Escrevendo um Conto 66

1 - Contos 66

Módulo 7 - Estrutura do Enredo 68

O Enredo 69

1 – Elementos que o compõe 69

2 – Premissa 71

Planejamento 74

1 – Estrutura de 3 atos e Cenas de Virada 74

2 – Escaleta 75
6
3 - Outras formas de planejar 77

Desenvolvimento I 79

1 – Progressão narrativa 79

2 - Manipulação temporal 80

3 - Subtramas 81

Desenvolvimento II 83

4 - Verossimilhança 83

6 - Deus Ex Machina 83

7 – Terminado um livro 83

Módulo 9 – O Texto 85

Problemas no texto I 86

1 - Clichês 86

2 - Falta de coesão 87

3 - Incoerência 87

4 - Queísmo e repetição de palavras 88

5 - Beletrismo 88

Problemas no texto II 89

1 - Frases curtas ou longas 89

2 - Mistura de tempos verbais 89

3 - Leitura densa 90

Módulo 10 – Criação de Mundo 91

Antes de criar 92

1 - Criação de mundo 92

2 - Erros mais comuns 92


7
3 - Planejando 93

Informações básicas 95

1 - Dados geográficos 95

2 – Dados históricos 95

3 – Personagens e o mundo 97

Módulo 11 – Publicando um livro 99

Etapas pré-publicação 100

1 – Antes de Publicar 100

Hora de Publicar 104

1 – Publicação de e-books 104

2 - Publicação de livros físicos 105

3 – Publicando com Editoras 106

Módulo 12 – Perfil de autora 108

Criando o Perfil 109

1 - Fazer ou não um perfil de autora? 109

2 - Design 110

3 - Trends 110

Conteúdos de Lançamento 111

4 - Tipos de conteúdo 111

5 - Lançamento do livro 111

6 - Depois da publicação 112

Caderno de Exercícios 113

Referências 119

8
Módulo 1 Esse módulo é sobre você

9
A Mentalidade do Escritor
Antes de começar falando da escrita, é preciso falar do escritor. Não adianta
aprender todos os conceitos e técnicas se você não souber ou se não tiver tempo
disponível para aplicá-las. Além disso, vamos nos familiarizar com alguns termos,
e descobrir como lidar com questões mais pessoais relacionadas à escrita.

1 - Organização
Preciso informar que não adianta aprender tanto sobre escrita se você não
terá tempo para colocar seus conhecimentos em prática. O primeiro passo para o
nosso grupo de estudos dar certo para você é se organizar. Anote num papel, ou
onde você achar melhor, seu planejamento semanal. Nesse planejamento, inclua
um horário para ler o módulo antes ou após a aula e fazer o exercício indicado.
Faça anotações, grifos, use post-its... Estude da forma que fizer mais sentido para
você, mas estude.

2 - Inspiração e Ideias
Sempre recebo perguntas sobre como eu consigo me inspirar e, bom, a
resposta é sempre a mesma: a inspiração vem de todos os lados. Além da leitura
de novos gêneros, as temáticas em alta nas redes sociais também me fazem refletir
muito. Criatividade é algo que pode ser desenvolvida e isso envolve sair da sua
zona de conforto. Como ter ideias novas se você está sempre consumindo o mesmo
conteúdo? Lendo e assistindo o mesmo gênero? Faça exercícios para estimular a
sua criatividade como:

● Ouvir atentamente as letras das músicas que ouve e, caso ouça músicas
internacionais, busque pela tradução;
● Ler contos de gêneros diferentes: são leituras curtas que agregam muito ao
nosso acervo literário e nos custam pouco tempo;
● Assistir filmes e séries que não estão na sua zona de conforto;
● Observar as pessoas ao seu redor e atribuir a elas uma história de vida, como
se fosse uma personagem;
● Ler artigos científicos sobre o assunto sobre o tema que você gostaria de
escrever. Normalmente eles nos mostram várias nuances da mesma
temática, abrindo nossos olhos para outros caminhos;

10
● Fazer exercícios de escrita: existem vários sites que geram exercícios e eles
são ótimos para nos dar novas ideias.

3 Comparação
Não se compare com outras autoras. E esse tópico poderia acabar aqui
mesmo. Parece mais fácil falar do que fazer? Sim, mas não é por isso que você vai
deixar de tentar. Cada autora tem o seu processo e sua realidade. Se você estuda e
trabalha, como você pode se comparar com uma autora que se dedica
integralmente à escrita? Todo mundo possui uma realidade, disponibilidade e
contexto diferente e é esse o pensamento que você precisa focar toda vez que seu
cérebro quiser se comparar com outras pessoas. Você é única e é isso que te torna
especial.

4 Leitura crítica
Não, não estou falando do serviço literário. Sabe os livros que você lê
diariamente? Já parou para pensar em ler não apenas por entretenimento, mas
também para aprender coisas novas? Metade dos seus problemas como escritoras
seriam resolvidos se você analisasse os livros que lê. Diálogos, narrações,
construção e evolução de personagens. Note esses aspectos, grife, anote, perceba
as técnicas que os outros autores usam para que você possa conhecer ainda mais
do que o mundinho literário tem para oferecer.

5 - Decisões
Escrever é tomar decisões. Muitas vezes recebo mensagens de autores
perguntando qual conflito acho melhor, qual a melhor característica do
personagem ou o melhor final para o livro e, sinto dizer, isso ninguém pode decidir
além de você. Aprenda a tomar suas decisões, escolher o final da sua história,
construir o cenário, etc. Não, você não pode colocar dois prólogos e cinco epílogos
ao final da história para tentar agradar todos os tipos de leitores criando finais
alternativos. É preciso bancar as suas decisões. E se, aparentemente, você tomar
uma decisão errada desagradando a maioria dos seus leitores, então você
aprenderá com esse erro.

11
Você vai errar em algum momento e isso é um fato. A partir daí você tem
duas opções: ficar com vergonha se lamentando ou aceitar que errou, lidar com
aquilo e levar para a sua vida como aprendizado. Informo que uma dessas opções
vai te atrasar e te faz perder tempo e a outra te faz crescer, não apenas
profissionalmente.

6 - Emoções
Para finalizar esse tópico, é importante citar algo que aprendi e mudou
minha perspectiva sobre escrita criativa. Na MasterClass do Neil Gaiman, autor de
Stardust, Coraline e outros sucessos, ele fala que ser escritor é como andar na rua
pelado. Você precisa ser honesto consigo mesmo, com o que você sente e não ter
medo do julgamento dos outros. Temos medo porque sabemos que ler nosso livro
é como entrar na nossa cabeça, as pessoas sabem o que sentimos, pensamos,
buscamos, mas isso é algo que teremos que lidar. Ser um escritor de sucesso é ser
honesto consigo mesmo para que pessoas como você se identifiquem e não o
oposto. Você não deve se preocupar primeiro com quem vai ler, mas sim com você
e as suas emoções. “Para escrever você precisa acreditar que você é brilhante, que
é a melhor ideia que você já teve e, escrevendo isso, você colocará o mundo em
chamas”.

✎ Exercício

Planeje a sua semana e inclua nela o seu objetivo durante o nosso


período de aulas. Separe o tempo que achar necessário para estudar
escrita e/ou escrever.

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Módulo 2 – Conceitos Básicos

13
Introdução
1 - O texto criativo
De acordo com Renato Modesto (2020), escrita criativa é um texto que
possui característica artística, poética e imaginativa, pois pretende contar uma
história.

Um texto pode ter 3 objetivos:

a) convencer: jurídico, publicitário

b) informar: jornalísticos e acadêmicos

c) emocionar: poético, ficcional (aqui está a escrita criativa)

Para emocionar alguém é preciso saber com quem você está falando. Por
isso, é preciso definir o público a quem você se refere.

Existe uma diferença entre texto, forma e conteúdo e é preciso


compreendê-las para absorver todos os próximos módulos desse documento.

● Texto: produção verbal ou não, construído através de algum código (nosso


idioma, por exemplo) que possui o objetivo de comunicar algo.

● Forma: técnica de criação utilizada no texto. Potencializa o conteúdo para


determinado público, atingindo melhor o objetivo de emocionar quando o
texto é apresentado para o leitor. Se trata da estrutura do texto, estilo,
ritmo e composição.

● Conteúdo: o tema que vai se relacionar com o leitor. Abordar no livro temas
que são significativos para o leitor é a melhor forma de impactar. Se refere
às ideias, conceitos e sentimentos apresentados no livro.

2 - Técnicas que auxiliam o texto


● Escolha das cenas: é importante usar cenas que agregam a sua história, que
mostrem algo para o seu leitor. Às vezes, nos apegamos a determinadas
cenas por serem bonitas, ou porque nos emocionam, mas se ela não é
importante para a história, o ideal é que seja deletada. O encadeamento das

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cenas é muito importante para que seu leitor possa compreender a ideia que
você quer passar e as emoções da sua história.

● Construção e escolha dos personagens: o personagem é quem move sua


história, se você construir pessoas que não cativam seus leitores ou que não
acrescentam ao seu enredo, vai enfraquecer todo o seu livro.

● Desenvolvimento da história: o início da sua história é o que envolve, o meio


é o que conquista e o final é o que emociona. Isso significa que você precisa
trabalhar o início da sua história para prender seus leitores o máximo
possível, o meio para conquistar completamente e o final para causar
emoções boas ou ruins, seja surpresa, felicidade com aquele final esperado,
tristeza com um final trágico, enfim.

● Construção sintática (estudo de regras que compõe a construção das


frases): a leitura da sua história precisa ser fluida, precisa fazer seu leitor
grudar os olhos e querer sempre mais, para isso é preciso quebrar os
possíveis obstáculos textuais que podem surgir. Ambiguidades, textos
confusos, ideias incompletas e outros problemas que trataremos ao longo
desse módulo.
● Escolha do narrador e apresentação do ponto de vista: eles vão influenciar
muito na emoção que você quer causar no seu leitor, leia histórias que
possuem narradores diferentes e perceba a forma que os autores trabalham
com eles.
● Uso de palavras adequadas para o texto: a linguagem, literalmente, é o que
vai comunicar o que você precisa. Se você errar nesse tópico,
automaticamente você perde seu público. Como conversar com uma pessoa
que você não consegue compreender?

15
O Início

1 - Começando a escrever
A maioria dos escritores, principalmente aqueles que estão começando, se
preocupam muito em escrever para o público. Antes de qualquer coisa, é preciso
escrever para você mesmo. Pensar nos comentários e julgamentos de terceiros
sobre você e a sua escrita só vão atrapalhar o seu processo.

O mais importante nesse começo é manter o foco nas suas próprias


emoções. Geralmente, seus sentimentos são transmitidos para os seus leitores,
então durante a escrita se concentre apenas nisso. Ah, e se você está em dúvida
sobre o que escrever, comece pensando no básico: o que você gostaria de ler?
Além disso, como dito no módulo 1, preste atenção nas pessoas ao seu redor, seja
em sua casa, na escola, faculdade, trabalho, etc.

2 - Problemas comuns para escritores


● Solidão

Escrever é uma tarefa solitária. Significa que você precisa sim do seu tempo,
pois cada escritor tem um processo diferente de escrita. Alguns gostam de ouvir
músicas relacionadas ao tema/gênero do livro, outros passam horas direto
escrevendo sem pausa, alguns preferem pequenas pausas para descansar, enfim.
Cada processo é um e você precisa conhecer o seu, principalmente porque isso te
ajuda a criar uma rotina de escrita.

O lado ruim de realizar um trabalho sozinho é que você precisa tomar suas
próprias decisões, sem consultar outras pessoas sobre estar ou não seguindo o
caminho certo. Porém, lembre-se, não é porque é um processo solitário que
você está sozinho.

● Falta de prática

“Os melhores escritores são aqueles que passam mais tempo praticando”.
Isso significa que, ainda que você não se sinta preparada, ainda que acredite que a

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sua ideia não é boa o suficiente, você precisa continuar. Escrever não se trata de
talento ou dom, mas sim de uma habilidade que pode ser aprimorada. Você
precisa ter a oportunidade de experimentar, conhecer a sua escrita, descobrir qual
gênero você se sente mais confortável e qual não te agrada tanto.

● Falta de “boas ideias”

As melhores ideias surgem em momentos inesperados. Tente descobrir o


que inspira você e em que momento você está mais propício a um pico de
criatividade. Pode ser lendo outro livro, assistindo, observando as pessoas, enfim.
Além disso, deixo a questão: a sua ideia realmente não é boa ou você está se
autocriticando demais?

Um truque que pode ajudar a gerar novas ideias é a pergunta “E se?”. Por
exemplo: as pessoas estão no mercado fazendo compras. E se um rapaz chegar
atirando no local? E se esse rapaz for o namorado de uma moça que está fazendo
compras?

● Não conseguir colocar em palavras o que gostaria de dizer

Esse problema é mais comum do que parece. Muitas vezes escrevemos,


lemos, apagamos e desistimos daquele texto porque ele não parece bom o
suficiente, porque parece que ele não diz o que você estava pensando. Pare de se
cobrar tanto. Você só conseguirá evoluir se praticar, mesmo quando não estiver
bem o suficiente. Quer ver? Compare uma história antiga com uma mais
recente e perceba o quanto você evoluiu.

Lembre-se que nesse primeiro momento você está escrevendo para si e não
pense no julgamento alheio. Deixe a crítica para o leitor crítico. Aproveite o
processo e se divirta com a sua escrita. Uma etapa de cada vez.

3 Informações Básicas
● Comece escrevendo sobre o que você conhece, mas não deixe de pesquisar
e aprender coisas novas.

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● Se você está iniciando agora, talvez possa tentar começar a escrever contos
e noveletas, aos poucos. Claro que você pode arriscar uma história maior,
mas seria interessante testar as suas habilidades em histórias mais curtas.

● Sua primeira versão é sempre um rascunho, jamais a versão final. Esse


rascunho ainda passará pela sua releitura, uma leitura crítica e a revisão.
Garanto que muita coisa vai mudar.

● Evite usar advérbios e adjetivos, palavras que atribuem características a


algo ou alguém. Seu texto sozinho pode mostrar muito em vez de contar. Se
trata de uma técnica chamada “mostre, não conte”, que vamos falar mais à
frente.

● Evite os clichês. Também teremos um tópico especial para falar somente


sobre esse tema tão polêmico e longo, mas no geral, tente ser o mais criativo
possível, seja em diálogos, cenas, ambientes ou enredos.

✎ Exercício:

Pense em um ambiente que você frequenta e lembre de uma pessoa que você
sempre vê lá, mas que você não tem muita intimidade. Escolha alguém que
você não sabe muito além do nome e/ou profissão, assim você terá mais
liberdade. Crie um miniconto com essa pessoa como personagem. Pense
na família dela, personalidade, características psicológicas e a coloque no
enredo que achar melhor.

18
Módulo 3 - Personagens

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Tipos de Personagens
1 - A alma da história
Alguma história que você já leu não tem personagens? Se sim, peço que me
informe, por favor. Um personagem é a alma de uma história ficcional, pois é ele
quem - quase literalmente - vai dar vida ao seu enredo. E não adianta ter um
enredo incrível se seus personagens não conseguem se comunicar com seus
leitores.

Não necessariamente seu personagem precisa ser uma pessoa, pode ser
uma pedra, uma cadeira, um garfo, enfim... A grande questão é que, normalmente,
atribuímos características humanas para esses personagens e isso é chamado de
antropomorfismo. Você já assistiu A Bela e a Fera? Os personagens são velas,
xícaras e armários, por exemplo.

2 - Protagonistas
A história gira em torno dos objetivos, desejos, medos e obstáculos desse
(ou desses) personagem(ns).

Normalmente, eles são considerados heróis/heroínas, mocinhos/mocinhas


por conta dos aspectos morais que os cercam. Aquele personagem clássico de
novela das 21h. Entretanto, é importante lembrar:

Não necessariamente os protagonistas precisam ser o que a sociedade


considera uma “boa pessoa”, eles só precisam convencer os seus leitores do que
acreditam e isso é o mais importante.

Exemplo: no meu livro, Entre Caixas, todos os personagens entram em conflito


com o que é considerado certo e moral, todos possuem defeitos e cometem crimes,
mas ainda assim são protagonistas e os leitores torcem por eles. O desafio é
convencer o público de que aquelas pessoas merecem conquistar os seus
objetivos.

Um bom personagem precisa gerar empatia e identificação. Isso significa


que a pessoa que você criar para dar vida a sua história precisa parecer real para
o público.

20
● As motivações dos seus personagens em geral precisam persuadir o público.
Se a motivação para o personagem conquistar o seu objetivo for fraca,
o público não vai acreditar, não vai se colocar no lugar daquela pessoa e,
consequentemente, não sentirá empatia pelo seu personagem.

● Identificação se refere a olhar para o outro e se encontrar ali também,


ainda que o outro seja completamente diferente. Ao ler “A culpa é das
estrelas”, por exemplo, você é capaz de chorar com as dores do personagem
ainda que não tenha perdido alguém para o câncer, simplesmente porque o
autor foi convincente o suficiente para transmitir a dor que envolve essa
perda.

💡 Aqui entra um tópico extremamente importante: representatividade. Ao


escrever um personagem que faz parte de alguma minoria social,
principalmente se você não fizer parte dela, é preciso ter muito cuidado.
Pesquise bastante sobre o grupo social que deseja abordar e, acima de tudo,
busque por alguém que faça leitura sensível. Esse serviço é prestado justamente
por pessoas que estudam ou que fazem parte daquele grupo para ajustar os
erros que você pode ter cometido durante a escrita.

3 - Antagonistas
Personagem (ou não) que se opõe aos desejos e objetivos do protagonista.

● Toda história precisa ter um antagonista? Sim.

Caso contrário, não haverá conflito. E sem conflito não existe história. Se
o protagonista simplesmente conseguisse alcançar os seus objetivos sem esforço
algum, sem ter que superar obstáculos, sem passar por qualquer problema, os
leitores não têm algo que os prenda, assim como não tem pelo que torcer durante
a leitura.

● Todo antagonista é um vilão? Não.

Um vilão é a personificação de um antagonista, ou seja, um vilão é uma


personagem que age contra os planos do protagonista. Isso é o que chamamos
de antagonismo externo.

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Já o antagonista pode ser qualquer obstáculo que vá de encontro com os
desejos do protagonista, inclusive seus próprios medos. Pode ser, por exemplo, um
trauma de infância, uma guerra, uma doença, etc. Isso é o que chamamos de
antagonismo interno.

➔ Exemplo: no meu livro, Entre Caixas, o antagonista dos personagens é,


justamente, os traumas de infância que eles possuem. Isso impede que eles
criem relações amorosas sinceras e profundas e os fazem cometer crimes.

● Motivação do vilão: por que o vilão é um vilão? O que fez dele ser uma
pessoa com tendências para a maldade? Por que o seu mocinho é o herói?
Ele é bom o tempo todo? Pense sobre esses questionamentos ao criar seus
personagens.

💡 Você já assistiu ao filme Coringa? Ele é nitidamente um vilão, mas


durante todo o filme oscilamos em ficar chocados com as suas atitudes e
sofrer junto com ele quando as pessoas o maltratam. Em determinado
momento, não nos importa mais que ele toma atitudes ruins ou não porque
nós entendemos o porquê ele faz cada coisa e isso se chama gerar empatia
no leitor.

Ainda que o vilão seja alguém que odiamos em uma história, o construa
pensando em convencer o leitor dos seus motivos para ser mal.

É importante lembrar, não justifique as ações ruins dos seus personagens


com transtornos psicológicos. Isso é estigmatizante e prejudica toda uma
comunidade. Seu personagem pode sim possuir sintomas de algo, como crises de
pânico, neuroses, alucinações, mas evite diagnosticá-lo com doenças como
transtorno bipolar, esquizofrenia, psicopatia/sociopatia, etc.

4 - Personagens secundários
São amigos dos protagonistas, trazendo alguma ajuda, criando alianças, etc.,
ou trazem ainda mais dificuldade para a trama, criando ainda mais problemas

22
além do antagonista principal. Nesse último caso, se trata de um secundário
antagônico.

Pode acontecer do fator surpresa da história ser, justamente, um


personagem que achávamos ser amigo do protagonista, ao final, se revelar seu
inimigo. Ou até mesmo quando personagens aparentemente sem importância,
serem os maiores arquitetos para destruir os planos do principal. Nesse caso, é
muito importante o uso de pistas, ou o que chamamos de foreshadowing.

