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SALINS

O mal de preto e cinza

Gomes Gč
“Para meus irmãos, que ouviram cada pensamento escrito e por terem
discutido e opinado ideias até terminar esta obra incrível”
Sumário

Nota do autor

Prefácio

Parte Um

Luz que nunca se apaga

10

11

12

13

14

15

16
17

Parte Dois

Grito de Guerra

18

19

20

21

22

23

24

25

26

27

Em algum lugar, em Vale dos ossos…

Agradecimentos

Pequenos conselhos
Nota do autor

A presente obra retrata sobre assuntos bastante Comoventes,


tocando sempre em elementos como Amizade, Destinos,
vinganças, Passados sombrios, proteção, e é claro, muita emoção
e companheirismo entre tantos outros fascínios, com o único
objectivo de fazer com que tenha uma das melhores experiências
possíveis !

Boa leitura! :,-)


A CIDADE DE VÊNUS NUNCA ESTEVE TÃO APAVORADA. EM LUGAR
ALGUM NO MUNDO ALGO ASSIM TINHA ACONTECIDO ANTES E APESAR
DOS ATAQUES DAS PENAS SOBRENATURAIS SAINDO DOS CÉUS TEREM,
CONSIDERAVELMENTE, REDUZIDO, ALGUNS CIDADÃOS ESTÃO SE
MUDANDO PARA CIDADES VIZINHAS…

A POLÍCIA AINDA INVESTIGA…


Prefácio:

Sabe aquele momento que você sente que não há mais


motivos para viver? Que sua existência se resume a uma formiga,
insignificante em um mundo tão vasto? Uma gota d'água no
oceano, e que mesmo que você desaparecesse neste exato
momento no tempo e no espaço ninguém sentiria sua falta ou
sequer se lembrariam que você alguma vez existiu?
Pois é!
É exatamente assim que me sinto.
Sem vontade nem de piscar o olho. Apenas continuo
respirando porque sem isso, morreria… talvez esse pensamento
não seja de todo, ruim.
Meu Mundo, meu pesadelo!
. E aí surge alguém, que… simplesmente muda tudo. Muda a sua
perspectiva de ver o mundo…
Não importa o quão duro você seja ou o quão quebrado você
esteja por dentro. Você pode mudar. Você só precisa conhecer as
pessoa certas...

No momento certo.

….;! …!

?!….
“• Vocês são milagres que nunca têm fim, em minha vida.°•”
A minha história, nunca foi um conto de fadas…
Parte Um

Luz que nunca se apaga


1
Nova cidade! Nova vida!

Gotas de chuva pingavam contra o vidro, que refletia seu rosto, pálido,
com lágrimas no canto de cada olho. E ali estava ela. Layla Miller.

Seus olhinhos castanhos-mel brilhavam enquanto o trem se movia


rapidamente. Sua mente vagueava em um multiverso de pensamentos a cada
montanha, a cada árvore que o trem passava a uma velocidade descomunal,
e vultos de algumas aves apareciam no além, demarcadas pela luz do luar ao
Sul do trem.

A garota revirava um papel, alguns papéis na verdade, em sua mão


esquerda, com a outra mão encostada em um dos lados do rosto. Suas
pernas estavam cruzadas no banco da carruagem do trem. Pareceu que ela já
havia lido as escrituras dos papéis várias dezenas de vezes. Porém, ela não
parava de as ler, afinal, fora aquela a única recordação que tinha de sua mãe.

Com um leve movimento ela desdobrava os dois papéis, velhos, em sua


mão e começava a ler:

…Gostaria que tivesse tido mais tempo…


… OI filha! É a mamãe…
A garota prodígio de Étom, sua recém-escola, na Suécia, sem motivos
para continuar naquela escola, e com vários motivos para que saísse dela.
Suas asas castanhas com leves manchas brancas nas pontas de cada pena já
se encolhiam de baixo de sua blusa, contudo os alunos de Étom sempre
achavam a garota muito estranha e zombavam dela, ela sentia que a qualquer
momento descobririam quem ela realmente era.

Quero que saiba que não importa o que as pessoas vão dizer…
Oi filha!
É a mamãe…
O trem começou a reduzir a velocidade, e a garota guardava os papéis
de sua mãe na mochila. Enquanto ela fechava de volta, cogitava, como seria
a sua nova escola? Uma escola no fim do mundo, naquela cidade, Vênus,
com a maior escola do ensino Médio do mundo, não tão acolhedora quanto
Estocolmo, mas ela se acostumaria. Ou tentaria, pelo menos. Seria ela outra
vez uma garota estranha? Esquisita, para os novos colegas? Uma garota nova
que não se encaixava no padrão da sociedade? O ideal com certeza seria não
dar atenção para ninguém. Evitar que alguém se aproximasse, que alguém
criasse laços, porque no final esses laços seriam quebrados. Como sempre.
Como nunca os teve, desde seu nascimento .

Ela desceu logo que o trem parou, a garota não percebera a presença
de outros passageiros ali com ela até a desembarcada, ela passou por entre as
pessoas apertadas na porta de saída, e alguns segundos depois, com alguns
empurrões e apertos ela estava do lado de fora do trem. As pessoas
continuavam a desembarcar, e Layla percebera que a noite escura e fria
começara a desaparecer e um leve tom claro a substituía a cada fuga da
noite. Um lugar pra morar, ela pensou.

A moradia não seria um problema em uma cidade não muito


movimentada como Vênus. Ela olhou em um dos pósteres pregados em
uma parede a medida que descia uma rua. “Aluguel em um dos quartos da
livraria Santa Teresinha com dois lençóis de desconto”.
Quem escrevera tal póster não deveria ser tão sério assim – pensou
Layla. Entretanto, não tinha outra escolha, suas estimativas não estavam lá
tão certas, a cidade era pequena e isso não facilitava o arrendamento, as
pessoas destruíam normalmente as casas quando as deixavam ou não
quisessem mais morar nelas.

O dia já estava claro e a cidade muito barulhenta. Ela andou alguns


quarteirões, e se virou a esquerda logo após, e viu logo ali a sua frente um
prédio meio em ruínas a parte de cima como ela foi diabos escolher esse
lugar para morar?
A porta já estava aberta e uma garota, parecendo ser da mesma idade,
talvez um ano mais nova saía com um montão de livros às mãos, a garota
passava por ela pedindo licença e curvou um pouco mais a frente depois da
livraria. Por dentro era enorme, e as estantes eram alinhadas em colunas e
formava-se corredores entres elas. Por algum motivo Layla sentiu algo
familiar naquele lugar, uma presença muito forte naquelas estantes, porém
ela não sabia o que era.

– Posso ajudá-la.

Chamou uma voz. A senhora que estava no balcão de atendimento.

– Ah! Sim…sim, claro. Ah eu, procuro um lugar para morar .

Layla mostrava o papel com as escritas de aluguel engraçadas em sua


mão morena – é que, o póster dizia que aqui…

– Claro! – A senhora interrompeu e se levantou, chamando a garota


para que lhe acompasse. – você está com sorte, é o último que temos.

A velha subia as escadas para um andar a cima da livraria que desgraça.


– você será muito bem acomodada aqui não se preocupe, normalmente nós
só recebemos pessoas maiores de Idade. Layla tentou revidar mas era inútil,
a velha de alguma forma sabia ou percebera que ela era menor de idade. –
mas desta vez deixarei passar.

– Muito obrigada, senhora. De verdade.

– Ah, não se preocupe com isso, nós aqui somos muito hospitaleiros, e
de lembrar que temos…

– Dois lençóis de desconto, ah eu sei – Layla deu um sorriso elegante.

O quarto não era de todo ruim. Havia algumas decorações femininas


nas paredes com certeza seu antigo morador tinha bons gostos. E pior que
tinha mesmo dois lençóis a mais na cama do quarto com a luz fraca. Então
era daquilo que se tratava.
Layla se acomodou. Mudar de idioma fora a parte fácil, com certeza
aquela seria a vantagem de ser fluente em onze línguas. Uma hora de
descanso após tomar um banho libertador, era incrível como seu corpo
estava desenvolvendo rápido demais, sua pele amarela mais oleosa, seus
pêlos leves por várias áreas de seu corpo, seu quadril…

Ela tinha de admitir, seu corpo era uma obra de arte que se não
existisse, com certeza o próprio Zeus teria esculpido só para ficar olhando.
Suas costas estavam dormentes e ela estava sozinha em seu quarto logo
depois de sair do banho, não haveria necessidade de esconde-las, com um
movimento os ossos de seu dorso se estalaram, a coluna vertebral se alinhava
um pouco mais para cima, para direita, depois para baixo. Tão rápido
quanto um raio suas asas apareceram e começavam a dar leves batidas –
Gostaria que tivesse tido mais tempo… – algumas folhas de papel
esvoaçavam pelo quarto enquanto as asas se moviam como um maestro na
mais requintada ópera .

Escola, ela pensou.


No dia seguinte seria o início das aulas.

Mas não tinha muito com o que se preocupar porque muito antes de
sair da Suécia ela teria feito, mandado uma carta pedindo aprovação à
transferência para a escola do ensino médio de Vênus. Como esperado, seu
pedido tinha sido aceite e poderia chegar a escola no início das aulas, seus
dados já estariam a aquela altura no sistema da escola. Geologia não era um
curso mau!

Enfim. Sua nova vida em outra cidade, no fim do Mundo, estaria só


começando.

… Gostaria que tivesse tido mais tempo…

…Oi,, filha!
2
Amigos

Ele olhava para o relógio que ficava em sua mesinha, ao lado da


lamparina que deixava o quarto com um tom azul na hora de dormir e eram
cinco da manhã. o despertador estava marcado para tocar as seis, então, com
um susto ele ouviu batidas em sua janela. As batidas no vidro foram
aumentando e se tornando insuportáveis, ele tampou os ouvidos com o
travesseiro, ainda meio sonolento, porém, sem sucesso.

– Ah, isso é sério?! – rosnou, ao ver quem produzia as batidas do outro


lado da janela.

– Já acordou? – disse Dim, seu amigo, que estava do lado de fora da


janela.

Dim morava do outro lado da estrada, na mesma rua que ele, onde era
possível vê-lo varrendo a estrada todas as manhãs.

– Você que me acordou.

– Esqueceu que temos que ir à escola hoje? – ele podia ouvir o amigo
gargalhar com ironia do outro lado – as férias se foram.

– Claro que não esqueci – Edward bocejou ao pedir com um aceno


que ele entrasse. Dim do lado de fora fez uma careta.

– Não tenho as chaves seu engraçadinho.

O garoto, indignado, deveria estar tremendo com o frio da madrugada.


Mas ele merecia aquilo.

– Bom para você – disse Edward se colocando em pés, em seguida,


destrancar as janelas para o amigo entrar – talvez aprenda a não incomodar
os outros as cinco da manhã. entra logo.
– E seus pais? – Perguntou ele ao se estreitar na janela de Edward e
quase ficar lá preso.

– Não se preocupe, eles – outro bocejo – saíram… de viagem para a


Suécia, à negócios.

Edward puxava ele para se soltar da janela – Ainda são cinco e as aulas
começam às oito, que maluco iria a estas horas na escola ?

Dim riu-se e pulou para a cama que fez o travesseiro voar para o outro
lado.

– Então dá tempo de irmos dar uma corrida, o que acha?

– É, tem razão. Até lá Sara talvez esteja aqui.

– Quem é Sara? – Dim perguntou, tão interessado naquela novidade


que ficara quieto pegando o travesseiro que estava no chão, frio.

– Nossa nova empregada, que meus pais insistem que eu a tenha como
babá – ele fez cara feia para aquilo – aposto que quando voltarmos ela já terá
feito o lanche para nós.

Edward ainda estava cheio de sono e soltava uma espreguiçada,


exagerada.
– Então vou pegar meus sapatos e alcanço-te no caminho.

Dim concordou, indo rapidamente para a passagem pela qual entrava


o ar gélido da madrugada:

– Sabe, Eddy – ele disse do ombro, os pés no parapeito – o único


problema das férias, é que você não tem mais desculpas para dar quando se
trata de arrumara o seu quarto.

Segundos depois, desapareceu de vista ainda rindo do quarto


bagunçado dele.

Edward porém tratou de se arruma-lo. Depois de lavar os dentes e o


rosto, alisar as pontas soltas dos cabelos pretos e se olhar no espelho do
banheiro, um rapaz de dezasseis anos a caminho dos dezassete, e notou que
estava pálido, sua pele trigueira com leves hematomas. Sentiu que havia se
passado alguma coisa durante noite, talvez sonambulismo. Mas não era
sonâmbulo – até onde ele sabia – ou talvez um sonho.
– Um sonho – Falou ele baixinho, ainda se encarando e se
apercebendo que tivera um sonho, algum tipo de pesadelo, porém não sabia
ao certo o que era. Ele não lembrava.

Contudo, achou desnecessário lembrar de algo que não lhe serviria


para nada. Minutos depois saía para fora, colocando as chaves debaixo de
uma pedra que se encontrava do lado do relvado para que Sara as pudesse
tirar quando chegasse.

A rua ainda estava silenciosa, a maioria das pessoas ainda não havia
acordado. Apenas as pessoas que trabalhavam em locais distantes e
precisavam sair mais cedo. O garoto atravessou a rua ainda silenciosa e ficou
petrificado quando ouviu um farfalhar do beco a cinco passos à sua direita.
Ele parou, pensando se voltava, isto, se ao menos conseguisse se mexer,
pois o medo e curiosidade que pulsava em suas veias o paralisavam
completamente. Não havia outro som por toda a rua. O pavor se apoderava
dele quando notou que o animal, pessoa, seja lá o que fosse estava vindo. O
som de passos pesados ficava cada vez mais alto…

– Edward! Edward, filho!

O garoto recobrou os sentidos ao sentir as batidas leves no dorso, ao


lado do ombro esquerdo.

– Garoto, você está bem?

Era uma voz meiga embora levemente arrastada.

Edward, assustado, se virou bruscamente. O Senhor magricela com as


calças um pouquinho acima da

Cintura estava com um chapéu cinzento que por ele passava uma faixa
avermelhada e expressava uma cara muito cansada, parecendo ter estado
toda a noite acordado.

–Você andou acordado toda a noite, filho?

– Ah – ele respondeu, aliviado – o-oi, Sr. Nicolau – ele reconheceu o


Senhor aparentemente entre os sessenta e sessenta e cinco anos – o senhor
me deu um susto e tanto – Edward tentava parecer o mais calmo possível ao
perceber que a coisa no beco teria voltado. Talvez nem mesmo tivesse nada
lá.
– Não, Senhor, devo ter viajado por um instante. Na verdade, é o
senhor que parece não ter piscado o olho a noite toda.

Ao descer da rua via-se um leve tom avermelhado nas nuvens,


parecendo ser o sol que despertava para irradiar a cidade.

– Ah sim, meu querido rapaz – o senhor endireitava os óculos


quadrados – fiquei a noite inteira acordado, preenchendo estes formulários
que tenho que entregar hoje senão meu chefe me mata – a aparência
cansada do senhor era realmente óbvia e bastante evidente.

Edward notou que Sr. Nicolau estava carregando uma pasta preta.

– Bem haja – ele se agitou, olhando para o relógio no pulso – se me


permite, Sr. Everton, poderíamos continuar a conversa em outra ocasião?

– Mas quando poderei vê-lo novamente?

Sr. Nicolau endireitava novamente os óculos, parecendo realmente


apreçado.

– Bem, Sr. Everton, somos vizinhos, esqueceu?

– Ah, sim, claro – Como Edward poderia ter esquecido aquilo? Com
certeza naquele exacto momento Sr. Nicolau estava achando que ele o estava
distraindo. Entretanto, com um breve movimento o senhor disparou
andando às pressas, olhando de um lado e do outro, vendo se aparecia um
táxi.

– Nossa! – Edward exclamou ainda o observando – se isto é o que


significa ser responsável e adulto, então, preferia ser adolescente pra sempre.

¢
O dia estava ficando cada vez mais claro, o sol já estava nascendo. Já se
passavam das cinco. Eram seis e meia da manhã e havia se passado uma
hora que ele e o amigo estavam rondando a rua, correndo.

– Estou acabado – disse Dim, parando e descansando as mãos nos


joelhos.
– Acho que basta por hoje, temos que voltar e nos preparar para ir a
escola.

– Concordo – os dois estavam com as bocas secas, a respiração


ofegante, olhando de um lado para o outro e percebendo que as ruas
estavam ficando movimentadas – então vamos…

Eles voltavam caminhando e conversando como seria a rigorosidade


dos professores no segundo ano.

Estavam chegando a rua onde moravam com uma placa de metal


escrita Rua Rosa Cruz ao lado, quando Dim parou e lembrou ao que
pareceu a Edward algo muito importante, porque o amigo ficava pálido.

– O que foi, Dim?

– Estou aqui pensando – o amigo falou, recomeçando a andar – e se


nós estudarmos em salas diferentes, você teria um outro melhor amigo?

Dim mantinha o olhar sério, fixo em Edward.

– Do que você tá falando?

– Não, não, calma. É apenas uma suposição, entendeu? Só quero


saber.

– Está se escutando, Dim?

– Só responde!

Edward parou, olhando para o chão, com as mãos sobre a cintura, em


seguida para Dim, seriamente.

–Não! Feliz agora?

– Acho que isso já serve, no momento.

Edward franziu a testa por alguns segundos sem dizer nada e depois
olhou para a sua casa, vendo que Sara do outro lado da janela levando
tabuleiros para a sala.

– Quer saber – continuou, ainda olhando para Sara – vai logo se


preparar, a última coisa que quero fazer, é trocar de melhor amigo por
perguntas desnecessárias.
– É justo!

¢
– Nem, sequer, ouse! – Edward ouviu a voz de Sara bem atrás – nem
mais um passo, garoto. Primeiro vá expurgar este cheiro infernal, só depois
poderás tocar nessa banana.

Bom, ele havia sido pego no momento certo. Infelizmente.

Sara ainda arrumava a mesa à medida que colocava a chaleira, em


seguida maionese e outras coisas que o garoto nem mesmo sabia ser possível
juntar. Os cabelos lisos da empregada eram pretos e curtos iguais aos seus,
com duas mexas mais longas na parte do rosto, atrás o pescoço estava à vista
de tão curto que era.

– Por favor, Sara, só uma banana – o garoto implorava tanto que


parecia ter passado o mês inteiro sem comer.

– Isso não vai acontecer – a voz da empregada era um comando –


ouviu bem o seu pai quando disse que seria responsabilidade minha, não? –
um leve estalo – afinal é para isso que estão me pagando…

– Tudo bem, entendi – interrompeu Edward, revirando os olhos e


descalçando os sapatos levando-os para um canto do quarto com o tom azul
pela lamparina de dormir ainda acesa.

Em seguida ele foi ao banheiro, arrumou-se, minutos depois vinha


correndo, esfomeado para a sala de jantar .

– Agora sim – a empregada elogiou, limpando as janelas.

– Não precisava fazer toda esta comida.

Sara fazia caretas ao dizer:

– Até parece que está falando com a maior sinceridade do Universo –


ela franzia a testa. Edward aproximou os antebraços mais para o centro da
mesa.

– Está insinuando que eu seja…


No entanto, não terminou a frase quando alguém entrou pedindo
licença. Era Dim.

– Bem na hora certa – disse Sara endireitando uma das cortinas que
estava presa na janela – você deve ser o tal Dim não?

– Ah – Dim pareceu confuso com aquilo ao confirmar, enquanto


sentava do outro lado da mesa – o próprio.

Ele deveria estar se perguntando o que o amigo dissera para a


empregada a seu respeito. Mas não dera importância. Ao invés daquilo,
retirou outro pão pela sétima vez da bandeja ao lado.

– À propósito, Dim – seus olhos verdes pareciam olhar para um


espelho, aos olhos idênticos do amigo – ela é Sara a…

– Dispenso apresentações – a empregada interrompeu – vejo que seu


amiguinho virá bastante aqui. O tempo fará questão de apresentar-nos.

Eles olhavam um para o outro, os olhos divertidos.

– Terminem logo, crianças, estão se atrasando.

– Claro!

Por pouco Edward se esbarrava com a bicicleta em um poste de luz


de tanto rir-se do amigo, depois que contara do sermão dado pela mãe na
noite anterior.

– Está fazendo isso por eu ser adoptado!

– Não inventa uma desculpa – Edward ainda ria.


3
A garota nova da sala

Poucos metros a frente, avistavam a escola e outros alunos com aqueles


uniformes: Capas de mangas compridas e pelo marrom das mesmas, de
certeza que seriam do curso de artes cênicas e outros, com uma capa preta e
as mulheres usavam botas avermelhadas.

– Mal chegamos e já me sinto entediado – Dim suspirava


preguiçosamente.

Edward vestia rapidamente o uniforme de capa preta, ao ver a enorme


escola de pedra cinzenta do outro lado da rua. A escola com seus cinco
andares poderia muito bem possuir mil janelas de tão enorme que era. Ele
olhava para o amigo que fazia caretas para os alunos dos mais variados
cursos entrando pelos pilares gigantes na abertura.

– Fica calmo e põe seu uniforme.

– Oh, relaxa. Eu ponho, ao chegar a entrada – Dim abria a mochila e


tirava sua capa igual a dele ao continuar – e porque diabos nossa capa é
preta?

– O que foi, não gosta? – Edward, gargalhando levemente e


sarcasticamente olhava de esguelha para o amigo. Uma senhora passava do
lado com um cachorro branco peludo encoleirado, a senhora o puxava para
que não entrasse na rodovia começando a ficar movimentada.

Dim permaneceu por alguns segundos encarando os céus.

– Claro que eu não gosto. Eu amo a cor preta. Só acho que é muita sorte
a minha o curso de Geologia ter ficado desta vez com as pretas – ele piscava
para Edward, colocando a capa com o emblema da escola que era um
círculo prateado com asas e figurinhas de livros amontoados no centro.

– Bom, há quem tenha calhado com o verde-aceso!


Então Dim prosseguiu – vem cá, Eddy – ele ainda olhava para o céu
nublado – os pássaros brilham?

– O que disse?

– Ali em cima.

Edward acompanhou o olhar do amigo, e avistou no alto, não muito


distante, um objeto brilhante que parecia uma estrela, passando com uma
velocidade surpreendente. Em segundos, desaparecia entre as nuvens.

– Aquilo com certeza não era um pássaro – Dim franziu a testa. Sua
expressão tinha mudado completamente. Por um momento o amigo
extrovertido tinha sumido e em seu lugar surgido alguém completamente
diferente. Seus olhos verdes – Esmeralda, iguais aos de Edward pareciam
curiosos, no entanto, calculistas.

– O que isso importa? Somos Geólogos, não Veterinários. E já sabes


que não gosto que me chamem ‘‘Eddy’’…

Dim fazia caretas para ele.

Os dois passavam entre os pilares de pedra pintados de branco que de


perto eram ainda maiores e enquanto chegavam nos jardins da escola,
alguém passava o braço, pesado, em seus ombros, sufocando-o.

– Olha quem resolveu aparecer!


Era Adam, vindo com Carla agarrada em seu braço. Scott ainda o
prendendo em um de seus braços fortes, segurava com o outro Elisa,
sorridente.
Tinha coisa ali!
– Nosso querido amigo Edward Everton – Adam prosseguiu, seu
uniforme marrom contrastava com os olhos azuis – Desculpa não termos
vindo pegar você em sua casa, fomos ver Carla, sabe…
– Não faz mal – Edward sorria divertidamente, o olhar insinuante e
intrometido – não queremos atrapalhar os pombinhos. Fiquei sabendo que
estão Juntos, você e Carla.
Edward olhava para Scott que fitava um sorriso ligeiro para a garota de
botas marrom com sua capa preta, ela estava apoiada em seu ombro – e
você está com Elisa – ele curvou levemente os lábios para baixo, as
sobrancelhas se arqueando – os meus parabéns – continuou ele reparando
no uniforme da jovem apoiada em Scott que o soltava de seus braços – não é
suposto alunos do curso de invenções usarem capas roxas, este ano, Elisa?
– É – Dim confirmou, coçando os cabelos castanhos-escuros e curtos –
vimos alguns ao chegar – os olhos do amigo brilhavam de curiosidade, não
pelo que passara nos céus, minutos atrás mas, pelos amigos diante dos dois.
– Ah, pois é – Elisa botava a mão a testa, rindo com escárnio, embora
sua timidez ainda dominando-a – é que, como sabem, meu pai é Douglas
Osmar e...
– E quem é este “ Douglas Osmar”? – Dim voltou a interromper.
Adam olhava desdenhoso para ele.
– Não conhece seu próprio Director?
Scott e Elisa e o resto soltavam algumas gargalhadas escandalosas, talvez
abusivas.
– Parem! Parem já com isso. Claro que conheço, só… não sabia que se
chamava Mosglas.
– É “Douglas” seu idiota! – Scott aproximou mais a jovem perto de si.
– Ah, sim, isso!
A palavra “pai” causara um frio em seu corpo passando entre os
pensamentos de Edward. Será que seus pais já estariam voltando? Embora
tenha os ligado antes de ir para a escola e no sábado anterior e anterior a
este. No entanto, parecia que ainda assim, a atenção de seus pais fazia
bastante falta. Talvez fosse por nunca o terem deixado em casa por muito
tempo – já se passava quase um mês – com uma empregada/babá.
– Como ia dizendo – continuou Elisa – o meu pai “ o Diretor da escola”
me autorizou para assistir algumas aulas do seu curso. Mas não com vocês
dois, é claro, creio que seja na outra sala de Geologia. Além disso – Dim
resmungava. Elisa ignorou aquilo, parando por um segundo e continuou –
não vejo meu pai há um tempão… Sabem como é: Pais separados e tal. Não
o vejo nem aqui na escola.
– Agora que pensei nisso – Adam indagou – também nunca mais o vi.
Mas foi Edward que respondeu desta vez:
– Certamente deve estar viajando.
– Mas e você Edward? – Perguntou Scott, interessado, mudando
repentinamente de assunto – não acha que está na hora de, sei lá… arranjar
uma namorada?
Subitamente nós na garganta e no estômago e em todo o corpo do
garoto se formavam, diante daquilo.
– N-Não! – Edward sentia sua pele amarela corar bruscamente – digo,
eu não sou muito de me interessar por essas coisas, sabe…
– Sei lá – Adam passava a mão sobre a cintura de Carla – só acho que
deveria se entregar mais um pouco…
– Eddy – ele sentiu Dim o puxar para um lado – o que acha de irmos
para a biblioteca – Edward nem mesmo reclamara do nome, pois estava
vermelho como um tomate. Mas o amigo continuou: – acabo de salvar você
de ter que arranjar uma desculpa, “outra” desculpa do porquê até aqui não
está ficando com ninguém.
Edward era um garoto dedicado aos estudos. Pelo menos aquela era
sua visão do mundo. Estudos. Sempre se destacando entre os colegas pelas
suas notas excepcionais, sem distrações e, na maioria dos tempos de folga,
optava em resolver alguns exercícios de suas disciplinas favoritas, ou estudar
mais a fundo sobre uma determinada substância.
Dim, do contrário, embora não fosse o menos destacado da turma,
perdendo apenas o lugar por um aluno que sofria de perturbações mentais,
tirava notas baixíssimas, o que o obrigava a redobrar os esforços no meio do
ano lectivo. E verdade fosse dita: Ele era bom naquilo!
Então Edward se virava para um lado, um pouco mais a frente, entre os
alunos que passavam de um lado e do outro entre os bancos de pedra no
enorme pátio, observando um senhor tendo uns quarenta e poucos anos,
aparentemente, descendo de um carro vermelho que se assemelhava a um
Fusca, mas Edward não sabia a marca. O Senhor levava sobre o ombro um
montão de papéis e parecia apressado, a cara trancada para tudo e todos.
– Quem é aquele senhor?
Dim semicerrava os olhos.
– Hum! Deve ser o novo professor de Geologia desse ano. Mas não
tente mudar de assunto – os pães no estômago de Edward se reviravam.
Com certeza ele não queria ter aquela conversa, naquele momento.
Correção: Nunca.
– O que acha de ir conversar com aquela garota lá – Dim indicava para
a jovem sentada em um dos bancos do jardim, lendo um livro de capa azul,
não parecendo muito interessada com os alunos que ali passavam, uma
perna cruzada sobre a outra.
Edward ficava mais vermelho ainda tentando encontrar uma maneira
de não ir ter com a garota. Ele poderia jurar que a comida lhe subia garganta
a cima.
Os jardins eram encantadores e cercavam quase metade do pátio
inteiro, parecendo um labirinto esmeralda.
– Ela não parece ser daqui – falou, por fim – deve ter vindo
acompanhar uma novata. – A garota, estranhamente, revirava as páginas a
cada cinco segundos.
Ou era uma leitura muito rápida de alguém incomum, supôs Edward,
ou aquilo era uma estratégia, uma barreira para que ninguém chegasse
perto.
– Não acha que ela está a ler um pouco rápido demais? – cochichou
Dim no ouvido de Edward – talvez ela seja um robô - alienígena.
Edward fitava os olhos, estudando a garota que virava cada vez mais
rápido as páginas: – Ela não está propriamente lendo.
– O que você quer dizer, senhor minucioso?
– Finge estar lendo. É uma forma que as pessoas geralmente usam para
evitar certos incômodos. Eu, em particular já o fiz. Várias vezes, para ser
sincero.
– Mas você sabe que isso só desperta mais a minha atenção, não?
– Não enche, Dim, vamos logo para nossa nova turma – Suspiro! –
Faltam cerca de quatro minutos para entrarmos e temos que subir as
malditas escadas para chegarmos lá.
Edward reparava. O Senhor do carro vermelho subia as escadas para o
andar de cima.
– Quer saber, mano? Não vou mais te forçar a fazer o que não quer,
viva a sua vida do seu jeito, não viva a vida de ninguém – disse Dim
segurando no ombro do amigo – roubei esta citação de um filme!
Só Dim, para faze-lo gargalhar naquele momento.
– Valeu por sempre me entender.
Edward ficou aliviado por aquela conversa sobre “garotas” ter
finalmente terminado. Por enquanto. Porém o alívio se tornou mais
marcante quando observou o rosto meigo como o leite do amigo.
– Não disse que entendo. Mas é para isso que servem os amigos, não?
Para entender o “inexplicável”.
Então, a sineta de entrada soou.
Edward era um garoto magro de olhos verdes e brilhantes, seus cabelos
bagunçados e escuros eram açoitados pelo vento frio da manhã, à medida
que subia aquelas escadas de pedra rugosa, porém, perfeitamente alinhadas.
Scott e Adam faziam Artes Cénicas na sala ao lado.
– Deve ser essa daqui.
Edward olhava para a descrição sobre a porta.

( Sala nº102– Geologia 2° ano)

– Então tá! – disse, baixinho, dando uma inspirada e com a garganta seca
de tanto nervosismo, olhou para o lado direito, para a sala antes da curva do
corredor, Elisa entrando nela, com certeza era a outra sala a que se referia.
Dim se apressou em entrar e ele, logo em seguida.
Não havia ninguém novo na sala. Todos conheciam uns aos outros. Os
mesmos rostos de sempre.
– Hei, Eddy – Dim se ajeitava bem do seu lado – ainda bem que
ocupou o lugar para mim, assim não tenho que sentar na fila da frente
parecendo um nerd – ele abria a mochila, por alguns segundos permanecer
imóvel, depois olhar para Edward – me passa uma esferográfica.
– Sério isso?
Mas o “Click” da porta sendo aberta roubara sua atenção.
– Muito bem, crianças! Espero que estejam bem dispostos para mais
um ano lectivo.
Era um senhor alto – Todo mundo parecia ser mais alto que Edward –
de barriga grande e um bigode, com a cabeça quase sem cabelo, vestido de
uma camisa cinzenta e velha, uma calça preta muito bem passada a ferro e
sapatos castanho-amarelados.
– Mano!! É aquele senhor do carro vermelho, eu disse, deveria ser um
professor de Geologia – Dim cochichava em seu ouvido.
Por mais estranho que aquilo pudesse parecer, ele precisava concordar
com Dim. Sim. Concordar com Dim!
– É, estranhamente, todos eles têm o mesmo estilo de se vestir.
Ambos gargalhavam baixinho um para o outro. Mas o professor
continuou.
– Meu nome é Gregório Dexter, seu novo professor de Geologia 2º
grau – o professor suspirava levemente, olhando com desprezo para a turma
inteira – entretanto, este ano tereis um novo colega.
A turma subitamente entrava aos cochichos.
– Silêncio! – Gregório Dexter batia um montão de papéis sobre a mesa
– Deveriam se considerar sortudos. Ao menos alguém com traços
verdadeiros de um ser humano fará parte desta turma – o Senhor olhava
para Edward parecendo vomitar – imunda.
Vários murmúrios ainda ecoavam por toda sala. A voz do professor
soava bastante grave que Edward não sabia como era possível ouvi-la mesmo
do último lugar da sala, mas ele percebeu que o senhor a forçava. Para
parecer mais intimidador. O pior é que estava realmente dando certo!
Uma sala muito grande. Com certeza ele tivera a vida inteira para
aprender as artes de um bom professor. Ao que parecia, Dim pensava o
mesmo.
– Senhoras e Senhores– o bigode dançava a cada palavra – conheçam
sua nova colega, Senhorita Layla Miller.
– Esta aula não poderia ficar mais interessante – Dim parecia
desmoronar com o olhar penetrante da garota de cabelos castanho-escuros e
encaracolados que olhava desinteressada para todos os seus novos colegas,
balançando levemente seu livro azul em uma das mãos.
Gregório Dexter continuou:
– Ela veio transferida de Étom. Qualquer infortúnio, senhorita Miller –
o professor olhava para a bela jovem – me avise, imediatamente.
Layla Miller apenas confirmava com um aceno de cabeça, parecendo
envergonhada, talvez por ser o primeiro dia a vê-los. Mas aquilo era a fingir.
E Edward sabia. Ela seria o tipo de garota intimidante quando quisesse.
Os alunos davam as boas-vindas a Layla Miller e ela se sentou ao lado
esquerdo da sala, duas fileiras à frente da carteira de Edward.
– Eddy, se lembra dela? É a garota com o livro, no jardim.
– Acho que percebi isso, obrigado! Com certeza foi mais fácil de
entender que o mal gosto que este professor tem de se vestir.
Droga! Por quê ela calhara logo na mesma sala que ele?
Por quê, Universo?
Layla teria a mesma idade que ele, aparentemente, talvez um pouco
mais nova..
– Eddy! – falou Dim dando estalos no rosto do rapaz. Parecia que o
amigo estava fazendo aquilo há alguns minutos.
– O que foi?
– Nossa, mano! O que foi? Parece que estavas alguns segundos fora do
ar – Dim se aproximou mais dele – ah não! Gostou dela, realmente?
– Não diga besteiras!
Na verdade ele nunca olhara com tanto… interesse, para alguém
daquela forma – Eu mal conheço ela.
– Ainda não percebeu? – Dim fez questão de sublinhar as palavras
seguintes – é o destino!
– Para com isso…
– Prestem bem atenção! – disse o professor Dexter agarrando
novamente os papéis sobre sua secretária – Aqui está a lista de coisas que
precisarão comprar, obrigatoriamente, até o fim da semana.
Com aquele semblante, de certeza que aluno algum se atrevia a
questiona-lo.
O professor passava de carteira em carteira, distribuindo a lista. Ele
chegava em Edward o observando desagradavelmente. Ambos com certeza
não iam com a cara um do outro, pois ele retribuía o mesmo olhar.

O que foi? Eram as palavras não ditas naquela troca de olhares. Você
me irrita. Não me diga, professor!
Virando o olhar para outro lado, o professor colocava um dos papéis
sobre sua carteira.
– Como estava dizendo – Gregório Dexter continuava, voltando para o
quadro comprido – exijo que tragam tais materiais, pelo menos, quatro
deles. Serão essenciais para as nossas, não tão agradáveis, aulas.
Entrementes, um bom Geólogo deve…
– Apreciar o que uma simples pedra tem a nos oferecer – interrompeu,
Edward. Toda turma subitamente ficava em silêncio!
– Receio que o senhor tenha “formigas” na língua, não? Como ousa me
interromper?
O professor parecia aumentar de tamanho.
– Apenas quis dar meu contrib…
– Como se chama “ senhor contributo”?
– Edward, senhor – ele gaguejava, vendo Dim ao lado prender uma
risada provocativa – Edward Everton.
O resto da sala olhava de Edward para o professor a cada troca de
palavras.
– Senhor “ Everton” – o professor fazia questão de frasear por sílabas ao
pronunciar – deveria eu chamá-lo de “ Evi”?
A turma soltava gargalhadas estrondosas, e Dim fingia não achar graça,
talvez para que ele se sentisse amparado. E a garota nova, Layla, estava
novamente de olhos no seu livro apoiado sobre sua carteira.
– Talvez, o chamando de “Duplo E” me reduza o esforço.
– Duplo “E” – Dim, não conseguia mais segurar, pois dava risada, junto
o resto dos colegas. – Desculpa, parça, não deu para segurar essa… de
verdade…
Edward nem se importou, decidira ficar quieto. Pelos vistos, as coisas
não andariam bem com o professor novo.
Seus olhos se arregalavam, ao observar para o tanto de coisas caras
naquele papel, intrigado, pensando se o dinheiro deixado pelo pai, chegaria
para coisas tão caríssimas, ou se lhe sobraria algum, caso chegasse.
A cada cinco minutos, olhava à sua esquerda um pouco à frente e a
garota nova parecia tão descansada, não se importando tanto com a aula.
Então a sineta para o intervalo ressoava, causando tumulto. Edward parou
de pensar na lista quando se dava por conta de que Layla Miller havia
desaparecido de vista.
Ele apressou-se em enfiar os cadernos na pasta a fim de se aproximar da
garota. Talvez se aproximar dela deixasse os amigos satisfeitos.
Apenas amizade! E nada mais!
– Viu a garota nova?
– Ah a sua namoradinha? Deve ter ido à biblioteca Com certeza está
procurando um sítio sossegado – Dim olhava para os lados, encostado na
parede – diferente deste corredor, para ler o seu livro. Vamos dar uma
voltinha ver se a encontramos. Mas, vou já avisando que o maldito livro deve
ser umas mil vezes mais importante que você.
A escola era um dos sítios mais lindos que Edward conhecia e gostava
de ficar; As paredes pintadas de cinza e marrom, ao lado esquerdo logo a
entrada para a directoria, havia uma estante cheia de taças e medalhas da
escola, o jardim era um paraíso de se ver, com flores lindas e o relvado
verde vivo e metodicamente aparado. Às vezes aquela escola parecia um
castelo!
Os dois garotos passavam pelo refeitório e nada de Layla Miller!
Entretanto alguém batia contra seu ombro magricela, no corredor repleto de
estudantes de capas diversas. Era seu rival do torneio passado, tão alto que
precisava se abaixar ao passar pelas portas da escola inteira.

– Mais sorte da próxima, Duplo “E”.

Dim, alguns centímetros mais alto que ele, passava o braço em seus
ombros.

– Maldito Louis Pérez! – o amigo gritou – Não liga para isso, mano. Dá
próxima você ganha de certeza. Aquele… descendente de réptil teve sorte de
principiante…

Edward ficava levemente pálido.

– Devia parar com estes insultos. É sorte ele não tê-lo escutado.

– Ah – Dim batia em seu ombro – não se preocupe com isso Senhor


“Duplo E”. Sabe que eu traçaria uma linha entre você e mundo só para te
proteger. Devia me agradecer por me ter em sua vida.
– Neste caso, apanharíamos os dois – o amigo fazia caretas para
aquilo, batendo mais forte em suas escotas.

– Isso! Porque somos amigos, não é?

– Não é bem neste sentido que eu me referia.

¢
Um letreiro acima da porta do lado direito era esculpido. E alguns
professores, incluindo o Gregório Dexter, conversavam, tomando seus bules
de chá.

Por fim, chegavam à biblioteca, e a alma de Edward se debatia dentro


de si. No entanto, o espaço era realmente encantador em comparação a do
bloco de baixo. Aquela visão deixava ansioso por passar logo de ano e
conhecer a biblioteca do bloco em cima e no a seguir a este.
Havia cerca de vinte mesas para leitura com quatro cadeiras cada. Mais
ao fundo, Layla Miller estava sentada, o resto das cadeiras vazias, lendo seu
livro.
– Oi, como vai? Podemos nos sentar ai com você? – atreveu-se Dim,
como era de se esperar!
– Claro! – Aquela voz era fria! – Desde que não atrapalhem minha
leitura que, aliás, já atrapalharam – seus belos olhos castanhos e marcantes
ainda estavam fixos no livro, a voz saindo em um sopro.
– Alguém quer muito conhecê-la.
Mas que droga, Dim!
– Para! Não me deixa mais envergonhado do que já estou – Retrucou
Edward em tom baixo tirando a mão do amigo de cima do seu ombro, e
então, pelo olhar do amigo batendo a palma na própria têmpora, Edward
percebeu. Dizer aquilo em voz alta fora um erro.
Layla Miller, no entanto, não dando atenção aos dois, que discutiam
um com o outro. Durante alguns segundos a garota pressionava o cenho
com os dedos, suspirando brutalmente aborrecida.
– Dá para vocês dois calarem a boca?
Como animais de estimação, os dois se calavam, entreolhando-se.
Meros cachorrinhos sendo adestrados por seu mestre. Era assim que
Edward se sentia diante daquela humilhação.
– Nós só queremos conversar com você…
– Olha, eu realmente ia detestar, muito, ser processada por violência
infantil – Aquele olhar frio parecia engoli-lo inteiro, a cadeira sob ele parecia
maior – Olhem bem para mim.
Os dois garotos obedeciam, completamente quietos, olhando para o
rosto delicado de Layla Miller. Ela continuou:
– Agora, olhem bem para vocês!
Empurrando a cadeira castanho-escura, ela levantou-se
instantaneamente, fazendo o som de metal raspando o chão de pedra lisa
martelar os ouvidos de Edward. E então, sair da biblioteca.

Um minuto de silêncio.!

– Uuaauu!
Edward olhava, confuso, para o amigo.
– Nunca vi uma garota tão cruel quanto ela.
– Isto foi… ehr, como posso expressar isso..? Hmmm – Dim mordia o
lábio inferior, arqueando as sobrancelhas cheias, mas Edward terminou o
raciocínio.
– Humilhante?
Um estalo.
– Isso!
Edward por um momento abria a boca para falar, mas fechava logo em
seguida.

¢
Após a apresentação de outros professores, surpreendentemente muito
mais agradáveis que o “Todo Poderoso Gregório Dexter” e então, aquele dia
cansativo e desagradável teria chegado ao fim.
Com a mente exausta pensando no que teria para comer em casa suas
mãos estavam trémulas só de pensar naquilo.
Ele e Dim saíram junto o resto da turma e se deparam com os outros
dois amigos, que pareciam mortos-vivos de tão igualmente exaustos que
estavam.
– Crianças ! – cantarolava doloridamente Adam, com os olhos meio
fechados, os lábios secos – não entendo como estou tão esfomeado, não
sabia que as aulas do segundo ano eram tão exaustivas, parece até que não
comi ao sair de casa.
– Não me admira que estejamos tão cansados – desta vez foi Scott, o
amigo forte e mais alto – representar à frente dos colegas Simas Ponfrei, o
fundador da cidade, e Brendor Levotche! O homem deveria ser russo ou
algo assim. Como uma pessoa super sã, colocaria no seu filho o nome
“Levotche”?
– Talvez seja de família ou algo assim – Edward respondeu Com uma
risada.
Scott olhava para a vasta quantidade de apontamentos que havia feito –
Era mesmo necessário termos feito tudo aquilo logo no primeiro dia de
aulas?
Os quatro foram andando, esticando o passo e se contando como tinha
corrido o primeiro dia que ao parecer de todos, fora uma desgraça.
– Acreditam que Edward seja menos importante que um maldito livro
de capa azul?
– Não entendi.

– Dim, para!
4
Morte! Memória! Vida!

Após dezoito exames nos últimos três dias seguidos, Edward e Dim
estavam chegando em sua rua, do lado, uma placa da altura da cintura
exibia: rua Rosa da Cruz. Uma outra seta indicava para a rua que descia à
esquerda: rua do Cisne. As letras completamente desgastadas, quase que
invisíveis, onde Scott e Adam se separavam deles.
No entanto Dim também desviava logo que chegavam à rua.
– Então, Eddy, vejo você amanhã – Edward o viu atravessar a estrada e
acenando com a mão para ele – Vê se aparece na minha casa quando tiver
tempo.
De longe, Edward não pôde ouvir tão bem o que o amigo dizia, apenas
ouviu a parte da prisão no final da cidade, na parte Oeste. Ele reparou que o
amigo agia de forma estranha, mas deixou passar achando que fosse só sua
intuição.
Então, com um leve suspiro, abanando a cabeça e abrindo a porta de
casa ele reparou em algo estranho que fez seu coração tropeçar. A casa
estava completamente escura e silenciosa. Subitamente, medo tomava conta
dele. Onde Sara teria ido, ao meio-dia?
Ele acendeu a lâmpada e em seguida, com os olhos frenéticos, a boca
seca, fez cair a mochila quando olhou para a mesa de jantar parecendo um
banquete real. Os pratos estavam tampados com os talheres ao lado e havia
sucos de diversos sabores que jamais vira, um monte de comida que jamais
imaginara comer em um único dia e do outro lado da mesa estava, cheio de
pratos, alguns com peixe assado, outros com batatas fritas e assadas e não
poderia faltar é claro a galinha assada ao forno, ladeada de tomates
esverdeados e morangos cortados em rodelas, cebolas…
Edward reparava no outro canto da sala que estava ainda escuro e foi
surpreendido e inesperadamente a luz se acendia e iluminava o resto do sítio
escuro e os seus amigos mais chegados, todos eles, estavam ali incluindo
Dim, o que deixou a cabeça de Edward confusa, como o amigo havia
chegado ali tão depressa ?
– SURPRESA!
– SURPRESA!
Gritaram, em uníssono.
Dim vinha sorrindo ao encontro do amigo quando ele entendeu.
Era quatro de Outubro, seu aniversário e ele se esquecera totalmente,
mas o resto do pessoal não.
– Muitos parabéns Eddy, se esqueceu do seu próprio aniversário – o
amigo o abraçava tão forte que algo parecendo ossos estalando ressoava.
– AH! Senhor Everton, os meus parabéns! – o Senhor com o chapéu
cinza carregava um presente em suas mãos.
– O senhor veio – Sr. Nicolau, o vizinho que saia sempre cedo para ir
ao trabalho e que se deparava, às vezes com ele, sorria gentilmente – o Sr.
Parece mais saudável e menos cansado que da última vez que o vi.
Edward recebera o presente de Sr. Nicolau, e depois outro e outro…
Dos seus presentes ele ganhou um par de sapatos novos, uma caixa de
Som, uma camiseta branca, e uma bússola que parecia mais um relógio, o
presente de Sr. Nicolau, no entanto um único presente chamara sua atenção.
Um livro com o título: Como perder a timidez?
O rapaz procurava entre as pessoas ali, e bem atrás de Carla e Elisa,
encostada a uma parede, encontrou o olhar da garota de jaqueta de couro
preto que piscava sutilmente para ele. Como Dim conseguira convencê-la a
aparecer ali, Edward não queria saber, mas ali estava ela, tendo dado o
“melhor presente do mundo”.
O Presente de Sr. Nicolau, no entanto, não era lá “grande coisa” mas,
sua atitude e presença ali com certeza era o mais importante. Enquanto
música era tocada, enchendo todo o espaço, ele olhava com mais atenção
para o objecto e via que a bússola possuía quatro ponteiros, o mais curto
notava-se que era, aparentemente o que mostrava onde a pessoa se dirigia.
Norte.
Porém ele não sabia para que serviam os outros três. A bússola
também possuía botõezinhos igualmente dourados, cerca de dois de cada
lado. Aquilo definitivamente era um relógio!
Debaixo da bússola, algo estava escrito com letras antigas. Ele chegou
mais perto com os olhos e leu:

Morte. Memória. Vida.


Se significava alguma coisa, Edward não fazia ideia. Não naquele
momento. Então colocou a bússola no bolso do casaco e terminou de
receber o resto dos presentes, que vinham de pessoas que nunca vira na
vida. Obra de Dim!
– Foi você, não foi? Foi você que organizou tudo isso, não foi?

– Bom… Tive a ajuda de Sara, ela e eu fomos aliados dessa vez – disse
Dim com os olhos verdes, semelhantes aos dele, brilhando – ela se
responsabilizou pela comida junto mamãe e eu me encarreguei de trazer
todo Mundo, e pessoas “inesperadas” que você já deve ter notado e garantir,
é claro, que fosse uma surpresa, que foi na realidade uma grande surpresa .

– Então a conversa com Adam e Scott, da escola para cá foi tudo uma
distração para que terminassem com todos os preparativos? – Dim fazia que
sim com a cabeça – por isso eles se soltaram de nós muito cedo e
apressados.

Um estalo veio logo atrás.

– Garoto inteligente – uma voz suave. Sara. Ela estava com um avental,
o rosto suado.

– Foi um trabalho e tanto em – um movimento com os braços – Tudo


isso… por mim? – seus olhos brilhavam – definitivamente não poderia ter
uma empregada melhor, que aliás, é minha babá também – Sara fungou e
Edward corou ao expressar tais palavras.

A festa fora uma maravilha, Edward teria ficado ainda mais espantado
quando viu Sara e a mãe de Dim trazendo o bolo, com duas velas em
formato de 17, o bolo era de duas camadas, uma de chocolate e a outra de
leite como Edward adorava. Nada muito exagerado!. As pessoas contaram e
ele apagava as velas e em seguida, cortar em pedacinhos dando uma metade
pra cada pessoa que se encontrava ali, o que na sua cultura dava boa sorte
para os outros. As dez e meia da noite a festa acabara, ficando apenas Dim,
Scott, Adam e Sara que limpavam toda a sujeira. Layla Miller também já
havia ido embora. Ele agradeceria por sua presença numa outra
oportunidade.

Sara e ele, junto os amigos, terminaram de arrumar a casa e eram onze


da noite .
– Está tarde amanhã precisamos ir a escola lembram? – apelou Scott
levantando a mesa em que estavam os bolinhos doces, colocando-a em um
canto.
– Melhor vocês irem dormir, crianças – Apelou Sara que tinha também
o rosto cansado.
Então os três amigos se foram e Edward ficou arrumando o resto que
ainda estava no chão junto Sara. Eles terminaram e foram se deitar. Sara
dormia no quarto de hóspedes a uma parede do quarto dele.
Cansado, e olhando para o teto, iluminado pela lamparina azul ao lado,
se lembrava do presente de Sr. Nicolau, a bússola dourada que havia posto
no bolso do seu casaco.

Morte.
Memória.
Vida.

Ele tirou-a do bolso e encarou-a por um tempo.


Minutos depois colocou junto do resto dos outros presentes, e o sono
por fim tomava conta de seu corpo.

¢
– Por favor – disse o jovem ferreiro angustiado, acorrentado em um
pilar de pedras, de cabeça para baixo – por favor – implorou de novo – eu
não vou contar nada disso aqui a ninguém.
O rapaz urrava de dor. Sua voz áspera enchia toda a caverna sombria.
– Você se portou muito bem – a voz do Homem era de outro mundo,
de outro tempo, não de um homem comum, de outra…coisa. Ele ergueu o
queixo da bela jovem de pele parda com cabelos que arrastavam o chão
parecendo um rio de escuridão, os olhos sombriamente lindos olhavam para
seu mestre, seu protetor – você se portou muito, muito bem.
O ferreiro ainda urrava.
– O que vamos fazer com ele – a voz fria da jovem parecia névoa e
cinzas, ao olhar para o homem aos choros. Seu mestre, companheiro, se
aproximava do ferreiro.
– Eu não vou contar nada, eu juro – o ferreiro ainda chorava aos
soluços – eu juro.
Seus berros pararam logo depois de uma mão gélida e sombria cobrir
seu pescoço. E fazer chover sangue por todo o lado.
– Eu sei!
E ele estava morto.
As correntes que pendiam nos pulsos da jovem tilintaram com um
movimento.
– Não era ele – ela olhava do lugar onde jazia o corpo sem cabeça do
ferreiro para o homem, seu companheiro – o que fazemos, agora?
O homem de vestes escuras olhava para o nada, batendo com os dedos
na rocha pálida, escura.
– Continuamos procurando.
– E quanto a Nero?
O jovem sombrio segurava seu queixo novamente com os dedos,
sorrindo maliciosamente e dizer em um sussurro:
– Iremos até ele!

