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10 RAZÕES
para manter seu filho longe das telas
Razão dois: Você quer que seu filho cresça emocionalmente saudável 31
Razão nove: Você quer que seu filho cresça feliz. 115
Razão dez: Você ama seu filho. 127
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro
pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios
existentes sem autorização por escrito dos editores.
ISBN 978-65-87074-12-2
7
As evidências da dependência tecnológica de nosso filho durante
sua juventude aumentavam na mesma proporção que aumentava nossa
preocupação com os impactos em sua saúde física e psicológica. Durante
essa fase, o impacto e prejuízos sociais eram pouco conhecidos.
Focada e imersa no raro material que encontrava, busquei na intera-
ção com outras mães, na psicologia e na própria internet profissionais que
pudessem me ajudar. Eu precisava entender o processo de transformação
em duas situações em que me achava diretamente responsável: a primei-
ra, na educação de meus filhos; e a segunda, e não menos importante, na
análise comportamental dos jovens com quem eu trabalhava no progra-
ma de capacitação de uma empresa multinacional.
A Sociedade Brasileira de Pediatria não recomenda que crianças
com menos de dois anos de idade sejam expostas ao uso das telas des-
ses dispositivos como entretenimento. Por experiência, afirmo que o
tempo que as crianças passam com as telas na infância influenciará
como vão interagir com o mundo pelo resto da vida. Percebo que os
tablets, por exemplo, facilitam bastante o trabalho dos pais e já vivi
isso na época em que alugávamos as famosas fitas de vídeo VHS para
entreter nossos filhos. Os aparelhos constituem uma fonte de entrete-
nimento e distração que se renova a todo instante e são verdadeiros
fenômenos para pais cansados. Para a família que vem tentando me-
diar essa situação, é importante falar que é tudo muito incipiente e não
podemos dizer ao certo aonde esse comportamento poderá nos levar
no futuro próximo.
Os smartphones alteraram completamente nossas vidas. O uso
desses aparelhos é tão cheio de possibilidades que de uma hora para
outra simplesmente caímos para dentro, e morar dentro dele é tenta-
dor. A gente se perde no tempo, e o tempo é finito. O que eu vivi ao lon-
go desses vinte anos poderia classificar facilmente entre jovens A/C e
D/C, ou seja, antes e depois do celular.
No âmbito profissional, percebi que os jovens, à medida que fica-
vam mais ligados na internet e nas redes sociais, ficavam menos inte-
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ressados pelos estudos e pela primeira experiência no trabalho.
Em família, a vigília e o diálogo ajudaram muito na identificação e
recuperação de nosso filho (hoje ele tem 31 anos, mas o auge da crise
aconteceu aos 21). Temos que aprender a distinguir o que é uso oca-
sional, frequente e abusivo, para buscar ajuda dos especialistas, caso
seja necessário. Em nosso caso particular, percebemos alterações na
saúde física, como: olho seco, dores na coluna cervical, dores nas arti-
culações, obesidade, náuseas digitais, alteração do apetite e especial-
mente do sono.
A insônia e a saúde mental me preocupavam ainda mais. A falta
de sono pode ter consequências graves, principalmente a perda cog-
nitiva, suscetibilidade a doenças, além da depressão e ansiedade. Já
não bastassem os problemas de saúde, surgiam ainda os problemas
relacionados ao comportamento, já bastante alterados.
A relação entre nós ficou conflituosa e muitas discussões se se-
guiam na esperança de vê-lo longe das telas. Por fim, durante um pe-
ríodo, ninguém dormia sem antes discutir ou ele jogar uma última
partida no game.
Debruçada sobre os livros, escutando depoimentos e vivendo meu
dia a dia com crianças, jovens e adolescentes, percebo que cada vez mais
a dependência se caracteriza entre nós, inclusive entre os pais. Não exis-
tem mais idade e classe social, estamos todos no mesmo barco e devemos
manter o controle quanto à frequência e à intensidade do uso.
Em abril de 2019, decidimos, meu filho e eu, viajar para São Paulo,
para buscar ajuda e conhecer melhor esse assunto que me causava an-
gústia. Na capital paulista, participamos do Seminário sobre Dependên-
cia Tecnológica – Da diversão ao Adoecimento, promovido pelo Grupo
de Dependência Tecnológica do Programa Integrado dos Transtornos do
Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Algumas reflexões nos tocaram profundamente, e meu filho, que
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estava entre os cinco mil melhores do mundo, deletou o jogo Final
Fantasy Brave Exvius do seu celular quando retornou para nossa ci-
dade. Sem o jogo, houve o retorno para a terapia e aos poucos para o
convívio da família. Cada passo era uma vitória conquistada.
Embora eu acredite que seu tempo continue sendo desperdiçado
em frente às telas, o tempo que era destinado ao jogo hoje se destina
para leitura, jogos de tabuleiro e outros afazeres. Ele trabalha, estuda
e interage socialmente, uma verdadeira vitória que foi festejada por
todos, especialmente, pela irmã.
Penso que a chave para todo este impasse é a moderação. Não é
mais possível e nem saudável a retirada total dos dispositivos eletrôni-
cos da vida dos jovens e adolescentes. O diálogo é ainda a melhor saída
para que nossos filhos estejam seguros, pois estamos tratando de algo
delicado e perigoso. Quando li em minhas pesquisas sobre reelabo-
ração do lar, ou seja, mudar o ambiente em que vivemos com nossos
filhos, criando um espaço que os livre ao máximo das tentações, iniciei
estratégias para enfrentar esta aspereza do mundo moderno. Sejamos
exemplos e estímulo ao aprendizado e não ao vício.
Finalizo convidando você a fazer uma reflexão sobre o incipiente
Metaverso e a mensagem do comercial da Meta veiculado enquanto
escrevo este prefácio. Sua mensagem subliminar diz algo como: “A
vida real será tão ruim lá fora, que você poderá viver uma ilusão feliz
em nosso Metaverso.” *
Com isso acredito que devemos considerar todos os dias a pro-
posta de investir em afeto e amor para fortalecer nossa relação com
nossos filhos e afastá-los desse mundo virtual proposto pela novas, se-
dutoras e viciantes plataformas tecnológicas.
Link do comercial:
*https://www.youtube.com/watch?v=LcmAlpIp3oM
Edla Zim
Palestrante e Escritora de Literatura Infantojuvenil
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O poder de uma semente
Quando penso no poder de transformação que este livro possui,
me vem à cabeça uma estória que li muito tempo atrás. Conta a es-
tória que certo dia um velho sábio conversava com um jovem rapaz
tentando ensinar-lhe sobre os mistérios da vida. Em um momento da
conversa, o sábio pegou uma pequenina semente nas mãos e pergun-
tou ao jovem:
- Uma semente!
Com esta lição, o velho sábio pôde ensinar ao jovem rapaz o grande
poder que tem uma única semente. Penso neste livro como uma pequena
semente, mas que traz consigo uma grande “floresta”, com o poder de mu-
dar o mundo para melhor. Uma semente que você tem em mãos agora,
que poderá ser plantada no seu coração e fará uma diferença positiva na
sua vida e uma diferença enorme na vida das futuras gerações. E lembre-
-se: se olhar direito, verá que uma semente na verdade não é uma semen-
te, é uma floresta inteira.
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Caro leitor!
Este livro, além de ser minha visão pessoal sobre como a
tecnologia tem afetado de forma negativa a vida de nossas crianças,
adolescentes e jovens em todo o mundo, apoia-se também
grandemente nos trabalhos realizados pelos psicólogos Cristiano
Nabuco de Abreu¹, pioneiro em nosso país nos estudos e tratamento
do uso viciante da tecnologia e pela Dra. Kimberly S. Young², que
desde 1995 já nos alerta para os problemas relacionados ao vício
em internet, e que estão agora, mais do que nunca, evidentes
em nossa sociedade. Seus trabalhos em “Dependência de Internet
em Crianças e Adolescentes” e “Vivendo Esse Mundo Digital”, este
último em conjunto com Evelyn Eisenstein e Susana Graciela Bruno
Estefenon, deram-me embasamento científico para os argumentos
que fazem parte desta obra. Muitos também foram os estudos e as
matérias científicas que pesquisei via internet. Não poderia deixar de
citar também os excelentes trabalhos da Dra. Jean M. Twenge³, em
seu livro “IGen”; de Adam Alter4, em seu livro “Irresistível – Por que
você é viciado em tecnologia e como lidar com ela”; de Jaron Lanier5,
autor de “10 argumentos para deletar suas redes sociais agora”; e da
Dra. Elizabeth Kilbey6, em seu excelente livro “Como criar filhos na era
digital”.
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Agradecimentos
Meu agradecimento mais que especial à jornalista Márcia do A.
Denardi Albuquerque, que aceitou o desafio de entrar “de cabeça”
neste projeto comigo e trabalhar para, juntos, levarmos esta mensa-
gem ao maior número possível de pessoas. Sei que antes de qualquer
ganho financeiro, é sua vontade de fazer o bem e deixar uma marca
positiva no mundo que move você.
A todos os amigos que deram a sua mais que valiosa contribuição.
A estas pessoas meus sinceros agradecimentos: Richard de Azambu-
ja Rodrigues, Diego Marques Paes, Edla Zim, Marco Diehl, Mariléia
Giassi Zanette, Dhiego Wanderlind Bitencourt, professora Lavínia
Maria de Oliveira Vicente, Lucimara Linhares Nunes, Ramires da Sil-
va Fernandes. Seus exemplos, suas considerações e experiências pes-
soais compartilhadas aqui deram a este livro um tom menos técnico
e mais prático, justamente o que busquei durante toda a sua escrita, e
me ajudaram a trazer até você uma abordagem de fácil compreensão,
algo como uma conversa entre amigos, em busca de soluções na difícil
arte que é criar e educar nossas crianças. A Josiane que, com todo seu
apoio e amor incondicional, sempre acreditou em mim e me deu for-
ças para seguir adiante na busca de meus sonhos.
Todos vocês foram muito importantes. Sem a sua ajuda, este livro
não seria possível. Mais uma vez, meu muito obrigado!
E, por último, ao meu filho Enzo, que no momento em que finalizo
este livro está com 15 meses de vida. Sem dúvida, você será uma opor-
tunidade única para seu pai validar o conteúdo desta obra.
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Introdução
Com relação à tecnologia e aos efeitos que ela pode causar em
nossas crianças, nossas dúvidas são muitas. Tudo é muito novo e não
sabemos o que fazer direito ainda, não é mesmo? Há várias perguntas
que não querem calar: quando devemos dar esses aparelhos a elas?
Se não colocarmos a tecnologia à disposição delas, elas ficarão atra-
sadas? Será que irão crescer rápido demais? Terão alguma desvanta-
gem social ou educacional se ficarem de fora? Ou, pelo contrário, se
tiverem contato cedo demais, daí é que terão prejuízos? É certo que
crianças de dois anos, que ainda não sabem escrever ou falar, já sai-
bam acessar vídeos no YouTube? Essas eram dúvidas que rondavam
minha própria cabeça e que me fizeram sair em busca de respostas.
E são essas respostas e algumas reflexões que compartilho com você
agora neste livro.
Acredito que uma boa conversa entre duas pessoas começa das
premissas da sinceridade de quem fala e da confiança de quem ouve.
Provavelmente não nos conhecemos, mas gostaria que sua leitura fos-
se como uma conversa entre amigos, se me permite chamá-lo assim.
Quero dizer que pode contar com toda minha sinceridade e, de ante-
mão, agradeço de coração sua confiança. Então, deixe-me lhe contar
duas coisas. Primeiro: este não é um livro que fala mal da tecnologia,
mas sim do seu mau uso. Segundo: a maioria dos livros sobre esse
tema são escritos por especialistas e eu... eu sou apenas um pai, assim
como você, tentando melhor educar e proteger nossos filhos. E, acre-
dite, sei o quanto é difícil.
14
Um pouco da minha história
de vida e de pai...1995
Lembro bem da experiência que tive quando minha filha Lara
nasceu em 1995. Eu tinha, então, 19 anos e acabara de ser pai de uma
menina sem ter a menor condição para isso, sem estrutura familiar,
sem um emprego fixo, sem dinheiro e sem base emocional para en-
carar o desafio da paternidade de forma tão precoce. A vida me deu
um “choque de gestão”, daqueles que não se aprendem na faculdade.
Recordo que logo após seu nascimento, minha filha precisou de um
remédio para tratar uma dor de ouvido que custava apenas R$ 10 na
época. Não estamos falando de muito dinheiro, mas o fato é que R$ 10
para quem não tem nada no bolso, em um dado momento, pode ser a
diferença entre comprar um remédio para aliviar a dor de seu filho, ou
um pão para saciar sua fome.
Todos os dias, passamos por situações que acabamos esquecendo.
Mas sabe aquelas situações que surgem em nossas vidas e que nunca
mais esquecemos? Então, essa é uma delas. Ver minha filha, ainda bebê,
gritando de dor e não ter os R$ 10 para comprar o remédio foi uma expe-
riência que me marcou para sempre, como aquelas que vimos quando
alguém pega um ferro em brasa e queima a pele e a carne para marcar um
animal. É uma marca que ficará ali para sempre. Mas diferente de algo
físico, algumas experiências ficam gravadas em nossa alma, e posso di-
zer de alma limpa que essa experiência deixou uma marca para sempre
dentro de mim. Se você já passou por algo assim, sabe bem do que estou
falando.
15
2020
Agora, 25 anos depois, sou pai pela segunda vez. Desta vez de um me-
nino, Enzo, que acaba de nascer. O mundo está muito diferente do que vivi
quando fui pai pela primeira vez, o que me deixa preocupado e inquieto
em como educá-lo numa época em que a tecnologia avançou tremenda-
mente, mas infelizmente os problemas físicos e emocionais entre crian-
ças, adolescentes e jovens parecem ter crescido na mesma proporção.
Na verdade, este é um problema que afeta todas as idades. Pro-
vavelmente, tanto eu quanto você estamos de algum modo viciados
em nossas caixinhas de pandora (smartphones). Mas tenha certeza de
uma coisa: ninguém está mais “ferrado” que nossas crianças, e você
vai entender o porquê mais adiante.
Espero que com esta breve introdução, possamos compartilhar
juntos, a partir de agora, este valioso conhecimento, que pode não só
evitar problemas, mas também tornar nossas vidas e a de nossas crian-
ças mais saudáveis e felizes. Tenho certeza que valerá muito a pena.
Ah, deixe-me falar algo em nome de alguém muito especial para você:
- “Obrigado, papai. Obrigado, mamãe!”
16
Capítulo 1
17
vai nada bem entre nossas crianças e os “aparelhinhos” que estamos
colocando em suas mãos todos os dias e cada vez mais cedo. Começare-
mos pelo que considero o X da questão. O próprio Cérebro! Vamos lá….
Por este motivo, pensava-se, até algumas décadas atrás, que aos 12
anos, ele já estaria pronto para executar suas funções como um adul-
to, esperando apenas a liberação hormonal que viria com a puberda-
de. Esse conceito nos fez acreditar que, após essa fase, muito pouco
se poderia programar no cérebro da criança. Porém, pesquisas recen-
tes sugerem que mesmo o cérebro crescendo pouco após a infância,
durante a adolescência, ele passa por mudanças significativas em sua
constituição e neuroplasticidade (capacidade adaptativa e de se re-
modelar)8, fortalecendo, assim, suas conexões neurais através de suas
necessidades e experiências diárias.
Nota: Se seu filho estiver a caminho (em gestação), vou lhe dar uma dica: pesquise sobre ali-
mentos e suplementação que podem ajudar muito o desenvolvimento cerebral dele ou dela
durante a gestação. Suplementos como o DHA (ácido docosa-hexaenóico) e o iodo fazem
9 10
18
senvolvido.
19
para ensinar tudo o quanto for possível para um aprendizado amplo
e positivo, promovendo seu comportamento social adequado, rique-
za de vocabulário, criatividade, interação com outras crianças, auto-
confiança, brincadeiras, etc. Ou seja, tudo aquilo que possa contribuir
para o pleno desenvolvimento de suas faculdades mentais, emocio-
nais, neurológicas, físicas e comportamentais.
Um dos grandes problemas que enfrentamos hoje em dia é que
crianças e jovens não estão mais interagindo face a face como nas ge-
rações passadas, o que compromete o desenvolvimento de várias fun-
ções relativas à interação social. Muitos jovens têm relatado sua pre-
ferência por interação virtual ao invés de terem contato “cara a cara”
com seus pares. Esses contatos e convívio são muito importantes para
aprenderem a socializarem-se, ter empatia e identificar expressões fa-
ciais e corporais não verbalizadas, por exemplo.
Talvez tenhamos, num futuro não muito distante, jovens que sa-
berão identificar muito mais o que um emoji quer dizer do que uma
expressão facial em uma conversa olho no olho. Nesse ponto, a falta
de interação com mais pessoas ao vivo pode comprometer o pleno de-
senvolvimento cerebral de nossas crianças.
Em pesquisas realizadas, cientistas que estudam a neurociência da
dependência em internet descobriram problemas no córtex pré-frontal,
área do cérebro mais associada ao julgamento, tomadas de decisão e ao
controle de impulsos. Essa área passa por transformações importantes na
adolescência, e, após estudos de ressonância magnética funcional, apre-
sentou-se enfraquecida em dependentes de internet. 12
20
de câncer”13, sendo que as crianças estão mais vulneráveis, pois seus
tecidos cerebrais são mais absorventes e seus crânios menos espessos
em comparação ao de um adulto. O que permite uma maior incidên-
cia destas radiações em seus cérebros e fisiologia como um todo.14
O TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) é
um transtorno neurobiológico, com predisposição genética, que se
apresenta na infância e costuma acompanhar o indivíduo por toda a
vida. Caracteriza-se por uma síndrome de desatenção, hiperatividade
e impulsividade, que causa danos ao indivíduo e aos demais de seu
convívio. Alguns estudos confirmam que o uso excessivo de internet e
sua dependência agravam os sintomas do TDAH.15
Além do TDAH, outros transtornos psicológicos, como o TOC
(Transtorno Obsessivo Compulsivo), que frequentemente surgem na
infância, podem prejudicar o desenvolvimento e as relações interpes-
soais, atrapalhando a pessoa em seu convívio familiar, escolar, profis-
sional e atividades sociais. Comportamentos obsessivos compulsivos
foram associados a um uso excessivo de internet em uma pesquisa fei-
ta por Yang e seus colaboradores entre 328 estudantes do ensino mé-
dio na faixa etária de 15 a 19 anos na Coréia.16
Durante os milhares de anos que compreenderam a maior par-
te da história de nossa evolução, nunca tivemos que lidar com uma
quantidade tão absurdamente grande de informações. E com toda a
certeza, durante essa evolução, nosso cérebro não foi preparado para
a enxurrada de dados que processamos via internet todos os dias, o que,
para as crianças, acaba gerando um efeito nocivo no aprendizado. Elas
veem muita coisa de forma superficial, fragmentada e muito rápida, não
retendo nada com profundidade. É apenas uma retenção temporária e
que na maioria das vezes não gera nenhum conhecimento válido.
Diante desse excesso de informações, nossos jovens já não con-
seguem mais aprender através da leitura de um livro ou texto longo;
apresentam dificuldade de concentração e interpretação palavra por
21
palavra, frase por frase, parágrafo por parágrafo, que a leitura de um con-
teúdo mais complexo exige. Basicamente não sentem a necessidade de
reter nada ou quase nada, uma vez que a única coisa que têm que se lem-
brar é de onde buscar a informação. Nesse caso, basta clicar numa ferra-
menta tecnológica de seis letras chamada Google, e aí: bingo!
Sei que pode soar um pouco engraçado, mas vamos pensar de
uma maneira mais crítica: nem você e nem eu gostaríamos de con-
sultar um médico que, após relatados nossos sintomas, vai buscar a
resposta e o tratamento na internet, não é mesmo? Ou consultar um
advogado que não tenha o conhecimento sobre nossas questões jurí-
dicas e que dependa do Mr. Google para saná-las. Apesar de parecer
uma piada, temo que isso esteja acontecendo neste exato momento,
muito mais do que gostaríamos.
