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ÍNDICE
UMA MÁQUINA DE FABRICAR
01 CERTEZAS 05

DA CAÇA ANCESTRAL AO
02 RESTAURANTE RODÍZIO 09

03 COMO SUAS PREMISSAS TE SABOTAM 13

FERRAMENTA PARA DESCONSTRUIR


04 PREMISSAS E LIDAR MELHOR COM 16
AS INCERTEZAS

REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER


05 SE APROFUNDAR NO TEMA
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Imagine que você está a bordo de um barco turísti-
co no mar. Ele balança suavemente sobre as águas
e, ao longe, você vê a linha do horizonte. Nesse mo-
mento, as informações captadas pelos seus olhos
e pelo labirinto — uma estrutura da orelha inter-
na ligada à audição e responsável pelo equilíbrio e
pela percepção de movimento — estão totalmente
de acordo: o barco está em movimento.
Tudo está bem e você desce para a parte inferior
do barco, onde não há janelas e, assim, você não
consegue ver o horizonte. Portanto, pelo que seus
olhos vêem, tudo está parado. No entanto, seu labi-
rinto continua detectando (e com razão) que o bar-
co está em movimento. Essa confusão de informa-
ções sensoriais te causa tonturas e você começa a
sentir um enorme mal-estar.
Isso acontece porque seu cérebro está reagindo
fortemente a uma situação de incerteza que ele en-
tende que é vital para a sua sobrevivência — saber
se seu corpo está em movimento. É como se seu
cérebro se perguntasse: “Afinal, estamos nos me-
xendo ou não?”. Essa confusão sensorial desenca-
deia sintomas físicos muito desconfortáveis, com
vertigem e enjoo.
Esse é um exemplo de como o cérebro rejeita tudo
que é incerto.

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Como você vai aprender neste CA#64, a evolução
transformou o cérebro humano em uma máquina
de buscar e produzir certezas. Isso foi essencial
para a sobrevivência da nossa espécie, como vou
explicar mais adiante.
Os mesmos mecanismos do cérebro que te ajudam
a sobreviver também te boicotam. Isso acontece
principalmente nos momentos em que você pre-
cisa tomar decisões que envolvem esforço (e as-
sumir riscos) para conseguir colocar em prática
as mudanças que você sabe que precisa fazer. É
nessas horas que seu cérebro aparece cheio de
“certezas” que nada mais fazem que reforçar seus
medos — e a sua inércia.
Nas páginas seguintes, você vai entender por que
seu cérebro tem tanto medo do que é desconhe-
cido e vai aprender estratégias para lidar melhor
com as incertezas da vida.

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01

UMA MÁQUINA DE FABRICAR CERTEZAS


O cérebro humano é uma máquina de reduzir incer-
tezas — ele tenta, o tempo inteiro, prever e manter
algum controle sobre tudo o que possa sair fora do
esperado.
Nas minhas aulas, eu gosto de usar ilusões visuais
para explicar essa ideia. Olhe para esta imagem:

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Fonte: Universidade de Sassari, na Itália

Os círculos estão totalmente separados ou estão


tocando um ao outro, como em uma espiral?
A resposta correta é que os círculos estão total-
mente separados, apesar de parecer que formam
uma espiral. Essa imagem foi criada pelo psicólo-
go e cientista visual Baingio Pinna, pesquisador
da Universidade de Sassari, na Itália, para mostrar
como o cérebro usa pistas para criar um contexto.

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Nesse caso, essas pistas são cores e formas. A or-
dem em que os quadrados foram colocados, em co-
res alternadas, criou um contraste que induz seu
cérebro a acreditar que os círculos estão se cru-
zando. Portanto, isso se torna uma certeza para
seu cérebro.
Ou seja, o cérebro cria premissas. As premissas são
certezas artificiais sobre o mundo que seu cérebro
presume que são reais. A maioria delas é incons-
ciente. O maior exemplo de premissa do cérebro
são os hábitos.
Quando você repete um comportamento, seu cére-
bro entende que é porque ele é útil para sua sobre-
vivência. Esse comportamento, depois de um tem-
po, se torna um automatismo. Ou seja: seu cérebro
passa a te direcionar para repetir aquele compor-
tamento.
O problema disso tudo é que as premissas nem
sempre (ou quase nunca) são verdadeiras. Bas-
ta pensar em hábitos nocivos que fazem parte da
vida de muita gente: fumar, ser sedentário ou pro-
crastinar são alguns exemplos.
Agora, talvez você me pergunte: “Pedro, porque
meu cérebro se apega a premissas, se elas me fa-
zem mal?”