¢
O dia amanheceu e como todos os outros, estava lindo. Pássaros piavam
nas árvores que se encontravam na rua. Da varanda Edward avistava Sr.
Nicolau, como sempre, indo às pressas ao serviço, ele tentava chamá-lo a fim
de cumprimenta-lo ou perguntar sobre as palavras cravadas na bússola, mas
achou melhor deixar o coitado ir e não ser motivo do seu atraso, de novo.
Entrementes, Sara como a trabalhadora dedicada que era, já se encontrava
preparava o café da manhã.
– Edward, querido, vai se atrasar se ficar o dia todo ai parado, vá já se
preparar e venha se alimentar.
Está bem – cantarolou o garoto, fazendo uma careta – Mandona como
sempre!
Ele se arrumou rapidamente enquanto Sara terminava a mesa e num
piscar de olhos, já vinha, endireitando as calças sob a capa preta e puxando
a camisa branca para baixo.
O garoto se sentou à mesa e se serviu um pouco do café fumegante,
pegou em um pão na cesta e começava a comer.
– Ainda não consigo acreditar que hoje é meu primeiro dia com
dezassete anos, ainda nem vi o dia lá fora, mas já estou vendo um dia
maravilhoso a minha espera – disse, tirando o quinto pão na cesta. Como
sempre, é claro! – Já sinto até o sol sorrindo para mim.
– Espere! – Sara colocava a vassoura no chão de mosaico branco,
fixando os olhos no rosto do rapaz – você tem uma…coisinha no queixo…
deve…ser uma sujeira.
Ela puxou e o garoto soltou um grunhido.
– Ai !.
– Ah! – uma estalo de língua – era um fio de barba – disse Sara em tom
de pena – Por que não me avisou, antes, querido?.
Edward agitava.
– O q-o q-quê? NÃO! – O garoto levantou-se rapidamente, fazendo um
pão cair da mesa – NÃO! Você não fez isso, Sara, não se atreveria!
O garoto tirou o espelho que estava sob uma cadeira ao lado e
preocupantemente, procurava por ele no seu rosto. E com um brilho de
lágrima no canto do olho disse:
– Era-Er-Era meu primeiro fio de barba… Meu precioso, primeiro, fio
de barba, e você o arrancou – um olhar incrédulo para a empregada – que
tipo de monstro é a senhora?
– Ai! Quanto drama, menino. Foi sem querer – Sara em seguida pegou
novamente na vassoura e como um raio, desapareceu de vista.
Edward terminava, dramaticamente abatido, o seu café, pegando em
seguida na mochila, e com a bússola que ele ganhara de presente no bolso
esquerdo das calças ele foi para a escola.
A caminho da escola ele se encontrava com Dim igualmente de
bicicleta.
– Hei Dim.
– Hei Eddy….
– Porque não veio me pegar?
– Ah! É que acabo de notar que o meu relógio está desacertado e achei
que estivesse me atrasando, por isso…
– Falando em relógio – interrompeu Edward – Olha o que eu ganhei de
presente, ontem.
Ele retirava a bússola dourada do bolso e entregava-a para o amigo que
procurava uma expressão no rosto, seus olhos brilhavam com a luz do sol
nascente refletida sobre ela.
– Nossa! – Falou Dim – é uma bússola e tanto. Mas o que vai fazer com
ela?
– Ainda não notou?
– Bom – Dim ainda parecia confuso – é dourada e…
– Não me refiro a isso. Olhe para estas palavras – então o amigo
obedeceu – ainda preciso perguntar ao Sr. Nicolau o que significa.

Enquanto subiam as escadas para o bloco de cima, discutiam e


zombavam das aulas de Astrologia da professora Augusta Cármen, uma
senhora de trinta e seis anos de idade e um sotaque de matar os ouvidos. No
entanto, o chão tremia subitamente e o som de uma explosão vindo de cima
fez os dois se apressarem ainda mais.

Edward reparava que os alunos todos iam em direcção a biblioteca e


outro tremor passava por toda a escola, fazendo janelas se quebrarem e
pessoas gritarem, assustadas, correndo por tudo quanto é lado. Eles
correram até a biblioteca onde saiam as garotas assustadas e outro grupo de
alunos se reunia conversando apavorados um com o outro e alguns deles
tentando entrar na biblioteca cheia de poeira. Havia imenso ruído , a escola
inteira estava aos gritos. Os dois amigos então, se aproximavam mais,
apertando-se entre as pessoas agitadas, para saber o que estava acontecendo.
– O que aconteceu com ela? – Edward gritava para a professora que
saía com uma garota apoiada em seu ombro meio pálida e tremendo,
completamente coberta com poeira, sangue escorrendo de sua testa.

– Vou leva-la à sala dos professores, lá receberá um atendimento –


disse professora que a carregava. Layla Miller também estava entre a
multidão, encostada em uma das paredes do corredor. Graças aos céus ela
não estava na biblioteca quando acontecera, o que quer que aquilo fosse.

Mas havia algo de estranho com aquela garota. Edward ainda não sabia
dizer, mas ele descobriria. Ela escondia algo, não como um segredo
qualquer como as demais pessoas, mas… alguma coisa que com certeza valia
a pena descobrir. E ele o faria.

– Queria agradecer – Ele se aproximou dela e ela sabia do que se referia


– o livro é muito inspirador. Edward pensava a cada palavra a ser dita ali, sua
mão no bolso tremia, como sempre. Layla fechou o livro com tanta força
que imediatamente Edward pôde interpretar o que a garota dizia, apenas
com o olhar.

Seu maldito amigo me obrigou a comparecer!


No entanto, Gregório Dexter vinha correndo, preocupado. Ele entrou
na biblioteca empurrando ajeitadamente os alunos e Edward o acompanhou
imediatamente, empurrando as pessoas para que pudesse entrar também.

– Pelas barbas de Merlim! – falou o professor, em choque com o quão


devastada a biblioteca estava. Edward acompanhou seu olhar e avistou dois
buracos enormes na parede, do tamanho de um carro, cada, o professor,
curvando um joelho, retirava do chão empoeirado uma espécie de pena
negra. Com certeza era aquela coisa que causara tal destruição. Do outro
lado, entre as mesas destruídas uma segunda pena, assustadoramente gigante
se encolhia rapidamente, chegando ao tamanho da mesma sobre a mão do
professor, que sussurrava para o nada – Então é real! Eles existem, mesmo!

Edward queria chegar mais perto e perguntar o que havia começado,


pois seu peito apertava e novamente, medo, angústia se apoderavam dele,
quando a bússola de Sr. Nicolau começou a esquentar em seu bolso.
5
Merlim.

O garoto tirou-a e notou que um dos ponteiros, o mais fino e curto,


começava a movimentar-se de um lado para o outro e em seguida fixar em
uma só direcção. A bússola-relógio realmente funcionava.

Quem diria!
Ele começou a seguir a direcção do ponteiro, saindo da biblioteca,
passar pela sala dos professores e em um segundo ver a garota que estava
pálida totalmente sã e sentada respondendo perguntas de vários professores.
Em seguida, descia às escadas até ao jardim, notou que a bússola apontava
para fora da escola.

– Não sei onde está me direcionando – disse em um suspiro fraco – mas


vou até o fim.

Maldita curiosidade adolescente!


Por um momento, cogitou. Sentia o coração pulsar na garganta, contudo,
acompanhou a direcção da bússola e após, um monte de voltas e vários
quarteirões, passando pelo parque abandonado da cidade e subir uma
última rua, os pés dormentes – já teriam se passado consideráveis vinte
minutos de caminhada – então, por fim, notou que ela indicava para um
prédio velho, do outro lado da rua com o semáforo ao lado, avariado e com
teias de aranha, a livraria Santa Teresinha, a parte mais acima inóspita – a
base era a livraria, e a outra parte, a única parte de cima que Edward
observou haver pessoas, era uma hospedaria.

– O quê?! – interrogou - se o garoto, notando que a bússola ficava mais


agitada do que antes. O ponteiro que lhe direcionara movimentando-se com
tanta agressividade que imediatamente percebeu. Estranhamente, era
mesmo aquele, o local. Não era um engano. Por algum motivo…

Por quê aqui?


O que tem aqui?
Edward atravessou a estrada, aquela rua tão pouco movimentada com as
moradias mais antigas da cidade, em seguida, entrou na livraria, com os
olhos ainda fixos na bússola. O garoto cumprimentou, desatencioso, a
senhora que estava no balcão logo à entrada, intrigado consigo mesmo.

O que o objecto estava tentando dizer? O que Edward estaria prestes a


encontrar? Seria um Lugar secreto? O navio encolhido em uma garrafa
mágica dos piratas? Mas o que ele faria com um navio encolhido, sabendo
que sua região não Possuía mar, apenas um lago enorme no centro da
pequena cidade, que congelava completamente no ?

Ele passava de estante em estante, tentando encontrar o ponto certo


que indicava a bússola, pensando por quê a bússola começara a se
comportar assim logo naquele dia, naquele, exacto, momento?

Possivelmente, estaria relacionado com o desastre, na escola! Edward


batia cabeça tentando achar uma resposta, quando olhava novamente para a
bússola parando, calmamente.

– É aqui! – falou, com voz atordoada, ziguezagueando o olhar, nos


corredores da livraria, procurando, da esquerda a direita, de cima para
baixo. Oque estaria ali? O que estava naquele lugar? Talvez precisasse de
alguma palavra mágica para que se conjurasse o que procurava? Contudo,
precisava parar de fantasiar. Talvez fosse apenas um simples objecto,
completamente normal. Mas ele sentia, de alguma forma... sentia. Algo,
alguma coisa, forte, chamava por ele, e ele acharia aquilo.

Dezenas de perguntas rondavam em sua pequena mente.

Maldita adolescência curiosa!


Ele estava exausto, de tanto que havia andado, fora o desgaste mental
de tanto pensar, sem dar em nada.

Vinte e três minutos teriam se passado e ele não achava nada.

Edward chegou ao ponto de achar que a bússola estava avariada, talvez não
passava de uma mera bússola qualquer, tirando o facto de que era
admiravelmente dourada brilhante, embora velha. Talvez, Sr. Nicolau
quisesse se livrar do objecto e se viu na oportunidade ideal, dando-a de
presente ao garoto. Mas, de qualquer forma, não estaria ali por coincidência,
sentia aquilo, alguma coisa lhe dizia que estaria ali por um motivo especial.
Ele poderia jurar que a bússola sussurrava.

Está aqui, Edward, está aqui! Apenas, procure!.


Apenas Procure, criança!

Edward suspirava, as mãos no rosto: – se acalme Edward! – ele


sussurrava – Se acalme! Você já chegou até aqui. Deve ter algo aqui. Anda!
Pensa! Use a cabeça! As aulas do primeiro ano de Reflexão e ideias cairia
bem agora – um pequeno pensamento engraçado naquela situação pesada –
pelos vistos, deveria ter prestado mais atenção nas aulas. Maldito Dim!

Vamos cá ver…

Sentado no chão de séculos, com as pernas dobradas, uma das mãos


sob o queixo, Edward fechou os olhos. Um esquema mental. Um esquema
mental talvez ajudasse.

Partindo do início. A bússola começara a agir daquela forma, com o


impulso do que acontecera na escola, supôs, isto, na biblioteca empoeirada,
o que tinha na biblioteca? – pensou – “livros’’ – e logo depois ela começara
a se agitar e o trouxera , na livraria. O que tinha na livraria?

– Mas é claro! – vociferou o garoto, quando uma senhora passava ao


lado com dois livros presos debaixo do ombro, e com a outra mão fazendo
sinal de silêncio para ele que se recompunha. As luzes fracas das velas das
paredes, ao longe, oscilavam. Aquilo com certeza era um risco. Em uma
biblioteca.
– Ah!... M-Me desculpe, Senhorita.

Ele esperou que a senhora tirasse os olhos nele e se afaste o suficiente.


Então disse:

– Faz tudo sentido – seus olhos brilhavam, quando a senhora com os


livros já se havia ido, embora, no balcão, pagando pelos livros – Deve ser um
livro.

Ele se envergonhava dele próprio por não ter pensado logo no óbvio!
A bússola ficara agitada não pela tragédia na escola em si, mas, pela
vasta quantidade de livros que havia no local, talvez um dos ponteiros,
parados, estivesse destinado a se mover para indicar a localização de um,
certo, “livro”. Por isso, o havia guiado até ali, na livraria Santa Teresinha,
não admirava que fosse um prédio velho. Provavelmente aquela livraria
existia em Vênus há séculos.

– Mas como eu faço pra encontra-lo? Como é este livro?

Naquele momento, Edward estava agindo sob o impulso. Simplesmente


colocou a bússola sobre as estantes, em contacto com os livros, em seguida,
mover a bússola como um íman a procura de uma moeda no relvado.

Ele passava na primeira estante…na segunda… e foi andando,


procurando…

A livraria era enorme. Então, ele passava pela vigésima quarta estante,
quando um livro meio volumoso saltou da estante como se a bússola o
tivesse atraído.

O livro se espatifou no chão e Edward levou um susto, com aquilo.

No entanto, dobrou os joelhos e olhou mais de perto e viu que era um


livro diferente de todos naquele lugar. A cor era vermelho-escuro como
vinho , uma capa muito rugosa com rugas crescendo das extremidades para
o centro, aquela capa era muito velha que só de olhar para ela, notava-se que
era de muitos anos, talvez séculos ou mesmo milénios atrás, e estava
intitulado com letras muito grossas e feitas com uma espécie de diamantes
claros e brilhante como o céu matinal. Então, Edward leu aquelas palavras
em tom baixo:

Merlim

¢
Em sua casa, com o livro sobre a mesa, encarando-o, pensando se abria
com a presença de seus amigos, em particular Dim, ou abria na hora…
O garoto levantava e sentava-se novamente na cadeira ao pé da mesa
de jantar, parte de si dizendo para abrir logo o livro, outra dizia para
esperar, ou talvez ir ter com eles. Talvez ainda estivessem na escola,
ajudando o pessoal, Pensou. Ansiedade a flor da pele. Talvez já tivessem
resolvido o ocorrido, e seria uma total perda de tempo ir até lá.

Sentando-se, depois pegando no livro e pondo-o em uma pasta


castanha de ombro, com um cadeado que trancava-a.

– Já sei o que tenho de fazer – ele parou de se mover de um lado para


o outro da sala de jantar que possuía paredes amarelas – vou à casa do Dim
e lá abrimos juntos. Por fim garrou na pasta com o livro, a colocou sobre seu
tronco e em seguida foi para a porta de entrada, e ao segurar a maçaneta ele
parou, e pensou. Se ele fosse a casa de Dim, o que poderia acontecer ?
Quanto ao que poderia dizer, bobagem ou não, o amigo sempre o apoiava.

O garoto estava agora voltando para a mesa, pensando em todas as


possibilidades de riscos, embora fosse pouco provável acontecer algum mal
com uma simples escancarada de um livro. Mas ele não pôde deixar de fora
o facto de que o livro não era um qualquer.

Edward estava vestido de um capuz cinza com o desenho de uma


guitarra a arder em chamas, e os calções marrom de bolsos largos com
sandálias azul-escuras… e meias!

As questões eram tantas, e Eddy não fazia ideia do que fazer… quando
de repente um baque na porta de entrada à sua trás, e ele pôde logo
reconhecer a voz irritante do amigo.

– Eddy! não temos todo tempo do Mundo, não.

Edward ficava com o coração aos tripeços, havia chegado o momento


para contar sobre aquilo, sobre o livro. Mas sua respiração tropeçou
Quando abriu a porta. Pada sua surpresa, ele não vinha só...

Para além dos três amigos, havia mais três garotas, Carla, Elisa, e uma
outra rapariga pela qual Edward nunca a tinha visto antes.

– Ah!! M-Me desculpem a demora estava só calçando – Adam deu um


leve olhar para baixo. Para seus pés. Mordendo os lábios, os olhos
arregalados.
Edward o ignorou – podem entrar, sintam-se à vontade.

Dim, juntamente Adam e o resto das meninas se sentaram nas cadeiras


de madeira que estavam ao redor da mesa de jantar. Mas Scott tinha outra
definição quanto ao sentir-se à vontade e sentou sobre a mesa.

– Não é para se sentar sobre a… deixa para lá. – falou Eddy segurando
com os dedos a parte do meio entre ambos os olhos.

– Humm, à propósito – falou Dim, levantando e aproximando-se de


uma das meninas – Essa daqui é Eunice, minha amiga nova…

– Que agora é “nossa” amiga nova – interrompeu Adam, servindo-se um


pouco do suco de limão que estava sobre a nessa, ao lado esquerdo onde
Scott estava sentado – sim. Que agora é nossa!! – falou Dim com desdém,
ele cruzou os pés– continuando, ela se mudou para a nossa rua faz dois dias,
e ainda não falou com ninguém. Portanto, eu, como sempre nê, tive a ideia
genial de ajudar ela a fazer novas amizades, começando por mim…

– E dai o facto de estarmos aqui, fazendo absolutamente nada! Tirando


o suco ,que está uma maravilha. Foi você quem fez? – perguntou Adam, os
olhos azuis curiosos, servindo-se outra vez quase derramando o líquido na
mesa.

– Sim, Sara as vezes me dá algumas aulas – respondeu Edward, coçando


o cabelo preto.

– Prazer, Eunice! – falou a garota da qual Dim se referia, levantando-se


de onde se sentava e estendendo a mão a Edward, na esperança do garoto
fazer o mesmo.

– Ah – ele gaguejou – Eddy, q-quer dizer, Edward – carinhosamente


estendeu igualmente a mão trémula.

Eunice teria dezoito a dezanove anos aparentemente, estava vestida de


calções curtos – muito curtos – azuis e uma blusa branca que fazia um
entrelaço na barriga que contra a vontade de Edward, via o umbigo da Bela
jovem, a barriga parda levemente peluda, a blusa era curta nos ombros e
seus olhos castanhos e lindos prendiam sua atenção, por pouco tempo, até
reparar para as pernas arqueadas, os cabelos pretos com mexas pintadas de
azul contrastavam com os calções. Curtos.
– Só para que conste – exclamou Dim, entregando seu copo a Scott,
ainda sobre a mesa – a única pessoa aqui que pode chamá-lo de Eddy – ele
fez uma reverência – sou eu. Trate de não esquecer isso, Eunice.

– É verdade, Edward? – perguntou Eunice, desapontada, olhando de


volta para o rapaz, seus lábios contraíram – E eu quis chama-lo exactamente
assim, pois achei mais – uma pausa – simples.

Um golpe. Aquilo reverberou todo o corpo de Edward – Porém – ela


continuou – Interessante.

Alívio!
– S-sim, é verdade, sim, mas – O garoto tateava com as mãos – é claro
que se ainda assim quiser me chamar assim – por céus ele tremia bastante –
abro u-uma excepção. Pode me chamar de Eddy à vontade, n-não me
importo.

Edward se esforçava ao máximo para não desviar o olhar que estava


centrado nos olhos de palha dela. Ele pensou: a conversa sobre o livro
sinistro viria depois. Aquilo seria feito depois.

Dim trocava olhares de fininho com Adam que tomava dramaticamente


outro copo.

Edward permitiu que outra pessoa o chame por Eddy, além de mim.
Era aquela conversa que passava nos olhares dos dois. Mas Edward não
se importou.

– Acho que estou vendo coisas – falou Dim, esfregando os olhos para
confirmar – Adam e Scott se beliscaram…

– Não – interpelou Adam com os cabelos loiros, em tom de sarcasmo –


não é um sonho. É tudo real.

– OK, então ‘‘ Eddy’’ – Eunice, soltando a mão do rapaz, quando a


porta de entrada escancarou-se novamente.

Sara!

As mãos cheias com sacos de compra. Reparando com um olhar


assassino para Scott sobre a mesa.
– Ah, então – suas palavras saíam afiadas – bastava eu sair por algumas
horinhas e isso aqui vira um redolito?

– O q-que, o que é um redo… redo….

– Nem queira saber, Dim – a empregada batia pé, seus cabelos curtos e
pretos pareciam pular da cabeça por conta própria – nem queira saber. E
Scott – ela poderia muito bem engolir o garoto apenas com os olhos
assassinos, sua voz era uma ordem, um comando, os olhos cinza pareciam
derreter Scott só com a força do pensamento – a mesa não é para se sentar,
o que é que te deu, seu projectinho de avestruz?

– Avestruz! – Elisa exclamou, rindo-se do namorado.

– Edward disse para que eu estivesse à vontade - disse corando,


descendo rapidamente da mesa.

– Sara – Edward falou baixinho, franzindo o cenho – está me


envergonhando.

A empregada descansava as sacolas no chão liso ao cantarolar:

– Ah, o estou envergonhando? Porque não pensou nisso antes? – uma


pausa – Mas deixa para lá.

Ela deveria ter notado que realmente exagerava. Ela gesticulava para os
amigos.

– E quem são estas crias?

– Sara – o garoto sibilava rispidamente – combinamos de não chamar as


pessoas de ‘‘crias’’, lembra? É constrangedor.

– Está bem – Um olhar sincero – me desculpem, crianças. Me encontrei


com uma certa pessoa e…

– Namorado, nê? – falou Carla soltando um sorriso. Obviamente a


garota loira dizia tudo o que lhe viesse à cabeça.

– O quê? Não, é…

– Então é um ex-namorado!

– Quer saber? – Sara bateu novamente os pés – não conto mais.


A empregada disse algo, mas ninguém conseguiu ouvir de tão baixo que
foi.

– Que bom - Prosseguiu Edward – não terminaria agora, mesmo!

Scott estava com Elisa em seu colo, roendo as unhas. Edward fez uma
careta àquilo. Pelo menos o casal se entendia, e se aceitava daquele jeito,
pensou.

– Essas são minhas amigas. Carla – a menina de dezasseis anos deu um


aceno. Ela estava com uma saia rosa e uma blusa branco-leite, os cabelos
loiros em um formato aparentemente esquisito. Talvez fosse algum tipo de
penteado ou coisa parecida… mas Edward era homem, não tinha como
saber. Enfim…”Mulheres”.
– Elisa – a garota de dezasseis anos também, porém muito mais calma
que a amiga, estava vestida de uma saia cinza com meias brancas que
chegavam até aos joelhos, um casaco cinza que por ele serpenteava seus
cabelos castanhos e ondulados que estranhamente a lembravam da garota
nova. Layla.

– E esta daqui, acabei de conhecer – o rapaz indicou para a jovem de


cabelos negros que estava sentada a direita das outras garotas…

– Eunice – ela mesma falou. Sara levemente arqueou uma sobrancelha.


– Maravilha! Eu sou Sara, a babá dele…

– Sara, não começa.

– Me desculpe – ela sorriu gentilmente para Edward – Mas, já que essas


belas moças estão aqui – ela fez aquele olhar aproveitador – será que podem
me ajudar com o almoço?

Sara nunca perdia uma oportunidade daquelas. Dim tivera sorte em


não aparecer ali nas últimas duas semanas, quando estavam de férias.

– Sim – Carla respondeu, depois de pensar por um breve momento, as


pernas entrelaçadas às de Adam.

– Claro – Eunice também concordou.

– Sim – Elisa também concordou – mas eu não sou lá muito boa com
panelas.
– Não se preocupe, docinho – Sara sorria sarcasticamente para ela – só
precisa ser boa com o que estiver dentro dela.

Elisa parecia meio envergonhada, constrangida, deveria ser pela


presença do namorado. Ou simplesmente por ela ser daquele jeito, mesmo.

– Só um pouco? – interrogou Carla, olhando para Elisa – Garota você


cozinha muito mal – ela desenroscou a perna à de Adam – o que é aquele
prato que você cozinhou lá em minha casa da ultima vez, comida para o
submundo? Não, não, espere – um estalar de dedos – já sei! – ela fez
parecer que refletia sobre o assunto – salada de sacrifício! É isso.

Edward sabia que aquele era o tipo de amizade entre as duas, e elas se
entendiam, também.

– O que foi? – continuou ela olhando para a amiga – vai chorar,


senhora “filha do diretor”?

Elisa fez uma careta para ela.

– Não sou tão, tão péssima assim.

– Hmm!! Até parece. Se pudesse resolver um problema a cada prato


malfeito, o mundo não teria mais câncer…

Sara gargalhava diante da discussão das meninas e seguiu dizendo:

– Está bem, não precisa brigar. É para isso que estou aqui. Vocês sabiam
que por vezes dou…

– Aulas de culinária para o Edward? – Eunice exibia um leve sorriso


para ele. O garoto sentiu frio percorrer suas vértebras.

– Como soube? – Perguntou Sara, surpresa.

– Digamos que temos óptimas fontes.

– OK, mas isso não vem ao caso. Peguem nestes sacos e levem por mim
para a despensa, fica logo depois da porta a esquerda – indicou Sara.

E naquela tarde as meninas, junto Sara ficaram de fazer o almoço.

– Elisa, eu disse para colocar o alho no caldo, não no suco.


– O que está fazendo, Carla?

– Me certificando de que seu corpo seja resistente o suficiente para sobreviver, quando
for ao lugar de fogo e enxofre e eterno sofrimento. Que é para onde vai toda mulher que
não saiba cozinhar.

– Está insinuando que eu vá para o inferno, Carla?

– Me refiro ao casamento, querida!

Entretanto, os rapazes tiveram o prazer – a obrigação, na verdade – de


aparar o relvado, endireitar as árvores com as enormes tesouras.

Minutos depois, tinham de salvar Sr. Nicolau, o vizinho, que estava


quase caindo do telhado, com as mãos agarradas à antena para que não
caísse enquanto gritava engraçadamente por ajuda.
Eu estava apenas tentando apanhar o sinal, hoje é a final da Copa e…

Por um momento, Edward quis perguntar sobre a bússola e o livro ao


senhor, mas Sr. Nicolau pedira que voltasse mais tarde. Sozinho. Então
assim o faria.

Entretanto, o almoço já estava servido e os garotos se lavaram e foram ter


com as meninas à mesa .

– Edward – a empregada na ponta da mesa apelou – trate de terminar


logo, os pães da senhora Sônia são os únicos no mundo, ela deve fechar a
qualquer minuto.

– Que fique bem claro que vou demorar o dia inteiro para terminar aqui
– falou tão baixo que nem mesmo Dim ao lado ouviu.

À medida que comiam, Edward olhava para Eunice e quando a garota


retribuía o olhar, ele fazia de contas que estava limpando os olhos com os
dedos…

– Vou ao banheiro.

Aquilo era uma desculpa!

A pasta com o livro estranho estava aberta. Rapidamente , a levava para seu
quarto e ao chegar lá, o livro novamente caiu.
Daquela vez, abrindo-se.
6
Sensação de morte

Edward ouvia um som insuportável, parecendo sair do livro. Aquilo


estava saindo realmente do livro. Por algum motivo, percebeu ele, os
demais, na casa, não ouviam. Com as mãos tampando os ouvidos, observava
o que estava na página aberta e nela… Uma gravura, aparentemente uma
espécie de floresta, que apesar de ser apenas no papel velho e amarelado, os
galhos estranhos se moviam.

Edward tocava na gravura e uma sensação diferente de tudo o que já


sentira, parecia que sua alma estava sendo sugada para dentro do livro, o
garoto tentou de todas as formas afastar-se do livro, mas era como se ele
fosse um metal e o livro um íman atraindo-o. Após alguns segundos de
longo esforço, o garoto não resistiu mais, suas forças haviam chegado ao
limite e acabou sendo sugado completamente.

Ele estava se sentindo como se não tivesse mais um corpo, sentia uma
leveza que nunca sentira antes, estava tão silencioso e ele não sabia o por
quê, sendo que ainda seus olhos permaneciam fechados, lutava para
escancara-los mas era inútil, seu cérebro não conseguia dar ordens ao
corpo. Passaram-se três minutos aparentemente, Edward sentia os pulmões
ficarem sem ar. O nervosismo começava a invadi-lo, talvez aquela pressão
lhe desse um pouco mais de controle e por fim começava abrindo os olhos
pouco a pouco, ele via a silhueta de um objeto a quinze centímetros de sua
face, a visão estava embaçada, e quando voltava a sua forma original,
arregalou melhor seus olhos e viu que era apenas sua mão. Aquilo Não seria
surpresa alguma porque ele não tinha total controle de seu corpo, ainda
conseguia mover apenas a parte de cima do tronco – Mas – Sussurrava o
rapaz, com um esforço para falar alguma coisa – q-que lugar… é esse?

Ele olhava para a esquerda, e estava totalmente escuro. Seu corpo


tremia de frio, muito frio, e a respiração cada vez difícil. Olhou para a direita
esforçando novamente o pescoço para se mover e não havia nada, também.
Ao que Edward pôde perceber, se passaram horas ou até mesmo, dias, e o
que restava dele era angústia, dor de tanto frio que sentia, e remorso. Se
perguntando se se achava no espaço e se fosse, como isso seria possível? Ele
ficava pensando em como nunca mais poderia ver seus queridos pais, seria
aquele seu fim? A morte o rodeava, farejava seu cheiro, se deliciava de sua
angústia, ele sentia aquilo.

Ele ficava novamente e lentamente inconsciente, pensando em como


ele fora com todo o mundo, a pouca atenção que dera aos pais durante seus
dezassete anos de vida, em como os amava, embora, nunca tivesse dito.
Serrando os olhos, ele viu muito antes de fecha-los completamente, algo a
sua frente. Alguém. Desta vez ele tinha certeza que não era sua mão.

Então apagou.

¢
Sua consciência voltava aos poucos, sentia o ar fresco e aflorado,
ouvia, ao que parecia o som de pássaros piando. Ele notou que estava
deitado, no chão e decidiu levantar, com total controle de seu corpo.

– Onde… onde eu estou? – ele ainda sentia o corpo dormente com a


mão na têmpora, a cabeça martelava – Mas o que…

Se encontrava na floresta que vira a poucas horas no livro e…

– Então, já acordou!?

A voz estranha saiu da traseira de uma árvore.

– Q-quem está ai? – perguntou o garoto assustado e segurando um


ramo na mão para se defender, mesmo o ramo estando quase quebrado ao
meio.

– Hei! Hei! Relaxa aí! Calma, você está assustado… é falta de educação
tentar agredir, com um ramo, alguém que salvou você, não acha? Eu…

– Não se aproxima!

– Tudo bem, tudo bem! Não precisa ser tão agressivo, afinal, o inimigo
aqui não sou eu. Olha, deixe me apresentar primeiro, eu sou Ocásis e – um
movimento atrás do estranho. Não. Atrás dele. Atrás de Edward. Outra
pessoa. Havia outra pessoa ali – ah essa é – e surgiu uma outra pessoa entre
as árvores, ela estava com um arco que pelo aspecto, era bastante valioso de
tão lindo que era, na mão e flechas muito fora do comum às suas costas,
uma, armada no arco. Seus cabelos cor de sangue eram tão longos que
chegavam até os joelhos mesmo presos em um rabo-de-cavalo e eram
elevados para trás pelo vento que saia do Leste, aparentemente. Edward
notou que a estranha tinha três marcas, parecendo símbolos de alguma
língua estranha, em seu belo e pardo-rosado rosto, que era o mais lindo que
ele já vira em toda sua vida, uma em cada lado e a outra, mais circular no
queixo. Ele poderia jurar por todos os seres divinos, que era a jovem mais,
incrivelmente, perfeita que já existiu na face da terra. Por céus! Layla Miller
era um sopro, em comparação!

– Então é ele! – a jovem, falou, aquela voz era um canto de anjos,


dando uma olhada em Edward que desviava instintivamente o olhar.

Como era de se esperar!.


– Nosso mais novo recruta!

Edward ficou surpreso por ainda estar em pés. A voz da jovem com
certeza faria homens, milhares deles, se renderem a ela. Seus olhos…aqueles
olhos…como poderia existir alguém com tais olhos? Eram olhos de outro
mundo, literalmente, pelos vistos. Aquela garota com aparentemente dezoito
anos era uma deusa, pensou ele. Seus olhos eram diamantes vivos, seus tons
esmeralda embebidos em cinza e rosa que contrastavam com os cabelos
vermelhos pareciam estremecer o mundo a cada pestanejar, um anel
dourado como o fogo circulava suas pupilas que pareciam pequenos buracos
negros que sugavam a autoestima de qualquer um, outro anel de fogo
ladeava as margens de sua iris preenchida por alguns pontinhos luminosos.

Edward pensou: seus olhos não eravam verdes! Os olhos de Dim, não eram
verdes. Aqueles olhos, aqueles olhos eram verdes. Eles e o resto dos olhos
verdes, turquesa e outros por diante, não passavam de meras cópias, diante
daquele glorioso olhar.

– R-recruta? Como assim, recruta? Claro que não é nenhum recruta – o


outro jovem, insanamente alto e de cabelos brancos-prateados gaguejava.

– Do que ela está falando? – perguntou Edward por fim, desconfiado.


– Nada não! – falou o jovem alto, sorrindo fingidamente – É só um jeito
que ela faz, para dizer ‘‘ Quando vamos comer’’ ?

– Ahr! Eu mato você, Ocásis!

– Brincadeirinha, calminha aí… n-não precisa se esquentar tanto, Anúbis.

O Jovem alto, muito mais alto que Edward trocava o peso do corpo
entre os pés, indicava para a companheira com os olhos divertidos:

– está vendo este rostinho de anjo que ela tem? – ele gesticulava para a
jovem bela – não se engane. Ela é um monstro esfomeado que nunca está
satisfeito. Nem sei como ela nunca engorda.

A jovem bela, Anúbis, era como a chamara, apontou uma flecha para o
outro, que Edward nem mesmo percebeu em que momento ela fizera
aquilo.

– Dá pra me explicar o que se passa aqui ? – Edward rugia.

– Ah! ele é nervosinho. – falou a garota que segurava Ocásis em seus


punhos, após ter colocado com um movimento de outro mundo a flecha de
novo na aljava. O jovem era muito mais alto que ela que precisou arquear o
corpo para ela ao responder: – É. Mas… dá para me soltar? Por favor?

Outro movimento.

– Obrigado! À propósito – Recomeçou Ocásis esfregando a mão no


pescoço que estava formigando – Minha querida amiga, embora muita das
vezes não tão querida – a jovem fazia caretas. Até aquilo era lindo na jovem
– Anúbis…Tá… não esquenta ela as vezes é assim mesm…

– Quero lá saber quais são seus nomes. Eu quero entender, o que, é,


que está acontecendo aqui… porquê eu estou aqui… como eu vim parar
aqui?

– Tudo bem! Já disse que não precisa esquentar – falou Ocásis,


tentando se aproximar do rapaz – Olha, eu vou explicar tudo o que está
acontecendo tá? Você veio de outra dimensão e…

– O q-o quê? – Rugiu o rapaz, confuso – vocês estão gozando comigo


não? Vocês só podem estar a gozar comigo. Iss- isso é completamente,
impossível…
– Não! Não é! Deixa eu expli…

– Eu não quero mais ouvir tolices como estas… eu vou piscar daqui, eu
estou me lixando para quem vocês dois são e o que é esse lugar!! – Edward
berrava em fúria e agarrava em sua pasta que estava sem o maldito livro, e
atou a andar para o lado oposto dos dois.

¢
A floresta ficava cada vez mais escura, à medida que ele descia, as
árvores normais eram substituídas por outras, mais estreitas, os troncos
ondulados e pretos, e aparentemente secas pareciam ranger a cada passo que
dava, e uma névoa emanava de todos os lados, e além, não se enxergava
mais nada, nem de perto, o ar gélido parecia sussurrar em seu ouvido, ele
sentia de novo a morte à espreita. Um vulto passou entre as árvores escuras a
sua esquerda, com a névoa era e o silêncio vivo, era fácil ouvir qualquer
som, talvez fosse esse o motivo, pois ele sentia que alguma coisa estava o
observando, olhava de um lado e de outro e lá, a poucos metros de
distância, dois olhos carmesim cintilavam na escuridão causada pelas copas
que fechavam todo o céu acima. Edward parou drasticamente, mesmo antes
do corpo receber essa ordem, os olhos se aproximavam e o restante do
corpo escuro se formava.

Estava vindo!

Um animal! Não!! aquilo com certeza era outra coisa muito pior.
Parecia humana, porém, esguia, e sua cabeça, seja lá o que aquilo fosse,
raspava as copas de árvores e galhos caíam a cada passo, não eram
propriamente passos que rompiam aquela névoa, pois, a besta sequer
levantava as longas pernas, porém se movia facilmente, e começava a
acelerar os movimentos.

Corra! – sua mente dizia – anda! Mexe-te, criança!


O monstro se atirou em Edward e seu braço peludo o atingira por
pouco, as garras afiadas e ossudas quebraram árvores bem do lado onde ele
desviara do golpe, e o ranger delas se tornou insuportável. O Rapaz tateava,
se impulsionava, se atirava de um lado e de outro, tentando, rezando para
que nem as longas garras da besta o ferissem, pois se o fizessem seria fatal,
mortal, nem as árvores caindo por todos os lados fazendo névoa e poeira se
agitar. Estava quase escurecendo, porém ali, o sol não tocava, sequer se
notava sua presença nos céus, nem havia céus ali, as árvores eram tantas que
cobriam ele todo .

A besta urrava, um grito de ondas e tempestades, aquilo reverberava


todo o corpo de Edward, escondido sob folhas e galhos partidos, o corpo de
bruços, sua respiração arranhava as folhas secas no solo. A besta passou por
ele, procurando, olhando de um lado e do outro, ele porém, permaneceu
ali, imóvel, se tivesse que permanecer ali pelo resto da vida, até seu corpo
implorar por comida, e perecer, ele o faria, mesmo que ele morresse por
isso, ele o faria, com certeza seria uma morte lenta, porém, indolor em
relação ao que a besta faria. Então aquele era ele, pensou, um garoto
medroso, que não faria absolutamente nada ali, nada por ele próprio, que
dirá pelos outros?

O rapaz chorava e lacrimejava em silêncio. Um covarde! Edward era.

Um covarde! Um covarde! Um covarde!


O garoto se sentia impotente, inútil, incapaz de se salvar, pela segunda
vez naquele dia. Ele sentia as garras da fera em seu calcanhar. Então era
aquele o momento final. Tudo acabara para ele. Só restava ficar ali, parado,
chorando e se debatendo, suas esperanças haviam se esvaido.

Foi ali, naquele último momento, entre a morte e a morte, iminentes,


quando outra criatura apareceu, chocando-se tão rapidamente que segundos
depois Edward só observava poeira se elevando ainda mais.

A besta urrava ainda mais e seus gritos estremeciam árvores e arbustos,


mas não havia outros animais na área. Foi ai que ele parou para observar na
criatura que aparecera, que… salvara sua vida. Com certeza aquilo tinha de
ser um dragão, porém, humano ao mesmo tempo.

Ocásis!

– Fala aí feioso – Ele passava a mão nos cabelos curtos prateados e


brilhantes. Com uma postura majestosa, elegantemente exagerada naquela
situação – não o ensinaram a agradar visitas?

A besta cravou suas garras no solo rochoso e em seguida, retirou dali


uma pedra, do tamanho de um carro, e a atirou na direção de Ocásis, que
continuava naquela postura, sem o mínimo de preocupação em seus olhos.
Seu semblante parecia se divertir diante daquilo, observou Edward, aquilo,
era uma diversão para ele. A pedra enorme veio tão rápido com tanta força
que poderia quebrar ossos e esmagar carne e tudo a frente. Porém a rocha
encontrou seu alvo e se espatifou no corpo de Ocásis, virando poeira e
granitos. Ele precisou cobrir o rosto para não ser afetado pelos restos da
enorme pedra.

Seu corpo fraquejou diante daquilo.

Ocásis simplesmente permanecia naquela postura, sem sequer ter


piscado com o impacto. Ele olhou para Edward, enquanto a besta vinha
agora em sua direção esmagando as pequenas plantas no caminho –
Observe, Edward.

Como ele sabia seu nome, isso seria uma conversa para depois, caso
saíssem dali vivos. Então, Edward simplesmente observou.

Ele tirou as mãos dos bolsos, com um pé arrastado para trás arqueou
levemente o corpo para frente e arremessou a fera para onde tinha saído
logo antes, não com um soco, aquele com certeza seria o pontapé do século.
Os cabelos pretos de Edward esvoaçaram pelo ar que fora agitado ao redor
depois do impacto, e a besta, o monstro foi arremessado para mais longe
ainda de onde estivera antes, muito mais longe e onde ela passava as
cambalhotas árvores partiam formando uma passagem pela floresta. Ocásis
ria daquilo. Sim. Aquilo, definitivamente era uma diversão para ele.

Com impulso de suas asas ele curvou-se levemente para a frente e


mais poeira se levantou. Edward poderia ficar cego a qualquer momento. O
comedor de poeira, era esse o papel dele naquela luta, naquele massacre.
Ocásis era incrível, e ele só conseguiu observá-lo ao longe do caminho feito
pela besta. Eles ainda lutavam, a besta ainda era espancada. E com a poeira
que se levantava ainda mais ele só conseguia ver duas sombras lutando.
Edward nem percebeu quando alguém chegou em seu lado.

– precisamos sair daqui, agora.

– Mas, e o Ocásis?

– Não se preocupa com isso, ele consegue tomar conta do grandalhão,


agora… vamos logo antes que nos tornemos pó.
– O quê? Como assim, pó? – Perguntou o rapaz se apoiando em
Anúbis, ele percebeu que mancava, pois a besta tinha perfurado seu
tornozelo, quando estava caído. Escondido!

– Explico depois, agora, vamos sair logo daqui.

Os dois saíram daquele local, e Edward só conseguia ouvir o uivo da


fera atacando, ou… sendo atacada na maior das hipóteses.

Os dois se encontravam em um ponto mais alto da floresta, em que


Edward olhava a cortina de poeira se dissipar totalmente, entretanto… à
medida que a poeira sessava, sucederam em seguida chamas, do ponto em
que Ocásis estavam se enfrentando, que queimou toda área ao redor, os dois
garotos tiveram que abaixar e cobrir o rosto embora o fogo fosse incapaz de
os atingir do ponto em que se encontravam, ainda assim havia a onda de
calor que atingia uma porção muito maior da orla da floresta.
7
O Salim de Vilkas

O jovem olhava para o copo de madeira, vazio.

– Mais cerveja! – gritou, gesticulando para o homem com roupas pretas e


velhas que carregava consigo bandejas prateadas em cada mão. O mundo
era chato, Vilkas era uma cidade excessivamente deprimente para ele, uma
cidade de comércio, com pessoas de todos os cantos do mundo, A Terra do
Sucesso, era assim chamada, uma terra aberta para qualquer um que
quisesse estabelecer seu negócio, seu império, seu lar, a capital não se
importava, uma terra de sonhos realizados. Que deprimente,
completamente deprimente.

Vilkas não era seu lar, ele não se sentia em casa, não achava o que
procurava.

Deprimente! Deprimente!
– Me parece muito novo para consumir álcool, meu jovem...

Seus cabelos marrom e curtos se agitaram ao olhar para o homem com


as bandejas. Seus olhos assassinos e psicopatas centravam os do homem.
Com um sorriso estampado no rosto.

– Me diz uma coisa, “Senhor” – o jovem sentiu seus pés


inconscientemente perfurarem o chão duro – Por acaso, quer saber o que
tem do outro lado, tão cedo?

O homem ficou pálido diante do jovem. Em seguida, ele retirava mais


três copos de cerveja do tabuleiro.

– Eu odeio pessoas que se acham inferiores que as outras. Eu sou o


superior aqui, isso os torna inferiores a mim. Neste caso, eu os odeio ainda
mais.

– Mas nós não fizemos nada ao senhor.


O jovem bebeu outro gole e disse:

– Por isso os odeio.

Quando o homem saiu aos tropeços dali, o jovem nem se importou. Porém
percebeu olhos curiosos sobre ele vindo de homens em outras mesas atrás
de si. Os homens barbudos sorriam com zombaria para ele.

Desgraçados! Desgraçados! Criaturas inferiores! Seus filhos da p…


Aquilo não ficaria assim.

O jovem se levantou, e fincou os olhos em sua mesa, pensando,


sopesando todas as possibilidades ali.

– Que se lixe! Desgraça! – disse ele, e com um movimento colocou a


mão sobre a superfície da mesa os dedos entraram tão fundo na madeira
entalhada, e a madeira rangeu. As pessoas começavam a correr preocupados
fugindo por suas vidas, poucos segundos depois de a mesa ter sido atirada
para os homens barbudos, partindo-os ao meio e por fim se espatifar na
parede, madeira pulando por todos os lados.

– Por quê vocês sempre me obrigam a fazer essas coisas? – o jovem alto,
falou para si mesmo e se virou, andando para a saída.

– Você não pagou.

Como alguém em sã consciência faria tal idiotice, perante ele?

O jovem olhou do ombro e disse para o homem que tinha trazido as


cervejas:

– Não seja burro. Salve sua vida. Considere um presente, pelas bebidas.

E com um sorriso no rosto, ele saiu.

A noite estava terminando, e a luz do crepúsculo já se projetava no


horizonte além da cidade. O jovem saiu andando com o bar a sua trás em
alvoroço, pelo caus causado. Ele curvou em uma esquina em que
mercadores vendiam Vasos gigantes para sabia lá o que fosse. A cidade não
dormia, nunca, havia sempre pessoas vendendo por tudo quanto é canto.
Por fim ele parou em um beco onde mal passava um camundongo, e sabia.
Sabia que alguém o seguia.
– Já podem aparecer – ele estalava o pescoço, rindo, uma, duas vezes de
cada lado – ou eu mato vocês!

Como uma ordem, os dois seres saíam das sombras, literalmente, o sol já
saía e no final do beco uma luz dourada insidia sobre as paredes pálidas e
mofadas.

– Vejo que notou nossa presença – os passos do Rapaz ao que parecia,


mais jovem que ele talvez três anos mais novo que ele, pareciam noite viva,
uma brisa fria era carregada com ele talvez fosse pela bela garota, também
mais nova que ele, que possuía igualmente uma alma sombria, uma alma
igual a dele, almas iguais a dele ali, mas eles não seriam de Vilkas, pois ele já
os teria encontrado e esmagado. As correntes nos pulsos da jovem
tilintaram, mas ela permanecia calma, silenciosa, calculista – Então você é o
famoso Nero – o jovem sombrio se aproximou mais até parar a um metro
dele. Como ele ousa!? – Não faz ideia do quanto estou procurando por
você.

– Você quer morrer?

O jovem Ainda possuía em seu rosto aquele sorriso fantasma.

O homem – jovem sombrio estalava a língua olhando para sua


companheira atrás de si – não viemos aqui lutar com você.

– Mas eu vou querer lutar com vocês – finalmente, pensou Nero,


finalmente alguém páreo para seu poder, para sua força, ele sentira a
presença de duas almas poderosas na cidade, duas energias esmagadoras,
tais como a dele, talvez quase, mas ali estavam eles, aquela seria uma luta
digna de seus esforços, que fariam ele pensar antes de agir, que fariam ele
suar, finalmente – eu quero matar vocês, eu vou – ele falou, rindo como o
psicopata que era – matar vocês.

Mas o jovem sombrio nem pareceu se incomodar, e repetiu, os olhos


frios – não viemos aqui, para lutar com você, Nero. Você é um de nós. E
tem um grande potencial – Aquilo o deixou confuso, mas esperou – Eu
tenho planos – o jovem sombrio olhou de novo para a garota que possuía
cabelos negros e longos – nós, temos planos. E precisamos de você.
Precisamos da sua ajuda.
Ele se aproximou mais em Nero – Eu posso contar para você, Nero?
Você só precisa vir comigo. Connosco.

Nero cogitou por um minuto, e seu rosto parecia curioso e sério. Então
o Jovem continuou.

– Não é comigo que você precisa lutar, não sou quem precisa vencer,
até porque em termos de força, você é o mais poderoso aqui.

Nero gostou de ouvir aquilo.

– Quem eu preciso esmagar, então?

Seus olhos brilhavam de tão curiosos, quando a jovem atrás se


aproximou, os cabelos arrastando no chão húmido, e colocou as mãos em
seu rosto, ele arqueou o corpo mesmo a garota ter levantado os calcanhares
naquelas botas pretas quase até aos joelhos e pouco antes de suas mãos
estarem sobre seu rosto ele viu as marcas, marcas negras de uma borboleta
acorrentada, em cada uma das palmas das mãos da jovem. As correntes
como as que pendiam em seus pulsos saindo de uma asa a outra. As mãos
da jovem tocaram seu rosto e ele viu, ele o viu. O jovem de cabelos
prateados sorrindo igualmente achado, ele com certeza era poderoso, muito
poderoso, pensou Nero, e aquilo era bom .

– E quem é ele?

Ele ainda via o Homem de cabelos prateados, mas podia ouvir o jovem
sombrio falando, as mãos da jovem ainda em seu rosto. Ele ficou ainda mais
maravilhado quando O jovem sombrio disse:

– Ocásis!
¢
Havia fumaça por tudo quanto é lado. Edward ficou impressionado
com a imensa concentração de fumaça em uma zona que a pouco era
banhada por um verde puro – O que… foi iss..

– Vocês estão bem? – Uma voz saiu por traz dele e, para surpresa de
Edward embora se questionando como… Ocásis se achava ali.

– Como – Como você… como… quando…

O garoto não achava uma pergunta lógica para fazer, olhando para
Ocásis e novamente para o núcleo da explosão – você estava ali, em baixo,
como você…

– Relaxa, fica frio – Ocásis voltara ao seu estado anterior – humano – e


Edward observou que vestia calças castanhas e botas pretas, seus cabelos
brancos cristalinos – como alguém era tão perfeito? Isso chegava a doer em
Edward – e curtos, ele era magro, apesar da força insana, e tinha
aparentemente dois ou três anos a mais que ele, ele sequer se incomodou
em comparar sua altura.

Ocásis espirrava, uma, duas vezes, fagulhas de fogo saindo junto.

– Nossa! Acho que alguém me citou!

O que estaria acontecendo naquele exacto momento em Vênus?


Pensou o garoto. Seu sumiço, como estariam seus amigos naquele
momento, àquela altura já teriam se apercebido de seu desaparecimento
repentino, misterioso. Sara. Ela o tratava como se fosse um filho, e seus
pais? Embora estivessem fora da cidade, mesmo podendo demorar mais
alguns meses, eles voltariam na hora em que soubessem. Bile lhe subia a
garganta e seu peito esquentava.

E seus amigos? E Dim?

– Agora – prosseguiu Ocásis se aproximando mais ao lado onde


Anúbis estava, girando pequenas mechas vermelhas de seus cabelos – será
que já pode me escutar? – sua voz ainda possuía um tom divertido, porém,
sereno – Você me fez gastar energia desnecessariamente, acho que o
mínimo que pode fazer, é me ouvir. Ocásis, dava leves batidas em sua
camisa branca com as mangas dobradas – não vai me agredir mais desta vez,
nem esquentar, porque, literalmente, quem esquenta aqui – um leve gesto
glorioso– sou eu !

A imagem da enorme pedra sendo destroçada no corpo de Ocásis


ainda passava por seus olhos como uma assombração.

– Bom! Por onde devo começar – o jovem de olhos dourados refletiu


por um longo tempo, mas, por fim, falou – digamos que, você veio de outra
dimensão – o garoto fez um som de indagação – calma, me deixa terminar
desta vez.

A floresta escurecia cada vez mais e ouvia-se sons estranhos que


Edward jamais ouvira, por todos os lados. Eles precisavam sair dali o quanto
antes, mas ele esperou e ouviu.

– Como eu ia dizendo, você veio de uma outra dimensão, muito distante


daqui, no entanto, próximo também, abrindo um portal. Você foi
teleportado do seu mundo para o nosso – uma pausa – mas, por uma
interrupção no processo, por algum motivo, você ficou preso na zona
Espaço-Tempo.

– Espaço-Tempo, o que é isso? – perguntou o garoto, os olhos


confusos, curiosos.

– É a zona que separa os Mundos – Ponderou Anúbis sentando-se no


chão e dobrando os pés de modo a que pudesse apoiar as mãos nos joelhos
– ela separa este mundo do seu, e do outro, e do outro a seguir a este.

– É como se fosse o espaço que há entre o número um e o número


dois…

– Que logicamente seria o número um e meio – Interrompeu Edward


parecendo pegar o fio da questão, mesmo que apenas metade dela.

– É isso aí – Falou Ocásis dando uma palmada nas costas de Edward. – Já


está entrando na nossa onda. Bom, como a minha preciosa “amiga” ia
dizendo, é uma zona que nem é o nosso mundo e nem o seu. Esta zona
Espaço-Tempo é inabitada e não se pode sobreviver lá.

Mas ele tinha sobrevivido, era a prova contrária daquela teoria maluca.
Daquele mundo maluco. Ocásis também percebeu isso em seu olhar.
– Sim, sim eu sei que você sobreviveu. Mas, por pouco, se eu não tirasse
você de lá.

– Então foi você que – Retorqui Edward, ainda confuso.

– Sim!

Aquilo com certeza não fora nada demais, para ele.

– Ocásis é muito especial – Falou Anúbis que descansava os braços no


chão, ainda olhando na direcção do lugar onde acontecera a explosão
causada por Ocásis – ele é um Salim, foi amaldiçoado, por um mago, só
por ter rejeitado sua filha mais velha para que se casasse com ele.

– Que cruel – Falou Edward em um tom baixo e reparando o rosto


indecifrável do jovem.

– Foi isso que achei, por longos anos – interrompeu o jovem dragão,
olhando para a bela jovem do lado – até estudar mais sobre isso – uma leve
pausa – e conhecer ela.

Anúbis ocasionalmente estampou um leve sorriso, o sorriso de um anjo,


e gloriosos olhos, ali tinha história, observou o garoto. Aqueles dois. Havia
uma história ali.

Mas Anúbis se levantou:

– Vou verificar o caminho.

Ela saiu, e avançou a Noroeste, aparentemente, desaparecendo entre as


árvores enevoadas e escuras, mais abaixo. Edward percebeu que a garota não
tinha a menor preocupação com as criaturas que rugiam ao longe na floresta.

