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A RELAÇÃO1
PSICOLOGIA, CLÍNICA E TERAPIA DOS CAMPOS INTERATIVOS. DINÂMICA
DO CASAL À LUZ DA METÁFORA ALQUÍMICA
Editora:
A Biblioteca de Vivarum
1 Tradução livre da obra em Italiano feita pela Ms. Albertina Laufer, para fins de estudos exclusivamente
pessoais. NATHAN Schwartz Salant. La relazione: Psicologia, Clínica e Terapia dei campi interativi.
Dinamiche di coppia alla luce della metafora alchimica. Milano. La biblioteca di VIVARUM. 2002.
(SALANT, Nathan Schwartz. A relação: Psicologia, Clínica e Terapia dos campos interativos. Dinâmica do
casal à luz da metáfora alquímica. Milão: Ed. A Biblioteca de Vivarum, 2002).
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SUMÁRIO
Prefácio...........05
1. A alquimia e a transformação das relações..........08
2. Ativação da experiência de campo..........29
3. Núcleos psicóticos..........47
4. Dinâmicas do campo interativo..........79
5. O poder transformador do campo interativo..........99
6. Visão alquímica da loucura..........120
7. O mistério central do processo alquímico..........147
8. A atitude alquímica para a transformação da relação..........170
9. União, morte e ressurreição do Self..........193
10. Apreciar o mistério da relação..........223
Bibliografia..........237
Anexos ..........243
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PREFÁCIO
analisou esta ‘terceira área’ amplamente inconsciente entre os indivíduos, que foi o
seu meio para explicar o processo de transferência e contratransferência enfrentou
também os aspectos arquetípicos no paradigma científico da projeção. Certamente,
o trabalho de Jung nos ajudou a ver que é possível projetar muitos dos conteúdos
psíquicos pessoais.
Além disso, os níveis arquetípicos criam uma ‘terceira área’ que não se pode
simplesmente perceber como se tratassem de coisas, de partes projetadas em que
dois indivíduos possam cruzar-se. O arquétipo cria, então, um sentido paradoxal de
espaço, no qual o indivíduo é contemporaneamente dentro e fora, é um observador,
mas é também um conteúdo no próprio espaço. E eu percebi que a diferença de
ênfase colocada sobre a subjetividade nas relações psicanalíticas da ‘terceira área’,
deve ser considerada também uma concomitante objetividade de processos,
derivada da inclusão das dimensões arquetípicas.
Certamente, devemos ir para além da noção de vida constituída pelas
experiências internas e externas, e entrar em uma espécie de ‘terreno intermediário’,
perdido de vista há tanto tempo pela nossa cultura e do qual deriva a maior parte da
nossa transformação. Quando nós percebemos essa realidade dividida com outra
pessoa e nos concentramos realmente sobre ela fazendo-a assumir uma vida
própria, enquanto ‘terceira coisa’ nas relações, se pode verificar algo novo. O
espaço que ocupamos parece mudar, e ao invés de sermos os sujeitos, observando
esta ‘terceira coisa’, nós começamos a nos sentir dentro dela e movidos por ela.
Tornamo-nos o objeto; e o próprio espaço e os seus estados emocionais são o
sujeito.
Em tais experiências, as velhas formas de relação morrem e se transformam.
É como se nos tornássemos conscientes de uma presença muito mais extensa na
nossa relação, indubitavelmente uma dimensão sagrada. Tornamo-nos conscientes
de um sentido de unidade que permeia o estar em solidão e o estar com o nosso
parceiro. É uma unidade que parece infundir na relação um sentido de admirado
temor e de mistério. Quando esta experiência é intensa prevalece o respeito, lá onde
antes dominava o poder. Acolhe-se o temor como um sinal de que se está no
caminho certo, porque agora se está progredindo para o desconhecido, sobre um
caminho com horizontes em expansão e um desejo de ser movido pela verdade, a
partir do momento em que ela existe na relação. E caminhamos sempre para a
busca das nossas projeções e da nossa história pessoal, refletindo sobre, como se
elas constituíssem os confins que dão à experiência interativa a sua unidade e a sua
peculiaridade, evitando assim, que essa desemboque num processo de fusão com a
New Age.
Como os conteúdos arquetípicos criam uma ‘terceira área’ que não pode ser
suficientemente compreendida por meio do modelo da projeção, assim ocorre
também com os ‘núcleos psicóticos’. Tais áreas arquetípicas não podem jamais ser
reduzidas a uma soma de projeções individuais. Muitas vezes, os ‘‘núcleos
psicóticos’ jamais foram consideradas com sucesso no interior das abordagens
racionalmente orientadas para o desenvolvimento pessoal. As tentativas de reduzir
os ‘núcleos psicóticos’ a uma insuficiência qualquer no desenvolvimento que pode
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A alquimia foi tudo o que alegaram que era, aqueles que a praticaram, e os seus
propósitos continham tudo aquilo que os históricos lhe atribuíram. Estes excluíam a
transmutação dos metais em ouro e prata, a duplicação e, contudo, o aumento do peso
do ouro, a confecção de pérolas e pedras preciosas, a produção de todos os tipos de
tinturas em outras substâncias, a preparação de corantes, a produção de cada tipo de
remédio para curar as doenças das quais a humanidade sofre, e a criação da
quintessência, o fabuloso elixir que curava, rejuvenescia e prolongava a vida por séculos
[...]. Tudo isso fazia parte do aspecto prático da alquimia (1994, p. 4).
única. Esta essência, o lápis, era a base de onde tudo se originava, e se alguém
conseguisse obter um pouco, ainda que uma pequena quantidade, poderia realizar
uma importante cura e transformação. Esta crença fundamental pode ser encontrada
na Índia, na Europa, na China, no Vizinho Oriente, no Oriente Médio (especialmente
no mundo árabe), e em todos os outros lugares nos quais a alquimia floresceu
(Patai, 1994).
Enquanto as origens da alquimia se estendem até a pré-história e ao
conhecimento dos xamãs, a tradição alquímica perece ter se consolidado no Egito
greco-romano durante o terceiro ou quarto século A.C. Naquele tempo, o
pensamento grego e o estóico se fundiram para criar as estruturas basilares da
alquimia, que posteriormente foram elaboradas e refinadas durante os sucessivos
2000 anos. A alquimia começou a emergir como um corpo teórico coerente na obra
de Demócrito Mistagoge (Pseudo Demócrito) por volta do ano 200 a.C. O
pensamento alquímico se desenvolveu a partir das ideias associadas à metalurgia, à
produção de cerveja, à tintura, à produção de perfumes. Por volta do terceiro século,
as ideias alquímicas foram difundidas e conectadas com um amplo número de
desenvolvimentos afins na esfera religiosa e filosófica (Lindsay, 1970, p. 67). Antes
disso, a prática da alquimia era muitas vezes, secreta, feita escondida por medo de
perseguições baseadas sobre a acusação de falsificação de ouro e de metais
preciosos. Os primeiros autores de textos alquímicos, muitas vezes, assumiam
pseudônimos retirados de figuras da mitologia como Hermes ou Moisés, ou de
qualquer grande mestre. Esta tendência na alquimia não era só um ato de modéstia
ou de desejo de esconder-se da perseguição como falsário e contraventor. Mas
refletia o desejo presente na alquimia de conectar às suas origens e quem a
praticava a uma dimensão mítica, uma tendência que se encontra também na
prática da magia.
O lado exotérico (ou voltado ao externo) das práticas alquímicas foi
amplamente inspirado pelo pensamento grego reconhecido, que era essencialmente
aristotélico. Segundo E. J. Holmyard, estudioso da tradição alquímica exotérica,
Aristóteles acreditava que o mundo fosse constituído por uma matéria prima dotada
somente por uma existência potencial. Para manifestar-se realmente, devia receber
a impressão de uma ‘forma’, que não significava a sua forma exterior, mas também
algo que dava ao corpo a sua propriedade específica. Na cosmologia aristotélica, a
forma dá origem aos “quatro elementos”: fogo, ar, água e terra. Cada um desses
elementos é posteriormente caracterizado pela “qualidade” de ser fluido (molhado),
seco, quente ou frio. Cada elemento possui duas destas qualidades. Quente e frio,
fluido e seco constituem pares de opostos e não podem associar-se. O aspecto
principal da teoria segundo Holmvard (1990), é que cada substância é composta por
cada um e por todos os elementos. A diferença entre as substâncias depende das
proporções nas quais os elementos estão presentes. A partir do momento em que
cada elemento, prossegue a teoria, pode ser transformado em outro, e cada
substância pode ser transformada em outra qualquer, mudando as proporções dos
seus elementos. Por exemplo, na teoria de Aristóteles, o elemento fogo é quente e
seco, e o elemento água é frio e fluido. Conseguindo-se combiná-lo em um modo
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que leve à eliminação das qualidades seco e frio, se obtêm um elemento quente e
fluido, os atributos que a teoria atribui ao elemento ar. Através de processos do
gênero, a forma das coisas muda. Muitas vezes, conseguindo modificar as
qualidades e, portanto, a forma das coisas, então deveria ser capaz de transformar
qualquer substância em outra.