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Porque seu cérebro acredita que elas são boas.
Isso é um processo inconsciente, como já expli-
quei. Para que você entenda por que isso aconte-
ce, precisamos voltar milênios na história.

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DA CAÇA ANCESTRAL AO RESTAURANTE RODÍZIO


A espécie humana tem cerca de 250 mil anos. Du-
rante a maior parte desse tempo, nossos ancestrais
que viviam na savana africana foram nômades. Ou
seja, eles não passavam toda a vida ou a maior par-
te dela fixados em um só lugar, pelo contrário. Eles
mudavam de local com frequência, porque viviam
de caça e coleta. Como não plantavam nem cria-
vam animais, nossos ancestrais ficavam em um lu-
gar pelo tempo em que houvesse oferta de alimen-
to. Quando os animais ou os vegetais se tornavam
escassos, eles saíam em uma jornada em busca de
um novo local.

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Tente imaginar essa cena: um grupo de homens,
mulheres e crianças pré-históricos encontra uma
grande caverna. O local é um bom abrigo contra a
chuva e o frio e, além disso, eles descobrem que
por ali há frutos e muitos pássaros para caçar. Eles,
claro, decidem ficar por ali. Mas chega o inverno. As
frutas acabaram e os pássaros voaram para longe.
Está difícil se alimentar. Portanto, a única alternati-
va que resta a esse grupo é se lançar em uma longa
jornada em busca de outro lugar onde encontrem
comida.
Essa foi a realidade da nossa espécie, por mais de
200 mil anos. A prática da agricultura e da criação
de animais no mesmo lugar é relativamente recen-
te: 12 mil anos. Ou seja, para nossos ancestrais, se
movimentar o tempo todo em busca de comida e
nunca saber quando será a próxima refeição era a
regra.
Agora, pense em um ser humano dos dias de hoje.
Imagine a cena de uma família entrando no seu car-
ro em um dia ensolarado de domingo para ir almo-
çar em uma churrascaria rodízio. Todos vão con-
fortáveis dentro do carro, com o ar condicionado
ligado. Quando chegam ao restaurante, encontram
vários tipos de carnes, frutos do mar, saladas e so-
bremesas. Todos comem à vontade e, depois, vol-
tam de carro para a casa, para descansar.

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Ir de carro a um restaurante (e se alimentar com
fartura sem ter de fazer nenhum grande esforço
físico) talvez seja um evento banal para você que
lê este CA. Mas, para os nossos ancestrais, isso
seria impensável. Como você viu, cada refeição
era resultado de muita perseverança e esforço.
Para eles, alimento era algo raro, que não pode ser
negado. Ou seja: o cérebro dos nossos ancestrais
construiu a premissa de que é preciso aproveitar
quando tem comida disponível. Naquele período
isso foi essencial para a sobrevivência da espécie.
O cérebro humano não evolui na mesma velocida-
de que as tecnologias de produção e distribuição
de alimentos. Nossos ancestrais precisavam apro-
veitar toda oportunidade de se alimentar — e com
razão, pois gastavam muita energia e nunca sa-
biam quando iam se alimentar outra vez. Por isso,
o cérebro humano ainda carrega essa premissa:
“Preciso comer quando tenho oportunidade”.

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Portanto, consumir alimentos calóricos é um prin-
cípio registrado em nossos genes. Uma “certeza”
que, de fato, foi útil para a sobrevivência da espé-
cie por milhares de anos. Mas, hoje, sabemos que
não é mais assim, que não precisamos continu-
ar comendo enquanto houver comida disponível.
Apesar disso, o comportamento automático é o de
repetir o prato em situações nas quais há enorme
oferta de comida, como um rodízio.
Mas, o fato de algo ter sido verdade no passado
não significa que seja assim no presente. Hoje, ao
contrário de nossos ancestrais, estamos cada vez
mais sujeitos a problemas de saúde relacionados
ao excesso ou à alimentação inadequada.
Esse é um exemplo de premissa que faz mal à saú-
de. No capítulo a seguir, vou abordar as premissas
que transformam as incertezas em verdadeiros
monstros e sabotam suas decisões.