– Vamos falar de ti.

Edward por um momento achou que seria julgado por algum crime
quando Ocásis apontou para ele – Eu tirei você de lá pouco antes de
começar a virar “gelo” literalmente.

– Eu fiquei lá durante horas…

– Bom, você pode achar que passou lá uma eternidade mas, na verdade
só ficou lá cerca de meio minuto – corrigiu Ocásis que se sentava no chão
agora, enquanto Edward reclamava sem saber como seria possível algo
assim.

– O tempo, é algo muito maluco de se entender, em geral, varia muito,


pode ser muito lento em certos lugares e muito rápido em outros, como no
seu…

– Está me dizendo que…

– Sim, Edward. No seu mundo, as pessoas envelhecem mais rápido.


Vivem apenas a metade da metade do que pessoas vivem aqui, neste
mundo. Porém, na zona espaço-tempo, eu ainda não consigo compreender.

Ocásis continuou:

– Quando conheci Anúbis, percebi que não estava sozinho, meu


coração pulsou de alegria em longos, longos anos de solidão.

Ocásis parecia olhar para o nada nada, o semblante mais sério – quando
a conheci, em Terra desbravante – continuou – ela parecia tão…frágil, com
medo do mundo, tão solitária, as pessoas olhavam para ela com a alma nas
gargantas diante da sua beleza, e por Arsêmis! como ela estava linda, embora
suja e com frio, ela ainda era perfeitamente estonteante.

Edward apenas continuava ouvindo…

– Quando ela me viu, também percebeu, nós eramos diferentes do resto


do mundo, eu havia encontrado enfim alguém como eu. Eu conseguia
sentir, o poder, a magia nela.

– Então, ela também é um…

– Salim – terminou Ocásis, olhando directo para os olhos de Edward –


E você também.

Aquilo ainda era muito confuso, e o garoto, muito sinceramente


esperava acordar logo daquele sonho e voltar à sua vida.

– Quando conheci Anúbis, eu comprovei minhas suspeitas. Em meus


longos duzentos anos, andei procurando e estudando sobre minha magia, e
soube que haveria mais alguém como eu, pessoas com habilidades como eu.

– Mas eu não tenho nenhuma…magia – Edward olhava para o tornozelo


onde a besta tinha perfurado, agora completamente curado, por Anúbis.
– Ah você tem, sim. Só não despertou ainda. Ainda não sei qual é a sua
magia, mas eu consigo sentir, em seu coração. E é muito poderosa.

Edward tentava ignorar aquele facto. Se ele não visse o que vira naquela
floresta, não acreditaria em nada daquilo. No entanto, ainda pensava em
Vênus, em sua casa, no… livro! O que teria acontecido com o livro e se Sara
o achasse? Ou pior, os amigos?

– O mal está por ai, Edward, existem outros como nós, não sei ao certo
quais sejam seus planos, mas sei que procuram por algo – Edward começara
a sentir pavor ao ouvir aquilo, e as palavras seguintes – e eu sinto que, em
breve acontecerá algo terrível, um monte de coisas terríveis. Chego a ter
medo com isso.

Aquilo simplesmente não era possível. Ocásis e medo não entrariam na


mesma frase, nunca, ele conhecia quase nada a seu respeito, mas o jovem
dragão, percebeu Edward, tremia levemente.

– Se não encontrarmos logo o livro de Merlim, será o fim.

O coração de Edward tropeçou.

– O livro de Merlim?

– Já ouviu falar?

– Eu estou com ele…bom…estava…

– O que disse?

Ocásis parecia que engoliria o garoto, apenas com os olhos.

– Eu cheguei aqui, por causa dele…

– O que você viu nele?

– Não sei, quase nada. Logo que o livro escorregou até ao chão ele se
abriu e um portal me sugou para dentro dele. E não sei o que aconteceu
depois disso…

– Tem certeza que você não viu mais nada?

– Não, porquê?
– Por Arsêmis! – Ocásis parecia prestes a explodir – você estava com o
livro de Merlim, você já o tinha em suas mãos?

– Eu não tinha como saber! E, o que tem de tão importante? Quem-


quem é esse “Merlim”?

Ocásis apertava com os dedos a ponte entre os olhos.

– Você ainda não percebeu.

– Você ainda não explicou!

O jovem dragão suspirou.

– Eu procuro este livro por décadas. E ao que parece, o mal também


está atrás dele. Os outros como nós estão atrás deste livro também. E
acredite em mim Edward, que se eles puserem as mãos no livro de Merlim,
será o fim.
8
Orgema Siquim

O sol já havia se posto, e vultos de um bando de corvos passava


parecendo pontinhos sob a luz da lua minguante. Edward sentia as pernas
dormentes depois de terem andado dez, doze, talvez mais quilómetros da
floresta e as árvores rangiam a cada passo que davam, A bela jovem dos
olhos de anjo, encontrara os dois, duas horas atrás, e agora monitorava o
caminho, atrás. Ocásis estava mais a frente e de vez em quando parava em
uma árvore e dava algumas batidas como se estudasse a resistência ou a
qualidade da madeira – aquilo lembrou a Edward do professor Gregório
Dexter quando batia jaspes e rubis umas com as outras para que soubessem
a diferença só pelo som, aquela lembrança fez seu coração bombear com
mais força, seu estômago revirava só de pensar na situação das aulas que
estaria perdendo, afinal já estivera desaparecido quase oito horas – Ocásis
parou de novo em uma árvore com galhos grossos e uma casca muito
rugosa, e Anúbis continuava atrás de Edward com seu arco que prendia uma
flecha com três pontas e olhando de um lado para o outro da floresta escura,
o sol tinha se posto havia horas, a névoa emanava aos arredores, mais e
mais. Ele ouvia uivos por todo o lado, gritos de corujas, mas se achava
aliviado por saber que Anúbis estivera com os olhos atentos por todo o lado
e grudado nele, e Ocásis, curvava o pescoço de um lado e do outro e batia
de novo em uma árvore.

– Muito pensativo hein? – falou finalmente Anúbis quebrando o


silêncio, ainda com os olhos pela floresta.

– Pois é – Edward respondeu em um sussurro, sua voz tremia, fosse por


medo da floresta ou por sequer responder à jovem que olhava para ele, seus
gloriosos olhos, aqueles olhos que nem mesmo a escuridão se atrevia a
ofuscar, a luz do luar que atravessava as copas das árvores parecia obedecer
a seus caprichos – nada me ocorre para fazer, afinal de contas – ele olhou
para Ocásis – estamos andando a horas, batendo em árvores e mais árvores.
Ocásis fez sinal para se calar, e batia de novo, mas agora muito mais
astuto.

– Achei – exclamou em um sussurro – essa daqui.

Edward olhou mais de perto e notou que a árvore possuía uma abertura
circular do tamanho de um coco, a princípio parecia ser a casota de um
esquilo. Ocásis colocou a mão esquerda dentro e fazia caretas. Houve uma
pausa silenciosa à medida que Ocásis tentava tirar sabia lá o que, de dentro
da árvore.

– Anda logo com isso – Anúbis reclamou pondo o arco nas costas,
olhando para longe, além, entre as árvores – essa floresta sempre me dá
calafrios.

– Consegui!

Ocásis tirou a mão da árvore mas ela estava vazia, Edward percebeu que
ele não estivera tirando algo de lá mas sim tentando abrir – embora
impossível de se acreditar – a árvore.

Ele e Anúbis deram alguns passos em ré e a Árvore começou a mover-


se. Uma voz um pouco grave ecoou dela e Edward deu um pulo de susto.

– Ah! Quem ousa interromper minha soneca?

– Ela… ela fala – Edward estremeceu de novo com a voz fraca – ela, ela
fala mesmo, ok, isso é muito… acolhedor, de certeza – sua garganta secava –
dá para ficar pior que isso?

– Claro que ela fala – Anúbis chegava mais perto da árvore, e tocou nela
– E não é “ela”. Ele se chama Sr. Douglas.

Ocásis endireitava as mangas de sua blusa branca e atava a parte que


expunha o peito.

– “Douglas” !!?

Edward fitou os olhos para o rosto que aparecera na árvore – ele tem o
mesmo nome com o meu director.

O garoto reparou que os demais estavam silenciosos, Ocásis continuou


calado e os olhos de Anúbis começavam a marejar, brilhando à luz lunar.
– Talvez não seja apenas o nome.

A árvore moveu um galho para a frente e sua voz saiu meio distorcida,
embora grossa.

– Achei que não fosse mais ver alguém do meu Mundo.

Edward enriqueceu, seus dedos tremiam, não conseguia acreditar no


que seu cérebro o fazia pensar. Seu sangue fervia de pavor, de horror e
tristeza e confusão.

– O Senhor – sua voz saía aos tropeços – não. Como? Como…como


isso….eu não…

Os olhos do garoto se enchiam de lágrimas e começavam a cair em cada


lado do seu rosto , escorrendo pelos cantos da boca trémula e caindo em
gotinhas no chão cheio de folhas secas.

Os outros dois permaneceram quietos e Anúbis lacrimejava também.


Eles sabiam o que acontecera com ele, então.

– Não precisa chorar meu rapazinho – A árvore voltou a mover um


ramo – com certeza é primeira vez que você vem aqui. Os teus amigos não
te contaram? – ela olhava para Ocásis e Anúbis, ainda quietos.

– Eu entendo.

– O Senhor – Edward ainda não conseguia mover seu corpo trémulo e


um monte de dúvidas se formava em sua mente.

– Ele ficou assim depois da marca – Anúbis apontava para o lado direito
do tronco da árvore e havia uma borboleta negra, com uma corrente entre as
duas asas.

– O que é… essa marca ? – Edward tentava se recompor.

– Há coisas que você vai entender logo, filho – a Árvore dizia – coisas
que vão mudar você, a sua vida, como você vê o mundo, tudo muda, o
branco se torna sangue, a lua do eclipse de sangue aparece e você não é mais
o mesmo.

– eu não entendo.
– Você vai entender logo – Ocásis falou, em tom baixo e ficou mais
próximo da árvore – mas agora nós temos que ir. Não podemos fazer nada
por ele.

Edward se recusava a aceitar aquilo, ele conhecia aquela pessoa ali, o


ser humano ali. Director. Pai.

– Por que você não cura ele? – Anúbis estremeceu ao ouvir – você me
curou, por quê não faz o mesmo com ele?

– Não posso – aquilo era verdade e ela se odiava por aquela verdade –
não consigo. É como se essa magia – ela olhava para a marca – essa “ coisa”
fosse criada exatamente para o meu poder. Não posso ajudá-lo. Já tentei,
antes.

Aquilo não ficaria assim, Edward pensava, serrando os punhos. Quem


quer que o tivesse feito…

– Senha! Por favor – A árvore moveu outra vez um dos seus ramos.

Lobos e corujas urravam aos arredores da floresta escura e enevoada.

– Vale do tempo e folhas de aguapé – Anúbis exclamou e a árvore fez


que sim, e o misterioso buraco se alastrou até chegar ao tamanho de uma
porta, Anúbis avançou alguns passos e em seguida, como um raio
desapareceu, o portal aberto ali era uma mistura de azul e vermelho e cinza.
Ocásis estalou o pescoço e avançou também, antes de entrar no portal olhou
para Edward – você vai entender logo.

E desapareceu em seguida.

Antes que Edward atravessasse, a árvore fechou o portal, e o garoto


recuou alguns passos .

– Esqueci de te dizer – disse a árvores - é tua primeira vez, então uma


simples senha não é suficiente para entrares.

– O que eu preciso fazer?

– Bom! – a árvore dizia em um tom meigo – faz tempo desde que eu


estou aqui preso, e você é um aluno da minha escola conforme você afirmou
há pouco. Suponho que seja do curso de arqueologia.

– como o senhor adivinhou? – Edward parecia confuso agora.


– Ah! meu rapaz, eu fiz a mesma formação, além do mais… eu sou o
director da escola, o que você acha que eu faço em minha sala?

Sarcasmo. Mesmo amaldiçoado, seu director ainda possuía senso de


humor. Edward por um momento quis soltar uma gargalhada…

– Você é um garoto de coração puro e isto, vê-se de cara. Você terá que
recitar algo poético para mim. Faz um tempão que não ouço nada parecido
– a árvore falava em um tom agora mais baixo – estou com saudades do
mundo de fora, da minha escola, da minha…filhinha, minha querida Elisa
deve estar com saudades.

– Sem problemas senhor Douglas – Edward respondia com o coração


nas mãos – sua filha está bem, isso eu garanto.

– Fico feliz por isso, de verdade. Eu não desejo isso a ninguém. Se – sua
voz soluçava – se ao menos eu tivesse a oportunidade de vê-la novamente, se
ao menos eu pudesse me desculpar… eu daria tudo para ver minha filha
novamente, para ver minha Elisa uma última vez. Nem que por um minuto.

– O Senhor a verá – Edward chorava, e chegava mais perto da árvore e a


abraçou – eu prometo. Tentarei encontrar em uma, várias soluções,
expressando em suma as minhas emoções, que seu coração escurecido,
magoado, arrependido durma, em suáveis canções, reconstruindo-o em
pequenos corações.

Os dois permaneceram abraçados, chorando, por alguns minutos – eu


vou salvar o senhor, não sei como…mas…mas eu darei um jeito.

– Adorei, meu rapazinho do coração mais puro – A árvore falava aos


soluços – você purificou meu coração. Você pode entrar.

E o portal abriu mais uma vez, Edward já estava se afastado da árvore e


dava alguns passos para a frente, porém, parou quando Senhor Douglas
perguntou: – Por quê? Porque tentar me salvar? Nós não somos tão
próximos assim.

Edward olhou para ele do ombro.

– Somos, sim. O senhor é humano. E em um mundo maluco como


este – ele sorriu ao proferir as palavras seguintes – isso, meio que nos torna
parentes, não?
Então, entrou no portal.

Seu corpo estremecia, seu cérebro congelava, o portal era frio demais,
parecia que suas células sairiam uma após outra, abandonariam seus postos
no corpo para se salvarem do frio colossal.

De repente o clima mudou e Edward estava agora em um planalto


rochoso, seus olhos arregalados para a planície a baixo. E o que viu …

Uma cidade que jamais vira, sequer poderia imaginar na mais criativa
de suas fantasias. Como algo assim poderia existir? As casas e prédios eram
organizados em linhas e do ponto alto em que estava, observou que possuía
o formato de uma borboleta, isso porque o sol estava do outro lado da
cidade e dando um tom dourado fazendo a cidade-Borboleta brilhar, as
casas vistas dali pareciam pequenos montes de ouro. Por todos os seres
celestiais, Dim pagaria metade da vida para estar ali, isso, se acreditasse em
uma palavra sequer do que o amigo diria. Sim. Ele contaria todas aquela
loucura ao amigo, assim que tivesse a chance. Depois.

– Bem-vindo – Ocásis estava à sua direita. Ele não havia percebido,


notado ele ali. Anúbis estava sentada no chão com os braços esticados para
trás, olhando também para a cidade dourada. E pássaros ao longe voavam,
todos eles urrando, o som daquelas aves…seriam mesmo “pássaros”?

– onde estamos? – Edward se aproximou mais de Ocásis.

– Bem-vindo a Orgema Siquim! – Anúbis disse.

– Estamos em casa – Ele viu Ocásis sorrir com os olhos ao dizer – essa
é sua casa, Edward.

Nossa casa!

Nosso lar!
9
Recruta!

Ela não conseguia parar de pensar naquilo, mesmo depois de várias


sessões de banho com água morna.

Vênus estava um caos, as pessoas estavam apavoradas com os eventuais


acontecimentos. A cada dia, desde o desaparecimento do garoto tímido,
mais penas daquelas apareciam do nada e destruíam moradias. As escuras
penas que apareciam, eram maiores ainda, do tamanho de uma pessoa
média. Pelo que sabia, o desaparecimento do garoto ainda era um mistério,
e seus pais estavam na cidade, logo depois que receberam a informação.
Layla estava deitada, de costas na cama olhando para o teto mofado do
quarto, suas asas castanho-escuras, esticadas, estavam mais compridas, elas
ocupavam o restante do espaço da cama e mais, tocavam o chão. Pelos seres
celestiais, suas asas estavam enormes, poderiam crescer mais que aquilo?
Então havia outros como ela. Aquilo era um alívio. Ela não era a única “
coisa” renegada pela sociedade. Ela não sabia dizer se ficava feliz por aquilo,
ou preocupada com o fato de que alguns deles não possuíam boas intenções,
que alguns deles estavam atrás do livro em sua cabeceira, ao lado. Demorara
um tempo, semanas, desde que ela sentira a energia do objeto na biblioteca
do prédio e quatro dias depois, sumira completamente. Seu desejo por
achar alguém como ela, a fez procurar por aquilo diante dela, ela tinha
sentido que se achasse o livro e quem quer que o tivesse levado, roubado,
achado, sua ânsia se reconfortaria, ela teria respostas para todas as suas
questões. Embora os papeis deixados por sua mãe, antes morta, explicassem
parte da história, não era o suficiente. Ainda haviam lacunas por preencher,
faltavam peçam no tabuleiro.

… Queria que tivesse tido mais tempo…


Oi, filha!
É a mamãe!...
Mas onde estariam eles? Pensou, as pessoas iguais a ela? Quando tinha
chegado a cidade, ela sentira também a energia, magia, seja lá o que aquilo
fosse, passando pelo céu, ao longe, como um pássaro. Mas ela sabia como
era ser vista de lá, voando, passando pelas nuvens. E ela sabia, aquilo não era
um pássaro brilhando à luz do sol-nascente, era alguém. Alguém como ela.
Ela pensara em segui-lo, mas as pessoas ao redor perceberiam quem, o que,
ela era. Então deixou, esperando vê-lo novamente. Porém isso nunca
aconteceu. Então, onde estariam eles?

Ela sabia que o mal, atrás do livro, atrás da pessoa com o livro, era
como ela. Mas ela não sabia dizer se gostaria encontrá-lo. Que a encontrasse.

No final, sua babá, a havia achado novamente, haviam se encontrado,


ali, no fim do mundo. E ela, graças aos céus, achara o livro, pouco antes de
um dos garotos, na tarde do sumiço do garoto tímido, ter encontrado, ao
procurarem por ele. Então Sara sabia de tudo, ela recebera ordens de sua
mãe, para que cuidasse do bebê alado, e que a protegesse com a vida se
fosse preciso. Mas depois de ela ter percebido que Layla poderia se cuidar
sozinha, ela partiu, sem muitas explicações. Ao que tudo indicava, sua
missão era cuidar de outra pessoa.

O garoto tímido, sumido, Edward, era como ela? Entretanto, como ela
não notara das vezes que ele e o outro irritante, que não aparecera mais na
escola desde o sumiço do amigo, vinham ter com ela? Poderia ele ocultar
assim tão bem sua magia? E se fosse, quais seriam seus planos? Ele sabia,
então, sentira de alguma forma que ela possuía magia, também?

Se tudo aquilo fosse verdade, então, onde ele estaria naquele momento?

Mas aquilo tudo não fazia sentido, de todo modo. Pois, mesmo Sara, a
pesar de tê-lo observado por um tempo, nunca mencionara sobre nada
anormal para ele, como fizera com ela, pois ela já manifestava suas asas
desde seu nascimento, porém, o garoto tímido, Edward, nunca tinha
manifestado nada, segundo a babá. O livro, no entanto, era inútil, no
momento, pois não reagia a nada do que ela fazia, suas páginas amareladas e
velhas estavam coladas, seladas, entre si por algum tipo de magia, um
encantamento, supôs, à exceção da primeira página, que conseguia ver, a
imagem de uma espécie de floresta, como uma gravura, porém, ela poderia
jurar que as copas das árvores enormes se moviam, aquilo lhe passou
arrepios por toda a extensão do corpo, as enormes asas reagiram também.
Mas ela precisava achar um jeito de abrir o restante das páginas, de saber o
que o livro era. Precisava da ajuda alguém. E conhecia exatamente a pessoa
certa para aquilo.

¢
A cidade de perto era ainda mais encantadora, quando passavam entre a
multidão. Uma senhora gritava de um lado e de outro em sua barraca –
capacete de viking novinho a sair, apressem-se não tenho o tempo todo
minha gente, mas que belo rosto você tem – falou ela e Edward corou ao se
aproximar e perceber que não era uma senhora, a pesar das roupas dizerem
o contrário, e o mesmo capacete na cabeça era de Ferro igual ao que possuía
nas mãos e tinha cornos pontiagudos de bronze.

– O que você está olhando rapaz? Eu estou falando de Ocásis – a


Senhora, jovem agora, fungou e olhava com desgosto e desconfiança para
Edward e ele ficava envergonhado por seja lá qual fosse sua culpa.

Ocásis se aproximou da bancada, o sol cobria tudo ao redor, de um


dourado que seus olhos jamais puderam imaginar. O jovem dragão disse: –
pega leve com ele Sila, assim o nosso visitante vai querer voltar.

Edward levou um susto quando observou a jovem de olhos cinzentos


derrubando um sistro e o objeto caiu da bancada, a lâmina metálica
recurvada quebrou.

– Ele veio do Mundo de fora? Você…você é um Salim também.

Edward curvou de leve os ombros quando Sila o encarou mais de


perto com os olhos semicerrados.

– A propósito – a jovem comerciante endireitava o capacete em sua


cabeça – recebi informações do continente.

Ocásis fez um movimento com as mãos, dizendo que teriam aquela


conversa depois.

As pessoas passavam e falavam por todo o lado. Aquele lugar era o céu
na terra. Era inacreditável. Uma menininha de cabelos como o fogo e
cheios chegou a bancada olhando em volta, ao dizer:
– Vou querer um perfumador, senhora Sila – a menina apontava para a
tigelinha de metal banhado a ouro com pegas curvadas e um cristal sobre a
tampa.

– Olá, para você também, Sannie – Anúbis franziu a testa – por que
você precisa de um perfumador?

– Para a coleção – a menina de cabelos vermelhos como chamas saiu


correndo, depois de olhar com curiosidade para Edward – vemo-nos por aí,
recruta.

O garoto virou-se para Ocásis que coçava os cabelos que ganharam um


leve tom amarelado a luz do sol-poente.

– Por que todo mundo acha que eu sou seu recruta?

– Bom, acontece que…há algum tempo eu era líder de uma organização


que fazia pesquisas aos arredores de Orgema. E as pessoas ainda acham que
estou realizando tais atividades novamente.

Aquilo era mentira. Anúbis o chamara exatamente daquela forma,


quando o haviam achado, na floresta.

– Orgema? – questionou Edward – é esse o nome daqui?

– Orgema Siquim – interpelou sila, vendendo cabeça de chacal de


bronze para um outro jovem e com uma caneca escorrendo cerveja. O
jovem dragão prosseguiu: - A borboleta dourada.

os três desciam a rua a medida que Ocásis cantarolava – Neste exato


momento estou imaginando, o que deve estar passando por sua cabecinha,
mas vou resumir pra você. Em primeiro lugar – ele indicou para o grupo de
jovens, todos eles com vestes verdes, na rua a direita um pouco a frente –
aqueles senhores não estão de verde. Aquelas roupas, são azuis. É, eu sei,
pode parecer confuso para você, mas – o jovem dragão fez um gesto para o
Oeste, além, onde as moradias de pedra e madeira não eram tão altas, e o
Sol estava à vista – aqui, em Orgema, muitas das leis do seu mundo e de
outros mundos como o que acabamos de sair, são totalmente quebradas. O
azul e o amarelo aqui não se misturam formando verde, ao juntar essas duas
cores você vê simplesmente o azul e o amarelo ali, não uma cor nova, verde,
no caso. Neste lugar as cores existem por si só, sem aquela coisa toda que
vocês fazem lá no vosso mundo para descobrirem outras cores.
O garoto olhou de novo para o grupo dos jovens naquela rua. Num
segundo estavam com roupas verdes, no outro, como um truque de mágica,
as jaquetas, botas e sandálias de todos o jovens estavam de um tom azul.

Anúbis passou na frente dos dois, e seu rosto sobre aquela luz da tarde,
estava tão brilhante que faria cegos olharem.

– O que Ocásis está querendo dizer – disse – é que seus olhos estão se
adaptando a esta realidade. É uma bênção dos deuses você não ter visto o
céu de verde. Quando cheguei aqui da primeira vez, acredite, achei que o
céu fosse um milharal – Edward de uma leve gargalhada ao imaginar aquela
cena. Mas ele perguntou, sua dúvida fazendo seu corpo arrepiar, quando
entravam em uma casa de pedra e madeira, igual as demais da cidade:

– Desde que saímos por aquele portal, andamos horas até chegar aqui.
Desde a praça até aqui, já se passaram cerca de trinta minuto. E o sol, ainda,
está exatamente naquela mesma posição. Não se moveu um centímetro
sequer.

Os outros dois garotos trocavam olhares e davam rizadas. Mas foi outra
voz que respondeu.

– É porque o sol em Orgema, não se põe.

Era a menina dos cabelos de fogo da praça, Sannie – não contaram isso
para ele?

– O quê? – Edward precisou do dobro do ar em seus pulmões para


absorver aquilo.

– Por acaso, por que acha que o nome da cidade é Borboleta Dourada?

Desta vez foi Ocásis que respondeu: – Quase me esquecia desse


pormenor. Orgema Siquim é uma cidade com cerca de quatro mil e
oitocentos anos, criada pelo próprio Merlim, ele a tornou oculta do resto do
mundo, pouco antes de seu descanso eterno. As histórias contam que o
motivo seja porque ele quis um lugar só para ele e sua amada. Mas ninguém
sabe a real história, ninguém sabe sequer se ele tinha uma esposa, ou…uma
única.

– Isso é incrível! – disse Edward, sarcástico – mais algo que eu precise


saber?
– Saberá, logo. Por hora, descanse. E tire essa droga de meias com
sandálias.
10
O mal se aproxima, Layla!

– Alguém a viu entrando?

– Não – Layla respondeu, seus olhos castanhos como o mel, cautelosos,


diante do homem com as vestes habituais, sentado na escrivaninha da sala
do diretor. Aquela realmente teria sido a melhor escolha? Era uma aposta
muito, muito arriscada, porém, não poderia contar com mais ninguém
daquela cidade, afinal, o homem a ajudara a ingressar-se na turma e a tentar
socializar com os colegas. Embora sem sucesso.

– Ótimo! – disse, por fim, fazendo um gesto para que ela se sentasse na
cadeira a frente da escrivaninha. Ela o fez.

– O senhor disse para que o procurasse caso precisasse de sua ajuda…

– Claro – sua voz grave, porém, serena, mostrava que ela poderia confiar
de verdade no homem.

No dia do primeiro incidente das penas negras, logo depois de salvar


uma estudante que estava junto com ela na biblioteca e a professora Cármen
a levar a ala hospitalar, ela viu no olhar do homem a sua frente, ele sabia do
que estava acontecendo. Ou pelo menos de alguma coisa. Então ela podia
confiar. Não tinha outra escolha.

– Você trouxe?

– Sim – ela pensou por um momento, mas cedeu e tirou da bolsa preta
que trazia consigo naquele dia a escola. Os olhos do Professor Gregório
Dexter maravilharam-se diante do objeto.

– Ele é real mesmo!

– Achei que o Senhor pudesse, de alguma forma…

Ela colocou o livro diante do professor. Os olhos do professor se


maravilhavam ainda mais.
– Ajudar com o encantamento? – interrompeu ele.

Então ele sabia mesmo da existência do livro. Ou pelo menos,


suspeitava. Ele continuou:

– Isso – ele segurou no livro, ainda não acreditando – prova exatamente


todas as minhas pesquisas.

– O senhor já procurou por ele, o livro?

– Por longos anos da minha vida, muito antes de me formar em


Arqueologia, eu era um jovem sonhador e inquieto, sempre querendo
atender as respostas do “porquê?”. De alguma forma eu sabia, eu sentia que
a vida, o Universo, não era só isso a nossa volta – ele passava as mãos na
capa dura e avermelhada do livro – havia mais, muito mais, outras terras,
outros mundos, outras criaturas.

Ela pensou por um momento em revelar que ela era uma prova viva de
tais criaturas…

– Então o senhor acredita mesmo que pode haver…

– Criaturas mágicas? Sim.

Aquilo fez o coração da jovem saltar do lugar.

– Certo dia, em meu quartinho – o professor continuou a história –


quando estava dormindo, em meu sonho o vi, não era um sonho, uma visão,
deste mesmo livro – ele agora olhava diretamente para a garota – os seres
celestiais de alguma forma atenderam às minha preces por uma prova.

– E o senhor não quer saber como consegui o livro?

– Isso não importa – o professor recostou-se novamente na poltrona


cinza – Pesquisei muito sobre esses mundos, sobre outras dimensões e – ele
abriu a primeira página do livro, o som da capa dura tocando a superfície da
escrivaninha passou pelos ouvidos da jovem atenta nas palavras do homem
robusto – ah! Eu sabia!

– O quê?

Layla curvou mais para frente para observar onde o indicador do


professor estava.
Na gravura.

– Isto, é um portal.

– Um portal ?

– Sim – o professor coçava o bigode enquanto olhava para a gravura –


você percebe como as árvores estão se movendo? Este é um lugar, uma
outra terra. O garoto - ele parecia olhar para o nada, depois para ela – você
disse que desapareceu em seu quarto, e a empregada encontrou o livro
aberto.

Layla concordou.

– Pelas barbas de Merlim! Isso é fascinante! – o professor se divertia


com aquilo – o garoto precisou de um objeto, alguma coisa carregada de
emoções o suficiente para que a página do portal abrisse para ele.

Então é lá onde Edward estava, pensou a garota, naquela floresta,


naquele mundo. Ainda era difícil de acreditar, mesmo com tudo
acontecendo em Vênus.

Layla batia a bota castanho-escura no chão de pedra, olhando para o


jornal em uma outra banca no canto, nele destacado sobre uma imagem a
preto e branco de uma casa com metade do telhado destruído:
A CIDADE DE VÊNUS NUNCA ESTEVE TÃO APAVORADA. EM LUGAR
ALGUM NO MUNDO ALGO ASSIM TINHA ACONTECIDO ANTES E APESAR
DOS ATAQUES DAS PENAS SOBRENATURAIS SAINDO DOS CÉUS TEREM,
CONSIDERAVELMENTE, REDUZIDO, ALGUNS CIDADÃOS ESTÃO SE
MUDANDO PARA CIDADES VIZINHAS…

A POLÍCIA AINDA INVESTIGA…

– O que o senhor quer dizer com isso?

O professor procurava algo em sua pasta velha, que estava ao lado de sua
poltrona.

– O que estou tentando dizer – ela ouvia as coisas ali dentro, canetas,
chaves e um monte de outras tralhas sendo reviradas na pasta – é que o livro
reage a objetos poderosos, mágicos – o professor retirou da enorme pasta
um caderno, igualmente velho – e seu antigo portador, seu criador na maior
das hipóteses, deveria ser doptado de grande magia – ele olhou para a jovem
– e neste mundo, Senhorita Miller, o único traço existente de magia – o
olhar da jovem se prendeu no caderno, nas mãos do homem – são as nossas
emoções.

O professor deu um enorme suspiro que fez seu corpo arquear – Este
caderno é meu bem mais precioso, nele estão minhas pesquisas que, até
então, eram meras ilusões, fantasias malucas em minha mente.

Layla observou o professor folhear aquelas páginas, algumas delas


amarrotadas, e em uma delas estava a foto de três pessoas. Com certeza os
traços do garoto eram semelhantes ao do pai. Era sua família, seu filho e sua
esposa naquela foto. Aqueles rostos felizes fez seu peito encolher, se aquilo
era inveja, então Layla se odiaria para sempre.

O professor continuou – se eu estiver certo, este caderno deve abrir uma


página, pelo menos.

A jovem ficou tensa, quando o professor colocou o caderno velho sobre


o Livro de Merlim. O homem naquela escrivaninha fechou os olhos. Por
todos os seres divinos, como alguém poderia ser tão empenhado assim? Não
era um senhor à sua frente, aquele homem, era o jovem de muitos anos atrás
lutando por seu sonho, por uma prova que fosse, o homem estava tão
concentrado, que Layla não sabia o que passava em sua mente. Por três
longos minutos o único som que se ouvia era dos alunos se apressando para
entrar nas salas. Por sorte ela teria Geologia 2° grau, então não havia
problemas.

O professor abriu os olhos, a decepção estampada em seu semblante.


Dera errado. Nada aconteceu.

– Eu não entendo – o professor dava outro suspiro, o rosto severo – não


compreendo, era suposto ter resultado.

Layla sentia pena do professor. Ela não entendia o que se passava na


mente do homem, mas podia ver a dor em seu rosto, como uma experiência
malsucedida, uma melodia mal tocada, uma música mal cantada. O
professor merecia ao menos uma prova de que o livro, o que ele continha, o
portal naquela página aberta, tudo aquilo, era real, não só para o professor,
mas precisava provar para si mesma que aquilo tudo era real, que a pesar do
fracasso, ainda poderia contar com o professor naquele pesadelo de vida.
– Isso foi uma perda de tempo – o professor suspirou uma, duas, três
vezes, o olhar distante – guarde o livro. Precisamos ir à sala de aulas.

Layla sentiu uma dor em seu peito ao receber o livro das mãos do
professor, quando ela falou, por fim:

– Eu sou um Salim.

Gregório Dexter olhava para ela parando de coçar o bigode por um


momento, mas A jovem continuou. – Eu não sou, completamente humana –
sua voz era quase inaudível. Um monte de suposições pareciam passar na
mente do homem. No entanto nenhuma surpresa em seu semblante.

– Por quê demorou tanto em contar?

Ele sabia, então. O professor continuou, e ela sentiu seu belo e moreno
rosto corar diante daquilo. Ela estava tentando ser cautelosa, mesmo depois
de o homem ter se mostrado confiável desde o início. E ela se odiava ainda
mais por aquilo.

– Desde o dia que você salvou a outra senhorita na biblioteca, os


incríveis salvamentos da misteriosa mulher alada, você ter me contactado
por conta deste livro – ele deu uma leve olhada para o livro nas mãos da
jovem – para alguém tão esperta, você me decepcionou.

A jovem fez um gesto com os ombros, uma voz divertidamente culpada:

– O que eu poderia fazer?

O professor deu um leve sorriso, as leves rugas nos cantos dos olhos
contraíram. Mas seus olhos voltaram a ter aquele brilho de antes, então
disse: – Isso muda tudo.

– O que o senhor quer dizer? – Ela não conseguia entender aonde o


homem queria chegar, os alunos à sala estariam a sua espera, pensou ela,
mas o professor não parecia se importar.

Quem diria!
– É bem provável que o garoto tenha aberto esta página – ele pegou de
volta o livro das mão da jovem – não apenas por ele ter utilizado algo
fortemente poderoso, mas – ele olhava para a garota – talvez porque ele
tinha de alguma forma uma conexão com o livro. Por Merlim – exclamou –
e se o garoto não desapareceu por acaso? E se ele foi transportado pelo
próprio livro e através dele?

– Neste caso – a jovem se aproximou mais da escrivaninha – o livro


talvez tenha consciência própria, que se manifesta ao ser estimulada por um
objeto poderoso…

– E? – o rosto do professor parecia brilhar ao esperar a jovem terminar o


raciocínio. Edward era um Salim então, por isso o livro reagira a ele, e de
alguma forma quis que ele estivesse naquela floresta, naquele mundo,
naquele exacto momento, por isso o transportara até lá, para achar o que
quer que fosse ou …quem. A jovem completou, então:

– E alguém que tenha conexão direta com o livro.

O professor deu uma leve batida na superfície da mesa.

– Exacto!

O coração da jovem relaxou por um momento. O professor continuou:


– Significa que você, Senhorita Miller, pode abrir uma outra página. Você
tem um objecto valioso com você?

Ela observou as pupilas dos olhos velhos do senhor se dilatarem.

– Eu tenho… – ela retirou dois papeis que carregava consigo em todo o


lugar, da bolsa – minha mãe deixou-os para mim, antes de ela – as palavras
ali escritas passavam pela mente dela como uma cantoria.

Queria ter tido mais tempo!


– É a única coisa dela que eu possuo.

Oi, filha! É a mamãe!


– Vai servir.

O professor empurrou o livro de Merlim para ela, que colocou, em


seguida, os dois papéis sobre ele. Suas mãos por cima destes, então fechou
os olhos.

– Agora – ela ouvia a voz serena e grave do professor – concentre-se,


senhorita, Miller. Deixe sua mente aberta, pense, pense nela, em sua mãe.
Imagine, sinta ela proferir as palavras escritas nestes rabiscos. Você consegue
ouvi-la, você pode sentir, ver ela escrevendo – e naquele breu em sua mente,
a imagem de um hospital se projetou, e lá estava ela, sua mãe, junto Sara ao
lado da cabeceira onde a mãe estava encostada, os dedos ossudos e a pele
igualmente morena, escrevendo para a filha nos braços da empregada, a mãe
chorava, pois ela sabia, sua hora estava próxima. Porém, o quarto girou e
tudo voltou naquele escuro inicial, ela não percebeu o professor gritando,
chamando por ela, sacudindo-a, ela sentiu as mãos sobre os papéis, sobre o
livro, esquentarem, ela sentia as palmas queimarem, a mesa diante dela
tremer. Ela abriu os olhos. E retirou imediatamente as mãos e os papéis da
mãe do livro, quando viu.

Não era apenas a mesa que tremia, mas toda a sala estava vibrando. Ela
percebeu o pavor nos olhos do professor, que olhava para a página
amarelada aberta do livro, uma nova página se abrira, percebeu
imediatamente a jovem acompanhando olhar do professor. A página
totalmente vazia começou a ganhar rabiscos pretos.

– O livro – o professor conseguiu por fim dizer alguma coisa – está


tentando nos dizer alguma coisa.

E as letras grossas e escuras, parecendo serem escritas com pincel e óleo


se formavam.

ELE ESTÁ VINDO…

As enormes palavras se repetiam.

ELE ESTÁ VINDO...


ELE ESTÁ VINDO...
ELE ESTÁ VINDO…
As palavras eram repetidas outra vez, e outra, e outra…

– Quem está vindo? – a jovem perguntava para o livro com uma voz
baixa – Quem está vindo? Anda! Me diga!
O MAL ESTÁ A CAMINHO VOCÊ PRECISA AGIR LOGO ENCONTRE
ELE ENCONTRE OS OUTROS…
ENCONTRE OS OUTROS… ME
LEVE…
ME LEVE PARA EDWARD!
Layla sentia literalmente a comida se revirar no estômago, seu sangue
fervia, e ela enjoava diante do medo que emergia de seu interior. Ela
perguntou de novo, a voz trémula: – Me diga! Por favor! Quem está vindo?
Anda! Me diga!

Então, outra página se abriu, e uma nova sequência apareceu. O


professor quase desabou, ao ver o nome ali escrito, pouco antes de fazer
aquela página pegar fogo, quando ela leu:

DAREN, ESTÁ VINDO…


DAREN, ESTÁ VINDO…

E aquela página desapareceu, consumida por chamas azuis.


11
O presente de Anúbis

Ocásis virava e revirava as páginas enrugadas de seu livro por acabar


fazia décadas. Parecia que toda vez que achava ter a inspiração perfeita para
seu término, novas pessoas surgiam em sua vida e mais tarde morriam, era
sempre assim. Aquilo o obrigava a reescrever e reescrever montes de vezes
até ter conhecido melhor sobre seus poderes e a possibilidade da existência
de outros e conhecer também a princesa foragida. Sua inspiração delicada e
divina. Até então a história se desenrolava fluidamente com o título apenas
como o único problema. Ele tinha problemas sérios em escolher o título
perfeito para aquelas páginas brancas acinzentadas em seus dedos
igualmente brancos. Desde “Salins: para sempre”, “Salins: o princípio”, “ Salins:
contra o mal”, “ Salins: o mal de preto e cinza”, ' Salins: mal versos bem” e “Salins:
a princesa Anúbis” antes destes. Ainda haveria um caminho longo a se
percorrer, então. Um minuto depois guardou os preciosos papéis na enorme
gaveta ao lado da cama. E desceu para a sala, onde os demais estariam.

¢
Era questão de tempo, semanas, dias talvez, até que o mal descobrisse
Orgema e achasse uma forma de entrar nela. O que acontecera com
Douglas Osmar era prova o suficiente de que estariam tentando entrar de
alguma forma. E o garoto, Edward, ele não sabia qual era sua magia,
precisava despertar o quanto antes, apesar de não saber, Ocásis conseguia
sentir que era um poder único, imprescindível na batalha contra o mal que
se aproximava. No entanto, quantos seriam? De toda forma, o livro de
Merlim já estaria nas mãos do mal. Seria imprudente ir atrás, sem nenhum
plano mapeado. Embora Ocásis sendo incrivelmente poderoso, não poderia
subestimar o inimigo desconhecido, e o fato de ele ser o mais poderoso, o
impedia de agir, ele precisava proteger seus companheiros, precisava
proteger Orgema. Mas, dependendo do número dos Salins inimigos e o
tamanho, o tipo de seus poderes, ele não conseguiria detê-los somente com
a ajuda de Anúbis, fora o fato de que ela não possuía poder de fogo, além
das flechas de Anila e a comunicação com os animais e outras criaturas, seu
forte era cura, e não na ofensiva. Embora sem magia, Edward precisava de
algum tipo de defesa. E ele precisava encontrar mais algum Salim naquele
vasto Universo, mas onde poderia ele ou ela estar? Quando passava pelos
céus do mundo de Edward, ele sentira magia algures, naquele aglomerado
de pessoas, e podia jurar que alguém o olhava de lá. Seria lá então onde ele
ou ela estaria? Mas no momento não seria possível procurar por ela, sua
última reserva de magia para passar para outro mundo tinha se esgotado
quando tirara Edward da zona espaço-tempo. Precisava de tempo para
recarregar. Quando passavam pela praça, Sila o notificara sobre informações
do mundo de fora, pelos vistos Vilkas fora deixada sob os gritos de
moradores e visitantes, Nero, dissera ela, e mais duas entidades teriam
destruído metade da cidade por meros caprichos. Então até onde sabia, Os
Salins inimigos seriam três, aproximadamente, e seriam assombrosamente
fortes. Aquela marca negra parecendo a borboleta de Orgema, acorrentada,
que transformara Douglas Osmar em uma árvore...Entre eles haveria alguém
com habilidades tão assombrosas assim? Quais seriam suas demais
habilidades, que magias demoníacas eles possuíam?

Por algum motivo, quando o garoto desatou para dentro da floresta


dos galhos cantantes, quando o a besta do pântano o atacou, Ocásis sentiu
sua magia se agitar, como se o garoto inconscientemente tivesse enviado um
pedido de ajuda, o mesmo tivera acontecido quando estava na zona de
espaço-tempo. Então sua magia do garoto já estava se manifestando, embora
aos poucos. Só precisaria de um empurrão.

– O que fazemos, agora?

O garoto vestia algumas de suas roupas antigas que já não lhe cabiam.
Calças pretas que contrastavam com seus cabelos, por Arcas, o garoto tinha
um cabelo horrivelmente desajeitado, sua camisa cinza virgem.

– Agora – respondeu Ocásis, por fim – treinamos você.

¢
– Você já deve ter percebido também que em Orgema só existe jovens –
disse a menina Sannie a Edward, enquanto passavam entre as últimas
pessoas, saindo da cidade passando pelas casas de cristal verdes e avistando
uma paisagem igualmente dourada, mas foi para a direita, depois de algumas
árvores que os dois adentraram.

– Ah, deixa adivinhar – o garoto indagou – velhos aqui não existem!?

A menina possuía sardas em seu rostinho branco com a neve, seu


casaco de pele e o colarinho branco eram açoitados pelo vento junto as
gigantes árvores ao redor.

– Não nesse sentido. Acontece que ao chegar na fase entre os trinta, e


trinta e três anos, você simplesmente deixa de envelhecer, você apenas bate
as botas quando sua hora chega.

– Tenho duas perguntas que não me deixam sossegado – Ele levou a


mão ao queixo, para dar mais ênfase. A menina de cabelos vermelhos como
o fogo olhava directamente em seus olhos, o semblante levemente curioso.

– Então? Pergunte, recruta.

– Primeiro, para onde, infernos, estamos indo? – as gigantescas árvores


pareciam cochichar à medida que por elas passavam – Em segundo, se o sol
aqui não se põe, como poderiam vocês saber que amanhã, é amanhã?

A menina permaneceu quieta por um momento, olhando para cima,


nas árvores, enquanto caminhavam na vasta floresta que deixava escapar
pequenos raios de sol. E disse:

– Primeiro – ela levantou um dedo – Ocásis precisa que treinem você,


pois o mal ou algo assim está a caminho em busca de sei lá o quê e
provavelmente vocês, Salins, são os principais alvos nisso tudo – ela levantou
outro dedo – segundo, você pergunta demais, onde você tira todas essas
perguntas? Uma hora você pergunta se aqui chove, ou se as pessoas aqui
dormem.

Aquela pergunta realmente era a outra que ele faria em seguida…

– No meu mundo, chamamos isso de Ciência!

A menina debochou com uma gargalhada.

– Por isso morrem cedo e envelhecem, coitados.

Insistência seria uma perda de tempo, então. Afinal ele estava


discutindo com uma menininha, ela deveria ter o quê? Uns doze anos?
Ela pareceu ler a pergunta em seus olhos quando disse:

– À propósito, eu tenho dezoito. Isso me torna sua mana, recruta.

– Mas o que estamos exatamente fazendo no meio desta floresta?

– Ainda não percebeu, né? – Sannie inclinou o rosto para ele – Você já
está sendo treinado, querido.

Por mim.

¢
Anúbis olhava para os Minarins, aquelas grandiosas e lindas criaturas
que voavam ao Sul de Orgema, sentada, do ponto mais alto da cidade.
Sempre pedia para que Ocásis a levasse àquele lugar sagrado, por cima da
cabeça com uma milha de diâmetro da estátua colossal do criador daquele
mundo incrivelmente perfeito, a estátua de Merlim, o primeiro Salim. O
Salim original. Construída pelos primeiros siquinianos sob a iluminação dos
céus, séculos atrás. Ocásis a carregava sempre que pedia, com suas asas de
dragões há muito esquecidos, pelo menos tais criaturas esplendorosas eram
lembradas no Continente Norte, sua terra, ela ainda nunca havia ido naquele
lugar, mas pelas histórias lidas por sua mãe, a Rainha-elfo, no castelo branco
– “graças a Anila” que ela não herdara as orelhas pontiagudas da mãe – os
enormes crânios das bestas descansavam em Vale dos Ossos, uma região
assombrosa que fazia até mesmo as Senhoras do encanto serem meras
fantasias para amedrontar crianças, mas Vale dos Ossos era um mistério
total, as diversas raças e reinos evitavam a todo custo passar naquela área do
continente Norte. Com certeza pelas histórias e criaturas que aquele lugar
possuía, qualquer um em sã consciência rezaria para a deusa da perfeição
que a livrasse do destino de lá um dia chegar.

– No que está pensando, princesa? – ela nem mesmo percebeu que


Ocásis ainda permanecia em seu lado parecendo o gigante de pedra. Sua voz
era o som doce e aconchegante da manhã em meio a cantoria dos pássaros.

– Apenas ouvindo eles cantando. Minarins são tão inteligentes quanto


humanos e mais um pouco, sabia?

O rapaz se aproximou mais dela que Anúbis conseguiu sentir a


quentura emanando de seu belo corpo.
– Saberia, se pudesse conversar com eles também.

Sem informações sobre o que estava acontecendo em Reino do Primor,


Ocásis era tudo para ela, desde aquele primeiro encontro em terra
desbravante, já fazia dois anos, dois longos e lindos anos de liberdade, de
alegria e companheirismo, pois era assim que Anúbis o considerava. Seu
companheiro, seu protetor e ela sabia que Ocásis a olhava daquela mesma
forma, sentia a forma como cuidava dela, a deixava segura, calma, e de certa
forma… livre! Livre como nunca fora antes. Uma princesa com um destino a
cumprir. Ela não seria aquele tipo de pessoa, faria seu próprio destino, com
ele, com Ocásis. Que se lixassem as tradições de família, que se lixasse seu
destino, pois ela construiria um novo, e ele estava bem ali. Embora o pesar
da culpa em seus ombros a corroesse por dentro. Anurim como nova
sucessora ao trono com certeza faria de reino do primor o mais glorioso do
mundo, como tem sido e sempre fora, por séculos. Quando a veria de novo,
quando voltaria para sua terra natal, Anúbis não sabia dizer. Era incrível
como Ocásis era atencioso com ela. Porém mesmo tendo notado sua
expressão mórbida, ela não poderia contar para ele. Aqueles sonhos, aqueles
pesadelos enquanto dormia, o ar gélido, o som sufocante de correntes sendo
agitadas, outra e outra vez. Aquilo, a coisa responsável por transformar –
amaldiçoar – o senhor em um dos portais para Orgema estava vindo atrás
dela também, não como um de seus inúmeros alvos já amaldiçoados,
identificados em diversas regiões, um gato ciclope, um jarro, uma família
inteira transformada em centopeias, uma vassoura e uma árvore, até então.
Mas ela sentia de alguma forma que a coisa, a pessoa, por trás de tudo aquilo
queria ela, unicamente ela, para possuí-la, para… matá-la. Sim. Era instinto
assassino vivo naqueles sonhos, e toda a vez que a coisa tentava segurá-la,
ela acordava, e era sempre assim. Em todos os sonhos.

Ocásis pegou em uma das centenas de pedras brancas ao redor e


atirou, para baixo, quanto tempo duraria até alcançar o superfície mais
abaixo, ela não sabia dizer. Aquele lugar poderia muito bem ser o ponto
mais alto de todos os mundos.

– Sabe o que Sannie deve estar dizendo neste exato momento para
Edward?

– O quê? – Anúbis perguntou, ainda olhando para as belas criaturas


rodopiando no céu, ao longe. Um pouco mais abaixo. Duas delas brincavam
e rodavam o enorme livro de pedra que flutuava sobre as mãos de seu
criador.

– “Quando o Sol se puser, você descansa”.

Uma pausa.

Um segundo depois ela olhou para Ocásis, antes de soltar uma


gargalhada, cobrindo o olhos, ao dizer: – É, é exatamente isso que ela está
dizendo. Isso foi golpe baixo, até para você, Ocásis.

Mas o jovem continuou:

– O que o siquiniano disse à sua amada?

– O quê? – Anúbis perguntou, limpando os olhos.

– “Os teus olhos são tão lindos quanto estrelas no céu”.

Outra rizada escandalosa. Mas desta vez o próprio Ocásis soltou


primeiro.

– Pare com essas…

– Piadas sem graça de Orgema, é, eu sei – uma pausa – mas não deu
para segurar, desculpe. É tão hilário!

Ocásis a fazia sorrir sempre que ela parecia abatida, e aquela era a outra
das tantas coisas que ela admirava nele. Ele a faria sorrir mesmo no mais
escuro dos mundos.

– Não faz sentido um Siquiniano nato dizer essa frase, nê ?

Ela olhava diretamente nos olhos dourados de Ocásis quando ele


chegou mais perto, roçando em seu antebraço.

– Mas faz sentido eu dizer para você – Anúbis sentia o sangue correndo
por cada compartimento de seu corpo, o peito formigava, os pelos dos
braços macios e pequenos ficavam em pés. Mas sorriu ao dizer:

– Porque não somos originalmente de Orgema e conhecemos o mundo


que escurece?

– Não! – Ocásis olhou para o céu, como se pudesse ver as estrelas


naquele véu infinito.
– Então, porque faria sentido dizer para mim?

– Porque eu não estaria mentindo.

¢
Suas palavras eram sinceras, o rosto pardo angelical de Anúbis parecia
ser feito de luz e fogo e estrelas, milhares delas concentradas em um único
lugar, ele não se cansava de apreciar aqueles olhos imponentes, ninguém se
cansava. Os cabelos vermelhos como rubi incrivelmente compridos, mais
compridos do antes, pois ela os soltara do rabo-de-cavalo, engoliam ela
inteira e mais um pouco e duas tranças circulavam a cabeça parecendo uma
coroa de sangue vivo. Ocásis adorava ouvi-la rir, cantar, por todos deuses!
Tudo naquela garota era perfeito. Este pensamento soava irônico, pois era
exatamente daquela forma que as demais pessoas o olhavam, também.
Ambos observavam a minúscula cidade que aparecia por baixo, do ponto
mais alto do mundo, pois a estátua de Merlim seria tão alta que levaria
semanas, talvez meses, para homens chegarem ao cume, escalando. Era uma
tarefa praticamente impossível e isso fazia daquele lugar, único, só do jovem
amaldiçoado da tribo dos caçadores e a princesa foragida de reino do
primor. Entretanto, mesmo de tão longe Ocásis conseguia enxergar toda a
complexidade da cidade dourada, desde os telhados amarronzados que
eram mais notáveis no centro, as casas de cristal azul como o mar e verde
brilhantes dos senhores mais ricos nas periferias da cidade que preenchiam
todos os contornos da mesma em alas gigantescas de verde e azul seguindo
aquele mesmo padrão, os prédios brancos de mármore pareciam neve
cobrindo a região sudeste, o antigo grupo de adolescentes rebeldes que
agora usavam vestimentas azuis como símbolo de força e revolução, os
imensos jardins com as mais belas flores que possuíam uma única cor para
cada ponto da cidade e que davam aquele aroma único de Orgema e
absorviam toda a poluição da fumaça por vezes causada pelos moradores, os
pequenos rios cristalinos que serpenteavam inúmeras áreas como uma teia
pareciam finos espelhos reflectindo a luz serena que saía do enorme astro
imortal ao Sul, de frente a estátua colossal de seu criador. Com o passar das
décadas, várias alamedas de árvores vermelhas cobriam grande parte do
gigante livro de pedra que flutuava por magia ancestral dada aos antigos
homens, um pouco mais abaixo que pareciam banha-lo de sangue. Mas sua
atenção fora roubada pelo som metálico que vinha da jovem. Ele reparou no
objecto de prata que era percorrido por minúsculas joias com uma maior,
uma Ametista, no centro.

