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ÍNDICE
AS ANGÚSTIAS NOSSAS
01 DE CADA DIA 03

02 UMA LIÇÃO MILENAR 05

UMA RESPOSTA ESTOICA


03 AO INESPERADO 11

UMA FERRAMENTA PARA


04 COMBATER A ANGÚSTIA DAQUILO 15
QUE É INCONTROLÁVEL

TABELA PARA APLICAÇÃO


05 DA FERRAMENTA
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REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER


06 SE APROFUNDAR NO TEMA
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AS ANGÚSTIAS NOSSAS DE CADA DIA


Há poucos anos, eu voltava para São Paulo, de uma
palestra que fiz no Rio de Janeiro, quando acon-
teceu uma situação curiosa — mas bastante corri-
queira.

Eu estava esperando o voo no portão de embar-


que do aeroporto, com a bagagem de mão à minha
frente, como sempre faço.

De repente, percebi o início de um pequeno alvo-


roço à minha volta: a companhia aérea tinha aca-
bado de anunciar que o voo iria atrasar.

Se você me perguntar se o atraso seria grande, eu


já me adianto em responder que não. O anúncio era
de que teríamos de esperar por apenas mais meia
hora além do horário marcado.
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Apesar disso, alguns passageiros, ansiosos para
pegar o voo o mais rápido possível, começaram a
se revoltar.

Eu olhava para os lados e via as pessoas reclaman-


do com conhecidos e desconhecidos. Algumas
resmungavam com elas próprias. Outras exigiam
explicações, às vezes aos berros, aos poucos fun-
cionários da companhia aérea que ali estavam.

Aí eu te pergunto: para que tudo isso?

Qual é o sentido de se estressar, de se angustiar,


por causa de um voo atrasado?

O que as pessoas ganham se alterando com algo


assim, que está completamente fora do nosso con-
trole?

É sobre isso que falaremos, hoje, no CA #11.

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UMA LIÇÃO MILENAR


Talvez você já tenha passado por uma situação pa-
recida com a que narrei — e até reagido de forma
semelhante à dos meus colegas passageiros. Atra-
sos de voos são bastante corriqueiros. Na verdade,
eles acontecem o tempo todo. Assim como a an-
gústia que costumam causar.

Mas, se isso nunca aconteceu com você, eu tenho


certeza de que você já reagiu de forma parecida com
um trânsito inesperado antes daquele compromis-
so importante, com uma chuva forte que te pegou
desprevenido, com um pneu furado na estrada.

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Essa é uma tendência dos seres humanos. É nossa
natureza. Queremos sempre sentir que estamos no
controle das situações — e, quando isso não acon-
tece, muitas vezes somos engolidos pela angústia
que surge junto com a sensação de perda de contro-
le sobre uma situação. O mais curioso é que, desde
o início, nós não tínhamos, de fato, controle algum
sobre tal evento. O que havia, dentro de nós, era uma
sensação de controle, que foi tirada de nós.

Nos angustiamos com a bronca do chefe, com o co-


mentário do colega, com a pessoa amada que não
corresponde aos nossos afetos.

Nos angustiamos com um grande número de situa-


ções, de todos os tipos. Situações que, de alguma
forma, carregam um detalhe em comum: a maioria
delas envolve elementos que estão completamen-
te fora do nosso controle.

Se você me acompanha há algum tempo, é bastan-


te provável que saiba que essa não é uma exclusivi-
dade dos tempos atuais.

Muitos séculos antes dos aviões, carros e de todos


os confortos que temos hoje à nossa disposição,
surgia em Atenas uma escola que tinha exatamen-
te esse tema como problemática central.

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Me refiro, aqui, à Escola Estoica de Filosofia. Ou,
simplesmente, Estoicismo.

É interessante notar como essa doutrina milenar,


nascida em Atenas, por volta século 3 antes de Cris-
to, lidava com a questão da falta de controle sobre
as coisas. É uma perspectiva de grande sabedoria,
que nos ensina muito até hoje, nos dias atuais.

Já naquela época, essa escola apontava com vee-


mência uma característica humana que a maioria
das pessoas mal percebe. Justamente por não per-
ceber, sofremos muito com as consequências dis-
so.

Trata-se da característica de nos preocupar e gas-


tar tempo e energia pensando e sofrendo com coi-
sas que estão fora do nosso controle, ou da nossa
esfera de influência.

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Ao abrir as principais obras, dos maiores pensado-
res do estoicismo, é com isso que você irá se de-
parar: a constatação de que o ser humano tem uma
forte tendência a pensar, se preocupar e sofrer com
aquilo que está fora do seu controle.

Veja as palavras de Epicteto, escravo liberto — e um


dos maiores representantes dessa escola —, para
ilustrar perfeitamente esse ponto:

“A principal tarefa da vida é simplesmente


identificar e separar as questões de modo que
eu possa dizer claramente, para mim mesmo,
quais são externas, fora do meu controle, e
quais têm a ver com as escolhas sobre as quais
eu tenho controle”.

