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Histeria, Scalene.
VERSOS FERIDOS
Não irei morar com o homem que destruiu a própria família, fez
a minha mãe sofrer e que não está nem aí para mim. Minha avó
Leonor mais uma vez tem razão, meu avô Rivaldo só pode estar
louco.
— Eu não vou, vovô — afirmo, sério.
— Pronto, assunto encerrado, Rivaldo. O menino não quer ir, eu
não quero que ele vá, acabou essa história — conclui vovó. —
Sente, meu neto, tome café conosco.
— Desculpe, Apolo, mas isso não é um pedido, é uma ordem,
um ultimato. Você ficará com o seu pai até Laura retornar —
assevera, ainda mais sério, me deixando com raiva.
— Mas ele não é meu pai! — aumento a voz. — Meu pai sempre
foi o senhor, vô. Não quero ficar com ele. Aquele homem nem
mesmo se importa comigo...
— Sabe que isso é mentira, Apolo. Ele se afastou, é verdade, foi
um erro dele, achou que essa era a melhor saída após a separação,
mas nunca o esqueceu, e o fato de ter pedido para ficar contigo
neste tempo em que sua mãe passará fora, prova isso.
— Ora, me poupe, Rivaldo! — rebate vovó, limpando os lábios
com o guardanapo, também irritada.
— Já está dito! — nunca vi meu avô tão certo de algo assim, e
exigente. Que raiva! — Agora sente-se, Apolo, tome café e depois
suba e faça a sua mala. Está na hora de pôr um eixo em toda essa
situação.
Não o obedeço e saio daqui furioso, respirando forte. Meu avô
me chama, mas não dou atenção. Caminho depressa em direção a
cozinha e soco a porta dos fundos ao sair para o jardim. Não quero
ficar com o Victor! Odeio ele por ter abandonado a mim e a minha
mãe, por tê-la feito sofrer com... Ah! Não gosto nem mesmo de
lembrar.
Sento em um dos banquinhos que há no belo gramado, entre as
plantas e flores. Fecho os olhos e ouço até passarinhos cantando ao
redor. Meu avô herdou a herança do pai e sempre trabalhou no
mercado da carne, o sobrenome da família, Cordeiro, é uma das
marcas mais vendidas dentro e fora do país, o que sempre nos
proporcionou muito luxo e reconhecimento, renome. Se bem que a
minha mãe sempre teve o seu próprio dinheiro desde que me
entendo por gente, é uma fotógrafa superconhecida na região e que
agora está expandindo o seu trabalho no estrangeiro, mas já sinto a
sua falta.
Lembro dela conversando comigo antes de partir, quando ainda
estava no quarto, terminando de arrumar as suas malas para a longa
viagem:
“— Filho, seu pai quer ficar contigo enquanto viajo, tem certeza
que não quer ir? — ela indaga, acariciando o meu rosto e sentando-
se na cama ao meu lado. Minha avó está numa poltrona, nos
observando, de pernas cruzadas.
— Oh, Laura, deixe de bobagens! — retruca ela. — É claro que
ele não vai, ficará comigo e Rivaldo. Aquele Victor não merece estar
na presença do meu neto...
— Mamãe por favor, nos dê licença, quero conversar com o meu
filho a sós! — rebate mamãe, fazendo dona Leonor sair bufando do
quarto. Sou acariciado na bochecha novamente e admiro a beleza da
minha mãe que espera por uma resposta minha. Já sou maior e mais
forte que ela, mesmo tendo apenas a idade que tenho.
— Não quero, mãe. Por que ele quer a minha presença agora?
Depois de dois anos? Depois do que fez a você, a nós? Não! —
respondo, amargo, fazendo ela baixar os olhos por um instante,
parece triste.
— Apolo, tanto que te falei para não tomar as minhas dores,
para não levar o que aconteceu para o seu coração. Victor querendo
ou não é o seu pai e vocês precisam ter contato.
— Não quero ir. Ficarei com a vó e o vô! E a senhora não
demore a voltar. Eu te amo. — a abraço e ela me corresponde, é tão
bom sentir o seu calor e o seu amor, com ela me sinto protegido.
— Vou passar alguns meses lá, essa oportunidade é muito
importante para o meu trabalho. Você entende, né?
— Entendo, mãe.
— Te amo muito, meu filho, meu menininho grandão — declara,
beijando a minha cabeça.”
Suspiro, voltando a realidade, cabisbaixo.
— O que aconteceu, Apolo? — pergunta Adriana, uma das
arrumadeiras da casa, se aproximando, a considero como uma
amiga mais velha. Ela é magrinha e alta, de cabelo castanho, deve
ter uns vinte e sete anos, trabalha com meus avós há um tempo,
está uniformizada.
— Nada — respondo, frio, olhando rápido para ela.
— Nada não, fala logo menino — ordena, sentando-se ao meu
lado.
— Meu vô quer me levar para ficar com o meu pai até a minha
mãe chegar.
— E o que tem isso?
— Ôxe, Adriana — resmungo. — Nunca ouviu a minha vó falar
do meu pai por aqui? Ele fez muitas coisas ruins para a minha mãe,
e não quis saber de mim após a separação. Não tem condições de
ficar com ele. Meu vô pirou, literalmente.
— Mas, o senhor Rivaldo tomou essa atitude devido a briga que
você teve na escola? — pergunta.
— Sim. Tudo por causa de uns idiotas daquela escola infeliz.
Também não quero mais ver a cor daquele lugar — a minha raiva
persiste, tiro os óculos de lentes redondas e passo a mão no rosto,
respirando fundo. Tenho miopia desde pequeno, não é grave, mas
não consigo enxergar muito bem coisas distantes.
— Calma Apolo, nem tudo é tão ruim assim quanto parece. Veja
pelo lado bom, tu vai ter a oportunidade de ficar com o seu pai. Faz
quanto tempo que não se veem?
— Quase dois anos — respondo. — Nesse meio tempo ele
quase não apareceu, fez alguns convites, me chamando para passar
meu aniversário com ele, por exemplo, mas neguei, e agora vem
com mais essa. Era só o que me faltava.
— Dê uma chance a ele, você pode se surpreender.
— Não mesmo — afirmo, sério. — Ele lutou pouco por mim
depois que se separou da minha mãe, isso só demonstra o quanto
não me ama.
— Só vai ter certeza disso convivendo com ele — afirma
Adriana, e então faz algo que me surpreende, acaricia o meu rosto.
— Um menino tão bonito não merece ficar emburrado e tristonho
assim.
Estico um pequeno sorriso, constrangido, e viro o rosto para o
outro lado, saindo de seu toque.
— Eu? Bonito? — debocho. Ela mente.
— Claro que sim. Olha, quer um conselho? Sei que você não
gosta de desobedecer seu avô, então, se ele acha que o melhor pra
ti é ficar com o seu pai, vai e deixa ver o que acontece. Caso
contrário, senão der certo, o seu Rivaldo irá perceber e vai te buscar
de volta.
— É só eu mostrar a ele que ficar com o Victor não vai dar certo
— confabulo.
Adriana revira os olhos.
— Não foi isso que eu quis dizer. Bem, vou voltar ao trabalho —
ela se afasta, me deixando sozinho. Encosto a minha cabeça nas
costas do banco, mirando o lindo céu azul e respiro fundo.
Arrumo a minha mala, mas não coloco muita roupa, estou certo
de que essa ideia do meu avô não vai durar, pois farei de tudo para
dar errado. Logo, logo estarei de volta e quando a minha mãe
retornar, me encontrará exatamente no lugar onde me deixou.
Pego o notebook, escova de dentes, tênis, e lembro de algo
importante. Fecho a porta do quarto após averiguar se não há
ninguém por perto do lado de fora. No meu closet, abro a última
gaveta do guarda-roupas e retiro duas revistas eróticas com fotos de
mulheres lindas e nuas, que estavam debaixo de alguns lençóis
dobrados. As guardo na mala também. Elas são importantes.
Chega o momento de partirmos, e após entrarmos no Rolls-
Royce, meu avô diz ao Jorge, o motorista, onde iremos. Após alguns
minutos na rodovia, percebendo a minha cara emburrada e o meu
silêncio, ele diz:
— Apolo, meu neto, não fique emburrado desse jeito, não estou
o levando para um estranho. Victor é o seu pai, e gosta de você —
afirma.
— Tem certeza disso? Minha vó está certa, o senhor parece que
não se lembra do que este homem fez à minha mãe. Vi ela chorar
por culpa dele, e eu... — a minha voz falha.