– Para você ! – ela disse, a voz meiga, sua pele como o mel parecia se
casar com a luz dourada do Sol em frente.

Era um colar.

– Porque está me dando? – Deveria ser uma joia da família real, ele
percebeu aquilo pela forma como ela olhava para o colar brilhando sobre a
luz dourada.

– Feliz aniversário!

Então ela se lembrara. Mesmo com o possível confronto que viria uma
hora ou outra. Ela se lembrara como sempre fizera, nos últimos dois anos.

– Tem algo escrito por trás – ela ainda sorria para ele – mas – Anúbis
avisou – vai ler apenas no momento certo.

– Por quê isso?

– Você pergunta demais, garoto.

Por quê faz estas coisas para mim? Era a pergunta oculta. No entanto
ele estampou igualmente um sorriso para ela.

– Sabe que sou por ai uns duzentos anos mais velho que você, não? –
Mas a linda jovem apenas voltava a olhar para a cidade abaixo.

– Como está a situação fora de Orgema?

Ela olhava e ria de sabia lá o que as enormes e belas criaturas negras e


vermelhas diziam ao longe. Ocásis respondeu, colocando o colar em seu
pescoço.

– Digamos que o continente Sul já teve dias piores – mesmo com o


terror se deflagrando no continente, Ocásis sempre falava tudo em um tom
de diversão, com certeza para que seus companheiros, Anúbis, em
particular, não fossem consumidos pelo medo – no entanto, as piores
notícias só aumentam mais e mais. Sila trouxe informações dizendo que
diversas cidades estão sendo atacadas por um inimigo assombroso, ele se
autodenomina por Daren.
– Daren! – Anúbis fraquejou de leve o corpo – então, ele que está por
trás de tudo isso.

– Sim – ele serrou os punhos ao pensar naquilo – e a diplomacia


também está caindo.

– O que isso quer dizer?

– Reis e Lordes estão sendo assassinados, em seus leitos, campos,


tronos, existem realmente pouquíssimas testemunhas destes acontecimentos.
Houve uma senhora do reino sem nome, que diz ter visto um homem com
vestes tão negras quanto o céu noturno sem estrelas. Isto foi antes de terem-
na encontrado estripada, dias depois.

– Acha que seja um monstro do pântano?

– Receio que sim – Ocásis deu um suspiro – o rei do reino sem nome
está morto, junto seus lordes, inclusive o da tribo dos caçadores – uma
pausa – há relatos de que todo o povo tenha sido possuído, escravizado.

– Um exército?

– Possivelmente.

– Por Anila! – Anúbis exclamou – o reino sem nome é o maior de todo


o continente Sul.

– A tribo da Árquia, embora tenha sido poupada, também está aos


prantos, segundo algumas fontes, houve uma guerra.

– Mas contra qual tribo?

– Aí que está o problema. Não foi uma tribo. Foi uma só pessoa, uma
jovem de cabelos negros e…

Anúbis interrompeu.

– Correntes – Ocásis pôde perceber que o rosto da jovem ficara


subitamente pálido, quando fez que sim com um movimento.

– Ela destruiu a tribo errante e escravizou um reino inteiro com a ajuda


de mais alguém.

– Com que objetivo?


– O motivo é bastante evidente – ele se levantou alongando os braços de
uma lado para outro – eles querem entrar. E estão reunindo um exército.
12
Olhe no mapa

O chão estava frio, o ar tão gélido que chegava a queimar os pulmões.


Estaria em uma praia?

A areia fria em seus pés descalços entravam entre os dedos, no entanto,


ele olhou para baixo, para os pés e não era areia comum, o chão era todo
coberto de um cinza e preto arrepiantes, aquele lugar era arrepiante. Onde
ele estava? Ao redor e mais além, haviam montanhas rochosas, dezenas
delas totalmente brancas quanto osso, o vento açoitava seus cabelos e a areia,
seja lá o que aquilo fosse, penetrava em seus olhos. Ele ouvia o som de
ondas vindo e indo, mas não havia mar em lugar algum. Seu corpo fraquejou
quando percebeu as pegadas marcadas na estranha areia cinza e preta. Eram
cascos. Teria animais naquele lugar? Mas algo parecia estranho com aquelas
pegadas. Pela forma como eram projetadas, o animal teria que ser bípede, o
animal que passara ali andava como um homem.

Não! Aquilo não era um animal, aquele não era um lugar bom, não
havia nada no horizonte, não havia sequer horizonte. Subitamente ecoavam
vozes por todo o lado, gargalhadas sinistras, choros bizarros, ele precisava
sair daquele lugar o quanto antes. As vozes, pareciam ser de pessoas,
centenas de pessoas gritando e sussurrando como um eco e mais um som,
que ele não sabia do que era. Foi ali que ele viu. Em um dos montes
brancos, rochosos, alguns metros a esquerda, uma criatura alada e peluda
apareceu, tão escura que parecia engolir o branco da rocha, e seus olhos,
não possuía olhos, mas a criatura virou o rosto para ele, e estava vindo em
sua direção, suas asas enormes de morcego ressoaram pelo ar ácido e outra
criatura apareceu, mais assombrosa que a anterior. A besta completamente
feita de ossos negros tinha a forma humanoide e muito esticada do tamanho
de um navio e passava pelos céus, voando, no entanto, sem asas. Foi ali que
em meio ao medo sufocante e o corpo imóvel ele percebeu de onde o som
das ondas vinham. O mar estava por cima, nos céus, não, não havia céu
naquele lugar, o mar de ondas gigantescas que se jogavam de um lado para o
outro em meio a suas águas pretas cobriam todo o espaço. O vento
carregava cinzas de coisas queimadas, de carne e osso queimados.

A besta alada que outrora estava na enorme rocha branca chegou tão
perto que ele conseguiu sentir o cheiro e o calor do bafo do inferno.
Quando suas enormes e esguias garras negras o tocaram…

– Edward, hei, recruta.

O garoto abriu os olhos, meio tonto, a luz que atravessava as copas das
gigantescas árvores faziam suas pálpebras reagirem inconscientemente.
Quando seus olhos se adaptaram a luz e o mundo parou de girar e a viu. A
menina de cabelos vermelhos e sardas no rosto que pelos vistos já tentara o
acordar de diversas formas. Ele estava todo ensopado.

– O que aconteceu comigo? Você jogou água em mim?

Edward levantou o tronco até ficar sentado. As roupas que Ocásis o


tinha dado emprestado completamente molhadas.

– Não, isso foi tudo obra sua.

– O quê?

– Você estava suando desmaiado – Sannie fazia caretas – mas que garoto
mais fraco.

– E-Eu desmaiei?

– Você apagou nos primeiros duzentos exercícios, que franguinho.

– Quanto tempo eu estive desmaiado?

Sannie franziu a testa. – E isso importa em Orgema Siquim?

– Quanto tempo?!

Era uma ordem.

– Tendo em vista o tempo do resto do continente afora, diria que uns –


ela pareceu pensar muito durante alguns segundos ao dizer – seis dias!

– Se-Seis dias? Como assim? Isso é impossível.

– “Acreditares que um dia possas ser tão alto e lindo quanto Ocásis” Isso
sim, é impossível. Mas é a verdade, meu caro – ela dava tapinhas no ombro
do garoto – ser um Salim tem suas vantagens. Caso o contrário você teria –
Sannie elevou o polegar para a garganta parecendo corta-la e fazendo um
grunhido – batido as botas e passado dessa para melhor.

Ele teve uma breve visão do sonho, do pesadelo de poucos minutos


antes. – Ou para pior – disse, baixo, para si mesmo.

Entretanto, Edward lembrava, estavam naquela floresta durante tanto


tempo que os pequenos fios quase microscópicos do seu glorioso bigode
anteriormente arrancados por Sara haviam crescido novamente.

Sannie se levantou do lugar onde estava e chegou mais perto do


pequeno rio com as águas tão cristalinas que era possível ver o próprio rosto,
como um espelho.

– Você tem amigos, Edward? – Sannie olhava do ombro, agachada na


margem enquanto água escorria em seus dedos magros e brancos. Aquela
pergunta quebrou seu coração. Por todos o seres divinos, ele sentia mais
falta do amigo que de seus próprios pais.

– Tenho – e seus rostos sorridentes e inocentes e puros de cada um


deles passava diante de seus olhos, Adam, Scott, Elisa, Carla, e os olhos
verdes esmeralda como os seus: Dim. Ele sorriu ao continuar – tenho os
melhores amigos que alguém poderia ter. Dim é como se fosse um irmão
para mim, não sei como estou conseguindo passar por tudo isto sem ele,
pois juramos estar sempre um do lado do outro. Ele deve estar morrendo
sem mim.

Sannie ainda bebia água do rio: - E você sente falta deles?

Uma pausa. Em seguida ele respondeu, a voz calma e distante.

– Você não faz ideia do quanto – Uma resposta sincera para uma
pergunta sincera.

Edward não queria mais falar sobre aquilo. Ele sentia que o fazia sentir-
se frágil. Pelo olhar estampado no rosto da menina, a adaga prateada na
coluna do garoto, o metal frio tocando sua pele, aquilo era um teste, um
maldito teste. Tudo ali era um teste.

– A esta altura – sussurrou Sannie – você já estaria morto. Outra vez –


um salto para trás girando duas vezes no ar – sua resistência está
melhorando, no entanto, você ainda não consegue derrotar uma velhinha
sequer. Na luta de Ocásis e o monstro do pântano, o que exatamente
aconteceu?

– Não consegui ver muita coisa, o lugar inteiro estava coberto de poeira.

– Observe – a menina parecia ser feita de borracha pela forma como era
flexível ao elevar a perna para cima. Ela segurava uma pedra do tamanho de
um coco e atirou ao ar, Edward teve que abaixar quando a pedra passou
como uma bala atravessando as copas das árvores com o chute da menina.

– Foi exatamente esse o movimento que Ocásis fez quando aquela coisa
na floresta escura me atacou.

– Um Salim é conhecido e temido principalmente por suas habilidades e


técnicas de luta, resistência, agilidade, força, entre outras coisa únicas de
cada um. Você já deve ter percebido que durante toda a sua infância era
difícil, muito difícil te ferires.

Aquilo era verdade, certa vez ele tinha sido arremessado por um touro
em Vênus e simplesmente nada tinha se quebrado. Ele via aquilo como um
milagre na época. Sannie continuou:

– Em uma luta corpo a corpo você deve estar cem por cento conectado
com todo o seu corpo. Braços, pernas, joelhos, cotovelos, cintura, dedos,
olhos, nariz, tudo inteiramente conectado por uma linha invisível de poder,
de força e inteligência – Edward nem mesmo a viu desaparecer, em seguida
ser puxado para trás passando pelas costas da menina e ser atirado contra
uma árvore fazendo galhos caírem.

– Habilidade de leitura do oponente. Você deve conseguir prever os


movimentos do seu inimigo, uma única falha – ele sentiu Sannie rodar seu
pulso como se fosse o arrancar – e você é nocauteado. Então é importante,
recruta, muito importante que você estude o inimigo a sua frente. Como
saber o que meu adversário vai fazer, antes mesmo dele fazer? A resposta é
bastante óbvia. Descubra o padrão de seus movimentos e pegue ele em seu
próprio jogo – Edward tentou revidar, um soco, mas sem sucesso. A menina
impulsionou-se para ele com um chute direto em seu peito que fez o garoto
cuspir saliva e pedaços de frutas da floresta e cair para trás, mas não caiu, ele
se sentiu ainda desequilibrado, ao ver o outro pé da menina em cima do seu,
completamente preso no solo, imóvel, impedindo que ele cambaleasse para
trás.

– O equilíbrio é extremamente importante, tendo em vista o contínuo


contato com o adversário e o uso constante dos chutes sem tocar o pé no
chão – com outro movimento seus dois pés estavam em volta do pescoço do
garoto e ela se impulsionou para trás como se fosse dar um morta para trás,
e novamente Edward foi atirado com mais força que da última vez para o
outro lado do rio fazendo folhas secas voarem a medida que ele caía às
cambalhotas. Seu rosto doía, mas ele precisava se concentrar, seus olhos
focavam e desfocavam inúmeras vezes, mas Sannie já estava em seu encalço,
como uma pantera ela saltou o rio com um movimento majestoso, graças
aos céus o garoto conseguiu desviar do pontapé direcionado em sua nuca e
do movimento seguinte com três mortais perfeitos para trás. O treinamento
estava surtindo efeito. Punhos para frente protegendo o rosto, costas eretas
um pé ligeiramente afastado para trás. Aquela era a posição de defesa e
ataque que a menina o ensinara repetidas vezes. Mas Sannie tinha
desaparecido outra vez. Onde? Onde ela estaria se escondendo? Edward
sentiu, na perna levemente afastada para trás, no entanto, tarde de mais, a
mão de Sannie o puxou, novamente ele se desequilibrou e caiu de costas no
chão coberto por folhas secas.

– Ler o oponente não é mágica, mas sim, técnica e significa prever


golpes, compreender como ele se defende, é como se pudesse ler a mente
do oponente e nesse jogo ganha quem consegue ler melhor, você me
entende? – Ele se levantou rapidamente com o impulso das pernas.

– Você não está me dando tempo para pensar…

– Mas é exatamente esse o objetivo do oponente, te deixar o mais


desorientado possível. A essa altura você deve estar sentindo os olhos
arderem, seu coração parece estar pulsando na boca. E isso é bom. Seus
movimentos estão melhorando. A capacidade de ler os movimentos do
oponente, pensar em um contra-ataque enquanto você é atacado é uma
virtude que deve ser treinada a todo o momento. Mas é ai que está o
segredo: Ache as pistas, identifique as aberturas, deixe ele se movimentar
primeiro, mas mantenha a pressão. Deixar ele agir não significa recuar, pelo
contrário, você irá fazer ele se mexer primeiro, isso te dará uma vantagem.
Mas, se quer uma dica – A menina chegou mais perto do garoto para
segurar seu pescoço, mas sem sucesso – nunca deixe Ocásis atacar primeiro
– Edward entendia aquele recado, com certeza o jovem dragão seria
absurdamente forte que apenas um soco, seu corpinho de papel, embora
mostrasse leves mudanças, seria facilmente destruído que nem ovo
quebrando.

– Chega de luta por agora – Sannie Passou ao seu lado e chegou


novamente diante do pequeno rio cristalino, bebendo várias e várias vezes.
Edward se juntou bebendo igualmente sem parar. Depois de longos dois
minutos sem dizer uma palavra, a menina sentou na grama verde sob as
folhas secas descalçando as enormes botas pretas, em seguida esticar os
braços para trás como Anúbis sempre fazia. E ela continuou, com aquela foz
pequenina de fada – Compreender a luta do seu rival pode parecer
impossível no início, exige prática, é como se fosse aprender um novo
idioma ou um instrumento musical, percebes? Então seja paciente e não
desista, afinal é isso que nos torna humanos, errar, errar e tentar melhor até
tornar perfeito. Esse é o lado bom de aprender. Conforme formos
treinando, mais fácil ficará! E se isso te motivar de alguma forma – ela olhava
para o céu dourado com leves tons alaranjados e vermelhos que aparecia do
lugar onde as árvores deixavam uma abertura – Se você se sair bem nos
próximos treinos, eu te conto uma historinha, e mais – Edward percebeu
que os olhos cinza da menina se maravilhavam com algum pensamento –
Daqui a alguns dias, de acordo com o tempo do continente, haverá uma
chuva em Orgema, e se você se esforçar só mais um pouquinho que o nada
absoluto que você já fez até então, talvez terminemos o treinamento a
tempo, e veja o fenômeno mais lindo e inimaginável que você jamais viu em
sua curta vida. Acredite, recruta – um suspiro – o melhor de Orgema você
ainda não viu.

Então chovia naquela cidade? Com certeza aquilo era uma coisa que
Edward gostaria tanto de ver. Mas poderia ser uma mentira, um truque para
que ele se esforçasse mais nos treinos. Mas sentia na voz da menina a
sinceridade. Então poderia arriscar confiar. E a história que ela contaria…

– Mas se não mostrar melhoras até lá – ela deu um suspiro de liberdade


e desleixo – então permaneceremos nesta floresta até seus dedos criarem
raízes.

Entretanto, Edward se levantou, deixando Sannie ali enquanto esticava


o corpo dolorido, pensando o que Layla estaria fazendo naquele exato
momento. Ela era um Salim também, o garoto sorria ao pensar naquilo.
Ocásis daria um jeito para trazê-la para Orgema em breve, e juntos, lutariam
contra quem quer que quisesse invadir a cidade da Borboleta dourada. Em
breve. E quanto ao sonho, ele pensou, seria bom se no momento não
mencionasse nada daquilo. Talvez atrapalhasse em seu treinamento, talvez
até mesmo fosse apenas uma bobagem. Então se contaria, com certeza não
seria naquele momento.

– Por Arcas! – Edward ouviu a menina soltar um grito. Algo estava


acontecendo, mas ela fez um movimento com as mão para ele, os olhos
ainda fixos na água do rio – você precisa ver isso.

O garoto se aproximou do rio, e ficou completamente Assombrado


com o que estava na água – afaste um pouco mais para lá – disse a menina
ainda tentando entender, e Edward seguiu a ordem, ainda apavorado. E
definitivamente aquilo era real. Havia dois reflexos dele mesmo na água.
Um na direção de onde ele estava naquele momento olhando
espelhadamente para ele, e o outro – por Arcas! – o outro era ele também,
mas bem ao lado de Sannie. O reflexo olhava para o outro lado do rio.

Era Edward, quando estava bebendo água.

¢
A enorme gruta completamente mórbida e escura não era realmente o
tipo de covil Super do mal que Nero esperava. O jovem de cabelos
vermelhos e escuros como o sangue odiava a ideia de receber ordens de
outra pessoa ao invés de partir para a pancadaria com o primeiro fracote que
pudesse aparecer, mas de alguma forma, a história que Daren contara para
ele, seus planos, seus objetivos, o fizeram ceder. Além disso ele percebera a
forma como os tratava, ele e a outra garota lindamente esquisita e
igualmente sombria. Seus companheiros. Era assim que Daren os
considerava, seus companheiros. Nas últimas semanas enquanto derrubavam
reis e lordes de algumas regiões do continente Sul, Nero percebia o quanto
ele se preocupava com o bem-estar de ambos. Aquele ato era digno de um
rei, um mestre, um deus, um amigo. Tal palavra era como lama em sua
boca, mas ele agora possuía um grupo, amigos, uma família. Mesmo
Anurim não sendo a melhor companhia e falasse pouco, ele sentia, sabia
que a garota também os via da mesma forma. Os três protegeriam um ao
outro quando precisassem. E a pesar de Nero ser insanamente forte, ele
gostava daquele sentimento.

– Olha – ele falou por fim, depois de longas horas de tensão, era incrível
como aqueles dois não se importavam sequer em manter uma conversa
fluída – eu estou começando a achar que a companhia dos caras do bar em
Vilkas era mais agradável – ele ainda fazia questão de sorrir diante daquele
infinito tédio – quando vamos invadir essa tal de Orgema Siquim?

O jovem-sombrio, Daren, estava sentado na parte mais a baixo da gruta,


junto ao pilar cheio de sangue e correntes enferrujadas e ossos dos ferreiros
ali estripados, girando um pedaço metálico e dourado na mão direita,
poderia ser um colar ou um pingente.

– Orgema tem um bloqueio contra nós, e você sabe disso – respondeu


friamente a garota parda de cabelos tão longos e escuros que pareciam uma
estrada da morte contornando as pedras onde ela estava sentada, caindo até
a superfície rochosa onde Nero estava, mesmo com a pouca iluminação
vinda da abertura da gruta, Nero conseguia ver os contornos dos seios
pequenos e perfeitamente arredondados marcados sob a camiseta curta e
azul-escura que mostrava aquela cintura fina levemente peluda e a tatuagem
da borboleta com correntes ao redor da região abdominal-lateral, ela girava
as enormes correntes negras em seu pulso esquerdo, sua voz era tão
cautelosa e fria e aqueles olhos de escuridão e vinho buscavam por vingança,
vingança que Nero jamais poderia imaginar ser possível, a garota pensava
distante quando disse raivosamente: – ela tem que pagar – com um leve
movimento de sua mão esquerda a corrente negra se esticou enroscando a
gigantesca estalactite a dez metros de distância como uma serpente, e com
outro movimento rápido, ela puxou e apenas poeira e detritos caíam do ligar
onde o gigante dente de pedra outrora se achava – Anúbis tem que morrer.

– Você terá sua chance.

Nero nem mesmo percebeu Daren atrás de si ainda girando aquele


Pingente dourado. Rápido. Ele era bastante rápido, com certeza seria um
ótimo oponente, mas a luta com o jovem de cabelos brancos e asas de
dragão seria ainda mais excitante, ele se deleitaria com o sangue saindo de
seus olhos.
– Mas antes – continuou Daren, se aproximando mais de modo que
Nero em fim viu o que ele tanto rodava em sua mão. Morte. Memória. Vida.
Uma bússola de ouro com aquelas palavras emanando dela magia divina –
precisamos fazer algumas visitas – Daren olhou para o objeto em sua mão –
alguém me fez uma visitinha e um de meus amiguinhos alados retirou isso
dele, pouco antes de sua presença sumir – O jovem sombrio parecia
explodir silenciosamente por dentro de contemplação – isso com certeza me
reduziu muito trabalho, muito mesmo.

– Eu não entendi como exatamente vamos entrar em Orgema sendo que


nem sabemos onde fica.

– Ah, nós sabemos, sim – Anurim voltava a girar a corrente negra


encolhida em seu pulso – veja no mapa.

Rapidamente como o acender e apagar de uma lâmpada, Daren fez aparecer


em sua mão um papel velho de tom acinzentado, e deu a Nero que
observou: Era o mapa do continente Sul, não fazia o menor sentido, pois ele
conhecia aquele mapa de cor, desde porto fantasma, o deserto, Vilkas…

– O que eu preciso ver?

– Orgema – o jovem sombrio sorria levemente. Mas foi Anurim que


prosseguiu ao descer das rochas com um salto totalmente silencioso.

– Olhe bem para aqui – ela indicava com as unhas escuras e violetas para
a parte direita do mapa – o que você vê?

Ele olhou e não havia nada que ele já não tivesse visto antes. Tribo dos
caçadores, Terra congelada…

– Olhe bem, Nero, a floresta dos galhos cantantes, a tribo dos caçadores
e os montes espinhos. Qual é mesmo o formato da cidade de Orgema, pelo
que as histórias dizem?

Ele ainda estava confuso, mas respondeu:

– De uma borboleta dourada.

– Olhe bem para estas três denominações – Anurim se afastou


lentamente, os olhos violetas e pretos ainda presos no rapaz – agora me
diz…o que você vê?
– Por todos os deuses – exclamou o rapaz olhando com mais atenção
para o mapa, Orgema, estava ali, bem diante de seus olhos. Tribo dos
Caçadores, representada por machados cruzados entre os Montes espinhos
e a Floresta dos galhos cantantes mais abaixo… era Orgema, bem ali, as três
regiões possuíam juntas exatamente os contornos, o formato de uma
borboleta – Mas como isso é possível?

Daren olhava para a abertura da caverna, os pensamentos distantes,


quando disse: – Isso, Nero, é magia divina – ele olhou para os dois,
balançando a bússola em sua mão – é agora que a verdadeira diversão
começa.

– E se as coisas darem errado? – Nero ousou perguntar, entregando o


mapa para Anurim logo atrás. Mas Daren exibiu um sorriso quase invisível
ao dizer:

– Relaxa, Nero…

... Essa história é nossa.


13
Imperfeitos um para o outro

A noite era acolhedora e o vento refrescante no topo do edifício ao lado


do lago da cidade que baixava a cada dia mais e mais a temperatura de suas
águas azul-esverdeadas. O inverno estaria chegando, então. Com as enormes
asas esticadas para o céu estrelado parecendo milhares de diamantes
brilhando, sorrindo para ela, Layla sentou, vendo a cidade sonolenta abaixo,
as ruas estavam totalmente vazias e silenciosas parecendo uma cidade
inóspita se não fosse pelas janelas de algumas casas e prédios acesas, suas
asas ainda açoitavam o ar ao redor fazendo penas castanhas- escuras pela
noite, voarem junto o vento. Os pais de Edward estavam quebrados por
dentro, ela observou no dia em que fora ver Sara para contar a ela sobre o
misterioso acontecimento com o livro, três dias atrás. No entanto, eles
sabiam, os pais do garoto, embora lamentavelmente tristes, eles sabiam,
assim como sua mãe, os pais do garoto também teriam visto a visão
mencionada nos escritos deixados como lembranças. Aqueles preciosos
papéis.

Faça amigos, se possível, tente encontrar as outras crianças como você…


Ela continuaria! Lutaria por aquele sonho distante.

Ao que parece Sara já contara a eles o papel dela como empregada,


como protetora do garoto. De acordo o professor Dexter, nos últimos
encontros em sua casa, do outro lado da cidade, o objecto carregado de
emoções usado por Edward para passar através do livro seria um objeto
dado de presente pelo vizinho desaparecido com outros moradores da
cidade, fazia semanas. Uma bússola dourada com escrituras a volta. Layla
sentira a presença de uma enorme quantidade de magia naquele dia, no
aniversário do garoto, era da bússola então que emanara. E o amigo irritante
que o convencera a comparecer naquele dia também não quisera conversar
com ela quando fora até sua casa, do outro lado da rua frente a casa de
Edward. Ao que parecia ele estava abatido com o sumiço do amigo, seus
pais adoptivos conversaram com ela dizendo que apenas saía do quarto
quando precisasse comer ou atender às necessidades pessoais e chegava até a
passar dias trancafiado lá. segundo os mesmos, o garoto estava
deploravelmente deprimido e ouviam choros durante a noite, vindos de seu
quarto. E quanto a Daren, tudo ainda era um mistério, aquela lembrança das
chamas azuis consumirem o papel com aquele nome ainda pairava em suas
retinas como uma marca. Deixar o livro por ai agora seria muito risco a se
correr, em mãos erradas o livro seria muito perigoso, então, ela sempre o
carregava na pasta que ficava presa ao lado do corpo, junto os papéis de sua
mãe.

Faça amigos…
Oi, filha, é a mamãe….
A noite estava fugindo e ela precisava ir a escola naquele dia, além do
fato de que o professor Dexter tinha pedido que o encontrasse na sala do
diretor, também desaparecido fazendo-o se encarregar da escola inteira
secretamente. O professor teria algumas ideias caso os Salins do mal viessem
atrás do livro, até que conseguissem achar uma forma de obrigar o livro a
transporta-la para aquele lugar, aquela bizarra floresta. Ela precisava voltar
para a livraria Santa Teresa. Levantando-se com um movimento sedutor as
poderosas asas agitando, olhou para baixo, para a enorme queda escura, e
saltou. Vento fazia seus cabelos encaracolados esvoaçarem enquanto caía e
caía como um corvo sob a luz gloriosa da lua cheia acima dela fazendo-a
parecer a sombra de um anjo da morte que caçava a escuridão abaixo, e ela
sorria diante do prazer ao esticar suas longas asas e sentir o ar frio em cada
pena, em cada extremidade de seu corpo, suas poderosas asas eram parte de
si, aprendera a aceitá-las como membros, como companheiras naquele
mundo infernal e impuro, como suas irmãs. Sim. Ela poderia jurar que
sentia as asas sorrindo para ela enquanto a enroscavam como se fossem uma
armadura a protegendo, pouco antes de se abrirem novamente e tão
rapidamente e voltarem a subir os céus ao roçar na superfície das águas
calmas do lago dormente. Enquanto passava sobre as casas e ruas e parques,
o som de asas batendo era o único que ela ouvia, como se fosse música feita
unicamente para seus ouvidos. Pois aquilo era liberdade.
¢
– Aqueles dois – falou Sannie, enquanto jogava a adaga prateada com a
esmeralda brilhante no cabo, dando voltas no ar – nem o próprio destino
saberia dizer quais são seus destinos.

O treinamento estava cada vez melhor. Talvez porque graças aos céus
Edward vencera a menina duas de trinta e uma lutas. Uma vitória
considerável. Seus movimentos estavam mais rápidos, seu corpo
acompanhava, embora não tão rápido quanto esperava, a dança ágil da
menina. Mas, segundo ela, uma breve fofoca também seria uma boa forma
de aproveitar as pausas para descansar. E obviamente que o assunto do
século seria nada mais que o caso Ocásis – Anúbis. As perguntas eram tantas
na mente do garoto: Por quê não ficam juntos? O que há entre eles? Eles
estão fingindo enquanto constroem um relacionamento para a vida no
sigilo? Mas não havia sigilo para Sannie, pois ela sabia de tudo, como ela
sabia, Edward não fazia ideia. Mas aquela menina…

Ela continuou:

– Tirando o facto de que se eles ficassem juntos seria um – ela


cantarolava curvando seus lindos lábios rosados para um lado – como é que
chamam no seu mundo mesmo…?

– Amor a primeira vista? – O garoto arriscou.

– Bom, isso também, mas, eu apostaria em "Amor Impossível" – um


estalo – é isso.

– Por quê?

– Veja, ambos possuem pecados de suas famílias que carregam consigo


nos ombros, como um fardo, percebes? Anúbis o ama de verdade, e ela
parece não se importar com as tradições familiares de reino do primor.

– Reino do primor?

– Ou Reino primoroso, caso prefira assim. É o reino de onde Anúbis


veio, infelizmente ainda não sei bem o motivo de sua fuga…

– Ela fugiu? – interrogou o garoto, coçando os pés descalços.


– Até onde sei? Sim. Ocásis, no entanto, é um pouco mais complicado,
ele também a ama, mas seu fardo é ainda maior. Ele não pode de jeito
nenhum ficar com Anúbis. Acredite, recruta, apesar dos dois dolorosamente
se merecerem, eles são imperfeitos um para o outro. Mas se eu fosse você –
Sannie atirou a adaga atrás dele o gume entrando tão fundo no enorme
tronco que fez o animal totalmente branco de olhos azuis e orelhas de
morcego sair aos pulos – nunca me atreveria a encostar um dedo sequer
naquele rostinho de elfo desenhado de Anúbis.

– Porquê?

Ela chegou mais perto falando divertidamente em um sussurro – Ocásis


mata você...literalmente. Acredite.

Edward estremeceu ao ouvir aquilo, desejando que não falassem mais


sobre o assunto. No entanto, a bomba já fora lançada.

– E quanto a você?

Sannie engasgou diante daquela pergunta: – Eu o quê?

– Me fale sobre você – era incrível como ele conseguia dizer aquelas
palavras tão calmamente, pois em Vênus estaria tremendo como uma pena,
pelos vistos o convívio com a menina o deixara familiarizado com ela, então
continuou – eu falei para você sobre meus amigos, Layla, minha escola, a
garota que Dim me apresentou pouco antes de o maldito livro me sugar para
esta loucura toda. Eu contei tudo para você, seria justo falar um pouco sobre
você mesma, não acha?

Sannie gargalhava como se tudo o que o garoto dissera fosse uma peça
teatral.

– Ah, recruta – ela ria preguiçosamente agora – você está abusando do


convívio – Ela esticava os cotovelos de um lado – mas se quer saber, eu sou
o tipo de pessoa a que você chamaria de "garota prodígio" compreendes? –
ela fazia gestos com as mãos – O tipo de pessoa que você nunca superaria
porque um – ela levantou um dedo como adorava tanto explicar as coisas
daquela forma – eu sou um anjinho caído do céu, olhe para este rostinho de
rosa no inverno, e dois – outro dedo – você olharia para pessoas lutando e
lembraria de mim, você veria alguém dançando e lembraria de mim, você
veria alguém vendendo seja lá o que for e lembraria de mim.
Edward a observou se levantar e retirar a adaga presa no tronco atrás.

– Então, aqui está o concelho de sua mentora: Não fique com alguém
que saiba fazer várias coisa. Assim não corres o risco de ser o inútil da
relação.
O vento vindo dos espaços entre algumas árvores faziam os cabelos de
ambos esvoaçarem.

– E quanto ao povo siquiniano – o garoto imaginou o enorme astro


dourado que parecia prestes a se pôr, no entanto, não – acha justo eles
nunca poderem ter a chance de ver as estrelas no céu? Ou a lua-cheia? Digo,
eles nunca quiseram sair de Orgema?

– Edward – Sannie vinha, aqueles passos calculados – se você estivesse


neste exacto momento ao lado dos seres celestiais, no perfeito paraíso,
voltaria para a terra? – antes mesmo de responder ela concluiu – é, foi o que
pensei. Somente poucos podem ou conseguem sair de Orgema. Certa vez
um grupo de adolescentes se rebelou e partiu a fim de encontrar uma saída
para o continente, sabe o que aconteceu ? – Havia diversão nos olhos cinza
da menina, as sardas pareciam se divertir também – depois de quilómetros
de caminhada eles voltaram para o exato lugar onde tiveram a magnífica
ideia de sair de Orgema.

Aquele pensamento soava realmente engraçado de se imaginar. Sannie


continuou: – O ser humano é tão "patético" e "incocequente" que nem sabe o
que realmente quer, ele almeja por algo que simplesmente nunca viu, e
quando esse desejo é concretizado ele percebe que o que possuía era mais
valioso, e pensa em voltar atrás, muita das vezes, tarde demais – ela voltou a
se sentar, mas desta vez caindo de costas na grama fria olhando para o céu
aberto entre as copas das árvores – Daí que o próprio Merlim estabeleceu
estas mesma regras, acredite, é para o próprio bem deles. Mas agora que
Anúbis contou a toda cidade sobre o que nos aguarda, ninguém pensaria
sequer em sair. Apesar disso, há ainda os bons noventa e nove porcento das
pessoas que agradecem todos os santos dias, se posso assim dizer, aos céus
por este mundo, único, distanciado dos outros. Viva o hoje e o agora, pois o
amanhã nunca chegará, essa é a frase que perdura no coração de cada
Siquiniano.
Ocásis aparecera, no que Edward poderia supor, três dias atrás. Após o
despertar de sua magia. Manipulação do tempo era assim que ele a chamara
ao observar as poucas outras vezes que seu reflexo permanecia na água e
depois, no espelho trazido por Ocásis. Aquilo era algo sobrenatural.
Completamente anormal. Poder ver sua própria nuca através do reflexo
ainda de costas, no espelho mesmo depois de minutos depois, ter se
distanciado do objecto. Então, ele poderia influenciar o tempo das coisas,
inclusive seu próprio reflexo. Ocásis tratou de elaborar mais testes para
saber melhor sobre aquela magia. O jovem dragão lançara diversos objectos
de metal e vidro ao ar, dúzias deles, pedindo que Edward, de alguma forma,
evitasse que todos eles caíssem em terra, no entanto, sem resultado. O som
de metal batendo sobre metal e vidro se quebrando fora o único, por cerca
de dez vezes aquele fora o único som, ferro e cacos por todo o lado
misturando-se com folhas secas. Em contrapartida, Ocásis se exibia sempre
que se via na oportunidade, como era de se esperar, jogando os objectos
novamente no ar e tão rápido quanto uma bala, a humilhação fora certa,
Ocásis fazia questão de retirar os objectos um por um do céu, descendo e
subindo e aterrando e subindo de novo até o último dos objectos quase tocar
o solo e para o desânimo de Edward, o jovem dragão o agarrar a tempo com
o pé. Total humilhação, provocavam ele e Sannie encostada em uma árvore.
Mas aquilo era injusto, além da experiência, a diferença colossal de magia
entre ambos, a idade do sujeito e a super velocidade, Ocásis, possuía, asas!

Porém, o jogo teria mudado junto a torcida de Sannie, quando na


vigésima tentativa de Edward, uma considerável victória, por assim dizer,
acontecera. Os objectos caíam novamente, tendo conseguido segurar pelo
menos cinco deles, no entanto, algo incrível aconteceu. Os objectos todos
caíram, mas silêncio pairava ao redor, antes de estrondosamente como a
manifestação de um fantasma, o som de tralhas e vidro se espatifando no
chão preenchendo todo o ar. Então ele percebeu que não só atrasara de
alguma forma o som, mas também teria acelerado o movimento dos copos e
latas metálicas fazendo com que caíssem mais rápido e consequentemente
não agarrar quase nenhum.

– Você sabe que já podemos sair deste lugar, não? – foi mais uma
afirmação do que pergunta, quando Sannie por fim quebrou o pensamento
distante do garoto.
– Mas antes – Edward soltou um enorme bocejo fazendo o peito
magricela debaixo das roupas emprestadas por Ocásis esticar, estalando a
clavícula – você me prometeu algo, caso me saísse bem nos treinos, lembra?

– Você tem razão. Mas, precisa me prometer que não conta para
ninguém, nem para Ocásis, pois, só eu sei desta história – o garoto mordeu
o indicador antes de dizer:

– Prometo. Mas antes, você tem que me prometer que dirá única e
exclusivamente a verdade, e só a verdade.

Divertidamente, Sannie elevou a mão ao peito, ao coração: - Eu, Sannie


da cidade do sol eterno, prometo, única e exclusivamente dizer a verdade –
a menina também mordeu o indicador – e só a verdade.

Uma leve pausa.

– Ok, então – ela se levantou, andando de um lado para outro como um


explorador – a história que estou prestes a contar a você, não foi contada a
mais ninguém, jamais, como já mencionei. Bom, não do jeito que eu a
conheço.

Edward, porém, permaneceu calmo, os ouvidos e olhos curiosamente


atentos.
14
A história de Merlim

– Milénios atrás – ela começou – havia um bebê, que nasceu um tanto


diferente dos demais bebês da época, ele não chorava, contudo era único, e
cheio de energia. Seus pais se alegraram pelo bebê ter nascido saudável,
aparentemente, e forte, o bebê era tão energético que ficava toda a noite
acordado apenas berrando sons guturais. Os dias foram se passando e o
bebê não dormia, os pais começaram a ficar preocupados. Assim como o
bebê, fazia noites que eles não dormiam de preocupação, os vizinhos
começavam a achar estranho como um bebê com apenas onze dia de vida já
se colocava de pé. Passando alguns dias eles teriam se mudado para longe
do vilarejo. Faziam turnos enquanto o pai dormia a mãe ficava a noite
acordada de olhos no bebê que crescia a cada dia muito rápido, e em outras
noites o pai ficava acordado, pois, sabiam que morreriam se ficassem tanto
tempo sem dormir. Passaram-se semanas, e eles alimentavam-se apenas de
animais que o homem caçava na floresta. Porém, o bebê não comia nada e
nem mostrava sinais de fome. A mãe chorava todas as noites e se perguntava
o que havia feito aos deuses para merecer tal desgraça. Passaram-se dois
meses e a jovem mãe do bebê, garoto agora, com características de um
menino de cinco anos, não aguentou mais tanta desgraça, o pesar e tristeza
se apoderaram dela e acabou por morrer. O garoto pela primeira vez ficou
abalado, ao presenciar e entender a perda de algo valioso para ele, sua mãe,
nunca mais a veria. Seu pai a enterrou ao lado da cabana em que moravam.
E ele havia percebido que não havia dado um nome para o garoto. Ele
achava que o bebê na pior das hipóteses fosse morrer nos primeiros meses e
que a dor seria ainda pior se se apegassem muito a ele. Ele se aproximou do
garoto com as lágrimas brilhando nos seus olhinhos cor do céu e lhe passou
um nome.

Edward estava tão atento na história que parecia estar dentro dela.

– E qual foi o nome que recebeu, o g-garoto?


Sannie ainda olhava para o longe entre as árvores, de costas para ele. –
Bom, seu pai pensou em um nome que daria significado ao que o menino
estava passando e lembrou do nome que sua esposa teria dado a filha que
ansiavam tanto ter. Meliá . Era esse o nome. Infelizmente o bebê acabou por
ser um rapaz neste caso, não seria apropriado para um garoto, uma vez que
o menino não parecia ser humano como tal, decidiu chamá-lo, de Merlim
que de acordo com a escrituras, significa criança do céu, pois era assim que
seu pai o via. O menino ficou tão feliz e brilhava como o sol enquanto
sorria, os meses foram passando e crescia a cada dia, com a idade já de um
adolescente, seu corpo havia mudado completamente, seus cabelos pretos
presos em um rabo-de-cavalo voava ao sopro do vento. Seus braços estavam
mais largos e as veias já se dilatavam. Certo dia estava andando de cavalo
com seu pai e o sol estava dourado, prestes ao crepúsculo, e o cavalo
mancava. Seu pai quase teve uma parada cardíaca quando percebeu que o
garoto estava com o cavalo sobre seus braços, com o pai em cima deste. Ele
foi caminhando com o cavalo por cima dele até chegarem a cabana em que
moravam. E ao lado da sepultura de sua mãe ele descansou o cavalo, como
se fosse um bebê com medo de o acordar. Seu pai sorria para ele e pediu
para que o garoto esperasse um minuto, que tinha algo para ele. Merlim
esperou um tempinho e o pai voltou de dentro da pequena cabana com um
livro marrom meio que velho com escrituras feitas com diamantes azul-
marinho. O pai entregou para ele, alegando tê-lo encontrado dias depois do
seu nascimento, por algum motivo o livro parecia que pertencia de certa
forma ao garoto. O pequeno Merlim ficou muito grato e segurou-o com as
duas mãos, alguns segundos depois as escrituras do livro começaram a
mover-se e um novo formato aparecia.

– O livro de Merlim – Edward falou em um tom quase inaudível.

– Vejo que já sabia dessa parte.

– Não exatamente – Sannie continuou, afinal também soubera das


suspeitas de Ocásis quanto ao facto de que havia uma certa probabilidade de
o mal tê-lo achado. Ele só rezava para que Sara e os outros estivessem bem.

– Vários dias se passaram e seu pai começou dando ensinamentos


para ele; era incrível como aprendia tão rápido. O garoto aprendeu a ler,
pois era essencial para que o livro fosse útil para alguma coisa, nê? – A
menina deu uma gargalhada sarcástica – seu pai ensinou também para ele
como era o Mundo afora, o Mundo cheio de pessoas adoráveis, pessoas
batalhadoras esforçando-se para sustentar seus filhos, pessoas que
compunham melodias incríveis, que riam e bebiam ao redor de uma
fogueira. Porém pessoas diferentes dele, pessoas gananciosas e ambiciosas
por poder que lhe machucariam se descobrissem o que ou quem ele era.
Pessoas que matariam por capricho, um mundo egoísta. Cerca de dois anos
se passaram desde seu nascimento, porém, Merlim já possuía estatura de um
jovem adulto. Talvez fosse por ter atingido a idade adulta, mas seu
crescimento havia reduzido, consideravelmente, a velocidade. A maçã na sua
garganta tinha se formado, seu rosto parecia de um anjo, que sorria
enquanto ajudava o pai na horta. Nesse mesmo período, seu pai foi afetado
por uma doença. A medida que os dias passavam, seu pai começou a ficar
mais magro, manchas roxas rodeavam os olhos, e não parava de tossir, e saia
coágulos de sangue quando tossia. Mais tarde só conseguia ficar na cama, e
Merlim, chorava sempre que pensava no pior, fazia sempre um chá de
folhas que ajudavam sempre que seu pai sentia dores de cabeça antes da
doença tomar conta dele. Não conseguiria aguentar uma segunda perda, a
pessoa que ele mais amava no Mundo, a única pessoa que ele conhecia no
mundo. Seu pai com a voz quase inaudível, dizia para que não se
preocupasse, e que sua mãe ficaria orgulhosa de ter se tornado o homem
que se tornou, que a realidade trazia com sigo suas dores. A doença se
alastrou, os ossos das mãos se marcavam como se fossem sair do corpo, e
Merlim não sabia o que fazer, com tudo o que ele era capaz de fazer: força
sobre-humana, velocidade incrível, conversar com criaturas da natureza e
além, e muitas outras coisas, a cura não era seu forte, ele apenas conseguia
tirar as úlceras que apareciam na pele de seu pai, e retirava com uma
velocidade incrível as marcas dos olhos roxos. Contudo a cura era apenas
superficial. Em uma manhã, Merlim ia descendo ao rochedo há alguns
metros de distância da cabana, para buscar algo para o pai acamado,
enquanto voltava, aconteceu. Seu pai estava rígido, com os olhos fixados no
teto, imóveis, branco e gelado como a neve. Ele estava morto. Merlim, ficou
congelado com a lebre morta nas mãos, ele ficou lá, parado a um passo de
distância do pai morto, imóvel. Então ele entendeu que estava acontecendo
mesmo, Merlim ficou imóvel, por cerca de dois minutos ali, ainda haveria
esperanças, talvez seu pai estivesse apenas dormindo, talvez ele estivesse
sonhando e quando tivesse acabado ele abraçaria seu pai, e diria o quanto o
amava e o medo que tinha de o perder. Porém, aquele não era um sonho, a
realidade trouxe consigo suas dores no final de tudo. Acabou sozinho, ele
ajoelhou para perto do corpo pálido e abaixou o rosto para o peito do
homem deitado, chorando, ele ficou ali, a manhã toda apoiado em seu pai,
urrando de dor que nunca teria fim, seus olhos pesavam e marejavam, dois
pontinhos azuis brilhando e se afogando no mar da angústia e sofrimento. O
dia chegou ao seu fim e ele tinha que levar o corpo dali. No final, seu pai
não acordaria… já mais. Minutos depois ele havia enterrado seu pai, ao lado
da amada. E ali estava ele de frente as sepulturas das pessoas mais
importantes da sua vida, das únicas pessoas que conheceu durante seu
pouco tempo de vida, tão perto mais ao mesmo tempo tão distantes dele.
Passou-se uma semana após o luto e Merlim decidiu dar um rumo a sua
vida. Explorar o Mundo afora e tornar seu nome temível e respeitado por
todas a nações, povos e raças. Ele prometeu para si próprio livrar o Mundo
do maior número de pessoas ruins que conseguisse.

Sannie encolheu o corpo, apoiando o rosto nos joelhos – Com o


tempo, percebeu que seria inútil. Você já deve saber, recruta, que todo o
mundo tem um lado ruim, e Se ele prosseguisse com seu objetivo vingativo,
não sobraria ninguém no mundo para contar história. Por isso Merlim
pegou em seu livro e começou a escrever tudo o que ele pensava e sentia
nas páginas amareladas do livro, colocando tudo o que sabia sobre os
diversos mundos que existiam além do seu. Todo o seu conhecimento ali, e
com isso, parte de si.

– Então a consciência de Merlim está no livro?

– Apenas parte dela. Para que sua existência continuasse neste mundo
mesmo quando a morte o reivindicasse – a menina estalou a língua e sorria
levemente ao dizer – você já deveria saber que livros são parte de nós que
continuarão com nossa existência mesmo depois de abandonarmos este
mundo, sussurrando nossos pensamentos nas mentes das pessoas, geração
após geração, após geração. Por toda eternidade.

– E sei – respondeu o garoto com a voz calma.

– Então, posso terminar a história ou não?

– Por favor!

Sannie revirava os olhos antes de prosseguir: - Entretanto, não haveria


necessidade de usar todo o seu poder contra as pessoas. Em uma das
páginas ele criou um portal, para que pudesse viajar para uma outra terra,
um novo mundo, onde as trevas não habitariam jamais – literalmente – onde
o sol não desapareceria nunca mais, as pessoas não teriam que ser
gananciosas, egoístas. Então com seu enorme poder o criou, aquele mundo,
aquela cidade dos sonhos. Depois de alguns anos Merlim já estava velho, e
precisava deixar seus poderes com alguém que continuasse com seu
propósito, ele dividiu seu poder para oito bebês que nasceriam miliares de
anos depois, séculos, ou até mesmo meses, ele não sabia dizer, pois a magia
os escolheria no tempo certo, no lugar certo. Merlim conjurou oito esferas,
cada uma com uma cor diferente e as espalhou para os quatro cantos do
Universo, se é que o Universo tenha canto. Enfim – Edward ainda
permanecia quieto, imóvel – depois disso, Merlim padeceu, infelizmente
não sei como ou por quê ele morreu, mas é isso. Merlim passou a ser tido
como uma lenda passada de século em século. E nunca mais se ouviu falar
do livro ou da cidade perdida, Orgema Siquim. Pelo menos é isso que o
resto do mundo sabe acha da pequenina parte que eles sabem da história.

Edward precisou de três longos minutos de silêncio intenso para tentar


absorver toda aquela informação. Por todos os seres divinos. Então a
enorme estátua de pedra, no outro lado da cidade em formato de Borboleta
era Merlim segurando o livro.

– Então essas crianças, esses bebês…

– Sim – confirmou a menina de cabelos vermelhos – até onde sabemos


tem você, Ocásis, Anúbis, possivelmente a sua amiguinha, Daren, a garota
gótica misteriosa e Nero, o rapaz que ouvimos dos relatos de moradores de
Vilkas.

– Mas, por quê? Por quê tentar entrar aqui?

Sannie se levantou, bocejando, quando disse:

– Como é que vou saber? – segundos depois a menina de cabelos de


fogo estampava um leve sorriso, seus olhos brilhavam diante do que surgia
ao céu – o espetáculo começou.
15
A névoa das mil cores

A cidade estava tumultuosa e mesmo de longe, na saída da floresta a


canção de Orgema Siquim era ouvida, como um coro angelical diante do
fenômeno que começava a despontar.

– Está sentindo isso? – Sannie parecia ser toda feita de fogo e luz e
glória sob a luz do sol eterno e acolhedor a direita – está ouvindo isso?

A cidade mais abaixo cantava e cantava canções que fariam qualquer


coração de mármore ceder a tamanha plenitude. Aquele com certeza seria o
lugar mais mágico de todos os universos. Não haviam nuvens em lugar
algum, no entanto, milhões e milhões de pontinhos cristalinos apareciam,
mais e mais. Sannie tinha razão. Não havia sentido em pensar que um
siquiniano sequer quisesse sair para o continente afora para ver o céu
noturno e brilhante pois aquelas minúsculas e milhares de gotas de água no
céu eram estrelas que cobriam todo o Universo siquiniano. Desde que
chegara àquele mundo Edward nem mesmo tinha se tocado do quão alto
aquele monumento de pedra era, até observar as águas que permaneciam ali
em acima, como um exército a espera do comando de seu general de guerra.
A enorme estátua era colossalmente alta, tão alta que a chuva iniciava apenas
um pouco acima do livro flutuando e igualmente gigantesco de pedra. As
pequenas bolhas que despendiam do céu que agora encontravam a terra
eram realmente astros que reflectiam, cada uma, a luz dourada do sol.

– Onde estão Ocásis, Anúbis? – Edward falou, por fim, os olhos


maravilhados com a enorme saraivada que caía dos céus como anjos
descendo sobre aquela terra abençoada, ele respirava pela boca e narinas
pois oxigénio lhe faltava em seus pequenos pulmões. Sannie ainda sorria
para os céus espelhados em seus belos olhos cinza, mesmo depois de ver
tantas e tantas vezes, aquilo ainda era novo para ela, seria sempre assim.

– Eles estão lá em cima.


¢
Anúbis estava de pé sobre a cabeça de Merlim com Ocásis que brincava
com as mangas da blusa marrom e dourada. O ar se tornara mais frio desde
que haviam ali chegado. Pouco antes de a cidade se encher de vozes em
coro por todos os lados. À medida que a chuva de diamantes caía com o
peso de penas sobre Borboleta dourada, os gigantescos Minarins que
possuíam o tamanho de mil montanhas ziguezagueavam, e molhavam as
escuras e vermelhas penas, alguns deles passavam tão perto do topo da
estátua que faziam os lindos cabelos vermelhos da jovem esvoaçarem.

– Quando é que isso deixará de ser assim, tão encantador?

– Não vai – o jovem dragão respondeu com aquela voz de serafins – é


uma dádiva dos deuses, e assim será, por toda a eternidade.

Na paisagem, além da cidade, além da floresta ao leste de onde


possivelmente Sannie ainda estaria, havia outras terras, a milhas de distância,
habitadas por centenas de espécies de animais diferentes. Ela inalou a briza
fria mais uma vez antes de olhar para Ocásis com um sorriso que só ela
possuía.

– Me acompanhe, se puder, Senhor invencível.

E como um corpo sem vida ela saltou, ainda olhando para Ocásis, que
a acompanhou naquela queda em direcção as águas caindo.