“Se chumbo e ouro, ambos consistem de fogo, ar, água e terra, porque não
deveria ser possível tornar as proporções dos elementos do metal ordinário e opaco,
igual à do metal brilhante precioso?” (Holmyard, 1009, p. 23). A pesquisa alquímica,
para realizar a forma justa da prima materia e os esforços incansáveis do laboratório
e comumente não concluídos, mas às vezes com sorte, e o alquimista, inspirado,
tanto quanto possível, na revelação divina e em momentos de graça, deu origem a
grande parte da história exotérica da alquimia.
Junto a esta teoria dos quatro elementos, se encontra uma base esotérica (ou
voltada ao interno) nas ideias pertencentes ao pensamento grego que se afirmaram
entre os séculos, VII e IV A.C.: (1) a ideia de um processo unitário na natureza e de
certa ‘substância última’ da qual são formadas todas as coisas; (2) a ideia de um
‘conflito de opostos’, mantidos juntos à unidade que prevalece sobre eles, enquanto
força que faz progredir o universo; (3) a ideia de uma ‘estrutura definida’ nos
componentes finais da matéria, seja que esta estrutura seja expressa por agregados
variáveis de átomos, (atomon, unidade indivisível) ou pela combinação de um grupo
de formas geométricas de base e nível atômico (Lindsay, 1970, p. 4). A este corpo
de pensamento foi agrupada a posição estóica, segundo a qual a ‘psique’ é material,
possui uma penetração mutua de alma e corpo, de physis e do mundo das plantas,
de hexis e do mundo da matéria orgânica. A física dos estóicos coerentemente
considerava todos os elementos mais sólidos ou particulares como permeados e
agrupados na infinita rede de tensões pneumáticas (Lindsay, 1970, p. 22-23).
As ideias alquímicas predominaram na Europa após os ‘séculos escuros’, e
elas criaram novas formas na cultura da imaginação que impulsionou o
Renascimento dos séculos XV e XVI. Estas novas formas de pensamento alquímico
se expressaram com vivacidade nos textos como o Rosarium Philosoforum (1550) e
o Splendor Solis (1582). O Rosarium era inicialmente um aglomerado de imagens,
como uma espécie de terço, sobre as quais se meditava. Pensa-se que o Rosarium
tenha se originado numa comunidade alemã do século XVI; ou talvez esse grupo
tenha anexado o texto às imagens, de forma que o que existe hoje é uma série de
imagens acompanhadas por comentários datados no ano de 1550. No mundo
existem numerosas coleções de Rosarium; algumas são coloridas, outras em preto e
branco, e outras coloridas em parte. A coleção mais bonita, encontrada na Stadt
Biblioteck di St. Gallen possui uma qualidade lírica digna de Picasso. Alguns destes
comentários parecem ter um sentido preciso, outros se apresentam obscuros, de
modo a nos fazer acreditar que foram adicionados ao acaso. Mas, o mais
importante, é que esta série de vinte xilografias está endereçada ao problema
principal da alquimia, a união da mente e corpo, que se adquire através do processo
da união de duas almas, ou da união de dois aspectos de uma personalidade
singular. Também o Splendor Solis, em geral datado em 1584, possui origem
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desligado daquilo que a ordem criou, salvo pelas possíveis consequências morais
das realizações criativas e tecnológicas. Não se pensa que o empenhar-se
seriamente em um experimento mude a personalidade do cientista, nem se
considera que o maior ou menor funcionamento do experimento seja consequência
dos esforços pessoais de meditação do cientista e da imaginação que o acompanha.
Esta estabilidade e autopersistência são qualidades centrais de um eu emergente
que assume a tarefa de afirmar a ordem do universo, mediante uma metáfora
causal. ‘Causa - Efeito’ é o motivo da pesquisa científica; e é essencial compreender
que os períodos precedentes - aqueles antes das grandes realizações de Galileu, de
Kepler e de Newton, com muitos outros – não seguiram aquela forma. De qualquer
modo, a abordagem alquímica, enraizada como estava no pensamento grego e
estóico, permaneceu essencialmente ‘desinteressada’ na causalidade (Lindsay,
1970). De fato, os alquimistas não tinham interesse exclusivamente no modo com
que as partes de um sistema ou os estados do desenvolvimento humano interagem
mutuamente no interior de um indivíduo, ou com outras partes do ambiente
circundante.
Assim, não é que a lógica científica seja superior àquela da alquimia,
considerada ‘primitiva’, mas se trata de sistemas de pensamento fundamentalmente
diferentes (Lévy-Straus, 1966, p. 1-34). Resumindo, o pensamento alquímico e o
científico perseguem objetivos diferentes e procuram resolver problemas diferentes.
A alquimia é uma ciência da alma, a ciência é um estudo da mudança material
durante uma sequência temporal e irreversível. A aplicação da alquimia à vida
externa, material, foi igualmente a falência das tentativas de entender o
funcionamento interno da psique, reduzindo-o a qualquer premissa materialista.
Necessita-se ainda compreender que a ciência não suplantou a alquimia. De
fato, a alquimia foi um dos interesses principais de Isaac Newton que chegou a ela
após um estudo aprofundado da química ‘racional’. Para Newton, a alquimia não era
uma aberração; segundo Richard Wesfall ‘o que ele considerou a sua maior
profundidade’ foi central no seu pensamento:
foco facilita experiências que tendem a ser impedidas pelas abordagens científicas e
pelas suas orientações sobre as partes separáveis de um processo e sobre as
projeções de um indivíduo sobre outro. A experiência consciente do campo com o
seu próprio sentido de autonomia – uma experiência semelhante a uma visão ou a
um sonho potente - é o fator primário de transformação. Um indivíduo pode ser
mudado – muitas vezes gradualmente, mas às vezes de improviso – a partir destas
‘experiências de campo’.
Eu acredito que a partir do simbolismo e dos textos alquímicos pode ser
desenhada uma ‘atitude alquímica’. Esta atitude contrasta com a atitude científica,
em primeiro lugar, porque o seu principal foco não está sobre as causas. O indivíduo
se concentra, ao invés, sobre as relações, sobre a natureza do ‘terceiro reino’ entre
as pessoas e não sobre o que uma pessoa está fazendo para a outra. Portanto, um
princípio fundamental da atitude alquímica é aquele de não ser hierárquica. Não
importa o quanto um indivíduo parece estar fazendo de negativo ou de reprovável
para outro, continua-se, portanto, a procurar o ‘casal inconsciente’ compartilhado
pelas duas pessoas. Outro aspecto de primeira importância na atitude alquímica é o
respeito pelo caos. De certo modo, o pensamento alquímico é semelhante às
recentes descobertas científicas da teoria do caos. Enquanto o caos foi ignorado
pela ciência e somente agora, de modo limitado, foi descoberto, ele sempre teve um
papel central para a alquimia. A atitude alquímica aprende a acolher e a tolerar o
caos, sem refugiar-se na razão para dispersá-lo e dissociá-lo. Ademais, a atitude
alquímica reconhece uma dimensão transcendente da existência, sem a qual o
processo de transformação não pode continuar. Em outras palavras, sem certo grau
de iluminação, não pode ocorrer transformação alguma. Portanto, a atitude
alquímica é fortemente transpessoal, sem jamais deixar de lado a realidade do aqui
e agora da relação pessoal.
Em termos gerais, a atitude alquímica e a científica focam em questões
diversas e apresentam força e fraqueza de modo complementar. É possível
compreender muito do ponto de vista causal, e seria pelo menos uma loucura
subestimar a importância do procedimento científico. Por exemplo, é necessário
considerar uma pessoa nos termos de um processo causal que inicia na sua
infância. Ele age como algo semelhante a uma condição inserida em um limite que
mantém real e com os pés no chão a abordagem imaginária da alquimia. Mas o
caminho alquímico oferece uma compreensão diferente, complementar, baseada
não sobre o que uma pessoa ‘faz’ a outra, mas sim sobre o modo com que as
pessoas ocupam um ‘reino intermediário’ da relação em si mesma e sobre o modo
com que tais relações são influenciadas pela subjetividade individual de ambas as
pessoas, bem como, das mais profundas e mais amplas correntes do inconsciente
coletivo. Através desta abordagem, se pode chegar a muitos resultados superiores
aos das abordagens científico evolutiva, especialmente quando de trata de escolher
as estruturas rígidas da personalidade e lidar com os núcleos psicóticos.