— Também chorou — completa meu avô, e em seguida respira
fundo, colocando a sua velha mão sobre meu joelho, tentando me
confortar. — Filho, o que houve na sua família foi muito ruim, é fato,
mas... coisas ruins acontecem e temos que saber seguir adiante. No
caso dos seus pais, eu diria que uma sucessão de pequenos erros
explodiu numa catástrofe.
— Ele fez o que fez porque quis, e pelo jeito nem se preocupou
com isso...
— Não pode afirmar, Apolo. Sei que sente falta do seu pai, e ele
também precisa do filho. Pai e filho precisam estar juntos, eu sei isso
mais do que ninguém... — dessa vez é a voz dele que falta, e
entendo o porquê. Ponho a minha mão sobre a dele.
— Está falando assim por causa da tia Lorrana, né? — indago,
sentindo a dor e o sentimento dele pela filha que não volta para casa
há muitos anos, está fora desde quando eu ainda nem era nascido.
— Não entendo por que ela insiste em falar comigo só através
de vídeo chamada ao invés de retornar para casa. São dezessete
anos que a vejo só pela imagem do computador, e ela continua
resistindo.
— Ela ainda não lhe disse por que não volta?
— As mesmas desculpas de sempre, que está ocupada,
trabalhando não sei em quê, mas sinto que mente. Por isso, mandei
Laura procurá-la em Nova Iorque. Chega disso.
— Mas se ela não quer falar com a minha mãe por vídeo
chamada, vai querer falar pessoalmente? E ela também mudou de
endereço e não informou o novo.
— Acredito que Laura a encontrará. — afirma ele, esperançoso.
— Encontrará sim, vô — lhe passo confiança.
— Bem, agora ligue para o seu pai e avise que estamos a
caminho — ordena.
— Só se for do seu celular, e será o senhor que vai falar com ele
— imponho essas condições, ele não discute e me entrega o celular,
porém, ligo três vezes e nada do Victor atender. Isso não me
surpreende — Ele não atende, é melhor voltarmos para casa. —
opino.
— Victor deve estar com o celular no silencioso, ele sempre
esquece.
— Como sabe?
— O conheço, e além disso, ele sempre me atende — informa
vovô.
— Ah tá, esqueci que são amigos — digo, irônico.
— Devia achar isso ótimo.
E assim, após pouco tempo, chegamos ao condomínio do Victor,
é um lugar bonito, enorme, de terreno informe, repleto de casas
luxuosas espalhadas pelo lindo gramado. Após passarmos da
portaria onde os seguranças conferem as nossas identidades, sou
tomado por milhares de lembranças da época em que eu morava
aqui com a minha mãe, quando ela ainda estava com o Victor.
Passamos por um campo de vôlei e lembro do dia em que
jogamos ali, Victor me ensinava a rebater a bola enquanto minha
mãe nos observava do banco, sorrindo. O Rolls-Royce para em
frente à minha antiga e linda casa, de paredes brancas, janelas em
vidro, e não é uma mansão como a do meu avô, mas também possui
um andar, é espaçosa, confortável, de três quartos, com sala de
estar, de jantar, de jogos, mais escritório e uma área externa onde
fica a piscina enorme, depois garagem e academia.
Há muito tempo não piso aqui. Ao descer do carro e olhar para a
rua, lembro de Victor me ensinando a andar de bicicleta, aos oito
anos de idade.
“— Vai filho! Você consegue!”
Ouço a sua voz ecoar em minha mente. Eu quero me esquecer
de todos estes momentos contentes, pois já sei que eles não valem
de nada! E assim, aprendi dolorosamente que lembranças boas são
cruéis após um maremoto de infelicidade. São como gatilhos de um
passado feliz que não tem nenhuma esperança de retornar. Também
não quero que retorne!
— A casa do Wagner, seu outro avô — comenta seu Rivaldo. —
Victor nunca quis sair daqui.
— Eu sei — respondo. — Já morei aqui, não lembra? Faz dois
anos que não piso neste lugar, e agora o senhor me faz...
— Deixe de aborrecimento! — reclama, me interrompendo. —
Vamos entrar — me chama, e vai caminhando com a sua bengala
até a porta, onde toca a campainha.
Somos recebidos pela empregada, Valrene, uma moça na casa
dos trinta anos, de estatura pequena e gordinha, de pele morena.
Lembro dela, sempre nos demos bem, e recordo do amor que tinha
por ela. Continua parecendo bem simpática e fofa.
— Apolo! — ela exclama, surpresa, esbugalhando os olhos, e
vindo para cima de mim como um furacão, me abraçando bem forte.
Está tão pequenina perto de mim. — Quanto tempo, garoto! Olha só,
já está maior que eu, meu Deus! Seu Victor vai ficar doido quando
souber que você está aqui!
— Oi Val, tudo bem? — indago, sorrindo para ela depois que se
afasta. — Faz um tempo mesmo.
— Como você está lindo. Ai que saudade! Deixa eu te abraçar
de novo — ela me aperta com tanta força que acho que me deixa
roxo. — Olha como está grande, forte, nem parece que tem a idade
que tem! Minha nossa!
— Não falará comigo, Valrene? — indaga meu avô, chamando a
atenção dela, que se volta para ele, agora toda comportada e séria.
— Ah... perdão, seu Rivaldo. Bom dia. O seu Victor ainda não
chegou — informa. Meu avô olha o relógio caro no pulso.
— Já são dez da manhã, Valrene, onde ele se meteu? —
pergunta, enquanto Jorge segura a minha mala às minhas costas.
— Às vezes ele dorme fora mesmo, no apartamento, já nem me
preocupo mais — ela informa, sorridente. — Mas sentem, querem
alguma coisa? Uma água ou suco? Fiz um de goiaba que está uma
delícia.
— De goiaba? — indago, interessado.
— Ah, sei que é o seu preferido assim como é o do seu pai.
Você quer?
— Não, pensando bem... não quero — perco a vontade depois
que ela me lembra dessa semelhança entre mim e Victor.
— Ele quer sim, Valrene, pode trazer. E para mim, água. O que
vai querer, Jorge?
— Água também, senhor — responde o motorista.
Em minutos, estamos nos sofás. A casa tem as paredes
brancas, outras em tons sépia, e percebo que quase nada mudou, é
claro que não possui mais aquela decoração moderna que a minha
mãe gosta, está tudo mais neutro, porém, sem perder o requinte. O
espaço é amplo, aconchegante, climatizado. Avisto a sala de jogos
por uma porta de vidro, o lugar onde eu e Victor passávamos horas
jogando videogame.
“— Ah pai, você me deixou ganhar! Não vale! — reclamo.
— Deixei não, filho — diz ele, sorrindo.
— ÔH MÃE! — grito, pedindo o auxílio dela para repreender
meu pai”
Lembro. Nessa época eu estava com catorze, bem perto da
separação deles.
Depois de sermos servidos por Valrene, ficamos esperando
Victor chegar, e minha vontade de ir embora continua. Essas
memórias estão me fazendo mal, sinto vontade de chorar, mas me
seguro. Não derramarei uma lágrima sequer por ele.
Não sei mais o que fazer, quase dois anos de afastamento foi o
bastante para o meu filho me odiar, ele disse isso e me sinto o pior
pai do mundo. Estou acabado por dentro, destruído e literalmente
machucado.
Faço cafuné em Kenai que está comigo na cama, ele é o meu
amigão, pelo menos alguém nesta casa se preocupa de verdade
comigo. Miro o band-aid sobre o corte na minha canela inchada, foi
um pouco profundo, mas nada preocupante.
A tristeza deve estar estampada na minha cara, me sinto
decepcionado comigo mesmo. Que tipo de pai eu sou a ponto de
merecer todo esse ódio do meu filho?
Val traz o meu almoço numa bandeja.
— E então, o corte ainda dói? — pergunta ela, enquanto como.
— O que dói mesmo é a minha decepção como pai — a
respondo.
— Seu Victor, não fala assim.
— Ouviu o que o Apolo falou? Ele me odeia. Nunca imaginei que
a minha decisão de se afastar seria tão prejudicial assim.
— É que o menino deve ter se sentido sozinho, seu Victor, e
além disso, sabemos que aquela avó dele passou todo este tempo
enchendo a sua cabecinha contra o senhor.
— Sei disso, o meu santo nunca bateu com o dela, mas nunca
lhe fiz mal algum, seu ódio por mim é gratuito. Essa velha sempre
me queimou de libertino, cachaceiro, que tive sorte por ter herdado
uma fortuna e etc. Ela nunca me aceitou. Mesmo assim, a culpa foi
minha também, eu não devia ter me distanciado do Apolo, mas na
época, tudo ficou tão fora de controle que achei ser essa a melhor
saída. Laura não queria me ouvir, a velha Leonor nem deixava eu me
aproximar, e quis deixar a poeira passar, mas foi um erro fatal.