¢
Eles caíam de cabeça para baixo, os rostos virados um para o outro,
seus cabelos eram puxados para cima. A medida que caíam mais e mais
naquela queda de minutos, ela sorria para ele e ele para ela, e seus olhos
desenhados pelos próprios deuses se enchiam de lágrimas, ou de felicidade
ou pelo vento, Ocásis não sabia dizer, mas ela estava mais linda do que
nunca, ela era perfeita. Quando passavam entre as mãos de Merlim e o livro
sua queda diminuíra consideravelmente adequando-se a gravidade daquela
área que fazia as milhares de gotinhas d'água caírem tão lentamente, e Ocásis
poderia jurar que o mundo ao redor passava em câmara-lenta e todo o
espaço ao redor era preenchido por cores dos mais diversos tons que o
espectro visual pudesse observar. Uma atmosfera totalmente colorida. A
chuva já tinha parado e aquele era o momento que o povo siquiniano mais
adorava. A névoa das mil cores. Enquanto caíam ainda lentamente, a
princesa foragida com seus compridos cabelos voando se aproximou dele,
seus lábios de veludo rosado eram uma obra de arte, ela entrelaçou os dedos
de sua mão aos dele, um segundo depois colocou um pé contra ele usando
seu corpo como superfície impulsionando-se para as costas do gigante
Minarim que a carregou tão rápido, Ocásis rapidamente com um clarão fez
emergir suas imponentes asas, equilibrando-se no ar com um movimento
giratório e partir atrás da princesa.

¢
– E então, recruta, está gostando da visão?

– Isso é – o garoto chorava enquanto ainda ouvia as pessoas cantando


em suas casas douradas – isso é simplesmente a… coisa mais perfeita e linda
que já vi em minha vida.

– De facto, é uma paisagem hipnotizante…

Sannie nem mesmo terminara de falar, quando dois corpos saíam do


mar colorido no céu. A enorme besta chegava tão rápido com Ocásis logo
atrás, fazendo as enormes árvores atrás do garoto se agitarem, parecendo
serem arrancadas com a força das enormes asas da ave que apenas o bico
negro como a noite seria do tamanho de dúzias e dúzias de pessoas médias.

– Parece até que foi ontem que o encontramos em floresta dos galhos
cantantes – Anúbis estava nas costas da fera que fazia sons guturais – e olha
para você – o anjo arqueou uma sobrancelha – estou impressionada.
Arriscaria dizer que você aumentou alguns centímetros.

Ocásis ainda batia suas asas no céu parecendo o anjo da justiça, com o
sol o iluminando por trás o jovem era realmente o deus do submundo, seus
cabelos brancos e curtos eram abanados por todos os lados.

– Não há tempo a perder. Recebemos informações de que pessoas


com a marca da borboleta acorrentada apareceram na tribo da Árquia, no
continente, o povo de lá está fraco demais para se defender sozinho – uma
breve pausa – é seu dever como Salins ajudar todo um que precisar, que
rezar por ajuda – o jovem dragão olhou para Edward, a voz de um guerreiro
com séculos de treinamento – Anúbis e Edward, vocês vão para lá.
Pela expressão do anjo às costas da fera, eles já haviam conversado
sobre aquilo. Sobre outras coisas também.

Ocásis continuou: – Sannie – a menina ergueu o queixo como o


soldado que era, pronta para a primeira briga que lhe aparecesse, haveria
alguém no universo tão louca quanto ela? – você permanece aqui e defende
Orgema com sua vida junto Sila, enquanto não estivermos.

Mas e você – a menina perguntou.

– Vou atrás de um Salim que deveria estar aqui faz tempo.

Edward ficou aliviado por ouvir aquilo. Finalmente alguém de seu


mundo se uniria àquela loucura.

– Layla Miller.
16
O jovem sombrio

Vênus despertava. Eram cinco da manhã, o sol ainda não tinha raiado
mas a noite já não governava as ruas e parques de diversões e prédios e casas
menores por onde Layla passava com as calças castanhas e escuras dentro
das botas pretas que chegavam quase até os joelhos. Fazia semanas que não
surgia mais nenhuma daquelas gigantescas penas negras e vermelhas que
deixavam destruição por onde caíam. Por alguns dias ela estava de certa
forma livre, renovada, durante as conversas com o professor. Era incrível
como o senhor de meia idade a entendia como ninguém jamais o fizera
naquela cidade ou em Étom, Suécia.

– Foque-se nas atitudes – dissera o professor durante o último encontro


após terem conversados, pensando, durante horas sobre Daren e suas
possíveis intensões – palavras transcreva em um caderno e faça um livro com
elas. Foque em atitudes, senhorita Miller.

Cerca de trinta minutos após terem cogitado sobre o livro de merlim na


pasta presa com ela, carregando-o em todo o lugar junto o resto do material
escolar para aquele dia, a jovem perguntara:

– O que o senhor faria numa situação como a minha? – sua voz parecia
gelo vivo – digo, sem amigos, sem pais, sem um lar e com sérios problemas
de socialismo? Embora eu não me importe, ver aqueles olhares de nojo e
rejeição, como se eu fosse uma aberração psicótica me deixa completamente
frustrada e, ai eu penso, que talvez lá no fundo, eu me importe com isso. E
chego a não sabendo o que fazer, como me proceder.

Naquele instante, mesmo com os olhos na lareira que não ardia, ela
conseguia senti-lo olhar para ela quando disse:

– Tudo bem – Duas palavras tão simples mas que disseram muito,
tudo, para ela naquela conversa – as pessoas odeiam o teu jeito de ser e por
vezes te sentes mal por nunca conseguir se enquadrar, pois elas não gostam.
Neste momento o professor chegava mais perto, os antebraços
apoiados sobre a escrivaninha, mas ele continuou. - Então eu pergunto: e
como ficam as pessoas que gostam?

– Não entendi – ela teria olhado, confusa, para o senhor que estampava
um doce e acolhedor sorriso.

– Existem pessoas que adorariam você do jeitinho imperfeito que é.


Você não precisa mudar totalmente sua personalidade por pessoas que não
mudariam nada para melhor em você mesma.

– Às vezes me sinto como se fosse a culpada pela morte da minha mãe.

No entanto, o professor não respondera a aquela pergunta. Mas de


toda forma Layla saíra daquele encontro libertador com a alma levemente
consertada, pois alguém a teria escutado, compreendido, e aquilo fez seu
coração pulsar tão fragilmente que lágrimas tinham lhe caído dos olhos do
outro lado da porta após ter saído. Seus pensamentos longínquos voltaram a
terra, no momento em que uma voz incomumente fria, porém sedosa saiu
atrás de si na rua vazia e completamente silenciosa. Correntes tilintavam, ela
sentia, mesmo sem virar o corpo trémulo para aquilo, os passos do homem.
Ela ganhou coragem logo depois de perceber que eram duas pessoas com
magia destrutiva e aterrorizante emanando deles. Haviam camuflado
totalmente sua presença ou aparecido do nada, pois Layla não notara de
alguma forma a presença deles ali. A jovem de cabelos pretos e tão longos
que arrastavam o chão de onde estava o homem encapuzado, ambos
estavam com vestes tão escuras que a noite era um bebê em comparação, ela
chegava mais e mais perto com passos completamente silenciosos que seus
pés pardos com unhas escuras pareciam nem tocar o chão frio ainda sem o
calor do sol. Por todos os santos, estavam atrás do livro. Enfim tinham
vindo.

– Devo matá-la? – a garota que poderia muito bem ser da mesma idade
que Layla, talvez um ano a mais, exibia um sorriso diabolicamente frio e
venenoso. Mas o que fez Layla quase cair de pavor e horror e confusão fora
a voz assustadoramente familiar do homem. Embora fria.

– Não pode ser – ela conseguiu falar, a voz completamente trémula. Ela
conhecia aquela pessoa. Aquilo simplesmente não poderia ser verdade –
Isso é impossível – a jovem de camiseta escura levemente azulada que
deixava o abdômen à vista, olhava divertidamente para Layla sem dizer uma
única palavra. O jovem-sombrio disse para a companheira:

– Faça o que quiser com ela. Alguém saiu da toca.

E como um raio negro ela o viu desaparecer. Aquilo simplesmente


tinha de ser um pesadelo que ela precisaria acordar o quanto antes. A
situação era muito pior ainda do que o professor tinha previsto. A magia
daquele homem. “Aquele” homem em si. Por céus, o que ela acabara de ver
ali era o tipo de magia que o professor gostaria que não fosse. Aquela magia
era manipulação do espaço. Pelo que o professor havia dito, se houvesse
algum Salim com tal poder seria possivelmente incompleto. Aquela era uma
magia viciante que faria seu portador correr atrás da parte que a
completaria, que a tornaria indestrutível. Então seriam aqueles seus planos?
Não apenas o livro que a jovem sombria possivelmente mataria para que o
pegasse, não somente a tal de Orgema que o livro tinha mostrado dias antes
mas, Tempo.

Tempo!
DAREN, ESTÁ VINDO…

A mensagem subliminar que aparecera em meio as chamas azuis no


livro não fora para ela mas …para Edward.

Segundo o professor, com o tempo em mãos, o Salim com a


manipulação espacial seria definitivamente um deus, senhor do destino,
determinando o que seria real e o que não, selecionando quem viveria e
quem não. Seria o fim, pelos vistos ele ainda não o possuía , então só
poderia estar com outro Salim que não estava do lado deles. Se fosse o
garoto tímido, por todos os seres divinos, Edward estaria correndo um
grande perigo. Mas aquele homem. Aquele homem…

– Porque estão fazendo isso?

– E isso importa? – a jovem de calções escuros e curtos que


desenhavam seu belo e elegante corpo arrastou mais para o lado a bota igual
as dela – sendo que está prestes a morrer, Layla Miller?

Então eles teriam planejado ao ponto de saberem com quem mesmo o


livro estaria, apesar de terem conseguido ocultar a magia que saía do objecto
como um localizador. Eles sabiam até mesmo o nome da garota. O que viria
a seguir?

Com uma leve contração, seus ossos se retorceram, costelas se


esticavam e contraíam e rapidamente suas asas apareceram, vorazes, como
leoas famintas.

– Não vou permitir que o leve.

A jovem com uma tacha prateada recurvada no nariz fez um


movimento e subitamente aquele par de correntes escuras e espeças
flutuaram em espirais direccionadas para Layla, inclinando seu rosto
lindamente venenoso para um lado, ao dizer:

– Não brinca!

¢
Após se separar de Ocásis e Sannie e terem deixado Orgema através de
um dos quatro portais, Anúbis caminhava sobre uma pantera branca entre
os meados da mata que dava início ao território da tribo da Árquia.

Após o breve desentendimento com Ocásis, o garoto magrelo de


cabelos pretos atrás de si montando a fêmea igualmente branca se sentia
culpado, o desânimo estampado em seu semblante. Durante um tempo
Edward tinha em posse o que Ocásis sequer tocara em suas longas décadas
de busca. O livro sagrado de Merlim e a bússola de Arsêmis, que naquele
momento estariam ambos nas mãos de Daren – Garoto Inconsequente,
negligente, idiota – Ocásis berrara, as mãos fortes seguravam o garoto, os pés
distantes do chão. Por um instante Anúbis teria achado que Ocásis fosse
estrangular o garoto. Segundo o mesmo, alguma coisa em um sonho
estranho o havia tirado de seu bolso – uma explicação sem cabimento – suas
palavras não faziam sentido e mesmo tentando entender seu lado da história,
a jovem não entendia como aquilo seria possível. Isso, se fosse realmente
verdade.

– Por que fugiu? – ele disse, quebrando o gelo da situação. Então Sannie
tinha contado para ele.

Aquela menina…
No entanto, ela contou à medida que caminhavam sobre seus lindos
felinos.

– Há dois anos, eu ainda estava em nosso castelo branco, o mais lindo


de todos os reinos e mundos. Minha família me via como um objecto
manipulável, um prêmio, para o homem mais perfeitamente lindo que
pudesse aparecer.

Durante dezassete longos e tristes anos, centenas de homens de todos


os cantos do mundo, talvez milhares, adentravam as portas do castelo,
alegando serem os homens mais perfeitos de seus reinos. Homens, até elfos.
Mas minha mãe é uma elfa – ela abaixou o tom na sua voz ao pensar naquilo
– outro prêmio usado para seus objectivos deploráveis, neste caso, um elfo
como futuro marido estava fora de questão, afinal de contas, eu precisava
gerar um bebê de uma beleza surreal, jamais vista, um ser cujo olhar faria
reinos cederem à seu encanto. Mulheres de todos os povos e raças matariam
por ele. Eu não poderia fugir desta obrigação, desse destino – ela olhava
para Edward a esquerda completamente calado, um ouvinte – eu sou a
pessoa mais perfeitamente linda do mundo, já deve ter percebido. A família
real vem fazendo isso desde séculos atrás, unindo em matrimónio a filha
mais bonita com o homem mais lindo que pudesse aparecer, por gerações e
gerações eles faziam isso com o objectivo de gerar o ser com a beleza dos
céus, a cada geração nascia um bebê, mais lindo que o anterior, que seu
progenitor, até que eu nasci. Ainda assim não era o suficiente, queriam mais.
Então eu fugi, durante um passeio real às Senhoras da Floresta Do encanto.
Viajei durante dias em terra, velejei em navios mercadores e o olhar
daquelas pessoas sobre mim como se eu fosse um fantasma me deixava
totalmente desconfortável com vontade de se atirar em mar aberto e
continuar a viagem nadando – Anúbis sentia suas bochechas corarem e
esquentarem – semanas depois, conheci Ocásis. Ele tem sido meu
companheiro desde então, foi a primeira pessoa a me olhar sem aquela
surpresa que todos demostravam.

– Eu ainda acho que não dá fugir do nosso destino. Anúbis fez uma
expressão de confusão, mas Edward apenas sorriu. De repente as folhas
começavam a mudar de verde para preto e cinza. Algo estava errado, a
atmosfera mudara completamente no céu nublado corvos, dezenas deles,
passavam às pressas, como se fugindo de algo. Ela nem mesmo percebeu o
homem que fazia jogo visual com Edward que estava pálido como mármore.
Por Anila. Aquele jovem de vestes pretas retirava o capuz e seus cabelos
castanhos e escuros dançavam sob o vento forte, seus olhos eram tão verdes
quanto os de Edward, eles pareciam o reflexo um do outro.

– Você – Edward falou, a voz rouca, os olhos se enchendo de lágrimas.


Uma expressão de pavor e dúvida e tristeza e ódio – como você está aqui?

O jovem sombrio exibia um sorriso lupino ao dizer:

– Olá, Eddy!

Eles se conheciam. Edward desceu com um salto agressivo do enorme


felino, olhando ainda directamente nos olhos do homem.

– Dim!

¢
O vento batia forte à medida que passava sobre floresta dos galhos
cantantes, voando à velocidade da luz. Pois só assim com a magia de
passagem para a zona de espaço-tempo chegaria ao mundo do garoto.
Edward. Ele apertava os punhos só de lembrar na vantagem completamente
absurda que teria dado ao inimigo. A bússola do deus Arsêmis, deixando-a
perdida sobre as terras de Continente Sul após a grande batalha. Como teria
chegado à Vênus, às mãos do homem que a dera de presente, ainda
precisava daquelas respostas. Ocásis nem mesmo piscou ao ser arremessado
com a rocha do tamanho de dez elefantes. Olhando para baixo, mais para
dentro das árvores secas e retorcidas que margeavam a floresta ao lado do
pântano, e lá estavam eles, centenas daquelas criaturas horrendas e ossudas e
ressecadas, todos com aqueles imensos olhos carmesim. Monstros do
pântano.
Algo dera errado. Aquilo não era uma surpresa, aquela teria sido
realmente a decisão certa? Era uma armadilha e ainda assim ele havia
decidido continuar com o plano. Porém a que custo? Se as coisas realmente
dessem errado, Ocásis se odiaria da mesma forma que odiava sua tribo
maldita. Aquelas bestas, algumas aladas, igualmente escuras e outras mais
baixas, das que atacaram Edward, que possuíam os membros inferiores e
esguios ligados ao solo o atrasariam. Precisaria ser rápido. E rezar bastante
para que o resto da equipe estivesse a salvo.
Então as bestas vinham voando furiosamente ao seu encontro.
17
Tem que valer a pena

O ataque da garota gótica quase a acertara, se não fosse pelo salto que
Layla dera para longe, por trás do escorrega estragado do parque de
diversões abandonado. Por céus, aquelas agonizantes correntes esticavam e
encolhiam. Aquilo seria um problema. Ela ainda não conseguia acreditar.
Daren… era Dim, na verdade e Dim era Daren. Não era Edward que sabia
ocultar sua magia das vezes que os dois a irritavam e perturbavam seu
sossego na biblioteca, foi sempre ele, foi sempre o maldito amigo ao lado,
como sua sombra, como um bode-expiatório. Era ele que sabia que ela
possuía magia logo que teria chegado, no primeiro dia de aulas. Isso
explicava por que tinha sumido após o desaparecimento do amigo, com a
habilidade de manipulação espacial ele poderia muito bem executar seus
planos ardilosos como Daren e viver uma vida aparentemente normal com
Dim.

Uma risada perfeitamente maligna vinha do outro lado, onde a jovem


sombria estava. Anurim, ela se autodenominava. Anurim, a princesa
condenada. Abaixada, a ouvia cantarolar:

– Disse tão confiante que protegeria o livro que achei até que você ao
menos lutasse contra mim. Mas, ao invés disso, você foge? – um estalo de
língua – interessante, Layla – tão rápida e silenciosa, ela estava atrás de Layla
seu hálito raspando o dorso do pescoço da jovem – muito interessante –
suas correntes se enroscaram em uma perna e Layla sentiu o corpo ser
arremessado no outro lado do parque, rompendo casas, parede por parede.
Instintivamente suas compridas asas a enroscavam mesmo antes de ser
atirada, tossindo pela poeira por todo lado ela reparou : nada havia
quebrado, e o livro na pasta…ela precisava ganhar tempo… Tempo… Uma
luta corpo a corpo estava fora de questão e aquilo era uma hermética
desvantagem. Anurim, no entanto, já estava em seu encalço, seus longos
cabelos pretos ondulavam sobre pedra e tijolo aos destroços.
– Não quer lutar? – entre montanhas além, as nuvens recebiam o
crepúsculo, lentamente – diria que é algo inteligente a se fazer. Entretanto,
isso a tornaria uma covarde, não? Anda, me diga , estamos só nós duas aqui
– Anurim sibilou graciosamente – você tem medo. Eu me pergunto do quê.
Eu estou começando a achar que isso não é só pelo livro. Consigo sentir o
cheiro do medo da morte saindo de você.

Aquilo era verdade, e aquele pensamento fazia Layla fraquejar. Mas


Anurim continuou:

– Você perdeu alguém – pelo seu tom, era mais uma afirmação do que
pergunta – você sente falta de alguém do seu passado, não é? Perdeu essa
pessoa e tem medo de enfrentar alguém que conscientemente saiba ser
mortal para você. Tem medo de ter o mesmo fim que ela, não é?

– O que você sabe sobre mim? – Layla falava, o coração acelerando ao


pensar nas cartas da mãe, falecida – não sabe nada sobre mim.

– Você tem razão – Ela mostrou as marcas de borboletas acorrentadas


em cada palma das mãos – então, me deixe saber. Anda, Layla, eu posso
ajudar você – ela se aproximava mais e mais como um maníaco sedutor –
me deixe ver sua mente e eu prometo apagar todos os sentimentos tristes
que você tem de Étom e coloco no lugar lembranças de uma vida perfeita,
com sua querida mamãe – um ronronar felino – vivinha da silva.

Maldição! Ela já estava entrando em sua mente sem que se desse por
conta. Você é mais forte do que isso! Você é mais forte do que isso!

– Vejo que ainda resiste a mim. Interessante. Muito bem então – tão
rápidas, aquelas correntes vinham de novo em sua direcção, Layla desviou e
o chão rasgou, estremecendo. Anurim fez um som de negação – se fosse
você, não faria isso – ela percebeu que Layla tentava levantar as correntes e
puxa-la, no entanto, sem resultado nenhum. As poderosas correntes sequer
se mexiam de onde estavam – Nem mesmo Nero conseguiria levantar essas
correntes. Acredite em mim, estou fazendo um enorme esforço para não
mata-la. Você é fraca demais, quase tão fraca quanto minha querida
irmãzinha. Então, por que não facilita as coisas para nós duas e me dá o
livro? Eu até gostei desse seu estilo – ela reparava na jaqueta preta de couro
da jovem – não me obrigue a fazer isso da pior forma.
Ainda com as mãos naquelas pesadas correntes, o corpo arqueado, o
rosto e os cabelos ondulados sujos, ela pensava. Aquilo realmente tinha que
valer apena. Ninguém viria a seu socorro, mas tinha que valer apena de
alguma forma. As chances estavam contra ela naquele confronto, e a jovem
linda e sombria teria total razão, ela não era páreo. Anurim a esmagaria só
com um único pensamento, aquilo era um ato de misericórdia. Fraca.
Covarde. Inútil. Era assim que ela se sentia naquele momento. Com um
estrondo ela bateu as asas tão forte que Anurim elevou as mãos ao rosto. E
no segundo seguinte, tão rápida, Layla estava nos céus indo mais em cima.
Sem olhar para baixo ela conseguiu ouvir a jovem dizer:

– Escolheu mal.

Rapidamente, as poderosas correntes se elevaram para o céu esticando


e esticando atrás de Layla, e ela sabia que se aquelas correntes a alcançassem
desta vez. Seria seu fim. Então ela subia e subia tão rápido, o sol da manhã já
tinha saído completamente nas montanhas ao leste da cidade e lá do céu ela
conseguia ver a poderosa luz amarela ser reflectida pelas águas do lago ao
lado. Uma hora as correntes parariam de se estucar e então Layla estaria fora
de seu alcance. Só mais um pouco! Só mais um pouco! Você está quase lá!

Mas algo inusitado aconteceu. As correntes ainda se esticavam mais e


mais, mas fora outra coisa que a acertara. Uma outra pessoa aparecera
subitamente dando um chute absurdamente forte e rápido que ela não teve
tempo para reagir, o som de ossos quebrando em suas costas foi o único
fazendo dor reverberar por toda extensão de seu pequeno corpo, diante do
homem de cabelos vermelhos escuros que a acertara. Ela o via sorrir à
medida que caía, as asas completamente imóveis. E ela caía e caía como um
asteroide de fogo sob a luz do sol dourado da manhã.

Tem que valer a pena...Tem que valer a pena…


Enquanto caía a voz dócil e carinhosa de sua mãe era o único conforto
em meio aquela dor insuportável.

OI filha! É a mamãe.
Se você está lendo isso, provavelmente já está crescida… quinze anos
talvez…
Finalmente ela conseguia ouvir a voz da mãe naquela carta, que já lera
dezenas de vezes.

Estou escrevendo esta carta porque não sei mais quanto tempo vou
sobreviver. Desde que eu estive concebida de você, começaram a acontecer
coisas estranhas, não sei explicar, mas, você não era uma gravidez normal –
ela caía – eu me sentia estranha todas as noites, e na sua maioria, sonhos
estranhos invadiam minhas noites, visões se assim posso dizer – ela caía – de
um ponto rochoso do topo da terra, tão alto que as nuvens eram vistas por
baixo, e era quase possível tocar a lua. Eu via um velho de vestes e barbas
brancas como a luz da lua cheia, rodeado por sete crianças, talvez oito
crianças aparentemente entre os dois a três anos. Você agora tem um mês de
vida e eu ficava aterrorizada com o que via, meu cérebro congelava meu
corpo padecia ao ver dentre aquelas crianças uma garotinha com suas
características. Ela tinha os cabelos e olhos iguais aos seus, uma projeção
plena do meu eu mais nova – Layla chorava em meio a dor da coluna e
cinco costelas quebradas e não sabia se estava caindo muito lento ou aquelas
palavras em sua mente eram como um uma alucinação ligeira. A voz
continuava – O senhor de vestes brancas parecia cantar para você e as
outras crianças, ele se divertia com vocês e vocês com ele. Estranhamente os
chamava de “filhos” que vocês nasceriam com um propósito. Crianças
especiais. “Salins” era esse o nome.
Filha eu nunca entendi toda vez que sonhava com aquilo, e não entendo
como você tem esses “poderes” você nasceu com asinhas, seu pai e eu
apelidamos você de anjinho, o nosso precioso querubim. Seu pai foi
assassinado há alguns dias e eu nem pude ir ao enterro.
A dor insuportável por todo o corpo aumentou quando sentiu o solo.
Um som tão alto quanto uma explosão ressoou por Vênus, inteira. E Layla
havia se espatifado no chão, criando uma cratera enorme.

Mal posso me mexer, permaneço deitada, na minha cama, e Sara me


ajuda em tudo, inclusive, ela cuidará muito bem de você quando eu… bom .
Filha eu sei que estou escrevendo mas, essa é a única conversa, a única
mensagem que eu darei para você. Quero que saiba que não importa o que
as pessoas dirão – Fraca! – não importam os abusos mentais – Covarde! – o
julgamento da sociedade – inútil – isso vai acontecer, sim e você precisa se
preparar para isso, nada disso realmente importa, seja você mesma, apenas
lembre que você é especial, querida, muito, muito especial.

Mesmo com o corpo imóvel, virado para os céus, mesmo em meio a


angústia, decepção e a dor física que chegava a tocar a alma, ela ainda
movendo levemente algumas partes do corpo quebrado, esticava o braço
para a pasta que estava ao dobro do tamanho do braço. Ela tinha que
alcançar. Precisava. Tudo aquilo teria que valer a pena, teria que valer
alguma coisa. Ela chorava e chorava, a voz saindo num pio, em comparação
ao resto, a dor que sentia na garganta não era nada. E em meio ao pranto ela
dizia repetidas vezes, tentando alcançar a pasta empoeirada – Mãe. Mãe.
Mãe – ela tentava arrastar o corpo, pesado, com as enormes asas, suas
queridas irmãs, companheiras, completamente paralisadas enquanto tentava
de todas as maneiras chegar àquela maldita pasta, nos papéis – Mãe – sangue
e lágrimas se misturavam em seu belo e sujo rosto – Mãe.

Filha! Aconteça o que acontecer. Não caia – mãe – será, sim, difícil viver
sem mim, sem o papai por perto, mas saiba – ela tentava e tentava mesmo
sem o corpo reagir – que eu e papai amamos muito você, não machuque
ninguém, seja boa com todo o mundo e ajude quem precisar de ajuda, pois
é para isso que pessoas diferentes nascem: para fazerem a diferença, então,
faça, filha, faça.
E onde “ajudar os outros” a havia levado? Mesmo depois de ter se
esforçado tanto, buscado tanto por eles, pelos Salins iguais a ela…

…Com o poder que você ganhou. Isso não é uma maldição – Fraca! – é um
dom que você ganhou. Ser boa com os outros não fará de ti menos
humana.
Outro tremor de terrar. Deveria ser o homem que a arremessara das
nuvens até o chão. As correntes insuportáveis tilintavam mais e mais perto.

– Olhe o que nos obrigou a fazer, garota teimosa.

– Deveria olhar mais para onde voa – o jovem alto de cabelos de sangue
sacudia a pasta fazendo tudo ali dentro, lapiseiras, cadernos, o livro marrom,
os papéis de sua querida mãe, tudo caindo – você pode ser atropelada por
um daqueles seus pássaros mecânicos.
– Por f-favor – Layla ainda chorava, a voz tropeçando, o braço esticado
para o nada – p-por f-favor, n-não!

Mas o jovem alto vinha até ela, entregando o livro em Anurim que ainda
possuía aquele mesmo olhar frio e sem emoção. Ela viu os preciosos papéis
serem pisoteados entrando mais fundo no chão. Sua visão ficava embaçada à
media que era pisoteada e empurrada até que ficasse de bruços, seu rosto
tocava o chão, sua respiração fazia areia ser levantada.

– Eu poderia passa-la para o nosso lado – ela ainda ouvia Anurim


dizendo lentamente – no entanto seria um peso morto para nós.

Inútil! Fraca! Fraca!


– Deveria acabar com seu sofrimento – ela sentia o peso do rapaz entre
suas asas, era a bota dele. Não. Não. Não – mas eu quero que você sofra,
além disso, Anurim ficaria muito triste se eu a matasse – ela sentiu as mãos
ásperas em cada uma de suas irmãs, imóveis – deve gostar tanto dessas asas –
Não. Não – Lhe farei um favor.

Por céus, a dor ficara ainda pior que antes, muito pior. Seu sangue se
agitava, seus pulmões apertavam, pavor, total pavor se apoderara dela
naquele momento, ela sentia o pé do jovem pressionar mais fundo suas
costas – Por favor não faça isso, por favor – ela tentava gritar, porém todas as
forças haviam se esvaído de seu quebrado corpo – Por favor, por favor, por
favor – segundos depois suas imponentes asas eram atiradas de um lado e de
outro. Sangue. Ela sentia o corpo todo banhado por seu próprio sangue.
Tem que valer a pena!…Tem que valer a pena!…
Faça amigos, se possível tente encontrar as outras crianças como você,
assim será mais fácil você conseguir sobreviver, pois amizade é uma magia
que nenhum mal consegue destruir – Layla ouvia a voz da mãe, segurando
com a pouca força que lhe restava os joelhos até ao peito, ficando ali
chorando e lamentando, naquela posição fetal – Eu sei, eu sinto que você
não é a única neste mundo. Eu e seu papai estaremos sempre aqui do seu
lado, acompanhando seus passos. E lembre-se, sempre, que você é a luz que
nunca se apagará…
… Gostaria que tivesse tido mais tempo…
Carinhosamente, da sua mamãe#

Cuide-se…

…filha!
Como eu já disse… minha história… nunca foi um conto de
fadas!
!?
!!!...
Parte Dois

Grito de guerra
18
Laços cortados

– Não!

O senhor de meia idade dizia com a voz baixa e amargurada para o


corpo ensanguentado sobre seus braços, no meio do enorme buraco que
teria sido aparentemente feito minutos atrás – por que se sacrificar tanto? – a
jovem completamente imóvel olhava para o nada, a barriga subindo e
descendo levemente. Estava viva– o plano não era esse, senhorita Miller. Por
que fez isso?

Ocásis impulsionou suas asas e tão rápido como o dragão que era
aterrissou com um movimento perfeitamente coordenado bem ao lado dos
dois mais ao centro do buraco. O sol estava quase ao meio-dia, embora
pouco visível em meio as nuvens . O senhor que estava com o rosto sobre a
garota respirando dificilmente olhou para ele, seus olhos estavam vermelhos
e inchados, quando disse:

– Onde vocês estavam? – Ocásis permanecia em silêncio, a vergonha


estampada em seu semblante – Onde infernos vocês estavam? Durante todo
esse tempo, ela lutou por apenas uma coisa. Que era encontra-los. Ela
protegeu com o corpo e a alma esta cidade dos ataques das malditas penas –
ele não sabia do que o senhor estava falando. Mas aquilo importava, no
momento? – não importa o quanto demorasse, ela ansiava tanto conhecê-los
– o senhor olhava directamente em seus olhos com completo desprezo e
repugnância – sabe o que ela sempre desejou mais do que tudo nesta mísera
vida? – uma leve pausa – um único amigo! E ela sempre esperava que vocês
e Edward viessem ter com ela, que viessem acolhê-la. Salva-la.

Ocásis ganhou coragem para dizer:

– Eu estava a caminho. Eu… estava a caminho.

– Mas não chegou a tempo, Salim. Eles já se foram – o senhor retirava


com a mão livre algo de sua pasta, aquilo fez seu sangue esquentar ainda
mais – aqui está o maldito livro!
– Pelos santos deuses – ele exclamou baixinho. Lá estava ele, a capa
velha e amarronzada. Uma dúvida surgia em sua mente mas o senhor lhe
poupou o trabalho.

– Eu e senhorita Miller descobrimos alguns feitiços de encantamento e


desencantamento que o próprio livro nos mostrou. Desta forma nem
mesmo Daren – o senhor engoliu em seco ao corrigir – Dim, saberia onde
ou com quem estava – ele levantou mais para cima o objecto avermelhado –
eu estava com o livro. O que eles levaram não passa de uma cópia barata
carregada de um pouco de magia doada por essa jovem – Ocásis poderia
jurar que Layla dera um sorriso invisível e inconsciente – apesar de não ter
medido os custos, essa jovem me surpreendeu como sempre faz.

Aquilo era uma bênção dos céus. Ele odiava pensar naquilo, naquele
momento diante da situação mortal da garota de pele trigueira. Mas um
alívio surgia no peito do jovem. Ainda haveria esperança para Orgema,
então, e para outros reinos e mundos. Graças a garota completamente
quebrada diante de si. Ele reparou em cima, o céu ainda nublado.

– Daren possui magia de manipulação espacial e está incompleta…

– Edward! – ele entendeu mesmo antes que o senhor continuasse.


Edward era o alvo, então, seja lá o que Daren quisesse de Orgema, Edward
era também parte do plano – preciso leva-la – uma pausa – para Orgema.

– Me leve junto – o senhor implorava – eu posso ajudar com alguma


coisa.

Ocásis não permitiria que um humano frágil e desnecessário se


colocasse naquela confusão toda. Não permitiria. Então, carinhosamente
colocou Layla em seus braços fortes e se virou, dizendo do ombro para o
homem:

– Eu sou Ocásis da tribo dos caçadores. Um Salim com dois séculos de


treinamento e inteligência sobre-humana, experiência em campos de
batalha, herdeiro da magia draconiana, com velocidade e agilidade que
jamais imaginaria ser possível, completamente preparado para lidar com
senhores do mal doptados de magia maligna, protetor e defensor da terra do
sol eterno – uma pergunta fria para o senhor – O que você é, humano?
– Eu sou professor! – outra pausa silenciosa – e isso é algo que você não
é, suponho.

¢
– É bom nos revermos novamente, amigo – Edward ouvia a voz de Dim
por todos os lados, como um eco, sua voz estava em todo o lugar. Não. Dim
estava em todo o lugar – na verdade, é nosso segundo reencontro – mesmo
com o corpo totalmente sem forças, a mente vagueando por incontáveis
abismos, ele se virava para onde Dim aparecera, atrás de si, girando o
objecto dourado na mão – você deve se lembrar, não?

Então tinha sido tudo real. Aquilo, tinha sido real! Embora tivesse
explicado exactamente o que acontecera, embora confuso até para ele
próprio, para Ocásis, ele não entendia como a bússola tinha sumido de seu
bolso. E aí, ele lembrara que pouco antes de acordar do pesadelo, naquele
lugar, o demônio escuro e sem olhos e asas gigantes de morcego tinha
tocado realmente nele e de alguma forma… Tirado a bússola.

– Você deve estar confuso, não é? – Dim prosseguia, enquanto ele


permanecia quieto, paralisado, chocado – pois é, eu também ficaria no seu
lugar. Acontece que – Dim gesticulava as mãos – esse praticamente não é o
meu corpo verdadeiro e…

– Edward – Ele ouviu uma voz feminina, alguns passos a direita, as


folhas cinzas e escuras caindo em seus lindos cabelos . Era Anúbis. Ela
deveria estar gritando seu nome fazia tempo.

– Desapareça!

Um segundo depois, Edward viu Anúbis toda coberta de sangue. Era


de um dos enormes felinos brancos. Completamente transformado em
carne moída, o outro, a fêmea seguira a ordem da jovem, em fugir.

– Ah – Dim sarcasticamente lamentava – quase que mato o prêmio de


Anurim. Não se preocupe, amigo, não sou eu quem vai acabar com a vida
dela.

– O-o que d-disse? – a voz do anjo saía igualmente trémula e


apavorada. Mas Dim continuou, suas roupas escuras se agitando ao vento
amargo.
– Pois é, princesa, sua querida irmã vem vindo.

– Do que, ele , está, falando – Edward perguntou, ainda olhando para o


amigo, que inusitadamente ficara surpreso.
– Ah? Não contou para os amiguinhos, princesa?

– Do que ele está falando, Anúbis? O que não contou?

O anjo ainda permanecia em silêncio, imóvel, pálida, os poderosos olhos


distantes e brilhantes. Eram lágrimas.

– Não vou tirar o gostinho da culpa de você, princesa – Dim


continuava, olhando para Edward – então vou contar uma outra coisa.
Como eu dizia, eu estou… digamos que… exilado, entende? Durante longos
vinte e um anos, permaneci naquele maldito mundo de preto e cinza,
rodeado por demônios e atormentado por eles, minuto após minuto, ano,
após, ano. Deve parecer pouco, mas convertendo ao tempo do seu mundo,
Edward, seriam exactos trezentos anos. Trezentos anos de solidão e angústia.
Mas aprendi a conviver com meus demônios e eles tornaram-se parte de
mim. Com o tempo desenvolvi minha habilidade, e percebi que apesar
daquele lugar não permitir que teleportasse de volta meu real corpo, poderia
transportar minha consciência fora dali. Foi aí que esta criança – ele
direccionava as finas mãos para ele próprio – deprimida com os novos pais
adoptivos, após o suicídio dos verdadeiros bem diante de seus olhos,
apareceu para mim, e em uma noite, me apoderei de seu frágil corpo e
durante os últimos dezanove anos tenho orquestrado meu glorioso plano,
procurando e procurando, observando todos os escolhidos pela magia de
Merlim durante suas infâncias. Anúbis, Layla, Nero, e Ocásis que na época
teria uns cento e tantos anos. Com este corpo, eu era inevitável, o senhor das
trevas camuflado, operando das sombras – Uma leve pausa, Edward sentia o
sangue congelar, Anúbis não era excepção, ainda paralisada, também ouvia –
Você e Anurim, no entanto, eram casos peculiares. A princesa mais velha do
castelo branco, assim como eu, soube ocultar fascinantemente seus poderes,
até sua querida irmã fugir. Eu a encontrei, a acolhi. Já você, Edward, ah,
você…, eu sabia que a magia também estava em você, de alguma forma, eu
sentia isso em você, e como os outros não demostravam qualquer traço da
magia que eu tanto procurava, eu soube. Soube que seria você, o meu
prêmio. Com o tempo este corpo ganhou a aparência do meu eu mais novo
à medida que crescia, se afeiçoando mais à minha alma e para que você não
saísse do meu olho, precisava de algo mais consistente. Uma amizade – ele
balançava novamente o metal amarelo em sua mão – quando me mostrou
esta bússola, após seu aniversário, sequer senti o poder nela, mas ela está
comigo agora.

Então fora tudo uma farsa, uma ilusão, durante anos de amizade. Tudo
uma maldita ilusão. Edward sentia os olhos esquentarem, em seguida em
suas bochechas amarelas escorriam pequenos rios de lágrimas.

– Por quê? – ele perguntava – Por quê? – Edward gritava, raiva,


completa raiva como nunca sentira se apoderava dele – como pôde fazer
algo tão cruel?

Dim gargalhava diabolicamente em um tom baixo, o rosto levemente


inclinado para as botas.

– Age como se tivesse razão em, Eddy? Acha mesmo que sou o ser mais
maligno do mundo por isso? – Dim ria mais alto desta vez – abra os olhos,
criança – por um momento sua voz parecia ser de outra pessoa, seria aquele
nos olhos do amigo o verdadeiro Daren, falando daquele inferno? – o
mundo está cheio de amizades falsas.

– A nossa foi? – uma pergunta afiada.

– Nunca houve isso daí entre nós. Nunca houve sequer um “nós”.

Aquilo partiu ainda mais seu coração. Dim voltava a gargalhar


sombriamente: – ah, Edward, ingênuo e manipulável como sempre. Vejo em
você potencial, deve ter treinado bastante. Mas por quê gastar as energias
deste miserável corpo, quando poderia muito bem brincar com seus
espíritos e mentes?

Era tudo uma estratégia, Edward pensou, e pelos vistos Dim vencera
sem mesmo partir para a briga. Ele sentia o coração doer, Anúbis
igualmente destruída.

– Mas esta não é a melhor parte, Eddy – ele continuou, depois de olhar
por alguns segundos os corvos que gritavam e passavam aos miliares nos
céus tempestuosos e agitados – acha mesmo que vim até aqui para contar
uma historinha? – um estalo de língua – não, não, Eddy, deveria ver o que
fiz com seus queridos pais – uma pausa – e Sara.
– O que fez? O que, você, fez?

– Calma ai, amigo, não matei eles… ainda!. Mas agora, eles fazem parte
de algo maior, estão bem aqui, do meu lado, consigo sentir e ouvi-los chorar.
Meus amiguinhos alados estão se deliciando de seus medos e choros. E para
meu plano, só preciso de mais uma coisinha.

De repente, Dim não estava mais ali. Ele se fora? Não.

– Edward! – Anúbis falou em um pio – atrás de você.

– Nos veremos logo, Eddy – era tarde demais, Dim já estava ali, o ar
quente roçando seu pescoço – mas terei que ficar com isto.

O que Edward ouviu em seguida foi apenas Anúbis gritando, logo


depois de sangue cobrir todo o chão e sentir a pior dor de sua vida.
19
A justiça da deusa

Layla estava tão quente que até mesmo para o jovem-dragão seria
mortal. Seu pequeno e delicado corpo estremecia bruscamente, como se
aqueles fossem seus últimos suspiros, ainda inconsciente. Layla não acordara
desde Vênus. Por céus! Anúbis precisava vir o quanto antes, pelo menos
algo naquele miserável plano teria que dar certo.

¢
Senhorita Miller estava à beira da morte. E ele só poderia ficar olhando,
apesar de Orgema ser o mundo fantástico que tanto sonhava conhecer. Seu
coração sofria ao olhar para a jovem acamada naquele quarto à luz das velas
na casa dos Salins, sua casa por direito também.

– O que são aquelas marcas, lá em baixo – Gregório Dexter perguntou


em meio a tensão – os desenhos e runas nas paredes?

O jovem-dragão ainda olhando e passando a mão na testa de senhorita


Miller levou alguns segundos para responder, a voz igualmente sofrida.

– São os deuses. Marcas e poemas cravados nas pedras deste lugar pelo
próprio Merlim há milénios. Estão por toda casa – ele indicou para as
paredes pálidas sobre a luz das velas – Arcas, o deus dos oceanos, Anila,
deusa da perfeição e justiça, Arsêmis, deus da luz e o perdão, alguns dizem
que o veem no próprio sol eterno da cidade – ele concluiu – e Aphênys,
deus das chamas, da punição e sofrimento.

– Você não mencionou esta – Gregório Dexter indicava para a mulher


de cabelos longos como rios e vestes longas. O jovem-dragão então
continuou, parecendo não querer tanto falar sobre aquilo.

– Ela não é propriamente um deus – uma pausa – é uma lenda, um


conto que as pessoas passam de geração a geração. A chamam de Alika, a
deusa encarnada, justamente por seus poderes inimagináveis e seus cabelos
de mil cores e tão longos quanto um rio – Dexter viu o jovem fixar os
poderosos olhos dourados nele – ela é o Salim nunca visto.

– Julguei que vocês fossem apenas sete.

– Na verdade somos oito. Eu, Anúbis, Layla, Edward. Os três que se


viraram para o mal... E ela – outro olhar para a gravura riscada nas paredes –
Alika. Escrevi um pouco sobre ela em meu interminável livro, algumas
décadas atrás procurei por ela, mas nunca a encontrei, ninguém sabe de seu
paradeiro. Alguns dizem que está no continente Norte, na floresta das
Senhoras do encanto, mas Anúbis confirmou que também eram apenas
informações falsas para gerar fama.

– Ela é realmente poderosa?

– Ah – o jovem-dragão parecia rir da pergunta, ao dizer: – Diferente de


Daren, Alika pode entrar quando bem quiser em Orgema. E se tivermos
que comparar o nosso poder ao dela – Ocásis levou os dedos a têmpora –
como posso explicar para você?

Ele se aproximou da gaveta ao lado da cama.

– Digamos que, quando Merlim espalhou sua magia para os quatro


cantos do Universo, se é que o Universo tenha cantos…

– Bom – Dexter interrompeu – pelo que disse anteriormente, ele dividiu


a magia para todos vocês.

– Sim. Mas, para os sete, foi apenas metade do poder. Metade da imensa
magia de Merlim se repartiu para os sete Salins conhecidos.

– Pelas barbas de Merlim! Então toda esta loucura é…

– Sim. E a outra metade, bom – outro olhar para as paredes – escolheu


ela.

¢
Meia hora depois, graças aos céus, um dos emissários de confiança de
Sila teria chegado no quarto onde estavam. Anúbis e Edward teriam chegado
e estavam na sala do chão de pedra lisa, mais abaixo na casa.
Rápida e cuidadosamente descia as escadas com Layla, sua pele
amarela começando a ficar levemente cinza. Por Arsêmis! Ela estava
morrendo. O professor, logo atrás, parecia com medo, medo de sequer
pensar no pior. Anúbis precisava cura-la. Precisava…

– O que aconteceu? – Ocásis parou na base das escadas, enquanto


olhava para as pessoas ali. O emissário baixinho, a pequena Sannie
sustentando Anúbis no ombro, Sila e o garoto magricela inconsciente em
suas costas, o braço direito faltando.

¢
As coisas iam de mal a pior. Tudo estava dando errado para eles, Ocásis
estava com a jovem que deveria ser Layla Miller, e as coisas tinham corrido
mal para ele também, pelos vistos. Se não fosse por Sannie e Sila que teriam
aparecido em seu socorro, ela não sabia se conseguiria ao menos estancar o
sangue no braço que faltava em Edward, que piscava levemente os olhos
semiabertos e completamente mórbidos. Ele estava abatido igual a ela, uma
coisa que lamentavelmente seu poder não poderia curar. Minutos depois, se
esforçando para puxar sua magia trancafiada pela culpa do que sua atitude
egoísta fizera a irmã. A Anurim. Anúbis se aproximou do corpo da jovem
disposto sobre a mesa de madeira histórica, e estendendo sobre ela suas
macias e delicadas mãos começou: o processo demoraria algum tempo,
mesmo com os olhos fechados ela sentia todo mundo atento àquilo, a
situação era bastante complicada, havia bastante coisa quebrada, costelas,
vértebras, uma série de nervos danificados, vasos cortados e milhões de
células mortas, que por cortesia da irmã, não estavam se regenerando, até
para um Salim. No entanto, aos poucos ela consertava, ligava e renovava
cada tecido, cada órgão, mesmo que levasse uma eternidade ela o faria. O
livro que estava nas mãos do senhor de meia idade, ela devia aquilo a Layla,
todos deviam. O que Daren dissera ainda passava como marteladas em sua
mente: Anurim era também um Salim, por Anila, durante todos aqueles
anos ocultando sua magia, enquanto a realeza se atrapalhava com ela, a
princesa mais linda que a irmã mais velha, por consequência herdando o
direito da irmã mais velha como futura rainha de reino do primor e senhora
da nação mais poderosa de todos os mundos como seria e fora por miliares
de anos. Então ela contou tudo para eles enquanto via Layla recobrar
levemente os sentidos e Edward sentado em uma poltrona ao lado. Então
todos ouviram. Desde o dia que fugira das suas responsabilidades como
princesa e atirara toda a responsabilidade a irmã mais velha fazendo-a cativa
das tradições familiares, e que a irmã seria obrigada a casar-se com alguém
que não amasse – o motivo por ela ter fugido – e sua vida estaria para
sempre condenada ao desgosto e amor forçado, pois em Reino do primor
um matrimónio seria eterno nem mesmo a morte os separaria. O último que
traíra sua senhora tivera sua vida retirada pela própria Anila, a deusa da
perfeição e da justiça, pois atos como traição, separação e poligamia eram
considerados pela divindade como IMPERFEITO, e mesmo após a morte
de seu cônjuge, a viúva aparentemente abatida se se casasse novamente,
igualmente sua vida seria recolhida do mundo dos vivos, pois para a deusa
aquilo seria JUSTIÇA. Talvez por motivos como aqueles, Anúbis
presumira, que a irmã viesse atrás dela. Para matá-la. Como sempre fazia em
seus pesadelos com o agonizante som das correntes.

¢
– Daren deve usar a bússola como um objecto poderoso para criar uma
forma de invadir Orgema.

– É, isso nós já sabíamos – Ocásis retrucou sarcasticamente o professor,


enquanto abordavam sobre o que fazer, sentados em um círculo sobre as
pedras lisas, como se estivessem meditando, o livro de Merlim no centro.
Então ele prosseguiu – A bússola de Arsêmis não é só para tais fins, nem
mesmo é uma bússola, é um amuleto, isso é o que poucos sabem.

Sila continuou, olhando de esguelha na menina, Sannie que jogava a


adaga de prata no ar, tentando ignorar todo mundo ali – Rezam lendas que o
próprio Arsêmis o deixou no continente Sul após o duelo com o irmão,
Aphênys, o deus do fogo e da punição eterna, quando quebraram parte do
continente que milénios depois se tornou no maior rio do mundo. Dizem
que tal duelo quase despertou o que tem em terra congelada.

– E o que tem lá? – a garota sem suas asas ousou perguntar e Ocásis e
Anúbis e o resto e o emissário também presente naquela reunião pareciam
congelar com aquela pergunta. Mas Sila respondeu:

– Ninguém sabe. Nem o povo de reino Desbravante se atreve a se


aventurar por lá. Eles o têm como um local amaldiçoado. Mas se o próprio
Arcas teve que descer para congelar com o próprio poder o que quer que
esteja sob aquele gelo – uma pausa rápida – não é nada bom!

– Correcto! – Ocásis piscou para a jovem-senhora de cabelos pretos,


voltando a falar sobre a bússola para que a Jovem guerreira não tocasse mais
naquele assunto – Com o amuleto de Arsêmis, o homem que o possuir
poderia conversar livremente com espíritos ou manipula-los como quisesse.

– Ou, no caso de Daren – O professor ousou interromper, por algum


motivo ele achava que quisesse se mostrar superior, mais inteligente, aquele
“professor” desgraçado – mudanças de alma – Ocásis viu o professor olhar
para o lado onde o garoto baixinho e magricela estava, ainda com o
pensamento distante – O que ele disse em seu… último encontro?

Edward não se importou em responder:

– Que não era seu corpo verdadeiro e que ouvia meus pais gritarem e
serem torturados...

– Então deve ser isso – Sim. Definitivamente o maldito professor estava


se achando. Era uma competição, então ! – O corpo verdadeiro deve estar lá
naquele inferno de mundo, e se ele realmente disse que conseguia ouvi-los
gritar, significa que não podia vê-los, ou seja…

– Deve estar em repouso – Desta vez foi a discípula ao lado de Edward,


a voz rouca. O professor parecia brilhar de satisfação ao reforçar.

– Como um urso em hibernação.

– Usando o corpo como Dim para se locomover – os dois pareciam


completar as frases um do outro. Ocásis ficara levemente feliz ao perceber
que aquilo fez a jovem recentemente à beira da morte, sorrir – Mas se
Anurim quisesse encontrar a irmã para se vingar, por que simplesmente não
teleportar Anúbis até ela?

– Isso também explica por quê não os matou ou sequer gastou magia –
Ocásis proferiu. No entanto, o professor desgraçado não perdeu a
oportunidade.

– A verdade é que ele não estava mais com magia o suficiente naquela
hora, a não ser para poder voltar só ele mesmo, sua piedade foi um blefe.
Tudo isto porque ele precisa do corpo verdadeiro, do próprio Daren em
carne e osso, para poder usar a magia completa de manipulação espacial –
ele parecia falar mais para a jovem discípula que qualquer outra pessoa
naquele círculo, não, ele estava ensinando. Seria aquilo a magia de um
professor, a habilidade de ensinar, independentemente das circunstâncias –
Creio que seja isto que esteja fazendo neste exacto momento com o amuleto,
a família e o sangue de Edward, tudo está relacionado.

– Está despertando.
20
Sentimentos guardados

Edward estava em um canto da sala, sentado no chão com Layla ao


lado, quase se tocando. Ele via, sentia, que a garota nova queria estar
daquele jeito com ele, se sentia bem com ele. E aquilo era bom porque ele
queria o mesmo. E lá estavam eles, sentados ao lado um do outro, dois
estranhos, em um mundo estranho. Por um momento se perguntava quando
tudo chegara àquele ponto. Quando tudo deixara de ser um dia qualquer em
Vênus com o amigo sempre por perto, as aulas aborrecidas, por céus,
Edward sentia falta daquilo. Muita!

– Quando foi que chegamos a isso? – Layla encostava a cabeça em seu


ombro, fazendo os ondulados cabelos causarem comichões em seu rosto,
mas Edward não se importou.

– Acho que foi – Ele fingia pensar seriamente – quando o professor saiu
daquele carro vermelho com os papéis por dar – Layla alegremente sorriu.

– Para, não coloque o coitado nisso tudo.

Edward indicava com o queixo para frente.

– Ele se colocou sozinho.

– É – respondeu suavemente – ele se esforça tanto – um argumento


sincero.

– Não precisa de magia para fazer algo de bom no mundo – Ele falou,
sentindo a respiração da garota em seu peito minúsculo – O que você
perdeu?

– As asas, e você?

– O braço!

– Entendo!

– Como é perder um membro?


– Não sei, me diz você!

– Hamm!

Os dois zombavam um do outro e mesmo que por alguns minutinhos,


ele sentia felicidade, felicidade por estar ali, com ela.

¢
– Acha que Anúbis pode resolver este problema para nós? – Layla
perguntou, brincando com a manga cinza larga do braço magro – único
braço agora – do garoto tímido, que divertidamente cogitava.

– Acho que o que ela fez por nós é o máximo. Suponho que fazer
crescer membros a alguém seja o mesmo que revivê-lo, o que é
completamente impossível, até para ela.