● Essa técnica de escrita, em português, significa prenúncio. Se trata do


recurso de deixar pistas ao longo da história, ainda que sutis, para que uma
ideia seja aos poucos construída. “Ah, mas eu quero surpreender meu leitor”.
Então faça isso da maneira certa.

● Enganar o seu leitor nunca é a melhor opção. As pistas que você deixar
podem se tratar de uma simples palavra, um olhar de um personagem
direcionado para outro, um toque, algo que aparentemente não seja nada.
Porém, quando o leitor chegar ao final, automaticamente seu cérebro vai
fazer essa conexão com aquelas cenas que passaram despercebidas e ele vai
se sentir enganado, não por você, mas por si próprio, por não ter percebido
o que estava óbvio.

Outro recurso que os escritores adoram é fazer com que o personagem que
é antagonista e vilão, ao final, se revele alguém bom.

● Essa estratégia de enredo também precisa ser muito bem trabalhada, já que
ninguém muda de uma hora para outra. É preciso convencer o leitor de
que aquela mudança aconteceu aos poucos e por razões plausíveis, afinal,
ele não passou o livro todo fazendo planos para acabar com a vida do
protagonista para, de repente, pedir desculpas e ser seu amigo.

● Nesse caso, estamos falando da evolução do personagem e vamos


explorar mais esse assunto no tópico seguinte.

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✎ Exercício

1) Escolha um personagem de uma série, filme ou livro que você goste


e detalhe as características dele de acordo com as perguntas a
seguir.
 É protagonista, vilão ou secundário?
 Qual o objetivo desse personagem?
 O que você sabe sobre a vida dele?

Escolha bem pois vamos com esse personagem durante todo o módulo.

2) Crie um personagem, ou use alguém que você já tem e informe os


mesmos tópicos do exercício anterior. É protagonista, vilão ou
secundário? Qual o objetivo desse personagem? Escolha bem pois,
ao longo deste módulo, desenvolveremos melhor quem você
escolheu.

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Criando personagens
1 Público-alvo
A criação de um personagem começa a partir do público-alvo daquela
história. Seja uma identificação realista, quando o personagem se parece com o
leitor em aparência, condição social e financeira, etc., seja uma identificação
utópica quando o personagem se trata de alguém que o público gostaria de ser,
desde a CEO de uma empresa até uma princesa, uma fada, ou uma bruxa, por
exemplo.

💡 O filme Cidade de Deus, por exemplo, possui personagens extremamente reais


e que conversam com uma população específica. Quem não faz parte daquela
realidade tem curiosidade em conhecer, quem faz parte, se identifica com algumas
(senão todas) aquelas vivências. Já As Crônicas de Nárnia se trata de uma
aventura vivida por crianças, um mundo fantástico que acontece dentro de um
guarda-roupa. Quem não gostaria de abrir seu armário e entrar num mundo
mágico?

2 Biografia
O primeiro passo para construir seu personagem pode ser a biografia. Pode ser
porque, caso você queira começar de outra forma, não há o menor problema. O
legal começar por esse tópico é que você tem uma visão geral do seu personagem.

● Lembre-se de criar para seus personagens apenas as informações úteis. Não


adianta criar uma árvore genealógica, com histórico de doenças na família e
origem étnica de cada um se essas informações não forem usadas na sua
história. Isso acaba criando em você a obrigação de usar informações
completamente desnecessárias para o seu enredo.

● Se você souber criar informações a mais e filtrá-las, usando apenas o que


importa, ótimo, caso contrário, evite.

● Para saber quais informações serão úteis na sua história, basta saber
também quais você irá usar e quais farão diferença em seu enredo.

Exemplo 1: os pais da protagonista se casaram em 1987, eles se separaram


10 anos depois. Durante toda a infância ela viveu no Rio de Janeiro, mas após
25
a separação dos pais mudou para Bahia com sua mãe. Se na sua história o
fato dos pais dela se separarem criou algum tipo de trauma e afeta a relação
dela em relacionamentos amorosos, é interessante citar, mas tanto faz se os
pais dela se casaram em 1987 ou 2010 e o tempo que ficaram juntos. Serve
para organizar seus pensamentos, mas não para colocar no livro.

3 - Características
Um erro comum entre os escritores é criar milhares de características para
os seus personagens e, em nenhum momento do livro, fazê-lo agir daquela forma.
É aqui que entra o “mostre, não conte”.

● Em vez de dizer em sua história que sua personagem é egoísta e irritante,


faça ela agir dessa forma. Caso você não saiba exatamente o que fazer, fique
à vontade para pesquisar no Google quais são as características de uma
pessoa egoísta, por exemplo e, ao longo da sua história, faça sua personagem
agir dessa forma.

● Seu personagem precisa falar coisas egoístas em diálogos, pensar dessa


forma e, sempre que possível, agir também. Assim seus leitores terão a
certeza daquele traço de personalidade sem você precisar dizer na
narração.

Sempre recomendo que você escolha 3 características para seu


personagem: se ele é o bonzinho, duas boas e uma ruim, e for um vilão, duas ruins
e uma boa. Por quê? Ninguém é 100% bom ou 100% ruim. Escrever
personagens imaculados e que não cometem um erro sequer pode ser um erro,
pois ninguém é assim na vida real. Seu leitor não é perfeito e é bom que ela veja o
protagonista cometer erros e pense: “eu também já fiz isso”.

Além disso, use de recursos literários para apresentar sua personagem mais
profunda. Usando o exemplo do autor Eldes Saullo: em vez de dizer "ela tinha o
nariz empinado", diga "seu nariz bem delineado apontava na mesma direção do
seu ego". Percebeu a diferença? Use metáforas, analogias e o que mais se sentir à
vontade para apresentar seu personagem.

26
Detalhamento
1 - Perfil psicológico
Traçar o perfil psicológico da sua personagem é importante porque estamos
falando de todas as ações que ela vai ter do início do livro ao fim. Todos temos uma
personalidade por conta de quem somos e do que vivemos e é importante lembrar
que o seu personagem não nasce a partir da página 1, ele tem um backstory.
Traduzindo, se trata de uma história de fundo, um passado que levou seu
personagem até aquele ponto, as coisas que aconteceram “antes do livro começar”.

Você pode traçar o perfil psicológico através de palavras-chave, mas tente


ser específico para não cometer o erro de, durante a escrita, tornar seu ele alguém
vago e “sem sal”, alguém genérico. E lembre-se que não é porque você vai criar o
passado do seu personagem que você precisa criar um outro livro só para contar
essa história. Um ótimo exemplo é a criação dos personagens de Friends. Olhe o a
imagem abaixo:

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● Mônica: inteligente. Cínica. Muito atraente. Teve que trabalhar por tudo que
tem. Uma chefe assistente de um restaurante chique na cidade. Sua vida
romântica é um desastre.

● Rachel: mimada. Adorável. Corajosa. Apavorada. A melhor amiga de Mônica


da época do ensino médio. Não trabalhou por nada que tem. Vivendo por
conta própria pela primeira vez. Não está preparada para fazer nada.

● Phoebe: doce. Excêntrica. Uma pessoa que nunca foi cuidada e nunca teve
um lar. Colega de quarto oficial da Mônica. Vende presilhas na rua e toca
violão no metrô. Uma boa alma.

● Ross: Inteligente. Emotivo. Romântico. Irmão da Mônica. De repente,


divorciado. Lidando com a solteirice com extrema relutância. É
paleontólogo, não que isso importe.

● Joey: bonito. Másculo. Convencido. Mora do outro lado do corredor de


Mônica e Rachel. Quer ser ator. Na verdade, quer ser o Al Pacino. Ama
mulheres, esportes, mulheres, Nova York, mulheres e acima de tudo, ele
mesmo.

● Chandler: engraçado. Seco. Muito irônico em relação à vida de todos,


principalmente a sua. Trabalha em frente ao computador fazendo algo
tedioso em um cubículo claustrofóbico em um indescritível prédio
comercial. Sobrevive do seu senso de humor. E de lanches.

Se você assistiu a série, sabe que tudo isso condiz exatamente com o que
assistimos e a descrição de tudo não passa de um parágrafo. Ótimo exemplo, não?

Para detalhar seu personagem em sua história você pode se fazer as


seguintes perguntas:

● Como você define seu personagem em uma frase?


● Coisa mais importante a saber sobre ele?
● Como ela se vê?
● Como é visto por outras pessoas?
● Por que você gosta desse personagem?
● O que ele tem de diferente de outros personagens?
● Por que os leitores irão se identificar com esse personagem?
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● O que não irão gostar nele?

2 - Arquétipos
Os arquétipos, percebidos por Carl Jung, são modelos que definem o modo
de ser das pessoas. Cada arquétipo tem uma motivação.

Com certeza, sua personagem se encaixa em um desses:

Arquétipos Motivação Características

Bobo da corte Divertir Engraçado, brincalhão

Amante Relacionar-se Valoriza as relações

Cuidador Servir Prestativos, abnegados

Inocente Ser feliz Puro, ingênuo e otimista

Dominador Controlar Líderes possessivos

Sábio Conhecer Racional, detalhista

Órfão Pertencer Vive pela aceitação

Mágico Realizar Focados na espiritualidade

Herói Aprimorar-se Corajosos, batalhadores

Criador Inventar Criativos e curiosos

Explorador Descobrir Independentes, corajosos

Rebelde Questionar Quebradores de regras

Exemplo: se o seu personagem é aquele brincalhão, a alegria do grupo dos amigos,


divertido e alto-astral. Provavelmente, ele é o Bobo da Corte e tem o objetivo de
divertir os outros personagens e os leitores, claro. Se for um líder político, como um
rei autoritário, provavelmente seu arquétipo será o Dominador, que tem o objetivo
de controlar os outros.

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3 - Ficha de personagem
É uma (ótima) forma de organizar seus personagens. Você pode usar
plataformas como o Word, Docs, mas também o Story Planner, que já tem a ficha
para você preencher. As informações que você pode adicionar na ficha de
personagens são:

Informações básicas:

● Nome/apelido do personagem:
● Idade:
● Gênero:
● Signo:
● Arquétipo:

Informações aprofundadas:

● Qual seu maior medo?


● Qual o seu principal desejo e objetivo?
● Quais obstáculos precisa enfrentar?
● Como planeja enfrentar?
● O que acontece se não conseguir?
● Quais são os defeitos e as qualidades? (3 adjetivos)

✎ Exercício:

Preencha as perguntas da ficha de personagens de acordo com o


personagem que você escolheu na atividade anterior. Aprofunde o seu
personagem melhor. Se conseguir, faça o mesmo com o personagem do seu
livro favorito. Decompor personagens que já existem é uma ótima maneira
de visualizar o processo de planejamento de personagem.

4 Como evoluir personagens


A evolução do seu personagem se trata da trajetória dele ao longo do livro.
Com certeza ao final da história seu personagem não será o mesmo do início, já
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que ele enfrentou os obstáculos e conseguiu (ou não) alcançar os seus objetivos.
Evolução significa, simplesmente, as mudanças que ele passou durante o trajeto.
Não necessariamente seu personagem será uma pessoa considerada melhor do
ponto de vista social e moral da sociedade. Como assim?

Exemplo: no meu livro, Entre Caixas, todos os personagens começam o livro como
lindas crianças, já traumatizadas, mas com uma chance de se tornarem boas pessoas.
Ao longo da história acompanhamos tudo o que eles sofrem e como o enredo os guia
para se tornarem pessoas com valores sociais e morais distorcidos, agindo em prol
de sua própria proteção, prazer e realização de desejos, sem pensar nos outros.

Seu personagem pode sim começar como um homem de má índole, que trata seu
par romântico de uma forma não tão legal e ter um arco de redenção que, ao final,
nos fará perdoá-lo por todas as suas ações.

31
Módulo 4 Diálogos

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Bases do Diálogo
O diálogo por si só é um tema mais delicado de abordar, pois não é possível
ensinar onde colocá-lo, por exemplo, ou qual é a hora certa de usá-lo. Quando
lemos um texto, no entanto, é possível identificar quando está numa cena de forma
errada. Às vezes, notamos num livro conversas entre os personagens sem o menor
nexo, que não agregam absolutamente nada ao enredo e que poderiam ser
resumidas pelo narrador com uma frase.

A orientação mais importante relacionada ao diálogo é que você só aprende


com a prática e com uma leitura crítica (aquela mencionada no módulo 1).
Aprenda a unir o útil ao agradável e a usar as leituras que você faz por prazer
também como objeto de estudo.

1 Funções do diálogo
● Revelar informações sobre seu personagem: o próprio irá dizer
(explicitamente ou não), coisas sobre si e sobre os outros personagens
dentro do seu ponto de vista. O mais importante dessa função é lembrar que
é o seu personagem quem está falando, logo, ele possui uma perspectiva
sobre si e sobre os outros muito específica, ainda que distorcida.
➔ Se ele também for o narrador, então você pode manter a mesma forma de
falar e o posicionamento do personagem, se ele não for o narrador, fique
atento para não cometer o erro da voz única, quando a narração permanece
idêntica em todos os pontos de vista. Falaremos isso mais para frente.

● Completar uma ação: vamos supor que o narrador diga que os


personagens estão entrando em uma casa velha de madeira. Depois dessa
introdução apresentada, o narrador não precisa mais falar, porque os
próprios personagens podem movimentar a cena, enquanto a história se
desenvolve. Vamos aos exemplos:

Exemplo 1: Jana, Carlos e Maria caminhavam pela mata em direção a uma


antiga casa. Com cuidado, Jana andava por entre os galhos espalhados pelo
chão. Ela estava apavorada. Durante o trajeto, Carlos tentava acalmá-la,
carinhoso como sempre. Ao assistir a cena, Maria reclamou, seguindo
apressada em direção a casa.

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Exemplo 2:

Jana, Carlos e Maria caminhavam pela mata em direção a antiga casa.

— Eu estou com muito medo — disse Jana, andando a passadas lentas.

— Calma, estou aqui com você — Carlos segurou a sua mão, a acariciando
com o polegar. Jana sorriu com as bochechas coradas.

— Vocês vão começar de novo? — Maria revirou os olhos, andando com mais
velocidade até o destino.

No exemplo 1, o narrador nos apresenta a cena, mas pela forma que ela é
construída não conhecemos os personagens de fato.

No exemplo 2, é possível perceber a relação entre os personagens, a


maneira que falam e um pouco da sua personalidade ao mesmo tempo em que a
cena acontece.

● Equilíbrio com a narração e aproximação personagem-leitor

No livro O Homem de Giz temos a seguinte cena:

“— Então, a carta de recomendação é excelente.

Só podia ser, eu mesmo a escrevi.

— Tudo aqui é impressionante.

Mentir é uma das minhas especialidades”

Esse exemplo nos faz prestar atenção em dois pontos, tanto a maneira que
a autora brincou com a narração e com o diálogo, quanto às pistas sobre quem é o
personagem. Essa história é narrada em primeira pessoa pelo protagonista e o
rapaz que conversa com ele é o diretor da escola que está o contratando.

Uma pessoa que forja a sua própria carta de recomendação, claramente


possui um certo desvio de caráter. Para completar, o próprio personagem assume
que mentir é uma de suas especialidades. Observe que ele diz isso enquanto uma
cena em que ele está mentindo acontece. Destrinchando esse diálogo podemos
perceber quantas técnicas estão embutidas nele, inclusive a “mostre, não conte”.

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2 Discursos
Existem formas, segundo a língua portuguesa, de apresentar falas e
pensamentos dos personagens em um texto. São os três tipos de discurso:

a) Discurso direto: é que o conhecemos, quando usamos travessão e eles


se comunicam através das falas. O que o personagem diz carrega suas
características linguísticas.

b) Discurso indireto: quando o narrador fala, mostrando o que acontece


através do seu ponto de vista.

c) Discurso indireto livre: é uma união dos discursos anteriores. É uma


narração em terceira pessoa, onde há interrupções do personagem que
está em foco narrativo. Ao ler, parece que o narrador está absorvendo as
dores e impressões de quem está em foco, mas, tecnicamente, se trata de
uma interferência do próprio personagem.

Para ilustrar, trarei um exemplo do livro Escrita Criativa para Iniciantes,


do Marcelo Spalding:

“D. Aurora sacudiu a cabeça e afastou o juízo temerário. Para que estar
catando defeitos no próximo? Eram todos irmãos. Irmãos.” (Graciliano
Ramos).

3 Pontuação
Ao escrever um diálogo usa-se travessão. É comum em histórias norte-
americanas e inglesas o uso de aspas, mas não no Brasil. O uso das aspas pode
dificultar a leitura e, consequentemente, o entendimento do texto. É possível usar
aspas quando um pensamento de personagem interrompe a narração.

Ao interromper um diálogo para incluir uma narração, também se usa


travessão. E, toda vez que um novo personagem fala, muda-se o parágrafo. Por
exemplo:

— Marcela, você viu aquele gato preto? — perguntou Carmen, olhando em volta.

— Não, você deve estar vendo coisas de novo — A amiga segurou o riso, deixando
o cômodo.

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Após o travessão não se usa ponto quando o a palavra que vier a seguir for
um verbo dicendi, além de ele vir com letra minúscula. “Dicendi” significa “verbos
de dizer” e eles servem, justamente, para esse referir a forma que um personagem
está falando. Pedir, gritar, perguntar, etc., são verbos dicendi.

Se após o diálogo vem uma cena, como na parte que está grifada, então antes
do travessão tem um ponto e, logo, a frase seguinte começa com letra maiúscula.

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O Não Dito

1 Por trás do texto


a) Tom de voz: quando as pessoas falam, elas usam um tom de voz
específico. Às vezes estão sendo irônicas, às vezes podem estar mentindo
e tudo isso pode ser passado através de um bom diálogo.

Você pode escrever:

— Saia — gritou.

Ou você pode dizer:

— Saia!

É notável a diferença que uma pontuação agrega ao diálogo. O tom de voz


de um personagem, dependendo das palavras ditas, também ficam implícitas.
Tente escrever uma fala que passe o máximo possível de informações e emoções
para o leitor através desses artifícios.

b) Descrição de diálogo: o diálogo acontece enquanto outras coisas


também estão acontecendo e esse é o princípio desse tópico. É
importante aprender a equilibrar as falas dos personagens, com o que as
movimentações ao redor, a percepção dos personagens sobre o que os
outros falam, etc. Por exemplo:

— Olá! — Ana disse sem olhar em meus olhos.


— Olá? Como você tem a coragem de aparecer aqui assim? — Levantei,
batendo na mesa. A vontade era de gritar, mas não queria chamar mais
atenção.
— Luiza, por favor! — Roberta colocou uma de suas mãos em meus
ombros. — Ouça o que ela tem a dizer.
— Eu vim pedir desculpas, Luiza — Ana se aproximou. Seus olhos estavam
marejados, mas aquela cena não me comovia mais.

Todos as falas estão com descrições logo após. A cena possui 3 personagens
e, por isso, é preciso saber descrever o que cada uma está fazendo ao lado da fala
da personagem. Evite colocar a ação de uma personagem ao fim do que outra fala,
pois isso pode confundir muito o leitor.
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Quando tem mais de uma pessoa na cena, é interessante que, quando uma
se refere a outra especificamente, ela fale seu nome. Talvez você ainda não tenha
percebido, mas fazemos isso na vida real também. Isso ajuda ao leitor:

● Fixar o nome das personagens;


● Entender quem está fazendo o que;
● Perceber quem disse cada fala;
● Não se perder no meio da cena.

A descrição também está relacionada com a movimentação da cena. Como


foi possível perceber, dá para conhecer o ambiente enquanto os personagens
se movem. Não é necessário escrever um parágrafo enorme e cansativo sobre
a ambientação do local se você pode integrar tudo isso aos diálogos.

c) Local em que a cena acontece: é importante entender a dinâmica do


local em que os diálogos acontecem, pois, a forma que as pessoas se
comportam em público é bastante diferente do comportamento em
locais privados. Lembre-se que as pessoas podem gritar, sussurrar, se
afastar das outras para falar sobre assuntos mais pessoais, etc. Parece
um detalhe, mas fazer seu personagem agir de forma incoerente em
público ou no privado pode deixar o leitor confuso.

Exemplo: você está escrevendo um diálogo em que um casal está em fase de divórcio.
A discussão começa num restaurante e termina em casa. Com certeza a forma de agir
no restaurante terá muito mais informações implícitas do que explícitas, ao
contrário das ações em casa.