— Mas agora o senhor está tendo a oportunidade de ficar perto
do seu filho de novo. Não desista, seu Victor. Tenho fé em Deus que
dará tudo certo — diz Valrene, juntando as mãos, confiante.
— Não sei, Val, a imagem que Apolo possui de mim é a pior
possível.
— Mas o menino se preocupa com o senhor, ou não viu o jeito
que ele ficou quando o senhor tombou lá na escada?
— Era só culpa, Val.
— Era nada. Vai dar certo, vai dar certo. — ela espera eu comer
e beber água, depois pega a bandeja de volta.
— O Apolo almoçou? — pergunto.
— Não, tá trancado no quarto, e acho que é melhor assim, vai
que dá resultado — ela se vai.
— Será que dá, Kenai? — pergunto para ele, que me olha sem
parar, com a língua para fora, balançando rabo.
Penso em tudo o que aconteceu por mais um tempo, e depois
troco algumas ligações com Everton para saber da Alcateia, e com
João, meu grande amigo, para saber dos nossos negócios com as
lojas de autopeças, fiz dele meu braço direito nesse ramo, está
cuidando de tudo para mim.
Acordo sem lembrar quando dormi, tomo banho e desço para
ver como estão as coisas lá fora — a porta do Apolo continua
fechada. Encontro Valrene na cozinha, terminando de lavar as
louças, pergunto sobre meu filho e ela me informa que ele almoçou e
depois voltou para o seu cômodo.
Mais tarde, após Valrene ir embora, fico no meu escritório
analisando alguns documentos da boate. Ao mexer nos livros da
estante, um vai ao chão, o pego e vejo que se trata do Mágico de Oz
e, automaticamente, lembro que comprei esse livro para o meu filho
quando ele tinha apenas doze anos de idade.
— Victor — me chama ele, entrou que nem percebi.
— Oi — digo, em um sobressalto, saindo das minhas
lembranças.
— Te assustei? — Apolo parece bem calmo e educado agora.
— Sim, não te vi chegar.
— Que livro é esse?
— O Mágico de Oz, lembra? — pergunto, jogando o livro para
ele.
— Lembro — responde, esticando um sorriso. — Foi numa peça
da escola, você comprou para eu ler e interpretar um dos
personagens.
— Você fez o leão covarde, a sua mãe comprou a roupa e fez
até o seu bigode de leão, e tu ficou tão bonito. Quando começou a
peça, a professora veio correndo me chamar, desesperada, porque
você estava com medo de entrar no palco e queria falar comigo. E eu
te disse que...
— O leão era covarde, não eu — completa ele, se lembrando, e
tento segurar a emoção. Lhe dou as costas, e discretamente, enxugo
as lágrimas que querem vazar. Eu sou um grande pai sentimental do
caralho.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Quero te pedir desculpas de novo — ele diz, e então o olho.
— Esquece filho, já era, já passou.
— Mas... quero deixar claro que... eu não te odeio..., só odeio o
que fez com a nossa família. Porém, agora estou disposto a
conversar ao invés de brigar. Sendo assim, preciso saber, por que
traiu a minha mãe? — pergunta, me olhando nos olhos.
A ARTE DA CONQUISTA
Fico surpreso por ver que Victor conhece a ruiva, e que ruiva!
Ela usa tênis e short jeans que deixa as belas coxas à amostra, com
uma blusinha regata feminina apertada que expõe as suas curvas e
o volume do seu busto — um look bem menininha sexy. O seu
cabelo de um vermelho lindo e que parece natural, está solto, toca a
bunda, liso, meio ondulado. Ela é uma gata!
Pela troca de sorrisos e olhares, chego a pensar que já deve ter
rolado algo entre eles.
— Nossa, me desculpa mesmo por isso — diz Victor,
cumprimentando a tal Leda, trocando beijinhos nas bochechas. Ela
tem os olhos negros e a pele bem alva puxado para o rosa, é linda
mesmo.
— Ah, acontece, mas estou impressionada, logo você, essa
cidade é de fato pequena — comenta ela.
— É verdade. Olha, lembra que te falei que tinha um filho? Olha
ele aqui, este é o Apolo — me apresenta, e me aproximo dela,
sentindo seu perfume estonteante. Esse Victor só escolhe as
melhores.
— Olá, prazer, Leda — nós trocamos um aperto de mão, sorrio,
mas não digo nada. Sou maior que ela e a minha mão maior que a
sua. É difícil encontrar mulheres altas no Piauí, já há um tempo que
percebo isso.
O sinal abre, e a fileira de carros atrás de nós começa a buzinar,
nos lembrando de que estamos no meio do trânsito à noite e não em
um happy hour. Victor faz um sinal com a mão, indicando para que
eles passassem pelo lado e é obedecido.
— Me dá seu número, amanhã mesmo te ligo para resolvermos
este contratempo — ele entrega o celular a ela.
— Ah, ‘tá bom. Esse trânsito é uma loucura — ela devolve o
aparelho.
Eles se despedem e em seguida nos separamos. Ao chegamos
em casa, não perco a oportunidade e pergunto:
— Onde você conheceu a Leda?
— Na Alcateia.
— Já ficaram?
— Por que a pergunta, Apolo? — rebate, com um sorriso.
— Nada, só curiosidade — faço um bico. — Não precisa falar
senão quiser. — ele gargalha, esse cara só sabe rir o tempo todo!
— Sim, nós já ficamos, somente uma vez, mas não vai mais
acontecer — responde.
— Por quê? Ela é tão bonita — comento
— Porque há outras coisas envolvidas que nos impedem de
ficarmos novamente — afirma, subindo a escada.
— Mas se desse certo, você ficaria com ela de novo?
— Não sei curioso, mulheres não são a minha prioridade agora
— diz, sem parar de caminhar.
— E qual é a sua prioridade?
— Você — responde, sumindo de vista, e eu abro um sorriso de
orelha a orelha, pensando no que ele acabou de dizer. Hoje
realmente foi um dia cheio de surpresas que me levaram a passar a
acreditar que Victor gosta mesmo de mim. Caralho. Não esperava
por isso, não mesmo.
No dia seguinte, bem cedo, sou acordado por Victor que bate
em minha porta. Droga! Por que tão cedo? Meu Deus, não mereço
isso.
— Vamos Apolo, acorda — me chama, insistindo nas batidas,
me aborrecendo.
— O que é? Deixa eu dormir! — resmungo.
— Se você quer ser um novo homem e se sair bem com as
gatas tem que mudar alguns hábitos também, precisa cuidar da sua
saúde. Vamos correr. Levanta! — ordena.
— Cara deve ser madrugada ainda — respondo.
— Bora rapaz! Deixa de frescura. Você disse que aceitaria os
meus conselhos, não disse?
— ‘Tá bom — concordo, bocejando, levantando da cama bem
vagarosamente, morto de sono.
— Toma um banho para sair dessa preguiça, coloca um tênis e
desce. Eu vou preparar um lanche leve pra gente — fico parado,
quase voltando a dormir. — Ouviu Apolo? — ele aumenta o tom de
voz, me assustando.
— Ouvi! — exclamo, bocejando mais vezes.
Meia hora depois, estamos os dois correndo pelo condomínio,
quer dizer, Victor está correndo, eu estou me arrastando, pela
misericórdia de Cristo. A cada jogada de perna tenho mais certeza
que o meu lugar é na cama e não aqui. Correr a essa hora é para os
corajosos, tomo consciência a cada minuto de que faço parte dos
preguiçosos anônimos, e me orgulho disso.
— Vamos mais devagar, você corre muito rápido! — reclamo,
ofegante.
— Que nada, você que está sedentário, e só tem dezesseis
anos! — observa Victor. — Na sua escola não tem aula de educação
física, não?
— Tem, mas eu nunca participo dos jogos, sempre fico na
reserva, ninguém me chama para compor o time.
Ao me ouvir, Victor para imediatamente, me dando um alívio.
Ufa!
— Peraí, que história é essa? — pergunta, fazendo uma careta.
— Ah, eu já não me importo mais — digo, tentando controlar a
respiração, o coração bate acelerado.
— Por quê? Você não gosta de jogar? Não sabe?
— Sei e gosto, mas...
— E o professor? Não te coloca em algum time por quê? —
indaga, erguendo sobrancelha direita, com uma cara nada boa.
— Porque os idiotas nunca me escolhem, e fica por isso mesmo.