– Entendo – a garota olhava para Anúbis conversando ao lado da mesa


de madeira com o jovem alto de cabelos brancos-prateados – a única coisa
que ela consegue deixar crescer sem parar deve ser esses cabelos.

Ainda encostada em seu ombro, ela ouviu o garoto gargalhar


discretamente, e aquilo abriu igualmente um sorriso dela, o resto da sala se
perguntava do que eles estariam rindo. Mas ninguém precisava saber. Aquilo
a fez olhar para as paredes ao redor e pensar no que o jovem alto dissera
mais cedo.

– Por que essa deusa encarnada não aparece e nos ajuda nesta loucura
toda? – ela falava com a voz tênue, percebendo que o garoto também olhava
para os desenhos dos deuses cravados ali – Alika, não é? Se as histórias a
superestimam tanto assim e ela pode entrar e sair de qualquer lugar no
mundo, por quê simplesmente ela não se manifesta? Ela também é um
Salim e obviamente deve saber o que o mundo está passando – Edward
levou um tempo para responder:

– Tem razão – Respondeu, por fim, a voz num sussurro – facilitaria


muita coisa nesta história toda. Entretanto nem mesmo sabemos até que
ponto a história é verdadeira. Ocásis mesmo disse que nunca a encontrou
em nenhum lugar no mundo. Apenas boatos de pessoas que alegam terem
visto enormes cabelos das mais variadas cores aparecendo em seus sonhos,
noites antes de algo bom ou ruim acontecer em suas vidas. Pelo que Ocásis
explicou, ela é uma lenda, com milénios de existência.

Embora não querendo aceitar aquele facto, Edward tinha razão. Seria
apenas eles naquele pesadelo.

– Então, acho que eu e você somos uns completos inúteis nesta batalha.

– Acho que sim.

Layla se esforçava para não parecer derrotada com a perda de suas


imponentes irmã penadas, mas aquilo era difícil, era como se tivesse perdido
o último laço familiar no mundo, restando apenas ela, embora poucas horas
atrás, quando sentira a morte rondar aquele lugar, esperando que Anúbis
cometesse um único erro, ela ouvia, ouvia naquele lugar vazio e escuro a voz
da mãe, dizendo palavras que pareciam eco, ela não conseguia entender.
Mas ela acharia alguma forma, de se vingar. Aquele cara, Nero, era seu
nome. Nero… Nero… Nero…

– Belo truque – Edward sussurrou – a do livro falso. Foi... engenhoso.

– Vênus agradece.

E por um momento, esquecendo todo sofrimento e angústia, Layla se


sentia feliz, por estar naquele outro fim-de-mundo, com ele. Com Edward.

– Sabe o que mais me alegra em ter você aqui, connosco?

– O quê?

– Você é a nova recruta! – o garoto sussurrou novamente em seu ouvido


– Os meus parabéns!

¢
Ocásis olhava para aqueles lindos olhos com anéis de fogo. Ela estava
bem, todos naquela sala estavam bem. Ele estava feliz por Anúbis ter
finalmente confessado aos demais o motivo de sua fuga, de certa forma um
peso havia saído de seus ombros também, embora a parte da irmã mais
velha ser um Salim também ter sido uma completa novidade para ele. Então
não havia mais segredos. Todo mundo ali soubera pelo menos das
informações mais relevantes para aquela guerra. Mas Ocásis precisava
confessar para ela, a princesa foragida diante dele, olhando para o lado,
precisava dizer para ela, o tempo não estava a seu favor, ele não poderia
saber o que aconteceria quando o mal viesse a eles. Amo você, princesa!
Amo você, princesa! Ele precisava dizer naquele momento. Anda, diga! Diga
para ela! Mas não conseguia. Não podia. Não com o custo a ser pago, tudo
graças a maldita tribo. Ele não podia. Diga! Anda! Diz para ela!

¢
O jovem diante dela parecia uma muralha de marrom e preto de tão
alto que era que precisava curvar lamentavelmente o pescoço para trás, mas
ela gostava daquilo, da sensação de olhar para cima sempre que Ocásis dizia
alguma coisa para ela com aquela voz desconcertante e aqueles olhos que
pareciam dois minúsculos astros dourados e eternos. De alguma forma
sentia que o jovem dragão quisera falar algo para ela, estava bastante óbvio
em seus lindos olhos. Por favor fale! Ela implorava com o olhar Por favor
fale! É o que mais quero ouvir neste momento! É o que sempre quis ouvir!
Mas ele não dizia. Por que não diz logo, maldito narcisista? Ele não diria.
Talvez tivesse sido um completo sentimento egoísta e ilusório da parte dela
durante aqueles dois anos de convivência. Talvez a sensação de acolhimento
e liberdade que Ocásis tenha proporcionado a ela fosse apenas o amor de
irmã que sentia por ela. E aquele era seu maior medo. Pensar que Ocásis a
via simplesmente como a irmã que nunca teve, talvez fosse por isso que a
protegia tanto e ameaçava de morte qualquer homem que ousasse se
aproximar. Então diga você mesma! Sua mente cochichava para ela diga
você mesma que o ama! talvez isso mude toda a situação.
No entanto, ela não conseguia dizer.

¢
Senhorita Miller estava viva. Sem as asas, mas, Viva! E aquilo seria mais
do que ele imploraria aos céus. No canto da enorme sala, com o garoto
sabe-tudo, ela parecia realmente feliz. Mas não era momento para
sentimentalismo. Eles precisavam agir logo. Com um aceno, Senhorita
Miller e Edward estavam novamente no círculo, os outros igualmente se
sentaram.
– Então – ele começou – todos sabemos muito bem o que o livro quer
– um olhar para o garoto – ou quem. É a única vantagen que temos contra
Daren. O livro e Edward. Sabemos que ele precisava do livro para retirar a
manipulação temporal de Edward, face a isso, nós conseguimos impedir.
Pelo menos por agora. Sabemos também que possivelmente ele venha até
nós com um exército de soldados e civis todos eles controlados pela marca
negra da borboleta acorrentada – o professor viu Anúbis encolher do lado,
mas foi para Sila que ele olhou – Orgema possui defesas?

– Borboleta dourada nunca antes foi invadida, mas não somos ingênuos
o suficiente para estarmos totalmente desprotegidos ou a mercê dos Salins.
Temos tropas de infantaria altamente treinados, um arsenal de armamento
com as melhores espadas, lanças de guerra, catapultas, arcos e flechas e a
própria magia de Orgema, devo continuar? – Sila parecia se exibir, com os
braços cruzados. A jovem de cabelos pretos deveria ser, então, a responsável
pelo exército.

– Ótimo – o professor continuou – Ótimo! Temos um número exacto?

– Trezentos mil, duzentos e cinquenta e setes – Sila olhou de esguelha


para o emissário que parecia mais um duende – e meio.

– Mas você acaba com o espírito de cada um dos pobres soldados com
aqueles treinamentos árduos – Sannie retrucava.

Sila fazia caretas e mostrava as palmas enluvadas, encolhendo os


ombros.

– Ninguém é perfeito, criança!

Sannie arqueava uma sobrancelha, olhando sedutoramente para o


jovem alto de cabelos brancos e olhos de fogo brilhantes, de braços
cruzados.

– Tem certeza, General?

Ocásis ignorou aquilo. Anúbis parecia explodir por dentro com o


comentário da pequena Sannie. Mas o professor continuou:

– Temos resistência aérea?

– Anúbis dirige a companhia aérea com os Minarins. Sannie, os


arqueiros e eu, o resto do batalhão da frente.
O professor sentia um enorme alívio por ouvir aquilo, admirado
também pelo facto de uma nação tão pacífica possuir um exército. Aquilo
era algo que realmente seu mundo deveria optar. Proteção e prevenção,
mesmo em tempos de paz.

– Estou preparado – Edward engoliu em seco – o que preciso fazer?

Como se estivesse escutando o tempo inteiro, o livro se abriu,


mostrando uma página em branco, rapidamente preenchendo-se com
aquelas estranhas letras escuras.

Venha até mim… Criança…


Venha até mim…
O coração do senhor saía do lugar. Não com aquelas palavras, mas pelo
mesmo motivo que fazia todos naquele círculo se levantarem e Sannie olhar
à porta, o som das pessoas na cidade gritando parecia o fim-do-mundo. A
menina de cabelos ruivos se virou novamente e rapidamente para eles,
completamente apavorada.

– Daren está em Orgema.


21
Portais abertos

Edward sentia novamente o pavor de antes. Que sentira na floresta dos


galhos cantantes. Medo. Layla em seu lado também parecia tremer mesmo
tentando não demostrar.

Venha até mim, criança!


De alguma forma, o livro parecia atraí-lo, puxá-lo, como da primeira vez,
em seu quarto, e então ele se lembrou. Fora lá que toda aquela loucura teria
começado, quando o maldito livro o sugou para aquele mundo maluco. Ele
quis dizer aquilo para Layla que falava rapidamente com o professor. Mas
ele perdera completamente a audição. Sim. Apenas via Anúbis subir
rapidamente as escadas buscando possivelmente seu arco e fecha, suas botas
sobre as calças escuras que desenhavam seu perfeito corpo e passando a
aljava às costas, sobre a blusa cinza-escura e braceletes dourados reluzentes,
Ocásis calçando as botas de couro castanho,, Sannie que estranhamente
sorria para ele, como sempre fazia depois que se saía bem nos treinamentos,
mas não teve tempo para pensar naquilo.

Venha até mim, criança!


O livro o chamava, era aquele o único sussurro arrastado que conseguia
ouvir. Inconscientemente seu corpo se movia em direcção ao livro disposto
ao chão. Era como um íman atraindo um metal. Ele não conseguia resistir
àquilo. Alguém poderia muito bem tê-lo chamado, gritado seu nome, mas
não poderia ver quem era pois o livro no chão era a única coisa que
conseguia ver e quando tocou naquelas páginas amareladas e velhas, ar
gelado passava por todo seu corpo, ele tentava se afasta do livro, mas era
inútil, seu corpo agia por conta própria. E rapidamente o mundo ao redor
estava completamente distorcido, ficando cada vez mais escuro. Então ele
percebeu. O livro o tinha absorvido.

¢
Os contos não eram mentira. A cidade, o mundo oculto do resto do
continente Sul realmente existia. Com certeza, depois que a invasão
terminasse e Daren realizasse seu plano que, por todos os deuses! Seria
glorioso de se ver, ele faria daquela cidade um lugar de laser, faria da cidade
sua própria Vilkas com todos os seus moradores como súditos e escravas,
apenas as mais lindas viveriam em seu império, enfim sua vida não se
resumiria mais a dias solitários nos bares de Vilkas com aquelas cervejas sem
gosto algum, pois era aquilo que Daren o prometera. E ele faria aquilo com
honra. E no processo, matar Ocásis e os outros malditos Salins.

¢
Anurim olhava majestosamente para trás onde centenas de seus
escravos caminhavam em fileiras à medida que saíam mais e mais como
formigas, cães obedientes, no portal aberto por Daren. Ela sentia e ouvia o
pranto e sofrimento das almas de cada um deles, mas não se importaria com
aquilo. Anúbis estava algures naquela cidade à frente. Enfim sua preciosa
irmãzinha perfeitinha demais pagaria por aquele destino terrível que dera a
ela.

– Terá uma morte dolorosa, maninha.

Suas correntes tilintavam, a cada passo no gramado marrom e verde


sob suas botas de couro preto. Nero àquela altura deveria estar entrando
com a legião dos monstros do pântano do outro lado da cidade. E aquela
Salim desgraçada…

Por sua causa Daren os punira pelo livro falso. Mas ela já estaria morta
mesmo, neste caso seu ódio pela irmã só aumentava ainda mais. Anúbis
pagaria. Pagaria...

¢
– Precisam de mim – Layla esbravejava, enquanto todos olhavam para
ela, do lado de fora da casa gigante de diferente de todas ali, dos Salins, a
cidade ainda em alvoroço.

– É mais seguro para você se ficar aqui, esperando, caso Edward retorne
– Ocásis falava, sua camisa marrom dobrada nas mangas, enquanto
implorava para ela. Não sabiam onde Edward poderia estar naquele
momento, não sabiam sequer se retornaria, professor Gregório dissera o
mesmo após várias tentativas de fazer o livro falar, escrever qualquer coisa,
no entanto, o mesmo não reagia, como se se isolasse instantaneamente após
absorver o garoto. Entretanto, ali estavam eles, com a cidade possivelmente
invadida por Daren, e pedindo para que ela permanecesse. Ela odiava
aquele olhar das pessoas, o sentimento de pena, de preocupação, ela odiava
aquilo, odiava que sentissem pena dela.

– Acha mesmo que por eu ter perdido minhas irmãs, acabaram-se


completamente as chances que tenho de lutar?– ela relutava – Eu ainda sou
um Salim, Anúbis me curou e estou pronta para lutar, nem que para isso eu
tenha que segurar em uma espada e escudo ou lanças, que seja, Ocásis, sabe
por quê? – ela se aproximava do rosto do jovem, mesmo seus longos
centímetros de distância os separando – porque é isso que realmente
importa neste inferno de mundo. Lutar e ajudar-nos uns aos outros – Layla
sentia os olhos arderem – eu nunca tive uma família e nem amigos e olha –
um movimento com os braços – aqui estão vocês. Há algumas horas minha
vida era balanceada pelos malditos seres celestiais e o mais engraçado é que
ainda continua. Você se preocupa comigo e eu entendo isso. Mas se for para
morrer, que seja defendendo quem nós temos e consideramos família, não
acha?

– Deixe ela ir – Sila disse por fim, os braços cruzados – ela iria de
qualquer jeito mesmo. Anda – ela se aproximava da garota – teve asas, então
deve saber bem como os céus funcionam. Irá com a companhia aérea junto
Anúbis.

Por um momento, Layla pensou em agradecer a jovem que levemente


parecia velha, mas…jovem… ela tentava não pensar muito naquilo, no facto
de todos naquela cidade dos sonhos serem questionavelmente jovens. Mas
foi para Ocásis que ela olhou. O jovem alto levou alguns segundos, quando
finalmente respondeu.

– Tudo bem – disse ele, embora indignado. Ele deveria se sentir


responsável por ela desde o incidente.

– Aquilo, em Vênus – ela disse ao jovem a sua frente – não foi culpa
sua.
– Chega de conversa melancólica, crianças – Sila indicava para a cidade –
é com eles que devemos nos preocupar agora. Um de meus emissários
informou dizendo que as tropas alinhadas na planície, além da cidade,
avistaram um exército inimigo saindo do portal Sul, cerca de quatrocentos
metros atrás do monumento de Merlim, que Arsêmis o tenha! Todos eles
controlados pela marca da borboleta acorrentada, Sannie confirmou e
Anúbis deve estar planando sobre eles neste exacto momento, enquanto
vocês discutem sobre quem luta ou não.

– Então vamos até eles – Layla exclamou pensando na companheira. Se


fosse realmente um exército de inocentes possuídos, certamente a irmã
estaria liderando.

– Como já disse, Anúbis vai cuidar disso – Sila continuou – você e


Ocásis vão para o portal Leste.

Layla percebia que Ocásis olhava para aquele mesmo lado, como se
sentisse a presença do inimigo ali. Por céus! Estavam entrando por todos os
lados de Orgema.

– Uma legião de monstros do pântano terrestres está vindo rapidamente


desta área. Alguém muito forte os está liderando.

– Nero – Layla apertava os punhos ao pronunciar.

– Possivelmente. E tendo em vista o quanto Vilkas fora deixada aos


escombros e o histórico do que Nero tem de lá. Arriscaria dizer que seja tão
forte quanto você – ela olhava seriamente para Ocásis, que parecia
levemente sorrir para aquilo.

– Pelo que pude descobrir sobre ele e comparando à sua magia, meu
jovem – o professor interrompeu trocando o livro entre as mãos, a voz
controlada – poderia dizer que há uma grande possibilidade de ambos
possuírem a mesma variação mágica.

Layla olhava para o professor, intrigada.

– O que quer dizer, professor?

– Me permita explicar. É como se fosse o mesmo poder, apesar da


particularidade alada de Ocásis, no entanto, a força de ambos é igualmente
poderosa, diferindo apenas na vida e a forma como a moldaram. Quero
com isto dizer que seu poder, Ocásis, é para defesa, proteção, como um
escudo para os demais, por isso se dedica tanto a deixar seus companheiros
seguros. Nero, por sua vez, possui força brutalmente destrutiva, única e
exclusivamente para o ataque, como uma lança.

– Em Vênus – Layla continuou, mesmo evitando lembrar daquilo, ela


disse, precisava dizer – a forma como …ele me acertou no ar, a forma, a
facilidade em como retirou minhas irmãs – uma pausa, ela sentia seus
ombros arquearem, em seguida olhar para Ocásis – ele é realmente forte e
bastante rápido.

– Neste caso, devem tomar muito cuidado – as palavras de Sila pareciam


mais para ela que Ocásis, mas ainda assim ela assentiu, olhando para o
professor.

– Quero que permaneça aqui. Esta batalha não é para o senhor, não sei
o que faria caso acontecesse algo – ela pensava na foto entre os papéis do
caderno velho na sala de encontros na escola – deve permanecer aqui, pelo
menos até isto tudo acabar.

Ela olhava para o professor, o rosto cansado. Ele deveria estar realmente
cansado com tudo aquilo e bem no fundo ela se sentia culpada por aquilo.
Se não levasse o livro para ele…

– Me prometa que vai se cuidar – O professor segurava em seu rosto


por algum motivo Layla sentia que o homem quisera falar algo para ela.

– Prometo – ela disse, baixinho, os olhos surpreendentemente se


enchendo de lágrimas – prometo!

¢
Então o Salim com o poder da lança de ataque estaria atrás dele, neste
caso poderia apenas presumir uma coisa, ele seria seu alvo naquela guerra.
Minutos após ter avistado Sila, a amiga de longa data que Ocásis nem
mesmo notara o quanto seus cabelos estavam curtos, cortados por ela
mesma para a batalha que tanto ansiava, nas linhas da frente do exército de
Orgema que se estendia na planície, do lado Oeste da cidade em numerosas
fileiras. A amiga vendedora da zona comercial da cidade e general daquele
imponente exército a baixo com certeza seria a pessoa mais destemida que
Ocásis já conhecera em seus longos anos. Ela então defenderia aquela parte
da cidade caso Daren, que aparentemente não se manifestara em nenhum
local da cidade, pudesse aparecer ali. Mas foi para o Leste que Ocásis voava
rapidamente em direcção ao Salim tão forte quanto ele, teoricamente,
enquanto observava a garota ao lado, seus cabelos castanhos ondulados
sendo atirados agressivamente para trás, com a armadura de prata e ouro, a
estrela eterna estampada em seu peito que subia e descia nervosamente à
medida que se agarrava com toda força com uma mão, a outra empunhando
a espada dada por ele próprio, a grande sela presa sobre o enorme
Minarim, que rugia para o Sul, onde seus companheiros alados, Anúbis,
estariam lutando contra Anurim. Ocásis apenas rezava para que derrotasse o
mais rápido possível o inimigo que em segundos o encontrariam. Mas se
realmente Nero fosse assim tão forte, ele adoraria lutar contra ele. Afinal de
contas, nunca, ninguém forte o suficiente o havia ferido antes. Então Ocásis
sorria para aquilo. Para o potencial confronto que talvez o fizesse transpirar
e para o que Nero pagaria pelo que fizera com Layla. Ele pagaria.

E ele sorria para aquilo.

¢
Seus olhos lacrimejavam diante do vento cortante, enquanto tentava
acompanhá-lo, inaceitavelmente rápido com suas asas de dragão. Layla tinha
que admitir. Voar por conta própria era muito mais fácil que se manter
sobre aquele gigantesco pássaro que suas enormes penas a faziam lembrar
dos ataques em Vênus, mas aquilo viria depois, caso conseguissem travar
Nero, apenas segundos de distância os separando. Então ela precisou
guardar a enorme espada de um tipo de aço que ela desconhecia na bainha à
sua cintura, o peso no lugar onde em algum momento saíam asas fora
compensado com o escudo em suas costas que ligeiramente a equilibrava,
com a falta das imponentes irmãs penadas. O gigantesco animal dava voltas
em espirais acompanhando os movimentos de Ocásis à frente, da primeira
vez que fizera aquilo, por pouco ela não caíra da sela do animal.

Layla endireitava o corpo, quando avistava o enorme exército de


criaturas demoníacas que banhava grande parte da terra com tons de preto e
cinza. Nero!

Nero!
O rapaz alto de cabelos vermelhos como sangue estampava um sorriso
que mesmo ao longe, Layla conseguia ver, conseguia sentir, a enorme aura
maligna e destrutiva que saía do jovem. Suas narinas dilatavam, seus olhos
ardiam. Ódio. Raiva. Uma grande quantidade de sentimentos dentro dela.
Mas precisava se controlar. Precisavam seguir o plano.

– Está pronta? – Ocásis gritava para ela enquanto inclinavam em uma


descida rapidamente íngreme. As lágrimas nos olhos dela saíam mais e mais
à medida que desciam.

– Sempre!

– Muito bem então.

Com um movimento tão rápido, Ocásis desviou para um lado e o


gigante Minarim do outro e no segundo seguinte ela só conseguia ver bem
atrás, o jovem-dragão inalando suavemente uma quantidade considerável de
ar, e então fazer chover fogo sobre as bestas que rugiam, urravam sem parar.
E então ela arqueou o corpo mais para frente do animal, fazendo-o esticar as
enormes garras e arrastando e estraçalhando centenas deles, em seguida,
agilmente com outro movimento, impulsionar o animal para o ar em um
rodopio espiral para cima.

¢
¶ Minha irmãzinha está a caminho. Apenas continue com o plano.
∆ Pode deixar. Tente se cuidar do seu lado sem mim.

O grito daquelas criaturas inferiores sendo destroçadas e queimadas, o


cheiro de carne pútrida sendo esmagada e rasgada, Nero gostava daquilo, ele
sorria diante daquilo, como sempre fazia, sangue preto caía dos céus, das
criaturas que eram capturadas pelas garras do tamanho de elefantes da
enorme e bela ave. Por todos os seres dos altos, aquele seria um paraíso para
ela enquanto se deleitava naquela chuva sangrenta e naquela canção infernal
de agonia. Ele parava de rodopiar fitando seus olhos cinzas e ferozes para
ele.

– Esplêndido! – ele sorria ao olhar para o homem alado de cabelos


brancos que voava e rodopiava com quatro bestas no ar, em seguida os atirar
para cima dando ao enorme animal a oportunidade de esmaga-los todos em
uma mordida, e sangue preto e levemente caía. Então aquele era o poderoso
Ocásis.

– Simplesmente esplêndido – ele repetia ainda olhando para os céus –


isso com certeza não será deprimente – ele gargalhava – Ocásis – sua voz era
arrastada ao pronunciar aquele nome – Ocásis!

¶ Quer que eu lute por você?


∆ Não precisa se preocupar comigo. Ele morre logo!
¶ Não pode matá-lo. Não acabe com o plano, Nero.
∆ Vou tentar!

¢
Havia duas espécies daquelas bestas do pântano que ela junto o
poderoso Minarim esmagavam mais e mais. Segundo informações obtidas
por um dos emissários baixinhos de Sila que Layla não entendia como eles
conseguiam aquilo, Nero estaria liderando um batalhão de bestas terrestres
que segundo Ocásis, uma delas atacara Edward após o acharem, e possuíam
habilidades de enraizar seus membros inferiores e ossudos no solo podendo
movimentar-se com mais rapidez e facilidade. Daren esperava que grande
parte do exército de Orgema fosse travar Nero e o restante, atacado pelo Sul
invadindo a cidade por trás, por Anurim e assim criar um desequilíbrio total
para as forças de Orgema – Não daremos esse prazer a ele – dissera Ocásis.
Então Sila teria sugerido que, embora arriscado, Ocásis partisse para a
ofensiva directa contra Nero e a legião das bestas terrestres, enquanto o resto
do exército se focasse nas defesas de outros portais de entrada – Conseguirá
acabar com eles sozinho – Sila ordenara a Ocásis. E assim ele o faria. E ela
ajudaria, e se Ocásis fosse realmente o alvo do jovem que ainda sorria entre
as bestas que urravam abaixo, eles usariam aquilo a seu favor, de algum jeito.
– Ocásis – ela ouvia o jovem gritar e gargalhar sinistramente fazendo o
gigante Minarim parar no ar– venha me enfrentar, Ocásis.

Como se ele os tivesse dado algum comando, os urros dos monstros do


pântano sessaram completamente e por dez longos e silenciosos segundos as
asas do jovem-alto e do gigante animal eram o único som que se ouvia ali, a
cidade dourada brilhando ainda sobre aquele caos, ao longe. Os dois Salins
com magias similares olhavam um no outro como se esquecessem
completamente de tudo ao redor, de Layla, os olhos dourados do rosto
perfeitamente lindo brilhante de Ocásis estampavam diversão diante do que
viria. Ela olhava para o jovem a baixo igualmente sorrindo diante daquilo.
Layla por pouco não via o movimento incrivelmente rápido do jovem alto
quando impulsionou suas asas atirando-se para baixo e aterrissar
brutalmente, fazendo a terra estremecer tão forte que prédios cairiam ao
primeiro contacto, e centenas de pedras enormes serem arrancadas com o
impacto. Um estalo rápido e em um piscar de olhos, Layla viu aquele mar
de pedras flamejarem, rodeando Ocásis, esperando por seu comando como
minúsculas e infinitas estrelas incandescentes que com outro impulso das
poderosas asas foram disparadas em uma rajada de vento e pedra e fogo
contra Nero. As gigantescas rochas ardendo chegavam mesmo antes que
Layla piscasse o olho à medida que grande parte das bestas caía, no entanto,
Nero agilmente deu um rodopio, sua perna direita com um movimento
giratório de outro mundo fazia as enormes rochas mudarem de curso,
passando, rodando-o e voltarem com o dobro da força para Ocásis que
desviou, quebrou, chutou de volta e desviou novamente as rochas que
vinham aos montes contra ele.

Por céus! O coração da jovem saía do lugar diante daquele confronto.


Mas ela precisava fazer alguma…

– Não permitirei que fira meu povo – Ocásis olhava para ela e Layla
entendeu as palavras ali não ditas.

Espere!
– Sua amiguinha disse algo parecido, em nosso último encontro –
Nero também olhou, os olhos divertidamente curiosos para ela – me
surpreende que ainda esteja viva.

– Pagará por isso, Nero.


– Quer saber de uma coisa? – suas palavras eram venenosas, à medida
que saltava para o jovem-dragão – Vou adorar retirar suas asinhas também,
anjinho.

Até para um Salim, Layla teria dificuldades para acompanhar os


movimentos dos dois que eram tão rápidos como balas sendo disparadas,
seus golpes majestosos eram como espadas chocando uma na outra. Porém
sua atenção se voltava para o lado esquerdo da cidade, ao longe, onde
centenas de Minarins maiores ainda que aquele sobre o qual estava. Com
Anurim como oponente, Layla só poderia rezar para que Anúbis vencesse
naquela batalha.
22
Irmãs

Névoa azul emanava por todo lugar impedindo-o de ver seus pés, nem
sequer os sentia. Ele tentou se mover naquele mar de fumaça que se
estendia infinitamente por todos lados, e nada. Ele caminhava e não
conseguia ouvir o som de seus passos, nem mesmo saberia dizer se seria
mesmo um chão sobre aquela névoa.

– Está reconhecendo este lugar? – Uma voz sussurrante ecoava por


todos os lados.

– Quem está aí? – Ele gritava olhando de um lado e do outro, por trás e
à frente, mas não havia, nada, não havia ninguém ali. Apenas silêncio.

– Não respondeu a minha pergunta.

Ele olhava novamente em volta…

– Permita que eu me apresente – cantarolava a voz sussurrando - eu sou


tudo. Eu nada. Estou a milhas de distância de você, mas isso não deve fazer
diferença aqui, não é mesmo? Afinal, não existe mais nenhum som aqui.

– O que é este lugar? – ele nem precisava altear a voz – Quem é você?

– Eu já disse. Eu sou tudo. Eu sou nada. Está no lugar de todos os


lugares, no centro de tudo, olhe ao redor, o que vê?

– Não vejo nada. Não tem nada aqui.

– Exacto – a voz parecia victoriosa ao continuar – nada! Sabe por quê?


Porque você quis assim, Edward, você fez este lugar ficar desse jeito. Deveria
se sentar, Edward! Não sairá deste lugar tão cedo. Se reparou, envelheceu
um pouquinho nos últimos meses – calor repentino percorria seu corpo
inteiro enquanto ouvia aquela voz dizendo – é, Edward, já está aqui fazem
quatro meses. E receio que fique aqui por mais um tempo.
¢
À medida que os gigantescos Minarins voavam, centenas daquelas belas
e imponentes criaturas, tão rápido fazendo seus longos cabelos vermelhos
duas mechas trançadas como uma coroa de sangue ao redor da cabeça eram
açoitados pelo vento que trazia consigo o cheiro de sofrimento e angústia e
fúria e tormento enquanto a companhia aérea ia em direcção ao exército
atrás da irmã, que olhava para as centenas de Minarins, para Anúbis, indo
em sua direcção gritando e urrando um som de batalha, um grito de guerra
que vinha tanto dos Minarins e seus montadores quanto do exército que
corria por terra com suas lanças e escudos empunhados em direcção a
destruição. Ela reparava no exército de soldados e habitantes sem
treinamento algum circundando a irmã, colocando-a no centro, protegendo-
a, por todos os céus, aquelas pessoas, eram apenas cidadãos indefesos do
reino sem nome, sendo controladas, haveria pai e filho, avôs e netos ali,
lutando, implorando em seus subconscientes por ajuda, para que os
libertassem, Anúbis precisava achar alguma forma, ela precisava libertá-los,
no entanto, algum sacrifício seria preciso, milhares de vidas inocentes seriam
perdidas, sangue inocente seria derramado ali até que descobrisse alguma
maneira de quebrar aquela maldição, que percebera, por fim, que fora tudo
obra da irmã vingativa, por aquele motivo sua magia curativa não conseguia
expurgar tal marca em Douglas Osmar. Pelos vistos, cura não resolveria
nada daquilo, e por céus, o exército de Anurim seria quatro vezes maior que
aquele que a acompanhava, era um reino inteiro de homens e mulheres
possuídos, crianças e velhos.

– Arqueiros! – ao seu comando, os montadores já miravam suas flechas


para o alvo abaixo, o exército logo atrás chegaria em poucos minutos, então
aquele seria o primeiro ataque. Seu coração apertava ao pensar naquilo, na
ordem que viria a seguir, as vidas, o sangue daquelas pessoas inocentes
estaria marcado em sua alma para sempre. Mas era uma guerra e
sacrifícios seriam necessários, pessoas precisavam morrer, precisavam matar
ou serem mortas. Com um aceno, uma saraivada de flechas caía tão rápido
como falcões de caça, e em poucos segundos atingiriam seus alvos e sangue
choveria por todos os lados, no entanto, correntes saíam do centro da vasta
multidão e com outro movimento flechas eram quebradas como meros
galhos que caíam dos céus iluminados pelo Sol a Oeste. Anurim sorria,
olhando para cima e como se aquelas correntes entendem a ordem, subiam
em sua direcção, Layla dissera que elas esticavam a impedindo que tivessem
um confronto corpo a corpo.

– Cuidado!

Ela ouviu duas criaturas esganiçarem e serem puxadas para o chão


quebrando seus pescoços junto seus montadores e fazendo terra ser
destruída. Anúbis poderia ouvir o restante dos Minarins chorar e berrar de
ódio e fúria pelos parceiros abatidos.

– Sabe o que fazer, grandalhão – Anúbis sussurrava, sabendo que a


criatura sobre a qual voava poderia ouvir. Eles precisavam de alguma
abertura, alguma vantagem para eles, sobre Anurim, assim o exército vindo
bem atrás, teria alguma chance contra a diferença em número. Então ela
levantou, a armadura de Orgema brilhando em prata à luz do sol eterno, e
com o arco de Anila em mãos ela corria no extenso corpo da criatura
passando em sua nunca tão rápido e a criatura inteligentemente a
impulsionou mais para cima auxiliando em seu salto fazendo a princesa
foragida girar lentamente nos céus e apontar a flecha de três pontas que
brilhava mais que o sol divino para o inimigo, ela sentia a energia dos céus
sendo absorvida pela flecha branca de luz que fazia sua mão tremer pela
pressão e a flecha brilhava mais e mais, no segundo seguinte ela soltou e tão
rápido ela ia em direcção ao povo possuído como uma lança gigantesca de
luz branca e azulada como uma estrela cadente carregada de glória e
destruição, Anurim nem mesmo sem incomodou em impedi-la pois sabia,
era impossível para-la, pois a flecha rasgava o céu e feria o vento ao redor e
quando chegou em seu alvo, Anúbis chorava ao ver tamanha destruição, a
abertura colossal que aparecera ali, e onde haveria um gramado
amarronzado apenas uma cratera do tamanho de florestas se formara, aquilo
poderia muito bem ter destruído cem mil de uma só vez, nem mesmo
sangue ou ossos sobravam ali, e aquele sentimento de culpa e dor passava
por todo seu corpo. E então o exército teve sua vantagem. Rapidamente com
um chamado o Minarim a agarrou fazendo-a escorregar até a enorme cela
enquanto a criatura majestosa girava no céu. Ela olhava para baixo. Onde
estaria Anurim? Ao leste ela conseguia observar mesmo ao longe, uma
sombra que preenchia metade do horizonte, e fogo e poeira apareciam e
desapareciam. Ocásis e Layla deveria estar naquele exacto momento
enfrentando a legião dos monstros do pântano. Ela precisava ver Ocásis, por
fim ela sentia, sabia que poderia dizer aquelas palavras para o jovem-dragão,
só precisaria arranjar uma forma de vencer, de parar Anurim e libertar o
povo escravizado antes que um dos lados terminasse todo morto. A
quantidade de mortes naquela batalha dependeria do que pudesse fazer.

– Deveria focar em sua própria guerra, maninha.

A voz saía atrás dela, e enquanto se virava, Anurim colocara suas mãos
com unhas incrivelmente escuras e roxas sobre as penas dorsais do animal,
subitamente o Minarim começava a balançar como se para se soltar daquelas
mãos sobre si, ela reparou e os olhos do tamanho de vinte homens ficavam
completamente lilases iguais aos da irmã. Ele estava possuído, fazendo dois
dos montadores ao redor caírem de suas criaturas sem tempo de os
agarrarem e caindo horrivelmente no confronto tumultuoso e sangrento que
se estendia abaixo, Soldados siquinianos matando e sendo mortos por
cidadãos do Reino sem nome, que tentavam resistir ao poder da irmã,
mesmo sem sucesso. Anúbis elevava a mão para outra flecha às costas, no
entanto, lenta demais, com outro movimento das mãos da irmã, ela fora
atirada para o chão que por sorte o animal passava perto o suficiente da
grama ensopada de sangue fazendo-a rolar, ainda com o arco em mãos.

– Está fazendo isso porque fugi – ela gritava, a garganta seca e dormente,
para a irmã que aterrissava com um movimento assassino e incrivelmente
silencioso que nem uma pedra sequer se incomodara em mover-se enquanto
aquelas correntes em seus pulsos encolhiam do alto – por você ter ficado
com a responsabilidade do reino inteiro em seus ombros…

– Cale-se! – Os olhos da irmã pareciam arder em chamas roxas e sua voz


saía calculadamente fria e assassina.

– Eu entendo o que…

– Entende?

Anúbis nem reparara em como a irmã teria mudado completamente,


aquelas roupas curtas e mórbidas, a tatuagem negra em sua cintura, os olhos
pretos ao redor, os lábios cinzentos, as correntes nos pulsos e em seu
pescoço…

– Entende? – A irmã gargalhava em tom de ironia enquanto se


aproximava – Entende o quê, maninha? Sabe o que eu tive que aturar nestes
últimos dois anos? O que sua atitude egoísta e infantil de princesinha
mimada me custou?

– Eu não quis isso…

– Então o que você quis, Anúbis?

Anúbis poderia jurar que tudo ao redor parara naquele instante, as


pessoas gritando, espadas chocando-se, terra tremendo, Minarins urrando,
tudo. Havia apenas ela e a irmã ali. Por um momento ela poderia jurar tê-la
visto sussurrar algo para si própria, como se conversasse com ela mesma.
Em seguida olhava novamente para ela.

– Se acha boazinha, maninha? Buscando por liberdade e


companheirismo enquanto foge e deixa seu destino idiota nas mãos de outra
pessoa e passa a vida fingindo que tudo está na mais perfeita ordem, sua
irmã é casada à força em seu lugar pela – ela fazia vênias com os dedos –
busca da beleza perfeita, selando meu destino para sempre com um
principezinho que vem em seu cavalo alado, nossa, que romântico – Anúbis
sequer pensava em alguma coisa para dizer, pois ela sabia, era tudo verdade
– por sua causa, Anúbis, por sua causa nunca mais poderei me unir, a uma
outra pessoa, nunca mais poderei amar alguém de verdade, e você se
considera uma pessoa boa – sua voz saía ironicamente – a salinzinha do bem
e seu grupinho salvador do mundo. Por sua causa não poderei amar
verdadeiramente alguém ou pelo menos – ela via a irmã olhar para o
exército que subitamente voltava a gritar e berrar em volta – ficar com ele.

Por céus, ela estaria amando quele homem?

– Quando ele me achou – Anurim falava melancolicamente para ela a


luz dourada do Oeste reflectindo em seus olhos roxos e pretos – dias depois
de sua dramática fuga e meu matrimónio arranjado, eu soube que poderia
fazer alguma coisa, que aquilo não ficaria assim, por longos anos eu escondi
minha magia pois não quis atrapalhar o caminho da criação perfeita de
nossos país que além de ter nascido mais linda que eu, teria poderes
mágicos. Não haveria filha melhor para se tornar a futura rainha de reino
primoroso. É até engraçado, maninha, sabe por quê? – uma pausa – eu
sequer sonhava em ser rainha. Quando você nasceu e meu papel foi passado
para você, ah, não sabe o quanto fiquei feliz por aquilo, mana, e o que você
fez?
Anúbis por um momento pensara em se ajoelhar e implorar o pelo
perdão da irmã, mas ela não o faria, se aquilo a tornava egoísta não se
importaria, pois aquilo era uma guerra, e com o que acontecera em
arredores de Árquia com a aparição repentina de Darem… sentimentos de
culpa e pecado apenas a levariam a ruína, consequentemente a queda de
Orgema. Então ela arriscou, dizendo.

– Se ainda haver alguma chance de eu voltar…

– O estrago está feito, maninha.

– Posso voltar e arranjamos alguma forma de a livrar disso.

– Ah – Anurim cantarolava – mas você vai voltar, maninha – suas


correntes se elevavam para o alto como serpentes negras – em um caixão.

¢
Ficar ali enquanto esperava por qualquer reacção do livro não ajudaria
em nada na guerra que se desencadeava fora daquelas paredes marcadas
pelo próprio Merlim. Ele precisava ajudar com alguma coisa, mesmo sem
treinamento, mesmo sem qualquer experiência com guerras e demônios e
bestas e toda aquela loucura, ele precisava ajudar, senhorita Miller estava no
campo de batalha, e tendo em conta o poder do inimigo…

– Chamou por mim, meu Lord?

Um dos emissários anões da mulher guerreia estava ajoelhado em sua


frente. Então ele pensou, por fim, se tivesse que morrer, que fosse por algo
honroso, ele provaria o valor de sua presença naquele lugar, ainda não sabia
como. Mas faria alguma coisa para ajudar.

– Consegue montar uma daquelas coisas?

¢
Edward sentia comichão em suas costas e peito, eram pêlos crescendo,
seus poros se abrindo, por céus, seus pés, embora invisíveis sob o mar
infinito de névoa, pareciam mais distantes, seu único braço, amarelo como
trigo, estava mais alongado e magro e peludo também. Quanto tempo se
passara, desde que teria chegado naquele lugar? E aquela voz sinuosa que ia
e voltava, como um eco, uma sombra, um fantasma. Com certeza o que se
formava a sua frente, após ter caminhado sem parar, a coisa que se projetava
ganhando a forma humanoide feita de fumaça azul e escura poderia muito
bem ser um fantasma. Era Layla, seu rostinho meigo e moreno, seus cabelos
ondulados, era ela.

– Já descobriu que lugar é esse? – ela dizia. Em um piscar de olho,


Layla era substituída por outro ser, outra pessoa, Sara – Está pensando
pouco, garoto – outra pessoa, seu pai, uma imagem viva de seu “eu” futuro –
use mais a cabeça – outra pessoa, sua mãe, o rosto moreno e óculos, a voz
saindo num sussurro – conhece este lugar, Edward, você pode mudar
completamente este lugar em um piscar de olhos.

– Porque está fazendo isso comigo? – ele igualmente falava com a voz
baixa, olhando para o novo ser que se formava em sua frente, fazendo seu
corpo estremecer. Era ele próprio, embora mais baixo e com os braços
completos, mais alegre – O que é você?

– Eu já disse – seu fantasma sussurrava, sorrindo ligeiramente – eu sou


tudo. Eu sou nada…

– Para com essa…

– Já esteve aqui, lembra? – ele continuava, ainda sorrindo e olhando


para cima, para o completo vazio e escuro infinito – da última vez que esteve
aqui, achou que fosse morrer, lembra? Estava tudo escuro e você flutuava no
completo vazio e breu. Você até mesmo chegou a cogitar se estivesse no
espaço.

– Então – Ele olhava em volta à medida que a névoa azul desaparecia


sendo substituída por nada e escuridão, e ele se lembrava…

– Sim, Edward – seu fantasma flutuava à sua frente – este é o centro de


todo o Universo, o lugar de todos os lugares, o ponto em que todos os
mundos se conectam e o tempo pode acelerar ou se tornar bastante lento,
avançar ou regredir, tudo dependendo de suas emoções. Esta é a zona de
espaço e tempo. Como eu disse, este lugar reage às suas emoções e ele fica
alterando de formato porque assim você permite, Edward.

– Não compreendo.

– Tente pensar em alguma coisa.


Então ele pensou. Com certeza lembrar de Vênus seria um consolo
diante de tudo o que estava acontecendo, seu amigos, Orgema, uma fantasia
realizada. O encontro com Dim, sua real personalidade…

E enquanto abria os olhos, todo o breu desaparecia completamente,


substituído pelo chão infinito de vidro cristalino ou gelo, ele não sabia dizer,
em volta, e por cima, nuvens douradas e milhares de espelhos flutuavam,
cada um preenchido por alguma coisa, um acontecimento, uma paisagem,
uma pessoa, uma família, um fenômeno, em alguns deles, Scott era
reflectido, Adam no outro, Elisa e Carla nos outros respectivamente, e
outros milhares de imagens espelhadas de coisas e pessoas que ele não
conhecia.

– Alguns me chamam por "coincidência" outros me têm por “destino,


maldição, amor, instinto”, entre outros nomes – seu “eu” mais novo olhava
para ele, sua pele contrastando com o brilho daquelas nuvens e espelhos
infinitos – Eu faço pessoas cruzarem e olharem uma na outra segundos
depois, eu faço bebês chorarem por tudo e por nada, eu faço o mais
inconveniente dos encontros se tornar realidade, o que, receio, que você
chamaria de “coincidência”, eu projecto sonhos e pesadelos sem que saiba o
que é real, sabe por quê? – ele olhava para o além onde mais nuvens e
espelhos se formavam - Porque tudo isso é divertido para mim.

– Você é a consciência de Merlim? – Edward perguntou, vendo seu


fantasma bater com o pé no chão vidrado e espelhado.

– Pode me chamar por esse nome, se quiser – o fantasma inspirava


levemente, ao continuar, seus olhos verdes brilhando – Depois de mortos, já
não sabemos o que somos ao certo.

Ver ele próprio dizendo aquelas palavras, sobre estar morto,


desmoronava sua alma.

– Fazem dois anos que está aqui, Edward, seus amigos precisam de sua
ajuda. No entanto – o fantasma se sentava no chão espelhado – receio que
permaneça neste lugar até que esteja realmente preparado. Isso, se eles não
morrerem até lá.

– O que quer dizer?


– Daren despertou.
23
Força bruta

Teriam se passado, ao que Layla poderia supor naquele caos em volta,


dez horas, dez longas e sangrentas horas, Nero e Ocásis ainda lutavam,
fazendo terra explodir e queimar atrás da jovem com o poderoso Minarim
sobre a legião de monstros do pântano que sob a ordem de seu mestre,
corriam deslizando suas longas e escuras e ossudas pernas no gramado, por
céus, eles invadiam a cidade, começando pelas casas periféricas de cristal
verde e azul dos senhores mais ricos, deixando-as todas despedaçadas e
gritos de pessoas chorando e pedindo por ajuda sob aqueles destroços de
vidro translúcido. Mesmo tendo destruído metade daqueles monstros e
metade da metade que sobrara, ainda estavam em grande número,
quinhentos, talvez, mas se Ocásis lidaria com Nero, por ela, embora não
aceitando completamente aquilo, ela precisava encarar os factos, o jovem de
cabelos vermelhos era assustadoramente forte e uma luta com o jovem-
dragão sem atrapalhações seria, de facto, a escolha mais racional, então ela
lutaria, enfrentaria aquelas bestas peludas e esguias não importava quanto
tempo levasse, ela o faria. Então, Layla inclinou para o lado da bela criatura
que ia em direcção a um grupo de monstros e ela retirou a espada dada pelo
próprio Ocásis e o escudo outrora às costas em sua mão à medida que caía
em direcção ao aglomerado abaixo, rapidamente aterrissar e enfiar a longa
espada no que poderia muito bem ser o abdômen da besta que urrava e
tentava enfiar suas longas e afiadas garras sobre ela que se esquivou
agilmente e com um mortal ela já estava às costas da criatura, cortando em
seguida sua cabeça, logo atrás, ela via centenas sendo destroçados e
esmagados pelas garras e o bico gigantescos e pretos do Minarim, aquele
olhar de apreciação fora um erro, uma distração, pois, tão rápido e feroz um
monstro ergueu suas garras e o chão tremeu, aquilo a desequilibrou mas
instintivamente seu braço esquerdo cobriu o tronco com o escudo tentando
evitar o máximo possível do impacto, no entanto, outra criatura alada
aparecera tão forte e colossal quanto seu Minarim que ainda destruía
quantos ele conseguia, berrando um som de victória, sim, haveria victória
naquela batalha, se ela lutasse mais um pouco, apenas mais um pouco para
que se juntasse a Ocásis.

– Informe a situação – Layla gritava em meio ao pânico para o emissário


baixinho que a salvara, sobre aquele Minarim, um pouco menor que o dela.
O garoto, jovem, senhor, ela não saberia descrever, parecia assustado, no
entanto, coragem não faltava nele e os outros que ela vira antes não diria o
contrário.

– Madame Sannie lidera os arqueiros no Norte. Não houve aparição do


inimigo naquele portal.

Layla se movia e cortava as pernas esguias que engoliam toda sua altura
e a criatura caía, imóvel. Alívio surgia em seu interior. O portal por onde ela
passara levemente inconsciente com o jovem-dragão e o professor, por onde
a cidade era vista por baixo, linda e gloriosa, estava seguro. Mas seu coração
balançou quando o emissário atirando uma flecha em uma besta continuou.

– No entanto, ela enfrenta bestas iguais a estas, com asas e mais rápidas,
mais agressivas que saem do portal Oeste. Nossa Senhora defende o lado
Oeste por terra, por isso tais criaturas passam voando algumas sendo
abatidas por catapultas.

Então os monstros do pântano alados lutavam contra a companhia de


arqueiros, contra Sannie que treinara Edward na floresta que se estendia a
Sudeste. O portal Norte, a entrada protegida pelo director Douglas Osmar,
amaldiçoado por Anurim, era o único intacto, possivelmente pela
dificuldade que o exército teria em transpassar as árvores que rangiam
naquela floresta dos galhos que faziam qualquer coisa, ela não se lembrava
do nome.

– Se a legião de bestas aladas que saem do Oeste são derrubadas por


arqueiros no Norte – Layla se questionava, pulando em outro monstro e
outro e outro cortando-os tão rápido que nem mesmo tiveram tempo para
revidar, então ela olhava novamente para o emissário planando por cima –
contra quem Sila luta?

O emissário engoliu em seco, os olhos tremendo levemente ao dizer:

– Um homem de vestes escuras luta contra o exército e Nossa


Senhora, nenhum de meus irmãos consegue reportar exactamente o que
está acontecendo pois – ele hesitava em dizer – pois os soltados alegam não
saber com o que, exactamente, estão lutando, simplesmente estão
morrendo, alguns caindo dos céus misteriosamente e se espatifando no solo,
outros estão perdendo as cabeças e os membros.

– Então ele finalmente decidiu aparecer – Layla disse, mais para si


própria. O emissário, então, passava sobre ela e com sua enorme criatura
arrastava para os céus um grupo de monstros estraçalhando-os com as
enormes garras do animal.

– Tenho outra mensagem, de madame Sannie para a senhorita – o


emissário gritou do alto, ao dizer as próximas palavras, embora meio
envergonhado, duvidoso: – Está-está – ele gaguejava – se saindo bem, nova
recruta!
Aquilo a lembrou de Edward, desaparecido a tantas horas. Onde ele
estaria? A guerra engolira Orgema inteira e ela não saberia quanto tempo
mais aguentariam ou o inimigo aguentaria. Estavam sobre uma balança,
vencendo o lado com mais peso, e em seu lado, um peso faltava, a ausência
de Edward os desequilibrava completamente. Talvez aquilo fosse bom de
certa forma. Com sua ausência, Daren não alcançaria seu objectivo. Uma
vantagem… pelo menos. Layla apenas olhou, sorrindo levemente para o que
o emissário dissera, fazendo outro monstro passar por cima caindo às
cambalhotas do outro lado.

– Vá até Ocásis – ela indicava para trás a sua direita – e informe


exactamente o que me disse. Tenha cuidado.

– Preciso ajuda-la, milady.

– Apenas vá – Layla olhava em volta, pessoas ao longe entre as casas


douradas corriam com seus filhos e maridos e esposas, os monstros
sobrando não passavam dos cem – eu me viro aqui.

¢
Ele era bastante rápido, e aquela luta…
Ocásis sentia a garganta seca, a respiração galopante, enquanto olhava
para Nero, igualmente ofegante, por Arsêmis, ele estava suando. Ocásis,
estava, suando!
Era como se estivesse lutando contra seu próprio reflexo, só que mais
agressivo, mais feroz, sem qualquer pessoa para que protegesse, para que
hesitasse.
– Se quer saber – Nero disse, quebrando um dos monstros que sobrara
ao meio, atirado por Ocásis – Eu e meus amigos nos importamos e
protegemos um ao outro.

Ele deveria ter lido aquela inquietação em seus olhos. Após regenerar-
se milhares de vezes pelos golpes de Nero que tinham quebrado um de suas
asas três vezes seguidas, seus dois antebraços quando protegera o rosto de
um soco tão rápido, Ocásis pensava, pensava e lutava, pois seu oponente o
obrigava a faze-lo. Pensar antes de agir, com medo que desse um passo
inserto. Por cerca de três horas a luta era feita de forma igual, socos, chutes,
chaves, mortais e arremessos um no outro, todos os movimentos
sincronizados, em algum momento parecia que venceria qual dos dois
resistisse mais tempo, qual dos dois se cansaria primeiro, entretanto, nas
duas horas seguintes algo mudara. A forma de luta, a manipulação de sua
força bruta, seu comportamento, a forma como Nero se equilibrava e girava
no ar mudara completamente, parecia até outra pessoa, ou aquilo seria outra
habilidade do Salim de cabelos vermelhos. Suas mudanças repentinas de
técnicas de luta faziam com que ele não conseguisse achar o padrão a tempo.

– Quem é você, para falar sobre protecção? – Ocásis já estava atrás do


jovem, que se virou rapidamente como se tivesse olhos na nuca, no entanto
Ocásis foi mais rápido – invadiu uma cidade pacífica – um soco certeiro e
rápido no rosto fez Nero cair e se arrastar por terra fazendo poeira
novamente se elevar – Seus bichos estão matando pessoas inocentes neste
exacto momento – ele indicava para a cidade atrás de onde Nero se
levantava com um giro de pernas. Ele era realmente ágil, incrivelmente ágil –
não me venha falar sobre protecção.

Com outro impulso de suas asas e tão rápido quanto uma bala ele se
atirou para Nero que se esquivou dele fazendo-o passar por cima. O jovem
dragão se virava novamente mas ele já não estava mais ali.
– Deve entender – atrás, Ocásis se virou novamente ao observar Nero
correr tão rápido, por céus ele era bastante rápido, tão rápido quanto uma
bala, talvez mais – que não importa de qual lado esteja – Ocásis partiu em
sua direcção, voando mais rápido do que já fizera antes, Nero estava indo
para a cidade, gargalhando como um lobo psicopata – seus companheiros
precisarão sempre você. E é exactamente o que estou fazendo.

– Por quê ajudar Daren e Anurim nisso tudo? – Ocásis estava quase a
alcança-lo – por que fazer isso tudo, sabendo que é algo mau?