“Onde, então, devo buscar o bem e o mal? Não


é em externos incontroláveis, mas, sim, dentro
de mim mesmo, nas escolhas que são minhas.”

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Em outras palavras, o elemento central desse sis-
tema de pensamento é conseguir diferenciar aqui-
lo que podemos mudar daquilo que não podemos —
e, a partir daí, agir de maneira inteligente diante de
cada situação.

Aceitar que há coisas fora do nosso controle signi-


fica aceitar a incerteza e a impermanência. O pro-
blema é que o cérebro humano não lida bem com
incertezas. Temos farta documentação científica
desse fenômeno. Nossa natureza biológica tende a
evitar, tanto quanto possível, o desconforto gerado
pelas incertezas.

Devido a isso, temos uma tendência natural: vive-


mos em busca da sensação de controle sobre as
coisas do nosso dia a dia.

Pagamos caro por serviços que oferecem essa sen-


sação (ex.: seguros). Permanecemos em projetos,
relacionamentos e situações que nos fazem mal,
pelo mero fato de sentirmos que estamos no con-
trole. Aceitamos o conforto daquilo que é familiar,
mesmo quando isso nos faz mal. Evitamos o descon-
forto das incertezas, tanto quanto possível — mes-
mo quando ele é necessário para nossa vida evoluir.

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Acontece que a maioria das coisas que ocorrem ao
longo do dia não está no nosso controle. A busca
pela sensação de controle é a busca por uma im-
possibilidade. É isso que nos ensinam os estoicos.
É isso que nos confirma a ciência: uma das causas
documentadas de ansiedade, por exemplo, é sofrer
tentando controlar o incontrolável.

O trânsito, o atraso do voo, a bronca do chefe, a cho-


radeira do filho, a virada do tempo, a alta do dólar,
a inflação, a crise de saúde pública. Pode observar:
isso vale para quase tudo o que enfrentamos todos
os dias em nossas vidas.

Como evitar, então, que nos angustiemos com tais


situações?

Para entender isso, vamos voltar ao aeroporto.

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03

UMA RESPOSTA ESTOICA AO INESPERADO


Se você fosse um estoico, como reagiria se fosse
explorado como escravo? Se fosse injustamente
exilado em uma ilha? Ou se um imperador tirano te
obrigasse a tirar sua própria vida por suspeitas in-
fundadas de traição?

É difícil responder perguntas como essas, tão dis-


tantes da nossa realidade. Mas alguns dos princi-
pais nomes do estoicismo precisaram, de fato, lidar
com todas essas dificuldades na prática.

Epicteto era escravo. Musonius Rufus foi injusta-


mente exilado em uma ilha. Lúcio Aneu Sêneca foi
obrigado a tirar sua própria vida, por acusações que
não eram verdadeiras.

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Meu caso, naturalmente, era bem mais simples do
que esses. Naquele dia em que o voo atrasou, eu
não precisei enfrentar nada sequer parecido com o
que viveram esses estoicos.

Era apenas mais uma situação corriqueira, na qual


eu poderia focar no problema — e me angustiar com
ele — ou escolher um caminho diferente, que, de
fato, pudesse controlar. Optei pela segunda opção.

Enquanto alguns passageiros resmugavam, recla-


mavam uns com os outros e faziam dos funcioná-
rios alvos de sua indignação, eu resolvi me afastar.

Eu também queria pegar o voo na hora certa, eu


também tinha meus próprios compromissos. Mas,
naquele momento, não havia nada que eu pudesse
fazer para mudar aquela realidade. O voo atrasaria,
independentemente da minha reação.

Por isso, minha melhor resposta naquele momento


foi realmente me afastar. Não me deixar contami-
nar pelo clima de insatisfação que havia sido insta-
lado.

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Assim, decidi ir a um restaurante e aproveitar aque-
le tempo da melhor forma possível. Pedi um chopp
gelado ao garçom e me sentei em uma mesa. Na se-
quência, liguei para minha mãe, e batemos um papo
gostoso. Depois, ainda tive tempo de ouvir uma boa
música, até que finalmente pudesse embarcar. No
fim das contas, foi uma tarde agradável.

Percebe como poderia ter sido diferente caso eu


tivesse me juntado ao coro dos passageiros indig-
nados?

O melhor caminho para não ser engolido pelas an-


gústias de uma situação inesperada é entender o
que você pode, de fato, fazer diante dela, com o
que está em seu controle — e, assim, agir de acor-
do com esse entendimento.

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Epicteto dedicou sua vida à filosofia, mesmo en-
quanto escravo. Quando foi libertado, continuou
sua missão.

Musonius Rufus fez o mesmo, juntando-se a outros


filósofos em uma pequena comunidade, mesmo exi-
lado naquela ilha.

Sêneca não se desesperou, e findou sua vida tal


como a viveu: com a serenidade de ter feito o seu
melhor, com aquilo que estava em seu controle.

Os três impactaram o mundo, mais de dois mil anos


depois. Cá estamos, falando sobre a vida e as li-
ções deles. Eis a grandiosidade que podemos atin-
gir quando nosso foco é dado àquilo que, de fato,
controlamos.