— Não, isso não ‘tá certo Apolo. Preste atenção no que vou te
falar agora: — ele põe as mãos nos meus ombros e me olha
fixamente nos olhos — tudo o que estou te ensinando não vale só
para pegar mulheres, mas para a sua vida pessoal também. Você
tem que ser um macho alpha e saber dominar a sua vida. Tem que
se impor quando for necessário, quando tentarem lhe diminuir ou lhe
excluir, principalmente. Precisa fazer com que ouçam a sua voz,
quando tiver razão, é claro. O que acha que iria acontecer se tivesse
deixado os idiotas te baterem no dia da briga? Quando voltasse para
escola, eles continuariam te batendo, mas tenho certeza que não se
meterão a besta de novo, não tão cedo, porque naquele momento tu
demonstrou que sabe se defender. Mas nem sempre é preciso
chegar à violência para se sair de um problema.
“Alphas são inteligentes e sabem se comportar de maneira
correta em qualquer situação, é respeitado e admirado pelos demais.
Não se trata apenas de levar mulheres para a cama, mas de como
triunfar na vida pessoal e crescer internamente, e para isso, é
preciso ser enxergado por todos, fazer-se enxergar. Você não é um
rato do qual as pessoas têm nojo e querem manter distância. Você é
um lobo, Apolo, não só no nome, mas no espírito também, no
sangue, lembra?”
Assinto com a cabeça, sério, o respondendo, e focando em cada
palavra sua, impressionado. Victor continua:
— O Lobo de verdade sabe ser um líder, tem comando, é
respeitado, é seguido. Se valorize, se ame e se respeite primeiro,
antes de qualquer pessoa, e só assim, vai conseguir tudo de volta
dos demais. Entendeu?
— Sim, entendi — nunca pensei dessa maneira. Estou
maravilhado com as palavras dele, por mais uma vez. Ele é incrível!
Já me sinto até melhor, mais confiante, não sei explicar, é uma
sensação muito boa.
— E assim que acabar essa tua suspensão, eu vou lá nessa
escola contigo — afirma, passando a caminhar, o acompanho.
— Fazer o quê? — estou meio receoso com essa a hipótese.
— Fazer todos saberem que você tem pai — responde e volta a
correr. Fico parado por alguns segundos, pensando em suas
palavras, gostei delas, e sem perceber, estou sorrindo. Victor está
sempre sorridente, feliz, e parece que consegue transpassar isso
para mim. De certa forma, gosto dele agora. Com ele me sinto...
protegido.
— Bora! — me grita, correndo lá na frente, e agora, fico mais
empolgado e o acompanho.
Quando voltamos para casa, lanchamos um sanduíche com
suco feito por Valéria. Em seguida, Victor prepara dois copões de
suplemento sabor chocolate.
— Esse é pra você — diz, me entregando o meu. — A partir de
hoje serei seu treinador, faremos uma série de exercícios físicos
todos os dias para melhorar a sua saúde, principalmente, e para te
dar mais corpo, músculos, força, vigor. Você é um rapaz bonito, alto,
melanina, mas quando estes bíceps estiverem em maior evidência,
ficará ainda mais, e as gatinhas adoram. Os suplementos ajudam,
mas nada de bomba, é merda. Experimenta esse shake.
Bebo um pouco, e adoro.
— Chocolate, muito bom — comento.
— Agora vamos dar um virote, gut, gut. Vamos lá.
E bebemos os nossos shakes ao mesmo tempo, sem parar,
dando o virote, e depois Victor arrota bem alto, parecendo um
monstro, e me incentiva a fazer o mesmo, e o meu arroto sai mais
estrondoso que o dele, o surpreendendo, nos fazendo cair na
gargalhada.
Depois, seguimos para a academia. Victor age como meu
treinador de fato, levando tudo de forma muito séria, ele gosta de
academia. Me ensina os exercícios de alongamento e depois
partimos para o levantamento de peso. Ao perceber que tenho força,
ele põe anilhas de 10kg de cada lado da barra e ao ver que suporto
mais, dobra o peso. Eu peço mais, porém, ele não permite, diz que
tenho que avançar com cuidado e que vai aumentar com o passar do
tempo.
Entre uma sessão e outra, me é ensinado diversas coisas sobre
o corpo e músculos, sobre o quão é importante eu me sentir bem
comigo mesmo e fugir do sedentarismo.
— Além disso, com um bom condicionamento físico você terá
disposição o suficiente para satisfazer as mulheres que levar para
cama — diz Victor.
— É mesmo? — pergunto, ofegante, após sair de uma sessão.
— Com certeza. Filho, se tem uma coisa importante sobre o
sexo que precisa saber, é que tu não pode ser egoísta e querer o
prazer só para si. O sexo é uma troca de prazeres, a gente dar para
receber, é preciso haver reciprocidade, e assim os dois ficarão
felizes. Existem tipos de caras que as mulheres odeiam, aqueles que
só querem saber de gozar e tchau, não estão nem aí para as
coitadas e por isso, dificilmente elas irão desejá-lo novamente. Eu
mesmo, às vezes, sinto mais prazer em dar prazer a elas do que
receber, porque ao escutá-las gemendo loucamente o meu nome, e
implorando por mais, me faz alucinar. Quando você aprender a
deixar uma mulher louca, ela não vai querer parar de dar pra você.
— E como fazer para... deixar elas afim de mais?
— Basta ser um terremoto na cama, se é que me entende. A
maioria das mulheres demoram até chegar ao orgasmo, então é
importante que o homem tenha resistência para levá-las ao ápice. E
para resistir por mais tempo, é importante ter uma boa saúde, um
bom condicionamento físico. Quanto mais saudável o seu sangue
correr quente por suas veias na hora H, o seu amigo aí de baixo
ficará tão duro que te fará brincar até desmaiar.
— Entendi — digo, encantado com as palavras dele, e tenho
vontade de sentir tudo isso logo.
Quando toco na barra novamente, Victor começa a rir de mim.
— O que foi? — pergunto, largando a barra.
— Que cabeleira imensa é essa no seu sovaco, cara? —
pergunta, com uma careta.
— O que tem?
— ‘Tá grande demais filho, diminui isso aí — ele ri. — Não
precisa tirar tudo não, mas ‘tá muito grande. Rapunzel mandou
lembranças, hein. E lá embaixo? É assim também?
— Onde? No meu... pinto? — pergunto, sem jeito, e Victor
gargalha alto, levando a cabeça para trás.
— Filho, pelo amor de Deus, nunca mais fala “pinto”, é feio
demais, cara. Chama de pau, mastro, vara, rola, cacete, ferro, pau,
mas “pinto” não, por favor, “pênis” também não, é muito... Científico.
Parece vulgar, eu sei, mas essas são as palavras populares que até
os mais cultos usam. Falar “pinto” é broxante. E quanto á mulher,
ninguém chama de vagina, o nome é boceta, bocetinha, xana,
xoxota, xota, perseguida — nós não aguentamos e caímos na
gargalhada. — É verdade cara, e atrás não se chama ânus, é cu,
roda, anel ou... Pode até chamar de buraquinho da felicidade
também, tudo menos “ânus”. Não tenha receio de ser imoral quando
o assunto for sexo, essas palavras acabam sendo até excitantes
para as gatas.
“Veja bem, nenhum cara em sã consciência na face da Terra dirá
à gata “Vou meter meu pênis em você ou meu pinto em você”, não, o
certo é “vou meter meu pau em você”, olha como tem mais força.”
Victor diz tudo numa seriedade que deixa a cena ainda mais
hilária, e continuo rindo sem parar, bestificado com tantos nomes que
existem.
— Cara você é muito louco — comento, em meio às
gargalhadas.
— Tu também será — avisa — E vai adorar. E aí, vai querer
abordar hoje?
— Vamos lá — respondo, empolgado.
— Olha aí! — exclama Victor, ainda mais animado. — É assim
que eu gosto de ver!
Mais tarde, no banho, uso o barbeador para diminuir essa
cabeleira das axilas, percebo que o excesso de pelos me faz
transpirar bastante. Quando chego na parte de baixo, resolvo tirar
tudo, e sem jeito, até me corto, mas nada demais. Quando concluo,
vejo que o meu pau parece ainda maior sem a floresta amazônica
que havia ao seu redor. O seguro e automaticamente lembro da
vizinha, Érica, gostosa. E num piscar de olhos, fico completamente
excitado, duro, grosso e forte, apontando para cima.
Logo estou sentado no vaso sanitário de tampa fechada, me
masturbando para Érica, e a gozada é feroz, me deixando ofegante e
um pouco trêmulo. O meu orgasmo é muito poderoso, meu coração
bate forte. Mas depois que me lavo e me enxugo, sinto algo dentro
de mim gritando por mais. Parece até um tipo de fome quente e
intensa que só a masturbação não consegue saciar. Acho que o meu
corpo pede sexo, e o meu maior sonho é transar com uma garota,
ver uma mulher nua pessoalmente. E sempre que penso em tudo
isso, lembro de Érica, no volume de suas coxas e seios.