O que vimos é que há muita informação e pouco conhecimento de
fato. Em meu primeiro livro, “O Vício do Século”, escrevi um capítulo
intitulado “Como anda seu HD?”.17 Nele, fiz uma analogia do cérebro
humano ao HD de computador, onde, se colocarmos excesso de in-
formações, comprometeremos seu bom funcionamento e uma hora,
inevitavelmente, ele irá travar. A verdade é que nossas crianças e jo-
vens estão prejudicando muito seu desenvolvimento cerebral e sua
capacidade de reterem informações e aprendizados de qualidade com
o excesso de informação sem valor que veem na internet todos os dias.
Devemos ter em mente que crianças que se desenvolvem e vivem
em ambientes onde a exposição a dispositivos eletrônicos e internet
são controlados crescem com maiores capacidades criativa, crítica e
maior habilidade na resolução de problemas. Em contrapartida, aque-
las que crescem em ambientes de intensa exposição à internet, mídias
e dispositivos eletrônicos se mostram mais agressivas e têm essas ca-
pacidades, seu humor e sua habilidade de socialização afetados.
Bebês com menos de 16 meses que foram expostos às mídias ele-
trônicas tiveram expressivo atraso no aprendizado da linguagem.18 Crian-
22
ças que têm maior interação com seus pais e cuidadores desenvolvem
melhor as cognições da fala e um vocabulário mais rico. Em lares com
pouca interação familiar e a utilização de tablets e smartphones para en-
tretenimento ou mesmo a televisão de fundo, existe uma perda no apren-
dizado da fala e do vocabulário. O aprendizado da linguagem está direta-
mente ligado ao tempo gasto pelos pais ou cuidadores em conversas com
a criança.
O fato de estarem constantemente conectadas à internet está afe-
tando a maneira como estão processando as informações. Não há mais
a necessidade de um raciocínio cognitivo e analítico. O que vemos são
apenas trocas rápidas de atenção, pois pulam de hiperlinks e imagens
na tela de forma tão rápida que não é possível reter a informação em
um nível mais profundo na memória, comprometendo assim sua ca-
pacidade de processamento e fazendo com que se sintam mentalmen-
te exaustas.
Habilidades como a capacidade de leitura e interpretação, junta-
mente com uma análise crítica, não são inatas e se desenvolvem ao
longo da vida. Com o comprometimento da capacidade de uma lei-
tura focada e o processamento apenas superficial induzidos pela in-
ternet, podemos afetar o desenvolvimento desses circuitos cerebrais.19
Em uma entrevista à BBC News, o neurocientista Michel Desmur-
get (autor do livro: “A Fábrica de Cretinos Digitais” – best-seller na
França) disse que vários estudos científicos têm demonstrado que o
uso da televisão ou videogame estão relacionados com uma diminui-
ção de QI.20
Como neurocientista, Desmurget possui vasta experiência na
área, com publicações científicas e passagens por renomadas institui-
ções de pesquisa tais como: Instituto de Tecnologia de Massachussetts
(MIT), Universidade da Califórnia nos Estados Unidos, até ocupar o
cargo de diretor de pesquisa do instituto Nacional de Saúde da Fran-
ça. Ele apresenta com dados concretos e de maneira conclusiva em
23
seu trabalho como os dispositivos eletrônicos estão afetando negati-
vamente o desenvolvimento cerebral de crianças e jovens. “Simples-
mente não há desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos
e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento”,
diz o neurocientista.
O psicólogo americano James Flynn identificou e documentou, em
1982, depois de analisar testes de QI que eram revisados após 25 anos
em média, que a cada geração, o QI médio dos indivíduos americanos
subia.21 Algumas explicações para este aumento de QI eram de que uma
melhor nutrição, menos doenças infecciosas, acesso a mais educação e
ambientes mais estimulantes promoviam esse crescimento, o que foi cha-
mado de Efeito Flynn.
Em contrapartida, uma das evidências científicas apresentadas
por Desmurget é que, há algum tempo, os testes de QI têm mostrado
que as novas gerações estão menos inteligentes que as anteriores.
Embora o QI seja afetado por fatores como sistema escolar, nutri-
ção, sistema de saúde, etc., tomou-se como base essa redução de QI
em países com fatores socioeconômicos bastante estáveis por déca-
das, tais como: Dinamarca, Noruega, Finlândia, Holanda e França.
Pela primeira vez na história, os nativos digitais, ou seja, aqueles
que nasceram na era da internet de alta velocidade, apresentam QI
inferior a seus pais.
Segundo o cientista, a infância de hoje está exposta a uma “orgia
digital”e, apesar de outros fatores também terem o potencial de cau-
sar uma redução de QI, tal como a exposição a poluição e pesticidas,
vários estudos têm demonstrado que o tempo de tela está diretamente
relacionado a uma diminuição do QI e do desenvolvimento cognitivo.
Pilares da nossa inteligência, como: concentração, memória, inte-
lecto e linguagem, são afetados, comprometendo assim o desempenho
escolar/acadêmico e demais áreas da vida. É importante sabermos
que a tela não tem a mesma capacidade de construção e maturação
24
cerebral de outras atividades, como: brincadeiras, convívio cara a cara,
leitura, artes, música e esportes, por exemplo.
Pense no aprendizado através de óculos de Realidade Virtual (VR).
Você poderia pensar que uma criança aprenderia de maneira muito
mais eficiente e divertida ao colocar uns óculos VR e entrar em uma
cena da história, como o descobrimento do Brasil, por exemplo. Mas
se essa mesma criança tiver acesso a essa história através de um livro,
ela criará em sua mente uma cena ao ler algo do tipo: “As caravelas
portuguesas chegaram ao litoral do nordeste ‘brasileiro’, onde encon-
traram uma selva intocada e índios que os espiavam assustados e es-
condidos entre as matas tropicais do território que viria a ser o Brasil.”
Uma leitura focada faz com que a criança crie cenários em sua mente.
Já com óculos de Realidade Virtual, isso não seria possível, pois a cena
já viria pronta. É a mesma coisa quando lemos um livro de que gos-
tamos e depois assistimos ao filme. Quase sempre ficamos com uma
“decepção”, pois as cenas que criamos em nossa mente nem sempre
condizem com as que vimos. Resumidamente, a leitura tem o poder
de estimular muito mais a imaginação criativa do que a realidade vir-
tual, embora esta segunda soe mais tecnológica. Sob o ponto de vista
intelectual, a leitura é muito mais estimulante e positiva.
O cérebro não é um órgão estático e, conforme o utilizamos, algu-
mas áreas se tornam mais densas e outras mais finas e enfraquecidas.
Como já vimos, durante a infância e adolescência, a plasticidade ce-
rebral e sua capacidade de aprendizado são enormes. Com o tempo,
essa capacidade vai desaparecendo, não por completo, mas perdemos
um grande potencial de aprendizado. Devemos, então, estar muito
conscientes de que o tempo de tela para fins recreativos empobrece e
compromete grandemente o aprendizado e o pleno desenvolvimento
cerebral de nossas crianças.
Desmurget ainda ressalta: “Para que tenhamos uma ideia, crian-
ças de 2 anos passam em média 2 horas por dia em frente às telas; crian-
25
ças de 8 anos passam em média 5 horas; e adolescentes, mais de sete
horas por dia. Se levarmos em conta essas projeções, isso significa que
nossos filhos passarão, até os 18 anos de idade, o equivalente a 30 anos
letivos ou 16 anos de trabalho em tempo integral.” Algo totalmente in-
sano!
Devemos ter claro que o uso da internet de forma abusiva causa
uma série de prejuízos no desenvolvimento de várias áreas cerebrais.
Indo um pouco mais a fundo no assunto, podemos citar: menor den-
sidade da substância cinzenta nas estruturas frontoparietais, redução
dos volumes de substância cinzenta na ativação do córtex cingulado
anterior, comprometimento da área motora suplementar, prejuízos
também no córtex parietal superior e no córtex pré-frontal dorsolate-
ral. Tudo isto foi constatado em indivíduos com dependência em in-
ternet.22 Traduzindo, o uso abusivo da internet prejudica o cérebro.
É importante salientar que este livro não relata apenas minha vi-
são sobre o tema. Mas, como você pode ver, também está pautado, de
forma muito séria, em inúmeros autores que são referência no assun-
to, centenas de artigos científicos, reportagens e relatos verídicos que
compilei durante sua elaboração.
Acredito que, assim como você, sou apenas um pai que instintiva-
mente percebe que algo não está bem. Por isso decidi escrever este li-
vro na esperança de que possamos dar uma chance para nossas crian-
ças de iniciarem suas vidas de uma forma mais saudável e feliz, já que,
como vimos, elas não têm ainda a capacidade de fazerem escolhas
conscientes por conta própria e se moldarão àquilo que ensinarmos
e expusermos a elas.
Diante de todos os malefícios provocados pelo uso de dispositivos
eletrônicos e pela exposição massiva à internet, sinto que chegamos a
uma encruzilhada...
Qual é o momento certo para dar um celular ou outro dispositi-
vo eletrônico para nossas crianças? Alguns especialistas dizem que é
26
a partir de 12 anos23, com a devida supervisão de tempo e conteúdo.
Mas não podemos deixar de levar em consideração a observação de
pais que viram o comportamento de seus filhos mudarem para pior
após terem dado esses dispositivos aos filhos. Acredito, diante de tan-
tos dados ruins, que postergar o máximo possível esse contato seja o
melhor. Outro fator a ser observado é que quando dialogamos com
nossas crianças, investimos nosso tempo em outras atividades com
elas e lhes mostramos com amor e paciência por que estamos agindo
assim, elas têm tendência a reagirem melhor.
Como relatou a cantora e mega star Madonna em uma entrevista à re-
vista Vogue britânica24: “Eu cometi um erro quando dei telefones aos meus
filhos quando tinham 13 anos, acabou meu relacionamento com eles,
realmente. Não completamente, mas (o celular) se tornou uma parte muito
grande de suas vidas. Eles ficaram muito cheios de imagens e começaram
a se comparar com outras pessoas, e isso é ruim para o autocrescimento”,
disse Madonna.
Mãe de seis filhos, Madonna acredita que os dispositivos geram
um efeito negativo na maneira como as crianças se relacionam com
o mundo. Por isso, seus outros filhos, David, com 13 anos, e Estere e
Stele, ambas com seis, estão longe dos celulares agora (fiz questão de
grifar os 13 anos para refletirmos que, mesmo nesta idade, a cantora
relatou problemas e mudanças comportamentais negativas).
Nesse contexto, Madonna parece não estar sozinha. O National
Institute of Health, dos Estados Unidos, está desenvolvendo um estudo
que acompanha 11 mil crianças durante 10 anos e já tem alguns re-
sultados preliminares.25 Em exames de ressonância magnética, 4.500
crianças que usavam smartphones mais de sete horas por dia apre-
sentaram afinamento do córtex cerebral, que está associado a um QI
mais baixo.
Mesmo crianças que passam menos tempo, cerca de 2 horas diárias
com seus tablets ou smartphones, têm suas habilidades de pensamento e
27
linguagem afetadas.26 Outro estudo, da revista Cyberpsychology Behavior
and Social Netwoorking, sugere que jovens que passam muito tempo ven-
do mídias sociais têm mais chances de apresentarem sintomas de saúde
mental precária.27
Os dispositivos eletrônicos e a internet parecem ter uma simbiose ne-
gativa, que oferecem um ambiente altamente sedutor onde encontram,
durante 24 horas por dia, acesso fácil a conteúdos estimulantes como:
mensagens instantâneas, compartilhamento de fotos, chats, vídeos, Snap-
chat, blogs, músicas, jogos e afins. Vale lembrar que todos esses aplicativos
são construídos por alguns dos programadores mais inteligentes do mun-
do com um único objetivo: conquistar cada vez mais usuários e fazê-los
passar cada vez mais tempo neles, pois, no final das contas, o sucesso de
seu negócio depende do quanto tempo eles mantêm seus usuários “pre-
sos” às telas.
Diante de tudo o que falamos até aqui, já não podemos mais nos
considerar leigos no assunto. Precisamos estar conscientes de que
essa exposição pode levar nossas crianças a desenvolverem depen-
dência de internet. E uma vez dependentes, elas sofrerão todos os
males provenientes das alterações neurobiológicas em seus cérebros,
que, depois de estabelecidas, não desaparecerão facilmente, tal como
a dependência química que é provocada pela liberação de dopamina
no cérebro por substâncias como a nicotina e cocaína, por exemplo.
Os mecanismos viciantes dos aplicativos são concebidos para li-
berarem doses de dopamina em seus usuários e gerarem compulsão.
Reações semelhantes às crises de abstinência observadas em pessoas
que fazem uso de drogas químicas são também observadas por pes-
soas dependentes de seus dispositivos.28
Embora vejamos algumas matérias na mídia leiga que apontam
vantagens de hábitos como o uso de videogames, tais como: mais foco,
rápida tomada de decisão, capacidade multitarefa, agilidade cognitiva,
etc., precisamos avaliar essas questões num espectro mais amplo e mais
28
profundo e também o posicionamento dos próprios desenvolvedores e
criadores dessas tecnologias. Vejamos o que disseram alguns deles.
Em 2015, um relatório (Percepções do Consumidor), da Microsoft
Canadá, incluía uma parte que dizia: “Comportamentos viciantes liga-
dos à tecnologia são evidentes, sobretudo em canadenses mais jovens”.29
Estes comportamentos viciantes de prazer ao olhar o celular estão di-
retamente ligados à liberação das mesmas substâncias de prazer que
são ativadas no cérebro de usuários de drogas.
Sean Parker, primeiro CEO (Presidente) do Facebook, disse em um
debate: “Só Deus sabe o que estamos fazendo com o cérebro das crianças.”
Outro exemplo revelador e que nos diz muito é o de Bill Gates, fundador
da Microsoft. Gates não permitiu o uso de celulares até que seus filhos tives-
sem 14 anos de idade e ainda assim com ressalvas. “Não permitimos telefones
na mesa e só lhes demos quando completaram 14 anos. [...] Em casa, limita-
mos o uso de tecnologia para nossos filhos”, disse Gates em 2017.30
Em entrevista ao The New York Times, em 2010, o cofundador da
Apple e criador do iPhone, o falecido Steve Jobs, disse que proibia os
filhos de usarem o recém-criado iPad. Ao responder à pergunta do re-
pórter Nick Bilton: “Seus filhos devem amar o iPad, não?”, Jobs respon-
deu: “Não, eles ainda não o usaram”. E acrescentou: “Nós limitamos o
tempo que as crianças podem usar a tecnologia em casa.”31
Nick Bilton ficou extremamente surpreso ao ouvir a resposta, pois
acreditava que os filhos do fundador da Apple viviam em meio a uma
mansão tecnológica. O fato de Jobs ter sido uma das pessoas que mais
participaram dos avanços e desenvolvimento das tecnologias que temos
hoje e, mesmo assim, restringir e controlar o seu uso por parte de seus
filhos deve nos fazer pensar que ele entendia bem os perigos envolvidos.
O cocriador do Twitter e da plataforma Medium, Evan Willians, diz
que prefere que seus filhos cresçam com livros em vez de iPad. Ele e sua
esposa Sara compraram centenas de livros em papel com temas que pu-
dessem interessar a seus filhos, e os distribuíram pela casa para que pu-
29
dessem ler.
Muitos dos CEOS e desenvolvedores das maiores empresas do Vale do
Silício controlam o tempo que seus filhos passam na frente de quaisquer
dispositivos eletrônicos com tela: computador, tablet e celular. O ex-diretor
da Revista Wired, sobre cultura digital, e diretor da empresa 3D Roboti-
cs, Chris Anderson, disse ter vivido os perigos da tecnologia em primei-
ra mão, e por este motivo restringe fortemente o acesso que seus filhos
têm a ela: “Experimentei isto e não quero que meus filhos passem pelo
mesmo. [...] Na escala entre doces e crack, isso está mais próximo do
crack”32, revelou ele.
Mais uma vez, não estou dizendo que a tecnologia seja algo ruim,
o que estamos discutindo aqui é o seu mau uso e o impacto negativo
que ela tem o potencial de gerar na vida de crianças e jovens. Acredito
que estamos numa estrada tecnológica sem volta, mas devemos tri-
lhá-la com responsabilidade e conhecimento. É o conhecimento que
nos fará tomar as melhores decisões em relação a nossos filhos e, por
que não dizer, a nós mesmos.
30
ção, que é SER CRIANÇA!
Capítulo 2
31
Estudo de caso: Steve é um garoto típico da classe média ame-
ricana que acabou de completar 12 anos de idade. Ele está na flor da
adolescência, é saudável e vive em uma casa confortável. Seus pais vi-
vem juntos e possuem dois carros novos. Ele tem o que poderíamos
chamar de uma família perfeita! Estuda em uma boa escola particular
próximo de sua confortável casa, não possui nenhum problema físico,
chama a atenção das meninas por sua boa aparência, não apresenta
nenhum distúrbio ou atraso mental. Está bem alimentado, bem ves-
tido, tem boa assistência médica e seu quarto está repleto de todas as
coisas que um garoto de sua idade poderia desejar. Ou seja, Steve, em
“tese”, tem tudo para se sentir um adolescente feliz. Mas ele não se sen-
te assim…
O garoto passa horas e horas todos os dias com seu smartphone in-
teragindo com seus colegas e amigos em todas as redes sociais das quais
faz parte. São centenas e centenas de fotos visualizadas, compartilhadas,
mensagens, vídeos, memes e tudo o que esses aplicativos oferecem. To-
dos os dias, Steve vê e compartilha milhares de coisas online que nada ou
quase nada agregam para seu crescimento pessoal e para a formação de
seu caráter. Ainda há as incontáveis horas de videogame, participando de
jogos de violência que parecem não ter fim nunca. O dever de casa, o sono,
as atividades físicas e exercícios não são sua prioridade. Ele está dominado
por seus dispositivos e passa a maior parte do seu tempo neles. Seus pais
percebem que algo não está bem e decidem buscar ajuda profissional...
Durante a consulta com o psicólogo, vem a revelação: ele sente-se
assim porque passou a ver que outros garotos têm um número maior
de visualizações, seguidores e curtidas que ele. E que outros ainda pos-
suem aparentemente um desempenho melhor que ele no game ou nas
redes sociais. Essa comparação com os demais o está deixando ansioso
e deprimido.
No início da história, vimos que Steve está saudável, sem nenhum
32
problema grave de saúde, que vive em um lar estruturado e tem tudo que
um adolescente em sua idade poderia querer. Mas por uma questão de
curtidas, likes, seguidores e excesso de tempo de tela, o garoto está infeliz
e deprimido.
Sabemos que, independentemente de nossa condição financeira, fa-
miliar ou o que quer que seja, às vezes podemos nos sentir tristes sem ne-
nhum motivo lógico e isso faz parte da vida, eu e você sabemos bem disso.
Mas sentir-se deprimido e deixar de aproveitar essa fase tão bela da vida,
quando se está livre da maioria das responsabilidades chatas da vida adul-
ta, por causa de “seguidores”, “likes” e um tempo excessivo de tela é puro
desperdício de vida.
O grande problema é que esse exemplo não se trata de um caso
isolado. Steve faz parte de uma quantidade cada vez maior de crianças
e jovens em estado de tristeza e depressão de forma alarmantemente
precoce. Não sei se você tem a mesma sensação, mas parece que as
coisas não caminham bem, você não acha?
“As crianças hoje sabem tudo, exceto como é bom ser criança.”
Autor desconhecido
33
de fatos ocorridos e que deixaram um rastro de tristeza e alerta ver-
melho sobre o quão vulneráveis nossos jovens podem estar enquanto
fazem uso de forma negativa de dispositivos eletrônicos e da internet.
Quando um adulto expõe sua imagem íntima para outra pessoa
na internet, existe uma possibilidade, ainda que remota, de essas ima-
gens “caírem na rede”. Isso pode acontecer por diversas razões, como:
a perda ou roubo de seus dispositivos ou, ainda, o compartilhamento
maldoso e intencional de um ex-afeto, por exemplo. Se, porventura,
isso acabar acontecendo conosco, assumamos a responsabilidade,
pois, afinal de contas, somos adultos e deveríamos, pelo menos em
tese, estar conscientes dos riscos envolvidos ao enviarmos uma foto
íntima para outra pessoa.