Tendo-se limitado à realidade específica do que é ‘intermediário’ ou ‘terceira
área’, que não obedece às leis causais, a alquimia falhou na tentativa causal de criar
o ouro a partir dos metais de base, de modo linear, confiável e repetível. A metáfora
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A primeira tarefa diante da qual o analista que possui mais de um paciente por dia, é
colocado, lhe parecerá também a mais difícil. Ela consiste em ter em mente todos os
inumeráveis nomes, datas, detalhes de lembranças, associações e produções
patológicas que um paciente relata no decorrer dos meses e anos de tratamento, não
confundindo este material com outro análogo, proveniente de outro paciente [...]. Se,
então, ele for forçado a analisar seis, oito ou também mais doentes por dia, uma
prestação mnemônica que consiga tal feito, despertará nos observadores externos a
incredulidade, maravilha. [...] Em todo caso, nascerá a curiosidade em conhecer a
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técnica que permite padronizar um material tão vasto. [...] Esta técnica é, invés, muito
simples. Ela rejeita [...] todos os expedientes, inclusive aqueles de fazer anotações, e
consiste simplesmente em não querer anotar nada em particular e prestar a mesma
‘atenção flutuante’ em tudo o que lhe toca ouvir. [...] Neste modo, economiza-se um
esforço de atenção em que, portanto, não se poderia perseverar quotidianamente por
muitas horas consecutivas, e se evita um perigo que é inseparável da aplicação
deliberada. De fato, assim que se propõe em manter fortemente a atenção em um
determinado nível, se começa também a operar uma seleção de material oferecido. [...]
Mas, precisamente, isto não se deve fazer. [....] Tudo o que se obtém neste modo, será
suficiente para todas as exigências durante o tratamento. Os componentes do material
que já se inscrevem num contexto estarão disponíveis para o médico também de modo
consciente, o resto, ainda desconectado e arranjado em confusão caótica, perece
submerso num primeiro momento, mas desabrocham prontamente na memória assim
que o analisado produz algo de novo com o qual tal material possa ser relacionado. [...]
(Obras, Vol. 6, p. 532-533).
humana que ele descobriu e que definiu ‘individuação’. Neste processo, a forma da
estrutura interna da psique modifica. Os indivíduos podem se tornar mais sensíveis à
vida espiritual, à sabedoria e à consciência presente no próprio corpo. Os fatores
arquetípicos, assim chamados transpessoais, tornam-se reais e funcionais de modo
criativo, e o sentido do significado e do propósito entra na vida. Jung foi grande
pioneiro ao reconhecer que o simbolismo alquímico se dirigia aos processos desse
tipo. No verdadeiro sentido da palavra, o seu trabalho ressuscitou a alquimia da
obscuridade intelectual.
Quando, há quase trinta anos, eu estudava a sua psicologia analítica em
Zurique, o trabalho de Jung sobre a alquimia era apresentado explicitamente como o
coração da sua obra. A alquimia era um espelho maravilhoso pelas suas
concepções daquele processo na psique humana em que se criam novas formas e
se destroem as velhas. Tanto nas mudanças qualitativas, quanto nos ciclos de morte
e renascimento que caracterizam a alquimia, via-se o processo de individuação
finalizado, coroado por aquela forma suprema que Jung chamou de Self. Nasceu um
número crescente de pesquisas e de investigações criativas, baseadas sobre a sua
obra, que em grande parte, citei em Jung on alchemy.
Marie-Louise von Franz, colaboradora de Jung, contribuiu com muitas obras
particularmente importantes não somente para clarificar e completar a pesquisa
pessoal de Jung, mas também para conferir aos estudos alquímicos uma forma de
coerência racional que dificilmente se iguala. Por exemplo, ela escreveu um amplo
comentário sobre a Aurora Consurgens (1996), um texto que, com Jung, atribuiu a
Tomas de Aquino e que foi publicado como apêndice a Mysterium Coniuctionis
(1963) de Jung. O seu livro Alquimia (1980), um dos numerosos trabalhos sobre o
argumento derivado das aulas que ela ministrou no Instituto Jung de Zurique,
contém uma pesquisa histórica de amplo espectro sobre as origens da alquimia e
apresenta uma análise de textos alquímicos árabes, gregos e europeus. O seu texto
Alchemical Active Imagination (1979) é um estudo preciso da atitude do alquimista
Gerhard Dorn em relação à imaginação e ao corpo.
A partir dos anos 80, Adam McLean disponibilizou numerosos textos
alquímicos em inglês, além de fornecer outros comentários iluminados do ponto de
vista oculto. Analogamente, o historiador Johannes Frabricius no seu trabalho de
seminários Alchemy (1976), compilou quase todas as imagens significativas da
alquimia, além de contribuir para uma compreensão de muitas passagens
alquímicas obscuras e oferecer uma crítica aguda às interpretações de outros.
Em relação às contribuições de outros que foram próximos a Jung, deve ser
citada uma antologia com uma introdução aos escritos de Paracelso redigida por
Jolande Jacobi (1951). E o analista Junguiano de São Francisco, Joseph
Henderson, dedicou uma notável atenção ao texto alquímico, Splendor Solis. No
Instituto Jung de São Francisco está disponível um vídeo cassete com os frutos
interessantes desta pesquisa. James Hillman escreveu amplamente sobre a
alquimia, fornecendo ensaios poéticos e inspirados particularmente nos processos
alquímicos. O seu ensaio “Silver and the White earth” (a primeira parte é de 1980, a
segunda de 1981) contribuiu notavelmente para uma compreensão do significado do
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Sol, Lua e Enxofre alquímico. Outra fonte importante para uma visão junguiana da
alquimia é Anatomy oh the Psyche (1985) de Edward Edinger, um estudo
sistemático sobre o significado para a psicoterapia das várias operações alquímicas
como a solutio e a coagulatio. Muitos ensaios escritos por junguianos tentaram fazer
uma ligação mais estreita à prática clínica e a amplificação alquímica de Jung sobre
a transferência. Particularmente “Jung’s concptions of the transference” de Michel
Fordham propõe uma reflexão sobre o estado crítico da coniunctio e da nigredo em
termos de identificação projetiva; Judith Hubback (1983) usou a imagem da
coniunctio no seu trabalho sobre pacientes depressivos; Andrew Samuels (1985)
estudou de maneira útil e inovadora o Rosarium em termos das imagens metafóricas
de interações alquímicas; The analytic Encounter (1984) de Mario Jacoby é uma
contribuição importante e de fácil leitura para a transferência como é refletida no
imaginário alquímico do Rosarium.
O meu percurso intelectual pessoal foi profundamente influenciado por muitos
de seus escritos sobre a alquimia. A primeira vez que me encontrei envolvido no
estudo da alquimia foi durante as aulas sobre a matemática da mecânica
newtoniana, que frequentei nos anos 60. Naquela época, a história da ciência
encontrava-se no início; somente poucas pessoas dedicadas ao trabalho científico
tinham consciência de que existia uma longa e preciosa história da ciência e aqueles
que estavam privados desta base cultural científica não podiam fazer grande coisa
com os textos mais antigos. Mas quando o meu professor que tinha interesse por
esta história chegou a uma referência aos estudos alquímicos de Newton,
ultrapassou-os rapidamente, considerando-os uma aberração que foi concedida ao
gênio da ciência, talvez a maior que já tenha existido. Assim como muitos outros
estudiosos, este professor associava a alquimia quase exclusivamente à loucura de
tentar produzir o ouro do chumbo, ao invés de vê-la como uma ciência espiritual da
alma, aplicada às transformações da matéria. O meu livro Narcisismo e
transformação do caráter (1982) evidencia a importância atribuída a Jung ao uso do
imaginário alquímico para colaborar na formação uma compreensão coesa do
material onírico e fantástico, seja uma abordagem de valor inestimável. Nele, mostrei
o uso do simbolismo alquímico a fim de conter e compreender o material
extremamente caótico e explosivo que parece ser parte essencial de um processo
criativo. Em um livro posterior, Borderline: visão e terapia (1989), eu utilizei de outro
modo as pesquisas simbólicas de Jung, ressaltando como o imaginário alquímico
pode auxiliar e explicar o que está ocorrendo no aqui e agora de uma sessão
analítica. Em outras palavras, ao invés de concentrar-me sobre o material onírico e
fantástico espelhado no simbolismo alquímico, me interessei em como a alquimia
pudesse explicar a complexidade do processo de transferência e
contratransferência. Sustentei que a visão imaginária é, muitas vezes, extremamente
eficaz em ajudar, tanto o analista quanto o analisando, a reconhecer as estruturas
centrais da personalidade escondidas por uma miríade de defesas utilizadas pela
personalidade borderline. Enfatizei, sobretudo, a necessidade de aprender usar a
própria imaginação para ‘ver’ as partes escondidas da personalidade, como se o
analista pudesse perceber um sonho que o analisando está sonhando, em meio aos
33
refletindo sobre como a teoria do caos pode ser útil para compreender certos
aspectos da experiência de campo.