2 - Como não escrever diálogos


● Não diga o óbvio: se a trama indica algo, você não precisa repetir.

● Evite monólogos: quando dois personagens conversam, se um deles tem


muita coisa a dizer, tente equilibrar com a narração. Um monólogo pode ser
bem cansativo.

● Seja fiel a linguagem do seu personagem: se seu personagem é um


adolescente de 16 anos, use a linguagem de um adolescente de 16 anos (a
não ser que ele seja alguém peculiar, que por alguma razão fala formal).

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● Ele disse, ela disse: usar várias vezes esses termos após um diálogo deixa
o seu texto muito pobre. Encontre outras formas de pontuar quem falou o
que e, se estiver implícito, principalmente se for um diálogo de apenas duas
pessoas, não precisa repetir tantas vezes.

● Introduções: a não ser que o “oi”, “oi”, “tudo bem?”, “tudo e você” signifique
que seus personagens estão inseguros ou tímidos, evite usar. O diálogo que
colocamos na história é o recorte de uma conversa. O narrador pode
informar que os personagens se cumprimentaram e no diálogo em si você
coloca só o que é relevante para o leitor.

✎ Exercício:

Aplique os conhecimentos adquiridos nesse módulo em seus diálogos.

39
Módulo 5 Narração

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Narração I
1 Escolhendo o narrador
O narrador é o pilar principal de um livro. Ele determina a forma que o
conteúdo será trabalhado e como isso chega ao público. Através do narrador, o
leitor vai conhecer a sua história e a forma que isso vai acontecer, quais
personagens serão apresentados e como, a linguagem, o que é revelado, entre
outros.

O narrador, inclusive, é um personagem que você cria. Não necessariamente


ele fala da mesma maneira que você, nem usa as mesmas expressões, ainda que a
história esteja em terceira pessoa. Pense nele como um personagem.

Para decidir se a sua história será em primeira ou terceira pessoa, que é a


dúvida da maioria, você precisa pensar em dois fatores:

a) O que eu quero que meus leitores sintam?


b) A partir de qual perspectiva eu consigo atingir esse objetivo?

Um bom exemplo disso é que no meu livro, Entre Caixas, usei os dois
narradores justamente porque precisava que o leitor sentisse de formas
diferentes. A história é dividida em quatro partes, em três delas usei o narrador
observador, mas em uma parte específica, em que o antagonista da personagem
eram seus próprios medos e pensamentos, precisei usar a primeira pessoa. Assim,
o leitor consegue sentir exatamente como a personagem sente.

Pensar sobre quem conta a sua história, também é pensar no tom de voz.
Diferente do tom de voz do personagem, aqui é preciso decidir o tom em que você
contará a história. Cada narrador tem sua forma de falar, explicitar os sentimentos
dos personagens, se será mais formal ou coloquial, se usará gírias. O tom de voz
depende do:

a) Gênero da história: se o seu livro é de terror e você quer passar certa


tensão, provavelmente seu narrador assumirá um tom mais sério,
usará de algumas figuras de linguagem para transmitir sensações e
sentimentos e não será muito brincalhão;

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b) Público-alvo do livro: caso seus leitores sejam jovens adolescentes,
seu narrador pode usar de ironia e sarcasmo e fazer brincadeiras ao
longo da narração;

c) Tema da história: já se seu livro aborda temas que precisam ser


tratados com seriedade, seu narrador precisará assumir certa
postura, já se seu livro trata de um tema pesado, mas você quer
manter a leitura leve, será outro tom.

Como descobrir qual o tom certo? Você precisa escrever. Não é algo
que você simplesmente decide, o tom de voz nasce junto com o
planejamento da história. No momento que esses três pontos são
ponderados e você começa o seu processo de escrita, basta ter um
pouco de tato para entender o que é melhor para o seu livro.

2 Narrador onisciente
O narrador onisciente, que também é onipresente, é um dos mais utilizados.
Normalmente, ele é usado em terceira pessoa e não se trata de um personagem da
história. Esse narrador sabe exatamente o que se passa com todos os personagens,
seus sentimentos e pensamentos e pode até “prever o futuro”, soltando
informações e pistas que podem contribuir futuramente para o enredo.

Existe um mito literário de que o narrador em terceira pessoa é imparcial e


narra a história de forma neutra, sem se envolver, mas isso não é uma regra. Se um
narrador em terceira pessoa tem o foco narrativo na protagonista e conta a
história da perspectiva dela, ele pode sim soltar informações ao mesmo tempo que
coloca suas opiniões e seus sentimentos, quase como se estivesse absorvendo o
pensamento daquele personagem. O foco narrativo pode:

a) Estar em um mesmo personagem a história inteira;

b) Mudar de personagem ao longo da história, narrando as vivências


de um e depois de outra pessoa;

c) Ter ciência de todos os pensamentos e sentimentos.

Quando se trata do narrador em terceira pessoa, foco narrativo e pontos de


vista são termos que se confundem, pois ambos variam, diferente do narrador
personagem, como veremos mais à frente. Quando o foco narrativo é em terceira

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pessoa, ele pode mudar, já que o narrador tem a liberdade de passear pela história.
Entretanto, é bom evitar alternar muitos pontos de vista. Como disse Modesto, é
como se o narrador colocasse uma câmera em cima da cabeça de um personagem,
acompanhando-o por todos os lados. Se essa mudança acontecer muitas vezes,
principalmente ao unir vários personagens numa mesma cena, pode ser confuso
para você escrever ou para o leitor acompanhar.

Uma boa indicação de livro sobre pontos de vista é Gone Girl (Garota
Exemplar, em português). O livro possui duas narrações, uma de Nick Dune, o
marido, e outra através do diário de Amy Dune, sua esposa. É interessante
perceber como nós mudamos de opinião sobre a história toda vez que termina
uma narração, justamente pela apresentação dos diferentes pontos de vista,
permitindo que o leitor tire suas próprias conclusões.

Esse tópico tem um adendo importante: em algumas séries como How I Met
Your Mother e Euphoria, por exemplo, os protagonistas aparecem como
narradores oniscientes. Teoricamente, não faz o menor sentido, já que eles não
têm como estar em determinados ambientes e conhecer os diálogos, mas os
roteiristas e diretores tomaram essa liberdade artística e funcionou muito bem.
Ted Mosby, protagonista de HIMYM, vez ou outra comete erros na narração e
afirma que não lembra de uma cena ou outra. Já a Rue, de Euphoria, narra tudo
com muita propriedade, situações de um passado distante, antes mesmo dela
existir até cenas que a personagem em si ainda não descobriu. O que poderia ser
um fiasco se tornou um agregador, já que os telespectadores passaram a criar
várias teorias a partir disso.

Alguns livros afirmam que o narrador onisciente não é a melhor opção,


pois enfraquece a história já que ele conta absolutamente tudo. Sendo preferível o
narrador onisciente seletivo, que tenha um foco mais delimitado no ponto de
vista de alguém para gerar suspense e curiosidade nos leitores. Uma narração
nesse sentido, ainda que tenha outros personagens envolvidos, não falará sobre os
sentimentos e pensamentos não explícitos ou ditos por outros personagens se não
aquele que está no foco.

Acredito que, se feito bem, aplicando determinadas técnicas (como o


mostre, não conte, integrando narração ao diálogo, etc.) esse problema não
acontecerá.

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Narração II
1 Narrador personagem - Protagonista
Como o próprio nome diz, esse narrador faz parte da história e conta aos
leitores situações que aconteceram consigo em primeira pessoa (eu). Essa é uma
boa escolha quando você quer conectar imediatamente o leitor com a história e
com as dores e objetivos do personagem, já que ele estará falando de si e do seu
ponto de vista em todo o tempo.

Quando narra algo que já aconteceu, o narrador também tem a possibilidade


de deixar pistas para o leitor, o que pode ser uma ótima tática para deixá-lo curioso
com o que está por vir. Quando narra fatos que estão acontecendo no presente,
acompanhamos o andamento da história juntamente com o personagem, o que
pode nos aproximar da história.

Outro ponto interessante de usar o narrador personagem é se conectar


diretamente com o seu público-alvo. O narrador personagem, provavelmente, vai
se comportar, falar e pensar de uma maneira que o leitor possa se identificar. Por
exemplo, um adolescente usando expressões coloquiais durante a narração. Há um
livro que estou escrevendo que se passa em Salvador, na Bahia, e todo o cenário
gira em torno de uma disputa pelo controle do tráfico em favelas. As histórias são
narradas por dois personagens principais e, devido ao contexto, é importantíssimo
que eles usem gírias e façam o leitor se sentir dentro daquele contexto, que é
distante da realidade de muitos, ao mesmo tempo em que é necessário que
baianos, ao lerem o livro, se identifiquem com aquele local.

É necessário estabelecer aqui a diferença entre foco narrativo e ponto de


vista do narrador quando se trata de um personagem. Nesse caso, conhecemos
apenas os pensamentos, memórias, ações e descrições da forma que aquela pessoa
vê, sente e imagina. Já o foco narrativo desse personagem pode mudar. Se o seu
personagem está numa escola, por exemplo, e está acontecendo ao mesmo tempo
um jogo de futebol no canto, uma briga entre amigos ao seu lado e um pedido de
namoro na arquibancada de baixo, ele pode narrar apenas o jogo, ainda que cite
que as outras situações estão acontecendo ao seu redor.

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2 Narrador personagem - Coadjuvante
No livro Escrita Criativa para Iniciantes, o escritor Marcelo Spalding cita um
exemplo perfeito sobre o uso de personagens narradores que não são os
principais: em um trecho de Um Estudo em Vermelho, de Sir Arthur Conan Doyle,
ele destaca uma cena em que Sherlock e Watson conversam, mas é esse último
quem narra. A ideia de usar Watson implica em dois fatores:

a) Se Holmes se vangloriasse e narrasse toda a sua inteligência do seu


próprio ponto de vista, poderia soar inverossímil e egocêntrico, mas
quando vem de Watson, alguém que convive com ele, parece muito
mais real;
b) O fato do narrador ser alguém comum e não com inimagináveis
habilidades mentais - como o leitor provavelmente é - faz com que
haja essa aproximação, por ser mais difícil acompanhar os
pensamentos de Sherlock.

No geral, o lado positivo de um narrador em primeira pessoa, seja protagonista ou


coadjuvante é poder brincar com o leitor. Seu narrador pode mentir e manipular
o leitor (ainda que a história deixe pistas da verdade), contando apenas a sua
versão e permitindo que ele se compadeça, gerando empatia e conexão ainda que
ele seja o grande vilão da história.

💡 A clássica discussão se Capitu traiu ou não Bentinho no livro Dom


Casmurro se dá, justamente, por conta da narração. O livro é narrado por
Bentinho e, por isso, a percepção dele na história é relativa e não confiável.

3 - O quanto um narrador revela


Como já discutido também no módulo de diálogos, um dos pontos mais
importantes da narrativa é aquilo que não é dito, mas que complementa o enredo
sugerindo informações e levando o leitor a pensar algo.

No momento que você for planejar as suas cenas, você também pensará
exatamente no que será narrado e no que se manterá oculto. Para delimitar
exatamente o que não pode faltar na sua história, primeiro, a escreva em tópicos,

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contendo apenas o mais importante, como se estivesse contando para seus pais ou
amigos como foi seu dia, por exemplo. Sem detalhes, apenas informações gerais.

Ao fazer isso, você percebe as cenas que serão imprescindíveis na sua


história. No momento de escrevê-las, você terá que fazer escolhas, da mesma
maneira que discutimos no módulo 1. Algumas coisas precisarão ficar implícitas
para que o seu leitor possa construir determinadas ideias também.

4 - O perigo da voz única


Essa é uma das perguntas que mais recebo. Pode misturar narradores ao
longo da história? Sim, você pode. Tanto o narrador onisciente e o personagem,
quanto dois personagens. Porém, e esse é um grande porém, é preciso fazer isso
com maestria, ou suas opções de ter mais de um narrador não servirá de nada.

É preciso que os personagens estejam muito bem definidos, inclusive


pensando em gírias, vícios de linguagem, expressões, entre outros. No momento
em que você mudar de narrador, lembre-se que é outro personagem que está
falando, não é possível que a sua narração permaneça da mesma forma, ainda que
eles contêm exatamente o mesmo evento. Pense que você e sua amiga
presenciaram uma briga. Ao contá-la, vocês com certeza fariam de formas
diferentes. Caso isso não aconteça, sua história terá uma única voz e o fato de você
ter mais de um narrador será inútil e passará despercebido.

✎ Exercício

Descreva uma cena em que dois personagens se reencontram depois de


anos se ver, mas do ponto de vista de cada um deles.

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Cenas I
1 Mostre, não conte
Durante todo esse módulo falei repetidas vezes sobre “mostrar e não
contar”, mas nesse tópico gostaria de explicar a diferença entre mostrar e contar
para você, escritor e para os leitores e como exatamente essa técnica funciona.

Ainda que a essa altura você acredite que saiba como fazer tudo isso, muitos
escritores experientes ainda cometem o erro de contar o tempo todo para o leitor
algo que é de responsabilidade dele entender.

Se eu digo:

“Ricardo está triste”, eu estou contando.

Se eu digo:

“Ricardo chorava sem parar, sozinho no canto da sala”, eu estou mostrando


e (dependendo do contexto, é claro) você pode entender que ele está triste.

De acordo com o livro “Show, don’t Tell” da escritora Sandra Gerth, eis as
diferenças entre mostrar e contar:

a) Contar acontece quando você explícita aos seus leitores conclusões e


interpretações de cenas, muitas vezes as deixando repetitivas. Isso
impede que o leitor pense por si mesmo e aproveite a experiência da
leitura, de imaginar e sentir.

A autora do livro exemplifica que contar um livro dá a mesma sensação de


ler sobre um acidente de carro num jornal. Mostrar, é como se você estivesse
vivendo o momento do acidente junto com os personagens.

b) Mostrar permite que o leitor una os detalhes de um cenário e sinta


os acontecimentos com os seus cinco sentidos e a imaginação, tirando
suas próprias conclusões das cenas.

Contar te mostra fatos, mostrar te dá emoções.

E toda essa reflexão feita pela Sandra Gerth é uma ótima forma de introduzir
o tema para que seja mais fácil aplicar essa técnica na hora da escrita.

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Parece uma teoria de fácil compreensão, mas nossos vícios de escrita muitas
vezes nos impedem de aplicá-la e é por isso que será preciso atenção no momento
da releitura. Eis o que a Sandra chama de “red flags” ou alertas de que aquilo que
você escreveu está contando e não mostrando:

a) Conclusões

Quando você narra uma cena e, em seguida, explica aos seus leitores o que
isso significa:

— Luna, eu preciso falar com você — Sarah segurou as mãos da namorada.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Luna, franzindo o cenho.

— Eu acho que… Bem, não sei como dizer isso. Ultimamente, as coisas
mudaram entre nós e…

Luna gaguejava, desviando o olhar. Ela estava prestes a terminar a


relação.

Se o leitor fizer uma interpretação mínima da cena, pelas frases “clichês”, as


palavras usadas, os olhares desviados, entre outros elementos, é fácil perceber que
Sarah quer terminar a relação com Luna, não é preciso finalizar dessa forma.

b) Linguagem abstrata

Quando o seu leitor não conseguir visualizar a cena narrada, você está
contando. Usar termos vagos no momento da narração é um obstáculo enorme
para o leitor. O exemplo presente no livro “Show, don’t tell” nos permite
compreender esse tópico.

“Ela checou os sinais vitais do homem.”

De quantas formas é possível checar os sinais vitais de alguém? Como faz


isso? Ao ler essa frase, não é possível criar uma imagem imediata.

“Ela se curvou e colocou dois dedos em seu pescoço, sentindo um pulso fraco
na ponta de seus dedos”.

Com esse segundo exemplo é possível imaginar exatamente cada ação.

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c) Sumários

Sempre que você resume cenas importantes, você está contando. Cada
gênero literário tem cenas marcantes, como o primeiro beijo do casal em um
romance, ou quando um personagem morre em um suspense, uma cena de medo
no terror, etc.

Você provavelmente já viu comentários nas bookredes de como os leitores


odeiam quando um autor escreve “e eles se amaram a noite toda” em vez de narrar
uma cena em que o casal tem relações. Não que seja obrigatório narrar, mas em
um livro de romance, ou com um relacionamento que os leitores gostam, esse se
torna um ponto alto do livro e esperado pelos leitores. Essa frase (e as que se
parecem com ela” são odiadas justamente porque o escritor está contando e não
mostrando.

Os leitores que não possuem entendimento de técnicas de escrita podem até


não saber exatamente o porquê não gosta que o autor resume, acha que se trata de
uma simples curiosidade, quando na verdade há muito mais envolvido.

No entanto, como dito por David Lodge no livro A arte da ficção, o sumário
é válido quando precisamos passar informações desinteressantes no texto. O que
não é recomendado que aconteça, é que seu texto se torne um apanhado de
resumos e não uma narração.

d) Backstory

Quando você relata determinados acontecimentos, como em um livro de


história, você está contando. Um ótimo exemplo disso é quando, principalmente
em histórias de fantasia, os autores decidem começar o prólogo com um resumo
do passo do personagem, ou explicando o mundo. Evite fazer isso. Falaremos mais
sobre esse assunto mais à frente, mas é importante que seus leitores conheçam
seu mundo ou personagem enquanto a história se desenvolve.

e) Advérbios e adjetivos

Como já conversamos, sempre que possível, evite advérbios e adjetivos.


Óbvio que você não vai deixar de usá-los, basta ter um filtro para não passar do
ponto. Para saber como substituir advérbios e adjetivos apropriadamente, basta
pesquisar quais atitudes precisam ser tomadas para que aquela característica seja
perceptível. Em vez de escrever “Lucas estava feliz”, se pergunte o que Lucas
estava fazendo para parecer feliz? Se não são atitudes explícitas, você pode usar
sensações físicas.

49
f) Verbos de ligação

Esses verbos têm a função de unir o sujeito a uma característica. Assim como
no tópico anterior, você não vai banir o uso, mas sempre que for possível substituí-
los por uma descrição. Ser, estar, parecer, ficar, por exemplo, são verbos de ligação.
Eles demonstram na história uma ação praticada ou sofrida e, normalmente, eles
vêm acompanhados de adjetivos. O exemplo do tópico anterior “Lucas estava feliz”,
vale para esse também, pois “estar” é um verbo de ligação.

g) Nomear emoções

Continuamos com o exemplo dos tópicos anteriores. “Feliz”, “triste”,


“bravo”, “assustado”, “amargurado”, etc. Sempre que possível mostre
ao seu leitor as ações que o vão fazer compreender que o personagem
se sente assim.

h) Palavras-filtro

Esse é um conceito que não é muito disseminado no Brasil, mas a autora


Sandra Gerth explica que são termos que descrevem o personagem percebendo ou
pensando algo. Aqui se encaixa as seguintes palavras: viu, cheirou, ouviu, assistiu,
percebeu, soube, entre outras. Durante todo esse tópico foi aprendido que é
preciso mostrar ao leitor como os personagens se sentem, mas não é por essa
razão que você limitará a descrição de uma cena a um simples resumo de algo,
quando você pode explicar com maior riqueza de detalhes. Eis o exemplo usado
pela autora:

Contar: “Tina percebeu que perdeu as chaves”.

Mostrar: Tina colocou as mãos nos bolsos. Droga! Sequer imaginava onde as teria
perdido.

✎ Exercício

Em um livro que está escrevendo, ou em um livro que você gosta, busque


por cenas que estão sendo contadas e não mostradas e tente reescrevê-las.

50
Cenas II
1 - Como criar cenas
É um comportamento comum de quem está começando a escrever não
saber como escrever cenas, ter dúvidas se está escrevendo demais ou de menos e
acabar fazendo enormes parágrafos listando fatos importantes e fazendo saltos
temporais na história. Isso se relaciona com os “sumários” que falamos no tópico
anterior. Por isso a grande dificuldade de escrever contos: parece não ser possível
contar uma história em um espaço tão curto de tempo. Para o autor, é necessário
contextualizar todo o passado do personagem, inclusive de seus ancestrais, para a
história fazer sentido. A prova disso é a quantidade de livros enormes que temos
por aí, mas que, pela minha experiência com leitura crítica, poderiam facilmente
ser cortados pela metade.