Em contrapartida, como vimos no capítulo 1, os adolescentes
ainda não possuem um cérebro maduro o suficiente para tomada de
decisões e julgamentos. Então, é nosso papel assegurar que sejam de-
vidamente orientados e tenham informações e conhecimento a res-
peito dos perigos escondidos enquanto navegam na internet. Sem essa
orientação, eles podem se tornar presas fáceis para circunstâncias que
têm o potencial de afetar muito negativamente suas vidas e seu futuro,
e, em última instância, até destruí-lo, como veremos a seguir...
34
morte. A primeira ministra da Columbia Britânica, no Canadá Christy
Clark, sugeriu um debate político nacional sobre a criminalização de atos
de cyberbullying.
O pesadelo começou quando Amanda tinha 12 anos e foi aliciada
a mostrar seus seios na webcam em uma sala de bate-papo na inter-
net. Um ano mais tarde, um homem fez contato com ela pelo Face-
book e ameaçou divulgar suas fotos para familiares e amigos, caso a
adolescente não se mostrasse intimamente para ele.
Essa pessoa possuía todos os seus dados e começou a persegui-la.
A garota se recusou a se expor pela segunda vez e teve suas fotos en-
viadas a todos os seus amigos e familiares. A jovem passou a sofrer de
vários males como: depressão, consumo de álcool, drogas e a ter crises
de pânico e ansiedade.
O aliciador criou uma página falsa no Facebook e colocou como
foto de perfil os seios da adolescente. Ela sofreu desesperadamente
por não poder mais contar com o respeito de seus amigos e parentes.
No vídeo que publicou no YouTube antes de cometer suicídio,
Amanda disse muitas coisas, dentre elas: “Choro a noite toda por per-
der meus amigos e o respeito deles.” A garota sofria muito pelos julga-
mentos, insultos e por não poder tirar as fotos íntimas da internet.
Com tanta pressão e tristeza, Amanda passou a se automutilar.
Na tentativa de amenizar o problema, a adolescente trocou de escola e
ficava sozinha todos os dias. Até que, depois de um mês, conheceu um ga-
roto mais velho, que disse estar gostando dela mesmo tendo uma namora-
da. Com carência afetiva e iludida, ela acabou se envolvendo. A namorada
do garoto e mais 15 outras meninas foram tirar satisfação e humilharam
Amanda na frente de sua nova escola. Além dos insultos, ela também so-
freu agressões físicas.
A menina voltou para casa e tentou se matar. Depois de voltar do
hospital para casa, ela passou a receber mensagens de ódio como: “Es-
pero que ela morra!” e “Ela merece!”. Amanda se mudou para a casa da
35
mãe e, mesmo depois de seis meses, as pessoas ainda a insultavam.
Ela tentou se matar novamente, mas sobreviveu. Mais tarde, não
aguentando a pressão, Amanda acabou tirando a própria vida aos 15
anos de idade.
Foi o que aconteceu também com Jesse Logan, que, aos 17 anos,
enviou imagens nuas suas ao seu namorado na época, e dois anos
mais tarde, seguindo o triste caminho da jovem Amanda, suicidou-se
devido a problemas emocionais e psicológicos como consequência de
ter suas fotos divulgadas na internet pelo ex-afeto.34
Julia Rebeca, uma adolescente brasileira que morava em Parnaí-
ba, norte do Piauí, anunciou sua morte nas redes sociais quando teve
uma gravação íntima sua envolvendo um rapaz e outra garota. O vídeo
foi feito pela própria adolescente e teria vazado através do WhatsApp
para as redes sociais. Após o vídeo vazar no WhatsApp, a adolescente
comunicou sua morte pelo Twitter. Ela foi encontrada morta dentro do
quarto no dia 10 de novembro de 2013.
Outro caso conta a história de um jovem universitário e violinista
de 18 anos chamado Tyler Clementi35, que dividia o quarto com um
“amigo” na universidade de Rutgers, em New Jersey, Estados Unidos.
O pseudoamigo colocou uma câmera escondida no quarto e gravou o
rapaz beijando outro homem. Em seguida, mostrou as imagens para
outros jovens do campus, que passaram a fazer brincadeiras com as
preferências sexuais de Tyler.
Após ter sua privacidade e preferência sexual expostas, Tyler suici-
dou-se. Nesse mesmo dia, o jovem recebera a tão sonhada notícia de que
havia sido aceito como violinista na orquestra sinfônica da universidade.
Antigamente, para fazermos uma fotografia ou um vídeo de al-
guém, tínhamos que ter uma máquina fotográfica ou uma filmado-
ra em mãos, aparelhos caros e que costumávamos usar apenas em
ocasiões festivas e especiais. E para tornar as imagens visíveis, pre-
cisaríamos ir até um laboratório para revelar as fotografias que esta-
riam, em tese, apenas conosco. Ou para assistirmos a um vídeo, tería-
36
mos que ter um aparelho de videocassete ou CD-ROM para acessar
as gravações. A capacidade de multiplicação dessas imagens em larga
escala era muito pequena e remota. Mas para o bem ou para o mal,
hoje a internet tem a capacidade de espalhar uma imagem por todo o
mundo em questão de minutos e sem possibilidade de controle de sua
divulgação. Para piorar a situação, qualquer pessoa tem hoje, com os
smartphones, uma filmadora e câmera fotográfica nas mãos. E se não
bastasse isso, eles ainda estão conectados a uma internet de alta velo-
cidade, que gera a receita certa para problemas. O que devemos fazer?
Orientar para que nossas crianças e jovens não caiam na armadilha de
gravar ou fotografar outra pessoa em situações íntimas ou constrange-
doras e que não se exponham a isso também.
Em uma pesquisa feita pela TIC Kids Online, realizada com três
mil famílias brasileiras com filhos entre 9 e 17 anos, sobre seus hábi-
tos na internet, dois terços relataram usar a rede para fazer trabalhos
escolares, mas 16% deles também disseram já ter visto formas de auto-
mutilação e 14% tiveram contato com conteúdo que mostrava manei-
ras de cometer suicídio. Quase metade desses jovens viu alguém ser
discriminado na internet nos últimos 12 meses e 21% deles disseram
ter deixado de comer ou dormir por causa da internet.36
Com toda certeza, esses casos e dados devem servir de alerta máxi-
mo para todos os pais cujos filhos estão inseridos em redes sociais e cos-
tumam passar horas trancados em seus quartos navegando na internet,
nem sempre por “águas tranquilas”. No final das contas, penso que o melhor
seja restringir o uso desses dispositivos até que eles tenham relativa maturi-
dade para fazerem uso de forma responsável e consciente. E você há de con-
vir que uma criança de 8 anos de idade ainda não tem essa maturidade.
Apesar de essa decisão ser unicamente sua e ter que acontecer quando
você sentir que seu filho tem a maturidade suficiente para carregar um smar-
tphone no bolso, alguns especialistas consideram que essa idade seja ape-
nas após os 12 anos de idade37, mais ou menos concomitantemente com a
idade que as empresas por trás das redes sociais permitem que adolescentes
37
tenham contas em suas plataformas, que é com 13 anos (mas repito, a deci-
são é sua). Quando esta postergação não for mais possível, é importantíssimo
que expliquemos de forma clara todos os riscos e como ter um bom compor-
tamento online. Além de monitorarmos o tempo gasto nas telas, também
temos que saber o que nossos filhos fazem e por onde “andam” enquanto
navegam. Pois eles podem tanto ser as vítimas como também os promo-
tores de ações consideradas cyberbullying e outras situações perigosas ou
constrangedoras. Sendo assim, não importa se são “promotores” ou “víti-
mas”, em ambos os casos, eles só têm a perder, e nós, pais, também.
Agora pensem comigo: sei que proibir o acesso às novas tecnolo-
gias e mídias sociais é extremamente difícil (talvez impossível a partir
de um certo momento). Mas imaginemos juntos... se Amanda Todd
ou os outros jovens aqui relatados não tivessem acesso tão precoce-
mente às redes sociais e estivessem ocupados com outras atividades
condizentes com sua idade, será que essas tristes fatalidades teriam
ocorrido? Muito provavelmente não. Você concorda?
Não quero, e acredito que você também não queira, de forma al-
guma julgar alguém. Muito menos uma pessoa que perde um filho.
Como lhe falei no início deste livro, acabo de ser pai*, então me consi-
dero no mesmo “barco” que você.
Estamos todos em busca do melhor para nossos pequenos. Mas
que tudo isso sirva como algo esclarecedor dos perigos “ocultos” a
que estamos expostos cada vez que damos um aparelho com acesso
à internet para nossas crianças, sem que elas tenham a maturidade
suficiente para lidar com os problemas que podem surgir a partir daí.
Tenho plena consciência de que no mundo atual, onde nossas res-
ponsabilidades são tantas, onde o trabalho exige tanto de nós, onde as
24 horas do dia parecem não ser suficientes, é praticamente impossí-
vel, na maioria dos casos, sermos os pais que gostaríamos de ser.
*Nota: este livro foi escrito entre 2020 e 2021. Quando uso o termo “acabo de ser pai”, estou me
38
referindo a esse período, e pode ser que no momento em que você estiver lendo estas palavras
meu filho já não seja mais um bebê. Como sabemos, o tempo não para.
Mas o que gostaria que ficasse claro para você, assim como ficou para
mim depois da leitura de dezenas de livros e de pesquisar com afinco e
profundidade sobre o tema, é que o bem-estar de nossas crianças está di-
retamente ligado ao tempo que elas passam nas telas. E todos os dados,
estudos e pesquisas a que tive acesso dizem: “Quanto maior o tempo de
tela, mais deteriorada a saúde física e emocional de uma criança ou
adolescente!.”38
Antigamente, quando saíamos de casa para brincar com nos-
sos amigos e aparecíamos em casa só à noite e, finalmente, dávamos
algum sinal de vida, nossos pais faziam a clássica pergunta: “Por onde
tu andavas, rapaz?” ou “por onde tu andavas, menina?”. O certo é que
“aprontando” ou não, estávamos por perto, na maioria dos casos, na
vizinhança brincando. Hoje, com a internet sendo uma terra sem lei e
sem fronteiras, mais do que nunca, devemos monitorar com os dois olhos
bem abertos por onde nossos filhos andam, pois, às vezes, eles podem,
mesmo dentro de seus próprios quartos, estar em “lugares” nada seguros.
Para esses jovens, uma constante comparação com os demais, que
exibem vidas melhores que as suas, a possibilidade de não consegui-
rem se relacionar de outro modo que não seja virtualmente, o fato de
a hiperexposição exigir sempre a melhor selfie, a melhor roupa, o melhor
lugar, o melhor corpo, etc., ou, às vezes, o simples fato de o outro sempre
ter mais curtidas, seguidores ou visualizações daquilo que posta os fazem
entrar em uma competição inconsciente em que nunca se sentirão felizes.
Aqueles que são “populares” acabam caindo em uma armadilha
ao desenvolverem uma compulsão por likes, curtidas, seguidores, co-
mentários, etc. Em suma, coisas que nada de verdadeiramente útil vão
agregar em suas vidas, exceto massagear seus egos inflados, mas vão
gerar uma ansiedade totalmente desnecessária a cada selfie ou a cada
publicação e desenvolver uma personalidade narcisista e sem empa-
tia. Poderão acabar se tornando adultos insensíveis e emocionalmente
39
despreparados para os desafios da vida real, que, como bem sabemos,
não é a vida das redes sociais.
Em contrapartida, aqueles que não são tão populares assim aca-
bam tendo sua autoestima e sua noção de valor próprio afetadas ne-
gativamente, o que, por sua vez, também os deixa infelizes. Ao final
das contas, este parece ser um “jogo” totalmente desnecessário para
nossos jovens e no qual não há ganhadores.
40
Capítulo 3
41
drasticamente para pior.
Ela conta que as notas escolares da filha despencaram, seu relacio-
namento com o aparelho se tornou obsessivo e seu relacionamento de
mãe e filha foi por água abaixo. Jéssica se tornou respondona e agres-
siva e a mãe tenta impor regras e horário para uso do celular. A menina
baixou todos os aplicativos de redes sociais e começou a jogar o Free
Fire com “amigos” que nunca viu. Em algumas ocasiões, Roberta já foi
flagrada pela mãe jogando às três da madrugada. Uma vez que nestes
jogos os participantes jogam com pessoas de outras partes do mundo,
é bem provável que para alguns jogadores seja três da tarde enquanto
para outros seja três da madrugada. Segundo Jéssica, ela está prestes a
mandar a filha para a casa do pai caso a situação continue como está.
“Antes do smartphone, minha filha ajudava em casa, tinha notas
escolares melhores e saía para fazer outras atividades com as amigas.
Agora, suas notas despencaram e ela só quer ficar jogada na cama com
o celular na mão”, desabafa Jéssica.
O fato é que pude ver nitidamente uma mãe clamando para ter a
filha de volta. Uma menina doce que, segundo ela, não apresenta mais
disposição para nada além de ficar no quarto com o aparelho jogando
e navegando na internet indefinidamente.
Imaginemos o quanto essa menina está deixando de aproveitar. Imagi-
nemos sua sensação de perda quando, mais adiante, perceber que desperdi-
çou uma parte tão bela de sua vida com coisas que não lhe agregaram nada.
Não é à toa que a depressão vem “pegando” nossos jovens em cheio.
42
obra extra, meu gerente de produção sugeriu que contratássemos seu
primo Marcos, de 19 anos, pois a mãe do jovem havia reclamado que
ele estava viciado em jogos, e passava dia e noite jogando videogame
sem contribuir com nada dentro de casa. Então, assim como eu mes-
mo um dia fui ajudado por pessoas que me deram a oportunidade de
trabalhar e aprender, sempre que posso, retribuo a ajuda que recebi.
Dessa forma, autorizei meu gerente de produção a contratar Marcos
temporariamente.
Quando vi o jovem na produção, me assustei. O rapaz mais parecia
uma vela branca, com uma pele pálida amarelada, sem cor e sem vida.
Realmente dava para constatar que o relato de sua mãe era verdadeiro,
pois a aparência do rapaz era de alguém que não via a luz do sol havia
meses. Para piorar a situação, ele não sabia, aos 19 anos, identificar
materiais relativamente comuns, como: tíner, estopa, cola de contato,
etc., itens que usamos em nossos produtos. Mostrando total inabilida-
de de executar funções simples como ajudante e, talvez sofrendo de
abstinência e ansiedade pela falta dos jogos, o jovem trabalhou dois
dias apenas, e depois não apareceu mais. Sinto-me muito entristecido
e me pergunto: como será a vida dessa pessoa quando tiver 30 - 40 - 50
anos? Realmente não sei a resposta, mas fica a reflexão.
“Cocaína eletrônica”
Em 2018, foi incluída no CID (Código Internacional de Doenças)
uma nova patologia conhecida como “distúrbio do jogo”. Especialistas
de vários países consideram que temos uma epidemia gerando uma
grave crise de saúde pública devido ao crescente número de crianças
e jovens abaixo dos 18 anos que estão dependentes de videogames e
jogos na internet.40
Pesquisadores descobriram que o videogame faz o cérebro liberar
doses de dopamina (substância do prazer), que estimula o sistema de
43
recompensa no cérebro.41 Quando jogadores regulares viram imagens
de seu jogo favorito, foram ativadas as mesmas áreas que viciados em
drogas químicas ativam quando veem sinais que os fazem lembrar de
sua droga. Isso foi o que levou o Dr. Peter Whybrow, diretor de neuro-
ciência da UCLA - Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA) a
se referir às telas como “Cocaína eletrônica”.
Apesar de atingir pessoas de várias idades, esse problema tem
afetado especialmente pré-adolescentes e adolescentes que estão en-
frentando consequências muito graves em função do uso compulsivo
dos games.
Construídos de forma cada vez mais realísticas, complexas e com
gatilhos mentais para “fisgar” seus jogadores, esses ambientes virtuais
são tão atraentes que os jovens, em muitos casos, deixam de fazer
qualquer atividade, como: sair ao ar livre, praticar esportes ou se so-
cializarem com seus pares, para ficarem jogando ad aeternum.
É claro que alguns podem jogar sem serem viciados e consegui-
rem equilibrar suas atividades escolares, sociais e domésticas com um
bom uso desses dispositivos. Em algumas ocasiões, o game pode ser
até um momento de descontração e interação entre pais e filhos que
jogam juntos. Mas não nos enganemos, as chances de as coisas saírem
do controle são muito grandes. Como já vimos no capítulo 1, o desen-
volvimento cerebral nessa fase da vida não está completo e, nessa fai-
xa etária, há uma predisposição natural a se viciarem em função de
uma maturação cerebral incompleta e do tempo livre que dispõem.
Munidos do conhecimento que estamos aprendendo aqui, creio
que chegou a hora de dizermos não a certas coisas. Sei que muitas ve-
zes é mais fácil seguirmos o caminho do sim, e com isso evitar discus-
sões e estresses. Mas o “não” pode ser como o remédio amargo que
cura. Podemos com isso evitar um problema muito maior depois.
O objetivo deste livro não é impor regras. Até porque cada caso é um
caso com suas particularidades. Pegue então tudo aquilo que você con-
44
siderar bom e útil e aplique. Se por alguma razão considerar as coisas de
outra forma, tudo bem, não há nada de errado. Mas que tudo isso sirva
de reflexão para que possamos encontrar uma melhor resposta, um
melhor caminho e tomar as melhores decisões quanto à educação e à
preparação de nossos filhos para a vida. Se não fizermos isso, quem o
fará? Mark Zuckerberg com o Facebook e o Instagram? Aproveitando
o gancho, quero compartilhar com você o que o próprio Zuckerberg
escreveu em uma carta para sua filha recém-nascida, em 2017, em que
pedia que ela “saísse de casa para brincar”.42 Se ele, Mark, que sabe
bem das coisas, quer que sua filha brinque ao invés de ficar em frente
a uma tela, por que não fazemos o mesmo?
Infelizmente muitas crianças e adolescentes simplesmente abdi-
cam de tudo para não saírem da frente do game. Hábitos como tomar
banho, fazer as refeições nos horários corretos, dormir adequadamen-
te, ajudar nas tarefas domésticas, fazer os deveres escolares e até mes-
mo ir para a escola são negligenciados. Há casos em que jovens gas-
tam dinheiro no cartão de crédito de seus pais para comprar avatares
para poder subir de nível em seus jogos. Em outros, são aliciados por
pedófilos que prometem comprar estes avatares em troca de imagens
íntimas. Em casos extremos, jovens chegam a defecar e fazer xixi nas
calças para não sair da frente do game enquanto jogam. Tudo muito
assustador. E quando situações assim acontecem, é hora de acender o
sinal vermelho, o alerta de que algo está errado e precisa ser corrigido.
Caso contrário, como nossos filhos serão na vida adulta? Que tipo de
responsabilidades estarão prontos a assumir? Como se comportarão
quando as realidades da vida baterem à sua porta? O que irá acontecer
quando nós não estivermos mais aqui? Dá arrepios só de pensar, não?
Vale lembrar que não é apenas o vício em games que tem com-
prometido e, em alguns casos, até arruinado suas vidas. O uso massivo
de smartphones e aplicativos como as redes sociais tem prejudicado
muitos jovens e suas famílias de um modo geral. Nesse contexto, se-
45
gundo pesquisas, as meninas estão mais vulneráveis ao uso compul-
sivo e vício em redes sociais em comparação com os meninos.43 Em-
bora isso não seja uma regra, pois podemos ter meninos viciados em
redes sociais e meninas viciadas em games. E em alguns casos, temos
meninas e meninos viciados tanto em jogos online quanto em redes
sociais. Eles são vítimas inconscientes de programadores inteligen-
tes e conscientes do que fazem. Tal como traficantes de drogas, não
parecem estar preocupados com a saúde de seus “clientes”. Penso que
essas grandes corporações, que fazem uso dessas ferramentas e gati-
lhos mentais viciantes, também não estão interessadas na saúde de
seus “usuários”. Pense nisso!
“As mídias são a minha droga, sem elas eu estaria perdido” – Reino Unido.
46
comportamentos realmente se assemelham ao comportamento de vi-
ciados em drogas químicas, quando ficam sem acesso às drogas das
quais são dependentes. Fica óbvio o poder viciante que nossos smar-
tphones e seus apps possuem. Basta olhar nossas reações ao imaginar-
mos, nós mesmos, sem nossos “queridinhos aparelhos”.