Eu acho que o conceito de campo pode ser uma ótima representação, em
termos modernos, da ideia central dos alquimistas, aquela de ‘corpo sutil’ (Schwartz-
Salant, 1982, 1986, 1989, 1995a, 1995b). Enquanto reino intermediário entre espírito
e matéria, em que se ativa a visão imaginária em uma ‘unidade’ do processo, o
‘campo interativo’ é considerado o recipiente dos processos que dois indivíduos
podem experienciar como a sua díade inconsciente, e dos modos em que esta díade
se modifica e os modofica. No campo criado e descoberto no processo analítico
existe uma combinação de objetividade e subjetividade, como sugere von Franz em
Número e tempo (1974), enquanto não somente a subjetividade de ambos influencia
o campo, mas esse também contém as próprias dinâmicas objetivas. A alquimia nos
faz conhecer estas dinâmicas de um modo que vai além de qualquer outro recurso
de que dispomos.
Certamente, a minha ideia de campo interativo deve muitíssimo aos estudos
de Jung. O seu modelo da quaternidade define uma estrutura igual àquela dos
diagramas dos níveis energéticos da física, que indicam uma notável qualidade de
troca de informações entre as moléculas que não estão em contato uma com a
outra. Vários níveis energéticos em uma molécula podem mudar e induzir mudanças
em outra molécula. A implicação psicológica deste notável paralelismo é que as
mudanças no inconsciente do analista, por exemplo, possuem um efeito não
somente sobre o conhecimento consciente do analisando, mas também sobre o seu
estado inconsciente. O mesmo conhecimento está evidenciado no texto alquímico
Splendor Solis (McLean, 1981), que remonta a 400 anos antes, em que os estados
aparentemente separados se influenciam mutuamente em um modelo complexo de
troca de informações.
Portanto, a análise de Jung contém, mais implicitamente que explicitamente,
um modelo de campo interativo, constituído pelas subjetividades recíprocas e pelo
nível objetivo da psique. De certo modo, os seus estudos possuem dois fios
condutores: o primeiro é uma amplificação alquímica reflexiva em nível arquetípico,
e o outro é uma interpretação psicológica. Eu considero a minha formulação fiel às
amplificações e reflexões de Jung sobre as imagens alquímicas das quais se serviu,
porém, distinta do modo com que ele interprpetou o material alquímico nos termos
da análise das projeções.
sujeito e objeto, um estado em que o problema sobre quais conteúdos estão sendo
experimentados, não se pode determinar. E, caso o analista procura fazer uma
diferenciação em estados de propriedade individual dos conteúdos, concentrando-se
no campo em si, introduz uma qualidade de Unidade na sua experiência que mostra
o quanto tal diferenciação, seja de natureza limitada e dependente de qualquer
teoria evolutiva subjacente, foi introduzida implicitamente no encontro.
Uma fusão sujeito-objeto era uma parte essencial do processo alquímico.
Porém, as numerosas abordagens alquímicas para a compreensão da vida da alma
e das suas relações com o corpo e a matéria contrastam, de modo significativo, com
as nossas abordagens modernas. Particularmente significativa é a existência da
alquimia sobre o fato de que o indivíduo é uma parte inseparável e uma unidade
maior. A alquimia não concebe um ‘eu observador’, considerado como um ser
separado e consciente que ordena a matéria. É, invés, através da imaginação que o
alquimista medita sobre seus experimentos, vê os seus processos e prova a sua
verdade ou a sua falsidade, na convicção de que esta imaginação está conectada a
uma Unidade maior. E como o alquimista faz parte desta unidade, as mudanças
químicas que ele tenta fazer surgir serão influenciadas por ele e, por sua vez,
influenciarão o desenvolvimento da sua personalidade, enquanto faz parte da
transformação dos seus metais. Se ele não conseguir alcançar um estado em que
possua as estruturas que transformam todas as várias espécies do caos que, de
outro modo, demoliriam e degradariam a sua vida espiritual, a sua imaginação e o
conhecimento do próprio corpo, como poderia o alquimista criar modificações
consideradas duradouras?
Esta aparente confusão entre os próprios processos pessoais e aqueles que a
ciência insiste em considerar processos diferentes, tanto que se desenvolvem no
mundo material ou que envolvem outros indivíduos, pode ser difícil de considerar útil
para alcançar a transformação da estrutura. Mas se reconhecemos que a alquimia
era um Universo em que funcionavam as ‘terceiras áreas’, normalmente não
observadas, muitas vezes como intermediárias entre o experimentador e os seus
objetos, e que tais áreas eram elas mesmas os objetos da transformação, então
essa confusão pode ser vista de um modo muito mais interessante. O mundo
‘intermediário’ do alquimista era um reino do corpo sutil, áreas que não eram nem
materiais, nem mentais, mas participavam em ambos os aspectos. O historiador da
antiguidade e do oculto, G. R. S. Mead, observou que o ponto central da alquimia
não era a transformação da matéria ordinária, como o chumbo, em ouro, mas a do
corpo sutil (1919 1-2).
A mente do alquimista era imersa na fusão do sujeito e objeto que constitui a
essência da relação e que age no coração da psicoterapia. Quando dois indivíduos
entram em relação, eles o fazem em diversos níveis, tanto consciente quanto
inconsciente, e interações significativas envolvem esses níveis em que as suas
psiques inconscientes se fundem de modo que a separação sujeito-objeto se torna
pouco clara. Assim, o analista que luta com sentimentos, imagens, afetos,
pensamentos causais e misteriosos impulsos que fazem parte do seu trabalho com o
analisando, pode se beneficiar dos esforços daqueles que dedicaram as suas vidas
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ao estudo das leis que governam os fenômenos ilusórios, mas penetrantes e plenos
de poder. O analista e o indivíduo interessado que conseguem entrar nesses
territórios intermediários, podem começar a considerar as palavras e as imagens
alquímicas como sérias tentativas para descrever os esforços da psique
contemporânea e podem encontrar nessas palavras e nessas imagens os insights
convincentes e úteis à análise. Também descobrirá que as forças com as quais se
encontra, não somente transcendem as dimensões do seu corpo e da sua mente,
mas também impregnam e organizam as percepções e os pensamentos de toda a
cultura.
A conexão entre o processo humano e o material, que foi tão essencial para o
alquimista, não era necessariamente um resultado de uma confusão sujeito-objeto,
fundada sobre a projeção inconsciente. Como uma experiência de campo, em que
ambos os indivíduos compartilham os mesmos conteúdos, pode ser erroneamente
considerada como uma confusão sujeito-objeto, uma polaridade desencadeada pelo
zelo obsessivo de possuir uma sã identidade do ego, assim também as atitudes
alquímicas podem parecer primitivas e terrivelmente inconscientes.
O historiador da alquimia Jack Lindsay dá uma explicação da natureza
‘intencional’ do modo com que o alquimista enfrenta a si mesmo com a matéria
sobre a qual trabalha:
Enquanto eu estava caminhando por este sinal que não conseguia decifrar, ouvi
uma forte voz que gritava: ‘Homem, vai embora daqui antes que todos os portões
sejam fechados; está se aproximando o momento do encerramento’. Tremendo
pelo medo de que fosse muito tarde para deixar aquele lugar, eu saí. Quando
ultrapassei todos os portões, encontrei um velho de beleza inigualável.
‘Aproximando-se, disse-me, o homem do coração sedento por esta ciência. Eu te
farei compreender muitas coisas que te parecem obscuras e te explicarei tudo o
que está escondido’. Aproximei-me do velho, que me segurou pela mão e ergueu
a sua na direção do céu. [...] Eu elevei um louvor a Deus que tinha me mostrado
todos [os segredos da sabedoria] e que me manifestou todos os segredos da
ciência.
Enquanto eu me encontrava naquele estado, o animal de três corpos, cujas partes
devoravam-se, gritou com voz estranha: ‘Toda a ciência pode ser aperfeiçoada
somente por mim, e é em mim que se encontra a chave da ciência (...)’.
Ouvindo essas palavras, o velho me disse: ‘Homem, vai procurar aquele animal,
dá a ele uma inteligência no lugar da sua, um espírito vital no lugar do seu, uma
vida no lugar da sua; então ele se submeterá a ti e te dará tudo o que necessitas. ’
Enquanto eu perguntava como haveria de fazer para dar a alguém uma
inteligência no lugar da minha, um espírito vital no lugar do meu, (...) o velho disse:
‘Pega o copo que é como o seu, coloca nele o que acabei de te dizer e entrega a
ele’. Eu fiz como o velho tinha ordenado e agora adquiri toda a ciência, completa
como Hermes tinha escrito (apud Lindsay, Lima, 1950-51).
serviço dos novos ideais encontrados. Eles não eram mais os mesmos, nem para si
mesmos, nem para aqueles que os conheciam antes: tinham sofrido uma mudança
qualitativa.