Para desenvolver um personagem, você pode escolher duas ou três cenas


do passado dele e mostrá-las ao seu leitor, desenvolvendo bem o suficiente para
que ele entenda a construção do seu personagem. Manter uma cena por mais de
um parágrafo, até mesmo mais de uma página, causa imersão no leitor, o fazendo
imaginar cada detalhe.

O autor Renato Modesto usa como exemplo uma peça de teatro. Todas as
vezes que a cortina fecha para a troca de personagens ou de cenário, é aquele
momento em que parece que estamos respirando novamente depois de muito
tempo prendendo o fôlego. Estávamos tão imersos no que acontecia no palco que
sequer percebemos o que estava acontecendo. Isso é estar imerso numa cena e um
sumário não nos permite essa experiência.

De acordo com Modesto, existem quatro elementos para a criação de uma


cena:

a) Ações: dão a dinâmica da cena, elas são exteriores, podemos vê-las


acontecendo, se trata da movimentação em si. É o que constrói a
narrativa;
b) Descrições: o momento em que falamos sobre a características das
coisas, ambientes, cenários, etc. Ultimamente estão muito atreladas
com diálogos e ações.
c) Diálogos: já falamos sobre eles no módulo 5 e já sabemos sobre a sua
importância.

51
d) Digressões: reflexões do narrador, observações e algumas
memórias.

Vamos analisar o trecho a seguir do livro da segunda parte do livro Entre


Caixas, “Chame meu nome”, para encontrar os quatro elementos de uma cena. As
observações em torno da cena estarão em negrito:

“Seus lábios tinham sabor de sangue. Sua pele cheirava ao desespero. Os


olhos azuis quase sem vida ainda gritavam por socorro. Seu cabelo platinado era a
única parte do seu corpo que estava intacta e ainda exalava um perfume doce.”

Aqui está uma descrição da aparência física da personagem atrelada


ao que acontece no momento. Pela descrição é possível notar, também, que
a personagem está em perigo.

“Aos poucos, suas mãos que lutavam contra o corpo masculino a todo custo,
foram perdendo a força. Ela puxou o ar pela última vez.
— Chame o meu nome — sussurrou em seu ouvido.
— Richard... — sibilou.
— Desculpe, Violet — encostou seus lábios nos dela novamente.”

Esse primeiro diálogo apresenta o nome das personagens e traz um


elemento para a trama, agora o título faz sentido para os leitores.

Ao sentir o corpo desfalecer sob si, Richard afrouxou os dedos que


seguravam o pescoço da garota pálida. Ainda que despido, o corpo de Violet já não
era mais atrativo, não sem a possibilidade de ouvi-la chamar o seu nome. Ele se
levantou da cama, vestiu suas roupas e abriu as cortinas para que a luz do luar
preenchesse o ambiente. Richard tirou da mochila a sua câmera fotográfica,
buscou pelo ângulo perfeito e começou a sessão de fotos. Antes, ajeitou uma mecha
do cabelo dela que estava fora do lugar.
Após tirar as melhores fotos, cobriu a garota e a observou por alguns
segundos na esperança de assistir seu corpo voltar à vida milagrosamente, mas
não aconteceu. Nunca acontecia. Ele deixou o quarto e abandonou Violet coberta
por um fino lençol naquela madrugada fria. Não que fizesse alguma diferença.

Nesse momento, vemos as ações. É possível perceber a movimentação


do personagem. O ato de levantar, cobrir a garota, etc. Tudo isso nos faz ver
o que está acontecendo. Atrelado a narração, houve algumas digressões.
Quando o narrador diz “Nunca acontecia”, faz com que o leitor entenda que

52
aquela ação de Richard é recorrente. Já o “Não que fizesse alguma diferença”
traz certa personalidade ao narrador. Lembra quando comentamos que não
é porque o narrador é em terceira pessoa que ele será neutro em relação ao
que acontece? Eis a prova.

É interessante destacar que, enquanto eu escrevia essa cena, não


pensei nesses detalhes propriamente ditos. O fato de já possuir
determinados conhecimentos em escrita atrelados à prática nos permite
aplicá-las cada vez de forma mais natural. O momento de releitura também
é perfeito para isso.

“Eram três da manhã. Ao longe era possível ouvir o som de gritos e música.
Óbvio que na madrugada de segunda os universitários estariam festejando em
algum lugar, não importava se teriam aula em algumas horas. Richard atravessou
o campus a pé, observando luzes de festa piscando há alguns quilômetros.
Lembrou-se do seu tempo de universitário, todas as noites vivia as melhores festas
de sua vida, mas agora já não tinha mais idade para beber até cair. Primeiro,
porque a ressaca aos 22 anos não é a mesma aos 28. Segundo, que ele se sentia em
uma vitrine, exposto, todos tirando fotos e gravando vídeos o tempo todo. Ele não
gostava de aparecer, seu trabalho era atrás das câmeras.

Nas partes destacadas observamos as digressões, as reflexões do


narrador. Ele tem conclusões sobre a vida dos universitários, por exemplo, e
as expõe. Além disso, ele retoma memórias de Richard sobre a vida quando
mais novo. Para completar, traz uma importante informação a ser analisada:
o personagem não gosta de exposição, vive nas sombras, pois “seu trabalho
é atrás das câmeras”. Ligando essa informação ao momento em que ele tira
sua câmera da mochila, podemos entender que ele trabalha com fotografia.

“Quando se sentou em seu carro, prestes a ir para casa, recebeu uma ligação:
— Certeza que você estava transando com alguma universitária! — disse,
assim que Richard o atendeu.
— Você me conhece, Steve — Richard riu.
— Estou na festa do Mark, você não vem?
— Merda! — Richard olhou o relógio. — Esqueci completamente.
— Ele vai ficar puto se você não aparecer...
— A patroa liberou você para sair hoje, foi? — Richard brincou.
— Vá à merda, Rich.

53
— Nos vemos em alguns minutos.
— Não nos vemos não! Tenho trabalho amanhã, estou saindo daqui agora.
— Então a gente mata a saudade no almoço de amanhã? — Richard brincou,
fazendo Steve rir.
— Até mais.”

Observe as funções de um diálogo. Com uma frase podemos inferir


várias informações sobre os personagens. Pelas primeiras frases destacadas
é possível perceber que os amigos de Richard sabem que ele é do tipo
“pegador” e se ele sai com várias garotas, o leitor pode se perguntar se ele
faz o mesmo que fez com Violet com todas elas. Ainda que esse processo não
seja consciente, é possível deixar uma pulga atrás da orelha.
Com a pergunta que Richard fez para Steve somado ao fato do narrador
afirmar que Richard brincou, supomos que não se trata de uma “patroa” de
verdade, mas talvez de uma namorada ou esposa de Steve que não permite
que ele saia tanto.

2 - Descrição
A descrição acontece quando precisamos mostrar ao leitor como são os
personagens, os lugares, etc. O ideal no momento da descrição é escolher as
características mais pertinentes para que aquele ambiente fique gravado na mente
do leitor como único.

De acordo com Renato Modesto, existem dois tipos de descrição:


denotativa ou objetiva e conotativa ou subjetiva. Você provavelmente deve ter
ouvido esses termos durante os tempos na escola, certo?

A descrição objetiva, como o próprio nome já diz, vai direto ao ponto,


demonstrando como é aquele determinado ambiente. Já a descrição conotativa usa
metáforas e é aqui onde precisamos conversar. Muitos escritores acreditam que a
melhor maneira de descrever é essa, deixando o texto cansativo e repetitivo. Além
disso, usar metáforas clichês torna seu texto ainda mais fraco, como se você não
tivesse criatividade o suficiente ou não se esforçasse para tentar sair do
convencional.

Outro ponto importante a ser abordado é: evite descrever elementos que não são
importantes para a trama. Um dramaturgo chamado Tchekhov uma vez disse que
“se no primeiro ato você coloca uma pistola na parede, ela tem que ser disparada
até o terceiro”. Ele se referia a peças de teatro, mas vale aqui também. Se você vai
54
descrever um elemento, gastar linhas da sua história e chamar atenção do leitor,
esse elemento precisa ser importante para a trama. Não engane seu leitor ou perca
o tempo dele o fazendo se interessar por algo irrelevante.

55
Módulo 6 - Gêneros Literários

56
Conhecendo Gêneros: Parte I
1 Romance
Quer escrever um romance? Uma história de amor lindíssima? Quem vai nos
ajudar nesse tópico é o escritor Eldes Saullo, com o livro Como Escrever um
Romance. Sim, ele existe! E começa com uma reflexão interessante: o livro mais
popular do mundo inicia com uma história de amor. Adão e Eva. E o está
incrementado nessa relação? Uma traição e uma abrupta quebra de confiança que
pode ter causado consequências para a humanidade.

Por que todos gostamos de uma história de amor? É algo que a sociedade
nos impõe como o ideal de vida perfeita, uma espécie de felicidade genuína que só
será alcançada com o amor. Por isso, muitos especialistas acreditam que
histórias de romance, necessariamente, precisam ter um final feliz. E a
maioria tem. Mas se a sua história for sobre duas pessoas que se amam, mas não
devem ficar juntas, por qualquer motivo que seja? Ainda é uma história de
romance? Eu acredito que sim.

O final feliz tem uma função, é o que normalmente as pessoas chamam de


“Comfort book”, aquele livro que traz conforto, que agrada os leitores com um final
bonito e esperançoso. Se essa forma sua intenção, ótimo, escreva seu final feliz,
porém, não acredito que ele seja obrigatório para caracterizar seu livro um
romance ou não.

Além disso, é importante lembrar que o Romance pode ser mesclado a


outros gêneros, o que também pode mudar a ideia de um final feliz, já que alguns
deles pedem por certo drama e/ou uma reviravolta mais intensa. Os mais comuns
são os romances contemporâneos, históricos e eróticos. Outros subgêneros,
quando conectados ao Romance, ganham maior visibilidade e acabam por tirar
foco da relação do casal, seus objetivos e obstáculos. Quando isso acontece de
forma intencional, é interessante para o livro, mas quando o escritor se perde
em seus gêneros sem querer, pode ser um problema.

💡 Equals (Quando te Conheci) é um filme de Ficção Científica/Distopia e Romance,


mas durante todo o longa, o foco permanece nos obstáculos que o casal tem para
ficar junto.

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Alguns enredos vão por outra via e acabam dando mais visibilidade para o
universo ficcional em que a história se passa. Planeje bem sua história para que ela
caminhe da forma que você deseja.

Vamos falar sobre os subgêneros que possuem mais espaço do mercado.

 Romance Contemporâneo: o mais comum dos subgêneros, é aquele


que traz uma perspectiva mais realista de espaço e tempo. Como
temas, ele aborda algo mais presente na atualidade. Hoje, por
exemplo, é mais recorrente falar de empoderamento feminino, uma
vertente de romances em que as mulheres precisam conciliar
trabalho, o casamento e filhos, por exemplo.

 Romance de Época: algo mais como Orgulho e Preconceito,


Outlander, histórias que inserem em seu enredo um contexto
histórico e assuntos do passado.

 Comédia Romântica: traz um enredo mais leve, com personagens


naturalmente cativantes e situações inesperadas. A quebra de
expectativa é, justamente, o que causa a diversão, assim como a união
de um casal improvável ou, pelo menos, opostos que se atraem.

Não vou colocar Romance LGBTQIA+ aqui porque acho que todos já
entendemos que isso não é uma categoria separada e qualquer gênero de romance
pode ter um casal LGBTQIA+.

Para escrever um bom romance, é preciso pensar em um bom conflito,


como falaremos mais tarde. Se você escrever algum problema muito fácil de ser
resolvido entre o casal, ou que não foi bem desenvolvido na história, você não
convencerá seus leitores. O que impede o casal de ficar junto e os obstáculos que
ele enfrenta precisa ser real o suficiente para o seu público-alvo.

Por exemplo, se você escreve para adolescentes, determinados problemas são


mais reais, pois é o que eles vivem e, logo, se identificam. Já se seu público são
mulheres mais velhas, será necessário trabalhar aquele romance a partir de uma
perspectiva mais madura.

O mais importante ao escrever esse gênero, no entanto, é o mesmo que vale


para todos os outros. Escreva sobre o que você sente, as suas dores. Essa é a
melhor forma de fazer o leitor se identificar. Ainda que não seja uma situação pela
qual você passou, aquela problemática pode mexer com você o suficiente para te

58
causar emoções e te fazer escrever sobre. Não se preocupe com o leitor, escreva
o que você quer escrever.

✎ Exercício

Analise um filme de Romance e note os aspectos abaixo. Lembre-se de


anotar as respostas em um papel.

1. Qual o obstáculo do casal? O que os impede de ficar juntos?

2. Ao longo da história, quais conflitos vão surgindo como consequência do


conflito inicial?

3. O que os protagonistas fazem para lutar contra os obstáculos?

4. O final da história está de acordo com a proposta do enredo ou foi um final


inesperado?

2 Suspense/Thriller
Uma frase que vi uma vez no site Ficção em Tópicos me ensinou muito sobre
suspense:

“Uma cena de assassinato cria tensão. Uma cena onde um assassinato pode
acontecer cria um mistério. Uma cena onde um personagem com quem nos
importamos pode ser assassinado, cria um suspense”

O suspense é a angústia, a incerteza, a expectativa para que algo aconteça. A


partir disso podemos inferir que a intenção do suspense é ser surpreendente,
fazendo o possível para fugir do óbvio, já que ninguém fica angustiado se sabe o
que vai acontecer em seguida. Ironicamente, o erro mais comum do escritor é se
apegar a frase anterior e esquecer do básico: deixar pistas no enredo, que é o que
chamamos de foreshadowing e vamos falar mais profundamente ao longo desse
módulo. É preciso aprender a construir um enredo sólido, deixando pistas sutis
que dê ao seu leitor opções. A parte mais legal do suspense é fazer seu público criar
teorias e, no final, surpreendê-lo com o que ele achava mais improvável ou algo
que ele sequer pensou já que você, escritora, abriu um leque de possibilidades. Isso
significa que você terá que deixar pistas falsas, ou, pelo menos, pistas que possam
ter mais de uma interpretação.
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💡 O filme Fratura (2019) possui muitas pistas falsas e/ou que podem levar a mais
de uma interpretação. Assista ao filme analisando os pequenos detalhes e perceba
como as possíveis situações de perigo que surgem vão te deixar cada vez mais
ansiosa sobre o resultado final. Uma escritora que também trabalha muito bem as
pistas com o objetivo de confundir o leitor é a Agatha Christie.

A maior parte dos livros que possuem crimes, por exemplo, nos geram a
mesma pergunta: Quem cometeu o crime? Por quê? Como? E todos esses
questionamentos se tornam cada vez mais intensos quando nos importamos com
aquela pessoa, quando ela parece boa ou está buscando por justiça e/ou vingança.
Com essa frase automaticamente entendemos que a empatia está presente no
suspense, precisar estar. A causa que move seu personagem, assim como em todos
os gêneros, precisa ser boa.

Existem alguns modelos narrativos que são bastante conhecidos no


suspense, como vingar a morte de um parente próximo, roubar algo de muito valor
em busca de ascensão, investigar um crime e acabar se envolvendo nele... Porém,
lembre-se, o que vai tornar sua história diferente é você. Então se você tiver
uma ideia aparentemente clichê, pense em uma forma de reinventá-la para que
seja surpreendente. Existem alguns aspectos que você precisa conhecer para
escrever um bom suspense:

 Revele as informações aos poucos: o suspense é um crescente em sua


história. No momento de planejar, que vamos aprender mais à frente, você
verá onde deve encaixar cada informação nova para que seu leitor
embarque numa tensão e curiosidade que só aumenta do início ao fim.

 Não deixe a história enfraquecer no meio. Lembre-se que sua história


parte de um conflito inicial, mas vai gerar consequências e, assim, novos
conflitos. Não adianta o início da sua história ser tenso e no meio nada
acontecer, você pode perder o leitor.

 Escolher primeira ou terceira pessoa fará diferença no seu enredo e


você vai decidir conforme sua intenção. Manipular o leitor e confundi-lo será
melhor em qual voz? Qual será a melhor forma de fazê-lo entrar na mente
do personagem?

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 Um bom personagem, como já vimos, pode enriquecer seu enredo de uma
maneira absurda. Faça seus leitores torcerem por ele.

E assim você conseguirá construir um suspense imersivo.

✎ Exercício

Faça a um filme de suspense/thriller e perceba os aspectos abaixo. Lembre-


se de anotá-las para uma melhor absorção do que foi aprendido nesse tópico.

1. Qual o objetivo do personagem principal?

2. Quais são as pistas deixadas ao longo da história? Ao finalizar o filme,


pontue as pistas falsas ou as que você interpretou de outra maneira.

3. Ao longo do filme, quais conflitos vão surgindo como consequência do


conflito inicial?

4. Quais teorias você criou sobre o final do filme? Você acertou alguma delas
ou ele terminou de um jeito diferente?

5. Você consegue identificar algum modelo narrativo na história? Tome


como exemplo os modelos abaixo, mas você pode encontrar outros.

 Personagem em busca de vingança ou justiça

Exemplo: Justiça em Família (2021)

 Investigação de um crime

Exemplo: Seven (1995)

 Protagonista volta para a casa/cidade natal em prol de algo;

Exemplo: Objetos Cortantes (2018)

 Problemas familiares (doença, traição, entre outros)

Exemplo: Fratura (2019)

Observação: pode ser que a história tenha mais de um modelo narrativo.

61
Conhecendo Gêneros: Parte II

4 Ficção Científica
Como o nome já diz, a ciência está profundamente relacionada ao
gênero, mas não é por isso que você precisa seguir os princípios ao pé da
letra. A ficção científica traz a oportunidade de você, escritora, interpretar suas
leis e teorias da forma que mais convém para a sua história. O uso da tecnologia
também é presente, permitindo a criação de aparelhos que ainda não existem,
além da especulação do futuro da humanidade, por isso, esse gênero faz parte do
grupo que chamamos de ficção especulativa (junto com a distopia, fantasia e
outros). Por essa razão, você tem a liberdade de usar o mundo em que vivemos e
adicionar novas tecnologias, ou criar um mundo completamente diferente.

No capítulo sobre verossimilhança falaremos melhor sobre a “suspensão da


descrença”, que é como um acordo não-verbal entre você e seu leitor, onde ele se
propõe a não duvidar do que você escrever. Quanto mais fantasioso for o gênero,
mais regrinhas você terá que criar para que seu mundo faça sentido. No caso da
ficção científica, como muitas coisas podem ser baseadas em leis e teorias
existentes, seu leitor (principalmente os que gostam de ciência) terá mais
facilidade de acreditar no seu mundo.

Existem subgêneros da ficção científica e cada um aborda uma temática


diferente, por exemplo:

 Afrofuturismo é um subgênero que une ficção científica e


cosmologia africana. Um ótimo exemplo desse gênero é o filme
Pantera Negra, da Marvel. Como seria se o continente africano não
sofresse com a colonização e a exploração contínua de seus recursos?
Se eles não fossem obrigados a se separar devido a escravização de
seus povos? Cabe aqui a liberdade de unir tecnologia,
representatividade, força e um determinado ambiente formado
apenas por negros.

 Ciberpunk é um dos subgêneros mais populares da ficção científica.


Normalmente traz uma crítica profunda ao governo passado ou
vigente no mundo e um grau de desordem social. A série Love, Death
and Robots, traz em alguns episódios ótimos exemplos do gênero,
assim como os filmes Matrix e Blade Runner, que são clássicos desse
62
universo. Eles possuem o foco em cibernética, informática,
neuropróteses, realidade virtual e similares.

 O subgênero Distopia também é muito famoso. O enredo se passa no


futuro e, normalmente, o enredo sofre forte interferência de um
sistema de governo controlador, mas não necessariamente
abordarão questões informáticas e cibernéticas. Essa é a principal
diferença entre esse subgênero e o cyberpunk. Por exemplo, Jogos
Vorazes, Divergente e Maze Runner são livros/filmes distópicos.

Além desses três, outros temas passeiam pela ficção científica como viagens
no tempo, alienígenas, fantasia espacial (Interstelar ou Star Wars), steampunk
(união de um tempo passado em que possuía tecnologias mais avançadas como
Desventuras em Série), entre outros.

✎ Exercício

Escolha um filme de ficção científica ou um livro que você tenha lido para
analisar o que foi citado nesse tópico.

1) Quais são os subgêneros em que o enredo se encaixa?