Muitos dos mil jovens universitários que participaram da pesqui-
sa relataram uma nova compreensão de como se relacionam com seus
smartphones e a internet. Repare como alguns deles puderam perce-
ber os benefícios de se afastar do celular e se aproximar mais das pes-
soas e do mundo à sua volta. Veja o que eles disseram:
“Eu moro com meus amigos há três anos. Estes foram os melhores
dias que passamos juntos” – Estados Unidos.
47
Ribeiro: “Conhecimento é poder apenas em potencial.” Se pegarmos esse
conhecimento para definirmos quando e como permitiremos o acesso
deles ao mundo digital, aí sim estaremos transformando esse conheci-
mento em poder. O poder de influenciarmos positivamente sua saúde
física e emocional.
Em seu excelente livro: “Irresistível – Por que você é viciado em tecno-
logia e como lidar com ela”, Adam Alter relata que: “Assim como as drogas,
as sugestões comportamentais disparam a produção de dopamina. Quan-
do um viciado em videogame liga seu laptop, seus níveis de dopamina vão
lá em cima [...], nisso viciados comportamentais se parecem muito com vi-
ciados em drogas.”45
48
O Usuário do Flappy Bird, Mxndlsnsk, advertia outros jogadores a não
baixarem o jogo: “Flappy Bird vai ser minha ruína. Deixem-me começar
dizendo para NÃO BAIXAR esse jogo. [...] As pessoas me avisaram, mas não
dei bola [...]. Não durmo mais, não como mais. Estou perdendo amigos.”
O que para muitos designers de jogos seria o ápice do sucesso e de
alegria, para Nguyen foi o inverso. Centenas de depoimentos fizeram
o jovem vietnamita desenvolvedor do game parecer um traficante de
drogas ao compararem os efeitos viciantes de seu jogo aos causados
pela cocaína e metanfetamina.
Não conheço Dong Nguyen, mas acredito que seja um jovem com
fortes princípios morais. Que outra pessoa na sua condição, faturando
US$ 50 mil diários teria a coragem para simplesmente tirar seu jogo
do ar? Bem, isso foi o que ele fez! Em 8 de fevereiro de 2014, ele tuitou:
“Lamento, usuários do Flappy Bird. Daqui a 22 horas, vou tirar o
Flappy Bird do ar. Não aguento mais.”
Alguns especularam que ele estava tomando tal atitude por pro-
blemas legais relacionados a direitos autorais, mas ele rapidamente
descartou essa possibilidade, e disse:
“Não tem nada a ver com problemas legais. É só que não consigo
mais continuar com isso.”
O jogo desapareceu como anunciado e não demorou para cente-
nas de imitações aparecerem na internet. Nguyen focou o desenvolvi-
mento de um jogo mais complexo projetado para não ser viciante.
49
de trabalhar muito, era atencioso com o filho. Em sua infância, seus
pais se divorciaram e Isaac se mudou com a mãe para Miami, nos Esta-
dos Unidos. Mesmo o pai permanecendo na Venezuela, os dois manti-
nham contato com frequência, e Isaac sempre visitava o pai nas férias.
Com notas excelentes, raramente abaixo de A, no final de seu penúl-
timo ano no ensino médio, Isaac obteve incríveis 2.200 pontos de 2.400
possíveis no exame de admissão para o ensino superior, o SAT, que o co-
locou entre o 1% da elite dos melhores alunos dos Estados Unidos.
Ele foi admitido na Worcester Academy, próximo a Boston, e pos-
teriormente na American University em Washington, DC. Além de óti-
mo aluno, era também atleta e a Worcester lhe concedeu uma bolsa
de estudos para jogar futebol americano dadas as suas habilidades no
esporte e ótima forma física.
Diante das condições familiares geradas pelo divórcio de seus
pais e suas idas e vindas entre Estados Unidos e Venezuela, Isaac tinha
muitos amigos. Mas suas amizades eram apenas superficiais. Na inter-
net, encontrou um clã de “amigos” com o qual pôde rapidamente de-
senvolver um senso de “amizade” e “convivência social” que não havia
encontrado no mundo real.
Foi no meio online que começou a jogar World of Warcraft, o
WoW, um jogo altamente viciante por inúmeras razões, sendo uma
delas o apelo social do jogo. Nele, o participante pode entrar para uma
guilda, onde um pequeno grupo de jogadores compartilha recursos e
estratégias em salas de bate-papo específicas. Pense na guilda como
os personagens do filme “Mercenários”, que tem Silvester Stalone e um
pequeno grupo de soldados treinados para executar uma missão, cada
um pronto para morrer em nome da missão ou do grupo. Foi esse forte
senso de comprometimento social e “amizades” online que fez com
que Isaac começasse a passar cada vez mais tempo no jogo.
Ele mergulhou fundo no jogo, negligenciando todos os demais as-
pectos de sua vida. Suas notas escolares despencaram, largou o time de
futebol americano da universidade, passou de 88 quilos ao ingressar na
50
faculdade para 107 quilos no período de seis meses e perdeu muito ca-
belo. Já não era mais o jovem atleta e estudante promissor de antes. Sua
vida deteriorava-se à medida que ele se aprofundava no jogo.
Durante esse processo, Isaac teve altos e baixos alternados entre
períodos de abstinência relacionados a bons desempenhos escolares
e recaídas ao jogo que geravam queda nos estudos e em sua vida como
um todo.
Até que sua mãe apareceu sem avisar e lhe apresentou um folheto
do reStart, um centro de recuperação para viciados em internet e jo-
gos, localizado nos arredores de Seattle, nos Estados Unidos. Ele con-
cordou com a mãe em inscrever-se no programa de internação, mas
com uma condição: que pudesse acessar o World of Warcraft e avisar os
colegas de guilda que ficaria offline por um tempo.
O reStart foi um dos primeiros centros de tratamento para vício
em internet e jogos no mundo. Atualmente, já temos outros centros
espalhados por diversos países. Somente a China, em 2021, possuía
150 centros para tratamento de jovens dependentes de jogos e inter-
net. Podemos constatar que se trata de um problema sério, crescente
e que atinge, desde nações pobres, até as mais desenvolvidas. Um dos
problemas enfrentados por esses centros é que, diferente de pessoas
que passaram por um tratamento para drogas ou álcool, em que se
pode trabalhar, estudar ou comunicar-se sem fazer uso destas subs-
tâncias, no caso da internet é praticamente impossível levarmos uma
vida totalmente offline.
No início de seu programa de seis semanas, Issac estava otimista.
Ele fez novos amigos, participou de atividades de pintura, caminhadas
em meio à natureza, e malhou na academia do centro de recuperação.
Seus orientadores no centro lhe ensinaram que o WoW lhe dera uma
falsa ilusão de controle e progresso, enquanto fora do jogo sua vida
51
estava sendo arruinada completamente.
A influência do ambiente
Durante a guerra do Vietnã, o comando do Exército norte-america-
no constatou um grave problema entre seus soldados. Estava havendo
uma epidemia crescente de recrutas fazendo uso recorrente de heroína,
uma droga obtida através da seiva de um tipo de papoula (papaver som-
niferum) e considerada a droga mais viciante do mundo por liberar altas
doses de dopamina no cérebro, tendo o potencial de viciar mesmo após
poucas “picadas”.46 Ela é produzida principalmente em países do sudes-
te asiático onde se encontra o Vietnã. Os vendedores da droga no Vietnã
se utilizaram de uma estratégia nada “honesta” para tornar viciados os
soldados norte-americanos, que lhes pagavam em dólares. Sabendo do
alto poder viciante da droga, eles ofereciam as primeiras doses de graça.
Assim, para enfrentar o tédio entre uma missão e outra que poderia le-
var meses e a solidão por estarem longe de suas famílias, amigos e terra
natal, os soldados eram “presas” fáceis para experimentar a droga, que,
por sua vez, fazia-os esquecer temporariamente suas angústias, liberan-
do altas doses de prazer.
Felizmente, assim que a guerra do Vietnã acabou, esses soldados so-
breviventes puderam voltar para casa e muitos conseguiram se libertar
do vício por saírem do ambiente que lhes fornecia a droga, o meio e os
estímulos para usá-la. Com a volta para casa, o “meio ambiente” mudou,
o que consequentemente facilitou a libertação do vício para muitos deles.
Se você pegar um ex-dependente químico que está “limpo” e colocá-lo
junto com as pessoas, as circunstâncias e o ambiente no qual costumava
se drogar, muito provavelmente ele terá uma recaída. Foi exatamente isso
que aconteceu com Isaac.
Após finalizado o programa de tratamento, mesmo contrariando
os conselhos médicos, ele voltou para a Universidade em Washington DC.
Depois de sua volta para a American University, confiante que es-
tava tudo bem, Issac recebeu um convite de um amigo: “Ei, quer jogar
52
um pouquinho?”, ao que ele respondeu: “Ei, claro!”
Segundo Isaac, o convite foi feito em uma quinta-feira, 21 de feve-
reiro de 2013, data que ficaria marcada para sempre em sua memória.
Dali a dois dias, ele deveria dar aula de álgebra para um aluno, mas não
compareceu. Não foi à aula na segunda-feira e depois passou cinco se-
manas trancado sozinho em casa. Sem sair de casa uma vez sequer e
nem tomar banho, sua comida era pedida por telefone e trazida pelo
porteiro do prédio em troca de uma gorjeta. Seu apartamento estava
cheirando mal e os restos de comida e embalagens se empilhavam em
cima da mesa. Isaac jogava por 20 horas sem parar e depois desabava
para poucas horas de sono, retornando ao jogo, completando missão
após missão. Conversava apenas com parceiros de guilda, enquanto
o mundo exterior caiu no esquecimento. Após cinco semanas, havia
142 ligações perdidas em seu celular. Até que, sem saber exatamente
o porquê, na 143ª ele decidiu atender. Era sua mãe, que lhe disse que
estaria ali dentro de dois dias.
Após a ligação da mãe, Isaac decidiu encerrar a maratona de WoW
e limpar seu apartamento. Quando se olhou no espelho, viu alguém
que ganhara 30 quilos de pura gordura, com o cabelo ensebado e rou-
pas imundas. Foi seu fundo do poço.
Quando sua mãe chegou, ele a levou para jantar e, chorando, con-
tou que tivera uma recaída. Reconheceu que precisava voltar ao reS-
tart e que dessa vez não voltaria para Washington DC, que quando o
programa de internação acabasse, ele se inscreveria no programa de pós-
tratamento de sete meses, que era feito em liberdade, fora da clínica.
Ele cumpriu o que prometera para a mãe e dedicou-se com afinco ao
programa. Com isso, sentiu-se motivado a enfrentar os desafios fora da
clínica uma vez que o programa de sete meses lhe ofereceria apoio extra
para se acostumar a viver e trabalhar fora do centro. Durante esse proces-
so, mantinha um emprego de meio período e passava de 20 a 30 horas
no centro. Ele vivia entre ex-pacientes que se apoiavam mutuamente para
que nenhum colega tivesse uma recaída, o que fez toda a diferença em
53
sua recuperação.
Isaac decidiu ficar na região, perto da clínica, onde visita o centro
com frequência. Começou a trabalhar em uma academia de Cross-
Fit e, em abril de 2015, ele a comprou dos antigos donos. Apenas quatro
meses depois, a academia já havia triplicado o número de clientes e se
tornado sua maneira saudável de atender suas necessidades psicológicas,
onde desenvolveu muitos amigos, permanece ativo e saudável e com sua
energia e tempo orientados para o negócio que o mantém motivado.
Agora pare e pense um minuto, só um minuto... O relato de Isaac é um
caso real, mas não estamos falando de um viciado em drogas “pesadas”.
Porém, se tirarmos a sigla “WoW” desta história e colocarmos no lugar a
palavra “heroína”, ela se manterá totalmente condizente com as histórias
de viciados em drogas químicas e com os fatos e angústias sofridas por este
rapaz, por sua mãe e demais pessoas envolvidas no processo. Sei que este
pode ser considerado por muitos como um caso extremo. Mas não se enga-
ne, não é tão incomum assim, e devemos ficar bem atentos e vigilantes. O
WoW, ou outro jogo qualquer, pode ser o “joguinho inofensivo” que nossos
filhos estão jogando agora mesmo no quarto, ou prontos para baixar em
um piscar de olhos. Se antes não sabíamos o potencial devastador que eles
podem ter, agora sabemos!
“Na escala entre doces e crack isto está mais para o crack.”
Chris Anderson
54
amor e carinho.
Espero que você possa ler estas últimas palavras não com olhos,
mas com o coração. Pois elas só poderão ser compreendidas com o co-
ração, sobretudo quando digo: “um pedido silencioso de mais aten-
ção, amor e carinho”, se é que me entende...
55
Capítulo 4
Sinto muito em lhe dizer, mas como se já não bastassem todos os pre-
juízos mentais e emocionais que vimos até aqui, jovens que fazem uso
precoce e desmedido das novas tecnologias não só estão desenvolvendo
problemas relacionados a sua saúde psicoemocional, mas também vários
problemas de ordem física, que em muitos casos os acompanharão pelo
resto da vida.
Um fator importante a ser observado é que crianças e adolescentes
têm muito de sua estrutura fisiológica, como o esqueleto e tecidos, em
desenvolvimento, ou seja, não estão completamente formados ainda.
Sendo assim, os efeitos nocivos do uso desmedido desses aparelhos
têm o potencial de causar um dano ainda maior que em um adulto.
Segundo a Ofcom, agência reguladora de mídia do Reino Unido,
estamos passando mais tempo online do que dormindo.47
Outro dado relevante é que metade das crianças com sete anos
não pratica o mínimo recomendado de uma hora de atividade física
por dia. Temos a geração menos ativa fisicamente da história.48
57
Dentre os prejuízos físicos que o tempo
excessivo de tela pode causar, podemos citar:
Visão: Problemas de visão estão relacionados à quantidade de
tempo que passamos olhando para monitores, sejam eles computa-
dores, smartphones, tablets ou TVs, o chamado “tempo de tela”. Esse
tempo excessivo pode provocar ressecamento dos olhos e deficiências
oculares.
Diante das telas, piscamos muito menos e, com isso, afetamos a
lubrificação do olho que depende do filme lacrimal para se manter
úmido, nutrido e protegido. Sem isso, podemos sofrer da chamada
síndrome do olho seco (SOS).
Crianças que fazem uso desses aparelhos estão mais suscetíveis
a desenvolverem a necessidade do uso de óculos na vida adulta ou,
dependendo dos casos, já durante a infância. Tanto adultos quanto
crianças podem apresentar problemas como: visão cansada, olhos
vermelhos ou secos, lacrimejamento e até dores de cabeça, ocasiona-
dos por longos períodos de exposição ao brilho das telas dos disposi-
tivos em geral.
É importante ressaltar que nosso sistema ocular está adaptado para
ver através da luz que é refletida em objetos e coisas, cujas imagens che-
gam até nossa retina e são, então, conduzidas até o cérebro e ali interpre-
tadas. Não estamos acostumados a olhar para fontes de luz direta como
no caso das telas.49 Passar muito tempo em frente à tela desde muito cedo
tem provocado problemas oculares em crianças e adolescentes. Quando
esses problemas não surgem durante a infância ou adolescência, podem
ocorrer mais tarde durante a vida adulta em função do excesso de expo-
sição. Com menos de dois anos de idade, nenhum tempo de tela é reco-
mendado e, acima disso, o tempo de exposição diária não deve exceder a
30 minutos totais.
58
Risco de obesidade e outros transtornos alimentares: A exposi-
ção precoce às tecnologias e suas ferramentas, como jogos eletrônicos,
redes sociais, TV, etc., pode estar causando danos físicos e distúrbios
alimentares nos mais jovens de duas maneiras distintas.
A primeira: o culto narcisista que o mundo virtual fomenta, ele-
vando a importância da imagem corporal e estabelecendo padrões de
magreza muitas vezes fora da realidade, tem levado jovens a compor-
tamentos excessivos em busca de expectativas irreais a respeito do seu
próprio corpo. Alguns jovens assumem comportamentos extremos re-
lacionados a exercícios físicos, dietas prejudiciais, vômitos provocados
(bulimia) e, em casos extremos, até o uso de anabolizantes. Tudo isso
em busca de satisfazer padrões irreais de beleza impostos nos meios
sociais online onde estão inseridos, e que geralmente não condizem
com a sua realidade e com o seu biotipo.
A segunda: esta questão anda na contramão da primeira, uma vez
que crianças e jovens viciados em jogos eletrônicos, ou em internet de
maneira geral, podem facilmente negligenciar vários aspectos relacio-
nados a uma boa saúde física, como: sono adequado, prática esporti-
va, higiene pessoal e a ingestão de alimentos saudáveis nos horários
corretos. Quanto maior o tempo de exposição a qualquer tipo de tela,
maior o índice de massa corporal. Pesquisas demonstram que o adoles-
cente tem maior tendência a ingerir alimentos não saudáveis como fast
food e refrigerantes enquanto assistem à TV, ou jogam videogames.50
Outro fator a ser considerado é que em países como os Estados Uni-
dos já existem mais pessoas acima do peso do que com peso normal.
Pedro Hallal revela, através de um estudo realizado em 122 países, algo
muito preocupante: 80%, ou seja, a grande maioria dos adolescentes do
mundo, têm comportamento considerado sedentário e não praticam o
mínimo de atividade física recomendada pela Organização Mundial da
Saúde (OMS).
59
Assim, quanto mais tempo esses jovens passam confinados a uma
tela, menos tempo eles passam fazendo outras atividades ao ar livre
que queimam calorias naturalmente, tais como: praticar esportes, an-
dar de bicicleta, ou simplesmente se mexerem. O confinamento e o
sedentarismo acabam culminando em um grande número de casos
de obesidade infantil. Basta relembrarmos do biotipo físico da maioria
de nossos colegas em nosso tempo de infância e olhar para o biotipo
atual para constatar que houve mudanças. O ganho de peso em exces-
so durante a infância pode ser apenas o início de uma série de proble-
mas de saúde que virão depois, como: cansaço crônico, transtornos
do sono, apneia, distúrbios metabólicos, problemas gastrointestinais,
dentre outros, e que provavelmente causarão doenças mais tarde na
vida adulta dessas crianças.
60
músculos que sustentam nossa cabeça e causando dores na região e alte-
ração de uma postura ereta e correta. Para comprovar esse problema, bas-
ta olharmos para a quantidade de jovens em idade precoce “corcundas”,
com uma postura incorreta, com pescoço pendido para a frente de tanto
tempo que passam inclinados olhando para as telas de seus smartphones.
Um bom desenvolvimento ósseo-esquelético depende da exposi-
ção correta à luz solar, que é essencial na produção de vitamina D e
que possibilita, entre outras funções, a absorção adequada de cálcio
pelos ossos. Com os dispositivos competindo diretamente pelo tem-
po da criança e adolescente e os mantendo confinados em casa, sua
exposição à luz solar é reduzida, causando danos à sua saúde física
como um todo, uma vez que a falta de vitamina D está associada não
só a problemas de ordem física, mas também de ordem emocional.
Estudos indicam que a falta de vitamina D pode contribuir para a de-
pressão, por exemplo.51
Nota: ***É importante salientar que embora este livro seja destinado aos problemas relacio-
nados ao uso excessivo das tecnologias e mídias sociais por crianças e adolescentes, estes
problemas podem atingir qualquer pessoa em qualquer faixa de idade***
61
Audição: O ouvido humano é um mecanismo frágil e composto de
muitas partes que podem sofrer alterações por uma série de fatores. Den-
tre eles, a utilização de fones de ouvido por longos períodos e a volumes
elevados podem provocar, além de desconforto, uma alteração no apare-
lho auditivo. Estudos sugerem que 31% das crianças de 5 a 12 anos quei-
xam-se de zumbidos, semelhantes ao canto de cigarras ou ao barulho de
apitos.53 Recomenda-se a exposição por períodos curtos e nunca acima
de 80 decibéis.
62
sinais de cansaço e falta de disposição para suas atividades diárias. Por
isso é tão importante cuidarmos para que nada atrapalhe seu descanso.