Lembro de tudo o que Victor me disse e chego à conclusão de
que, para perder logo a virgindade, só depende exclusivamente de
mim. Para que eu seja respeitado também só depende das minhas
atitudes. Não sei se consigo mudar tanto assim, mas irei fazer o
máximo para tentar. Eu preciso disso. Preciso ser um Lobo de
verdade e fazer jus ao meu sangue, ao que eu sou, pois não sou um
rato do qual as pessoas têm nojo e querem manter distância. Eu sou
um Lobo Alpha. É o que sou!
Hoje estou determinado a tentar com Aline pela última vez. Não
vou mais me prestar a isso caso ela continue negando, pois a cada
dia me certifico de que essa merda não vai acontecer, por outro lado,
quando penso em Érica comigo de novo, as minhas esperanças, de
certa forma, se renovam, e tenho gás para uma nova investida.
Enquanto sigo no táxi para a academia, reflito no quanto mudei,
no quanto me transformei, sou outro cara atualmente. Antes de
Victor e Érica, jamais seria capaz de fazer o que estou fazendo
agora. Ao mesmo tempo em que penso que com Aline não vai rolar,
penso que com um pouco mais de insistência chegarei lá, pois sou
capaz, posso pegar qualquer mulher que quiser, sou um lobo! Me
sinto confiante ao abordá-la, audacioso, descarado, e essas coisas,
segundo Victor, atraem as mulheres.
Chego na academia, e vejo a minha presa malhando bunda, que
por sinal é redondinha e atraente. Dessa vez não começo a treinar
para disfarçar, vou direto ao ponto, parando em sua frente, olhando
em seus olhos que agora me observam de modo diferente.
— Vai malhar bunda também? — pergunta, irônica.
— Sim. Posso revezar com você? — indago, me fingindo de
doido e não me demonstrando afetado com o sarcasmo dela.
Aline respira fundo, e ao levantar do aparelho, fica tonta, e a
seguro nos braços antes que caia. Ela parece estar passando mal.
— ‘Tá tudo bem? — pergunto, preocupado, enquanto a mulher
se desvencilha de mim, abrindo e fechando os olhos, voltando a si.
— Está, foi só um mal-estar passageiro. Obrigada — só isso
para fazê-la sair da defensiva.
— Quer tomar um suco ou uma água?
— Não, só... Você pode me acompanhar até o carro? Quero ir
para casa — pede.
— Claro — concordo. A sigo até a recepção onde ela pega a
sua bolsa de lado, e depois partimos para o estacionamento da
academia. Paramos ao lado do seu carro. — Está melhor? — ainda
estou preocupado com ela.
— Sim, obrigada por me acompanhar — Aline agora está tão
educada, que maravilha. Ela pega seu celular na bolsa que emite o
som de mensagem recebida. Olha o aparelho por alguns instantes
com pavor, põe a mão na boca, assustada, e deixa ele cair no chão.
Lágrimas descem por seu rosto rapidamente.
— O que foi? — pergunto, sem entender nada e assustado com
a sua reação.
Aline destranca o carro com o botão da chave e entra,
parecendo uma desesperada. Pego seu celular e vejo a mensagem
que diz: “Seu marido está me comendo de novo, sua otária”. Porra!
— Ei! Seu celular — mostro, enquanto ela põe o cinto de
segurança, chorando bastante, sem me dar atenção. Tenho um
impulso e entro pelo outro lado, sentando no banco do passageiro.
— Sai daqui! — exige.
— O que está fazendo? Não pode dirigir assim — ela liga o
carro, em um misto de fúria e sofrimento e dá a ré como uma louca.
Ponho o cinto, com medo, assim que entramos na pista. — Pra onde
você vai?
— Desgraçado... — rosna, em pranto. — Ele me prometeu que
não faria mais isso! Ele prometeu! Infeliz! — grita, socando a direção
e fazendo ziguezague na pista, me deixando nervoso.
— É melhor parar o carro, você não está em condições de dirigir
— digo, e ela acelera.
— Ele vai me pagar, vai me pagar! — Aline está devastada,
raivosa, e nem sei se enxerga o caminho à sua frente, mas sinto a
sua dor.
Ela tenta fazer uma ultrapassagem arriscada e meu coração
quase sai pela boca quando não dá certo e nós atravessamos para o
outro lado, sem controle, saindo da pista e parando violentamente na
calçada de um prédio abandonado, quase batendo no muro. Ela freia
o carro a todo custo quando vê o tamanho do perigo.
E agora, estamos os dois aqui, ofegantes, ainda em choque,
sem reação alguma. Meu coração bate acelerado, vi a morte
passando por mim e dizendo “quase te pego, danadinho”. Meu Deus.
— BARBEIRA! VAI DIRIGIR UM FOGÃO! — grita um louco, e
quando tomo a noção de que estamos bem, olho para a mulher ao
meu lado que mantém as mãos coladas ao volante, olhando para
frente, desolada, choramingando, com as lágrimas caindo. E sinto
um pesar enorme por ela.
Levo as minhas mãos às suas, afastando-as da direção,
trazendo seu olhar ao meu, e digo:
— Está tudo bem.
— Desculpa — pede, arrasada. — Por favor, me desculpa... —
Aline está quebrada demais e me compadeço imensamente.
— Está tudo bem, Aline. Tudo bem — repito, retirando meu cinto
de segurança e o dela também
— É que estou desesperada — confessa, chorando bastante e
soluçando.
— Calma — levo a mão para o seu rosto, e me surpreendo
quando sou correspondido com um abraço. Mas entendo que ela
precisa de um colo amigo, de carinho, e a correspondo, dando-lhe o
meu afago.
Deixo-a extravasar todo o seu sofrimento, e lhe faço cafuné, de
coração partido com a sua situação. Receber uma mensagem
dessas é o fim! É terrível! Será que a remetente dessa provocação
foi Érica? Esse pensamento me abomina.
— Vai ficar tudo bem — digo, sem saber se isso é verdade. Mas
não importa, só quero acalmá-la.
Aos poucos, Aline para de chorar, e só o que ouço nesse
momento é a sua respiração forte. Estamos aqui, parados, dentro do
carro, dois desconhecidos, abraçados, em um lugar onde não passa
nenhum pedestre, em plena tarde. Ela vira o rosto para mim,
trocamos olhares, um olhar profundo, sentimental e tentador, que
parece falar por nós. Miro sua boca, ela mira a minha, e deduzo que
ambos sentimos a mesma vontade. Será agora?
O ACENDER DA CHAMA
Nos dias seguintes, não consigo fazer nada bem, não durmo
direito, nem estudo, como, ou sequer consigo pensar. Só uma coisa
domina a minha mente: a mulher que amo vai embora, e nunca mais
irei vê-la outra vez. Como conseguirei viver sem Érica perto de mim?
Como ficarei sem o seu sorriso, sem o seu toque, perfume? Isso não
está certo, isso não pode acontecer!
Pior que sei que há uma possibilidade de fazê-la ficar, continuo
recebendo mensagens de Aline perguntando por mim. Estou
fortemente indeciso, Aline não me parece essa pessoa terrível que
Érica diz ser. Será mesmo que ela cometeu tudo aquilo? E se sim,
vale a pena ajudar a Afrodisíaca a concretizar essa vingança? Como
uma pessoa é capaz de guardar um sentimento tão obscuro desses
por dezoito anos? Como isso não se apagou da sua mente, da sua
existência?
Entretanto, pensando bem, o fato dela não conseguir nunca
mais engravidar por causa da surra que levou é uma lembrança para
toda a vida, realmente. E o filho que ela perdeu? E o amor da sua
vida? Meu Deus, isso tudo é tão macabro que chega a me deixar mal
só de imaginar essa loucura acontecendo, mesmo que em um
passado remoto.
Já não tenho mais unhas para roer e ando de um lado a outro do
quarto, nervoso, pensativo. Minha cabeça está um verdadeiro vulcão
em erupção com tantos pensamentos, acho que vou enlouquecer.
Meu coração bate pesado, e sigo para a varanda. É de manhã, Victor
está dormindo, Val está lá embaixo, na cozinha, e vejo um caminhão
no portão de Érica, com homens carregando tudo seu para dentro
dele. O filme parece se repetir, só que de modo contrário.
E assim, vejo-a aparecer, maravilhosa, de óculos escuros,
segurando a mão do pequeno e fofo Olavo. Os homens trancam as
portas do caminhão, falam com ela e se vão. Meu Deus! NÃO
POSSO DEIXÁ-LA IR!
Recebo uma mensagem de Aline:
ALINE: Onde está você? Desistiu da academia? Quero te ver.