2) O enredo gira em torno de leis científicas? A história respeita as leis e


teorias científicas vigentes ou as interpreta de outra forma?

3) Em algum momento você duvidou do que assistiu/leu ou estava imerso


demais naquele universo (Suspensão da Descrença)?

5 Ação e aventura
Livros que possuem muitas cenas de ação, correria e desespero são
realmente difíceis de escrever. Quando assistimos em um filme ou série,
conseguimos imediatamente visualizar aquela cena, não é necessário construí-la.
Já na escrita, você precisa mostrar a cena e construir uma narrativa fluida para que

63
seu leitor consiga imaginar tudo sem obstáculos, ou ele terá que ler a cena várias
vezes para compreender o que está acontecendo.

Uma cena confusa é o que pode acabar com a sua história. Você precisa
narrar muito bem os acontecimentos para que seus leitores possam compreender
quem está atacando, quem está sendo atacado e as consequências de cada
movimento. Para isso:

 Evite ambiguidades. Se você diz:

“Luiza corria, mas Sandra a puxou pelo cabelo. Assim que revidou, ela caiu.”

Quem caiu? As duas personagens da cena se movimentaram, não dá para


saber se Luiza caiu por conta do puxão de cabelo ou se Sandra quem caiu quando
Luiza revidou. Isso acontece porque está intrínseco aos escritores evitar
repetições de nomes, porém, para tudo há uma exceção e esse é um dos casos.
Quando se trata de uma cena em que as pessoas estão se movimentando de forma
intensa, principalmente se são mais de dois personagens, será necessário repetir
os nomes dos seus personagens.

 Para não ficar cansativo, você pode trazer características dos seus
personagens a cena, por exemplo, se há uma luta entre o barbeiro, Júlio, e
o açougueiro, Marcos, em vez de repetir sempre os nomes Júlio e Marcos,
você pode citar a profissão.

“Marcos empunhou sua faca e preparou-se para atacar. Júlio se esquivou,


correndo na direção contrária. O barbeiro tirou de seu bolso um canivete e agora
ambos estavam páreo a páreo. ”

Para evitar a repetição do nome “Júlio”, usei a sua profissão como referência.
Como, teoricamente, é algo que os leitores já sabem e estão familiarizados, não há
problema nessa utilização.

 Leia a cena pausadamente e em voz alta. Ao ler, você consegue imaginar


o passo a passo e compreender tudo o que os personagens fazem.

 Seja verossímil. É comum, principalmente em filmes, personagens se


machucarem de uma forma absurda, continuar lutando e, para tratamento
tomar apenas um analgésico. Se na sua história o seu personagem tem uma
espécie de força sobrenatural ou poderes, tudo bem. Caso contrário,
pesquise sobre o real efeito que causa um ataque (seja ele com arma de fogo,

64
faca, tesoura ou simplesmente um soco). Busque em sites, fóruns,
documentários, o que quiser.

Lembre-se desses princípios e sua história de ação será inesquecível. Seja explícito
e verossímil para que seus leitores consigam imergir em seu enredo.

✎ Exercício:

Escreva uma cena de luta entre dois ou três personagens respeitando os tópicos já
citados acima. Segue a lista para que você possa relembrar:

1) Não deixe frases ambíguas;

2) Atribua aos personagens características que possam ser usadas para que seus
nomes não fiquem repetitivos;

3) Seja verossímil com as consequências dos ataques entre os personagens uns nos
outros;

4) Ao final, leia a cena em voz alta e pausadamente ou peça para alguém ler e
descubra se você deixou alguma confusão.

65
Escrevendo um Conto

1 - Contos
Uma das perguntas que mais recebo sobre esse gênero é: “qual o tamanho
de um conto?”. Pensar na estrutura do gênero é mais fácil, mas como também
gosto de um número para ter como base, vou compartilhar o que encontrei em um
artigo escrito por Fernando Vrech (2017):

 Miniconto: até 1.000 palavras


 Conto: entre 1000 e 7.500 palavras
 Noveleta: entre 7.500 e 17.500 palavras
 Novela: entre 17.500 e 40.000 palavras
 Romance: acima de 40.000

Como eu gostei dessa explicação, adotei para mim, mas não precisa seguir esses
números tãaaao ao pé da letra, tudo bem?

Então, vamos ao que interessa, como é a escrita de um conto?

 Sua história terá apenas um tema para ser trabalhado e discutido, até
porque você não terá espaço para discutir muita coisa. Não precisa de
subtramas, nem muitas reviravoltas.

 Os cenários também serão limitados. Seu enredo se desenvolverá em


poucos ambientes. Tente não se apegar muito a detalhes que não são
relevantes só para incrementar a imaginação do leitor ao descrever esses
locais. Aqui só o mais importante irá para o livro.

 Seu conto terá poucos personagens. Lembra o que conversamos sobre os


personagens terem funções? Aqui isso é ainda mais imprescindível. Se
aparece aquele parente que tem só um diálogo, ou a melhor amiga que surge
em duas cenas, deixa passar. Tenha um protagonista, um ou dois
secundários e vá com Deus.

 Não economize sua criatividade. Faça o possível para impactar o seu


leitor da primeira linha até a última. Principalmente quando se trata de

66
histórias curtas, não tem isso de começar o capítulo mais tranquilo e deixar
para animar as coisas depois.

 Lembra de quando você fez redação do ENEM? Ou do que te ensinam sobre


ela? Introdução, desenvolvimento, conclusão. Comece apresentando o
problema, seus personagens e o ambiente. Desenvolva o conflito e como
seus personagens passarão por ele e finalize de uma forma impactante e
coerente.

 No tópico acima eu falei sobre um único conflito e aqui explicarei melhor


sobre. Ao contrário de uma história maior, onde vai surgindo a sequência
conflito > consequência > conflito ao longo do livro, o conto terá apenas
um conflito e ele deverá sustentar toda a sua história.

 Pense no que você quer causar em seus leitores e como você vai contar isso.
Qual sentimento você quer causar? Deixe isso bem claro no momento da
escrita para você traçar suas estratégias.

 Não desperdice, de forma nenhuma, parágrafos e diálogos repetindo


informações. Lembre-se da objetividade.

 Planeje! E nem precisa planejar muito não. Defina algumas cenas de virada
e isso pode ser o suficiente já que a complexidade de um conto é muito
menor que a de um romance.

✎ Exercício:

Escreva um miniconto de acordo com as orientações abaixo:

1) Escolha um conflito, um único problema que seus personagens precisarão


enfrentar. Sinta-se livre quanto ao gênero da história.

2) Crie dois personagens principais para o seu miniconto.

3) Antes de escrever, planeje as cenas que estarão presentes na história. Faça


uma lista com todos os acontecimentos mais importantes do conto.

4) Se desligue da autocrítica e apenas escreva livremente.

67
Módulo 7 - Estrutura do Enredo

68
O Enredo

1 Elementos que o compõe


O enredo é a história que você conta e estruturá-lo, que é o que chamamos
de planejamento literário, se trata da maneira que você organiza os fatos da
história que você vai contar. Ele pode ser dividido em três grandes fases:
apresentação, desenvolvimento e resolução, essas fases são chamadas de atos
e vamos trabalhar melhor esse conceito em breve. Vamos então aos elementos:

1) Temas

Normalmente, as histórias abordam temas. No seu enredo, por exemplo,


você pode discutir violências sociais como racismo ou LGBTQIA+ fobia, falar sobre
as consequências da tecnologia na sociedade, como em Black Mirror, ou o que sua
criatividade permitir.

Um dos maiores erros do escritor iniciante é tratar de vários temas no seu


livro e não conseguir se aprofundar em nenhum deles. Se você quiser escrever
uma história longa ou uma série de livros, você pode sim abordar vários temas e
criar vários núcleos de personagens diferentes, assim você terá tempo de trabalhar
bem cada um deles. Caso contrário, escolha um ou dois temas no máximo. Se você
simplesmente jogar assuntos polêmicos no seu livro, sua história vai enfraquecer
e o leitor vai esperar o desenvolvimento de um assunto que nunca chegará, pelo
menos não da maneira esperada. Isso pode fazer com que seu público pense que
você está fazendo o chamado “tokenismo”. Isso acontece quando as pessoas usam
as minorias sociais apenas como forma de mostrar aos outros que seu trabalho é
sim inclusivo e/ou representativo, buscando chamar atenção de um determinado
público e não ser apontado como alguém preconceituoso.

2) Encadeamento

É comum também inserir no enredo diversos acontecimentos que não


possuem relação entre si.

Por exemplo, a melhor amiga da personagem principal possui uma doença


e durante todo o enredo há uma comoção em torno disso, mas o tema não é bem
trabalhado e o fato dela ter essa doença não faz diferença nenhuma no enredo.

69
Sua história precisa de encadeamento. As situações que acontecem
precisam, necessariamente, estar interligadas e afetar umas às outras, ou não fará
o menor sentido acrescentá-las na sua história. É o mesmo princípio do Tchekhov.

3) Conflito

O que move uma história é o conflito. Falei sobre ele rapidamente no


módulo de personagens, mas aqui vou ser mais específica. O conflito se trata de
algo que rompe com o equilíbrio narrativo. Por exemplo:

Andréia está andando na rua até que…

Somente o uso do “até que” faz você entender que algo novo vai acontecer,
te deixando curioso sobre o que está por vir.

Até que encontra seu ex-namorado, Marcos.

E então eu te encaminhei para mais um passo, pois é o momento em que


você se pergunta sobre quais serão as possíveis reações? Será que o término foi
tranquilo? Eles vão se cumprimentar? Passar direto um pelo outro? Assim vou te
prendendo na minha história até encontrar o desfecho.

Se a personagem estivesse apenas andando na rua, cheirando flores,


sorrindo para as pessoas, em cinco minutos você desistiria de ler porque o segredo
de uma boa narrativa é, justamente, um bom conflito.

Como saber se o seu conflito é bom? Alguns elementos precisam estar em


acordo:

 O problema que desequilibra o enredo precisa ser convincente. Se for algo


que pareça bobo, que pode ser resolvido de forma rápida, então não vale a
pena investir nele, pois os leitores estão curiosos para saber exatamente
como resolver aquela questão.

Um exemplo muito bom disso é o filme Homem Aranha - Sem Volta Para
Casa. Após todos descobrirem que o Homem-Aranha é o Peter Parker, tanto Peter
quanto sua namorada e seu melhor amigo não são aprovados na Universidade.
Para tentar resolver o problema, Peter vai até o Doutor Estranho pedir por um
feitiço e então o Doutor Estranho diz: “Você já tentou ligar para a reitora?” De
repente, aquele conflito passa a ser considerado bobo demais, muito fácil de ser
resolvido, o que torna a cena cômica. Com essa questão resolvida, a história
poderia acabar ali, mas ao longo do filme surgem novos problemas.

70
 A motivação dos seus personagens também precisa ser convincente. Se o
que causa o conflito, ou seja, o antagonista, não tem um fundamento ou uma
boa razão para impedir os sonhos da sua protagonista, dê adeus ao leitor,
pois ele não torcerá pelo seu personagem.

 O desenvolvimento do conflito também é importante e falaremos melhor


sobre o assunto no capítulo de Progressão Narrativa. Como seu personagem
vai resolver aquela questão? Vai choramingar o livro inteiro e reclamar da
vida ou fazer algo sobre isso? Seu protagonista precisa agir e lutar pelo que
quer, ou será uma história fadada a vitimização e inércia, sem nada de
interessante acontecendo.

 Assim como no exemplo do filme do Homem-Aranha, é interessante


perceber que, em grandes histórias, um conflito pode não ser o suficiente
para sustentar todo o livro. Isso significa que sua história precisará se
basear no que chamo de TCCC, tríade conflito > consequência > conflito.
Se o primeiro problema que surgiu no livro não gerou consequência e
causou mais problemas, você não tem mais para onde ir e pode acabar tendo
bloqueios criativos. Lembre-se sempre que toda cena precisa ter uma
consequência.

Para finalizar esse tópico, trago um ensinamento da Margaret Atwood,


autora de The Handmaid's Tale, em sua MasterClass. Ela diz que o que está em seu
livro não foi inventado: aconteceu em algum momento, em algum lugar. Não é
como se ela possuísse uma imaginação terrível, ela não inventou nada daquilo,
apenas reinterpretou elementos sociais que já aconteceram. Por fim, ela diz que se
você realmente quer escrever e está tendo muita dificuldade, significa que está
com medo de alguma coisa, mas isso não deve acontecer. A melhor maneira de
aprender a escrever, é escrevendo e, nesse momento, é só você e a página. Antes
de duvidar do seu enredo e da sua capacidade criativa, lembre-se que sua história
é única porque você é única. Se você estiver sempre focando no que outras pessoas
estão fazendo, vai acabar escrevendo como elas. Olhe para dentro de si e pense:
sobre o que eu quero escrever hoje?

2 Premissa
Para começar a estruturar a sua história, primeiro é preciso conhecê-la e,
para isso, vamos começar com a premissa. Através dela podemos definir o que

71
acontece na sua história do início ao fim, como um resumo. O objetivo é escrever
um parágrafo de, no máximo, 12 linhas como uma forma de conhecer o seu enredo
para, em seguida, estruturá-lo. Essa técnica faz parte do planejamento presente no
Story Planner, o planejador de livros digital que te ajuda a organizar sua história.

1. Qual a situação inicial da sua trama?

Como estão seus personagens nesse momento? O que está acontecendo?

2. Quem é o personagem principal?

Basta dizer o nome e, se for relevante para o contexto, alguma informação


adicional como o seu trabalho, por exemplo.

3. O que o personagem principal quer alcançar?

Qual o objetivo dele na história e o que o motivou a sair da sua zona de


conforto? Essa pergunta é dividida em duas partes. A primeira, que vou chamar de
3A, você diz o que o personagem quer e, na segunda, que vou chamar de 3B, você
diz se ele conseguirá ou não alcançar esse objetivo.

Lembre-se, a premissa não é como uma sinopse, ela deve conter


informações da sua história que são consideradas “spoilers”, já que quem fará e
terá acesso a ela é você.

4. O que ou quem pode ser o antagonista?

Pode ser uma pessoa (vilão) ou simplesmente algo que impeça a


personagem principal de atingir o objetivo como um medo, uma guerra, problemas
financeiros, etc.

5. O que o antagonista faz para impedir que a protagonista alcance os


seus objetivos?

Quais são as ações do seu antagonista que interferem nos planos do seu
protagonista?

Para ajudar, usarei como exemplo o livro que viemos analisando durante
todo esse módulo, Entre Caixas, que foi planejado graças ao Felipe Colbert, autor
de “Escreva seu livro agora!” que foi uma das referências usadas para construir o
Story Planner. A premissa abaixo se refere apenas ao primeiro conto, já que o livro
é formado por quatro contos que se complementam. Os números no texto
representam as perguntas acima.

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Exemplo:

(1) Após a chegada de Theo, seu irmão adotivo, na Fazenda (2) Cameron
(3A) passa a querer conhecer o seu passado (3B) e conseguirá descobrir sobre sua
origem, apesar de (4) Myrna, sua mãe adotiva, (5) não responder suas perguntas,
mentir e proibir que as crianças toquem nesse assunto.

Se você tem vários personagens e subtramas, sugiro que você tente fazer
uma premissa para cada arco. No final, elas vão se unir, mas para organizar as suas
ideias, é um bom começo. Vou usar como exemplo Game Of Thrones, uma série
complexa, em que cada momento um personagem é destaque. Abaixo segue a
premissa feita por mim da história de Daenerys, caso você não queira spoiler, pule
esse exemplo:

(1) Após perder sua família e ser vendida pelo seu próprio irmão para um
povo desconhecido como noiva do líder, (2) Daenerys Targaryen (3A) deseja a
coroa que ela pensa ser sua por direito, (3B) reencontra a sua força e retoma a
todo custo o Trono de Ferro. (4) Para isso, ela precisou atravessar o Mar Estreito
e construir seu exército, (5), apesar de vários líderes políticos não confiarem em
seu potencial por ser uma mulher jovem, até que ela se torna a mãe de dragões.

Resumi bem? Observe que Daenerys não é a personagem principal de GoT,


mas é uma das mais importantes e o que acontece com ela dita o rumo de outros
arcos. Dessa mesma maneira, é possível construir uma premissa para Jon Snow,
Arya, entre outros.

✎ Exercício:

Construa a premissa da sua história com base nos tópicos acima. Priorize um livro
que você está com bloqueio criativo ou dificuldades há algum tempo. Além disso,
destaque também quais são os temas e conflitos presentes na história.

73
Planejamento

1 Estrutura de 3 atos e Cenas de Virada


Como disse no início da aula anterior, um enredo possui três fases:

Ato 1: apresentação da trama, dos personagens principais e secundários.


Essa é uma das partes mais importantes porque é quando você precisa conquistar
o leitor e fazê-lo chegar na próxima etapa.

Ato 2: desenvolvimento dos conflitos apresentados na fase anterior, aqui o


protagonista enfrenta os obstáculos que o impedem de alcançar os objetivos.

Ato 3: resolução da trama, o momento de ligação dos pontos apresentação


e resolução do conflito (ou não, que é o que chamamos de finais abertos).

O que faz sua história avançar através dos 3 atos são as cenas de virada.
Elas se tratam de qualquer incidente que une dois momentos da história. Eles
motivam o desenvolvimento do seu livro, mudando a fase que seus personagens
estão. Definir as suas cenas de virada fará com que você organize seu livro e
consiga, posteriormente, definir todas as cenas do seu livro.

Para que as cenas funcionem bem, é bom que você tenha uma ideia de
quantos capítulos você quer escrever - não é necessário precisão - ou pelo menos
o tamanho da história. Assim, no próximo passo, você conseguirá construir melhor.

Você pode fazer uma lista com as cenas de virada, como um resumo das
cenas mais importantes da sua história e assim você saberá o caminho que deve
seguir na escrita. Por exemplo:

ATO 1

Cena 1 - 10% do livro: o protagonista desconfia que está sendo traído.

Se essa é a cena de virada que faz sua história avançar, significa que você
pode escrever determinadas informações antes disso para que chegue até esse
momento. Como é o casamento dessas pessoas? Eles possuem filhos? Quais
problemas enfrentam no dia-a-dia? O que o levou a desconfiar que está sendo
traído? Como você vai demonstrar isso?

74
Se essa cena está em 10% do livro e sua história terá por volta de 100
páginas, significa que essa cena deve acontecer na página 10 (ou próximo a isso).
Não se apegue muito aos números não, essa porcentagem serve apenas para que
você tenha uma noção sobre a fase que está em sua história.

Cena 2 - 25% do livro: o protagonista busca por provas e descobre quem é


o amante de sua esposa.

Depois que ele desconfia, vai começar a agir sobre isso. Onde ele busca por
provas? Por onde ele começa? Quais locais ele vai e com quem conversa? Ele segue
sua esposa?

ATO 2

Cena 3 - 50% do livro: o protagonista encontra o amante de sua esposa e,


acidentalmente, o mata.

Desde a cena de virada 2, o que o protagonista precisou fazer até chegar a


cena de virada 3?

Cena 4 - 75% do livro: o protagonista é preso.

ATO 3

Cena 5 - 90% do livro: a cena do julgamento do protagonista acontece e ele


é inocentado.

Cena 6 - 100% do livro: desde que ele foi inocentado, como isso impactou
na vida do personagem e das pessoas ao redor?

Usando as cenas de virada como base, você sabe o que precisa escrever
antes e depois. Basta se fazer perguntas como no exemplo acima. Uma lista com as
cenas que seu livro terá já são o suficiente para você conseguir escrever uma
história emocionante na medida certa e que prende seu leitor durante todo o livro.
Lembre-se da TCCC, as cenas de virada terão consequências e vão gerar novos
conflitos.

2 Escaleta
Esse é o momento final e também o mais importante. Esse tópico é opcional,
mas garanto que se você fizer, te ajuda muito! Você já tem a premissa, as cenas de

75
virada e agora irá preencher os espaços entre as cenas com todos os
acontecimentos do seu livro. Pode parecer trabalhoso, mas isso vai impedir que
você tenha bloqueios criativos ou, simplesmente, abandone a escrita por não
conseguir desenvolver, não saber o que fazer antes ou depois.

Lembre-se: você não escreverá simplesmente uma cena, mas escreverá o


conflito. Como essa cena agrega ao seu enredo? Se não houver nenhuma função
(ainda que seja desenvolver a relação de personagens) então pode apagar. Usarei
o exemplo que o autor Felipe Colbert usou em seu livro.