Nesse contexto, estabelecer uma rotina de horários definidos para irem
para a cama e mantê-los longe de aparelhos eletrônicos durante o dia e,
principalmente, próximo à hora de dormir é essencial. Concomitante-
mente às questões do sono, o excesso de informação a que as crianças
têm acesso e processam diariamente na internet causa exaustão mental e
também atrapalha sua clareza de pensamento e capacidade de raciocínio.
63
A própria internet está repleta de casos de crianças e adolescen-
tes viciados em jogos, mídias sociais e afins, sendo enorme o prejuízo
que esse vício acarreta em suas vidas. Então não hesite em mostrar
para seus filhos esses exemplos. Compartilhe com eles casos como o
de Isaac Vaisberg, que abandonou uma carreira promissora na uni-
versidade por causa de seu vício em jogos online, ou Dong Nyguen,
criador do Flappy Bird, que tirou seu jogo do ar mesmo faturando uma
grande soma de dinheiro por sentir que estava destruindo a vida de
outros jovens. Com isso, eles poderão ver o verdadeiro motivo de você
agir assim. Com diálogo, amor e paciência, acredito que, ao final, eles
entenderão e valerá a pena.
64
Capítulo 5
65
Felizmente, algumas pessoas ao redor do mundo estão se cons-
cientizando do mal que estamos fazendo. Uma bandeira está sendo
levantada por algumas almas iluminadas dizendo: “Ei! Vamos dei-
xar nossas crianças em paz!”
O Facebook alega que o Messenger kids é apenas uma versão
simplificada do Messenger, e que se trata de uma solução “divertida e se-
gura” para que as crianças possam conversar com amigos e familiares via
vídeo ou chat, e que para ser usado, necessita do consentimento dos pais.
Mas será que a verdade é assim tão cheia de “boas intenções” por parte do
Facebook? Será que as crianças realmente precisam fazer contas pessoais
em sua plataforma? E em caso de necessidade, elas não podem usar as
contas dos próprios pais, ou ainda, simplesmente fazerem uma ligação
para eles?
Pesquisas científicas revelam que crianças que usam as redes sociais
têm maiores chances de apresentarem sintomas de ansiedade e depres-
são; e que adolescentes entre 13 e 14 anos que usam redes sociais em
média 1 hora por dia têm 47% mais chances de se considerarem infeli-
zes do que seus amigos que usam as redes sociais com menor frequên-
cia. Em um estudo feito entre meninas de 10 e 12 anos, ficou constatado
que quanto mais elas usavam redes sociais como Facebook, maior era sua
tendência em demonstrar uma preocupação excessiva com sua aparên-
cia física, magreza e dietas.56
Temo, com tudo isso, que estejamos criando uma geração de pes-
soas vazias, sem conteúdo, cheias de futilezas e sem quaisquer pers-
pectivas para cultivar os verdadeiros valores em benefício de um mun-
do melhor e mais humano.
Outros dados indicam que cerca de 78% desses adolescentes (ou
seja, a grande maioria) têm a necessidade de checar seus telefones a cada
hora; 50% se dizem viciados em seus smartphones57; e para metade dos
pais, controlar o tempo gasto pelos filhos diante das telas é uma batalha
constante.
66
Tanto especialistas como as entidades de proteção à infância ter-
minam sua carta dizendo: “Seria melhor deixar as crianças peque-
nas em paz para que se desenvolvam sem as pressões derivadas do
uso das redes sociais. A criação de crianças na era digital já é difícil
o bastante. Pedimos que vocês não usem os enormes alcances e in-
fluência do Facebook para tornar esse trabalho ainda mais difícil”,
pediram eles ao fundador e CEO do Facebook (que nada fez para re-
tirar a versão Kids do ar). O que parece deixar claro que não se trata
de filantropia por parte do Facebook ao oferecer um aplicativo “gra-
tuito” para resolver o problema de comunicação entre crianças, pais e
amiguinhos, mas sim uma forma de angariar cada vez mais usuários, e
cada vez mais cedo, para suas plataformas. Lembrando que quanto mais
cedo uma criança começa a fazer uso desses aplicativos, maiores são as
chances de ela se tornar dependente desse mundo virtual depois. Acredi-
to que não é por acaso que nunca antes tivemos um número tão grande
de crianças infelizes e com problemas emocionais. Estamos vivendo a era
da conectividade e “interação social”, mas os jovens nunca se sentiram tão
solitários, desmotivados, relapsos e sem perspectivas.
67
É como a história de um menino que estava sempre pedindo para
seu pai brincar com ele, e seu pai sempre dizendo que não podia, que
não tinha tempo. Até que um dia, o garoto chegou para o a pai e perguntou:
O pai sem entender direito, abriu o cofrinho do filho e viu que dentro
havia várias notas de US$ 1 e de US$ 5, totalizando exatos US$ 100 dólares.
Então, ainda sem entender onde o filho queria chegar, o pai perguntou:
- São os US$ 100 dólares de sua hora, papai! Agora vamos brincar?
68
“Vamos ensinar nossas crianças a amarem as pessoas e usarem as
coisas, ao invés de amarem as coisas e usarem as pessoas.”
Nossos filhos estão desesperados por amor e atenção, e no fun-
do querem (mesmo que não saibam) limites também. Quando im-
pomos limites baseados no amor e na educação responsável, quan-
do lhes mostramos os valores que esses limites representam, estamos
lhes dando um amparo subconsciente. Passamos uma mensagem de
que há alguém no comando dirigindo o barco, que há um capitão que
está ali para conduzi-los com segurança a “terra firme”. Com isso, eles
acabam não só desenvolvendo o respeito por nossa autoridade como
também se sentindo seguros por haver, dentro do lar, uma liderança
positiva em suas vidas. Isso me faz lembrar uma amiga que certa vez
me disse: “Um rio só é rio porque tem as margens para delimitar seus
limites.” Sem essas margens, o rio se transformaria em um pântano la-
macento e não atingiria seu objetivo que é encontrar o mar. Entenda
por “encontrar o mar” algo como chegar a uma vida adulta, sendo res-
ponsável e emocionalmente seguro e saudável. Para isso, é preciso que
saibamos que não basta apenas suprir todas as necessidades materiais
de nossas crianças, e que o presente mais precioso que podemos lhes
dar na maioria das vezes é um abraço e nos fazendo presentes.
De acordo com o Centers for Disease Control and Prevention, a
cada um milhão, pelo menos duas crianças entre cinco e 11 anos mor-
rerão por suicídio.58 E o suicídio também é uma das principais causas
de óbito entre jovens de 15 a 24 anos segundo a Associação Americana
de Pediatria.
No ano de 2013, somente nos Estados Unidos, foram 1.748 suicí-
dios cometidos entre jovens de 15 a 19 anos.59 Esse número pode ser
ainda maior pelo fato de que algumas dessas mortes podem ter sido
registradas como acidentais.
As estatísticas nos mostram que houve um aumento significativo a
partir de 2011 nos quadros de depressão e suicídio entre adolescentes
e jovens.60 Coincidência ou não, esse aumento expressivo nos núme-
ros de crianças que foram diagnosticadas com depressão e que come-
69
teram suicídio se deu na mesma época da disseminação de smar-
tphones e redes sociais entre o público infantojuvenil. Talvez alguns
argumentem se tratar apenas de mera coincidência, porém, tudo leva
a crer que não. Acredito ter algo mais em tudo isso que mera e simples
coincidência.
Muitas de nossas crianças estão somatizando um sofrimento impos-
to por comparações inúteis com seus pares nas redes, sofrendo desde
cedo com uma pressão silenciosa e uma infelicidade por se compararem
com os outros. Como bem sabemos, nas redes sociais sempre veremos
alguém com uma vida mais empolgante e feliz que a nossa, ou pelo me-
nos “aparentando”. Se já é difícil para nós, adultos, digerirmos tudo o que
vemos, imagine para uma criança com seu desenvolvimento cerebral in-
completo e não maduro o suficiente. Elas se sentem tristes apenas por ver
o amigo que acaba de postar uma foto ostentando o que quer que seja,
enquanto não podem fazer o mesmo, o que acaba gerando um senti-
mento de inferioridade e tristeza totalmente desnecessário e sem sentido.
Você concorda?
Em tese, esses aplicativos como Facebook, Instagram e Twitter
deveriam promover a conectividade e a aproximação entre as pes-
soas. Somente em tese. Porque o que temos visto de fato são inúmeras
pesquisas que mostram um mundo que não está mais conectado de
forma genuína, e que as pessoas nunca se sentiram tão solitárias a
despeito dos milhares de “amigos e seguidores” do Facebook ou Ins-
tagram. Na verdade, essas redes são muito mais eficientes em gerar
embates e discórdias do que promover a paz e a harmonia.
70
Estudo de caso: Como você já sabe, sou pai de um menino que
está com um ano e oito meses de idade no momento em que escrevo
estas palavras. Já tenho uma ideia clara de qual deve ser o relaciona-
mento dele com as telas e a tecnologia. Mas infelizmente nem sempre
teoria e prática andam juntas. Então, mesmo que eu peça para minha
esposa, tios, cuidadores, avós, etc. para manter meu filho longe das telas,
nem sempre isso acontece. Fiz eu mesmo (durante a escrita deste livro)
uma experiência que confirma muito do que estamos discutindo aqui.
Certo dia, entrei na sala e meu filho estava assistindo a um pro-
graminha infantil na TV, cheio de personagens muito engraçadinhos
e que cantavam as letras do alfabeto. Confesso que o programa tinha
uma abordagem muito infantil, educativa e divertida. Mas seguindo a
orientação da associação norte-americana e também a brasileira de pe-
diatria, que recomenda que antes dos dois anos de idade o contato com
as telas deve ser zero61, eu resolvi ali mesmo fazer uma “experiência”.
Tentei chamar a atenção do menino, falando com ele e esperando
que desviasse sua atenção da TV, mas não obtive sucesso em nenhu-
ma de minhas tentativas, fossem elas: fazer caretas engraçadas, ou vi-
rar cambalhotas no meio da sala. Ele parecia completamente hipnoti-
zado pela TV. Então peguei o controle e desliguei o aparelho, e fiquei
observando atentamente seu comportamento. Depois de uns 5 segun-
dos olhando para a tela desligada e não encontrando mais estímulos
visuais para permanecer ali, ele desceu do sofá sozinho e começou a
andar pela sala, parou na frente de uma poltrona multicolorida e co-
meçou a passar a mão no tecido e sentir sua textura, querendo falar
algumas coisas que eu não consegui entender. Dali ele foi para outra
parte da sala e começou a mexer em alguns instrumentos musicais
também querendo “falar” algo.
Ou seja, pude perceber claramente que estava tateando e desco-
brindo o ambiente ao seu redor através da visão, do toque, dos sons,
etc. Realmente pude ver que, quando estão nas telas, as crianças fi-
71
cam abduzidas e têm suas experiências sensoriais e de aprendizados
limitadas. Porém, quando estão “livres”, percebem muito mais o que se
passa ao seu redor e saem em busca de descobrir e explorar o ambien-
te em que estão, e é aí que muito de seu aprendizado acontece. Real-
mente pude constatar que, entre recorrer ou não às telas para propor-
cionar aprendizado e experiências, ficar longe delas estimula muito
mais sua criatividade e a descobrirem o mundo ao seu redor.
O poder de alienação das telas é tão grande que quando somos
seduzidos por elas, independentemente da idade, deixamos de sentir
e prestar atenção em tudo ou quase tudo que acontece à nossa volta, e
isso tem nos impedido de ver e apreciar a beleza das “pequenas” coi-
sas da vida.
Para comprovar o que estou dizendo, e se puder faça um exercício
mental agora. Imagine que você, em seu dia de descanso, está o dia
inteiro na frente de um computador ou com seu smartphone navegan-
do sem parar pelo Facebook, Instagram, YouTube e afins, interagindo
com toda sorte de pessoas e conteúdos. Você passou o dia todo assim.
Imaginou?
Agora imagine que você saiu de casa bem cedo em seu dia de folga
e foi pedalar com um grupo de amigos, talvez participar de um chur-
rasco com pessoas próximas e de que você gosta; ou então sentar e
tomar uma xícara de café enquanto conversa olho no olho com um
amigo que não vê há tempo; ou quem sabe você apenas aproveitou
seu dia de folga para fazer uma caminhada ao ar livre, escutar os pás-
saros e se conectar com a natureza exuberante de Deus. Imaginou?
Agora diga para você mesmo com qual das opções você sente mais
prazer e felicidade?
A ironia é que muitas crianças e adolescentes se dizem solitários
quando olham para as redes sociais. E isso acontece, dentre muitos fa-
tores, porque é comum para elas ficarem sabendo pelas redes de algo
como uma festa ou um encontro para o qual não foram convidadas.
72
Pense no celular de uma criança bipando o dia todo com mensagens,
vídeos e fotos de seus amigos se divertindo enquanto ela se sente ex-
cluída. Pense no quão devastador isso pode ser para os sentimentos
dessa criança. Sem essas redes e a internet, provavelmente elas não
saberiam que foram deixadas de fora ou pelo menos saberiam somen-
te algum tempo depois, quando a frustração e sentimento de exclusão
provavelmente seriam muito menores.
73
Conclusão: São muitos os motivos que estão deixando nossos jo-
vens desacreditados e sem perspectivas, e vários deles estão direta-
mente relacionados com suas vidas online, em que o “aparentar feli-
cidade” se tornou mais importante do que o ser feliz de verdade. Que
possamos, diante de tantos argumentos sólidos, chegar à conclusão
que dar um tablet, game ou smartphone precocemente para eles não
os fará mais felizes a longo prazo. E com toda certeza, no final das con-
tas, isso acabará tirando de alguma forma muito de sua infância. Por
isso, na medida do possível, vamos lhes dar mais amor, mais atenção e
mais atividades lúdicas em troca do tempo de tela. Sei que com tantas
tribulações que temos todos os dias, isso é algo difícil de se conseguir.
Entendo bem, pois tenho a mesma dificuldade que você. Mas tenha
certeza que com esse esforço, veremos nossas crianças mais saudáveis
e felizes. Elas agradecem!
74
Capítulo 6
75
Dentre as coisas que os dinamarqueses promovem na educação de
seus filhos e geram estes resultados, podemos citar:
76
mesma escola. Outro detalhe importante é que os índices de cor-
rupção no país são praticamente inexistentes.
77
Infelizmente, parece que até mesmo as nações nórdicas, como a
Dinamarca, a Finlândia e a Noruega, estão tendo problemas com o
uso da tecnologia entre os mais jovens, pois, como vimos, alguns estu-
dos mostram uma redução de QI também nesses países. O que é uma
pena, pois se leva muito tempo para construir uma sociedade com va-
lores tão sólidos como no caso da Dinamarca. Como podemos consta-
tar, a tecnologia nem sempre representa uma melhoria.
78
suficiente para gerar brincadeiras que se estenderiam facilmente por
uma tarde toda. Atividades como: pega-pega, esconde-esconde, pas-
sar anel, apostar corrida, bafo, bolinha de gude, taco, carrinho de roli-
mã, jogar bola, etc. Entre os garotos, uma bola poderia facilmente vi-
rar o entretenimento do dia todo. Na falta dela, um punhado de meias
velhas podia virar bola. Muitas vezes esses eram o passatempo de um
final de semana inteiro, e era divertido, não era? Poderíamos comer
um “boi” inteiro que daríamos um jeito de pular e correr até gastar a
última caloria. Na falta do que fazer, a criatividade aflorava e sempre
encontrávamos uma maneira de brincar.
Agora, infelizmente, muitos são os casos em que nossas crianças pa-
recem não querer outra coisa senão um smartphone ou um videogame de
última geração, o que acaba atrapalhando e limitando seu desenvolvi-
mento social e criativo. É muito provável que, se questionarmos qualquer
criança ou adolescente da atualidade sobre as brincadeiras que marca-
ram a infância das gerações passadas, ela não saiba nada ou quase nada
a respeito delas.
Parece que, com o avanço tecnológico, não é mais possível falar de
infância sem falarmos de games, smartphones, redes sociais e afins. As
crianças estão cada vez mais cedo sendo apresentadas a esses dispo-
sitivos eletrônicos e, como num passe de mágica, são abduzidas por
eles, ficando inteiramente “encarceradas”.
Este tema, infância versus tecnologia, tem sido motivo de questiona-
mentos e estudos por especialistas de diversas partes do mundo, com
o grande X da questão sendo: as novas tecnologias e mídias sociais têm
mais ajudado ou prejudicado as crianças como um todo? Infelizmente,
temos um consenso nas pesquisas e nas respostas desses especialis-
tas, que é:
“O acesso à internet e a dispositivos com telas, sejam eles videoga-
mes, computadores, smartphones ou tablets, tem prejudicado muito
mais que ajudado no desenvolvimento de crianças, adolescentes e jo-
79
vens. E os prejuízos parecem não ocorrer em uma área específica de sua
saúde, mas estão afetando negativamente tanto a parte física quanto
emocional e psicológica, que acabam se deteriorando na mesma pro-
porção de tempo em que passam conectadas a estes aparelhos.”64
Nas gerações anteriores aos smartphones e a todas as mídias e
aplicativos que temos, podíamos muitas vezes distinguir nossa classe
social e a de nossos amigos pelos presentes que ganhávamos, sendo
que aqueles que mostravam brinquedos mais descolados e mais caros
gozavam de um certo status na turma. Lembro, certa vez, que durante
minha infância, meu primo ganhou um autorama no Natal e eu ape-
nas uma bola e um chinelo (talvez seja por isso que hoje eu tenha dois
autoramas, risos...). Sempre houve diferenças entre classes, e muitos
de nós ficamos marcados por brinquedos com os quais sonhamos e,
por falta de condições de nossos pais, acabamos não ganhando. Nós
nos sentíamos mal e frustrados por ver alguns de nossos amigos com
presentes caros e sofisticados. Porém, acredito que o fato de nem sem-
pre termos tudo aquilo que queríamos durante nossa infância nos fez
aprender a lidar melhor com as frustrações. Penso que, emocional-
mente, essas experiências foram nos temperando para as adversida-
des inevitáveis da vida.
80
Uma pesquisa feita entre usuários do aplicativo de controle pa-
rental AppGuardian (que serve para pais monitorarem o tempo e o
conteúdo que seus filhos acessam na internet) revelou que crianças e
adolescentes entre cinco e 15 anos passam em média 5,7 horas por dia
conectados à internet durante a semana, e nos finais de semana, esse
tempo aumenta para 6,9 horas por dia.65
O YouTube é a plataforma onde as crianças passam mais tempo,
cerca de 25 horas por semana. De acordo com os dados da pesquisa,
dos 20 aplicativos mais usados em quantidade de horas, os jogos ele-
trônicos e as redes sociais somados representam mais de 50% do total
de tempo gasto na internet.
Depois do YouTube, o aplicativo mais usado é o WhatsApp, seguido
pelo jogo de tiro FreeFire e as redes sociais como Instagram e Facebook.66
Mas o que devemos fazer para que nossos filhos não tenham sua
infância “sugada” pela tecnologia? A resposta a essa pergunta me pa-
rece um dos maiores desafios enfrentados por nós, que temos crianças
nascidas no contexto tecnológico e viciante em que vivemos.
Nota: É sempre bom lembrar que todos os dados estatísticos deste livro são relativos à época
em que foram pesquisados, entre 2020 e 2022, e que podem, no momento em que você está
lendo estas palavras, não serem mais os mesmos.
81
Eu me sinto extremante triste após todos os estudos, as observa-
ções empíricas e pesquisas que fiz sobre o tema, quando vejo um pai
ou uma mãe delegar a um smartphone ou tablet a função de “babá”
para seu filho. Em muitos restaurantes, observo com uma frequência
assustadora crianças levando a comida à boca sem sequer saberem
o que estão mastigando e comendo. Não conseguem ver nada além
daquilo que passa na telinha “encantada” do smartphone do pai, da
mãe (ou por que não dela própria). Deveriam primeiro agradecer pelo
alimento que sacia sua fome e depois sentir o sabor da comida. Saber
que estão em um momento de comunhão entre pessoas queridas, afi-
nal, uma reunião em família, durante o almoço ou jantar, deveria ser
um evento, senão sagrado, pelo menos especial.