É esse o objetivo da nossa Ferramenta de Autoco-


nhecimento de hoje.

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04

UMA FERRAMENTA PARA COMBATER A


ANGÚSTIA DAQUILO QUE É INCONTROLÁVEL
Ao longo dos próximos 7 dias, seu objetivo será ano-
tar tudo que te incomodar, tudo que te angustiar
de alguma maneira. Você pode anotar isso onde for
mais fácil: papel, celular, tablet, computador. O im-
portante é você não esquecer, e realmente anotar
tudo que te incomodar e angustiar, todos os dias,
ao longo dos próximos 7 dias.

Tenha em mente que não importa o tamanho dessas


angústias. Se são problemas grandes ou pequenos.
O importante é registrá-los.

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Pode ser uma angústia no trânsito, alguma crítica
no trabalho, um gesto do cônjuge, ou mesmo uma
unha quebrada. O importante é que você anote to-
das as angústias que sentir, sem exceção.

Ao final desses 7 dias, você fará uma análise dessa


lista de angústias. Eu quero que você pegue essa lis-
ta e leia com muita atenção. Em seguida, com mui-
ta sinceridade, escreva, ao lado de cada uma das
angústias, quais daquelas situações estavam efe-
tivamente no seu controle, e quais não estavam.

É fundamental que você seja honesto nas suas res-


postas. Porque, depois disso, você vai contabilizá-
-las, uma a uma, com muita atenção.

A partir daí, quero que você olhe atentamente para


todas as angústias que não estavam na sua esfera
de influência e pergunte a si mesmo:

• Qual a melhor atitude prática que eu poderia ter


tomado para lidar com essa questão?

• O que eu, de fato, poderia fazer, dentro da minha


esfera de controle e influência, para lidar com ela?

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Ainda que essa técnica seja baseada nas propostas
milenares dos estoicos, nós temos estudos científi-
cos que confirmam sua eficácia para a saúde emo-
cional humana.

O objetivo da ferramenta é trazer clareza para a quan-


tidade de sofrimento e angústia que sentimos com
aquilo que está fora do nosso controle. Talvez você
perceba que a maioria das coisas que te incomoda-
ram e angustiaram estava fora do seu controle.

Com base nisso, eu pergunto: qual é a utilidade da


preocupação com aquilo que está fora do seu con-
trole? A resposta é evidente: nenhuma. Tais preo-
cupações só servem para roubar sua energia e pa-
ralisar sua vida.

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A grande Professora Lúcia He-
lena Galvão sabe disso como
poucos. Com um conheci-
mento raro em Filosofia Clás-
sica, ela é professora da Nova
Acrópole do Brasil, escritora,
poetisa e palestrante. Para
mim, é uma das mentes mais
brilhantes do nosso país.

Por isso, fico muito honrado


em contar com seu brilhantis-
mo na estreia da nossa aguar-
dada Masterclass da Socieda-
de NeuroVox.

O tema da Masterclass é “A
Arte de Viver, Segundo Epic-
teto’’. Uma aula incrível, que
vai te fazer mergulhar pro-
fundamente nessa escola tão
fantástica que é o estoicismo.

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Meu desejo é que você saboreie a oportunidade de
mergulhar nesse sistema filosófico tão rico com
uma das maiores estudiosas do assunto. A Mas-
terclass está imperdível. Assisti-la é, sem dúvidas,
fundamental para que você utilize a ferramenta
deste CA com eficiência.

Tenha uma ótima aula!

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05
TABELA PARA APLICAÇÃO DA FERRAMENTA

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REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER
SE APROFUNDAR NO TEMA:
Cícero, M.T. (1997). Saber envelhecer e A amizade. São
Paulo: LP&M.

Comte-Sponville, André. (2000). Apresentação da


Filosofia. São Paulo: Martins Fontes.

Diener, E., Lucas, R. E., & Scollon, C. N. (2006). Beyond


the hedonic treadmill: revising the adaptation theory
of well-being. American psychologist, 61(4), 305.

Epicteto. (2021). Manual de Epicteto. São Paulo:


Edipro.

Epictetus. (1925). Discourses – Books 1-2. Cambridge:


Harvard University Press.

Epictetus. (1928). Discourses – Books 3-4, The


Encheiridion. Cambridge: Harvard University Press.

Ferry, Luc. (1996). Aprender a Viver. Rio de Janeiro:


Objetiva.

21
Frederick, S., & Loewenstein, G. (1999). Chapter 16 -
Hedonic Adaptation. Well-being: The foundations of
hedonic psychology, 302-29.

Hadot, Pierre. (2016). A Filosofia Como Maneira de


Viver. São Paulo: É Realizações.

Inwood, B. (org.). (2006). Os estóicos. São Paulo:


Odysseus.

Kahneman, D. (2013). Rápido e devagar: duas formas


de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva.

Marco Aurélio. (2021). Meditações. São Paulo: Edipro.

Marcus Aurelius. (1916). Marcus Aurelius. Cambridge:


Harvard University Press.

Mischel, W. (2016). O teste do marshmallow.

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