➔ Cena: o cachorro deitou na cama do gato.


➔ Cena com conflito: o cachorro deitou na cama do gato, que não gostou nem
um pouco.

Organize as cenas separando-as por capítulos, para isso, você pode usar
cenas de virada como base. Para facilitar, faça uma tabela com as informações
abaixo:

 Quando: o dia, a data ou a estação em que aquela cena se passa, como você
preferir. Se houver grande passagem de tempo, pode pôr "uma semana
depois" ou "dez anos depois" também em determinados locais. Se quiser,
pode colocar o turno, manhã, tarde ou noite.

 O quê: aqui você escreve o conflito, a cena em si de maneira sucinta, sem


muitos detalhes. Essa é a coluna mais importante.

 %: essa coluna é como um guia, nela você escreverá apenas a cena de virada.
Assim você sabe as cenas que precisa escrever para chegar até aquela cena
de virada e em que porcentagem do seu livro você está.

 Ponto de vista: quem narra essa cena? Se a história for narrada sempre pela
mesma pessoa, não precisa usá-la.

 Onde: em que local a cena se passa? Na rua, numa cafeteria, na casa de


determinado personagem?

 Emoção interna: coluna opcional, mais importante nas cenas que você terá
que trabalhar emoções. Nessa coluna você coloca o que seu personagem
está sentindo: raiva, felicidade, tristeza.

 Emoção externa: já nessa coluna você escreve como seu personagem vai
demonstrar o que estava sentindo na coluna anterior. Assim você consegue
aplicar o “mostre, não conte” mais facilmente.

76
3 - Outras formas de planejar
a) Método Snowflake: é bastante famoso e consiste em dez etapas de
planejamento que partem do ponto 0 da sua história, que é a ideia, até a
biografia dos personagens e a construção do enredo.

A vantagem é que ele funciona para a maioria das histórias, mas em


contrapartida é um método longo e repetitivo, indo contra o que eu penso
sobre um planejamento, que deve ser prático e objetivo, além de não
funcionar para ficção especulativa.

b) Método J.K.Rowling: vamos falar melhor desse método mais à frente, mas
serve para histórias complexas, com muitas subtramas e personagens, por
isso é indicado para fantasia. O lado bom é que você consegue alinhar todas
as suas subtramas, coisa que outros planejamentos não te permitem, tendo
uma visão no todo.

c) Mapa conceitual: te ajuda a ter uma visão total da história, se você tem
muitos personagens é bom para saber exatamente a ligação entre eles. O
lado ruim é que pode ficar confuso se sua história for complexa e não
permite que você organize profundamente, funcionando mais como uma
ferramenta auxiliar.

d) Texto corrido: é simples, basta sentar com seu caderno ou no computador


e contar toda a sua história como se estivesse contando para alguém. O lado
ruim é que pode te confundir por não ser tão prático quando você precisar
encontrar informações ou editá-las.

✎ Exercício:

Use um dos métodos citados para planejar seu livro. Se for uma história, de ficção
especulativa, escreva apenas a premissa e as cenas de virada.

77
Módulo 8 Escrevendo a história

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Desenvolvimento I

1 Progressão narrativa
Muitos escritores possuem dificuldade de pensar e até mesmo de planejar o
meio da história. Possuem uma ideia do início, do fim, mas o meio parece vazio,
desconectado das outras partes. Renato Modesto, autor de Curso de Escrita
Criativa, separou algumas orientações que podem te ajudar a não deixar o meio da
sua história fraco e entediante.

 Aumente a intensidade do conflito ao longo da história: se seu protagonista


e o seu vilão possuem problemas, ao longo do enredo lembre-se de fazer
esses problemas crescerem e não permanecerem o mesmo do início. Use a
técnica TCCC.

 Dê atenção para as subtramas. Vamos falar melhor sobre elas no tópico


seguinte, mas se a sua história tem mais de um conflito acontecendo, é
interessante desenvolvê-las também no meio da história. É comum para
escritores iniciantes trazer algumas discussões e esquecer de aprofundar
elas ou de desenvolvê-las. Por essa razão, o meio da história acaba ficando
ainda mais fraco.

 Todo capítulo tem início, meio e um final em aberto, que abre possibilidades,
medos ou dúvidas para os seus leitores. Se você escreveu um capítulo
inteiro em que nada de relevante para a sua história acontece, reescreva-o
agora.

 Existe uma técnica chamada cliffhanger, que é muito usada no suspense por
ser mais nítido de perceber, mas pode ser utilizada em qualquer gênero.
Essa técnica se baseia em finalizar os capítulos com cenas surpreendentes,
que colocam seu personagem em confronto com um dilema, um problema,
gerando curiosidade e fazendo seu leitor passar para o próximo capítulo
imediatamente para saber o que acontecerá.

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2 - Manipulação temporal
Se a sua história não é contada em ordem cronológica, você provavelmente
está usando os flashbacks (ou analepse, ato de contar algo que já se passou) ou
flashforwards (prolepse, ato de contar algo do futuro), que são formas de
manipulação temporal.

Ao escrever um flashback, lembre dos seguintes passos:

 Gatilho: é interessante que algo aconteça como se fosse um gatilho para o


enredo trazer à tona o flashback. Normalmente, o passado está ligado com
o presente, então tente conectar as duas partes para que esse resgate não
aconteça “do nada”.

 Não confunda os leitores (a não ser que seja proposital): se o leitor não sabe
o que é presente, ou o que é passado, em que momento o flashback começa
e termina, você está fazendo errado. Se você achar melhor, pode usar
separadores (algum símbolo) ou reticências, datas, o que for melhor para
ficar nítido que um flashback está começando e/ou terminando.

 Você também pode deixar o flashback integrado a narração, como se o


personagem estivesse recordando daquele momento e, automaticamente,
entrando no passado. Só fique atenta no momento de retornar ao presente.

 O planejamento em uma história que possui manipulação temporal é muito


importante, assim você consegue pensar também nos gatilhos e em como
vai trazer aquela recordação.

 O flashback, normalmente, se trata da lembrança de um momento


específico, mais precisamente de um conflito ou de algo relevante para o
enredo.
Por exemplo, o personagem está lavando louça e lembra que ele e sua ex-
namorada sempre brigavam porque ele nunca lavava a louça de casa. Nesse
momento, ele recorda de uma das brigas que começou por aquele motivo, mas
terminou com ambos falando coisas terríveis um para o outro, já mostrando aos
leitores problemas entre o casal.
Ou o personagem está lavando louça e lembra que conheceu sua ex-
namorada numa cafeteria onde ela trabalhava e sempre ia até lá e a observava
lavando louças, até que um dia teve coragem de conversar com ela.

80
Pense na narração do flashback como aquele momento em que um filme faz
um corte interessante, relacionando a mesma imagem do presente no passado
para introduzir a cena. Porém, use o flashback se for uma cena que você realmente
precisa no seu livro. Não adianta a cena ser linda se ela não acrescenta em nada no
seu livro.

Já o flashforward acontece muito quando o narrador mostra um pedaço de


uma cena e, mais para a frente, os leitores veem a cena completa, entendendo que
se tratava de um flashforward.

 É muito comum usar tanto o flashback quanto o flashforward em prólogos


e epílogos, aproveite para instigar seu leitor. Narre cenas absurdas, curiosas
fora de contexto e deixe seus leitores interessados no que leem.
○ Por exemplo, quando um filme começa com uma cena de velório, sem
mostrar de quem se trata o enterro. Ou com um acidente sem mostrar
quem estava envolvido nele.
 Você pode confundir seus leitores (propositalmente) de várias formas,
fazendo eles acreditarem que o presente e o futuro são complementares,
quando na verdade são completamente diferentes.
○ How I Met Your Mother é uma série que faz isso muito bem. Eles
colocam, por exemplo, uma cena de pedido de casamento no final de
uma temporada e no início da próxima, mostram um casamento
acontecendo. Porém, no final do episódio percebemos que aquele
casamento não é do mesmo casal que estava envolvido no pedido de
casamento.

Usando alguns desses artifícios sua progressão narrativa consegue


ser muito mais cativante, gerando curiosidade e mantendo seus leitores
cada vez mais presos no mundo que você criou.

3 - Subtramas
Subtramas são acontecimentos da sua história que influenciam na trama
principal, apesar de não estarem no foco da narração em todo o tempo. Para
construí-las, normalmente o protagonista está vivendo mais de um conflito ou os
personagens secundários também possuem suas próprias questões.

Personagens secundários são ótimos para movimentar a história com


conflitos, assim eles conseguem ser úteis para o enredo principal e influenciam na

81
trama também. Lembra do que falamos sobre encadeamento? Não esqueça que os
acontecimentos influenciam uns nos outros no momento de construir um conflito.

Você pode criar as suas subtramas na hora de planejar a sua história. Na


criação de um personagem sempre pensamos na função dele na história e, bom, se
ele possui um conflito vale pensar em como vai afetar a vida dos protagonistas,
seja para complicar ainda mais ou ajudar.

✎ Exercício:

1) Analise, em alguma de suas histórias ou em filmes e séries, a Tríade Conflito >


Consequência > Conflito. Para isso, note:

 O conflito da história;
 Como os personagens reagiram a esse problema;
 Os novos conflitos que esses comportamentos geraram.

2) Pontue as subtramas que giram em torno da trama principal respondendo as


perguntas abaixo:

 Quem são os personagens principais?


 Quais são os seus objetivos e obstáculos?

82
Desenvolvimento II
4 - Verossimilhança
Todo mundo ficcional possui suas próprias regras e elas precisam ser
coerentes durante toda a história. Se sua história se passa “no mundo real”, usando
a própria sociedade como base, os acontecimentos precisam agir de acordo com o
que você apresentou. Se o mundo foi criado inteiramente por você, onde pessoas
podem voar e têm poderes, então precisa de ainda mais atenção.

De acordo com Renato Modesto (2020), ao ler um livro o leitor e o autor


fazem um acordo chamado “suspensão da descrença”. Isso significa que quando o
leitor é apresentado a um mundo, ele automaticamente passa acreditar naquela
verdade, com base nas leis e regras criadas pelo autor. Caso alguma delas seja
descumprida ou deixe de fazer sentido, o leitor automaticamente se sente
enganado, questiona sua história e vê tudo como uma grande bobagem.

Se em um livro de fantasia, durante todo o enredo o personagem precisava


fazer determinado feitiço para conseguir invocar um poder e, de repente, ele
consegue usar seu poder sem fazer o feitiço, o leitor ficará bem confuso se não
houver uma explicação plausível para a mudança repentina dessa regra.

6 - Deus Ex Machina
Falando em plausibilidade, entramos no assunto Deus Ex Machina. O termo
vem da época em que, no teatro grego, no final da história um deus do Olimpo
surgia usando seus poderes para resolver todos os problemas dos personagens.
Hoje, essa não é mais uma opção para resolver o conflito do seu enredo. Como dito
nos tópicos anteriores, é necessário que a sua história tenha encadeamento e que
você use pistas. Caso contrário, o leitor ficará confuso e se sentirá enganado.

7 Terminado um livro
Chegamos ao final do seu livro. Qual o final perfeito? Entenda por final o
terceiro ato do seu livro, depois do momento de alta tensão é hora de resolver os
conflitos. Lembre-se, escrever é tomar decisões. Como seu livro vai acabar? De
acordo com Modesto (2020) existem 3 possibilidades:

83
 O final feliz acontece quando os personagens conseguem alcançar seus
objetivos ou aprendem lições (como nas histórias de autoconhecimento)
que foram muito importantes. Normalmente, é um final que agrada o leitor
por ser confortável e deixá-lo feliz também, já que ele passou todo o enredo
torcendo pelo protagonista. O final feliz também pode ser um final aberto
quando deixa claro que, por mais que as circunstâncias sejam aquelas no
momento, elas podem mudar. O autor pode fazer isso através de pistas ou
de um epílogo.

 O final trágico acontece quando os protagonistas não alcançam os seus


objetivos, deixando o leitor triste ao não cumprir com as expectativas. Há a
possibilidade de, apesar do final ser trágico, o leitor compreender os
motivos ou de odiar a história. Isso vai depender da forma que você,
escritora, vai encadear os fatos. Se o protagonista age com imoralidade para
conseguir seus desejos a reação do público será uma, mas se ele luta
bravamente de forma justa, a reação será outra.

 O final aberto é aquele em que o escritor deixa a interpretação na mão do


leitor, trazendo possibilidades para o enredo. O lado bom desse final é que
gera discussão entre os leitores, onde eles podem criar teorias e escolher a
que mais agrada ou faz sentido. O lado ruim é que muitos leitores não
gostam de finais abertos, mas como conversamos ao início do módulo, você
deve escolher.

Os finais abertos são ótimas opções para duologias, trilogias e séries. No


livro 1, por exemplo, você pode trabalhar com 3 conflitos, resolver 2 e deixar
1 em aberto para gerar curiosidade em seus leitores e chama-los para o
próximo. Foi o que eu fiz com meu livro, Entre Caixas.

✎ Exercício:

1) Crie finais alternativos para um dos minicontos que você escreveu nos
exercícios passados. Se o final do seu conto foi feliz, escreva um final trágico e um
final aberto ou vice-versa.

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Módulo 9 – O Texto

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Problemas no texto I

Os problemas abaixo foram retirados do livro Escrita Criativa para


Iniciantes, do Marcelo Spalding.

1 - Clichês
Existem algumas técnicas que devem ser evitadas, ou utilizadas pelo autor
de forma proposital e estratégica e uma delas é o clichê. Quanto mais presente no
texto, menos impactante ele será, justamente porque o clichê é o oposto da
criatividade, segundo Spalding.

 Se engana quem acredita que o clichê se aplica apenas ao enredo ou o que


chamamos de tropes, ou tropos em português. Por exemplo, amigos que se
apaixonam, inimigos que se apaixonam, a donzela que precisa ser salva
(clássica dos contos de fadas), entre outros, são tropos.

Um tropo é um padrão narrativo e ele só será problemático se você não


souber como desenvolvê-lo. Existem milhares de histórias de amigos que se
apaixonam, mas o que vai determinar o sucesso dela são os personagens e a
sucessão de fatos da sua história.

 Também existem diálogos clichês, como quando um personagem diz “Eu


posso explicar” quando é pego em uma traição. Ou uma cena clichê, aquela
em que o par romântico, ao se conhecer, se esbarra no corredor da escola e
derruba os livros, enfim.

Percebe que não necessariamente o uso do clichê é ruim? Muitas vezes ele
traz conforto ao leitor e pode facilitar a compreensão. Se, por exemplo, você tem a
intenção de deixar nítido ao leitor que um casal está prestes a terminar um
namoro, você pode usar a frase “Nós precisamos conversar”, dentro de um
contexto específico, como eu fiz alguns exemplos acima.

Vale salientar que o que é clichê ou não depende do seu público, já que para
uma cena de um livro ser determinada clichê, as pessoas que a consomem
precisam ter lido outros livros que possuem aquela mesma cena. Isso também
significa que a melhor forma para você fugir do clichê é lendo diversos conteúdos,
assim você descobre novas formas de narrar, descrever e se desprender do que já
conhece.

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 Acredito que o pior de todos os clichês é aquele que está no início da
história, pois já causa uma péssima primeira impressão. Ainda que não seja
o caso, gera o sentimento de que o autor não conseguiu pensar em nada para
o início além do óbvio: o alarme toca, a personagem acorda, sente o sol da
manhã em seu rosto através da janela e faz sua higiene matinal. Ou então
quando a narração começa falando do clima, se está ensolarado, chuvoso,
etc.

2 - Falta de coesão
A coesão é a conexão de um texto e ela é feita através de advérbios, locuções
adverbiais, preposições, conjunções, etc. Ela é importante para que haja sentido
em um texto, caso contrário ele parecerá fragmentado e, automaticamente, perde
o sentido. A coesão interna se refere às frases do texto, já a coesão externa é a
conexão entre as ideias dele. Isso acontece até mesmo com a repetição de palavras,
pronomes e sinônimos, banir o uso deles faria o texto perder o sentido. Por
exemplo, releia esse texto usando a palavra “texto” apenas uma vez.

É comum cometer erros de coesão principalmente porque, na cabeça do


autor, aquela ideia faz total sentido e está conectada. Mas, quando alguém de fora
lê, não há ligação entre as informações e talvez, se a escritora ajustasse os
conectivos, seria muito melhor.

3 - Incoerência
A incoerência pode ser frasal ou textual. A frasal é como a ambiguidade,
que acontece quando uma frase possui mais de um sentido. Isso ocorre muito
quando há mais de um personagem na cena e a escritora usa pronomes como “ela”
ou “sua”, por exemplo, deixando em aberto de qual das personagens está falando.

Já a incoerência textual ou narrativa acontece com o que também pode ser


chamado de erro de continuidade. Por exemplo, quando um personagem diz que
está de pé e o narrador fala que ele se levanta, ou quando o seu celular está
quebrado e, de repente, ele liga para alguém.

87
4 - Queísmo e repetição de palavras
A repetição de palavras acontece, principalmente, na primeira versão do
livro. Quando escrevemos livremente, é comum repetirmos os termos, mas não
podemos deixar que permaneça assim após a releitura. Busque por sinônimos que
se encaixem no contexto ou reescreva a frase usando um outro termo. Algumas
repetições são entendidas com a intenção de dar ênfase no texto, mas nem sempre
causam o efeito que a escritora gostaria. E não se trata da repetição apenas da
palavra em si, mas também do seu radical (como papel e papelaria) na mesma
frase. Isso também pode ser chamado de eco, quando a frase rima de forma não
intencional.

Já o queísmo é a repetição da palavra “que”. Por ser um vocábulo com


muitas funções, ele acaba sendo usado várias frases num mesmo parágrafo. O ideal
é reler e manter apenas aqueles que não podem ser substituídos, reescrevendo o
parágrafo.

5 - Beletrismo
“Escrever bem não é escrever bonito” e essa frase vale para diversas
interpretações. Usar palavras difíceis no seu texto pode soar muito mais antiquado
e, por vezes, soberbo do que bonito, principalmente se não condiz com a linguagem
dos personagens e/ou público-alvo. Um texto mais claro e direto pode causar um
efeito muito melhor simplesmente por ser entendível e por não fazer o leitor parar
a leitura para reler a palavra várias vezes ou consultar o dicionário.

Essa análise vale também para o que chamamos de escrita poética. Se você
gosta de escrever com certa poesia atrelada à narração, ótimo, mas cuidado para
não exagerar com descrições longas, metáforas sem sentido ou exageradas. Muitas
vezes pode soar engraçado em vez de bonito, tirando seu leitor do foco da cena.
Sempre que possível, tente tornar seu texto natural.

88
Problemas no texto II

1 - Frases curtas ou longas


Frases curtas demais são ruins para o texto, pois um parágrafo precisa de
coesão e coerência. Elas podem ser usadas em determinado momento para
causar ênfase, mas essa técnica, se repetida muitas vezes, perde o sentido. Já frases
longas demais, também não ajudam. Quanto maior uma frase, mais confusa ela se
torna, fazendo o leitor retornar naquele mesmo parágrafo várias vezes para
compreendê-lo.

2 - Mistura de tempos verbais


Um erro mais do que comum é a mistura de tempos verbais. O narrador
começa falando no presente e, de repente, passa para o pretérito, e então o autor
acha bonito e resolve usar o pretérito-mais-que-perfeito e ninguém entende nada.

Primeiro, estude um pouco sobre tempos verbais. Sim, seu revisor


provavelmente corrigirá esses erros, mas não é por isso que você escreverá de
qualquer jeito.

A maneira mais fácil de acertar no seu narrador é pensar nele como uma
pessoa. Eu, por exemplo, quando quero contar minha história em primeira pessoa,
com um narrador personagem, mas no passado, penso sempre que meu
personagem está idoso, narrando aqueles eventos para alguém. Assim, como eu sei
que se trata dele mais velho falando de uma época que passou, ele vai narrar
sempre no passado, usando o pretérito.

Já para a narração no presente, o segredo é pensar no seu personagem com


uma câmera, narrando exatamente o que vê naquele momento, vivenciando os
acontecimentos.

Esse também é um ponto que você conseguirá prestar mais atenção na


releitura.