A experiência da iniciação perece central para a formação das ideias sobre a
alquimia. Lindsay afirma que toda a abordagem dos alquimistas sobre a
transformação da substância baseava-se sobre o conceito de iniciação:
Não são ritos de puberdade no nível tribal; não constituem sociedades secretas
com fortes ligações recíprocas; ser admitido, em grande parte, não depende do
sexo ou da idade e não tem aparente mudança de status exterior para aqueles
que se submetem a tais iniciações. Da perspectiva de um participante, a mudança
de status tem efeito sobre a sua relação com um deus ou uma deusa (...), é uma
mudança mental através da experiência do sagrado. A experiência permanece
fluida; diferentemente das típicas iniciações que provocam uma mudança
irrevogável, os antigos mistérios, ou para eles ao menos parte dos seus rituais,
poderiam ser repetidos. (1987, 8)
Burkert evidencia também que fazer parte de um mistério era uma escolha
muito pessoal e por nada obrigatória. Muitos seguidores do culto não eram iniciados,
assim como muitos que praticam hoje as religiões não possuem uma experiência
direta do sagrado. Segundo Burkert, nem todos aqueles que foram iniciados se
transformavam, e nem todos mudavam da mesma maneira:
O famoso ditado que ‘muitos carregam o bastão, mas poucos são sacerdotes de
Baco’, perece indicar que (...) ‘ser tomado por deus’ é um evento que acontece de
modo imprevisível, e provavelmente, somente para poucos indivíduos especiais
(...). Proculo escreve o que segue sobre as iniciações: elas criam uma participação
nas almas com os rituais de uma forma que nos é incompreensível e divino, de tal
modo que certos iniciados são afetados por pânico, repletos de temor sagrado;
outros se assemelham aos símbolos sagrados, perdem a própria identidade,
tornam-se familiares com os deuses, e fazem experiência da possessão divina’. O
próprio fato de que as reações descritas não sejam uniformes, mas variam desde
a perplexidade até a exaltação, indica que esta não é uma conjectura livre
40
baseada sobre postulados, mas uma descrição de tudo o que foi observado:
(participação) de almas e de rituais, uma forma de ressonâncias que não se
verifica em cada caso, mas que, quando acontecem, afastam profundamente ou
mesmo quebram aos pedaços os constructos da realidade. Não conhecendo os
rituais e não podendo reproduzi-los, não somos capazes de recriar esta
experiência, mas podemos reconhecer que uma vez existiram (1987, 112, 114).
misterioso ponto de partida da sua obra. Por outro lado, os textos falam da prima
materia como causa, mas outros textos, entretanto, claramente a definem como
sabedoria e iluminação divina. Procurando fixar o significado da prima materia,
pode-se concordar com o que escreve Jung:
Ninguém nunca soube em que consiste esta prima materia: Os alquimistas não
sabiam, e nenhum encontrou o que realmente entendiam, enquanto se trata de
uma substância do inconsciente (1988, vol. 2, par. 886).
NÚCLEOS PSICÓTICOS
NATUREZA DA LOUCURA
Quando o Eros, que representa o poder que nega amor e sexualidade, cede
aos instintos destrutivos, o que equivale à morte da estrutura e à regressão às
45
irrepreensível”, ao ponto de fazer com que os adeptos percam a razão (Jung, Obras.
vol. 14, p. 358).
Por núcleos psicóticos, compreendo aqueles aspectos da psique que não
estão contidos no eu e aos quais a função autorreguladora da psique lhes falta. O
‘eu’ representa os aspectos do “Self”, a mais vasta totalidade da personalidade, que,
falando metaforicamente, foram integrados na constituição, tanto de um centro,
quanto de um círculo de contenção do eu. Esta experiência de contenção se amplia
com a integração da personalidade. Mas as partes psicóticas da personalidade,
como as águas caóticas de todas as culturas tradicionais, beiram sempre esta
estrutura do eu, no melhor dos casos, como um fenômeno de fronteira e, no pior dos
casos, sempre ali a se intrometer e a esmagar cada sentido de contenção percebido.
Estas águas caóticas, as partes psicóticas da personalidade, fazem parte do Self: e
possuem sempre um papel crucial para a transformação e a regeneração.
Quando a instância psicótica é animada pelo trabalho analítico, manifesta-se
uma transferência que possui uma afinidade com a descrição de Harold Searles, de
transferência psicótica com os analisandos esquizofrênicos. A transferência
“deforma ou impede um relacionar-se entre seres humanos saudáveis, distintos e
vivos, entre o analisando e o terapeuta (Searles, 1965, 669). A diferença entre a
transferência psicótica no indivíduo esquizofrênico e a constelação desta
transferência em uma pessoa não psicótica é uma diferença estrutural e de nível. O
esquizofrênico desconhece a instância psicótica, enquanto o núcleo psicótico é,
parcialmente, mantido fora pelas defesas da divisão.
Geralmente, os núcleos psicóticos que possuem uma causa perceptível, são,
muitas vezes, mais compreensíveis pelos estados mentais psicóticos com os quais
se faz experiências quando da interação com indivíduos esquizofrênicos. Um
analista pode trazer à tona os estados internos psicóticos, de condição borderline,
nos quais os opostos são mantidos separados por defesas de divisão. Nestes casos,
um fluxo de material emotivo feito de desespero, raiva, estados de pânico,
ansiedade e sentimentos de abandono, podem engolir o indivíduo quando a
separação dos opostos vier a faltar. Mas, enquanto as áreas de loucura podem
então predominar, o quadro global pode se tornar significativo reconhecendo que
estes estados são um resultado do terror do abandono. Existe outro aspecto que, a
uma extremidade, apresenta leves estados caóticos de natureza borderline. Então,
existe uma zona intermediária na qual o processo psicótico possui menos conteúdo
– particularmente nas desordens esquizóides em que o núcleo psicótico pode
manifestar-se nos opostos que não se dividem, do mesmo modo relativamente
estáveis, e em que um núcleo psicótico pode estar muito escondido. Então, na
extremidade oposta do espectro, encontra-se a esquizofrenia, na qual, muitas vezes,
falta uma separação dos opostos, o que leva a uma fusão dos estados incompatíveis
e a uma sensação de excentricidade. Esta sensação de excentricidade, de
extravagância, de estranheza, acompanha-se pelos processos psicóticos, também
nas pessoas não psicóticas, e esta característica particular do processo psicótico é
um aspecto central na contratransferência que, muitas vezes, leva o analista a
47
Além do tema geral do seu poder transformador, o analista tem uma razão
específica para assumir estas áreas como uma prima materia. Nos anos da primeira
infância, alguns indivíduos viram que um ou ambos os seus genitores eram ‘loucos’.
O genitor não era necessariamente psicótico de modo evidente - ainda que isso
pudesse acontecer e fosse negado pelo sistema familiar - mas a criança preferiu ver
de modo imaginário, atrás das cenas, que o genitor era guiado por forças fora do
seu controle, ou que se retirava e estava completamente ausente, ainda que agisse
como se estivesse presente e mentalmente são. Esta psicose não se desencadeava
necessariamente por todo o tempo, mas era uma presença angustiante que a
criança avistava em segundo plano, ou ainda se manifestava ocasionalmente
quando o objeto genitorial sofria um deslocamento temporário da personalidade,
como por exemplo, através do uso de substâncias como o álcool. A psicose
genitorial podia desencadear-se assumindo a forma de abuso físico e sexual, mas
quando as áreas psicóticas dessas figuras genitoriais não agiam de tal forma como
abertas e devastadoras, comumente se manifestavam na modalidade mais sutil e
insólita.
Por exemplo, um pai deu a permissão para que o filho dirigisse o seu carro,
mas insistiu para que não usasse o rádio. O filho, naturalmente, usou, e toda vez
procurava sintonizá-lo no modo como tinha encontrado; todavia, o pai sabendo que
ele sempre ligava o rádio, se enfureceu. Essa história poderia lembrar simplesmente
a representação de um comportamento extremo. Mas significa muito mais: o jovem
sabia que naquelas ocasiões o seu pai ficava ‘completamente’ fora de controle,
verdadeiramente louco. Sabia que a loucura estava sempre latente nele,
manifestando-se em vários modos que poderiam sempre ser redimensionadas,
como simples exemplo do seu rigor.
Em outro exemplo, o pai de um homem insistia para que os seus filhos,
entrando em casa, limpassem cada vez, imediatamente os próprios calçados,
mesmo quando ainda tinham somente três anos de idade. A veemência e a violência
do seu pai aterrorizavam, tanto ele, quanto seus irmãos, pelo medo de não serem
perfeitos na higiene dos calçados. Todavia, o pai estava bem adaptado, amava a
sua comunidade, e somente quando bebia demais se mostrava abertamente
aterrorizante e fora de controle.
Poder-se-ia fornecer muitos outros exemplos sobre o modo como a psicose
de um objeto genitorial é uma presença escondida, sempre amedrontadora,
manifestando-se ocasionalmente, com um comportamento controverso que, na
maioria das vezes, tende a ser normalizado pelo outro genitor. Como resultado
disso, a visão da sua psicose, por parte da criança, teve que ser dividida.