Nero olhou divertidamente do ombro, os cabelos vermelhos festejavam


ao vento fustigante, dizendo:

– Por que são os amigos que esta vida deprimente me deu, Ocásis –
pela primeira vez naquele confronto, ele parecia levemente sério – e não
importa o que eles façam, bom ou mau, eu vou ajudar com isso – Nero
voltava a olhar para frente – sempre!

Uma escolha errada. Nero tinha feito uma escolha errada, embora não
o conhecesse, aquela escolha, aqueles amigos, como ele os considerava, era
uma escolha errada. Ocásis percebeu rapidamente, orientando suas asas:
Nero não estava indo directamente para a cidade, ele mudara de trajetória,
para o Sul, para Anúbis, que o fizera se distrair por alguns segundos quando
teria vistos a luz das flechas de Anila que ela carregava se projectar de lá.
Ocásis nem mesmo conseguiu impedi-lo quando novamente mudava de
trajetória, só que daquela vez para um outro lugar, para cima. Nero
impulsionou-se tão rápido para cima e a terra sobre ele se quebrou
completamente. Por todos os deuses, aquele salto… nem mesmo ele
conseguiria fazer aquilo, Nero parecia voar à medida que subia mais e mais
brilhando sob a luz do Sol a frente do outro lado da cidade e indo cada vez
mais alto em direcção ao monumento colossal que flutuava sobre parte de
Orgema…

¢
Gregório Dexter precisava chegar a tempo, para avisá-los. Algo estava
errado naquela batalha, e pelas barbas de Merlim, se não os avisasse, seria o
fim de tudo aquilo. Com o que o emissário da jovem-guerreira informara
sobre as lutas em cada ponto…
Enquanto voava rapidamente em direcção a eles, segurando firme atrás
do montador, o professor reparava no corpo luminoso que subia para os
céus.

¢
Sila, com a armadura ficando cada vez mais pesada a garganta dormente
pelos comando dados a cada minuto, parava ligeiramente, descansando a
espada ao lado da perna e olhando para cima, para onde todos os soldados
olhavam e até mesmo o inimigo invisível parara de atacar, talvez para que
todos ali vissem o que estaria prestes a acontecer…

¢
Os soldados e cidadãos possuídos do Reino sem nome abruptamente
paravam de se mover ao comando de sua mestra.

– Seu querido Ocásis deve ter mexido com ele – Anurim exibia um
sorriso serpentino enquanto olhava igualmente para onde Anúbis se virava,
para o homem de cabelos vermelhos que pareciam alaranjados de tão
brilhantes que estavam do alto enquanto subia e subia.

– Por Anila – ela exclamou, a voz saindo fraca e cansada – o que ele está
fazendo?

Por um longo e interminável minuto, toda Orgema silenciara


completamente, todas as batalhas haviam sessado ou dado uma pausa, pois
certamente olhavam igualmente para Nero que em seguida descia, tão
rápido, tão feroz, para o livro colossal de pedra que flutuava sobre os
edifícios brancos de Orgema e mais uma parte e então, o silencio foi
substituído pelo som de pedra sendo quebrada. O livro de milênios,
adorado e temido por seus mitos caía sobre o peso do jovem que aterrissara
naquelas árvores avermelhadas que o cobriam como um mar de sangue, por
céus, quanta daquela força bruta aquele Salim possuía? O livro caía tão
rápido e em segundos, metade de Orgema seria esmaga pelas duas partes de
pedra separadas no céu. Anúbis, com o sangue fervilhando, o estâmago
esquentando se virava para a irmã que sorria, maléfica.
– Isso é completamente demoníaco – ela dizia, incrédula, para Anurim
que cruzava os braços, as correntes tilintando.

– Não, irmãzinha – uma pausa – isso é completamente glorioso. Veja


sua nova casa ficar em ruína – subitamente, vozes de gritos e pavor ecoavam
por toda a cidade – veja seus amados e inocentes habitantes serem
esmagados, como os insectos alienados que sempre foram.

¢
Por Arsêmis, ele precisava evitar aquilo, precisava salvar aquelas pessoas
que gritavam e choravam e pediam com seus corações, com suas almas, por
ajuda. Anda! Ocásis implorava para suas asas Vamos! Por favor! Por favor!
Ele conseguia ouvir ao longe: uma criança presa sobre os destroços, um
jovem com suas duas filhas abraçadas a ele, dois meninos do grupo de vestes
azuis ajudando um casal com um dos membros de cada em falta. Por todos
os deuses, todos eles morreriam, todos eles…

Por favor!
Por favor!
Então, rapidamente, aquela extensão de pedra colossal cobria todo seu
campo de visão, criando uma sombra sobre ele. Instintivamente, Ocásis
segurou o enorme livro, empurrando para cima, batendo suas poderosas
asas tão forte que poderia sentir o fogo se estendendo por todo seu corpo,
então, ele abriu os olhos empurrando mais e mais o livro para cima e seu
corpo… seu corpo inteiro estava banhado de chamas e poderia jurar que
seus olhos estavam completamente amarelos-brilhantes, seu corpo inteiro
vibrava, cada célula ardia, cada músculo rugia, e então ele inspirou, sugou a
maior quantidade de ar que seus pulmões pudessem sustentar, em seguida,
fogo se estendia por toda aquela porção rochosa, transformando-a em brasa
viva e gigantesca e com outro movimento ele socou aquela brasa rochosa
transformando-a em milhares de pedrinhas minúsculas do tamanho de grãos
de areia, e então seu corpo esfriava voltando a forma anterior. No entanto
ele olhava para o outro lado.

– Não!

Por todos os deuses, havia outra metade do livro, caindo, muito maior
que a outra e Ocásis não percebera. Rápido. Ele precisava ser rápido, ainda
havia magia correndo em suas veias e não desistiria da vida daquelas pessoas
indefesas. Se aquela outra parte caísse, ainda milhares morreriam. Então
novamente ele se impulsionou para impedir, mas alguém surgira bem atrás.

– Pare de me atrapalhar, Ocásis.

Ele sentiu Nero o puxar para baixo e colocar suas pernas sobre seu
tronco em uma chave, impedindo suas asas de se moverem. No segundo
seguinte, ambos caíam e giravam no céu à medida que parte de Orgema era
destruída e esmagada, poeira do tamanho de tempestade se erguer em meio
aos gritos.
24
Mude o rumo desta guerra,
professor!

– Com certeza já se deparou com alguém em uma rua qualquer vindo na


direcção oposta a ti e o sujeito ia do mesmo lado onde você tentava evita-lo.

– É você o responsável, então – seu fantasma, mais novo, sorria para ele
igualmente sentado sobre o chão de cristal espelhado e infinito.

– O tempo é como uma ave poderosa, um Minarim, se assim perceber,


e você é o tempo, Edward, ele corre em suas veias, como um fio que se
estende por todo seu corpo, mas você não voa, Edward. Por que não me diz
o que o aflige tanto?

– Já deve saber o que eu penso – Sua voz estava diferente, percebera


aquilo ao comparar com a de seu “eu” mais novo à frente, que tentou
ignorar aquilo, ao continuar:

– Está aqui a um bom tempo.

– É – ele sussurrava.

– Com o que o ensinei a respeito de sua magia e este lugar, pode sair
quando bem quiser – uma pausa, Edward cobria levemente o queixo e a
boca com o antebraço esquerdo apoiado em seu joelho, olhando para o
nada enquanto milhares de informações passavam em sua mente, tanta coisa
aprendida, tanta coisa vista naqueles espelhos que flutuavam sobre ele, vidas
passadas, destinos imutáveis, sonhos, pesadelos e desejos por realizar de
milhões e milhões de vidas de todos os tempos no passado e presente, e
dimensões – Então me pergunto: Por quê não vai embora, Edward?

Ele poderia muito bem ter permanecido uma hora calado, até
responder, o tempo naquele lugar não importava mesmo.
– Morte. Memória. Vida.

Edward se levantava, após muito tempo, o olhar afiado e pesado


embora em parte, de gratidão, para seu fantasma, a voz sussurrante, seu eu
mais novo, muito mais baixo agora, e silenciosamente ainda proferia aquelas
três palavras, caminhando lentamente – Morte! Memória! Vida! – O
horizonte infinito envolto em nuvens douradas e brancas e espelhos e vidro
se estendia à frente e em volta – Morte… Memória…Vida…

Morte!
Memória!
Vida!

¢
Tudo ficara completamente escuro e silencioso por alguns segundos,
ou horas, Ocásis não saberia dizer. Perdera a consciência e Nero já não
estava mais à vista. Onde aqueles desgraçado teria ido?

Ocásis se levantava, serrando os punhos fazendo ossos estalarem em


meio a fúria. Havia poeira e ar quente por todo lado e ele conseguia sentir
os corações que batiam há poucos minutos completamente parados.
Estavam mortas. Aquelas pessoas estavam mortas e ele conseguia sentir cada
uma daquelas vidas perdidas e mais algumas se apagando. Mil e vinte e seis.
Mil e trinta. Mil e trinta e três. O número aumentava cada vez mais, os
feridos estavam morrendo também.

Então ele levantou voo… Atrás de Nero.

¢
Poderia muito bem ter se passado dez minuto após a queda do
monumento de pedra, entretanto, a guerra retomara em seguida, como se
Anurim soltasse um gatilho mental, todas aquelas pessoas e soldados
possuídos lutavam e cortavam e estripavam soldados de Orgema. Ela
reparava ao redor, seu Minarim outrora possuído pela irmã jazia morto com
soldados inimigos esmagados sob ele. Sobravam ainda cerca de quarenta
criaturas, lutando e planando sobre o exército inimigo com seus montadores
que atiravam saraivadas de flechas alcançando seus alvos sem interrupção
daquelas correntes infernais, pois a irmã desaparecera subitamente daquele
lugar.

– Minha senhora solicita sua presença no sector Oeste, imediatamente.

Ela olhou. Era um dos emissários de Sila. Pelas informações dadas a


outro, horas atrás, Daren era travado por ela. Então era um pedido de ajuda,
Anúbis poderia apostar que a irmã estivesse lá naquele instante, e Ocásis…
que a deusa da Justiça o protegesse. Ela precisava vê-lo, precisava dizer para
ele. Ela reparou em volta, o exército inimigo ainda era maior que o seu,
pessoas inocentes morriam cada vez mais sob aquela marca negra e ela ainda
não conseguira pensar em alguma coisa, achar alguma solução, a irmã sequer
lhe dera tal oportunidade, no entanto, Sila precisava de sua ajuda e o
exército lutando contra aquelas pessoas em volta aguentaria, pelo menos até
que o mal a Oeste fosse derrotado. Se tivessem sorte.

– Tenho uma outra informação de minha senhora para sua alteza.

Ela odiava ser chamada daquela forma, pois a lembrava de sua casa, seu
continente ao Norte, no entanto ela fez um gesto para que ele continuasse.
O emissário parecia mortalmente abatido ao dizer:

– Madame Sannie está morta.

¢
O exército ainda guerreava contra o jovem-sombrio maldito que
matava mais e mais seus soldados, mas ainda lutavam – Lutem até que o Sol
desta terra se ponha – ela gritava para os ventos em meio ao caos – Lutem
até não conseguirem mais se mover.

Sannie estava morta. Os monstros alados tinham sido completamente


derrotados pelos arqueiros, no Norte da Cidade, mas Sannie estava morta,
por Merlim, aquilo reverberava por todo o corpo de guerreiro de Sila
enquanto se esquivava da gigantesca corrente negra que quebrava mais
soldados Siquinianos ao meio espalhando sangue em sua armadura de prata
e ouro. Tudo estava indo de mal a pior. Com o aparecimento repentino
daqueles dois Salins ao lado dele a morte era certa. Não podiam fazer
absolutamente nada diante daquela magia.

Mas algo subitamente aconteceu. Ocásis rasgava os céus bem atrás do


exército, ao Leste, enfurecido e tão rápido o Salim igualmente alto e de
cabelos vermelhos foi golpeado, no entanto, mesmo sendo atingido,
estranhamente bloqueara a tempo. O exército ao redor apenas, igualmente,
olhava para aquilo. A garota de cabelos longos e correntes olhava para seu
companheiro de cabelos curtos e pretos, os olhos iguais aos do garoto sem
braço, embora mais frios e tenebrosos e cheios de fúria e carregados de
destruição.

Do outro lado, ao Sul, Anúbis vinha, atrás de um montador, o que teria


acontecido com seu Minarim?

Os cabelos vermelhos e incrivelmente compridos quanto os da irmã


sombria eram açoitados pelo vento. Como elas conseguiam lutar agilmente
com aquelas coisas, Sila não entendia, seus cabelos curtos e preto-cinza
pareciam concordar com aquilo.

Outra criatura colossal aterrissava logo atrás, enquanto Ocásis ainda


Lutava e rugia contra os três Salins sombrios. Ela não poderia esperar
menos. Afinal, era de Ocásis que se tratava!
– Que bom que estão todos aqui – o senhor bigodudo que Ocásis
trouxera do mundo do garoto magricela desaparecido estava atrás de um de
seus emissários naquele animal que fazia soldados abrirem espaço, não
apenas para eles, mas para os dois Minarins que vinham do mesmo lado de
onde Ocásis tinha saído. Era Layla e outro de seus emissários, embora
bastante suja de sangue e lama, a garota sem suas asas lutara com escudo e
armadura e espada e vencera e Sila se orgulhava daquilo, ela poderia muito
bem a treinar ou colocar no exército após aquilo, caso vencessem. Segundos
depois, vento forte carregado de areia fazia a guerreira semicerrar os olhos.

Então todos vinham em sua direcção, enquanto soldados abriam


caminho.

– Precisamos conversar – o professor disse, olhando para o jovem-


dragão que era arremessado pelo Salim assustadoramente forte e puxado
pelas correntes da irmã de sua alteza fugitiva e chutado pelo homem de
vestes negras, Daren – sobre aquilo.

¢
Havia algo de errado naquela batalha, o inimigo possuía uma carta na
manga, seus movimentos eram devidamente coordenados como se
estivessem de alguma forma ... Ligados um no outro.

– Como eu suspeitava – Gregório Dexter coçava o bigode, olhando para


aquele confronto – Os três estão conectados.

Ao comando de Sila, os soldados corriam e rugiam o som de bravura


em direcção a perdição contra Daren, enquanto Ocásis era arremessado
novamente fazendo Senhorita Miller e os outros abaixarem ao vê-lo se
arrastar e levantar rapidamente, exibindo uma expressão de dor.

– Que avisasses antes, não? – Ocásis ficava ao lado de Anúbis,


entreolhando-se e sorrindo forçadamente um para o outro, murmurando,
talvez para saber se o outro estava bem. Mas ele continuou, à medida que os
soldados eram massacrados.

– Receio que o inimigo esteja utilizando uma estratégia – suspiro –


digamos que impenetrável.

– Não brinca – Ocásis cruzava os braços. Mesmo lamentavelmente


abatido, o jovem-dragão ainda possuía o mesmo sarcasmo de sempre.
Gregório Dexter ignorou.

Um deles teria habilidades telepáticas, a jovem de cabelos negros,


possivelmente, desta forma, não haveria nenhum ataque-surpresa, pois
conversavam um com o outro em suas mentes, como se fossem os olhos
periféricos de cada um, e pela mudança repentina de estilo de luta, pelo que
o emissário de Sila alegara ter visto, e técnicas ofensivas e defensivas não
havia dúvidas. Mas havia mais algo ali. O que ele estava deixando passar?
Onde estava? O que faltava? Gregório Dexter olhava novamente para os
soldados que eram esmagados e teleportados para o alto, caindo e se
espatifando no solo.

– Mas é claro – disse ele. O jovem-dragão se segurava para não partir


novamente para os Salins sombrios, mas sabia que precisava ouvir – Em seu
recente encontro, Daren disse a Edward que tinha transferido sua alma para
um corpo mais novo, menos notável – ele coçava novamente o bigode – é
bem possível que Daren com sua manipulação espacial esteja de alguma
forma mudando suas consciências passando nos corpos de cada um,
trocando entre eles como um baralho.

– Por céus – Senhorita Miller exclamou.

Aquele poder estava em outro nível…

– Isso explica as mudanças periódicas de comportamento e habilidades


de Nero – Ocásis parecia sério ao continuar – em certos momentos, parecia
que era outra pessoa ali e no minuto seguinte, aquela força bruta e
incalculada voltava.

– O mesmo aconteceu comigo – desta vez foi Anúbis – Anurim parecia


conversar com alguém, como se estivesse dando ordens ou obedecendo a
elas.

– Com isto, sua irmã está servindo de olhos em suas nucas e informante
psíquico e Daren troca suas consciências em segundos fazendo com que os
três estejam em todos os lugares ao mesmo tempo, lutando com todos ao
mesmo tempo , utilizando as habilidades um do outro. Por Merlim, isto
é…esplêndido – Gregório Dexter reparava nos olhares de indignação para
ele, então com um leve movimento de sua mão continuou – mas é claro
que…isso é algo assustador…

– Então eles possuem uma resistência impenetrável e um ataque


insanamente forte – Senhorita Miller trocava o peso do corpo entre os pés,
Sila zombava daquilo ainda cruzando os braços.

– Então – Anúbis conseguiu dizer – simplesmente desistimos, é isso?

– Que se lixe – Sila cuspiu – desisto apenas quando o rosto de Ocásis


tiver pêlos.

– Hei!

Senhoria Miller soltava um leve sorriso. Então Gregório Dexter


continuou:
– Está bem evidente que em termos de força e combate, estão
apanhando, até de sobra. Neste caso, só força não será o suficiente, se
quisermos vencer esta guerra.

– Então o que fazemos? – Anúbis voltou a perguntar.

– Usemos a estratégia deles à nosso favor.

– Não entendi.

– Se eles são mais fortes que vocês – um olhar para Senhorita Miller – só
sejam mais espertos que eles.

– A turminha está em reunião?

Todos rapidamente se viravam para eles, Ocásis em posição de ataque,


Anúbis com uma flecha apontada para eles, e o resto sacando novamente
suas espadas. Anurim e os outros dois estavam bem à frente.

– Onde está? – o jovem que dele emanava completa escuridão das botas
aos cabelos questionava, e eles sabiam de quem se referia. Mas foi Ocásis
que interrompeu, com um sorriso irônico no rosto iluminado pelo sol atrás
do inimigo.

– Lamento informa-lo, mas Edward não vem.

No entanto, a atenção de todos ali, inclusive do próprio Daren se


voltava para cima, onde naquele mar azul alaranjado e infinito o som agudo
de vidro se quebrando ressoava por toda Orgema e subitamente nuvens
douradas apareciam no alto em um clarão e de lá, bem no meio, pouco
antes de desaparecerem no céu novamente, um vulto caía rapidamente e
ferozmente como um anjo enviado a terra.

Daren exibia um sorriso curioso e faminto ao dizer com aquela voz do


inferno.

– É mesmo?

Ocásis batia o próprio rosto, olhando entre os dedos, para os céus.

– Ah, Merda!

¢
Ele estava vindo! Layla o via cair tão rápido e não sabia dizer o que era
aquele sentimento em seu peito, talvez fosse de alívio e conforto por ele ter,
em fim, aparecido, para que os ajudasse naquela última batalha ou talvez
fosse medo se acumulando dentro dela pelo que Daren mais buscava vindo
de bandeja para ele. Segundos depois, o jovem aterrissava tão rápido e tão
brutal que uma rajada de vento fazia todos naquele lugar cobrirem os rostos
evitando poeira e metal, ela sentia seus cabelos esvoaçarem em meio a tanta
força ao observar Ocásis que cobria com seu corpo alado a princesa
foragida.

Então, subitamente, silêncio.

Layla apertava os olhos para ter uma melhor visualização do homem de


calças pretas apertadas e rasgadas até os joelhos, o tronco amarelo nu e o
braço direito em falta. Por todos os seres divinos, era ele mesmo! Era
Edward. O garoto – jovem, homem, agora, pois todas as características,
aquele semblante tímido, com medo, fraco e inocente tinha sumido
completamente – estava mais alto, muito mais alto, talvez um centímetro a
mais de Ocásis e à medida que caminha em direcção a eles, passando por
Daren e os companheiros que olhavam igualmente atordoados e
desacreditados, seus cabelos pretos, estavam tão longos quanto os das irmãs
que arrastavam o chão húmido de sangue e cobriam metade de seu rosto
que estampava um sorriso felino e calculado.

– Outro brinquedo para me divertir – Nero tão agilmente se atirou


contra Edward e ao golpeá-lo algo assustadoramente estranho aconteceu.

Layla, assim como o resto ali, poderia jurar que o jovem forte o acertara
bem no rosto, mas em um piscar de olhos, Nero se desequilibrava, atrás dele
que parecia nem ter notado o ataque, enquanto se aproximava com passos
de um fantasma. Os cabelos arrastando no chão incrivelmente começavam
a… encolher…

Como se com a força do pensamento, puxasse cada fio escuro para


dentro e os cabelos encolhiam e encolhiam a cada passo.

– Quando se tem controle de suas próprias habilidades – aquelas eram


suas primeiras palavras, calmas, mórbidas, no entanto, vorazes – é realmente
espantoso o que se consegue fazer com elas.
Então Layla e os demais viram aquilo acontecer. Os cabelos pretos
sendo encolhidos até o pescoço esticado revelando as duas palavras
marcadas por baixo de cada um daqueles olhos esmeralda:

Instinto Cronológico

Em outro piscar de olhos, o som de ossos estalando, carne se


reconstruindo, e pele aparecendo. Aquilo simplesmente era assombroso,
entretanto, maravilho ao mesmo tempo. O braço outrora em falta, parecia
nunca ter sido arrancado. Agilmente, Edward atravessava sem qualquer
esforço os Salins inimigos, os ignorando completamente.

– Senti falta dele – de frente a ela, parecia um gigante que alongava o


braço magro e comprido. Layla era obrigada a curvar o rosto cansado e sujo
para trás para olhar no rosto límpido e intocado que estampava um sorriso
de conforto e protecção e companheirismo ao segurar sua mão e colocar
uma esfera de energia azul e roxa em sua palma.

– O que é…isto?

– Um presente – Edward olhava para todos e novamente para ela – de


alguém, pelo esforço e sacrifício, ao proteger seu livro.

Então ele estivera realmente com ele. Layla olhou por alguns segundos na
esfera que brilhava e vibrava em sua palma, aquilo era magia divina, ela
conseguia ouvi-las, suas irmãs, ela teria suas irmãs de volta, por todos os
céus, ela poderia sentir seus olhos arderem e se encherem de lágrimas, mas
eram lágrimas de felicidade. Ela teria suas irmãs de volta, e um novo poder…
sim. Ela sentia uma nova forma de sua magia naquela esfera. Então Layla
apertou tão forte fazendo seu corpo absorver aquela magia celestial. Seu
corpo esquentava como jamais estivera antes, seu coração batia mais forte, e
ela sentiu aquele poder se assentar em seu interior.

Edward se virava para trás, olhando para o jovem de vestes negras, com um
olhar de ironia que o fazia até parecer-se com Ocásis.

– Bela capa, Dim – ele estalava o pescoço – Deve gostar muito do uniforme
escolar.
Aquilo era uma provocação. Pois o jovem sombrio parecia arder em fúria,
ao dizer com aquela voz maligna.

– Dim está morto, Dim sequer existiu. Eu sou Daren.

Silêncio!!

Então Edward olhou para o chão, sorrindo silenciosamente.

– E eu sou a porra do Pai Natal!


25
Troca

– Acredito que todos tenham entendido – Ocásis ouvia o professor


metido a sabe-tudo dizer, enquanto olhava para Edward e Daren lutando
agilmente. A pesar do sentimento de competição, ele precisava concordar,
era um plano que valia a pena tentar, afinal de contas, não havia outro
melhor. Então todos concordaram. Sila ia em direcção ao Sul, junto o
restante exército e seus emissários, sob ordens do professor. Um exército ali
atrapalharia o plano e daquela forma mortes seriam evitadas, pelo menos
algumas, ou por um tempo, sem contar que o exército de soldados e
cidadãos possuídos do Reino sem nome ainda eram travados, então,
reforços seria, com certeza, o que mais se precisava ao Sul. Sila concordara e
partira logo e tão rápida quanto o vento a pudesse levar. E então sobrava
apenas eles, naquele campo coberto de corpos ensanguentados e
decapitados e desmembrados de soldados siquinianos.

– Daren – o professor olhava para os dois Salins sombrios que


caminham em sua direcção, as correntes nas mãos tilintando agressivamente
e simplesmente Nero olhar para eles com o olhar faminto e maníaco – a
habilidade de troca de almas e consciências requereria excessiva
concentração. Ocásis – um olhar severo para ele – Senhorita Miller – outro,
para a jovem sem armadura agora, apenas com as roupas e botas habituais –
encham Nero com o máximo de porrada que conseguirem.

Um sorriso voraz e sedento para o jovem de cabelos vermelhos a menos


de oito metros.

– É a melhor coisa que já nos disse, professor!

– Ocásis!

Anúbis o chamou, ainda olhando para a irmã vindo, o arco de metal


estranho e lindamente perfeito de Anila em mãos e armado.
– Preciso... Preciso dizer algo – o rosto divino da garota estava tenso,
seus dedos sobre o arco tremiam levemente. Mas aquela não era uma boa
hora para conversar, e ela sabia – para voc…

– Quando isto terminar – Ocásis olhava directamente e rapidamente


nos olhos de anéis de fogo da jovem, suas pálpebras rosadas se agitavam
levemente – quando isto terminar, conversamos – um leve sorriso –
prometo.

O jovem-dragão nem mesmo teve tempo para ver sua reacção, pois
Nero já estava no ar, em ofensiva, então, igualmente se atirou contra ele sob
o impulso de suas asas que reclamavam de tão dormentes que estavam. Só
precisavam aguentar mais um pouco.

Apenas mais um pouco.

¢
Cerca de quarenta metros à direita, Ocásis e Nero lutavam com aquela
força insana e Layla, corria em direcção aos dois, completamente
desprotegida, sem qualquer arma ou escudo, Anúbis não conseguia entender
qual era sua estratégia, mas a jovem parecia confiante em si mesma enquanto
corria tão rápido quanto uma pantera. Um pouco mais à direita, Daren
desaparecia e aparecia tentando acertar o jovem manipulador do tempo que
o acompanhava e previa tão agilmente seus ataques. Ela poderia apreciar
aquele confronto de lendas, se não fosse pela irmã que tentava a acertar com
suas mãos, com aquelas marcas em cada palma. Mas Anúbis conseguia se
esquivar com movimentos calculados. As correntes se esticando de vez em
quando não passavam dos dois metros. Então Anurim também estava
ficando sem magia, com certeza controlar um reino inteiro e lutar contra um
outro exército e servir de conector mental do trio exigia muito dela. Graças
a deusa, ela conseguira atrair a irmã o mais longe possível de Gregório
Dexter.

Em meio aquela luta, se esquivando e atirando flechas de luz e magia


divina para a irmã que rápida e agilmente se esquivava, Anúbis pensava onde
a maldita deusa encarnada estaria? Se era tão poderosa assim como as
lendas diziam, onde Alika estava?
Mas ela precisava chamá-los, precisava se concentrar, apenas mais um
pouco…

– Não se distraia, irmãzinha.

Era aquilo que ela estava esperando. Conversa. Talvez aquele plano
realmente funcionasse. Então, com a respiração dormente, a garganta seca
ela disse.

– Perguntou se eu me considerava uma pessoa boa – outro ataque – me


culpa pelo destino infeliz que causei a você, e acredita, mana, eu não quis
que fosse assim.

– Ah, mas é claro!…

– Estou dizendo a verdade. Não imagina o quanto este sentimento de


culpa e vergonha me corrói por dentro. Eu fui uma tola e imatura ao fazer o
que fiz e reconheço isso – outro disparo para a irmã, fazendo terra se abrir
novamente – Mas agora…

– Mas agora – Anurim gritava em fúria, seus olhos roxos e escuros


brilhavam levemente e tremiam – mas agora – ela sorria ironicamente – é só
com isso que se importa não é, maninha? O “agora” como se o passado já
não mais importasse, como se tudo o que causou, todo o sofrimento e dor
que me causou, a merda do destino que sua atitude egoísta me custou,
desaparecessem em nossas mentes em um passe de mágica – as correntes da
irmã se enroscaram ferozmente em seu tornozelo e Anúbis foi elevada para
o alto e em seguida atirada ao chão tão brutalmente que seus ossos estalaram
e sangue escorria levemente em seu nariz – bem que poderia fazer isso,
maninha, bem que poderia apagar todas estas lembranças e ser apenas uma
princesa condenada sem sequer se lembrar do por quê se sentir tão vazia
por dentro, mas eu precisava disso, deste sentimento, para que eu pudesse
encontrá-la no fim-do-mundo, e poder me vingar. Por quê esquecer o
passado, se pode nos tornar o que realmente fomos destinados a ser?
¢
Seu corpo doía a cada golpe, mas ele precisava continuar, golpe a pós
golpe, Ocásis era uma máquina imparável e Nero apenas desviava e defendia
sem qualquer tempo para revisar. Logo atrás, Layla vinha correndo, tão
rápida. O que está fazendo? O jovem-dragão parecia perguntar com o olhar
para ela que simplesmente sorrira maliciosamente antes de saltar para
ambos, quando subitamente em um clarão azul e roxo, suas asas saíam se
materializando tão rapidamente e atirando-se para Nero com um chute
rasteiro o desequilibrando e com a perna direita outro chute, bem no rosto
fazendo o jovem ser arremessado às cambalhotas e poeira se elevar.

Então ela com um mortal para trás se virava para ele, sorrindo.

– Quem é a exibida, agora? – o jovem-dragão sorria para ela, seu


coração aliviado e feliz por ver o rosto da garota novamente brilhante e
alegre e suas asas, completamente brancas, por Arsêmis, Layla parecia um
anjo brilhando sob o dourado vindo à direita.

– É tudo pelo suspense!

Então os dois se alongavam e arqueavam o corpo para frente, suas


poderosas asas rugindo e se agitando, um pé arrastado para trás.

– Pronta para a revanche ?

– Hora da revanche!

¢
^ Anda!
Troque com Anurim, é uma ordem!
∆ Não me atrapalhe, Daren. Eu quero matá-los. Eu vou matar esses dois…

^ Anurim, troque com Nero.


¶ Espere só mais um pouco, não é com Nero que quero trocar desta vez…
Aqueles miseráveis. Nero se levantava rapidamente olhando para os
dois Salins alados que voavam brutalmente em sua direcção. Deprimente!
Completamente deprimente! Mas ele os estriparia. Ah, aquilo era uma
promessa, ele os mataria e utilizaria suas asas como leques. Então ele
pressionou fortemente os pés descalços no solo para se atirar contra eles e
esmagá-los…

– Calminha aí, parceiro.

Alguém estava em sua trás. Quando chegara ali? Ele se virou


abruptamente ao reparar nela. Era Layla, Com suas compridas asas
vermelhas como o sangue. Nero tão rapidamente e tão confuso olhou para
trás e ainda o jovem-dragão e… Layla voavam ferozes para ele.

– Relaxa – outra pessoa bem ao lado aparecera, era… Layla? – é tudo


pelo suspense!

Ele nem mesmo teve tempo para defender-se da joelhada da jovem de


asas pretas que o fez cambalear para trás e em seguida um chute rasteiro de
outra Layla, a de asas de sangue, por sorte, com um salto ele conseguira
prever à tempo e desviar, no entanto, Ocásis e Layla já estavam bem atrás o
atingindo com um chute na lombar e com um mortal, Layla de asas brancas
o fazer passar por cima e ser arremessado com tanta força, novamente
poeira se elevar.

¢
Por favor! Ela implorava para eles. Por favor! Venham até mim!
Venham até sua amiga e a ajudem nesta guerra…
– Durante estes dois anos – Anúbis falava para a irmã. Em sua aljava,
apenas uma flecha sobrava. Por Anila, aquilo tinha que dar certo, estavam
arriscando rudo por aquele plano e se não resultasse…se não caíssem… –
conheci pessoas incríveis e aprendi imenso com elas. Pessoas que eu jamais
imaginei conhecer e que jamais conheceria, caso não fizesse o que
lamentavelmente fiz – Anurim caminhava com aqueles passos que faziam até
mesmo o som fugir deles – vou repetir quantas vezes forem necessárias: Não
quis que fosse dessa forma. Eu não me acho uma pessoa “boazinha” – ela
sentia o coração apertar ao pensar naquilo e estampar inconscientemente
um sorriso – mas as pessoas que estão lutando nesta guerra, que
aparentemente vocês causaram, são pessoas de coração puro e defensoras de
sua terra, protetoras e cuidadoras umas das outras e isso, Anurim, isso é
bondade. São amigos que jamais tive naquela prisão de castelo,
companheiros que me fazem sentir realmente em casa, em uma família.
Pode ser um pensamento egocêntrico mas – um breve olhar para a irmã –
eu não me acho uma pessoa boa, mana…eu tenho a certeza absoluta de que
sou.

Uma provocação. Aquilo tinha que resultar. Era sua última


tentativa…tinha que resultar… – Você era o bebê mais lindo do mundo e
adorado por todo continente Norte destinada a riqueza e poder sobre todos
os homens – uma pausa – até eu ter nascido.

Os olhos da irmã rugiam e ficavam levemente vermelhos, pois sangue


se concentrava neles.

Por favor! venham ajudar sua amiga, nesta guerra…

¢
Dim estava completamente diferente, igualmente alto que poderia
parecer seu irmão-gêmeo se não fosse pela cor branca e pálida de sua pele,
com seu recente despertar, a manifestação de seu verdadeiro corpo, o
castanho de seus cabelos havia se perdido completamente sobrando apenas
um preto mais escuro que a noite, mais escuros que seus cabelos encurtados
sob ordens de sua magia temporal e os olhos igualmente verdes, embora
cheios de raiva e destruição.

Eles lutavam tão rápido, rodando e saltando, atacando e defendendo, o


mundo em volta passava em um borrão à medida que Edward via Dim
aparecer e desaparecer em seguida, aparecer atrás, no segundo seguinte
desaparecer, por céus! Era incrível como ele conseguia acompanhar e prever
cada um daqueles movimentos. Em alguns momentos naquela luta, por um
leve descuido, Dim o desmembrara, outra e outra vez, mas tão rápido
quanto um piscar de olhos seus membros voltavam com sua magia e o
socava fazendo sangue sair do jovem-sombrio.
– Engraçado! – ele dissera, divertidamente estalando os dedos e saltando
como um lutador treinado há séculos – sinceramente achei que pudesse sair,
tipo, sangue preto ou algo assim, mas quem diria – outro soco bem onde ele
aparecera – é vermelho!

Daren gargalhava diabolicamente, olhando para o alto, segundos depois,


limpando astutamente o sangue que escorria de seu nariz.

– Ah, Criança – a bússola dourada, o amuleto de Arsêmis pendurado


em seu pescoço parecia pedir por ajuda – Edward! – O ar em volta ficava
mais frio, mais gelado – Edward – aquilo não poderia estar acontecendo –
Você não entenderia – aquele cheiro no ar… o vento ácido entrando em
seus pulmões, aquela mesma sensação, o cheiro de carne e ossos sendo
queimados no ar – não entenderia, como é ter um poder mortal e tão
perigoso até para você próprio – aquelas bestas apareciam uma após a outra
após a outra, por céus! O céu ficava completamente preenchido acima deles,
com aqueles corpos peludos e escuros e alados as cabeças sem olhos
apareciam mais e mais e outros, muito maiores parecendo esqueletos de
gigantes feitos de ossos pretos e olhos carmesins invocadas do mundo
sombrio – não entenderia o que é atrair um demônio de outro mundo até
sua casa, seu quarto na calada da noite e aparecer bem diante de você, com
apenas seus dez anos, ver aqueles olhos vermelhos olharem para você da
porta aberta, sentir o corpo completamente paralisado, a sensação de morte
amarga em sua boca, gritar por ajuda e sua voz não passar de um pio,
apertada em sua garganta – Edward ouvia. Sabia que as pessoas na cidade
atrás podiam ver aquelas bestas horrendas – com o medo passando em suas
veias fazendo seu coração pulsar em sua boca, com seu poder
descontrolado, implorando para que o ajudasse, no segundo seguinte,
quando a criatura esguia e escura em seu quarto tentar pegá-lo se teleportar
onde sua maldita magia espacial o levasse para fugir daquele pesadelo –
Daren olhava friamente para ele, a voz mais pesada e cheia de fúria – e
aparecer exactamente no mundo onde o demônio saíra, ficando lá preso,
sem poder teleportar-se de volta, passando trezentos anos atormentado por
eles – Daren olhava novamente para os céus cheios daquelas criaturas
demoníacas – talvez desta forma você e este povo miserável entendam de
uma vez por todas o que é sofrer de verdade.
Edward permanecia calado por alguns segundos, pensando e ouvindo
ao longe, em seguida, estampar um sorriso irônico, mesmo para aquela
situação.

– Estando neste lugar, feito pelo próprio Merlim, não preciso do


maldito livro para retirar sua magia, Edward, e me tornar um deus…

– Desta parte eu já sei – ele exibia um sorriso maníaco, agora – mas tem
algo que você não sabe sobre este lugar.

Subitamente, as pedras no chão e os corpos de soldados abatidos


tremiam brutalmente, aquela terra inteira tremia diante do que vinha mais a
Oeste, bem atrás do jovem-sombrio e Edward sorria ainda para ele ao
continuar:

– Há mais animais e outras criaturas do que humanos, em Orgema –


Então eles apareciam cada vez mais, vindo em terra e céus, desde os mais
pequenos que uma formiga aos mais grandes quanto os poderosos Minarins,
urrando em fúria, prontos para estraçalhar qualquer um daqueles demônios
que pairavam sobre Orgema Siquim – Anúbis deve tê-los chamado.

^ O que está fazendo, Nero?


∆ Eu já disse, não troco, até matá-los.
¶ Daren, troque agora mesmo!
^ Tem certeza, Anurim?
¶ Apenas faça!
^ Muito bem, então. Também estou com complicações aqui, mas se é isso
que realmente quer…

¢
Ele ainda não conseguia acreditar no que via.

Havia três delas.

Havia realmente três Layla, que lutavam e espancavam e defendiam


uma a outra contra Nero que ainda revidava contra seus ataques, mas eles
não parariam. Pelo comportamento e estilo de luta permanentes, ele ainda
não trocara de consciência. Ele não trocaria até que eles estivessem mortos,
tal como o maldito professor previra.

Do outro lado, uma legião de criaturas mágicas de Orgema, corria e


voava contra os demônios invocados por Daren. Ele sabia que Anúbis
poderia fazer aquilo… só não esperava tantos, aquelas bestas demoníacas não
teriam qualquer chance contra os milhões de criaturas que corriam para eles
sob o comando, sob o pedido de sua senhora. Seu amor pela princesa
foragida ardia em seu peito diante daquela visão gloriosa, e ele sentia que
aquele sentimento seria eterno, embora não pudesse dizer para ela, ele a
amaria e a protegeria até que a morte o reivindicasse.

¢
Em um segundo ela estava lutando contra Anurim que tentava
amaldiçoa-la com aquela marca, no outro segundo, tudo mudara. Não era
mais Anurim que estava diante dela mas…ela mesma.

Era Anúbis, era seu corpo exibindo um sorriso felino e lindamente


maligno para ela, então ela reparou em seus cabelos longos e pretos, suas
mãos igualmente pardas, as correntes tilintando em cada pulso que, por
Anila! eram absurdamente e insanamente pesadas, mas ela conseguia move-
las livremente, ela reparou no frio que passava em sua barriga fina à mostra,
na marca ao lado, o furo com um metal fino em seu nariz.

– Nossa – seu corpo aborrecidamente andava de um lado para o outro,


revirando os olhos e fixando-os nela – ser você é um tédio, maninha!

Então tinha resultado. Tinha realmente dado certo. Ela estava no corpo
de Anurim, por todos os deuses! Aquilo era estranho, em outra situação ela
vomitaria. Era como se acordasse de um sonho profundo, como se o corpo
da irmã fosse seu verdadeiro corpo. Então ela podia sentir. O poder
correndo em suas veias, a magia pulsando em cada célula de seu novo
corpo.
– Não! Não! – A irmã em seu corpo berrava – espere! O que está
fazendo? Daren, troque! Daren!

– Ele não vai ouvi-la durante um tempo – Anúbis sorria para a irmã que
parecia desmoronar e batia com o indicador na lateral da cabeça – estou
cortando sua comunicação. Já não está mais em seu corpo, lembra?

Este foi seu maior erro, mana!

– Me devolve – Anurim rapidamente, a raiva a consumindo retirou a


última flecha de Anila e a disparou, no entanto, as correntes daquele corpo
instintivamente defenderam todo o impacto, fazendo os cabelos de ambas
esvoaçar.

– Eu devolvo. Mas, antes, preciso fazer uma coisinha.

Ela precisava agir o mais rápido possível. Daren e Nero em breve


descobririam que havia algo de errado. Então ela precisava agir naquele
instante.

Rápido!

Uma última vez – embora primeira para ela – Anúbis concentrava uma
grande quantidade de magia naquelas correntes que subitamente se erguiam
para o alto em espirais. Anurim, agora completamente desprotegida cobria
rapidamente o rosto com os antebraços contra o ataque. Mas não era para
ela que as correntes eram disparadas – em nenhum lugar do Universo ela
machucaria seu próprio corpo – mas para cima. As enormes e pesadas
correntes se esticavam cada vez mais para o alto e ela só poderia rezar para
que chegassem lá a tempo.

– O que está fazendo? – A irmã em seu corpo gritava e se atirava nela


fazendo ambas caírem no solo húmido e destruído, no entanto, Anúbis
ainda as esticava, mais e mais para os céus – Pare! – mais um pouco – Pare!

E então ela sentiu.

As correntes tinham chegado e se prendido no topo da estátua de


Merlim e com outro comando elas começavam a encolher, puxando-a tão
rápido que parecia voar. Mas a irmã em seu corpo subia junto, agarrada a
ela.

– Onde pensar que vai, maninha?


Enquanto subiam e seus cabelos eram açoitados tão fortes que
pareciam pular do lugar, Anúbis conseguia sentir, conseguia ouvir cada um
deles, cada uma daquelas almas amaldiçoadas e escravizadas. Então, com os
olhos fechados, ela mergulhou tão fundo, no poder da irmã.
26
Você é meu lar, Ocásis

Sannie estava morta, estraçalhada e devorada por aquelas criaturas do


pântano. O coração de Edward se apertava e urrava de dor e raiva ao pensa
naquilo… ao lembrar do rostinho sedoso e branco como a neve da pequena
Sannie. Sua companheira de luta, sua mentora, que o treinara
pacientemente, que o ouvira em todas as suas reclamações, que o fizera
sorrir e o entreter com conselhos e histórias jamais contadas. Morta. Sem
sequer um corpo para que a enterrasse devidamente. Tudo aquilo, todo
aquele sentimento de angústia que ardia em seu peito, por culpa do homem
à frente, o homem que acreditara durante uma curta vida, no entanto, longa,
ser seu amigo, seu irmão, o homem que sequestrara sua família, Sara, Sr.
Nicolau e que ainda os torturava naquele maldito mundo infernal e sombrio
repleto de pesadelos…

– Em sua – Edward fazia vênias com os dedos, a voz bastante arrastada,


o senso de humor completamente esvaído – dramática aparição em Árquia,
disse que o mundo estava cheio de amizades desleais – por uma fracção de
segundo, imagens, lembranças passavam em sua mente: Desde o dia em que
vira Layla pela primeira vez, sentada em uma das cadeiras dos jardins da
escola lendo seu livrinho de capa azul, Gregório Dexter berrando e
intimidando todos os colegas, Sara sorrindo para as garotas que discutiam
uma com outra pela comida malfeita, Sr. Nicolau preso em seu telhado
tentando consertar o sinal – talvez tenha razão – ele lembrava do dia em que
Ocásis o protegera, lutando contra o monstro do pântano que o atacara,
indefeso, e chorando, acovardado, por sua vida – talvez o mundo realmente
esteja infestado de amigos falsos – a pequena Sannie sorria para ele
enquanto olhavam para a chuva de Orgema parecendo milhares de
pontinhos luminosos nos céus dourados e gloriosos, e ela o chamava
insistentemente de Recruta – suponho que caiba a nós, escolher os menos
falsos, e estes – Edward sentia os olhos arderem levemente ao indicar com
um aceno para a direita, ao longe, para Ocásis e Layla que lutavam
bravamente contra Nero, depois para o vulto que subia como um anjo para
o topo do monumento colossal de pedra – estes são os “amigos menos
falsos” que a vida me deu, que lutam e defendem uns aos outros e se
esforçam até a última gosta de magia por um mundo pacífico. A verdade, é
que sente ódio disso, Daren, não se trata apenas de querer destruir este lugar
e obter minha manipulação temporal, mas de acabar com o espírito de
amizade e amor que há em cada uma dessas pessoas. Protege seus
companheiros e eles a você, percebi isso. Age como se fosse a pessoa mais
fria e diabólica deste mundo, mas se preocupa com seus companheiros –
Edward caminhava para ele, lentamente – diz que me usou durante nossa
vida juntos, se aproveitou de minha ingenuidade para alcançar seus
objectivos, mas eu sei que lá bem no fundo de seu coração, se é que ainda
tenha um, você sentiu que em algum momento nesta história toda, fomos os
melhores amigos de todos os mundos, e foi real, aceite isso! Foi, real, Dim.

– Pare de me chamar assim, é uma ordem!

Edward olhava para os céus e em volta, as poderosas criaturas de Orgema


destruindo cada um daqueles demônios.

– Agora percebo. Agora eu entendo, Dim…

– Pare!

– … Durante este tempo todo se sentiu só, naquele mundo de breu


infinito mas eu estou aqui, agora, Dim, sempre estarei. Sempre estarei aqui
como um amigo, afinal é para isso os amigos existem, não? Para entender o
inexplicável.

– Pare!

– Eu traçaria uma linha entre você e o mundo inteiro para te proteger.


Você mesmo me disse isso, lembra?, só… se permita que alguém faça isso
por você, que eu faça isso por você. Isso tudo pode acabar aqui. Agora.
Apenas…

– Ah, mas que comovente – Daren gargalhava para ele – o “amigo”


tentando me salvar, vou repetir mais uma vez para você, Edward: Nunca
houve isso, entre nós. Quer me salvar… – uma pausa – do quê?

Então não havia outra alternativa, Edward precisava fazê-lo naquele


instante. O amuleto de Arsêmis no pescoço de Daren, aquela outra parte do
plano engenhoso do professor…
– De mata-lo!

– Então venha, Edward! MATE SEU AMIGO!

¢
Anurim não estava respondendo a seus comandos.

O que ela estava fazendo, subindo com a irmã inútil no topo daquela
estátua de pedra?

Por um momento Daren pensara em se teleportar e ir até ambos, ou


trazê-los a si. Mas o Jovem miserável que o atacava era uma pedra no sapato,
não dava tempo para que sumisse daquele lugar…

– Sua habilidade requer bastante concentração para executá-la.

Como, infernos, ele sabia daquilo? Deveria ser o maldito Gregório


Dexter. Ele deveria tê-lo matado quando tinha a chance. No entanto, o livro
era guardado por ele, então o maldito professor ainda seria útil para ele.
Certamente o livro teria outros mistérios por resolver, outras magias por
utilizar, e alguma forma de achar a Salim jamais vista. Sim. Após a destruição
de Orgema Siquim, ah! Ele acharia Alika e se apossaria de seus poderes
divinos.

– “ A leitura de seu oponente é extremamente importante. Em uma luta


corpo a corpo você deve estar cem por cento conectado com todo o seu
corpo. Braços, pernas, joelhos, cotovelos, cintura, dedos, olhos, nariz, tudo
inteiramente conectado por uma linha invisível de poder, de força e
inteligência” – Edward sorria para si próprio ironicamente – Nunca achei
que essas palavras fariam tanto sentido. Mas cá estamos nós.

Daren não fazia ideia do que ele se referia. Mas de alguma forma
Edward antecipava seus movimentos, não importasse seus ataques-surpresa,
golpes que fariam milhares cair. NADA!

Ele tinha sumido! Onde ele estava?

– Aqui!
Do lado direito. Rápido. Daren atacou rapidamente, acertando em cheio
com um soco que faria a cabeça dele sair do corpo. No entanto, como se
tivesse sido feito com uma espécie de fumaça azul Edward desaparecia
novamente. Então ele sentiu algo pesado em seus ombros e com um
“Click”, o som de fio metálico se quebrando passou em seu ouvido. Edward
estava sobre ele, com os pés descalços em chave em seu pescoço. Enquanto
tentava se soltar dele, Edward sussurrava.

– Achar o livro. Treinamento árduo por uma menininha. Amigos


encorajadores. Quatro anos falando consigo mesmo em um local silencioso
e vazio. Tudo para este momento, Dim. Tudo por este, maldito, momento.
Mas não vou matá-lo, relaxa – Daren sentiu dedos magros e compridos
como ossos perfurarem sua clavícula, sangue pingando subitamente na
grama – Vou apenas pegar o que me pertence e, mais algo emprestado.

Então, Edward pressionou mais fundo e Daren sentia sua magia sendo
drenada, pouco antes de luz azul e escura cobrir Edward inteiro e com o
amuleto, desaparecer.

Merda! Merda! Merda!

¢
A sensação era quase a mesma como passar em um portal de Orgema,
só que mais prazeroso. Sim. Aquilo era estranhamente prazeroso. Então era
assim que Dim – Daren – se sentia toda vez que usava aquele poder. Como
num piscar de olhos, Edward rapidamente sentia novamente aquela
sensação de medo e tristeza no ar que queimava seus pulmões. O mar de
águas negras cobria os céus e o vento que saía daquelas montanhas brancas
como mármore e no além coberto de um cinza bizarro vinha acompanhado
novamente com o cheiro de carne e ossos sendo queimados. Então ele
estava novamente naquele mundo sombrio, naquele pesadelo, só que com
seu corpo de verdade, a areia preta e cinza entrando em seus dedos…

– Pai! Mãe! – ele sussurrou, seu coração saindo do lugar ao vê-los do


outro lado. Vivos! Mesmo que amarrados com algo que parecia pele preta
esticada em uma espécie de árvore de ossos e… Edward não conseguia
descrever aquelas outras coisas bizarras que pareciam corpos minúsculos
escuros emanando uma aura demoníaca pendendo nos galhos de osso
daquela árvore. Como se fossem frutos.
Ele não se deu tempo para pensar sobre aquilo, senão, com um
movimento brusco, porém, cuidadoso, fazer aquela corda de pele cair na
areia igualmente escura.

– Estão todos bem? – Ele olhava rapidamente para os pais, depois para
Sara igualmente pálida, seus cabelos pretos e curtos agora cobriam
levemente os ombros ao confirmar que estavam bem. Pelo menos
fisicamente. Apesar de suas forças, suas almas estarem abatidas e cansadas.
Com certeza o que teriam visto naquele lugar ficaria marcado para sempre
em suas retinas. Mas Edward olhava em volta, procurando…

– Ele não está aqui – Sara, como se tivesse lido seus pensamentos
respondeu, a voz surrada e abatida – algo o levou. Não sabemos para onde.

– Tudo bem – ele os abraçava rapidamente, sentindo-os em seus braços


longos. Edward ainda não conseguia acreditar que estava tão incrivelmente
alto – tudo bem, darei um jeito…

… Darei um jeito.

¢
O plano estava dando certo. Anúbis faria sua parte, O jovem-dragão e
Senhorita Miller travariam o Salim com a magia de lança de ataque e
Edward libertaria seus pais do mundo dos demônios que, ao longe, um
pouco mais à frente, eram estraçalhados pelas criaturas divinas daquela terra.
Se corresse tudo como ele calculara, então ainda haveria esperança para
aquele mundo e para todos os restantes mundos.

Então, um clarão de azul e branco e preto surgira bem atrás dele.

Edward!

O tronco ainda nu, embora, coberto levemente de sangue preto e


vermelho, as calças escuras rasgadas até os joelhos, se erguia e caminhava em
sua direcção, sorrindo com o olhar sincero, embora forçado naquela
situação.

– É realmente um óptimo professor, Senhor Dexter.

Mas o professor continuou:


– Pouco antes de reaparecer, vi Daren se teleportando, por um
momento achei que fosse atrás de si, ou – frio passava por seu corpo inteiro
ao pensar naquilo – de mim. Mas, pelos vistos, não se deu nenhum dos
casos.

Edward olhava para onde estivera a pouco menos de um minuto,


lutando contra Daren, ao dizer:

– Deve ter fugido.

– Mas, desta forma, nosso plano será completamente arruinado, todo


meu esquema…

– Não se preocupe com isso, professor – Gregório Dexter viu o jovem


caminhar mais para ferente, aquelas duas palavras, por baixo de cada olho –
Instinto Cronológico – Se acenderem em um amarelo de fogo, tão
brilhante que poderia cegar quem olhasse por cinco segundos. Então
Edward continuou:

– É a outra parte do plano que nenhum de vocês sabe.

Então o jovem Salim se sentou na grama húmida e surrada, cruzando as


pernas e fechando os olhos. E Gregório Dexter só poderia esperar.

E esperar…

¢
– Mamãe, estou com medo.