89
3 - Leitura densa
Para encerrar esse tópico, é importante salientar que a correção de todos os
assuntos abordados anteriormente é que vai gerar a fluidez da leitura. Para seu
livro possuir uma leitura fluída, certifique-se de ter:

 Uma narração que fala uma linguagem entendível pelo leitor, que não traga
descrições longas demais, nem repita inúmeras vezes pontos da história que
já foram abordados;
 Cenas envolventes, que mostram (e não contam) ao leitor o que acontece no
livro;
 Capítulos mais curtos, que passam para o leitor a sensação de que ele está
avançando na história;
 Frases e diálogos não tão longos para que não se tornem confusos;
 Descrições não tão detalhadas para que seu leitor não se apegue a
informações desimportantes, o causando tédio.

✎ Exercício:

Releia, pelo menos, 5 capítulos de sua história e identifique os problemas acima


(se houver). Corrija os trechos com outra cor e, em seguida, compare os textos
antes e depois da modificação.

90
Módulo 10 – Criação de Mundo

91
Antes de criar
1 - Criação de mundo
Criar um mundo é uma das partes mais divertidas de escrever uma ficção
especulativa. Esse gênero, como o nome já diz, se trata da especulação sobre outros
mundos, seja distopia, fantasia, ficção científica, etc.

Temos tanta liberdade criativa ao fazê-lo, que acabamos nos perdendo em


nossos próprios pensamentos. Para organizar a criação de um universo,
precisamos ir com calma e seguir alguns passos, mas antes é importante saber o
que não devemos fazer. Preste atenção no próximo tópico.

2 - Erros mais comuns


a) Enciclopédia: não há erro mais comum para escritores de fantasia do que
começar a história com um resumo, explicando sobre como é o
funcionamento do mundo, contando o passado dos personagens, etc. Você
apresenta o seu mundo conforme a história acontece. Você pode sim
fazer sua enciclopédia se quiser, mas não para usar no livro.

b) Nomes estranhos: sei que ficção especulativa, muitas vezes, pede por um
nome diferente, mas se o seu leitor não consegue pronunciar o nome do seu
personagem, ele será desconectado da história toda vez que passar por ele.
Antes de bater a cabeça no teclado, pronuncie o nome em voz alta e veja se
é tranquilo de falar. Já vi autoras que nem mesmo sabiam como pronunciar
os nomes criados e, bom, isso não faz o menor sentido.

c) Informações inúteis: você pode mergulhar no seu mundo e ter a liberdade


criativa que desejar, crie plantas, animais, poderes, etc., mas quando se trata
de passar para o texto, leve apenas o que for útil para o enredo. Lembra do
que conversamos sobre Tchekov’s Gun? O elemento só deve estar na
história se for utilizado.

d) Esquecer do enredo: você pode até ter um mundo completamente pronto,


se você não tiver um enredo, não vai ter livro. Kate Messner, escritora de
fantasia, sugere que primeiro se crie o mundo e depois o enredo. Acredito
que isso seja uma armadilha, principalmente para escritores iniciantes, pois
o mundo se desenvolve de acordo com o que o enredo pede.

92
Por exemplo, primeiro você pensa numa briga de irmãos, então desenvolve
para uma briga pelo governo de um país que está em ruínas porque o (insira
aqui um elemento químico) usado para fazer magia está acabando e aí sim
o seu mundo vai se formando, compreende? Como criar um mundo em que
você não sabe o que será necessário?

e) Não criar um sistema de magia: se seu mundo terá magia, é


imprescindível se fazer algumas perguntas como:

 Quem tem poder e quem não tem?


 Como as pessoas que possuem poder são vistas pela sociedade?
 É possível perder os poderes? Como?
 Quais são os limites desse poder? O que são capazes de fazer e o que
não são capazes de fazer?

Dessa forma você consegue definir muito bem as regras de magia e


nada acontece de repente, por exemplo, um personagem desenvolver
magia do nada sem nenhuma explicação anterior ou pistas.

3 - Planejando
Planejar uma ficção especulativa é diferente de planejar outros gêneros.
Normalmente, histórias assim têm mais personagens, subtramas e, como dito
anteriormente, elas precisam se interligar. Para isso, vamos falar sobre o método
usado pela J. K. Rowling, autora de Harry Potter, para planejar os seus livros.

A autora costuma fazer uma tabela como essa abaixo:

Tempo Título Trama Subtrama 1 Subtrama Subtrama Subtrama


2 3 4

Em tempo, você pode colocar o turno, dia, mês, ano ou o que preferir para
se localizar no tempo daquelas cenas. Em título, o nome do capítulo (se quiser).
Você pode substituir “trama” e “subtramas” pelos nomes dos personagens
principais também. Se fosse Game Of Thrones, por exemplo, pelo menos na
primeira temporada a ordem dos nomes poderia ser Ned Stark, Robert Baratheon,

93
Daenerys, Cersei, etc. Como vou mostrar no planejamento da J. K., nem todas as
lacunas estarão preenchidas em todos os capítulos, porque nem todas as
subtramas se desenvolvem a todo momento.

Isso é só um planejamento, o que significa que depois você conseguirá


mudar as cenas dos capítulos de lugar, como vou mostrar a seguir, através de um
sistema de cores.

O que está em vermelho foi excluído. Já o que está em amarelo foi movido
para outro local, perceba que também há setinhas apontando para os verdes, que
são comentários explicando as mudanças que a própria autora fez.

Assim você consegue ter uma visão inteira da sua história, facilitando o seu
processo de escrita da ficção especulativa.

94
Informações básicas

1 - Dados geográficos
Defina as características do local onde se passa sua história, seja um país,
uma cidade ou uma pequena vila. É importante pensar nesses detalhes porque vai
influenciar nos tópicos seguintes: vestimenta, alimentação e até mesmo a cor da
pele. As pessoas que vivem em local de sol forte, provavelmente, serão um pouco
mais bronzeadas do que as que vivem em local frio.

Isso também influencia nos recursos que elas terão disponíveis, se


determinado grupo vive perto do mar, é possível que eles vivam da pesca, se
alimentem daqueles animais ou, pelo menos, os encontrem com mais facilidade.
Estes detalhes dão coerência a sua história. Nesse momento, você pode pensar em:

 Clima;
 Relevo;
 Fauna;
 Flora;
 Tamanho da população;
 Como e em que condições as pessoas nascem, crescem, vivem e morrem.

Não esqueça de criar apenas as informações que serão úteis para a sua
história, tudo bem? No geral, muita coisa você descobrirá ao longo do seu enredo.
Por exemplo, ao escrever uma determinada cena, talvez você precise pensar em
uma nova característica geográfica, ou até mesmo alterar algo que já está definido
e tudo bem.

2 Dados históricos
Seu mundo fantástico surgiu de alguma forma, com certeza. Essa é uma
daquelas informações que talvez você não use no seu livro de fato, mas serve para
criar coerência ao longo da escrita, além de organizar seus pensamentos. Agora
pode parecer que não, mas ao longo do processo você se perguntará várias vezes
sobre a origem do seu mundo. Além disso, pensar no surgimento dele influencia
diretamente nos outros aspectos como fauna, flora, cultura, etc.

95
Sobre os dados históricos do seu mundo, é importante pensar sobre:

a) Cultura e modo de vida

 O que comem;
 Tipo, cor, tamanho das roupas que vestem;
 Como se divertem (comemorações e eventos);
 No que acreditam, quais são os valores daquela sociedade;
 Regras sociais e morais, desejos, etc.

b) Política

 Qual o modelo de governo vigente?


 Como são as relações de poder? Quem manda e quem obedece?
 As pessoas aceitam esse governo?
 O que acontece com quem não aceita?
 O que acontece com as pessoas que não aceitam e como elas se manifestam?

c) Religião

 No que essas pessoas acreditam?


 Esse povo tem deus ou deuses?
 Como cultuam a esse deus?
 Como reagem a quem é contra essa religião?
 Para seguir/participar é preciso fazer algo ou agir de alguma maneira
específica?

d) Leis:

 Quem cria as leis?


 Existem leis diferentes do mundo real? Quais?
 Em caso de descumprimento de leis, quais são as punições?
 Quem aplica essas punições?
 Alguém fiscaliza o cumprimento delas?

e) Economia:

 Qual moeda de troca eles possuem?


 Como compram e vendem?
 O que compram e vendem?
96
 Quem tem mais e quem tem menos dinheiro? Como esses grupos vivem?

Saiba que não tem problemas em usar referências do mundo real. Criar um
mundo do zero dá muito trabalho, então está tudo bem se você apenas interpretar
as regras do mundo real de uma maneira diferente.

3 Personagens e o mundo
Para não cometer aquele erro de escrever uma enciclopédia para
apresentar seu mundo, o ideal é usar seus personagens para fazê-lo. A medida em
que seu personagem agir, falar e pensar, introduza informações do seu mundo.
Talvez determinados elementos precisem de mais detalhamento, mas saiba filtrar
o que precisa ser explicado agora e o que pode ser explicado depois.

Em vez de fazer um enorme parágrafo sobre como o clima do local influencia


a população, você pode falar sobre a quantidade de roupas que os personagens
usam para se proteger do frio ou a falta delas devido a uma pele resistente. No
lugar de contar que no mundo existem dragões falantes, apenas coloque uma cena
em que seu personagem fala com um deles, será muito mais impactante para o
leitor.

Os seus personagens são o que movem a história, então, por mais incrível
que o seu mundo seja, invista na interação com eles em vez de encher o leitor de
descrições longas e cansativas.

Normalmente, livros de ficção especulativa possuem muitos personagens e


no momento da escrita de diálogos, é comum que haja alguns erros. Em uma
conversa, quando um grande grupo interage, todos falam, se movem e pode ser
difícil administrar tanta gente num mesmo ambiente. Nesse caso, quando apenas
duas ou três pessoas na conversa importam, tente afastá-las do grupo maior para
que não precise acrescentar falas e reações desnecessárias.

Outro problema que pode surgir quando se tem muitos personagens é que
alguns deles podem acabar sendo esquecidos, principalmente os menos
importantes que não aparecem em todos os capítulos. Para isso, você pode usar a
técnica de usar “Funny Hats” ou “Chapéus engraçados” em português. O Neil
Gaiman explica em sua MasterClass que essa técnica ajuda a diferenciar
personagens. Não se trata de um chapéu literal, mas pode ser. Se o personagem
usa uma roupa diferente dos outros, como um chapéu amarelo, ou possui uma

97
cicatriz, um sotaque, etc., isso vai diferenciá-lo. Se aplica principalmente aos
secundários, mas não exagere muito. Por exemplo, você pode não lembrar o nome
do personagem, mas sabe que existe aquele em Game Of Thrones que não possuía
os testículos, a mulher de cabelo vermelho ou a garotinha que nasceu com uma
doença que marcou o seu rosto. Ah, cuidado para não reforçar estereótipos!

E como planejar tantos personagens? Como saber se eles são importantes


para a história? Vou te ensinar uma técnica que pode ajudar bastante no
planejamento de seus personagens:

 Nome: nome do personagem;


 Arquétipo: modo de ser;
 Objetivo: o que o motiva? Qual a sua função? Essa resposta sempre
começa com um verbo;
 Obstáculo: o que o impede de alcançar os objetivos?
 Aparência: homem branco, cabelo preto, forte
 Raça: também vale para etnia e naturalidade. Se são gnomos, aliens de
um planeta x, enfim.
 Personalidade: Como seu personagem se comporta? Lembre-se da regra
das três características, duas boas e uma ruim ou vice-versa.

Nome Arquétipo Objetivo Obstáculo Naturalidade Personalidade


John Herói Matar Não ter um Snow, mas Justo, leal,
Show White exército vive com os inocente
Walkers Stark

✎ Exercício:

Releia, pelo menos, 5 capítulos de sua história e identifique os problemas acima (se
houver). Corrija os trechos com outra cor e, em seguida, compare os textos antes e
depois da modificação.

98
Módulo 11 – Publicando um livro

99
Etapas pré-publicação

1 Antes de Publicar
O processo de publicação pode ser exaustivo. Depois que o seu livro
termina, é hora de passar por várias etapas que vão te custar tempo e dinheiro. Se
você fizer tudo direitinho, com o passar dos meses, um pouco de estudo sobre
marketing e sorte, consegue recuperar o investimento que fez ou até mais.

a) Releitura

Ao escrever o ponto final do seu livro, o seu primeiro passo é a releitura.


Não, o documento que você tem não é o definitivo, ele é a primeira versão ou o
rascunho, comumente chamada de v1. A releitura consiste na leitura do que você
já escreveu para que você possa corrigir os erros cometidos e ajustar
determinadas informações, perceber erros, furos de enredo e continuidade. Esse é
o momento em que você pode aplicar todas as técnicas de escrita que aprendemos
até agora. Normalmente, no momento da escrita, estamos tão inspirados e imersos
que não pensamos muito em deixar pistas, ou criar uma característica para tornar
determinado personagem memorável, mas na releitura somos capazes de fazer
tudo isso.

O ideal é que esse processo aconteça algum tempo depois da


finalização da escrita, se você o fizer imediatamente não conseguirá perceber
tantos erros, sua mente ainda estará imersa e deixará passar muita coisa. Lembre-
se que a releitura não substitui a leitura crítica, nem a revisão, esses são serviços
feitos por pessoas especializadas.

b) Leitores Betas

Após a releitura e a correção das informações que você encontrou, você terá
a sua v2. É essa versão que você pode enviar para os leitores betas. Esse processo
é opcional, mas eu recomendo porque vale muito a pena. A leitura beta é feita de
graça por pessoas que se encaixam no público-alvo do seu livro. Elas vão ler a sua
história e te dizer se gostaram ou não, vão comentar se encontraram algum erro
aqui e ali e mais algumas coisas que você pode pedir.

100
Quando envio meus livros para leitores betas, pessoas que encontro no
Twitter ou até mesmo no Instagram, envio algumas perguntinhas sobre
inseguranças que tive ao longo da história. Por exemplo:

 A informação xxx ficou clara?


 Você conseguiu compreender a crítica por trás da história?
 Sentiu alguma emoção?
 A leitura foi fluida?

Essas são perguntas mais genéricas que qualquer pessoa é capaz de


responder. Sempre procuro por um número ímpar de betas para que as respostas
positivas e negativas não “empatem”, digamos assim. Lembre-se que seu leitor
beta está te fazendo um enorme favor, então não exija muito e procure pessoas
confiáveis por motivos de plágio.

c) Leitura crítica e sensível

Ao receber a sua história dos seus leitores beta, vem uma nova correção.
Nesse momento, não precisa fazer uma releitura completa do documento, pois
você terá que fazer isso na próxima etapa. Quanto mais você lê o seu livro, mais
inseguranças você pode criar, então tente fazer isso apenas quando necessário.
Analise as respostas dos leitores betas, corrija o que eles pontuaram e siga com a
sua v3 para o meu processo favorito: leitura crítica e sensível.

A leitura crítica é uma análise aprofundada do seu texto, ele avalia a


construção do seu enredo, arco de personagens, furos de enredo, diálogos,
encadeamento de frases e parágrafos, conflitos, etc. Sim é um super auxiliador na
melhora do seu livro. A leitora crítica deve pontuar o que pode ser melhorado e
acentuar os acertos que você teve, assim você consegue perceber em que ponto
está como escritora.

Procure por leitoras críticas confiáveis, que possuem bagagem ou que, pelo
menos, possuam alguma especialização nessa área. Nos últimos tempos muita
gente tem surgido oferecendo esse serviço sem ter nenhum conhecimento técnico
sobre escrita, o que é muito problemático porque pode prejudicar demais a autora.

O serviço custa, o mínimo que já vi no mercado nos últimos tempos, R$2,00


reais por lauda, sendo 1 lauda = 2.000 caracteres com espaço. Isso significa que, se
seu livro possui 50.000 caracteres com espaço, o serviço custará R$50,00.

Entretanto, saiba filtrar os comentários da leitora crítica. Algumas não


compreendem seu humor, a voz que você usa para a história e pode sugerir
101
alterações que não fazem sentido para você. Nesse caso, está tudo bem recusar
determinada sugestão.

A leitura sensível já é um serviço focado em temas sensíveis, como o


próprio nome diz. Se você quer tratar sobre traumas psicológicos no seu livro, mas
não possui conhecimento técnico sobre o assunto, ou quer abordar violências
sociais como racismo, LGBTQIA+ fobia, ou até mesmo incluir personagens da
comunidade em seu livro sem fazer parte dela, indico fortemente que você faça
leitura sensível. É comum escritores sentirem vontade de trazer
representatividade para seus livros e se sentirem inseguros, por isso a leitura
sensível irá corrigir possíveis erros que você venha a cometer em seu livro. Como
leitora sensível já encontrei em um livro com personagens negros piadas e termos
racistas, descrições problemáticas sobre a aparência das personagens e tudo isso
acaba sendo muito ruim para você e para o seu livro, que não alcança o objetivo
inicial que era representar determinada população.

Procure por pessoas que estão dentro das comunidades e/ou que possuem
determinado estudo sobre o tema para que possam te ajudar. Como estudante de
psicologia e mulher negra que se aprofundou em estudos étnico-raciais durante a
universidade, ofereço serviço de leitura sensível para temas como traumas e
transtornos psicológicos, racismo e desenvolvimento de personagens negros, mas
jamais faria a leitura sensível para temas como gordofobia ou para a comunidade
LGBTQIA+, pois não me sinto capaz de analisar esses temas. Claro que se eu estiver
lendo uma história e notar comentários nitidamente problemáticos, vou corrigir
por questões éticas, não por oferecer o serviço.

Ao receber o livro repleto de comentários e sugestões da leitora crítica e


sensível é o momento de reler e corrigir o que achar necessário e, em seguida,
passar para a próxima etapa. Saiba lidar com os comentários negativos e as
sugestões de melhora. Mesmo escritores experientes podem cometer erros, pense
que sua escrita está em constante processo de evolução.

d) Revisão

A revisora corrigirá sua história, os erros ortográficos, erros de digitação,


incoerências, etc. Procure por profissionais que estudam Letras para esse serviço,
pois eles têm o conhecimento muito técnico sobre a língua portuguesa e é
exatamente isso que você precisa nessa etapa. É o serviço mais caro do processo
de preparação de um livro, mas também um dos mais indispensáveis. Você pode

102
procurar por pessoas que estão começando agora na área para fazer sua revisão,
elas podem cobrar mais barato pois estão fazendo portfólio ainda e é uma ajuda
mútua. Elas ganham experiência e você gasta menos.

e) Diagramação

Quando seu livro voltar com as devidas correções da revisão, é o momento


de formatá-lo para a leitura nas plataformas digitais (geralmente Amazon) e/ou
para a impressão. O diagramador é a pessoa que pode acrescentar no seu
documento todos os frufrus que deixam ele lindíssimo, mas também ajustam às
margens, títulos, fonte, etc. Esse processo é possível aprender para fazer em seu
próprio documento, a Amazon possui um programa que você pode baixar
chamado Kindle Create. É uma boa opção para quem quer economizar uma
graninha.

f) Artes do livro

Capas, marcadores, brindes, o que você quiser. Basta procurar nas redes
sociais que você encontrará vários estilos diferentes. O valor varia muito,
principalmente porque quem está começando agora para fazer portfólio, assim
como na revisão, sempre cobra mais barato e também pode te ajudar a economizar
um pouco.

103
Hora de Publicar

1 Publicação de e-books
Seu livro está totalmente pronto, e agora? O que você precisa fazer? Se você
vai publicar de forma independente, significa que terá que fazer tudo sozinha,
inclusive a divulgação, que falaremos mais no módulo seguinte.

Suas opções de plataformas para publicar mais famosas são Wattpad e


Amazon. Vamos analisar as duas?

a) Wattpad

Se é sua primeira vez publicando e você não fez nenhum investimento


financeiro, vale a pena publicar nessa plataforma pela experiência. O lado
bom é que seus leitores não vão pagar absolutamente nada para ler seu livro
e poderão deixar comentários de acordo com os capítulos, gerando uma
interação bem legal.

Aqui você ainda terá que fazer um trabalho de divulgação pesado


para atrair seu público e também vou te ensinar sobre isso no módulo
seguinte, mas em todo esse processo o peso que você carregará é muito
menor, sem pressão em relação a questão monetária. Geralmente, quem
posta no Wattpad não garante ISBN, que é a catalogação do seu livro e a
prova de que ele é seu. Esse serviço custa apenas R$22,00 pela Câmara
Brasileira do Livro (CBL).