Quando pessoas desse tipo empreendem um tratamento, evidenciam vários
níveis de associações, que aparecem, muitas vezes, nos sonhos ou são percebidas
intuitivamente como imagens de uma criança dissociada do estado normal do ego
da pessoa. Normalmente, a ‘criança’ fica eternamente amedrontada. É muito fácil
presumir que tais indivíduos foram vítimas de abuso incestuoso, enquanto o seu
comportamento traumatizado pode ser o mesmo de quem sobreviveu a um abuso.
Mas esta explicação pode ser somente uma abordagem apressada à qual nos
50
podem ser totalmente ilusórias, mesmo sem ser excêntricas. Mas nos
esquizofrênicos são excêntricas. Um indivíduo afetado pela psicose
maniacal pode se sentir como se estivesse criando o mundo, e aquilo que
pode ser entendido como o resultado de graves sentimentos de
inferioridade que ele está procurando compreender. Nijinsly durante uma
crise esquizofrênica: ‘Uma vez andei de passagem e me pareceu ver
sangue sobre a neve. Segui os traços de sangue e percebi que alguém, que
ainda estava vivo, tinha sido assassinado (Sass, 1992, 17).
51
Está acontecendo uma festa oferecida por um casal enraivecido que está para se
divorciar. A festa celebra o fato de eles estarem juntos, por um ano.
Aqui, a contradição não é tão forte como aquela que encontramos na ilusão
de Nijinsky, e se apresenta em um sonho. Mas a contradição existe como modelo
inconsciente que confere um sentido excêntrico às comunicações da paciente.
Muitas vezes, as imagens oníricas desprovidas de sentido, podem assinalar uma
área psicótica, como no caso de um homem que sonhou com um mamilo que se
desenvolvia em seu bezerro. Obviamente, caso se consiga encontrar um significado
em tais imagens, elas deixam de ser excêntricas e não indicam mais a presença de
um processo psicótico. Mas seria ingenuidade supor que tais possibilidades fossem
as regras, ao invés da exceção. Este tipo de suposição pode ser uma resistência
contratransferencial para ver claramente que um analisando pode ser
completamente psicótico e ser estranho. Geralmente, o analista deve sintonizar-se
com a falta de significado que uma imagem parece possuir, mas, ao mesmo tempo,
deve perceber que esta ausência de significado é uma função da sua própria psique
e da interação com o analisando. Porém, no trabalho analítico, tudo o que o analista
pode oferecer é a própria perspicácia e a própria subjetividade. Todavia, é próprio
desta condição limitada que pode emergir a verdade para o analisando.
Outro homem sonhou com uma criatura serpentiforme de cores branco e
marrom, que se desenvolvia ao lado de seu pé esquerdo. Uma mulher sonhou com
três seios que cresciam nas suas costas. Num outro exemplo que indica a grave
dissociação que, muitas vezes, acompanha o processo psicótico, um homem
sonhou que se encontrava em uma ilha e que, de repente começou a ser invadida
por milhares de criaturas semelhantes a touros em miniatura. Ele acordou
impregnado pelo terror, seguido de uma regressão que durou seis meses. Só então
conseguimos voltar às imagens psíquicas violentas que foram apresentadas a ele.
52
EXPERIÊNCIAS PSICÓTICAS
só, esta área, enquanto esta interferiu com sua vida diária. Por um breve instante,
ele tinha perdido o sentido de quem eu era, e passou a acreditar que eu fosse a sua
mãe. Quando readquiriu o sentido de quem eu era realmente, amedrontou-se. Ficou
claro que o seu processo dissociativo, que destruía literalmente a sua capacidade de
pensar, era uma defesa contra este estado mais excêntrico em que os objetos
perdiam a sua realidade quando eram absorvidos pela sua imagem materna interior.
Confrontando ativamente estas áreas psicóticas, gradualmente emergiu um sentido
de contenção e os seus estados psicóticos diminuíram.
Geralmente, estes níveis caóticos da experiência passam com o tempo, caso
contrário, permanecem como uma espécie de presença que cria uma incerteza no
interior na interação analítica, no sentido de uma falta de ‘estar presente’ em ambos
os participantes, ainda que seja possível levar adiante um diálogo, podendo-se
interpretar sonhos e levar em consideração outros eventos externos. Existe um
aspecto destes estados que se estende por uma forte perturbação na mente do
analista, de modo a impedir o foco durante a sessão, inclusive a perturbação de
menor importância, representadas por uma espécie de incerteza, no interior da qual,
muitas vezes se consegue, igualmente funcionar. Esses estados são sintomáticos
de uma área de loucura, da qual se defende melhor do que na psicose, mas a
loucura continua a dominar o campo interativo e pode ser prontamente afastada,
tanto pelo analista, quanto pelo analisando. O analista pode fazer o apelo ao lado
mais racional do analisando, de modo semelhante a um cientista que tende a
procurar nos sistemas físicos a regularidade em vez do caos.
A natureza da área de loucura é muito efêmera e difícil de entender e de reter
na própria consciência. Por exemplo, uma analisada que tinha sofrido por toda a
vida perturbações esquizoides, estava apresentando o seu problema em uma
sessão analítica de grupo. Em certo momento, um dos participantes do grupo lhe
perguntou onde se situava a sua raiva no quadro que estava apresentando. “Não
posso ocupar-me agora” respondeu Nell, como se não pudesse suportar alguma
interrupção na sua apresentação. Como resposta, outra pessoa do grupo comentou:
“Quando tu dizes assim, eu me sinto de qualquer modo desvalorizada, é como se tu
tivesse assumindo completamente o controle, e verdadeiramente, não sei o que
aconteceu”. Então, outro acrescentou:
vezes em que ela tinha dito: “Não posso ocupar-me agora”. Naquelas ocasiões, por
um instante, eu senti um estranho desconforto porque ela tinha assumido o controle,
mas eu o tinha afastado no contexto do seu simultâneo pedido de “andar adiante” e
de não ocupar-nos com qualquer problema que se apresentasse. Não me dei conta
do quanto o seu comentário fosse estranho. Por um lado, ela parecia justificar-se por
ser tão débil ao ponto de perder facilmente o fio do quanto estava dizendo; por outro
lado estava pegando nas mãos a situação e determinando o que seria ou não seria
discutido. Mas o comportamento de Nell evidenciava mais do que uma simples
incoerência entre fraqueza e força, entre o seu baixo tom ‘não posso ocupar-me
disso’ e a sua atitude de assumir o controle, de ‘afastá-lo’.
No grupo, quando eu concentrei a atenção sobre o seu pedido de “andar
adiante”, algo em relação a ela e àquilo que estava dizendo não era considerado,
nem facilmente metabolizado. De fato, prevalecia um sentido do excêntrico. Senti
que uma parte da sessão em questão estava sendo anulada e em seu lugar estava
sendo evidenciado um espaço vazio. Mas, se como grupo, nós simplesmente
andávamos adiante como ela desejava, eu sentia que algo não estava sendo
digerido, como se uma pedra estivesse sendo engolida. Porém, todos nós
perecíamos sentir, sobretudo, o desejo de que esta sensação embaraçosa, e a
qualidade do vazio mental que a acompanhava, simplesmente passassem.
Enquanto estávamos todos procurando recompor, não somente o que as duas
pessoas do grupo anteriormente citado, tinham sentido no comportamento de Nell,
mas também os nossos sentimentos e os nossos estados de ânimo, Nell afirmou
que se sentia muito forte ao dizer coisas que afastavam os outros. Acrescentou que,
sobretudo, naqueles momentos, sabia de ter duas partes dentro de si: uma menina
amedrontada, e a outra, uma adulta muito forte.
Quando ela conseguiu expressar esta ideia, o sentido irritante de estranheza
e também toda a recordação da confusão do momento anterior começaram a
dissolver-se. Ora, pelo que parecia, ela tinha explicado o que lhe acontecia e
novamente poderíamos andar adiante. Todos nós podíamos perceber que
tendíamos a não querer saber, em que modo, nem queríamos indagar mais. Mas
quando o sentido de estranheza começou a escapar, eu consegui agarrá-lo, como
se um espírito evanescente estivesse zombando de todos nós e, ao menos naquele
momento, não tivesse conseguido fazer estragos. As reflexões iniciais dos dois
participantes tinham preparado o terreno para compreender este espírito rude,
mesmo que eles agora estivessem felizes por ter se livrado dele, tão desconfortável
e estranha a qualquer esquema conhecido, foi a experiência de grupo com Nell.