Corro, saindo do cômodo, olho pela porta de Victor e o vejo
dormindo. Desço como um furacão pela escada e irrompo pela porta
de saída no momento em que a cam girl está dando uma última
olhada na fachada da casa.
— Meu herói! — exclama Olavo, quando me aproximo, e me
agacho para abraçá-lo. — Nós estamos indo embora! — me avisa.
— Eu sei — falo, tentando controlar meu desespero.
— Achei que não vinha se despedir — comenta Érica. Largo
Olavo e me ergo, olhando-a seriamente.
— Eu faço — afirmo, decidido. — Eu faço tudo por você. Não vai
embora, por favor — chego quase a implorar, mas consigo abrir um
sorriso de esperança nos lábios da Afrodisíaca.
Ela olha em volta, cuidadosa, observando se ninguém está nos
vendo.
— Faça então, que eu volto — me diz, e trocamos olhares por
longos segundos. Em seguida, Érica pega na mão do pequeno e
ambos entram no carro, indo embora. Ela me deixa aqui, com
esperanças, e com a certeza de que somente eu posso fazê-la
regressar.
Minha mãe está muito feliz com a minha presença, sinto que ela
voltou cheia de amor para me dar, e tento retribuí-la o máximo
possível, pois também senti bastante falta dela, mas, por outro lado,
ainda continuo abalado com os acontecimentos que vivi. Nestes
poucos dias após toda aquela loucura, após trocar farpas com Érica
por ligação, não tive mais sinais dela. Por outro lado, também não
tive mais sinais de Aline, e isso é o que realmente está me
preocupando.
Será que o marido dela fez algo contra ela? Não sei, não gosto
nem de pensar. Às vezes vejo seu número no celular, penso em lhe
enviar mensagem, mas não tenho coragem.
A única coisa boa de tudo isso foi ter reencontrado Tatiana, troco
mensagens com ela enquanto as empregadas nos servem na mesa
e meus familiares conversam entre si. Ela pergunta como estou, ela
se importa comigo, e dialogar com essa menina está, de certa forma,
aliviando a minha dor e culpa. Minha mãe me chama e guardo o
smartphone no bolso, resolvo dar total atenção à ela, ela merece, a
minha linda mãe. Como é linda. A amo tanto. Laura Cordeiro é,
definitivamente, a melhor mãe do mundo.
Após o almoço, seguimos para a sala de estar, para conversar, e
deixamos mamãe falar de Henrique para nós. Ele é pintor, e um
homem muito comunicativo, e aos poucos vamos o conhecendo.
— Então você vive da pintura — comento.
— Sim, sou a ovelha negra da família. Todos os meus irmãos e
primos se tornaram médicos, advogados, e eu, de repente,
surpreendi a todos com essa história de pintor, mas insisti, e deu
certo.
— E como deu! Oh, Henrique, nos mostre algumas de suas
obras — pede vovó, ela parece encantada com ele.
— O mais famoso é este aqui, o cavalo dos olhos azuis — ele se
ergue e vem até mim, sentando-se no sofá entre eu e vovó, nos
mostrando a imagem no celular de um cavalo lindo, todo branco, de
olhos azuis, numa floresta intensa. — É o meu maior sucesso, o
mais vendido.
— Realmente é muito bonito — comento.
— Ah, magnífico! É realmente impressionante — comenta vovó.
— Veja só o cuidado, os detalhes, a suavidade. Dá para notar que a
forma como você moveu o pincel foi tão peculiar que a imagem
parece ter nascido pronta.
— E você é carioca, e sempre viaja muito à trabalho — comenta
vovô, puxando assunto. Ele está em sua poltrona, de pernas
cruzadas, em sua finesse.
— Sim. A minha vida é pelo mundo, viajando. Só que, após
tantos anos de exposições e etc., me vi cansado, queria parar um
pouco, e foi então que conheci a sua filha — Henrique troca sorrisos
com minha mãe.
— Bem, vocês dois acabaram de chegar de longos meses de
trabalho, estão namorando, me parecem um casal perfeito, prodígio.
O que pretendem fazer agora? Quais são os planos? — pergunta
vovó.
— Primeiramente descansar — responde dona Laura. — Eu
estava morrendo de saudades de vocês, do meu filho, então quero
ficar parada por um tempo, curtindo a minha família, e também
Henrique. Ele se dispôs a dar essa pausa no seu trabalho para que
possamos nos conhecer melhor.
— Que ótimo, você merece mesmo um descanso, Laura, e
acredito que Henrique também — diz vovô.
— Concordo, mas... há planos de ambos para além do namoro?
— pergunta vovó, chamando a atenção de todos.
— Mamãe, que indiscrição é essa? — está nítido que a minha
mãe odiou a indagação de dona Leonor, que por outro lado, mantém
o sorriso no rosto sem nenhum arrependimento.
— Ora, é só uma curiosidade. O que tem demais?
— Bem, eu estava até agora pensando se falava ou não — diz
Henrique, levantando, parecendo tomar coragem para alguma coisa.
— Mas, aproveitando a deixa de dona Leonor, e já que estão todos
presentes aqui... — ele retira um estojo de alianças do bolso traseiro
da calça e o abre, mostrando alianças magníficas, fazendo todos
esbugalharem os olhos, principalmente a minha mãe — Laura, meu
bem, quer se casar comigo?
MARCAS FATAIS
“— Eu também te amo.
Você é a minha redenção”
Ainda estou chocada com tudo que soube sobre a loucura que
Victor viveu com nosso filho ontem. Essa cidade realmente está
muito perigosa, pois sofrer uma tentativa de assalto em pleno jantar
de namoro, ser preso à cadeiras com fitas e ter uma arma apontada
para você é terrível. A única coisa que não consegui digerir muito
bem é o fato da vizinha ser a bandida. É uma coincidência pavorosa,
mas decidi não tocar no assunto com Apolo e não tocarei com Victor
também, eles já passaram por muitos momentos difíceis.
Não quero nem pensar no que poderia ter acontecido com o
meu filho... e com o Victor também. Victor... agora estou aqui, com
ele, cuidando dos seus ferimentos, tão próximos, coisa que nunca
mais aconteceu depois que nos separamos. Não sei o que deu em
mim, mas estou preocupada com ele também, parece estar cansado,
triste, carente e... lindo.
Posso sentir o calor do seu corpo negro e másculo, a sua
respiração, o cheiro da sua pele, cheiro de homem que há tempos
não sinto. Enquanto cuido do seu corte na bochecha, Victor me olha
com ternura, pensando em só Deus sabe o quê, e não consigo evitar
olhá-lo também. Não resisto e miro seu peitoral inflado, seu abdômen
tão bem desenhado, os gominhos, o V que seduz e cujo fim se
esconde sobe a calça. Seus braços musculosos e cheios de veias,
tudo à amostra, vívido, bem perto de mim. Engulo em seco e volto a
prestar atenção em seus ferimentos, pondo um band-aid no primeiro
corte.
— Pronto, agora deixa eu ver esse outro na testa — digo,
sorrindo para ele que se mantém quieto, me observando. Victor é tão
lindo que já estou nervosa por estar em sua presença, e chego a
pensar na gente fazendo besteira. É inevitável, não consigo
controlar.
— Não quero te dar trabalho — diz ele, com a voz cansada e
rouca, as olheiras claramente visíveis, está exausto, e ainda inventa
de beber.
— Precisa sim — insisto, educadamente.
Pego outro algodão, o molho com o remédio e passo a cuidar do
seu outro ferimento. Victor descamisado é uma massa enorme de
músculos e o mais temível pecado. Ele brigou feio com o bandido
para proteger o nosso filho, isso é tão lindo! Por mais que ele tenha
feito o que me fez, jamais posso negar que é e sempre foi um bom
pai. Errou em se afastar quando nos separamos, isso é certo, mas
conseguiu provar que não se tornou um irresponsável.
— Quero te agradecer por ter salvado o nosso filho — digo.
— Eu daria a vida por ele.
— Eu sei — sinto vontade de chorar, mas controlo as emoções.
— Desculpe por ter me afastado dele depois que nos
separamos, não cumpri com o meu papel...
— Não, não se desculpe. Você sempre foi um bom pai, Victor,
isso não posso negar. Um ótimo pai, antes e após a nossa
separação. O que seria do Apolo sem você ontem, não quero nem
pensar — enxugo uma lágrima e suspiro, tentando manter o controle
enquanto Victor bebe o resto da sua cerveja e põe a latinha sobre o
criado-mudo.
— Já passou — diz ele, com a voz mansa, me puxando e me
dando um abraço.