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COMO SUAS PREMISSAS TE SABOTAM


Desafiar as premissas não é fácil. Como você viu no
capítulo 2, o cérebro da espécie humana foi molda-
do, ao longo de milhares e milhares de anos, para
decidir a partir de emoções e sentimentos. Por
exemplo:
1) Sentir medo de algo parte de uma premissa de
que aquilo é ameaçador.
2) Sentir prazer com algo parte da premissa de que
aquilo é bom.
Mas, agora, responda essas duas perguntas:
O medo sempre te ajuda a tomar as melhores de-
cisões?
O prazer sempre te direciona para o que é bom?

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Acho que você já sabe a resposta: NÃO.
Talvez, agora, você esteja se lembrando de atitu-
des que deixou de tomar porque elas iam contra
suas premissas: planejar uma mudança de carrei-
ra, iniciar uma rotina de exercícios físicos, passar
a se alimentar melhor ou começar um novo curso
e por aí vai.
Como você viu no capítulo 2, temos um cérebro pri-
mitivo em um mundo moderno. Nossas emoções e
sentimentos são amparadas por premissas. Imagi-
ne a seguinte situação:
Você quer mudar de carreira. Mas, quando pensa
nisso, sente medo (emoção). Esse medo é ampa-
rado pela ideia de que investir em outra profissão é
má ideia, porque você não conseguirá ser tão bom
quanto quem começou na profissão mais jovem
(premissa) e porque ficar onde está é melhor, em
vez de arriscar (premissa).
Mais um exemplo:
Você está em um relacionamento amoroso que já
não te deixa feliz. No fundo, você sabe que se se-
parar é a melhor opção, mas isso te deixa ansio-
so em relação ao futuro (emoção). Você pensa que
é melhor estar acompanhado de alguém, mesmo
que esteja infeliz, do que sozinho (premissa) e, por
isso, não toma uma atitude.
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Seu cérebro quer, a todo custo, se preservar
de decepções e frustrações. Pelo “bem” das
suas emoções, ele se apega a premissas, pois
elas, em teoria, te protegem de investir tem-
po e energia no que você não sabe se pode dar
certo. No entanto, basta reler os dois exem-
plos acima para entender que ter certeza so-
bre algo não é garantia nenhuma de sucesso
ou de felicidade.

Agora, me responda: Você tem deixado de tomar


decisões importantes ou de fazer algo por você por
causa de premissas?
Se sim, a ferramenta a seguir é para você.

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FERRAMENTA PARA DESCONSTRUIR PREMISSAS


E LIDAR MELHOR COM AS INCERTEZAS
A ferramenta a seguir é inspirada no Método
ABCDE da terapia cognitivo-comportamental
(TCC). Ela deve ser usada quando você sentir medo
ou outra emoção negativa em alguma situação de
incerteza. Ela consiste em quatro etapas, a come-
çar pela identificação da premissa que está por
trás da emoção. Vou usar as mesmas situações-
-exemplo do capítulo 3 para explicar cada etapa.

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USAR A EMOÇÃO COMO UM
GUIA PARA A PREMISSA
As emoções e sentimentos são sinais do nosso
corpo sobre tudo que pode ameaçar nossa so-
brevivência. Como você viu nos capítulos an-
teriores, o cérebro aprendeu a seguir, ao lon-
go da evolução, uma espécie de “cartilha” que
ensina a evitar tudo que possa causar instabi-
lidade e falta de segurança.
Portanto, usando as mesmas situações do ca-
pítulo 3:
Você sentiu medo quando pensou em mu-
dar de carreira
Você sentiu ansiedade quando pensou em
terminar um relacionamento amoroso
Nessas situações, você deve reconhecer a
emoção que está sentindo e se perguntar:
“POR QUE EU ME SINTO ASSIM?”
Essa pergunta vai te conduzir à ideia/premis-
sa que sustenta a reação emocional diante da
“ameaça” à sua estabilidade dos hábitos, seja
mudar de carreira, começar a correr ou se se-
parar.