Lutando com a consciência, um momento antes, eu consegui fazer emergir o
meu sentido de desorientação. Então eu percebi que não se tratava somente do fato
de que Nell tivesse dois aspectos – uma menininha amedrontada e outra forte, plena
de poder. O estranho mais do que estas duas qualidades fossem fundidas em uma
única unidade. Esta fusão de poder e de onipotência, de fraqueza e de controle total,
de fragilidade e de estrutura férrea, de necessidade e de recusa completa da
necessidade, tinha assumido o controle do momento. E que estes opostos não se
combinassem nem se separassem, tornou-se muito estranho. Emergia, então, uma
65
Consegui lutar com esta confusão de modo quase heroico, empenhando-me para
vencer o meu estado mental caótico e discernir no processo em que ele estava, mas
me pereceu falhar miseravelmente. Decidi, então, concentrar-me, sobre o que,
naquele momento, estava acontecendo na minha mente e percebi que ela perecia
estar fraturada. Assim, lhe pedi, se por acaso, ele estaria sendo submetido a
qualquer tipo de ataque interno, e se a sua mente esttaria fraturada em pequenas
partes que criaram desordens enquanto ele falava. Ele rapidamente reconheceu
este ataque interior, perguntando-se como eu poderia sabê-lo, e admitindo de
envergonhar-se desta experiência, muitas vezes, crônica.
Assim, ao menos eu tinha percebido que entre nós existia um estado muito
caótico, que seguramente governava com frequência os seus processos mentais. A
este ponto, dei um passo adiante pensando dentro de mim sobre quais estados
mentais opostos estariam presentes no seu estado caótico. Na fragmentação e no
vazio mental dominantes, eu teria conseguido distinguir os opostos? Fazendo a
pergunta diretamente a ele ajudou a tornar menos caótico, e ele começou a pensar
em uma relação que teve tempos atrás.
Agora ele poderia fazer uma associação com os estados opostos que
aconteceu com uma moça do seu passado: depois que tiveram uma violenta
discussão, ficaram excitados sexualmente e fizeram sexo. Mas não foi muito simples
porque o sexo e o estado amoroso que experimentaram por um momento
desgastou-se rapidamente. Foi como se o ódio que ele sentiu tivesse estragado
rapidamente o Eros emergente. Então ele fez uma associação com condições
semelhantes verificadas com sua mãe. Não tinha jamais sentido realmente um amor
que fosse simplesmente amor. O amor que tinha sentido era, em vez, corrompido,
sem valor e indigno de ser considerado um sentimento positivo. Assim, perguntando
sobre os opostos, emergiu uma espécie de ordem. Agora eu podia concentrar-me
sobre ele e ele sobre mim. Tinha ainda certa confusão, mas certamente não aquela
do início. Assim que ele se tornou mais mental nas suas reflexões, retornou o
sentido do caos entre nós. A experiência do caos tinha esta periodicidade, uma
periodicidade previsível no sentido de que seguia a cada cisão mente-corpo.
De certo modo, ele tinha adquirido uma espécie de contenção da sua
experiência. Os opostos existiam, mas enquanto ele se encontrava em uma parte,
por exemplo, sentindo amor, podia rapidamente e improvisadamente saltar para
outra parte, cujo amor e ódio se fundiam. Depois, podia faltar ao sentimento
somente de ódio, recordando-se, por exemplo, de certas experiências infantis, e
emergia maior ordem e também o sentido de conexão - o Eros entre nós - e depois
quando este desaparecia, um retorno à confusão. Talvez nós estivéssemos, para
usar uma linguagem da teoria do caos, em uma atração anômala? Cada rápida
mudança na minha atenção fazia com que a ordem existente, qualquer que ela
fosse, se ofuscasse e se modificasse. Todo o processo tinha necessidade de um
êxtase. Mas tinha uma forma, ainda que devesse ser continuamente descoberta.
Esta área psicótica do analisando tinha o efeito de denegrir fortemente a
sua atividade de agente da bolsa de valores, e tê-la identificado e começar a contê-
69
se, de qualquer modo, parecia uma necessidade absoluta. Enquanto, para muitas
pessoas, ganhar podia ser um ato de separação, para ele poderia significar a sua
submissão.
Nem sempre as partes psicóticas podem estar integradas, nem aceitá-las
leva invariavelmente a um Self integrado. Esta seria uma atitude excessivamente
otimista como é demonstrado no exemplo que segue:
Um homem, com muitos anos de análise junguiana sobre as costas, que por
anos tinha sofrido de abuso sexual e agressões por parte do seu pai, tinha, muitas
vezes, notáveis sonhos com o Self. Em uma sessão me contou um sonho muito
inquietante:
Devo estudar, observar e cuidar de uma mulher que é louca - faz coisas que os
outros não fariam. Tem um sentido de grande seriedade. Devo perceber que ela
chega sã e salva da outra parte porque é louca e ousada. A sua ousadia reside na
sua loucura.
‘querer saber’ algo em relação à sua raiva contra o pai ou à sua raiva contra mim na
transferência, e de abrir-se ao ‘não saber’. Havendo esta intenção, emerge uma
nova percepção que eu chamarei ‘ter a visão’ dos processos na sua área psicótica.
O analisando não só odiava e queria matar seu pai, mas influenciado pela sua área
psicótica acreditava ter realmente assassinado seu pai. Estava desvelando-se um
profundo segredo dentro dele: ele era um assassino, não somente um homem pleno
de raiva, desejoso de eliminar seu pai.
Parecia-me muito difícil vê-lo como um assassino. Mas era absolutamente
necessário para ele que eu o víssemos assim e compreendêssemos que ele
carregava este segredo obscuro e que tinha organizado a sua vida de modo a evitar
vê-lo ou de que alguém o visse. Esta percepção foi acompanhada pelo sentimento
de que, para o momento, ele tinha se tornado estranho para mim.
Neste caso, a diferença entre a cisão psicótica e a dissociação neurótica fica
evidente. O conteúdo psicótico, isto é, ter matado efetivamente seu pai, não era
defendido por uma distorção neurótica. O conteúdo psicótico pertencia mais a um
nível profundo, mais primitivo - que os alquimistas representavam como as águas
inferiores da Fonte Mercurial, a primeira xilografia que ilustra o Rosarium
Philosophorum.
Enormes dificuldades nascem em decorrência desse tipo de associação. Por
exemplo, torna-se possível crer que casos de violação física parecem reais às
vítimas simplesmente por causa de tais deformações interiores, psicóticas. Por isso,
para este analisando, o ‘seu assassinato’ do pai seria um segredo real quando se
tornasse num verdadeiro assassino. Do mesmo modo, o incesto psíquico pode
ocorrer para a vítima igualmente real a um incesto efetivo. Por isso, tanto o
analisando, quanto o analista, podem facilmente entrar em confusão com relação ao
que efetivamente aconteceu. Pode-se, portanto, dizer que o que conta é a fantasia
interior, a partir do momento que isso é tão poderoso. Infelizmente, uma redução do
gênero não é útil, pois se algo ocorreu realmente e fora negado, os eventos se
instalam em uma área psicótica: o indivíduo é impulsionado a sentir-se louco.
Necessita, então, recapturar tanto quanto possível a percepção autêntica, bem como
a história, com a finalidade de reduzir o poder da área psicótica e a necessidade de
defesa da cisão que continuamente enfraquecem o indivíduo.
Eu sempre tinha visto aquele homem como competente, colaborativo, aberto
e corajoso. Todavia, durante a análise ele parecia desenvolver pequenos progressos
que não poderiam ser mensuráveis com o modo pelo qual eu ou alguém mais que
tivesse algo e ver com ele, o víamos. Este vê-lo positivamente era, talvez, uma
sedução, um resultado do modo com o qual ele desejava ser visto, como um oposto
do assassino? Eu o via como totalmente honesto, uma pessoa cuja sinceridade, e
sobre como procurar ser sincero se poderia contar. Eu o mantinha numa altíssima
estima. Ele tinha verdadeiramente aquelas qualidades. Olhando retrospectivamente,
reconheci as qualidades em outros como a forte área psicótica. Mas, aquele modo
de eu vê-lo era uma reação contratransferencial que representava o espelho do
modo com o qual ele via a si mesmo? Ele tinha, talvez, aprendido a ver-se daquele
modo em vez do modo oposto que sempre escondia em si? Esta imagem narcisista
73
os opostos tornam-se vaso onde se flutua, vibrante, a criatura que antes era uma
coisa e depois outra, de modo que o estado doloroso de suspensão entre os
opostos se transforma, pouco a pouco, em uma atividade bilateral do ponto central
(Obras, Vol.14, p. 213).
Para empreender este tipo de processo, o analista deve ter a vontade de sacrificar a
possibilidade de conhecer ‘de quem é’ o conteúdo que está tratando e imaginar que
o conteúdo (neste caso, a ansiedade) existe no campo em si e, não pertence
necessariamente a uma pessoa ou a outra. O conteúdo, muitas vezes, pode ser
impulsionado imaginariamente no campo que o analista e o analisando ocupam
juntos, de modo que se torne uma ‘terceira coisa’. Tal processo de ‘projeção
consciente’ foi tratado por Jung (1988, p. 1495-96), e Henri Corbin (1969, p. 220) a
descreveu no conceito sufi de himma.