Como pais, estamos cada vez mais neuróticos quanto à saída de
nossos filhos de casa para encontrarem com seus colegas e amigos
fora do “ninho” doméstico. Temos uma vigilância excessiva sobre onde
e com quem andam. Mas nos preocupamos muito pouco com quem
falam e interagem no mundo online. Esquecemos que nós mesmos
já fomos adolescentes um dia e que, mesmo nos metendo em apuros
nas ruas às vezes, isso foi parte importante do nosso desenvolvimento
e aprendizado.
A verdade é que os jovens estão perdendo a capacidade de se
socializarem, pois quase não praticam mais a interação social cara a
cara. Situações como uma entrevista de emprego ou sair para namorar
exigem uma interação presencial. Quanto mais interagem com pes-
soas na vida real, mais preparados estão para desenvolver boas rela-
ções interpessoais e habilidades, como a empatia, reconhecimento
de expressões faciais, linguagem não verbalizada, fortalecimento da
autoconfiança e autoestima. É bom lembrarmos que nossos cérebros
cresceram para sermos indivíduos sociais e interagirmos presencial-
mente com outras pessoas. Há milhares de anos, durante nossas ca-
çadas em grupo nas savanas africanas, não podíamos nos organizar
82
para matar um mamute de forma online. Tudo que fazíamos para so-
breviver, na maioria das vezes, era presencial e em grupo. Essa foi uma
das características que nos mantiveram vivos e nos fizeram prosperar
e chegar até aqui como espécie.
Ladrão de infância!
Para deixar de forma clara e indelével como a tecnologia tem rou-
bado a infância de nossas crianças de maneira sorrateira e ardilosa,
quero compartilhar com você uma experiência que vivenciei durante
as férias de final de ano de 2020. É natural que, escrevendo sobre um
assunto tão específico quanto este, acabo por observar todo e qual-
quer comportamento ou situação que esteja alinhado com o tema.
Costumo frequentar um hotel de águas termais próximo ao local
onde vivo. É um daqueles locais maravilhosos em meio à natureza,
com atrações como: piscina térmica, lago para pesca, trilhas e caminha-
das ecológicas, balanço, escorregador, quadra de vôlei de areia, campo de
futebol ao ar livre, cavalos para cavalgada, piscina térmica infantil e muito
espaço para brincar. Em nossa infância, acredito que se fôssemos passar
férias em um lugar como esse, provavelmente ficaríamos o dia todo en-
tre banhos na piscina e brincadeiras ao ar livre até sermos vencidos pela
fome e pelo cansaço.
A cena que descreverei a seguir não deve ser surpresa para você,
pois lamentavelmente se tornou comum. Durante o período entre
Natal e Ano-Novo, pude ver, em dias ensolarados, crianças “jogadas”
em um sofá com um tablet ou smartphone, sem sequer olharem para
quem passava ao seu lado. Dias lindos em meio à natureza em um
lugar paradisíaco e com inúmeras atividades extremamente legais e
divertidas para fazerem. Porém, enquanto lá fora o sol brilhava e os sa-
biás cantavam, essas crianças passavam seus preciosos dias de férias,
nesse lugar maravilhoso, “afundadas” em um sofá com seus dispositivos.
83
Note que não estou me referindo a uma pessoa adulta e sem motiva-
ção pela vida. Estou falando de crianças com 9, 10, 12 anos que deveriam
estar “pintando e bordando” toda sorte de brincadeiras e travessuras.
O mais triste é que muitas provavelmente vivem em centros urbanos,
longe da natureza e passam o dia a dia em “apertamentos”. Diante de uma
oportunidade de desfrutarem um momento tão único e valioso num lu-
gar tão lindo e especial, elas passavam dias inteiros “vidradas” nas telas de
seus aparelhos eletrônicos. Agora reflita comigo: essas “coisas” estão ou
não estão roubando a infância de nossas crianças?
84
Alguns sinais que servem de alerta
de como os dispositivos eletrônicos podem
estar interferindo de maneira negativa na
vida de seu filho e na sua também:
85
Algumas sugestões para ajudar com o problema:
Quando a postergação não se fizer mais possível (talvez seu filho de oito
anos já tenha seu próprio smartphone ou tablet), então converse com
ele sobre a importância de fazerem outras atividades e sobre como o
tempo de tela excessivo pode prejudicar seu desenvolvimento em outras
áreas. Explique com paciência e amor e eles no final entenderão.
Deixe claro que ele tem a posse do aparelho, mas o controle é seu.
É preciso deixar isto bem claro, pois é a base de todo seu controle e
autoridade.
Nunca deixe seu filho ir para a cama com o celular ou tablete. A luz
azul dos aparelhos prejudica a liberação de melatonina, hormônio
tão necessário para um sono correto e reparador.
86
Oriente seu filho quanto aos perigos inerentes à internet. Você não
deixaria seu filho ficar falando na rua com estranhos que nem você
e nem ele conhece, certo? Por que faria isto na internet, onde um
aliciador pode facilmente se passar por quem não é?
Deixe claro que na internet não há volta. Qualquer coisa que seja dita
ou compartilhada tem o potencial de se propagar para sempre e sem
controle na rede, sem a possibilidade de reparo.
Proporcione alguma atividade física para tirar seu filho da frente das
telas. Matricule-o em uma aula de caratê, escolinha de futebol, na-
tação, curso de inglês, dança, música, etc. Caso não possa arcar com
nada disso, pegue você mesmo uma bola, uma peteca para brincar
com ele no quintal, ou saia para dar uma volta a pé ou de bicicleta no
seu bairro. Qualquer atividade é válida para mostrar a ele que exis-
tem outras coisas a se fazer ao invés de passar todo seu tempo livre
na frente das telas.
87
Conclusão: Smartphones, tablets, games, internet e as redes sociais
estão competindo pela atenção e tempo de nossas crianças. Neste exato
momento, existem programadores inteligentes de poderosas corpora-
ções desenvolvendo aplicativos e jogos para fisgar nossas crianças o mais
cedo e pelo maior tempo possível em seus apps. Comprovadamente,
quanto mais tempo passam nas telas, mais infelizes e deprimidas elas se
mostram. Então convido você para, juntos, fazermos todo o possível para
devolver esse tempo a elas. E com isso garantir que nada roube algo tão
importante para seu desenvolvimento e felicidade: a sua infância! Esta-
mos juntos?
88
Capítulo 7
89
os desafios da vida. Filhos que não saberão dar conta do recado so-
zinhos quando a vida exigir isso deles. E pode apostar que, em algum
momento, a vida vai exigir! Infelizmente, muitos só aprenderão quan-
do forem “empurrados” precipício abaixo, ou, caso contrário, nunca
aprenderão.
Sei o quanto é difícil, pode apostar que sei! Mas haverá ocasiões
em que nossa maior demonstração de amor será permitir que nossos
filhos se “esborrachem” no chão. Pois de que outra forma aprenderão
a se levantar sozinhos e criar a resiliência e a força necessárias para
sua caminhada durante a vida?
Como pai, penso que estamos dispostos a fazer todo o possível e o
impossível pelo bem-estar deles, embora em alguns casos não tome-
mos as melhores decisões em nosso processo de educação, algo que a
meu ver é completamente normal, pois a maioria de nós não apren-
deu ainda como educar de maneira 100% correta. Para falar a verda-
de, acredito que uma educação “100% correta” nem seja plenamente
possível. Pois, como bem sabemos, nossas crianças são criaturinhas
que não saem de fábrica com manual de instruções. E temos que ir
nos adaptando às suas personalidades e fazendo aquilo que julgamos
correto com o decorrer do tempo.
Sei também que podemos não dispor do tempo necessário para
estarmos presentes como gostaríamos, pois estamos muito ocupados
trabalhando para prover algo que tem uma necessidade mais urgente,
real e imediata: o seu sustento. Em outras ocasiões, até podemos ter o
tempo, mas não a maturidade que a paternidade e a maternidade exi-
gem. E na grande maioria dos casos, é possível que nos faltem ambas
as coisas, o que torna a situação ainda mais difícil.
90
Mas quando irão amadurecer?
Se voltarmos um pouco na história, lá pelos anos 1950, a juven-
tude se casava por volta dos 21 anos, e aos 25 a grande maioria das
pessoas já tinha uma família constituída e estava com 2 a 3 filhos para
sustentar e uma hipoteca para pagar. Hoje, porém, a maioria dos jo-
vens passa cada vez mais tempo dependente dos pais e permanece
por mais anos na proteção e benesses do ninho familiar.
Fico me perguntando se estamos criando nossos filhos para serem
adultos que saibam se virar sozinhos, ou teremos, daqui para a fren-
te, gerações superprotegidas que agirão como se tivessem o direito de
contar com os pais para tudo e para sempre.
É relativamente comum vermos hoje jovens beirando os 30 anos de
idade, quando não mais, dependendo de seus pais para compromissos
básicos, como pagar o aluguel e despesas com alimentação. Em alguns
casos, além de sustentarem seus filhos, acabam sustentando seus netos
também.
Sei que em dados momentos de dificuldade, é perfeitamente acei-
tável que um filho precise de nossa ajuda, independentemente da ida-
de que tenha. Mas o que quero que reflita comigo é: será que é justo,
depois de uma vida toda de trabalho, pais que agora estão aposenta-
dos, ou ainda estão na labuta para daqui a pouco terem o devido e me-
recido “descanso”, estarem dividindo seus recursos, às vezes escassos,
com filhos já criados e com toda capacidade de correrem atrás de seu
próprio sustento? Acredito que uma grande demonstração de amor é
ensinar-lhes desde cedo que devem lutar pela vida e por seu digno
sustento depois de crescidos.
91
Acredito piamente que o verdadeiro e genuíno amor alinhado
com a verdadeira responsabilidade parental passa inevitavelmente
pela necessidade de em dados momentos dizermos NÃO! Sei o quanto
é difícil, sei de verdade! Como pai, já estive inúmeras vezes entre a cruz
e a espada. Sei que não raramente fazemos coisas que mais tarde va-
mos perceber que não deveríamos ter feito. Acredite, eu me considero
um pai falho em muitos aspectos. Às vezes até me questiono se tenho
a capacidade de ser um bom pai. Mas estou convicto de que uma de
nossas maiores provas de amor por nossos filhos é saber dizer NÃO!
Sei que dói em nosso coração, mas há ocasiões em que a maneira mais
eficaz, amável e duradoura de prepará-los para a vida é “empurrando-
-os do penhasco”. Por favor, não me ache um insensível, pois no fundo,
no fundo, acredito que só queremos que nossos filhos sejam capazes
de voar sozinhos, não é mesmo? Espero que com tudo que estamos
aprendendo, possamos, revestidos de amor e de conhecimento, tomar
as melhores decisões para o futuro deles.
92
Nessa busca insana e irracional por aprovação, gerada através des-
sa competição idiota em que estão se submetendo em busca de likes
e seguidores, muitos deles têm cada vez mais apelado para coisas es-
túpidas, como o sexting (que é a publicação de fotos eróticas). Garotas
querendo ter maior popularidade do que suas “amigas” publicam fo-
tos com conteúdo erotizado simplesmente “brigando”, ainda que in-
conscientemente, pelo maior número de seguidores e curtidas. Estão
ao mesmo tempo condicionando sua felicidade à aprovação de outras
pessoas e com isso vulgarizando dois fatores muito importantes: seu
corpo e sua intimidade.
Em outros casos, temos vídeos em que adolescentes aparecem ado-
tando atitudes muito perigosas, irresponsáveis e bizarras. Talvez seja
por esse motivo que redes sociais, como o Tik Tok, têm crescido tanto.
Habilidades que levamos milhares de anos para desenvolver, tais como
capacidade de raciocínio, cognição, escrita, vocabulário, percepção
periférica, leitura corporal, interpretação de sinais não verbalizados, estão
sendo jogadas fora em um processo de retrocesso e emburrecimento em
massa sem precedentes.
É importante salientar que agem assim simplesmente por não te-
rem o discernimento e a maturidade cerebral totalmente desenvolvi-
das ainda para avaliar de forma correta as consequências de seus atos.
Muitos carecem também de experiência de vida para saberem que o
namoradinho da escola que faz juras de amor agora não deve receber
fotos íntimas. Pois em um dado momento, ele pode não ser mais o
amor eterno de sua vida.
93
É sério que estamos permitindo que
nossas crianças cresçam vendo isso?
Durante minhas pesquisas para este livro, pude me deparar com
vários dados que me chocaram. Como autor do livro, é natural que ele te-
nha muito da minha forma de pensar. Mas eu não poderia fazer um con-
teúdo que envolve fatores tão técnicos e da psicologia humana apenas a
partir de meus pensamentos e convicções. Então fiz o que deveria fazer:
comprei e li vários livros de outros autores que são referência no assunto,
conversei com inúmeros pais e mães sobre suas próprias experiências,
e também pesquisei uma série de estudos científicos e reportagens para
apoiar minhas razões.
Durante essa busca, um dos dados que mais me chocaram foi em
relação aos recentes testes de QI que mostram que a geração atual
apresenta QI inferior ao da geração passada. E me chocou principal-
mente pelo fato de que isso vai contra o processo natural da evolução.
Então quis entender por que as novas gerações estão menos inteligen-
tes. Em busca de respostas, procurei saber o que essas crianças estão
lendo, assistindo na TV e, sobretudo, o que estão fazendo na internet.
Para meu espanto, pude ver um dos motivos claros do seu emburreci-
mento: canais no YouTube com conteúdos estúpidos, idiotas e vazios,
que são assistidos diariamente por dezenas de milhões de seguidores
e que deixaram claro para mim que ninguém pode ficar mais inteli-
gente vendo esse tipo de conteúdo.
Crianças, que deveriam aproveitar sua valiosa janela de oportunida-
de de aprendizado, estão trocando esse tempo, enchendo suas cabeças
de trash (lixo). Vídeos com desafios para ver quem consegue passar mais
tempo sem respirar até desmaiarem apenas para ganharem likes e segui-
dores, ou disputas para ver quem faz a dancinha mais imbecil do mundo,
foram suficientes para eu entender o porquê, como espécie, estamos em-
burrecendo.
94
Especiais para quem?
Pare e pense: será que estamos criando uma geração de jovens in-
competentes e despreparados, e o que é pior, achando-se especiais? Se a
resposta for sim, talvez sejamos nós os culpados, pois estamos dizendo,
desde cedo, para eles que são “especiais” e que podem ser e ter tudo o que
quiserem. Esse empoderamento vazio está criando uma geração “mimi-
mi”, que ama coisas e usa pessoas ao invés de aprender a amar as pessoas
e usar as coisas. Penso que devemos deixar muito claro para nossos ama-
dos que eles são muito especiais, mas especiais para nós, mas que para se
tornarem especiais no mundo competitivo que temos hoje, eles terão que
fazer por merecer, tornando-se boas pessoas, grandes seres humanos,
dando sua contribuição para a sociedade. Dizer desde cedo para nossas
crianças que são “as escolhidas” e que o mundo lhes deve algo vai incutir
nas suas cabecinhas que só o fato de estarem aqui já é motivo para todos
estenderem o tapete vermelho por onde passam. No mundo da fantasia
pode ser assim, mas na vida real sabemos que não é, e para nos destacar-
mos em algo, são necessários muita disciplina, trabalho e esforço.
95
Lembro que, em certa ocasião, estávamos finalizando um proje-
to que vendemos para um cliente em outra cidade e eu estava com
minha equipe executando os acabamentos finais da obra. Uma mãe e
um pai amorosos presentearam o filho que havia acabado a faculda-
de com um pequeno, mas belo apartamento, tipo quitinete, para que
ele morasse. O apartamento contava com ar-condicionado, cozinha
completa e toda a mobília. Era “um brinco”. Trabalhávamos em um
dia quente de verão. Minha equipe e eu estávamos a todo o vapor em-
penhados para entregar tudo no prazo e nos “conformes” para meu
cliente. Em um dado momento, o rapaz, filho de meu cliente e que iria
fazer uso do apartamento, chegou com a namorada na obra. Como se
eu e todas as demais pessoas que estavam ali trabalhando não passas-
sem de “postes estáticos” bem à sua frente, eles passaram por mim e
por meus colaboradores sem sequer dar um bom-dia.
Achei aquilo uma falta de educação tremenda. Embora eu estives-
se em um estado deplorável, vestido a caráter, todo suado e sujo por
causa dos serviços que estávamos executando, ficou claro para mim
que aqueles dois jovens provavelmente sabiam o preço das coisas,
mas não sabiam nada sobre o seu valor e tampouco que um “bom-
-dia” para um ser humano ao seu lado pode fazer literalmente para ele
um dia melhor. Achei a conduta do rapaz e de sua namorada insensí-
vel, sem nenhuma empatia e até certo ponto desumana com pessoas
“humildes” que estavam ali em meio a um sol de 40 graus trabalhando
para entregar um bom lugar para eles viverem. Tenho certeza que não
só eu, como os demais trabalhadores, sentiram-se mal por aquelas
pessoas passarem bem ao nosso lado como se não existíssemos. Será
que se eu estivesse em meu traje habitual de dono da empresa, eu se-
ria notado enquanto meus funcionários seriam “menosprezados”?
Bom, a verdade é que, independentemente de minhas vesti-
mentas naquele momento, eu ainda continuava sendo eu e, apesar
das roupas de meus funcionários, eles mereciam respeito e serem
tratados com dignidade. Aliás, todo e qualquer trabalhador hones-
96
to, a despeito do que ele faça, merece! Pense que se não fosse o
nobre trabalho dos “simples” garis, viveríamos em meio à sujeira e
nossas ruas e cidades seriam verdadeiros lixões.
Fazer de nossos filhos queridinhos mimados vai torná-los esse
tipo de “ser humano” que acabo de descrever. Se você está lendo este
livro, acredito piamente que não é isso que você quer para eles. Então,
vamos procurar passar noções de humildade, lembrando que humil-
dade não tem nada a ver com “coitadismo”. Humildade é nobreza de
caráter e de espírito. E nobreza não tem nada a ver com dinheiro, ela
é definida pelos atos da pessoa. Tenha em mente que valores e princí-
pios são muito mais valiosos do que qualquer bem material que pos-
samos deixar para nossos filhos. Pense nisso!
97
Muita informação e pouco conhecimento útil
Na verdade, a “geração smartphone” tem uma quantidade enor-
me de informação à disposição. Mas essa informação não representa
conhecimento válido adquirido e não garante o desenvolvimento de
um conhecimento ou habilidade específica para o sucesso em uma
determinada área profissional ou da vida como um todo. Na maioria
dos casos, essas crianças e adolescentes acabam tendo acesso a uma
grande quantidade de “conteúdos” e acabam “empanturrados” de in-
formações que acabarão consumindo seu tempo e sua energia, que
por sua vez poderiam ser usadas para aprendizados mais específicos
capazes de gerar valor de verdade.
Deixe-me compartilhar com você uma experiência da qual eu
mesmo sou protagonista. Em minhas horas vagas, “toco” bateria como
um hobby, tenho em minha casa um miniestúdio, onde, sempre que
posso, sento na bateria para tocar e relaxar um pouco. Posso dizer que
sou um baterista “meia-boca”. Primeiro, porque não tenho um cérebro
musical e nem um talento inato para a música. Segundo, por não dis-
por de muito tempo para estudar e fazer aulas práticas que possibili-
tem minha melhora com o instrumento.
O fato de eu não ter essa inteligência musical inata e ter começado
a tocar tarde, determinados ritmos e músicas são muito difíceis para
mim. Definitivamente, ganhar uma bateria quando criança não esta-
va dentro das possibilidades financeiras de meus pais, porém tenho
certeza que se tivesse tido a oportunidade de praticar o instrumento
durante a infância, mesmo não tendo habilidade e talento inatos, eu
teria me desenvolvido muito melhor com o instrumento, já que meu
cérebro, assim como na analogia da “massa de modelar”, estava pronto
para aprender e absorver o que quer que lhe fosse ensinado, e, desta
forma, mesmo não possuindo um cérebro musical, se tivesse usado
meu tempo e minhas conexões neurais em formação para o aprendi-
zado, com toda certeza hoje eu seria um baterista muito melhor, agre-
98
gando, assim, valor para algo importante e positivo para mim.