O menino de oito anos chorava, abraçado a sua mãe que tentava não
mostrar o pavor que corria por seu todo seu corpo, pois ela sabia. Aqueles
demônios em breve viriam até eles, parte da cidade fora completamente
destruída, milhares de pessoas haviam morrido e ainda morriam, seu marido
fora uma das vítimas estripadas bem na frente dela, cobrindo os olhos do
garoto lhe poupando daquela visão horrenda que a acompanharia até a
sepultura.

– Está tudo bem, filho – ela mentia para o filho, beijando seus cabelos e
abraçando-o o mais forte que poderia, pois sabia, a morte viria até eles em
breve...
Povo de Orgema Siquim!
Ela ouvia a voz doce de um anjo em sua mente.

Sei que estão com medo e que acham que esta guerra acabará com todos
nós…

– Mãe – seu filho olhava com os olhos inchados para o redor, para as
pessoas igualmente assustadas.

– Está ouvindo isso? – dizia uma pessoa para outra e outra, que também
pareciam ouvir aquela voz cantando em suas mentes…

Eu sou Anúbis Niamh da família real Niamh, no continente Norte…

¢
– O que ela está fazendo?

Layla de asas brancas perguntava para Ocásis que ouvia igualmente a voz
da princesa foragida em sua mente. Então, o jovem-dragão simplesmente
sorriu para o alto, para a estátua colossal ao Sul.

– Dando as pessoas desta terra o que mais precisam agora…

Esperança!

…Chegou o momento de erguer nossos escudos, de mostrar que lutamos


por nossa terra, que defendemos nossa casa. Esta terra me acolheu como
jamais fizeram em qualquer outro lugar, então, eu lutarei até minha última
gota de magia…

¢
Enquanto guerreavam contra o exército possuído, a companhia aérea
voava e girava nos céus sobre eles. E ela, com seus cabelos curtos ensopados
de sangue, o corpo mal se aguentando em pés, a espada parecia pesar o
equivalente a um Minarim. Então ela ouvia a voz dela..

Eu sou Anúbis do Reino do primor, a princesa foragida e herdeira do


trono por direito, eu fugi do meu destino e continuo lutando para mudá-lo e
vocês podem fazer o mesmo, cabe a cada um de vocês aqui presente, lutar
pelo futuro de seus filhos, de suas esposas… de vocês próprios, pois se não
lutarem quem o fará por vocês? Então eu os peço. Por favor! Por favor!
Por favor!
Acreditem em mim, em cada Salim que luta e defende esta terra
abençoada pelos deuses, mas acima de qualquer coisa, acreditem em vocês
próprios.

¢
Por Merlim! Ela sentia seu coração se reconfortar ao ouvir a voz do anjo
em sua mente. Então ela abraçava e sorria para o filho igualmente
esperançoso, as pessoas ao redor, em toda Orgema sentiam o mesmo.

Lutem comigo nesta guerra que se deflagra, lutem, lutem pelo que vocês
mais apreciam e amam, provem a vocês mesmos que ninguém, ninguém
vem para Orgema como se fosse um reino qualquer por ai sem nome e se
apodera dele.
Então as pessoas ao redor se levantavam, uma a uma, homens,
mulheres, crianças, jovens, todos entoando, olhando para o Sudoeste, para o
Sol de milhares de anos que brilhava mais intenso para eles.

Mostremos ao mal…

... do que somos feitos!.

¢
O que estava acontecendo?

Daren! Daren!
Merda, nenhum dos dois respondia. O que Anurim estava fazendo? E
como aquela Salim conseguia utilizar o poder da irmã? Que merda estava
acontecendo?

Nero, esquivando-se do ataque de uma delas, a de asas pretas, ouvia um


som saindo da cidade.

– O que é isso?

O maldito Salim com asas de dragão olhava igualmente para o lado.

– Isso – ele se aproximava dele, os passos calculados – isso é a canção de


Orgema. Seu grito de guerra.

Aquele som, aquela maldita música ardia em seus ouvidos, mas ele
precisava se concentrar, precisava matá-los.

¢
Ocásis!
Ele ouvia a princesa foragida dizer seu nome com a voz de uma deusa.
Algo mudara. Ele poderia jurar que era só ele que ouvia.

Querido!
Eu fui uma tola covarde durante estes dois anos ao seu lado…
– Anúbis! – Ocásis gritava seu nome, mas ele sabia, ela não conseguia o
ouvir.

… Após ter fugido de minha terra, confesso que estava arrependida


semanas depois. Coloquei meu destino, a responsabilidade do meu próprio
reino nas mãos da minha pobre irmã que agora quer me matar e este é um
de meus maiores pecados e arrependimentos. No entanto, meu maior
arrependimento é nunca ter dito o que eu sinto por você.
Ele atirava Layla de asas vermelhas com tanta força para o jovem de
cabelos de sangue que desviava do ataque de Layla de asas pretas, com
certeza aquela seria a mais bruta dentre as três.

Anúbis em sua mente continuava:


… quando você chegou até mim, quando eu vi você me protegendo
daqueles homens imundos em terra desbravante, dois anos atrás, eu soube,
soube que tinha encontrado o pedaço que faltava em minha alma . Por um
momento eu fiquei…feliz . Por um infinito momento eu estava realmente
feliz, por estar livre daquele continente, porque foi isso que você me deu,
Ocásis: Liberdade! Liberdade como nunca tive em minha curta vida. Eu
posso nunca ter amado alguém antes, mas eu sei o que é isto que está aqui,
pulsando dentro de mim. E eu nunca senti nada igual. Eu amo você,
Ocásis… Te amo tanto, tanto, tanto, tanto que chega a doer em minha alma.
Não consigo me imaginar em um mundo sem você.
– Também amo você! – ele sussurrava para ela, apesar de não o ouvir,
seu coração batia mais forte.

… E eu sei que lá no fundo, você sente o mesmo. Por longos meses,


esperei que dissesses estas mesmas palavras para mim. Acho que não há
sentido em lutar pelos outros e não por nossos sentimentos…
O jovem dragão sentia seu peito esquentar e se alegrar ao ouvir aquelas
palavras.

… Quando isto terminar, ficarei ao seu lado, como sempre fiz, por que é
meu lar, Ocásis – Uma pausa – você é meu lar!

¢
Anúbis, ainda de olhos fechados, sentia a irmã enroscada com uma das
correntes, berrando para ela, o vento estava mais forte do topo do mundo,
uma parte daquele plano já estava feita, o povo estava fervoroso, ela ouvia
mesmo do alto, a cidade cantando, cantando e cantando como sempre fizera
em cada chuva. No entanto, apesar de que a magia estivesse reclamando, seu
nariz sangrando, sua cabeça explodindo de dor ela precisava ainda
continuar, precisava fazer uma última coisa. O corpo da irmã começava a
rejeitá-la, mas ela se afundava mais uma vez naquele lugar escuro da magia
da irmã e viu.

Milhares de esfera das mais variadas cores e tons. Aquilo eram…


almas… almas acorrentadas flutuando naquele breu. Ela fraquejava diante
daquilo, entretanto, com as mãos esticadas para aquelas esferas implorando
por salvação as marcas negras em cada palma se acenderam em um roxo
brilhante, tão brilhante quanto o sol eterno, então como um estalar de
dedos, correntes caíam por terra escura e outra e outra, o som delas
preenchendo e reverberando por todo aquele lugar, então ela continuava e
continuava, ela sentia o corpo da irmã a expulsar, em segundos ela sairia
daquele corpo, dor, dor insanamente forte a corroía. As correntes caíam e
caíam, até que a última daquelas esferas, a esfera da alma de Douglas Kally
parecia sorrir para ela ao brilhar de um amarelo intenso, como vaga-lume.

E aquelas pobres e inocentes almas estavam finalmente, libertadas,


finalmente livres.

Mas não havia mais tempo, pois, novamente o mundo voltada a ficar
embaçado e escuro e segundos depois, sentir seu corpo apertado, correntes
a enroscando como serpentes. Ela estava de volta em seu corpo.

– Percebe o que acabou de fazer? – Anurim, com o nariz sangrando,


apertava mais aquelas correntes na irmã, fazendo ossos estalarem –
sinceramente não achei que fosse cair em uma de suas armadilhas
miseráveis – Então Anúbis sentiu, aquilo na irmã, aquele desejo de sangue se
acumulando em seus olhos roxos – estou orgulhosa, maninha.

Então ela sentiu seu corpo ser puxado tão forte, e sem poder fazer
absolutamente nada ser atirada para a cidade abaixo.

E Anúbis caiu.

¢
Algo estava errado. A força de Nero parecia ter aumentado
bruscamente, ou fosse apenas instinto assassino vindo dele. Mas algo estava
errado, ele não sabia o que era, mas seu coração batia e doía como se o
avisasse de algo.

– Ocásis!

Layla de asas brancas o avisava, mas, tarde demais. Nero o acertara bem
do lado esquerdo, dor o atingindo.
Então, com um mortal para trás, regenerando-se forçadamente e se
distanciando consideravelmente de Nero que era rapidamente atacado pelas
três… Ocásis olhou para o Sul… e sua alma saiu do lugar ao vê-la cair.

¢
Era incrível poder estar em três lugares ao mesmo tempo, simplesmente
algo que ela não conseguia explicar, a sensação de poder sentir seu corpo de
diferentes formas, em diferentes ângulos, diferentes perspectivas, à medida
que atacava e atacava Nero.

Layla nem mesmo percebeu quando Ocásis disparou para o outro


lado, para o Sul. E um pouco mais a esquerda, milhões daquelas criaturas
invocadas por Anúbis corriam para a mesma direcção que o jovem-dragão.

Então Layla reparou para onde eles tão desesperadamente corriam.

Mas ela não poderia fazer nada, a não ser parar Nero de uma vez por
todas. Rapidamente ela se aturava contra o jovem de cabelos vermelhos,
agarrando seu braço, batendo forte suas asas brancas, depois agarrar o outro
braço, batendo forte as asas de sangue em suas costas. Ela se vingaria, por
fim. Por suas asas retiradas, pela dor causada a ela, pelos papéis destruídos e
pisoteados em Vênus, a única recordação que tivera da mãe.

Nero rugia e tentava se soltar dela, mas ela segurava com toda sua força,
batendo tão forte suas asas, pois o jovem era tão alto que seus braços
estavam tão distantes do chão. Rapidamente, Layla, com suas asas escuras e
compridas se impulsionava para as costas dele, pressionando com toda sua
força as bostas no dorso de Nero ao dizer, friamente em seu ouvido: – Deve
adorar bastante seus braços.

Então ela puxava de cada lado com tanta força, ao continuar: – Mas lhe
farei um favor.

Nero resistia. Por céus! Aquele Salim era uma aberração de força
infinita. Mas ela faria, mesmo que durasse uma eternidade.

¢
Enquanto caía, ouvia os choros dos milhar de animais que corriam e
voavam em sua direcção, Ocásis, seu amado jovem-invencível tentaria
alcança-la, mas ela sabia, não daria tempo, ela caía tão rápido. Ela se
declarara para ele, finalmente dissera aquelas palavras, aquele sentimento
que a corroía por dentro, para ele, para Ocásis. Então, Anúbis olhava para
aquela cidade destruída mas que se reergueria, aquelas pessoas salvas, seu
coração estava em paz diante daquilo, e ela morreria sabendo que lutara por
algo, por seus amigos, por sua nova casa, por sua nova família, pois todos
naquela cidade eram sua família e ela, Ocásis, Layla, Edward, Sila, Sannie,
Gregório Dexter e os emissários a protegeram até o último nervo, então,
com os olhos lacrimejando e brilhando, ela olhou para o sol eterno uma
última vez, que parecia sorrir para ela, que parecia... se despedir da pequena
Salim, e ela não tinha nenhum arrependimento pelo que fizera.

Querida irmã – ela sabia que Anurim poderia a ouvir e ver de lá onde
estava – não se preocupe com isso, lembra o que mamãe sempre nos dizia?
A morte é apenas uma amiga que nos recebe de braços abertos. Teve sua
vingança, e eu não a culpo por isso, do contrário, eu a perdoou, afinal de
contas, é minha única irmã.

¢
Ocásis voava e voava para ela, chorando, gritando e urrando e clamando
seu nome como jamais o fizera, apesar de suas asas estarem imensamente
fracas e não conseguirem subir mais alto que poucos metros a mais dos
animais que corriam logo atrás, que rugiam e corriam, outros, alados e mil
vezes maiores que ele, mais a cima, tentando chegar a tempo a sua senhora,
ele ainda assim batia em meio a dor que passava por todo seu corpo, por
toda sua alma por seu coração que implorava para os seres divinos que o
ajudassem a alcança-la. Por todos os malditos deuses, ela era a única coisa
que lhe importava naquele inferno de mundo, sua inspiração, sua
companheira, sua alma imperfeita e ele não dissera aquelas palavras a ela,
ainda não dissera para ela. Ele também a amava, desgraça! ele a amava como
nunca amara alguém antes. Em poucos segundos ela chegaria ao solo e ele
ainda estava tão longe dela, tão distante da pessoa que sempre o apreciava
mais do que qualquer um, que sempre se lembrava de seu aniversário, que o
fazia se sentir protetor, que sorria para ele mesmo em meio a tristeza, que o
tornara uma pessoa melhor para aquele mundo. No entanto era tarde
demais. O som de algo batendo na terra ressoou.

– Não!
NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO!

Poucos metros à frente, grama e poeira se elevava no alto.

Aquilo não poderia estar acontecendo, não podia...

– ANÚBIS! – ele urrava e chorava, lágrimas caíam como cascatas de


tristeza e angústia em seus olhos dourados, seu coração apertava, seus
pulmões doíam, sua cabeça girava, enquanto aterrissava rapidamente e via os
milhares de animais o rondarem e urrarem um som que fazia a terra tremer
e chorar junto, para o corpo imóvel, coberto por seus longos cabelos
vermelhos-alaranjados pela luz dourada que parecia tê-la protegido de
grande parte do impacto – Por favor - Ocásis a segurava em seus braços, suas
lágrimas caíam no lindo rosto ensanguentado de Anúbis – Por favor! Por
favor! Cure-se, por favor, cure-se – sua voz não passava de um pio arrastado,
a garganta dormente – cure-se logo.

Mas ele conseguia ouvir o coração manso e puro da jovem mais linda que já
existiu na face da terra parar em seus braços, se despedindo.

– Não!

Ela estava morta.

¢
O mundo do jovem-dragão mudava drasticamente de cabeça para baixo.

Ele mal respirava direito, nem mesmo olhara para a criatura de olhos
azuis o corpo humanoide coberto de pelos brancos e com o dobro de seu
tamanho recebendo a princesa – morta – de seus braços, pois apenas uma
coisa passava por sua mente naquele instante. Ele se virou para trás, os
animais abrindo espaço, em seguida, uma última vez esticar e açoitar as asas
cansadas sobre o vento. Poeira se elevava obrigando os animais igualmente
tristonhos se afastarem, então ele faria aquilo, ele o visualizava ao longe
tentando se soltar das três jovens aladas. Com os olhos completamente
vermelhos, fosse por tristeza ou raiva como jamais sentira ele não saberia
dizer, em seguida, ele se atirou contra o vento voando tão próximo da grama
que poderia sentir as pontas ossudas de suas asas raspando-a. Ele sabia que
Anúbis não aprovaria aquilo, aquele pensamento assassino vindo do jovem-
dragão, mas ele não se importava mais com merda nenhuma.

¢
Layla ainda puxava os braços fortes de Nero e pressionava brutalmente
as costas do Salim Sombrio, mas não resultava em nada, ela sentia seu corpo
e os das “irmãs” ficarem dormentes, esgotando o último poço de magia
restante, e ela sabia , sabia que quando o soltassem, seria o fim, pois ele
exibia um sorriso diabólico e psicopata que só poderia significar uma coisa:
Morte certa!

Então ela virou instintivamente o rosto para trás, e rapidamente se


atirou para o alto deixando apenas suas irmãs o segurarem pelos braços e
segundos depois, Ocásis, tão rápido e brutal, colocar suas botas nas costas de
Nero e a próxima coisa que Layla viu foi o Salim sombrio ser atirado para
longe, deixando cada braço nas mãos de suas irmãs.

Então ela viu o jovem-dragão olhar para aquele aglomerado de poeira,


onde Nero, gritando de dor, assombrosamente levantava e impulsionava os
pés descalços e ensanguentados e, com um salto, desaparecer de vista.
Ocásis tentou partir em sua direcção, no entanto, seu corpo já não reagia.
Sangue saía de sua boca e ouvidos.

E então, o jovem-dragão caiu.


27
?

Anurim! Onde você está?


Nero tentava se comunicar com ela.

Mas que merda foi aquela, Anurim?


Era a voz de Daren em sua mente. Então Anurim teria voltado em seu
corpo.

Sangue ainda pingava sobre as mangas da camiseta escura. Os braços


em falta.

Ocásis, maldito. Aquele desgraçado!

Ele conseguira fugir a tempo. Precisava encontrar Anurim. E que merda


era aquela que tinha visto com Daren, minutos atrás? Ela estava morta!
Como poderia estar lá?

O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?
Anurim gritava, apavorada, em sua mente.

O que foi, Anurim? Nero a chamava, sem resposta. Onde você está,
droga? Onde raios você está? Tem algo estranho acontecendo aqui…
Mas ela continuava.

O que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz…


Então ele precisava a encontrar. Nero estava agachado sobre o telhado
de uma das várias casas de topázio que teriam “sobrevivido” à queda do livro
de pedra. Mas algo chamou sua atenção. Ali. Em um beco, onde a luz do
maldito Sol não tocava, alguém o acertara por pouco com uma rajada de
destroços, com um salto, Nero desviava e se atirava para aquele lugar. Quem
quer que estivesse ali, pagaria, ele não precisava de braços para espancá-lo,
estripa-lo. Estranhamente aquelas vozes ensurdecedoras de pessoas
cantando na cidade tinham sumido. As pessoas em si, tinham sumido.

O que foi que eu fiz?... O que foi que eu fiz?...


Anurim ainda gritava e chorava, apavorada, em sua mente. E Daren…
Assim que achasse Anurim, ela com certeza teria que explicar aquilo.

A cidade parecia abandonada de tão silenciosa que estava. Entretanto,


no beco não havia ninguém, excepto por uma espécie de criança monstruosa
com a pele preta, o corpo esquelético com um o único olho vermelho
esbugalhado quase saindo de órbita, a boca estranha em seu pescoço, e sem
braços se debatendo em uma pilha de pedras. A coisa bizarra sussurrava
algumas palavras que ele não entendia.

– Me-d-da-m-mejd…

Que coisa macabra era aquela? Talvez fosse um dos demônios vencidos
pelas criaturas invocadas estranhamente no momento em que ele achara que
o terror supremo cairia sobre Orgema Siquim.

– Quer que termine com seu sofrimento, monstrinho? – Ele gargalhava


para o demônio. No entanto sua atenção se prendeu no rastro de sangue
seguindo uma trilha até o outro lado, em outro beco que ele poderia jurar
ter visto um vulto tê-lo observado aquele tempo todo. Então ele abandonou
a criatura macabra ali e partiu em direcção a pessoa estranha no beco.

¢
Daren não conseguia mais se teleportar, graças ao ferimento em sua
clavícula que manchava de sangue suas roupas da noite e ardia como o fogo
do quinto dos infernos, deixando gotas de sangue por onde passava.
Enquanto caminhava entre as ruas vazias e empoeiradas daquela cidade, o
sol batendo suas costas, alguém veio bem atrás dele.

Era Nero.

– O que aconteceu? – o Jovem sombrio perguntou, reparando no


sangue pingando dele. Nero, no entanto, parecia sequer sentir a dor, pois,
sorria, felinamente.

– Aqueles malditos…
Então ele teria fugido daqueles dois. Nero teria sido vencido por aqueles
dois Salins miseráveis e corrido com o rabo entre as pernas.

Mas outra pessoa, estava ali, com eles, apenas sua sombra se
projectando em meio a poeira. Daren indicava para o outro lado com o
rosto.

– Procure Anurim e me encontrem. Eu cuido deste aqui.

Pouco antes do jovem desaparecer de vista, ambos olharam para a


pessoa que aparecia diante deles.

– Mas que merda, é essa?

Algo estava errado ali.

– Você está morta! – Daren sussurrava. A jovem de cabelos longos e


vermelhos caminhava até ele.

– O que disse?

– Você... está morta – o jovem sombrio repetiu entre os dentes. No


entanto, a jovem em sua frente estalava levemente a língua.

– Deve estar me confundindo com sua amiguinha fracote – ela andava


de um lado e do outro como uma fêmea esfomeada prestes a pegar sua
presa – Não acho que eu seja tão parecida com ela.

Nero, no entanto, seguiu a ordem e desatou para o Sul passando por


um edifício com uma placa empoeirada e vermelha quase caindo da parede
destruída, nela escrita: Cabeça raspada, o melhor joalheiro da cidade.

Algo estava errado, aquilo não tinha como ser verdade. Anurim tinha a
matado, a jogado do topo do monumento de pedra, ele mesmo vira ela cair
de lá.

– Como está viva?

– Simples – um leve sorriso – não morri. No entanto, sua amiguinha,


sua… preciosa amada, infelizmente minha irmã, não teve tanta sorte.

– Isso não faz sentido algum.


Mas Anúbis já disparava para ofensiva para ele com um chute que
rapidamente Daren defendeu com os antebraços, afastando-se agilmente.

¢
– O que está fazendo?

Ela puxava com as correntes ensanguentadas o garotinho apavorado que


gritava, angustiado. Mas ela faria aquilo simplesmente por diversão,
enquanto Nero não chegava. Com outro movimento, a marca de sua mão
esquentava. E o fez.

Então ela caminhava para o outro lado, naquele beco.

Que merda tinha acontecido com os braços dele? Como aqueles dois
fracotes teriam o vencido?

Poderia muito bem ter se passado uma hora, desde que Nero fora atrás
de Daren, que rugia, enfurecido, em sua mente – Mas que merda foi aquela,
Anurim? – no entanto, mesmo se esforçando, Daren não conseguia a ouvir,
algo estava interferindo na sua magia de comunicação, mas não era como o
que a irmã, inútil, morta, tivera feito, antes, em seu corpo. Aquilo,
estranhamente, parecia vir do próprio ambiente em si. Suas correntes
balançavam levemente parecendo pedir para que as usassem, mas ela usaria
aquela última gota de magia e força para um eventual ataque-surpresa. Nero
precisava achar urgentemente Daren para que fugissem dali. Sim. Ela sabia,
as cartas na mesa teriam virado contra eles. Recuar seria a estratégia mais
eficaz, embora Daren e Nero se recusassem quanto àquele plano. Mas ela os
convenceria. À direita, o jovem alto com os braços faltando vinha apressado
e estranhamente confuso. Pelos vistos, Nero não o achara.

Merda!

– Que bom que a encontrei.

– Então, não achou Daren – ela chutava fortemente com as botas


escuras uma pilha de destroços – merda!

No entanto, o jovem de cabelos vermelhos indagou:


– O quê? – Nero se aproximava – Mas que merda está dizendo,
Anurim? Daren e eu estamos procurando por você. Ele mesmo me disse
para que a encontrasse.

Mas o que ele estava dizendo?

– Mas fui eu que mandei que procurasse Daren.

– O quê?

Se Nero estivesse brincando com ela, naquela situação, pagaria… Mais


tarde!

– Disse que procuraria por Daren e estou os esperando faz tempo, se


esqueceu disso? – Anurim semicerrava os olhos roxos para ele fazendo a
tacha de prata recurvada em seu nariz brilhar levemente à luz dourada a
esquerda – garoto, por onde você andou?

Nero parecia confuso.

¢
Ele se lembrava daquilo.

Do momento em que se separara de Anurim, após a encontrar,


sorrindo de satisfação, de prazer, pela morte da irmã, e seguir para Norte,
onde acharia Daren.

Estranhamente, Nero se lembrava daquilo. Não era Anurim que ele


procurava mas, Daren. No entanto, ele o achara, minutos depois de avistar o
monstro estranho de pele escura e sem braços, naquele beco, falando coisas
estranhas, e seguir a trilha de sangue até acha-lo, até achar Daren. Merda!
Nero poderia jurar que sentia seus neurônios se esticando e encolhendo e
estalando de tão confusa que sua mente estava. As palavras angustiadas da
companheira ainda passavam em sua mente como um raio.

O que foi que eu fiz?... O que foi que eu fiz… O que foi que eu
fiz…
E apesar da estranha lembrança de ter encontrado Daren, ainda não
deixava de pensar naquilo. Como Anúbis estaria viva?
Ele pensou em perguntar aquilo para a companheira, que olhava para o
homem alto e de cabelos brancos que subitamente aparecera ali, bem em
frente, todo surrado.

Maldito! Maldito!

Pelos vistos, sua vingança pelos braços retirados chegara bem mais cedo
do que teria planejado. Mas Anurim, à sua frente, levantava um dedo para
ele.

– Pare de agir como um garoto mimado – ela avançava mais para frente
– já apanhou o bastante, Nero. Eu trato dele – Anurim olhava rapidamente
do ombro para ele, ao dizer, friamente – se diz, realmente, ter achado
Daren, então volte. Refaça seu caminho e me encontrem.

Com o ódio à flor da pele, as feridas no lugar dos braços rangendo e


urrando, gritando por vingança, Nero saiu, batendo o pés descalços,
esmagando pedras no caminho, ainda olhando para Ocásis, que sorria para
ele.

Maldito!

Maldito!

Então, com outro salto se atirou para longe. Para Daren.

¢
Mesmo após tê-la explicado sobre o que acontecera, na parte Oeste, o
Salim tão alto quanto Nero ainda permanecia em pés. Suas asas de dragão
não estavam à mostra. Óptimo! Ele estava quase caindo. E pelo repentino
olhar de confusão em seu semblante, não restavam dúvidas. Fosse lá por quê
ele viera até eles, talvez para que terminasse com o que começara com Nero,
mas Ocásis já estava aos pedaços. Aquela luta não demoraria.

Mas era como se ele sequer tivesse visto Nero ali, segundos atrás.

– Você está morta! – disse ele, ainda confuso.

– O que disse? – Anurim igualmente parecia confusa com aquilo.

– Você... está morta!


Então, a morte da amada teria o atingido tanto que estava alucinando.
Aquilo explicava os olhos levemente vermelhos e manchados ao redor.

Por Anila! Então ele já teria a encontrando, algures, após tê-la atirado. Só
não esperava que viesse logo atrás dela, por vingança!

Patético!

Mas Anurim respondeu para ele estalando a língua e se deliciando do


pesar em seu belo rosto.

– Deve estar me confundindo com sua amiguinha fracote – Anurim


andava de um lado, o rondando com o olhar de um predador, para ele –
não acho que eu seja tão parecida com ela.

– Como está viva?

– Simples! Não morri. No entanto, sua amiguinha, sua… preciosa amada,


infelizmente minha irmã – ela odiava se lembrar de Anúbis – não teve tanta
sorte.

– Isso não faz sentido.

Fosse pela raiva em sequer lembrar do nome da irmã ou pela vontade


de acabar com aquilo de vez, Anurim se atirava contra Ocásis com um
chute, bem no rosto, que foi defendido rapidamente com os antebraços.

Ocásis se afastava agilmente para trás, no entanto ela não o daria tempo
de sequer pensar, ele mal se mantinha em pés. Aquilo terminaria em
segundos.

¢
Nero aterrissava sorrateiramente sobre o telhado de uma das casas
destruídas. A cidade parecia abandonada de tão silenciosa que estava.
Como se todas as pessoas, estranhamente tivessem desaparecido.
Entretanto, Ali. Em um beco, onde a luz do maldito Sol não tocava, alguém
o acertara por pouco com uma rajada de destroços. Aquilo chamara
rapidamente sua atenção e com um salto e aquele aquela gargalhada
psicopata, Nero desviava do ataque e se atirava para aquele lugar. Ele
descarregaria a raiva por Ocásis em quem quer que estivesse naquele beco.
Ele não precisava de braços para esmagá-lo. No entanto, não havia ninguém.
O desgraçado teria fugido, então. Mas outra coisa estava ali, se debatendo e
soltando sons guturais e abomináveis. Merda! O que era aquela coisa?

– Me-d-da-mejd...

O monstro esquelético do tamanho de uma criança tremia de forma


bizarra e se coçava com as garras dos pés tão magros e pretos quanto o resto
do corpo A “coisa” ainda sussurrava para ele, único olho se agitando.

– Quer que termine com seu sofrimento, monstrinho? – Nero


gargalhava. Talvez devesse pôr um fim a vida daquela coisa, talvez assim a
raiva por terem arrancado seus braços se acalmasse um pouco.
Estranhamente ele sentia como se já tivesse dito aquilo em algum momento.
Mas foi para o lado que Nero olhava, para o outro beco alguns passos dali.
A pessoa estranha que o arremessara com os destroços estava lá, naquele
beco. Pelo sangue no chão, ele deveria estar sangrando. Então ele olhou
novamente para a criatura macabra, com aquele sorriso de maldade e se
atirou para aquele lugar. Não havia ninguém. Outro beco, e outro e outro.
Nada!

– Procurando por alguma coisa?

Ali!

Atrás dele.

As correntes que se estendiam de seus pulsos estavam manchadas com


sangue, pingando no chão. Então era ela. Como Anurim chegara ali tão
rápido?

Pelos vistos ela teria acabado com Ocásis. Merda!

Foi então que Nero reparou. Ele estava novamente no beco inicial. Só
que a criatura horrenda de pele preta não estava mais ali.

No entanto, a jovem de cabelos pretos e longos enroscava seu corpo tão


rápido que nem mesmo conseguiu se desviar.

– O que está fazendo? – Merda! Merda! Aquelas correntes, era a única


coisa da qual ele não conseguia revidar. Merda! – o que está fazendo,
Anurim! – a jovem, sem dizer uma única palavra o puxava para mais perto,
erguendo a outra mão e acendendo aquela marca na palma da mão. Merda!
– Anurim! Infernos, Anurim! Para!
Mas tarde demais. A jovem parecia não o reconhecer.

Em seguida, com um abrir e fechar de olhos. Anurim desaparecera.


Ficando apenas ele ali. Nero se sentia estranho e seu corpo, por todos os
deuses! Seu corpo estava… preto e… encolhido, ainda sem braços ele se
debatia, tentava gritar mas sem sucesso, sua voz mal passava de um grunhido
arrastado e estranho. Anurim o amaldiçoara.

Que merda!

Alguém estava ali. No beco a esquerda. Graças aos céus! Talvez fosse
ela, talvez fosse Daren. Mas não era nenhum dos dois. Era…

Merda! O que estava acontecendo? Aquilo não poderia ficar pior?!!

– Me-d-d-mejd – Me ajuda! Me ajuda! Ele tentava dizer aquelas palavras


para o jovem diante dele que sorria ao ver aquilo. Anda! Me ajuda! Mas
aquelas palavras, aquelas malditas palavras não saíam.

– Quer que termine com seu sofrimento, monstrinho? – o jovem alto,


sem braços e de cabelos vermelhos diante dele gargalhava.

Me ajuda!

Mas ele simplesmente olhou para ele uma última vez… pouco antes de
partir para o outro beco a direita, seguindo a maldita trilha de sangue…

E o deixando ali…

Então, ainda se debatendo naquele corpo imóvel e amaldiçoado, ele


ouvia novamente as palavras angustiadas dela.

O que foi que eu fiz?...

¢
A assombração da jovem de cabelos vermelhos e longos era uma
máquina imparável de ataques simultâneos e bem calculados. Daren não
conseguia pensar em alguma coisa, algum plano para que saísse daquela
situação, apenas defendia e defendia, esquivava e defendia novamente.
Onde, infernos, Nero e Anurim estariam? Mas ele daria um jeito. Precisava
continuar. Aquela garotinha fracote não o venceria em lugar algum no
Universo. E Edward… ah, aquele desgraçado…

– Deveria prestar mais atenção em sua luta, Bonitão!

Ela já estava atrás dele. E a próxima coisa que Daren sentiu foi correntes
perfurarem seu peito, fazendo sangue sair de sua boca. Forçando
doloridamente o rosto ao se virar para a jovem à sua trás. Ele exibia uma
expressão de confusão e dor ao olhar para Anurim.

¢
Ela perfurara brutalmente o tronco do jovem lindo que olhava para ela
com uma expressão abatida e pesarosa, sangue escorrendo dos dois buracos
em seu peito fazendo o marrom de sua camisa escurecer levemente. Então
algo estranho aconteceu. O marrom era substituído por um preto tão
marcante quanto a noite mais escura, então, Anurim, lentamente, olhava em
volta, tudo mudara, drasticamente, e o som metálico de uma placa
empoeirada e avermelhada ao lado caindo da parede de um edifício ao
escombros, nela escrito: Cabeça raspada, o melhor joalheiro da cidade.
Então, com as mão trémulas, ouvindo a voz única e inconfundível dele, ela
olhava para o homem deitado em uma possa de sangue, ainda olhando para
ela.

Não! Não!
– Não! – Anurim rapidamente se ajoelhava para ele o segurando em
seus braços, as correntes se encolhendo e se enroscando em seus antebraços
– Daren! – Não! – Daren, querido – ela gagueja, subitamente sentindo seus
olhos esquentarem e se encherem de lágrimas – Daren! – por Anila! O que
estava acontecendo? Que merda estava acontecendo ali? Ela se lembrava –
Não, por favor! Por favor! – o garoto que ela amaldiçoara era na verdade,
Nero. Como aquilo era possível? – Por favor, Daren! – o jovem sombrio
colocava a mão trêmula em seu rosto, acariciando levemente sua pele suada
e suja, então ele sorria para ela. Sorria como da primeira vez que a tinha
visto, em reino do Primor, sorria como das vezes que ela precisava adoptar o
maldito papel de Eunice na frente dos garotos de Vênus.

– Anurim…
– Estou aqui, com você – ela chorava e falava em meio ao medo –
estou aqui com você – medo de o perder, medo de voltar novamente para o
esposo imundo e arranjado, em Reino do primor e nunca mais conseguir
fugir daquele maldito destino – estou aqui com você…

Mas Daren já estava imóvel. Os olhos, inconscientes, ainda


direccionados para ela.

Então ele morreu, em sua mãos, sobre aquela possa de sangue que os
engolia.

– O que foi que eu fiz? – Anurim apertava o rosto no peito imóvel do


jovem – o que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz? – ela continuava dizendo
aquelas palavras, chorando – o que foi que eu fiz… o que foi que eu fiz…

O que foi que eu fiz…

O QUE FOI QUE EU FIZ?...

¢
Gregório Dexter ainda olhava para ele, sentado, com os olhos fechados
e aquelas palavras estranhas começando a apagar o seu brilho. Já teria se
passado uma hora que eles estavam ali. Então Edward abria os olhos, sua
expressão severa, triste. Ele se levantava e olhava para o professor, os olhos
verdes brilhando, parecendo prestes a lacrimejarem. E após alguns segundos
de silêncio o jovem manipulador do tempo apenas disse:

– Já acabou!

Então, por longos minutos, o choro descontrolado do garoto era o único


som que o professor ouviu.
Y

∆.

“ Q.

Q.

°•
‘;”:”-‘”’*;”’”;

– Está acordando!

Ele ouvia um zumbido misturado de vários outros sons que não


conseguia discernir. Então, silêncio, novamente.

Por favor! Por favor! Cure-se…


– Anúbis! – Ao se lembrar daquilo, ele se levantou subitamente da
cama, em seguida três pessoas o segurarem fortemente – Anúbis! Onde ela
está? Onde…

– Hei! Hei! Calma, garoto – Era Sila contra seu pescoço, tentando o
acalmar. Então, com os olhos agitados e o corpo dormente, observou os
outros dois. Layla e o professor, com roupas diferentes às que usavam na
guerra. Aquilo o fez pensar, quanto tempo estaria acamado, inconsciente?

– Preciso para-lo – mas foi Layla quem respondeu, calmamente, para


ele.

– Não precisa mais.

– O quê?

– Já acabou – a garota com as mãos nos bolsos da jaqueta de couro


preto encostava-se na parede de pedra pálida com aquelas gravuras –
Edward deu um fim nisso tudo.

– Onde ele está? – eles sabiam de quem ele se referia. Então o


professor continuou.

– Nero foi levado, para Árquia, após ser encontrado em uma das ruas de
venda, poucos metros a Oeste dos edifícios brancos, deformado, com uma
aparência tenebrosa, completamente inofensivo. Pelos vistos, foi
amaldiçoado pela própria companheira que conseguiu fugir com o corpo do
outro – pelo olhar do professor, era evidente – morto por ela mesma.

O alívio que poderia ter surgido em seu peito, dolorido, teria sumido
novamente ao pensar nela…

– E Anúbis?

Ele se recusava a pensar nela como alguém que já não estava mais entre
eles. Layla respondeu, enquanto Sila o soltava cuidadosamente.

– O corpo foi levado, cinco dias atrás, por soldados do Reino do


Primor.

Ele permanecia em silêncio.


Àquela altura já estariam em seus Navios se viajavam rápido e mesmo
contra sua vontade, seu corpo estava fraco incapaz de sequer fazer surgir
suas asas, que dirá voar para o Norte, para o outro continente?

– Entretanto, um acto simbólico em homenagem a todos os que se


sacrificaram nesta guerra, será feito hoje.

‘;”:”-‘”’*;”’”;

Ocásis era carregado por uma daquelas criaturas brancas e humanoides


e aladas e era deixado em seguida bem atrás dele, ainda olhando para baixo,
para a cidade que se reerguia, para as pessoas ali em luto, diante das duas
pequenas figuras femininas uma de cabelos tão longos e a outra, mais baixa
que mesmo sendo feitas de vidro e ouro, pareciam realmente felizes uma
com a outra.

– Não vai comparecer?

Edward o viu se sentar do lado, entre as pedras que os circundavam.

– Ela sempre pedia que a trouxesse aqui – seus cabelos brancos


levemente longos balançavam sob o vento silencioso – era seu lugar
preferido neste mundo todo.

O jovem manipulador do tempo olhou para ele por longos segundo,


depois novamente para baixo.

– Por que nunca disse para ela – Outra pausa – que a amava?

– Não podia dizer – Ocásis parecia segurar o choro, os olhos ainda


manchados, repetindo trémula e sinceramente – Não podia!..

Edward esperaria quando o jovem estivesse preparado para falar sobre


aquilo. Então, falou sobre outra coisa.
– As pessoas de Reino sem nome estão sendo levadas de volta, e a
cidade em breve se recuperará.

– E o que pretende fazer agora ?

Era a primeira vez que ele viu o jovem dragão completamente sem um
plano, sem aquele espírito de liderança, de protecção. Mas ele respondeu.

– Voltamos para casa, por enquanto. Tentamos retomar nossa vida –


um suspiro profundo – depois volto, atrás do homem que me deu esta
bússola de presente. Não precisa se envolver, disse o mesmo para Layla.
Posso fazer isso sozinho.

– Entendo!

– Mas e você? O que vai fazer?

Ocásis levou alguns segundos para responder:

– É bem provável que até minha magia retornar, ela já terá sido
enterrada. E receio que possa demorar bastante tempo até meu corpo voltar
ao normal. Ainda assim – ele acariciava com o polegar no colar com uma
ametista, em seu pescoço – Partirei para lá em algum momento, para visitá-
la.

Então, Edward colocou a mão no ombro dele, sentindo a dor do amigo.


Do irmão.

– Sinto muito!

Ocásis olhou para ele, colocando uma mão na dele em seu ombro.

– Sinto muito por você, também.

‘;”:”-‘”’*;”’”;

– Achei que quisesse isso de volta.


Ainda com as mãos nos bolsos diante das pessoas reunidas ali, os
cabelos encaracolados trançados em duas tranças ela o via agitar os preciosos
papéis e coloca-los em suas mão, fazendo-a inspirar profundamente e elevar
a mão a boca trémula.

– Achei-os, pisoteados e empoeirados, pouco antes do jovem com as


asas de dragão salvá-la.

Layla olhava para o professor em seguida o abraçar e dizer:

– Mas foi o senhor que me salvou.

Orgema Siquim novamente cantava aquela música dos céus fazendo


suas lágrimas brilharem ao dourado – o senhor me salvou, desde o dia em
que me dirigiu para aquela sala.

Ainda abraçados, Gregório Dexter falou, calmamente, a voz dócil.

– Receio que a senhorita não precise mais voltar para aquele quarto
mofado da livraria.

– O quê? – Layla ainda gaguejava olhando confusa para ele.

– As duas pessoas que viu naquela foto, minha esposa e meu filho – o
senhor levou um momento para continuar – morreram, faz dois anos,
assassinados e jogados no lago da cidade.

Ela não poderia acreditar nas palavras seguintes: – Seria uma honra,
senhorita Miller, chama-la de filha! O que me diz?

E depois de longos segundos, contendo o choro de gratidão, Layla


Miller disse:

– A honra seria toda minha…

… Pai!

‘;”:”-‘”’*;”’”;
– Então, porquê não voltou no tempo e evitou que tudo aquilo
acontecesse, ou – Layla questionava – Porquê não viu o futuro?
– Porque um – Edward mostrava um dedo para ela – não sou uma
máquina do tempo e dois – outro dedo – eu apenas influencio o tempo de
certas coisas, pessoas e lugares até certo ponto, ainda tenho muito a
percorrer. Sou um manipulador temporal, não um vidente.

– Mas, para mim, você continua sendo um Mago do Tempo! Sem


contar que tem que me explicar ao certo como fez aquilo. Foi… – ela piscava
para ele ao dizer – Engenhoso!

Ele ignorou.

– Sinceramente, não sei como seu novo “pai” conseguiu nos fazer passar
de ano. Os colegas devem estar umas feras.

Ele caminhava com Layla, em direcção a escola enorme que se


projectava a alguns passos em frente. Era realmente incrível como as coisas
teriam mudado, literalmente, em sua vida, mas com certeza ter o director da
escola envolvido naquela loucura toda vivida teria suas vantagens. Rebuscar
todas as disciplinas e estudar as novas com certeza seria algo muito divertido
para ele e a garota prodígio de Étom.

– Ainda não me acostumei a chamá-lo assim, então não abuse, “Senhor


Contributo”. Ou deveria chamá-lo de “Duplo E”? – Uma leve gargalhada.

– Como é falar dez línguas?

Ela fazia uma reverência provocativa, sorrindo para ele.

– São onze e não, dez. E tem sido muito divertido ver a expressão de
confusão no rosto de Gregório Dexter ao me ver conversar com três de mim
mesma em idiomas aleatórios – Um suspiro aliviado – À propósito – a
jovem de cabelos ondulados amarrados para trás com uma fita azul, duas
mechas finas caindo de cada lado do rosto, olhava através do óculos
redondos e rosa-arroxados, os lindos lábios passados em um batom
castanho-escuro, para o uniforme perfeitamente ajustado – por que,
infernos, nosso uniforme é outra vez o preto?

Ela estava radiante!

Edward sentia uma pontada no coração ao lembrar daquilo, uma vez


dito, exactamente, pelo amigo, por Dim – morto. Mas ele tentou não
expressar aquilo ao dizer com um sorriso leve e forçado.
– Há quem tenha calhado com o verde-aceso!

– Há quanto tempo! – Os amigos vinham em sua direcção. Adam,


Scott, Carla e Elisa, novamente usando o uniforme do curso de Geologia.
Até então eles sabiam que Dim estaria desaparecido – Como você cresceu,
mano, está mais alto que Scott. E… mais velho!. Por onde andou, cara? Em
Buenos Alta? E esse cabelo? – O amigo reparava com mais atenção para
seus cabelos, agora mais compridos e cheios, enrolados em porção na nuca
– com esse coque está parecendo uma garota. E essas tatuagens…

– É – Carla com o uniforme Azul-escuro e botas pretas jogava os


cabelos loiros para trás – Você poderia até ser minha irmã mais velha agora,
se fosse loiro. Cresceu tanto quanto o talento de Elisa em cozinhar merda!

– Carla! – Elisa berrava para a amiga – eu já disse que não sou tão mal
assim…

O livro estava com Ocásis da tribo dos caçadores, no continente Sul,


em uma mundo tão distante de Vênus e, tão próximo, também. O jovem-
dragão o protegeria com a vida se pudesse.

Por incrível que pudesse parecer, ele sentia falta daquele lugar dos
sonhos. De Orgema Siquim.

Então, olhando para Layla Miller que gargalhava igualmente diante


daquilo, seu belo rosto de pele morena brilhando à luz fraca e perfeita do sol
ao Leste, eles atravessavam os portões de entrada.

E Edward Everton só tinha certeza de uma coisa:

Era realmente o destino!


Em algum lugar, em Vale dos ossos…
Ela caminhava entre aquelas montanhas cinzentas, tão altas que
impediam que a luz do sol ali tocasse, com os cabelos imundos arrastando
no chão, frio, o único som que ouvia era dos milhões de ossos que
quebravam, pisoteados a cada passo e das correntes que carregavam seu
amado jovem sombrio, o corpo enrolado naquelas correntes que flutuavam
um pouco atrás cheirava a pesadelo e podridão, mas ela não o abandonaria
em qualquer lugar do continente Sul deixado semanas atrás. Com o rosto
cansado e sujo, ela parava, olhando em volta, naquele silêncio infernal entre
os crânios colossais de dragões e ossos espinhosos absurdamente gigantes
que cresciam do chão como as garras dos próprios senhores das trevas.

Uma voz feminina surgia do nada em um eco. Gargalhando


sedutoramente.

– Enfim, chegou.

– Quem é você? – Anurim falava entre os dentes, olhando furiosamente


para o ser de pele mais branca que a neve e levemente rosada a sua direita,
entre uma pilha de crânios humanos.

– Não sabe quem eu sou? – o ser cantarolava naquele trono de ossos,


brincando com o fêmur de alguém em suas mãos intocadas e perfeitas, seus
cabelos mais longos que os dela, muito mais longos que os dela, parecendo
inúmeros rios coloridos que desciam de sua cabeça, e aqueles olhos… um,
azul que parecia ter pintado o mundo e o outro, castanho como o cobre,
piscando divertidamente para ela sobre aqueles cílios brancos e
hipnotizantes.

–Você é o Salim nunca visto. Você é Alika!

Então, outra pessoa surgiu ao lado da deusa, como em um truque de


mágica, outra mulher, encapuzada, sobre um manto branco e vermelho-
sangue, apenas a parte do nariz fino, as orelhas pontudas saindo entre os
cabelos azul-escuros apareciam. Ela estampava um sorriso sobrenatural e
lindo, exibindo seus caninos de um felino sorrateiro e sedutor. Ela sentia o
poder absurdo emanando das duas.
– Não assuste nossa convidada, Akira! – Alika olhava para a outra, que
permanecia ainda em silêncio, ao olhar novamente para Anurim com
aqueles olhos hipnotizantes – estávamos esperando por si, princesa!

– O que quer de mim? – Ela sabia, não tinha chances contra ela – Não
estou em meus melhores dias – ela estava exausta. Mas a deusa encarnada
simplesmente estalava a língua.

– Não quero lhe causar mal algum, até porque se eu quisesse, já estaria
morta, princesa!

– Então o que quer, “deusa”?

– Tudo correu como tinha planejado – ela se levantava daquele trono de


ossos, ainda sorrindo para ela – seu precioso Daren não passava de um
mísero peão para mim. É você quem realmente me importa – Alika descia
silenciosamente sobre aqueles ossos – eu realmente odiei ter que me passar
por outra pessoa nesses últimos anos. Aqueles cabelos ruivos, aquele
rostinho – ela fazia caretas ao continuar – a pequena Sannie! Apequena
amiga de Ocásis, ah! Quanto tédio aquilo foi!

– Os deuses não podem interferir na vida e escolhas dos mortais.

Alika sorria para ela.

– Eu, interfiro! – um estalo – O mal nem sempre é preto e cinza,


princesa Niamh.

Anurim repetiu:

– O que quer de mim?

– Que se alie a mim – um rápido olhar para a mulher encapuzada – a


nós – a jovem nem mesmo percebeu quando ela retirara o corpo de Daren e
o colocara em uma espécie de mesa preta rochosa de ritual.

– O que acha que está fazendo?

– Calma, princesa – Alika colocava a mão branca no corpo do jovem em


decomposição – não queremos que este poder se perca na história, não é
mesmo? – então, estranhamente luz azul e escura saía do corpo morto,
passando por ela e atingindo rapidamente Anurim, que parecia sufocar com
aquilo, dor absurda passando por todo seu corpo e minutos depois, em
meio a dor insuportável, olhar par a deusa, novamente em seu trono de
ossos.

E ela sentia.

O poder de Daren em suas veias, em sua alma.

– E então, princesa? – a deusa encarnada estendia a mão para ela – quer


se juntar a nós?

Anurim, simplesmente sorriu!


Agradecimentos

Antes de qualquer coisa, quero que imagine seu Bairro ou cidade sem
energia, durante um mês, aproximadamente, em fase de Champions
League, CAN ou Copa do Mundo, e depois de tanta espera, às 18h a
energia reestabelece e lembra o grito que as pessoas dão neste
momento?

Exacto!

É literalmente este o som que dei em minha cabeça ao terminar este


livro kkkkk

Bom, antes de qualquer coisa agradeço a Deus, que me guia e vem me


abençoando a cada dia que me presenteia. Aos meus irmãos mais uma
vez, em especial o Alvim e a Solene que discutiram comigo sobre cada
personagem, sobre cada acontecimento e por aí vai.

Aos meus amigos que me fazem perceber o quanto eu sou sortudo por
tê-los em minha vida. Vocês milagres que nunca têm fim, em minha
curta vida.

Ao Erivaldo GS, meu wy da bardeia quando necessário (kkkk) que


sempre está do meu lado, me apoiando seja em algo bom ou mau, e que
me aconselha e ajuda todas as vezes que meus ataques de ansiedade
me consomem, que me atende nas mais inesperadas horas ( Eu já disse
uma vez que agradeço, sempre, a Deus por existires na mesma época e
Universo que eu… e reitero) e por ter me mostrado que pessoas como
eu também podem escrever um livro e graças a isso, aqui está esta
história…

... a minha primeira história.

Ao Marcelo Kano. Eurico Santigo. Muito obrigado e minhas sinceras


desculpas pela demora, agradeço mesmo pela paciência.

Ao Aylton Luís que leu o “piloto” dessa história, que mais tarde dei
conta que não tinha nada a ver kkkk, mas que inconscientemente me
motivou a continuar a escrever e mudar várias e várias vezes. Muito
Obrigado, wy!

A Aelin, meu consolo! Uma das coisas mais valiosas e importantes da


minha vida ( a Aelin é meu piano kkkk). Eu sei. É estranho personificar
objectos ou dar-lhes um “animismo”… Mas se vocês tivessem um,
também entenderiam.

E, finalmente, agradeço a você, caro leitor, pela paciência que teve em


ler minha história até o final. De verdade! Isso é muito importante para
mim. Espero que Deus esteja com você e sua família e que milhares de
bênçãos venham em sua vida e… do fundo do coração… do fundo da
alma, seria uma honra e eterna gratidão, ver alguém recomendar o
meu livro para o amigo, irmão, colega, namorado (a), professor e por aí
vai. Por favor, me ajudem!

Aproveito também dizer que tem um outro livro a caminho, intitulado


“Aldeia”. Um livro com diversos contos aleatórios, dentre os quais faz
presente a história de Daren quando foi parar no mundo sombrio e
ficou lá preso durante 300 anos, isto, sem relação directa com este
livro, entre outros contos.

Quanto ao segundo livro desta história ( sim! Terá o segundo, calma!) O


“Salins: O mal de outras cores”

Infelizmente, não tem data prevista, porque tenho que me preparar


para a faculdade e sinceramente, não sei quando poderei continuar. :’(

Sobre mim:

Nome Completo: Justino Chicumba Nelumbo Gomes

Nome de artista: Gomes Gč

Número/Sapp: +244 929247832 ( caso queira falar sobre o livro).

E-mail:gomesjustino79@gmail.com

Música favorita: Your true colors

Palavra favorita: Delicadeza


Cor favorita: Preta

Nasci aos 30 de Junho de 2006. Angola-Bié-Andulo. Toco piano e quero


aprender outros instrumentos futuramente, desenho, adoro ler e
muito, corto cabelo, faço mais ou menos unhas. Tenho personalidade
multipolar, isso inclui o meu lado ignorante, insensível, vingativo e
psicopata! Então tenha muito cuidado comigo .

Mas até que sou boa pessoa ;)

Deus te abençoe!
Pequenos conselhos

Edward: Faça amigos que valham a pena lutar por. Você pode ser um
merda inútil para a sociedade…Um dia isso vai mudar.

Layla: A vida reservou algo especial para cada um de nós… para você,
apenas continue procurando.

Professor: Nunca deixe morrer seus sonhos de quando mais novo…você


pode ser a salvação para este mundo.

Anúbis: Lute por sua liberdade/felicidade…Mesmo que lhe custe a vida.

Ocásis: Se tiver algo para dizer a alguém, diga...

Obs.: As pessoas morrem!

Anurim: Quando vir uma borboleta, ou o som de correntes tilintando,


corra! Corra muito! CORRA o máximo que puder.

Daren: Lide com seus demônios interiores e aprenda a usa-los à seu


favor.

Nero: Não precisa de motivos para encher alguém de porrada. Bondade


é um gesto completamente deprimente.

Gömes Gč: Ignore o conselho do Nero Kkkkkk.

Gomes Gč 30/01/2024. 08:06

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