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RECONHECER A PREMISSA —
E COMO ELA SE MANIFESTA
Responda à pergunta da etapa 1 com hones-
tidade. Ela vai te levar à premissa. Usando os
mesmos exemplos, elas podem ser:
“Se eu mudar de carreira, nunca vou ser tão
bom quanto quem começou na profissão
quando era mais jovem”.
Para qual comportamento ela te direciona?
Exemplo: continuar onde está, pensando
em como poderia ser se fosse diferente.
“Se eu me separar, vou ficar sozinho e isso
é muito ruim, porque eu não gosto de lidar
com a solidão”.
Para qual comportamento ela te direciona?
Exemplo: não tomar uma atitude necessá-
ria para colocar um ponto final ou, então,
tentar conversar com seu companheiro e
melhorar o relacionamento.

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QUESTIONAR A PREMISSA

Nesta etapa, você vai examinar essa premis-


sa, de maneira a buscar saber se ela é, de fato,
tão válida como parece ser:
“Quem começou mais tarde em uma nova pro-
fissão fica mesmo ‘atrás’ de quem começou
desde cedo? E se eu procurar exemplos de
quem teve coragem de mudar e deu certo?”
“Será que vou sentir tanta solidão como penso
que vou se eu terminar meu relacionamento?
Eu tenho família e amigos que podem me fazer
companhia nesse momento”.
Você também pode conversar com pessoas
que passaram pela mesma situação de incer-
teza que você. Por exemplo, alguém que mu-
dou de vida ou de carreira, no primeiro caso.
Ou alguém que enfrentou uma separação ou
que pensou em se separar e decidiu investir
em melhorar, de fato, o relacionamento.

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FLEXIBILIZAR AS IDEIAS

Depois de questionar as premissas, você com


certeza não verá as possibilidades da situação
de maneira tão rígida. Isso diminui as emoções
negativas e libera mais energia cognitiva para
que você analisar a questão de forma mais ra-
cional. Por exemplo:
“Mudar de carreira demanda muito esforço e
coragem, mas, com planejamento, eu posso
conseguir”.
“Separações nunca são fáceis, mas muitas
pessoas conseguem investir em seus próprios
interesses e fazer novos amigos quando ter-
minam um relacionamento”.

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Como você aprendeu neste CA, o cérebro huma-
no rejeita as incertezas e faz de tudo para garantir
a segurança e conforto. Isso pode até te proteger
de sofrer decepções e outras emoções negativas,
mas também te impede de assumir (com planeja-
mento e de forma responsável, claro) novas situa-
ções de vida que poderiam te levar ao sucesso ou
à felicidade.
Portanto, coloque essa ferramenta em prática e
comece a identificar as premissas por trás de seus
medos. Você pode descobrir situações onde você
está se sabotando e nem imagina.

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REFERÊNCIAS PARA QUEM QUER
SE APROFUNDAR NO TEMA:
Barret, L. (2017). How Emotions Are Made: The
Secret Life of the Brain. Mariner Books.

Mukherjee, A., Lam, N.H., Wimmer, R.D. et al.


(2021). Thalamic circuits for independent control
of prefrontal signal and noise. Nature 600, 100–
104 . https://doi.org/10.1038/s41586-021-04056-
3
Pinna, B., Conti, L., & Porcheddu, D. (2021). On
the role of contrast polarity in perceptual organi-
zation: A Gestalt approach. Psychology of Cons-
ciousness: Theory, Research, and Practice, 8(4),
367–396. https://doi.org/10.1037/cns0000300

Pinna, B. (2010). What colour is it? Modal and amo-


dal completion of colour in art, vision science and
biology. International Journal of Arts and Tech-
nology, 3(2/3), 195. doi:10.1504/ijart.2010.032564

Valko Y, Lewis RF, Priesol AJ, Merfeld DM. (2012).


Vestibular labyrinth contributions to human
whole-body motion discrimination. J Neuros-
ci. Sep 26;32(39):13537-42. doi: 10.1523/JNEU-
ROSCI.2157-12.2012. PMID: 23015443; PMCID:
PMC3467969.

22
Autor
Pedro Calabrez

Editor de Conteúdo
Fernanda Ribeiro
David Shalom

Revisão
Caroline Bastos

Projeto gráfico, capa e diagramação


Ana Clara Travassos

Operação e Logística
Alexandre Lenharo

Direção de Conteúdo
Juliana Mastrângelo

Caderno de Autoconhecimento
VOCÊ TEM MEDO DO FUTURO? COMO LIDAR
MELHOR COM AS INCERTEZAS DA VIDA
ISBN 978-65-85194-62-4

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