Da mesma forma, se você tivesse a oportunidade de voltar no tem-
po e estudar qualquer assunto ou habilidade que você sempre teve
vontade de aprender ou aperfeiçoar, seja tocar um violão ou falar ou-
tro idioma, você concorda que seria muito mais fácil aprender durante
sua infância do que hoje? Mesmo que você não se tornasse um expert
no assunto, muito provavelmente você teria um domínio razoável da-
quilo que hoje gostaria de saber.
Um dos grandes problemas é que temos um ambiente em que é
muito fácil ficarmos navegando de uma página à outra sem muito pro-
pósito e sentido. Como sabemos, na internet podemos ver tudo e não
aprender nada. Um ambiente onde a concentração em algo, de forma
focada e específica, pode se tornar extremamente difícil. Crianças e
adolescentes da geração smartphone têm na palma de suas mãos um
pacote enorme de informações baseado em hiperlinks que dão acesso
fácil a tudo. Múltiplas páginas e múltiplos conteúdos que fazem com
que o usuário “pule” de uma coisa para outra, da esquerda para a di-
reita, de cima para baixo ou da direita para esquerda indefinidamente
e sem nenhuma organização de leitura e absorção de conteúdo, o que
está bagunçando o nosso cérebro e criando um processamento cogni-
tivo rápido, não linear e não organizado, como é a leitura de um livro,
por exemplo, o qual temos que ler de maneira sequencial, focada e
organizada para compreendermos de forma lógica e eficiente o que
está sendo dito ou ensinado.
Percebo que mesmo eu, sendo um ávido leitor durante toda mi-
nha vida adulta, nos últimos 3 a 4 anos, troquei muito de meu tempo
de leitura por séries altamente viciantes e por meu smartphone, o que,
em termos de conhecimento útil e progresso pessoal, não me ajudou
muito (e olha que nunca tive nenhuma rede social).
* Como autor deste livro e de “O Vício do Século”, nunca falei mal da tecnologia, mas sim do
seu mau uso. E em 2022 decidi entrar para as redes sociais para divulgar meu trabalho e minha
mensagem, fazendo uso positivo desses canais.
99
Percebi que, quando voltei a ler com mais frequência, tinha difi-
culdade de reter a informação e não conseguia me concentrar como
antes. Minha capacidade de concentração parecia limitada e dispersa.
Aos poucos estou voltando a ler cada vez mais e dando cada vez me-
nos atenção para as telas. E sinto que minha capacidade de foco, racio-
cínio e interpretação estão voltando ao que era antes. É a capacidade
neuroplástica do cérebro remodelando minhas conexões neurais.
Posso dizer com toda certeza que nenhuma tela tem o poder de
estimular a imaginação e o aprendizado que a leitura de um bom livro
tem. O simples fato de lermos cada letra, vogal, sílaba, palavra exige
a decodificação e interpretação desses conjuntos de sinais que pro-
movem um exercício excelente, ajudando a manter o cérebro ativo e
saudável. Se nós, adultos, já estamos sujeitos a perder essas cognições,
fico perplexo em pensar no que estamos fazendo com o aprendizado
latente de nossas crianças e jovens. Meu Deus!
A disponibilidade de acesso à internet 24 horas por dia, sete dias
por semana, e um ambiente altamente atrativo e estimulante – com
jogos contendo múltiplos jogadores de outras partes do mundo, re-
des sociais por onde ficam sabendo de tudo que acontece com seus
“amigos” em tempo real, possibilidade de iniciarem um bate-papo a
qualquer hora do dia (ou da noite) e tudo isso sem a necessidade da
presença física – fazem com que adolescentes passem cada vez mais
tempo conectados ao seu mundo virtual e, inevitavelmente, deem
mais importância para as experiências e ao que acontece em suas vi-
das online do que para as experiências e o que poderiam realizar na
vida real.
O cérebro da criança funciona como uma esponja que absorve
tudo o que lhe é ensinado. Pense no quanto poderão se destacar e ex-
pandir essas habilidades se fizerem bom uso desse tempo e dessa ja-
nela de oportunidade. Quem é o responsável por este start? Nós! Sim,
nós mesmos, os pais!
100
Lembre-se: nada pode competir
com os encantos das telas!
Se você colocar na frente de seu filho um smartphone e dar a ele a
opção de escolher entre o mundo encantado da internet, ou uma par-
titura musical, um dicionário de inglês, um livro, etc., por qual assunto
você acha que ele vai se interessar? Com TODA a certeza, nada poderá
competir com o ambiente altamente sedutor de uma tela. Cabe exclu-
sivamente a nós estabelecer limites e incentivar nossos filhos a usarem
o tempo preciosíssimo de que dispõem agora, para adquirir conheci-
mentos válidos que carregarão pelo resto de suas vidas. Nada poderá
ser mais útil para elas quando crescerem.
- Mas diabo, por que Deus, Jesus e seus anjos me chamam calorosa-
mente para descer do muro e entrar no paraíso, e você fica aí do outro
lado calado, sem dizer uma palavra e de braços cruzados?
Ao que o diabo respondeu:
- É porque em cima do muro já é o meu lado!
101
“Não precisamos ser ricos ou superinteligentes para
que nossos filhos cresçam bem. Só precisamos ser
honestos, alegres, amigos e diretos com eles.”
Por mais difícil que seja, por mais que tenhamos que “bater de
frente”, às vezes, haverá momentos em que não poderemos ficar em
cima do muro. Teremos que nos impor e tomar partido da situação,
pois se não agirmos dessa forma, as escolhas ficarão inteiramente à
mercê de nossas crianças. E, como já vimos, elas não estão prontas
ainda para tomar as melhores decisões por si mesmas.
Nossas intervenções são mais que necessárias. Que possamos,
com todo amor e diálogo, impor nossa autoridade parental e, se ne-
cessário, buscarmos ajuda de um profissional, pois ele poderá ajudar
a construir um caminho de comunicação mais eficaz e menos con-
flituoso. Dessa forma, acredito que estaremos fazendo algo de valor
inestimável para elas.
“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” não funciona!
102
Conclusão: Infelizmente, o mundo é um lugar competitivo. En-
tão o melhor a fazer é lembrar que nossos filhos irão precisar de to-
dos os recursos intelectuais e conhecimentos quando forem encarar
os desafios da vida adulta. Seja para desenvolver um negócio próprio,
trabalhar em uma empresa privada, participar de um concurso público,
ou qualquer que seja a profissão que escolham no futuro, tudo aquilo que
aprenderem pode servir de trampolim e facilitar sua colocação e cresci-
mento pessoal/profissional mais tarde. Como já falamos anteriormente,
estamos criando uma “geração smartphone” e muitos jovens, lamenta-
velmente, não saberão fazer nada direito quando crescerem. Sem a habi-
lidade de manter o foco nas atividades e sem sequer se preocuparem com
isso, essas pessoas parecem não ter um futuro promissor.
Muitos dependerão de seus pais até que estes deem o último sus-
piro. Mas nem eu e nem você queremos isso, certo? Que tal então as-
sumirmos as rédeas da situação, estabelecendo restrições, limites e
cobrando as responsabilidades cabíveis para cada fase da infância e
adolescência? Comportamentos como: respeito aos mais velhos, ar-
rumar a cama, colaborar nas funções domésticas, manter os deveres
escolares em dia, escovar os dentes, ir para cama nos horários certos,
etc. são tarefas simples e que toda criança e adolescente pode e deve
aprender desde cedo. Só assim nossos filhos crescerão entendendo
que vivemos em uma sociedade onde temos direitos, sim, mas tam-
bém obrigações e regras a respeitar. Uma vez que esses valores estejam
incutidos em suas cabeças, eles não só os carregarão para sempre, mas
também os usarão para construírem um mundo melhor e se sentirem
mais felizes e preparados.
103
Capítulo 8
105
Os jovens são os mais “ferrados”
Se nós, adultos, já estamos suscetíveis à manipulação e à mudan-
ça de comportamento, imagine nossas crianças. Infelizmente, como
muitos especialistas têm alertado, “em se tratando dos mais jovens,
estamos ainda mais ferrados!” Algo precisa ser feito. E provavelmente
esse algo tenha que começar dentro de nossas casas, no seio familiar,
pois caso contrário, nossos filhos estarão à mercê de empresas pode-
rosas, trabalhando em formas de deixá-los viciados em seus aplicati-
vos e manipulá-los de acordo com seus interesses.
Temos outro problema que nem nós, nem as escolas, que possuem
papel importante na educação e formação de nossas crianças, estamos
preparados para resolver, que é a questão do acesso e a utilização de
internet de alta velocidade disponível 24 horas por dia. Professores e
diretores de escolas em várias partes do mundo estão enfrentando um
grave problema que é o de regular e controlar o uso desses dispositivos
em sala de aula. Com toda a certeza, é impossível para um adolescente
aprender de forma profunda algo que está sendo ensinado enquanto
recebe e responde mensagens em seu smartphone. Na Coreia do Sul,
os smartphones dos estudantes são entregues aos professores antes
das aulas e devolvidos no final do dia. Isso é feito não apenas para ini-
bir o vício, mas também para que os alunos possam se concentrar na
aula. Igualmente nos EUA, vários distritos estão proibindo o uso de
celulares em sala de aula, pois podem atrapalhar o aprendizado.71 Tal-
vez seja por isso que escolas como Waldorf School of the Península em
São Francisco, Califórnia, em pleno coração do Vale do Silício, berço
das maiores corporações tecnológicas do mundo e lar dos gurus cria-
dores dessas tecnologias, não permitem a utilização de smartphones
ou tablets em sala de aula, e ainda fazem uso do “bom e velho” qua-
dro-negro movido a giz. Enquanto isso, outras instituições de ensino
se orgulham de disporem para cada um de seus alunos um dispositivo
com acesso à internet.
106
Cabe a nós, pais e educadores, buscar todo o conhecimento e as
ferramentas necessárias para evitar esse problema. E caso ele já esteja
acontecendo, que possamos, então, saber os riscos envolvidos e bus-
car ajuda profissional para saná-lo, se necessário.
107
produto é a nossa atenção, sim, isso mesmo, a minha e a sua atenção!
Resumidamente, o que essas empresas fazem para ganhar dinheiro é
veicular propaganda enquanto estamos de olho nas telas. Se todos pa-
rassem de olhar para suas plataformas, essas empresas passariam, em
um piscar de olhos, de bilhões de dólares a zero, em valor de mercado.
Poderíamos fazer qualquer outra atividade, mas ficamos abdu-
zidos pelos likes e curtidas, e quanto mais tempo passamos olhando
para uma tela, mais propaganda elas vendem, e é essa propaganda
que gera bilhões de lucro. O que o Facebook produz de verdadeira-
mente útil para o mundo? Se você demorou para responder a essa per-
gunta, saiba que a empresa de Mark Zuckerberg lucrou, em 2020, US$
22 bilhões (sim, isso mesmo, 22 bilhões de dólares de lucro líquido) e é
a oitava empresa mais rica do mundo, avaliada em US$ 757 bilhões de
dólares. Fazendo um comparativo com outras empresas que fabricam
produtos físicos ou prestam serviços que facilitam nossas vidas, fico
me perguntando o que empresas como o Facebook realmente ofere-
cem para justificar o quanto de dinheiro ganham. Como autor deste
livro, a resposta ainda não está muito clara para mim, mas de uma coi-
sa tenho certeza: é o tempo que eu e você passamos conectados a uma
tela que faz com que o simpaticíssimo Mark ocupe a quinta colocação
no ranking das pessoas mais ricas do mundo, com uma fortuna pes-
soal de 121,8 bilhões de dólares.72
Muitas têm sido as denúncias sobre abusos e vazamento de dados
envolvendo o Facebook. Escândalos como o da Cambridge Analyti-
ca73, que veio a público em 2018 e promoveu o movimento #DeleteFa-
cebook, e o de 2021, Facebook Papers74, promovido por Frances Hau-
gen, uma ex-funcionária da empresa, que apresentou documentos ao
Congresso norte-americano sobre a falta de ética nas ações do Face-
book em relação a seus usuários e, sobretudo, aos malefícios causados
aos mais jovens, têm desgastado a imagem da empresa que acaba de
anunciar uma mudança de nome para: Meta. Penso que isso seja uma
108
manobra para “matar dois coelhos numa cajadada só”: primeiro, ten-
tar, com um novo nome, desassociar um pouco a desgastada imagem
entre muitos de seus usuários; e segundo, a empresa está investindo
bilhões de dólares na criação do Metaverso, um ambiente virtual 3D,
em que os usuários poderão fazer compras, visitar locais distantes,
entrar em maquetes 3D e até encontrar amigos, tudo por hologramas
vistos através de óculos de “realidade” virtual. A empresa está desen-
volvendo seus óculos em parceria com a gigante mundial de óculos de
sol e armações, a Ray-Ban.
Posso estar enganado, mas penso que o maior pesadelo para Mark
é que as pessoas acordem um dia e se perguntem: por que desperdiço
meu tempo no Facebook e no Instagram? E que com o mesmo com-
portamento de manada, que fez bilhões de pessoas ingressarem em
suas plataformas sem se perguntarem se realmente precisavam delas,
simplesmente possam, de uma hora para outra, acordar e sair em de-
bandada. Creio que, antevendo isso, o cofundador do Facebook está
tentando criar e oferecer um ambiente novo e “encantador” na tenta-
tiva de fazer com que continuemos dentro de sua “gaiola”, e, com isso,
ele não perca seu “reinado”. O que gostaria que você soubesse é que
essas empresas não estão interessadas no bem-estar de nossas crian-
ças e de seus usuários como um todo, seu foco é o lucro financeiro. Se
preferir, dê uma olhada no escândalo da Cambridge e no Facebook
Papers, não custa nada sabermos onde estamos gastando nosso tão
precioso tempo. Em meio a tudo isso, meu/minha caro(a) amigo(a), se
os próprios gurus da tecnologia, que ganham muito com isso, mantêm
seus filhos longe delas, o que você acha de nós fazermos o mesmo?
109
Uma carta que nunca será escrita,
mas que precisa ser lida!
Querido papai e querida mamãe, escrevo esta carta para pedir que
me façam um grande favor. Eu serei muito insistente em muitas ocasiões
e provavelmente irei pedir para vocês comprarem coisas como: celula-
res, tablets e os videogames mais irados. Eu sempre pedirei aquilo que
vejo que meus colegas e outras crianças têm, querendo imitar e seguir
o comportamento de minha “galera” para me sentir parte da “turma”.
Mas quero lembrar a vocês, papai e mamãe, que por mais que eu pare-
ça inteligente, preparado e insistente nas minhas exigências e rebeldias,
eu conto com a sua ajuda, discernimento e autoridade para me dizerem
NÃO e me ensinarem os valores da vida, pois, por mais que eu pense que
sei, eu ainda não sei!
Grande parte de nós está cada dia passando mais tempo em suas
vidas virtuais e esquecendo da vida real, e, com isso, sentindo-se solitá-
rios, deprimidos e ansiosos. Não encontram um sentido na vida e come-
110
çam a ter problemas com suas emoções muito cedo, já não sabem mais
controlar suas frustrações. O senso de vida real e o da vida virtual já se
fundiram, causando muitas confusões em suas mentes, e nunca se sen-
tiram tão solitários e deprimidos.
Peço, meu querido pai e minha querida mãe, que façam valer sua
autoridade não me dando esses dispositivos os quais peço com tanta
insistência. Em troca, peço que me ensinem o outro lado da vida na
infância, dando-me de presente o seu tempo, levando-me para brincar,
ensinando-me as brincadeiras ao ar livre que vocês mesmos faziam
quando eram crianças. Se me mostrarem que existem outras coisas que
posso fazer no lugar de passar horas e horas grudado a uma tela, depois
de alguma resistência e birra, eu cederei e poderei ver o valor do que estão
fazendo por mim. Mas se eu não puder contar com vocês nisso, então aca-
barei como meus colegas, “preso” por uma tela e muito provavelmente não
crescerei como uma criança deve crescer: saudável, ativa, alegre e feliz.
Muitas vezes afrontarei sua autoridade. Mas um dia, quando for adul-
to e tiver discernimento, serei eternamente grato a vocês, pois saberei que o
que fizeram foi para o meu bem. E que tudo que aprendi, enquanto meus
colegas mergulhavam em mundos virtuais, preparou-me muito melhor
para a vida.
Acredito, meu querido pai e minha querida mãe, que estou propon-
do algo extremamente justo. Que troquemos meu vício nas telas por mo-
mentos de atividades juntos, quem sabe você lendo estórias para mim,
ou saindo para jogar bola, ou ainda, talvez me ensinando a andar de
bicicleta e saindo para pedalar comigo. Sei que vocês têm inúmeras res-
ponsabilidades e entendo que muitas vezes estão cansados, sem tempo
e sem disposição para me darem atenção. Mas que tal vocês mesmos
deixarem um pouco seus smartphones de lado e assim passarmos mais
tempo juntos?
111
Assim, papai e mamãe, com certeza serei uma criança mais feliz.
Sei que minha vida adulta será cheia de desafios e responsabilidades,
e uma das formas de me preparar bem para isso é poder, desde cedo,
contar de forma amorosa e respeitosa com sua autoridade.
“Um dia seu filho agradecerá por todos os nãos que você deu.
Eles são bem mais educadores que os sins.”
João Kepler
Conclusão: Talvez você até desconfiasse que há, sim, algum tipo
de manipulação e influência de nosso comportamento através de nos-
sos smartphones que carregamos para todos os lugares e a todo mo-
mento. Já notou que basta falar sobre determinado serviço ou produto
perto dele para que comece a surgir propaganda de tal serviço ou pro-
duto? Mesmo que seja algo totalmente bizarro ou atípico, ele parece
ouvir nossas conversas e trazer para nós aquilo que queremos, ou que
parecemos querer. Às vezes temos a impressão de que ele até lê nos-
sos pensamentos, mostrando coisas que nem sequer falamos ainda ou
pelo menos achamos que não falamos. Ficamos com aquela “pulga
112
atrás da orelha”, pensando: “Será que ele já pode ler meus pensamentos?”
Caso isso já tenha acontecido com você, calma, não se preocupe, você
não está louco. Eu também já tive a mesma sensação inúmeras vezes.
Bom, deixando de lado um pouco da brincadeira, a verdade é que
estamos tendo a todo momento nossos dados colhidos e processa-
dos por algoritmos através de nossas atividades online. Isso tem sido
usado para nos influenciar, seja nos sugerindo uma propaganda po-
lítica ou para nos vender um determinado produto ou serviço. Cada
click, cada curtida, cada comentário, cada post compartilhado, e até
o tempo e atenção que damos para determinado assunto, deixa um
rastro de quem somos, do que gostamos e o que estamos inclinados
a pensar e consumir. Sendo assim, em muitos casos, estamos sendo
manipulados em nível inconsciente sem que sequer percebamos. Por
isso, eu gostaria de finalizar este capítulo compartilhando com você a
certeza de que quanto mais mantivermos nossos filhos esclarecidos
sobre esse tema e longe das telas, menos suscetíveis a qualquer tipo
de manipulação eles estarão. Espero de coração que você, assim como
eu, também queira que seu filho seja alguém na vida, e não cresça
um fantoche de interesses “alheios”. Certo?
113
Capítulo 9
115
Entre as principais causas para a explosão no número de procedi-
mentos cirúrgicos estéticos entre jovens de 13 a 18 anos, está a insatis-
fação com a própria imagem. Nesse contexto, temos uma boa pergunta:
este boom no crescimento das cirurgias plásticas nessa faixa etária na
última década está mais uma vez, assim como outros problemas que já
discutimos aqui, relacionado com o crescimento exponencial das mídias
sociais na mesma época?
A adolescência é um período turbulento e de muitas inseguranças.
Tanto eu quanto você sabemos bem disso, pois já passamos por ela.
Nessa fase, sofremos várias mudanças hormonais em nosso corpo, em
nosso amadurecimento cerebral, estamos tentando nos autoafirmar
no mundo e, principalmente, entre nossos pares. Na maioria das ve-
zes, passamos por um momento de muitas pressões e crises de iden-
tidade inerentes a este período, o que é extremamente normal nessa
fase da vida.
Se não bastassem todas as turbulências e pressões a que os jovens
estão sujeitos durante esse período, que normalmente se inicia com
a puberdade, agora, diante da disseminação das redes sociais, nossas
crianças estão sendo submetidas a uma pressão ainda maior por pa-
drões de beleza e aparência física totalmente “photoshopados” e ir-
reais, e o que é pior, totalmente desnecessários.