Sou pega de surpresa! E agora me encontro envolvida nos
braços fortes e quentes do meu ex. Nossa! Fico desconcertada por
alguns instantes, hesito, mas percebo que não há maldade, que é
sincero, e então o correspondo, envolvendo meus braços em seu
corpo e sentindo o meu esquentar rapidamente, minhas lágrimas
ainda descem silenciosas.
— Obrigada, obrigada mesmo, e me perdoa pelas vezes em que
fui grossa contigo, que falei demais...
— ‘Tá tudo bem, Laura — fala ele, ao pé do meu ouvido. Seu
hálito quente me arrepia inteira, uma leve onda de energia se
espalhar por todo o meu corpo, meu coração dispara em batidas
cada vez mais fortes. Paro de chorar e fecho os olhos, sentindo a
sua pele na minha, as batidas do seu coração. Victor parece que
precisa do meu abraço também, e acho isso maravilhoso.
Engulo em seco mais uma vez, é um misto de emoção com...
excitação, meu Deus, Victor mexe bastante comigo, com o meu
corpo, com os meus sentidos. E para a minha salvação, ele se
afasta, segurando-me pelos braços. Permaneço alguns segundos de
olhos fechados, embebedada com sua presença, com seu calor e, ao
abrir os olhos, bato meu olhar no seu. Lembro que estamos na cama
onde milhares de vezes me entreguei completamente a ele que,
como sempre, me fez mulher, sua mulher, como nenhum outro
jamais fez!
Só nós dois aqui, nós dois.
— É verdade mesmo que você vai casar? — ele me pergunta.
A TRAGÉDIA
Não esperava por essa. Por que ele quer saber disso nessa
altura do campeonato?
— Victor... — tento desconversar.
— Responde — pede, com a voz mansa, me soltando.
— Vou — respondo, e minha voz sai como um sopro, escapando
por meus lábios. Baixo os olhos. Por que estou triste? Por que
responder a essa pergunta doeu?
— E quando vai ser o casamento?
— Dentro de algumas semanas.
Victor se cala, pensativo, refletindo em minhas palavras.
— Sabe que aquele cara não serve pra você, né? — diz,
olhando-me no fundo dos olhos. Suspiro, esticando um sorriso,
surpresa com suas palavras.
— Ah é?
— É, ele não dá conta de você.
— E quem dá? — o desafio, e agora estou em dúvida se quero
ou não ouvir a sua resposta. Aonde ele quer chegar? Eu não devo
aprofundar essa conversa, puxar assunto, mas não consigo me
conter.
Victor leva alguns longos segundos para me responder.
— Não sei. Mas ele não é — diz, me deixando desconcertada e
de coração disparado. Achei por um momento que sua resposta
seria outra. Achei que ele estava com segundas intenções, que ele
ainda... me desejava.
Laura, não é para isso estar acontecendo, você tem um noivo
agora, deve respeitá-lo externa e internamente. A questão é que
dentro do meu corpo há uma ardência, uma velha queimação, que
lembro agora que somente este negro parrudo consegue me causar.
Negro parrudo? O que estou pensando?
— E você? Como vai com a sua garotinha ruiva?
Ele ri.
— Descobri que estou apaixonado por ela — revela, e é como
se me desse um golpe gelado e forte que me arrebata inteira por
dentro. Nossa, jamais esperava sentir tudo isso ainda por esse
homem. O que está acontecendo comigo?
Sorrio para ele o mais verdadeiro possível, não posso
demonstrar que fiquei impactada, e digo:
— Que bom... pelo que conheço de você, não acho também que
ela combine muito contigo, mas... a vida é assim.
— É, a vida é assim... — ele repete, olhando para o nada,
tristonho. Não sei o que faço com esse homem!
Respiro fundo e levanto da cama, fecho a caixinha de primeiros
socorros e deixo no closet. Lá respiro fundo e enxugo as duas
lágrimas que insistem em descer, não consigo me segurar! Ainda o
amo! Eu amo Victor mesmo depois de todo esse tempo, mesmo após
a sua traição, a verdade é essa, que o amo, droga! Mas agora é
tarde demais, nós dois estamos com outras pessoas, ele está
apaixonado pela garota. Não há mais volta!
Respiro devagar e enxugo os olhos em silêncio. Ao voltar para o
quarto, vejo que Victor cochilou, e muito rápido, por sinal, ou então
está inventando isso para que eu fosse logo embora daqui. Fico em
dúvida se ele ainda sente algo por mim. Em nenhum momento me
olhou com desejo, só com ternura e tristeza. Mas foi bom isso não ter
acontecido mesmo, estou noiva, irei me casar com outro homem.
Saio do quarto fechando a porta lentamente para não acordá-lo.
Entro no quarto do Apolo, ele continua dormindo, vou ao banheiro,
molho o rosto na pia e volto a chorar, silenciosamente, olhando para
o meu reflexo no espelho. Não acredito que ainda amo tanto assim
Victor! Nesse tempo em que passamos distantes cheguei a acreditar
que meu sentimento por ele havia se apagado, mas foi só revê-lo e
pronto, me sinto em um fogaréu sem tamanho e constante.
Victor não pode se aproximar de mim que me atrai, me envolve
com uma força vital que emana de todo o seu corpo, algo que nem
sei explicar! E o Henrique? Como fica? Não posso ser hipócrita
comigo e negar que senti desejo de beijar meu ex naquele quarto. E
agora ele está apaixonado por aquela ruiva! O tempo trouxe outras
pessoas para nós, as coisas mudaram, mas meu sentimento parece
o mesmo ou ainda maior. Chego à conclusão de que estou
reprimindo minhas emoções por Victor há muito tempo.
— Mãe... pai... mãe... pai... — ouço Apolo murmurando, com
uma voz de medo, como se tivesse pedindo socorro.
Saio do banheiro assustada e corro para a cama, ele está tendo
um pesadelo. O abraço pelas costas, lhe fazendo cafuné e lhe dando
beijos carinhosos.
— Estou aqui meu filho, estou aqui. Mamãe ‘tá aqui, mamãe ‘tá
aqui — sussurro em seu ouvido, acalmando o meu bebê gigante,
quem nos vê assim nem imagina que esse homem saiu de dentro de
mim.
Lá fora ainda chove, então adormeço com o meu filho.
Mais tarde, à noite, só vou embora quando Apolo está melhor. O
faço prometer que ligará para os seus avós e dirá que está bem. Vou
para casa apreensiva, ainda sinto que meu filho está triste, muito
abalado, esse assalto o afetou muito, ele deve ter ficado chocado
com a violência que presenciou, só pode ser isso.
Por outro lado, também estou apreensiva quanto aos meus
sentimentos, pois agora tenho mais certeza do que nunca de que
amo Victor, e não sei mais se poderei casar com Henrique. Como
casar com um homem amando outro? Tenho que resolver isso, pois
não posso ser injusta com o Henrique, não posso mesmo.
Mais uma vez falo com o meu pai, Rivaldo, por vídeo-chamada
no notebook, meu querido pai... ah que saudade! Estou no meu
quarto, e como sempre, de janelas e portas fechadas, para não
correr o risco dele ver ou ouvir alguma coisa pela câmera. É triste
essa situação que se estende há anos, eu sei, mas é melhor assim.
Depois de tudo o que descobri e passei naquela família, o
afastamento foi a minha única opção.
— Eu te amo, papai, tenho que desligar agora, ‘tá bom? — me
despeço, a despedida sempre dói.
— ‘Tá bom, também amo você minha linda filha. Volte logo para
casa, por favor — ele pede, com os olhos brilhando, me comovendo,
e dessa vez o próprio desfaz a chamada.
Levanto, respirando fundo e enxugo as lágrimas. Abro a porta e
desço a escada para o térreo da minha linda casa com decoração
praiana. Saio, e em pouco tempo estou andando pelo meu belíssimo
Resort, de uma simplicidade sofisticada. Há verde por toda parte,
coqueiros se misturam a incríveis jardins, um charme apaixonante.
Escuto o som do mar ao longe, o sol dessa tarde está deslumbrante
como sempre, ele daqui a pouco irá se pôr e o clima quente começa
a esfriar.
Passo por alguns hóspedes, os cumprimento, sempre sorrindo.
Uso um vestido amarelo, com estampa floral, e calço rasteirinhas.
Chego ao grande e espaçoso restaurante, o relógio marca
quase 17h, todos os funcionários se apressam para terminar de
aprontar o jantar cujo cheiro cerca todo o ambiente. Garçons servem
alguns clientes, há uma banda passando o som, o vocalista canta O
Sol, de Vitor Kley, adoro essa canção, é a cara do meu filho.
— Maria, onde está o meu filho? Você o viu? — pergunto, a uma
mulher que veste o uniforme do hotel.