O lado ruim é que como você não fez muitos investimentos, seu livro
pode não ter a qualidade esperada e você pode acabar recebendo
comentários negativos por furos de enredo, erros ortográficos, etc. Porém,
se ainda assim sua história fizer sucesso, você pode investir
financeiramente para aprimorá-la e colocar na Amazon depois (é o que
muita gente faz).

b) Amazon

Se você vai publicar aqui, vale muito a pena investir financeiramente,


porque se seu livro tem qualidade e for bem divulgado, a chance de um retorno
financeiro é grande. O problema é que você não receberá o valor integral, já que
você recebe 70% das vendas ou 30%, depende do valor do livro. Para publicar na
104
Amazon apenas o e-book você não precisa tirar o ISBN porque a plataforma faz
isso automaticamente. Porém, todos aqueles serviços citados acima são bem
importantes para garantir a qualidade do seu livro.

É importante também pesquisar um pouco sobre como funciona o algoritmo


do site, porque as palavras-chave que você usa e outras métricas também
influenciam numa melhor performance de vendas. Antes de publicá-lo, você vai se
deparar com vários formulários, inclusive tributários, para que você possa receber
o pagamento. Por isso, minha maior recomendação é fazer tudo com bastante
antecedência e só quando tiver a versão final do seu livro informe aos seus
seguidores a data de lançamento.

Se for sua primeira vez fazendo todos esses processos, pode ser que você
passe por alguns perrengues e tenha bastante dúvidas, mas não se preocupe. No
geral, a plataforma da Amazon é bem intuitiva, e pedirá informações básicas do
seu livro. Ainda que esteja longe da publicação, abra a Amazon Kindle Direct
Publishing e mexa no site só para conhecê-lo. Não se preocupe, você não publicará
nada sem querer, dá para deixar tudo salvo como rascunho.

2 - Publicação de livros físicos


Para publicar um livro físico de forma independente você terá muito mais
trabalho. É preciso entrar em contato com uma boa gráfica, uma que seja de
confiança, então peça indicação para outras autoras. Você fará o orçamento, verá
o valor do frete, ajustará todas as datas e recomendo só divulgar a data depois de
tiver os livros em mãos, pois as chances de tudo isso dar errado e você ter vários
problemas com gráficas é enorme! Dependendo da gráfica que você encontrar,
pode até ser que o valor da unidade do livro seja barato, porém, o sistema deles é
o seguinte: quanto mais livros você solicita, mais barato fica, e aí vem o dilema.
Comprar muitos livros por um valor mais barato ou poucos livros mais caros? Será
que você vai vender muito?

Seu desempenho nas vendas vai depender da maneira que você vai vender
e divulgar deu livro, então não posso afirmar nada. Só é importante que você
entenda que é uma vendedora! Pesquise por estratégias de venda, marketing
digital, copywriting, design e tudo mais. Sim, você terá trabalho, mas a escrita não
é um trabalho, afinal?

105
Ter retorno financeiro com a escrita custa esforço e dedicação, como
qualquer outro trabalho de venda. Seu livro pode ser incrível, mas ele não se
venderá sozinho.

Se você quer se poupar do trabalho da gráfica, pode encomendar seu livro


com algumas dessas plataformas que fazem livros sob demanda. Você não tem
gastos com impressão, por exemplo, porque elas só fazem o livro físico quando ele
vende e você recebe uma parte do dinheiro. Parece ótimo, não é? Mas o valor que
você recebe é muito baixo. Muito mesmo. Para ter um ganho significativo você
precisa vender seu livro muito caro ou vender muitas cópias. Difícil, não é?

Faça muitos cálculos, planeje tudo com antecedência, faça um bom


marketing, procure por boas parcerias e você pode sim ter boas vendas.

3 Publicando com Editoras


Publicar com editoras pode parecer um sonho, mas é preciso ter muito
cuidado para não acabar um pesadelo. Se você encontrar editoras tradicionais,
elas vão publicar seu livro de graça e fazer alguns daqueles serviços que citei
acima. Cada editora tem seu próprio funcionamento, então caso você seja
aprovado por alguma delas, leia direitinho o contrato e analise os serviços que ela
fará.

As editoras não-tradicionais, aquelas que você precisa pagar para


publicar, são as mais complicadas. Você paga caríssimo para publicar seu livro e
ainda tem chance de sair com uma capa com imagens gratuitas da Unsplash e sem
revisão. Sim, passei por essa situação aí. Tive que fazer a revisão por fora e, além
disso, terei que fazer a capa também.

Leia muito bem o contrato que a editora vai te apresentar e avalie as


possibilidades antes de aceitar, pois o pagamento também não é dos melhores.
Normalmente, você recebe uma porcentagem maior dos e-books e uma menor dos
livros físicos, por exemplo:

 50% do valor dos e-books vendidos no site da editora;


 15% do valor dos e-books vendidos em outra plataforma, como na
Amazon, por exemplo;
 15% do valor dos livros físicos.

106
Esse valor vai variar de editora para editora, mas ele sempre será pequeno. Então,
analise as suas possibilidades e, de qualquer forma, junte um dinheiro antes de
publicar porque tem grandes chances de você gastar e de o retorno demorar a
chegar.

107
Módulo 12 Perfil de autora

108
Criando o Perfil

1 - Fazer ou não um perfil de autora?


A resposta é sim, faça, mas antes você precisa saber que marketing não é um
bicho de sete cabeças, nem coisa de gente chata que só pensa dinheiro, é
simplesmente você usando de estratégias para vender sua arte. Os passos a seguir
dependem de muito planejamento, você terá que se organizar para deixar tudo em
ordem e não ficar desesperada na reta final do processo.

Para começar, não tenha vergonha. Se eu tivesse vergonha, você não


estaria aqui hoje. Mostrei minha cara, minha casa, minha família, apareci no story,
fiz reels com piadinhas e brincadeiras e consegui os resultados que tenho. Não falo
isso para me gabar, mas para que você possa entender que essa é a melhor maneira
de fazer o seu perfil crescer. Se você tem vergonha de seus amigos e familiares,
bloqueie eles até que se sinta confortável que eles vejam seus posts. Descubra o
que te impede de mostrar seu rosto e crie estratégias para lidar com isso. Não gosto
de ensinar as pessoas como crescer no Instagram sem mostrar o rosto porque,
como é possível perceber, a maioria que dá dicas sobre isso mostra o rosto sim.

Segundo, pense numa identidade visual legal, algo que transpareça quem
você é. Recomendo pesquisar sobre a psicologia das cores para você saber quais
informações as cores que você escolheu passam para o seu público, ainda que
inconscientemente. Se você já tem um perfil, no momento do seu lançamento
mude as cores dos seus posts para as que conversam com a capa da sua
história, assim seus seguidores saberão que seu perfil está passando por uma
nova fase e, quando quiserem informações sobre sua história, saberão onde
encontrar.

A pergunta que mais recebo sobre o assunto é: o que postar no meu perfil?
Tudo, absolutamente tudo. Tanto sua vida pessoal, o que você acha que convém,
claro, quanto seu trabalho com a escrita. Você pode publicar:

 Trechos do livro que você está escrevendo;


 Inspirações;
 Dificuldades e facilidades;
 Seu processo de escrita;
 Construção dos personagens;
 Suas leituras e opiniões sobre elas;
109
 Sua vida pessoal (hobbies, manias, planejamento);
 Seu dia-a-dia;
 Curiosidades sobre sua história.

Seja criativa!

2 - Design
Uma das coisas que mais incomodam o público do Instagram são designs
ilegíveis ou pouco atrativos. Se você não sabe fazer posts, você pode tentar
aprender ou usar modelos prontos como os do Canva. Caso contrário, evite fazer
algo muito elaborado. Se seu conteúdo for bom, um post simples é o suficiente para
chamar atenção do público, mas se seu conteúdo for bom e o post estiver péssimo,
ninguém vai parar para ler.

Dê uma olhada no meu feed e observe design dos meus posts mais antigos:
absolutamente simples e minimalistas. E sempre que posso, faço assim. É prático,
rápido, bonito, legível e eu tento compensar a falta de elaboração com um
conteúdo que agregue aos meus seguidores de alguma forma. Garanto que é
melhor ficar no básico e mandar bem, do que postar algo muito elaborado que não
está tão bom, afastando seus seguidores.

3 - Trends
Fique de olho nos assuntos mais comentados e se adiante nas trends. Isso
vale tanto para Reels quanto para posts. É muito bom para você conectar assuntos
em alta com a divulgação do seu livro. Porém, cuidado, cada rede social tem seu
momento. Às vezes o assunto mais comentado ou o áudio que está bombando no
Reels não é o mesmo do Tik Tok, por exemplo, então você precisa acompanhar as
movimentações nas redes sociais que usar. E não, você não precisa usar todas. Eu
não uso Tik Tok, por exemplo, e se eu quiser fazer uma divulgação de um livro por
lá, posso contratar publis. Eu poderia usar os meus vídeos do Reels lá? Sim, mas
isso significa que, caso eu construísse um público por lá, precisaria dar atenção,
responder comentários e inbox e o Instagram já demanda muito tempo. Então não
se culpe se você não estiver em todas as redes, existem formas de alcançar públicos
diferentes com anúncios, por exemplo. E é possível fazer isso com apenas R$10,00
por exemplo. Pesquise sobre tráfego pago.

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Conteúdos de Lançamento
4 - Tipos de conteúdo
Como o Instagram é a plataforma mais usada para divulgações, vou explicar
para vocês como funciona os formatos de conteúdo que você pode gerar:

Posts carrossel: as pessoas passam mais tempo lendo o seu post e, se tiver
uma quantidade legal de salvamentos e comentários, existe a possibilidade do post
ir para a aba "explorar", atraindo ainda mais pessoas. Os posts que não são em
formato de carrossel também podem ir para a aba explorar se tiverem boas
métricas, mas é mais fácil conseguir isso com o carrossel. Aqui é legal investir em
posts tipo tópicos, que falam algo interessante em cada imagem.

Reels: diferente dos posts e dos stories, a chance do reels alcançar pessoas
que não te seguem é muito grande. Se você souber chamar a atenção do público,
eles vão clicar no seu perfil e vão te seguir. Poste reels com a maior frequência que
puder, fique de olho nas trends e adapte-as para divulgar seu livro. A minha dica é
que você separe 1 dia da semana para gravar vários vídeos de uma vez, assim você
terá menos trabalho. Tente gravar vídeos para, pelo menos, 1 ou 2 semanas. Ainda
que o reels não tenha muitas visualizações, não apague, as visualizações podem
aumentar depois de um tempo e sou a prova viva disso. Existem vídeos que postei
na primeira semana de perfil que chegaram a 10.000 visualizações meses depois.

Story: conheça seu público e crie uma comunidade, conte sobre sua rotina,
pergunte se eles gostam daquele gênero que você está escrevendo, fale sobre seu
livro, etc. Esse é o momento de criar identificação com seus leitores. O que você vê
nos perfis que acompanha no Instagram diariamente? Por que os assiste? Lembre-
se disso.

5 - Lançamento do livro
Durante o tempo que você conversa com seu público no story, seu feed
precisa estar ativo. Enquanto seu livro não é lançado, você pode falar tanto do seu
processo de escrita, quanto das suas leituras, resenhas e até mesmo posts que
introduzem os temas que seu livro vai abordar, o gênero, etc. O mais importante é
evitar postar dicas de escrita. Se você ganhar seguidores postando dicas de
escrita, significa que eles têm interesse em ver mais dicas de escrita. Se ao entrar
no seu perfil a pessoa não ver mais desse conteúdo, ela vai deixar de te seguir.
Ainda que escritores também leiam, se trata do que você prometeu e não cumpriu.

111
Quando você entrar na fase de divulgação do livro, faça posts mais
específicos falando dele, personagens, sinopse, data de lançamento, cenários. No
início, é bom intercalar os posts de divulgação com posts comuns e, quando for se
aproximando da data de lançamento, você pode focar mais no seu livro para o
público não cansar. Comece a postar sobre, pelo menos, 30 dias antes do
lançamento.

6 - Depois da publicação
Não é porque seu livro foi lançado que você vai deixar de falar sobre ele.
Você pode mostrar ao seu público os resultados, avaliações, quantidade de leitura,
os comentários da leitura coletiva, existem muitas possibilidades. Sim, é
interessante fazer uma leitura coletiva, principalmente se seu livro estiver
disponível no Kindle Unlimited. Não esqueça de fazer brindes para os
participantes da leitura, ainda que digitais, para agradecê-los por participar.

Pronto, seu livro agora está no mundo. Lembre-se que não é todo mundo
que vai gostar dele e, provavelmente, você receberá algumas críticas negativas.
Porém, foque no positivo e busque sempre melhorar. Quem faz a sua carreira é
você. Não se compare com outras escritoras e fuja da autocrítica, isso vai te tornar
livre e quem é livre voa.

112
Caderno de Exercícios

113
Caderno de Exercícios
Alguns exercícios foram feitos por mim e outros foram retirados do livro 10
Exercícios de Escrita Criativa, por Mário Falcão.

1) Escreva sobre você em 3º pessoa, como uma narrativa.

É obrigatório incluir nome, idade, região do Brasil que você mora, música, filmes e
livros favoritos e algo que você ache interessante sobre você. Pode incluir outros
personagens (familiares, amigos) e cenários que você passa mais tempo (escola,
faculdade, casa, trabalho).

2) Crie um miniconto com o tema quarentena. É proibido o uso dos termos e


palavras:

 Coronavírus

 Vírus

 Distanciamento social

 Pandemia

 Mundo

 Saudade

3) Complete a história a seguir:

Estava andando na rua, prestando atenção nos meus pés, como sempre e, de repente,
parei. Senti o perfume dela. Olhei em volta, procurando-a e percebi que ao meu lado estava
aquela perfumaria. Lembro de andarmos de mãos dadas por aquela mesma rua há duas
semanas, até nos depararmos com aquela vitrine. O frasquinho em formato de coração
chamou a sua atenção e, como criança, ela colocou o dedo do vidro. Rapidamente, me puxou
para dentro da loja, pegou o frasquinho e borrifou um pouco em seus pulsos e no pescoço,
sorridente. Me aproximei, sentindo aquele perfume que ficava ainda melhor misturado com
o cheiro da sua pele. Senti alguém se esbarrar em mim, me fazendo perceber que, apesar do
perfume ainda ser o mesmo, ela não estava mais ali.

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4) Escreva um prólogo de suspense.

Lembre-se das técnicas em “mostre, não conte” para tentar passar emoções para
seus leitores.

5) Escreva um conto com o tema que preferir.

É obrigatório fazer o planejamento antes de começar e utilizar o que já foi


realizado nas atividades anteriores. Mínimo de 5 laudas, máximo de 10.

6) Mostre, não conte.

Abaixo há uma lista de emoções, escolha a emoção que deseja e faça com que sua
personagem demonstre o que sente através de ações, falas ou pensamentos, mas
em momento nenhum do texto diga o nome da emoção que ele está
sentindo. Aplique o “mostre, não conte”.

Lista de emoções:

 Ansiedade

 Desejo

 Inveja

 Tristeza

 Alegria

 Raiva

 Dúvida

 Nojo

 Desprezo

 Medo

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7) Escreva um pequeno texto a partir da frase “Era madrugada quando ouvi gritos
vindo debaixo da minha cama”.

8) Faça uma lista de, pelo menos, 5 temas que você acha interessante, escolha 2 e
escreva um miniconto a partir deles.

9) Escolha um gênero que você não tem costume de escrever, mas gostaria, e faça
o brainstorming. Pense nos personagens, enredo, apenas um esboço de um
planejamento.

10) Use os cinco sentidos e descreva uma cena em que uma personagem está
cozinhando.

11) Escreva, em terceira pessoa, uma carta para você do futuro.

12) Descreva, de forma intensa, suas emoções e impressões durante o trajeto de


casa para a escola/trabalho/faculdade, etc. Sinta-se livre para descrever o que
achar necessário.

13) Escreva uma cena romântica e inclua as seguintes palavras:

 Bigode

 Gelatina

 Tambor

 Lágrimas

 Urso polar

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14) Escolha um livro ou filme que você gosta muito e escreva um final alternativo.

15) Você virou morador de rua, e agora? Escreva uma lauda sobre o seu primeiro
dia nessa situação.

16) 3 personagens são sobreviventes de um naufrágio. O barco acabou de afundar,


é possível avistar uma ilha mais à frente. Narre esse trajeto.

17) Sua personagem vai até o sebo, compra um livro e percebe que ele deveria ser
entregue para alguém. Escreva um conto da busca dessa moça pelo dono do livro.

18) Escreva um miniconto de romance proibido entre um professor e uma aluna


universitária. É preciso ter início, meio e fim.

19) Como você fingiria a sua própria morte?

20) Dois amigos de infância, que não se viam há muitos anos, se reecontram. No
meio da conversa, um deles diz: “Eu vi nos jornais o que aconteceu com a sua
esposa”. Continue a conversa.

21) Um incêndio. Um roubo. Um homem fantasiado de drácula. Uma bola de


futebol. Interligue essas informações em uma história que faça sentido.

22) Abaixo há uma lista de gêneros e subgêneros e uma lista de modelos


narrativos. Escolha um gênero e um modelo, combine-os e crie algo novo. Deixe
sua imaginação fluir o máximo que puder! Faça o possível para fugir de
personagens padrões, tanto fisicamente, quanto na personalidade. Tente escolher
algo que você não escreve comumente.

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Lista de Gêneros: (sugiro que pesquise um pouco antes de escolher)

1. Terror

2. Sick-lit

3. Fantasia/Realismo mágica

4. Farsa

5. Tragédia

6. Elegia

7. Fábula

8. Chick-lit

9. Distopia

10. Lad-lit

Lista de clichês:

1. Triângulo amoroso

2. O popular que fica com a nerd por uma aposta e se apaixona

3. Mocinha que é obrigada a casar com mafioso e se apaixona

4. Secretária x CEO

5. Órfãos especiais: geralmente, acontece em uma distopia ou um mundo


fantástico. No início da história surge alguém para dizer que ele é o escolhido para
salvar o mundo fantástico.

6. A bad girl e o garoto bonzinho.

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23) Escreva um texto com base na imagem abaixo.

24) Use sua imaginação e crie um mundo. Defina, leis, regras, religião, economia e
tudo mais o que você conseguir.

25) Crie um diálogo entre dois aposentados sentados num banco de praça.

26) Escreva sobre um término de namoro que termina bem.

27) Usando os mesmos personagens da atividade anterior, escreva sobre o mesmo


término, mas com ele terminando muito mal.

28) Escreva um diálogo entre uma princesa e um plebeu em tempos antigos.

29) Se seus familiares tivessem poderes, qual seria?

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30) Conte o sonho mais estranho que você já teve.

31) Dois adolescentes se perdem na floresta. Mostre as estratégias dele para tentar
sobreviver.

32) Essa é a primeira linha de uma história.

33) E se você fosse um fantasma?

34) Seu personagem morre e descobre que há vida após a morte. Conte sobre a
experiência dele.

35) Você é presidente do Brasil e descobre que seu filho participa de um grupo
revolucionário contra o governo. Descreva a discussão entre vocês.

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Referências
Colbert, Felipe. Escreva seu livro agora: cenas e diálogos. Publicação
Independente. 1° Edição. 2017.

Falcão, Mário. 100 Exercícios de Escrita Criativa: Volume 1 – Iniciantes. Editora


Stieg. 1° Edição. 2017.

Gerth, Sandra. Show, don’t tell: How to write vivid descriptions, handle backstory,
and describe your characters’ emotions. Ylva Publishing. 1° Edição. 2016.

Lodge, David. A arte da ficção. L&PM Pocket. 1º Edição. 2010.

Messner, Kate. How To Build a Fictional World. Tedx. 2019.

Modesto, Renato. Curso de escrita criativa: técnicas e exercícios para escritores.


Publicação Independente. 2020.

Saullo, Eldes. Escrevendo Romances: como contar histórias de amor que


apaixonam. Publicação Independente. 2015.

Saullo, Eldes. O fabuloso planejador de livros. Casa do Escritor. 2020.

Spalding, Marcelo. Escrita criativa para iniciantes. Editora Metamorfose. 2°


Edição. 2019.

Subgêneros da ficção científica. Biblioteca Pública do Paraná. Março de 2022.


Disponível em: https://www.bpp.pr.gov.br/Candido/Pagina/Capa-Subgeneros-
da-Ficcao-Cientifica.

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