116
tidamente comprometem sua aparência. Mas prejudicar a respiração
ou retirar costelas parece um pouco exagerado, você não acha?
Quando vimos uma imagem nas redes sociais de uma pele lisa
como seda, barrigas saradas como tábuas retas ou lábios lindos e car-
nudos maiores que os da Angelina Jolie, na grande maioria dos casos,
já não conseguimos mais distinguir o que é real do que foi alterado
ou editado. Talvez seja por isso que a Noruega aprovou uma lei que
exige que influenciadores digitais não postem fotos sem dizer o que
fizeram nas imagens.77 A intenção do governo norueguês é reduzir a
pressão nos mais jovens em relação a seus corpos e como lidam com
sua aparência.
Para a norueguesa de 26 anos, Madeleine Pedersen, influenciado-
ra no Instagram, é hora de mudar as regras do jogo, para que os jovens
comecem a ver que muitas das imagens com as quais se comparam
não refletem a verdadeira realidade. Ela diz: “Há muitas pessoas que se
sentem inseguras com o próprio corpo ou o rosto. Eu mesma já lutei com
problemas corporais devido ao Instagram no passado.” E ainda acres-
centa: “A pior parte é que nem sei se as outras garotas que eu admirava
editaram suas fotos ou não. Então, todos nós precisamos de respostas,
precisamos de uma lei como essa.” Sim, eu te digo, Madeleine, elas edi-
taram. Não tenha dúvida!
Tudo isso nos mostra como esses padrões de beleza estão sendo
incutidos nas cabeças desses jovens a partir daquilo que veem na in-
ternet, sobretudo nas redes sociais, que mostram milhares de fotos to-
talmente alteradas por filtros e que não representam a realidade. Em
uma reportagem sobre uma “influencer” norte-americana famosa no
Instagram, a moça, que tem 12 milhões de seguidores, revelou: “Tenho
muitas fotos no Instagram que as pessoas pensam que são imagens na-
turais do meu dia a dia. Mas tiro centenas de fotos primeiro, depois pas-
so um tempo escolhendo quais irei postar. Após a escolha, aplico filtros,
editamos o rosto e o corpo e só depois postamos.” Resumindo gente, a
vida das redes sociais não é a vida real! Ponto!
117
“A perfeição imposta pelos meios online nada mais é do que uma
‘gaiola’ que aprisiona nossa mente, nosso corpo e nossa alma.”
Italo Fogaça
118
diz que passou a considerar a possibilidade por achar que seu corpo
estava fora dos padrões ideais de beleza e feminilidade. “Para mim, a
mulher precisava ter peitos, eu achava que era algo que eu tinha que
seguir. Hoje vejo que não tinha tanta necessidade”, conta Alicia.
Após a cirurgia, a estudante mudou de ideia sobre a importância
dos implantes. Mesmo dizendo que não se arrepende, depois de ter
estudado mais sobre o assunto, seus riscos e aprender outros concei-
tos como amor próprio e autoaceitação, ela diz que poderia ter espe-
rado mais. “Esse procedimento não me ajudou a me aceitar. Hoje, se eu
não tivesse colocado a prótese, acho que teria me aceitado do jeito que
eu era, porque, depois que coloquei, vi que o meu corpo era perfeito.”79
O resultado esperado veio somente após um ano, já que todas as
dificuldades e os cuidados exigidos pelo pós-operatório só ficaram
claros para a moça após a cirurgia. Ela recomenda, antes de qualquer
procedimento, que se estude muito e que se tenha mais de uma opi-
nião médica, pois se trata de algo muito sério, invasivo e que envolve
riscos à saúde do paciente. Ela ainda diz que se surpreende como tan-
ta gente nova está realizando esses procedimentos e se tornado parte
de uma crescente estatística de jovens que se submetem a essas cirur-
gias sem precisarem de fato.
Para o psicólogo Michel Simões, as redes sociais desempenham
um papel importante nesse processo de insatisfação, seja pelo alcance
“que elas proporcionam, quanto pelas possibilidades que elas oferecem”.
Simões acredita que o universo virtual, ao veicular a ideia de corpo e
estilo de vida perfeitos como algo real e concreto, cria padrões e ideais
de beleza que são inatingíveis. “Todo esse mecanismo dificulta a in-
tegração daquilo que se tem a oferecer e torna os recursos pessoais de
cada um insuficientes, porque aquilo que é natural, é imperfeito e, por-
tanto, diferente daquilo que se posta e compartilha.”80
Não estou aqui condenando os procedimentos cirúrgicos estéticos
em crianças e adolescentes. Acredito, sim, como já disse, que há casos em
119
que o “problema” estético pode provocar bullying, dificuldade de socia-
lização, sofrimento e diminuição de autoestima. Nesses casos, cirurgias
devem ser consideradas, uma vez que podem melhorar muito sua quali-
dade de vida.
Mas devemos refletir e ponderar sobre os casos dos jovens que
certamente não precisam de nenhuma cirurgia estética, bastando
apenas um pouco de maturidade, amor próprio e autoaceitação para
descartarem qualquer procedimento totalmente desnecessário, em
que as perdas serão maiores que os ganhos. Procedimentos fomen-
tados apenas por expectativas promovidas, sobretudo, por sua expo-
sição a padrões irreais criados nas redes sociais, por exemplo. Nesse
caso, fica claro o quanto essas redes têm o potencial de deixar nossas
crianças infelizes e, por que não dizer, os adultos também.
120
a comentar as fotos da garota, com frases e emojis engraçados e nada
ofensivos. Até aí tudo bem. A garota se sente feliz por ter sua imagem
comentada instantaneamente por um grupo de “amigos”. Mas de re-
pente tudo muda. Em meio aos comentários e emojis engraçados de
seus “amigos”, surge um post com um elefante, fazendo uma piada em
relação às orelhas da menina. Seu estado se transforma de alegre para
triste imediatamente. O que se vê em seguida é uma menina em fren-
te ao espelho olhando para suas orelhas enquanto lágrimas escorrem
de seus olhos. A partir desse momento, percebe-se que a menina en-
tra em um estado depressivo por algo totalmente desnecessário e que
com certeza não teria ocorrido se ela estivesse fazendo outra atividade
longe das redes sociais.
Sabemos que, em geral, as crianças, em algum momento, sofrerão
algum tipo de assédio (bullying), desconforto ou problemas inerentes
ao convívio com seus pares. Penso que sempre houve e sempre haverá
esse tipo de situação, até porque me parece que, desde que o mundo
é mundo, nunca deixaram de existir os valentões e idiotas de plantão.
Mas todos aqueles que viveram sua infância sem a internet sabem que
esse assédio sempre esteve restrito a um grupo relativamente peque-
no. Basicamente nossa comunidade, ambiente escolar, ambiente fa-
miliar e nada muito além disso. Em suma, um ambiente infinitamente
menor e mais controlável em comparação ao que temos hoje com essa
terra sem lei que é a internet. Nela, as coisas podem tomar rumos não
esperados e sair do controle muito facilmente.
Então, a pergunta que devemos nos fazer é: por que permitir que
nossos filhos façam parte de algo como uma rede social, que apesar
de não proporcionar nada de essencialmente positivo, de não ensinar
nada de verdadeiramente útil e proveitoso, pode instantemente mu-
dar seu estado de alegre para triste, de feliz para deprimido?
121
Por que as redes sociais estão
levando jovens a se matarem?
122
casa, vivência familiar e redes sociais. Ela gostava de acompanhar blo-
gueiras e influencers que tinham também a sua faixa etária. Seus pais,
entretanto, não perceberam que a menina estava, de alguma forma,
passando por um sofrimento emocional. Até que no dia 22 de agos-
to de 2020, o filho mais novo do casal, de 9 anos, encontrou Ana S.
sem vida dentro do próprio quarto. A família estava em choque. Sem
saber o motivo que a levaram a cometer o suicídio, os pais de Ana S.
recorreram ao celular da filha para ver se encontravam alguma repos-
ta. Eles acreditam, após verificar o histórico de pesquisas da menina,
que acompanhar as redes sociais de outras influencers tornou-se um
gatilho para Ana S. A vida considerada perfeita, a beleza mascarada
pelos filtros e a quantidade de likes e comentários positivos podem ter
diminuído a autoestima da menina, que se sentia excluída em sua vida
real. A pergunta que fica, mais uma vez, é a seguinte: se essa menina
de 13 anos de idade soubesse utilizar melhor as redes sociais, fosse
alertada sobre os riscos e tivesse um diálogo mais amplo sobre o tema,
será que ela estaria viva?
123
a oportunidade de se inserirem num mundo que está cada vez mais
digital. Ledo engano! Fazendo isso precocemente, estamos ajudando,
ainda que involuntariamente, na formação de um vício e compulsão
por todos os “encantos” que os TICS (aparelhos de acesso à Tecno-
logia, Informação e Comunicação) e a internet oferecem. E o que é
ainda pior: estamos dando de mão beijada para grandes corporações
a condição para que, desde cedo, mapeiem a personalidade e perfis
psicológicos dos nossos filhos e, com isso, possam manipular ou, na
melhor das hipóteses, influenciar o seu comportamento segundo seus
interesses. E sabe lá Deus quais são ou serão...
Não estou dando uma sentença de que isso irá acontecer. Apenas
levantando hipóteses e situações que talvez não lhe tenham ocorri-
do ainda. Mas que, sem dúvida, vale a pena pensar e refletir. Espero
que você compartilhe da ideia de que, quando questionamos o “sta-
tus quo”, evoluímos e temos a chance de expandir nossa consciência e
promover mudanças para melhor.
Nessa exposição exacerbada sem nenhum propósito e altamente
tóxica, que nada contribui para a formação de seu caráter e para a feli-
cidade genuína, o que mais me entristece é o fato de que nossos jovens
nem sequer necessitam dessas mídias sociais, e viveriam muito melhor
sem essa “pressão” imposta por aquilo que veem em suas vidas online.
Uma vida cheia de aparência, mas que é vazia de essência. Faço uma
pergunta a você: que mundo teremos se as coisas continuarem assim?
Se queremos um mundo melhor e minimamente humano, penso que
seja hora de ajudarmos na promoção de mudanças, incutindo valores
e não futilidades nas mentes e corações de nossos jovens.
124
“Uma criança feliz será um adulto
capaz de construir um mundo melhor.”
125
Capítulo 10
127
Pude constatar claramente que crianças, adolescentes e jovens,
com seus cérebros imaturos e em desenvolvimento cognitivo, estão
muito mais vulneráveis a desenvolverem esse vício e dependência.
Para agravar a situação, percebi também que aqueles que deveriam
servir de guardiões do seu bem-estar (nós, no caso) não tinham, ain-
da, o conhecimento de como essas ferramentas são programadas para
nos viciarem, e que são as crianças e adolescentes que estão mais sus-
cetíveis a isso. Então, esta obra nasceu do genuíno desejo de ajudar
esses jovens, e, por que não dizer, ajudar seus pais também a lidarem
com todas as questões problemáticas aqui abordadas.
Sugiro que você não pare por aqui, apenas com a leitura deste livro
e com minha visão do assunto. Faça suas pesquisas e aprofunde-se no
tema por conta própria. Leia outros livros correlatos que o ajudarão
a ter a paz de espírito e a convicção para tomar as difíceis decisões
que em dados momentos você terá que tomar. Lembre-se: em cima
do muro não dá...
Afinal, estamos falando de algo muito importante: o futuro de nos-
sas crianças, o futuro da sociedade e, em última análise, o futuro da
humanidade!
128
turas gerações. Se porventura você considerar essa mensagem digna
de ser passada adiante, use suas redes sociais divulgando este livro e
suas ideias para que mais pessoas tenham acesso a este valioso con-
teúdo. Sei que não se trata de uma tarefa fácil, afinal, estamos lutando
com gigantes da tecnologia. Mas assim como Davi venceu Golias, eu
o convido a não desistir, pois acredito que essa é uma luta que vale a
pena ser lutada. E para motivá-lo, deixe-me, mais uma vez, comparti-
lhar uma linda estória com você:
E o jovem respondeu:
- A maré está baixa e o sol está forte. Se ficarem aqui, elas secarão e
morrerão.
129
seguinte, voltou à praia, procurou o jovem, uniu-se a ele e começaram
juntos a lançar estrelas-do-mar no oceano.
Sei que você pode me dizer: “Italo, essa é uma batalha perdida,
a maioria das crianças mundo afora está agora mesmo trocando sua
infância por dispositivos eletrônicos e telas.” Tenha certeza de que en-
tendo você e o seu desalento. Mas se de alguma forma eu conseguir
tocar você, ou um único pai, uma única mãe, e com isso fazermos a
diferença na vida de uma criança, então, depois de investir tanto tem-
po, esforço e dedicação para escrever este livro, eu poderei, junto com
você, dizer:
130
“É mais tarde do que você pensa.”83
“Oito anos atrás, no mesmo mês, eu me tornei pai de gêmeos e co-
fundei minha empresa, Cloudability. Há cerca de três meses, a Clou-
dability foi vendida. Há cerca de três semanas, perdemos um de nossos
meninos. Quando recebi a ligação, eu estava sentado em uma sala de
conferências com 12 pessoas em nosso escritório em Portland, falando
sobre políticas de banco de horas para funcionários. Minutos antes, ad-
miti ao grupo que, nos últimos 8 anos, não havia tirado mais do que uma
semana contínua de folga. Minha esposa e eu concordamos que, quando
um de nós liga, o outro atende. Então, quando o telefone tocou, levantei-me
e caminhei até a porta da sala de conferências imediatamente.
Eu ainda estava saindo pela porta quando respondi com ‘Ei, o que
foi?’. Sua resposta foi gelada e imediata: ‘JR, Wiley está morto’. ‘O quê?’,
eu respondi incrédulo. ‘Wiley morreu’, ela reiterou. ‘O quê?! Não’, eu gri-
tei. ‘Sinto muito, tenho que ligar para o 911.’
131
em choque, disse aos policiais armados que não podia esperar mais.
Eles me permitiram espiar pela janela de vidro. Ele estava deitado em
sua cama, com as cobertas ordenadas. Parecia que estava dormindo
pacificamente.
Um dos incontáveis m
omentos difíceis deste mês foi assinar sua cer-
tidão de óbito. Ver o nome dele escrito em cima foi difícil. No entanto,
dois campos abaixo do formulário me esmagaram. O primeiro dizia:
‘Ocupação: nunca trabalhou’, e o seguinte: ‘Estado civil: nunca se casou’.
Ele dizia que queria tanto fazer as duas coisas. Sinto-me feliz e culpado
por ter tido sucesso em cada um. Minha esposa me lembra constante-
132
mente de todas as coisas que ele fez: Wiley foi para dez países, dirigiu um
carro em uma estrada agrícola no Havaí, caminhou na Grécia, mergulhou
de snorkel em Fiji, usava terno para uma fantástica escola preparatória
britânica todos os dias, foi resgatado de um tubarão em um Jet Ski, ficou
bom o suficiente no xadrez para me bater duas vezes seguidas, escreveu
contos e desenhou quadrinhos obsessivamente. E, então, ele morreu em sua
cama durante a noite.
133
Por volta das 5h40 da manhã seguinte, acordei para uma série de
reuniões consecutivas. Fiz uma viagem ao Peloton, recebi uma ligação
de analista do meu escritório em casa, uma com um colega no caminho
para o trabalho e depois no escritório. Ninguém parece tão importan-
te agora. Saí naquela manhã sem me despedir ou olhar para os meni-
nos. No final da manhã, Jessica pensou que Wiley estava simplesmente
dormindo. Ele adorava dormir, ele amava sua cama e tinha sido uma
semana longa, dormindo tarde, com atividades diurnas divertidas e
com visitas. Eventualmente, ela teve a sensação de que havia passado mui-
to tempo e entrou para checá-lo. Ele estava gelado. Mais tarde, o médico
legista calculou que ele estava morto por pelo menos 8 a 10 horas quando
ela o encontrou, indicando que ele faleceu no início da noite.
Por isso, a conclusão sobre a causa da morte foi Morte Súbita Inex-
plicável de Epilepsia. Geralmente, ela é vista como imprevisível, inevitá-
vel e irreversível quando é iniciada. Pode estar ligada a uma convulsão,
mas, muitas vezes, o cérebro simplesmente desliga. Estatisticamente,
era altamente improvável que atingisse nosso filho: 1 em 4.500 crianças
com epilepsia é afetada. Às vezes, você acaba com a estatística. Muitos
perguntaram o que podiam fazer para ajudar. Abrace seus filhos. Não
trabalhe até tarde demais. Quando não tiver mais tempo, você vai se ar-
repender de muitas das coisas para as quais você provavelmente está se
dedicando. Você tem agendado regularmente um tempo com seus filhos?
134
Se há alguma lição a tirar disso, é para lembrar aos outros (e a
mim) a não perder as coisas que importam.
Ainda não voltei ao trabalho. Portanto, se você me enviou um
e-mail ou uma mensagem, é provável que eu não tenha respondido.
Quando eu voltar, posso acabar declarando falência por e-mail. A
grande questão é como voltar ao trabalho de uma maneira que não
me deixe novamente com os arrependimentos que tenho agora. Para
ser sincero, considerei não voltar. Mas acredito nas palavras de Kahlil
Gibran, que disse: ‘Trabalho é amor tornado visível.’ Para mim, essa
linha é uma prova de quanto ganhamos, crescemos e oferecemos com o
trabalho que fazemos. Mas esse trabalho precisa ter um equilíbrio que
raramente vivi. É um equilíbrio que nos permite oferecer nossos presen-
tes ao mundo, mas não à custa de nós mesmos e da nossa família.
Enquanto eu escrevia este post, meu filho vivo, Oliver, veio pedir
tempo na tela. Em vez de dizer o habitual ‘não’, parei de escrever e per-
guntei se poderia brincar com ele. Ele ficou surpreso com a minha res-
posta e nos conectamos de uma maneira que antes eu teria perdido.
Pequenas coisas importam. Um aspecto importante dessa tragédia é o
melhor relacionamento que tenho com ele. Nossa família deixou de ter
duas unidades de dois (os pais e os gêmeos) e passou a ser um triângulo
de três. Esse é um grande ajuste para uma família que sempre teve qua-
tro cantos.
135
nheiro suficiente para cobrir a taxa do acampamento e tivemos um
leve pânico. Jessica então percebeu que a nota de US$ 100 de Wiley
ainda estava no bolso. No fim, ele gastou seu dinheiro com o acampa-
mento. Coletivamente, a família disse um grande ‘obrigado, amigo’, em
voz alta, para ele. Foi um dos muitos momentos agridoces que passa-
mos em toda a nossa vida.
‘Você trabalha e trabalha por anos e anos, você está sempre em movimento
Um dia, você diz, você vai se divertir, quando você for um milionário
136
REFERÊNCIAS
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143
Italo Fogaça é um em-
preendedor e autodidata de
várias áreas do comportamen-
to e desenvolvimento humano,
autoconhecimento, programa-
ção neurolinguística e relações
interpessoais. Começou sua
carreira de empreendedoris-
mo vendendo picolés aos sete
anos de idade; aos 10, engra-
xava sapatos; aos 13, trabalhou
como servente de pedreiro; e
aos 16, como camelô venden-
do artesanato na praia. Depois
disso, empreendeu em diver-
sas áreas, dentre elas: gráfica,
construção civil, construção
sustentável e investimentos
em reflorestamento, ações e
imóveis. Hoje dedica-se à rea-
lização de mais um de seus
sonhos: escrever livros que
ajudem as pessoas a se torna-
rem cada vez mais uma versão
melhor de si mesmas! É tam-
bém autor do livro “O Vício do
Século – Como o celular e as
redes sociais podem estar des-
truindo sua vida e seu futuro
sem que você perceba”.
10 razões para manter seu filho longe das telas
Por que crianças, que deveriam estar vivendo toda a beleza e riqueza da infân-
cia, estão agora tendo essa fase, tão bela e importante da vida, sorrateiramente rou-
bada por dispositivos eletrônicos, internet de alta velocidade e empresas tentando
fisgá-las cada vez mais cedo para suas plataformas, aplicativos e jogos?
As dez razões para você manter seu filho longe das telas são:
ISBN