— Acho que ele ainda deve estar no kitesurf com a galera dele.
Esses meninos são muito bagunceiros, eu tô para não aguentar
mais, viu! — ela reclama, me fazendo sorrir.
Maria é um anjo na minha vida, a segunda mãe do meu rapaz e
minha também, e eu a amo. Ela é a chefe de cozinha do resort.
— Ele não larga aquele troço, eu vou lá — digo.
— E olha Hellen, ele está bebendo viu, de novo! — denuncia
Maria.
— Vou arrancar as orelhas dele, então! — afirmo, me afastando,
já perdendo a minha paz.
Sigo para a praia, o vento sopra, esvoaçando o meu cabelo e
vestido. Logo chego ao lounge, que fica de frente para o mar. Passo
pelas barracas guarda-sóis e vejo uma mesa que representa a
verdadeira farra do meu filho com os amigos. Há três ossadas de
peixe e várias garrafinhas de cerveja long neck secas. Vou matar
esse garoto! Esse menino vai me deixar louca!
Saio do piso de madeira escura para a areia branca da praia, e
caminho até a turminha de jovens que está perto das ondas, quatro
meninos e cinco meninas, os amigos do meu filho mais as abestadas
de costume que sempre caem no papo dele. Ou menino para ter
papo, lábia, principalmente com as mulheres, é igual ao pai, só me
lembra o pai todos os dias.
— Cadê o Erick? — pergunto a eles, pisando em algumas algas
pelo chão.
Cada rapaz está abraçado a uma menina, somente Elizeu, o
gordinho, que não. Sobram duas que atentamente miram o meu
rapagão lá no mar.
— Ora, no mar, como sempre, né tia Hellen! — afirma Ramon,
com a voz embriagada.
Então olho para esse mundo maravilhoso de águas verdes e
vejo Erick, fazendo uma das coisas que ele mais ama na vida,
praticando o kitesurf. Fico tensa ao vê-lo realizando manobras e
saltos nas ondas.
— ERICK! SAI DAÍ, VEM PRA CÁ! — grito, como se tivesse
alguma chance dele me ouvir.
— Ele não vai ouvir a senhora, tia — Thiago ri, embriagado.
— Tia é a sua mãe! Já disse que não quero ver vocês
bebendo?! Todos são menores de idade, vou matá-los! — reclamo.
— E ainda deixam o Erick ir fazer essa merda bêbado.
— Pra ele não tem tempo ruim, não, tia, a senhora sabe — diz
Filipe, e em seguida beija a garota com a qual está abraçado.
Esses adolescentes! Tudo farinha do mesmo saco!
— Vão lá agora e tragam ele aqui, já chega! — ordeno.
Ramon e Elizeu correm até o mar e ajudam meu filho a sair da
prancha, da pipa e de todo o resto do equipamento, e juntos os três
trazem tudo. Lá vem ele, Erick, um garanhão negro, molhado,
musculoso, tatuado, de olhos verdes, cabelo baixo, lábios carnudos,
sorriso largo e lindo como o do pai, como lembra o Victor. Nem
parece que irá completar dezessete anos, pois seu físico
amadurecido prematuramente aparenta um corpo de vinte.
Pela felicidade no rosto dele, só me faz constatar que está
mesmo bêbado, os olhos rosados da cerveja. Irresponsável!
— Eu já te falei pra tu não inventar de ir pro mar bêbado, Erick!
Como você teima, rapaz! — reclamo, enquanto ele mostra a língua e
balança a cabeça, sorrindo, brincalhão como sempre, abrindo os
braços e me erguendo em um abraço molhado. Ele é bem maior e
mais forte que eu.
— Mãe, quantas vezes vou te dizer que gosto de viver?! Eu
gosto da vida, do perigo, da adrenalina desse mar! — diz ele, me
apertando carinhosamente e me pondo no chão em seguida.
— Olha esse bafo de cerveja, como você teima comigo, cara!
Pois parece que não gosta de viver, não, se arriscando desse jeito.
Toma jeito! Não é mais para beber! Entendeu? Já te disse isso!
— ‘Tá bom mamãe, ‘tá bom, juro que não faço mais, eu juro —
ele junta as mãos em uma falsa promessa. — Agora deixa o seu
filhinho curtir um pouco essa gata.
Ele beija a jovem atrás dele que está nitidamente encantada,
mais uma iludida, mais um trabalho para mim. Oh Jesus! E enquanto
beija uma, aperta a bunda da outra com força, que leva um pequeno
susto e faz todos os seus amigos gargalharem alto. Depois recebo
seu sorriso cafajeste, a cara de safado registrada. E balanço a
cabeça negativamente, de braços cruzados.
— Eu sou o Erick, gata — ele pisca para mim.
Abro os olhos devagar e a bagunça à minha volta é grande.
Estou no quarto da minha casa de praia, jogado na cama de bruços,
totalmente nu e sozinho. Sozinho? Minha cabeça ainda está zonza
da bebedeira e putaria da noite anterior.
Pelo chão há roupas de mais de uma pessoa, litros secos de
cerveja, e manchas de bebida. A luz do sol invade o cômodo pela
janela de onde também sopra o conhecido vento vindo do mar.
— Ai... minha cabeça — gemo, rouco, virando sobre os lençóis
que cheiram a sexo selvagem, e olho para o teto, de braços abertos,
com a ressaca me tomando.
Começo a apalpar o colchão procurando a minha cueca, mas
não a encontro. Sento devagar, pondo os pés no piso sujo. Levanto
ainda tonto, mas fico parado por alguns instantes para me equilibrar.
Dou passos até o espelho na parede e olho o meu rosto, os olhos
bem vermelhos, as olheiras bem marcadas, cara de ressaca braba.
Observo meu corpo negro e másculo que está um pouco murcho
por causa do álcool que corre por ele, e vejo o sinal que possuo no
ombro esquerdo, uma pinta mais escura que a minha pele chocolate,
é a minha “marca de gostoso”, assim a chamo. Em seguida miro o
meu cacetão que, para a minha surpresa, ainda está com a
camisinha, que tiro e jogo no chão.
Estou meio confuso, tentando lembrar direito do que aconteceu.
Acho minha cueca boxer branca em um canto e a visto. Imagens da
noite passada vêm como flashes na mente, da loira incrível comigo
nesse quarto. Cadê ela, hein?
Caminho até o banheiro, pisando sobre calcinha e cueca, abro a
porta e encontro Thiago lá, meu amigo, um dos gêmeos, jogado no
chão com uma menina. Eles transaram aqui? Os dois estão
peladões.
— Thiago — o chamo, com a voz cansada. — Thiago.
— Hum — ele geme, ainda com os olhos fechados, virando o
rosto para o lado.
— Cadê a gata que dormiu comigo, mano?
— Foi embora ontem — responde, sonolento.
— E como é que eu não vi isso?
Thiago abre os olhos, percebe como está e reclama:
— Porra véi, dá licença, cadê a privacidade? Sai daqui negão,
eu estou pelado!
Fecho a cara pra ele e a porta também. Idiota. Está na minha
casa e me expulsa do meu banheiro! Folgado. Mais flashes com a
gatinha voltam à minha mente, da gente dançando na festa e se
beijando loucamente.
— Cadê meu celular? — indago, procurando e não encontrando.
— Minha carteira — também não a encontro, e começo a perceber
que a coisa é séria. — A chave do meu carro! — falo, em pânico,
arregalando os olhos. — Droga! — digo, irritado.
Ela me roubou! É isso!
— Você vai me pagar, sua bandida — digo, saindo do quarto
apressado. Desço a escada correndo e quase caio para trás quando
chego na sala de estar e vejo o tamanho da bagaceira! Uma galera
inteira dormindo por todos os cantos. Está tudo uma verdadeira
zorra, bebida para todos os lados, um caos!
Fico chocado, pondo as mãos na cabeça.
— Eu tô lascado — digo, tentando medir mentalmente o
tamanho desse estrago.
A que ponto chegou essa festa? Onde eu estava enquanto tudo
chegou a esse nível? Cadê a ladra que me roubou? Ela vai pagar
caro por isso.
CA-RA-LHO.
WATTPAD
GRUPO DO WHATSAPP
GRUPO DO FACE
PÁGINA DO FACE
Mário Lucas é piauiense, mora em Teresina, cidade dos seus
personagens. É advogado, aventureiro e sonhador. Começou a
escrever aos quinze anos, e agora não quer mais parar. “APOLO” é o
seu segundo e-book publicado, e já possui mais romances da série
que estão por vir.
VICTOR:
SÉRIE ALCATEIA - LIVRO 1
Livro recomendado para maiores de 18 anos.