Como resultado deste impulso imaginário e do sacrifício da interpretação, a
qualidade do campo muda de modo perceptível e palpável: o analista pode se tornar
consciente da tessitura do espaço circundante. É difícil descrever, de modo mais
exato, a qualidade da transformação no campo e o sentimento inspirado que está
presente naqueles momentos. Os sentidos se reavivam como cores e as
particularidades se tornam mais vívidas, até mesmo os sabores podem mudar na
boca. O analista e o analisando têm a sensação de uma descarga de adrenalina e,
talvez, em termos espirituais, da presença do divino. Assim, o ‘Dois se torna Três’.
Não como interpretação, mas como uma qualidade do campo. Em momentos
similares, o analista e o analisando permanecem, ambos, no cadinho analítico. O
ingresso no cadinho e o atingir o Três, emergem do sacrifício do ‘saber’, por parte do
analista, isto é, pelo sacrificar a interpretação que se conseguiu e pelo continuar,
então, a concentrar-se sobre o campo em si.
O Quatro é a experiência do Terceiro, enquanto agora conjunto com um
estado de Unidade da existência. Depois que o tempo se tornou uma ‘presença’
para ambos, agora cada um chega, tanto ser, de modo paradoxal, no interior desta
presença, quanto ser ao mesmo tempo o observador. Uma intensa contradição
continuada faz com que algo mude no movimento oscilatório do campo, se o afeto
dominante que definia o campo era a ansiedade, se deveria sentir no interior da
ansiedade e, alternativamente, como se a ansiedade estivesse no interior de si.
Tanto o analista quanto o analisando deveriam sentir este efeito. Quando o sentido
do espaço ou da atmosfera modifica, a parte oscilante em que ambos sentem-se ‘no
interior’ da ansiedade – isto é, da experiência de sentir-se dentro da mesma emoção
– torna-se contenção de um sentido permeado pela ‘Unidade’.
No movimento em direção ao Quatro, se pode fazer experiência da área
alquímica que todas as substâncias (como o enxofre, o chumbo e a água) possuem
duas formas - uma ‘ordinária’ e a outra ‘filosófica’. Em essência, os efeitos cessam
77
modo que seria esperado em uma interação normal. Ele, então, era estimulado a
associar livremente as próprias ideias criativas, pedindo a ela para espelhar e
idealizar a ele e à sua criatividade. No campo interativo, sentia um impulso para
exibir-me, a demonstrar a minha consciência, enquanto ela estava sentada travada e
relutante a revelar qualquer valor da própria alma. Rendemo-nos conta de que
estávamos estabelecendo novamente a relação entre ela e seu pai. Ela percebeu a
própria sensibilidade e começou a notar tal dinâmica como uma efetiva e nova
experiência do desejo de seu pai de roubar-lhe a criatividade, e a verdadeira
construção do seu sentido de si. Esta consciência foi de grande valia, porque trouxe
à luz um terrível processo interativo que a analisanda tinha reprimido, mas que
influenciou de modo significativo toda a sua vida. Ela escondia a própria criatividade,
ou ainda ficava travada por uma forma de ameaça toda vez que tentava expressá-la.
Em outros momentos, todavia, o analista escolheu antecipar tal consciência e
de sacrificá-la ao estado de ‘não consciência’, deixando que o ‘não conhecido’ se
tornasse o ponto central. O analista pode, então, perguntar-se: qual é a natureza do
campo entre nós, ou qual é a natureza da díade inconsciente? Deste modo, o
analista e a analisanda podem, ambos, abrir-se ao campo como objeto da sua
atenção. Durante o processo os opostos - discurso maniacal/silêncio, pode
modificar-se com o analista que agora se sente agarrado pelo silêncio, e a
analisanda que possui um pensamento após o outro. Na consciência dos opostos
pode oscilar, a fim de adquirir um novo centro, o ‘ponto bilateral’ de Jung; e deste
ponto central, o campo em si começa a adquirir vida. Os opostos, por sua vez,
podem mostrar terem sido somente fragmentos separáveis de uma fantasia muito
mais funda e, muitas vezes, muito arcaica. O analista e a analisanda podem
desvelar fantasias da cena primária na qual o discurso maniacal é uma forma
sublimada de uma falta perigosa, e o seu oposto, o silêncio, é um cadáver
petrificado, os restos de um corpo morto pela inveja. Enquanto tais imagens podem
ser históricas, no sentido daquilo que a analisanda experimentou inconscientemente
através das fantasias de seu pai e a sua reação a ele, o campo em si possui
processos arquetípicos diferentes de tais níveis históricos, na medida em que podem
ser importantes. Por exemplo, quando o analista e a analisanda ‘vêem e sentem’ os
efeitos e as imagens da díade inconsciente (cada uma dos dois a seu modo), as
formas arcaicas e destrutivas da díade podem transformar-se em formas mais
positivas. Esta nova díade pode ser vista como já apresenta na relação pai-filha. Em
vez de ser simplesmente uma interpretação das bases históricas, o movimento do
Dois para o Três pode se tornar uma nova experiência de campo.
Como no exemplo anterior, o analista e o analisando podem se tornar sujeitos
ao campo, no sentido de que a renúncia ao poder ou à consciência de outra pessoa
põe o indivíduo na posição de concentrar-se sobre o campo em si e ser por ele
influenciado. Isso pode envolver as experiências das formas menos arcaicas que
pode conduzir insights libertadores. A subjetividade do indivíduo incrementa o
campo e a sua objetividade interage com o analista e o analisando. Então, emerge
um tipo diferente de Três, em que os opostos transcendem. De fato, o Três pode ser
um estado de união, a coniunctio alquímica. Neste estágio, o analista e o analisando
79
este processo de encarnação que, como explica Adam McLean, era o ponto central
do Splendor Solis (1981, p. 83).
Além disso, também é possível perceber brevemente uma realidade
imaginária que parece ser uma propriedade do mesmo campo, o que é como fazer a
experiência da qualidade temporal do momento. O analista e o analisando podem se
tornar conscientes de uma imagem que sentem emergir do campo e refletem o
estado de ambos. Cada um pode apresentar o próprio sentido das imagens do
campo quando se concentra sobre ele, como na concepção de imaginação ativa de
Jung. O resultado pode ser semelhante a um ‘diálogo através do desígnio’ em que,
das imagens criadas por cada pessoa se constroem um sentido de campo. A
interpretação, no sentido clássico de relacionar a imagem e o afeto com as
produções do desenvolvimento primário, bloqueia a consciência do campo. Em vez
de fazer a experiência da interpretação, vive-se a qualidade do momento do campo,
muitas vezes, verbalizando-a e outras vezes, permanecendo em silêncio. Viver
ativamente e conscientemente as energias e os modelos que podem perceber no
campo, vivê-los no aqui e agora, influencia o campo e o anima como se fosse um
organismo vivente. Muitas vezes, os afetos do campo são quase esmagadores, e
em outros momentos é quase impossível prestar atenção no campo. Estados
mentais extremamente caóticos (em ambos) podem tornar muito difícil permitir que o
campo seja o objeto e ainda mais difícil perceber as imagens do campo
Se estivermos envolvidos no campo, podemos nos tornar conscientes de um
profundo processo organizativo, do qual anteriormente estávamos inconscientes. O
analista e/ou analisando podem sentir ou intuir este processo organizativo como
operante, mas não necessariamente conhecido no domínio espaço-temporal
normalmente ocupado pelo ego. O campo possui a natureza paradoxal por ser
criado através do ato da submissão, mas também por ser um increatum sempre
presente, um processo fora do tempo. Para penetrar no mundo imaginário do
campo, necessita renunciar, em grande escala, ao controle do ego, não ao ponto de
fundi-lo com outra pessoa e não no sentido de cindir o próprio eu em uma parte
irracional que vive a fusão, e uma parte racional que atua como observador. É
necessário algo mais do que o desejo de viver o campo, de modo que possa revelar,
com certeza, a limitação de qualquer ideia que se tenha sobre o significado de uma
interação particular, tanto analítica, quanto pessoal. Tendo confiança em um
processo mais amplo, se pode comumente descobrir que a forma particular de
campo é, efetivamente, muito mais arcaica e poderosa do que qualquer coisa que se
possa imaginar. Esta experiência da forma existente, e a criação/descoberta de
novas formas, podem exercer um efeito transformador na estrutura interna e pode
fazer com que se encarnem novas estruturas.
Os alquimistas diziam, muitas vezes, que o seu ‘elixir’ ou ‘pedra’ era tanto
uma cura, quanto um veneno. Do mesmo modo o campo, como ‘terceira coisa’ com
a sua própria objetividade, pode ser uma bênção ou uma maldição. Aplicando a
81
abordagem do campo interativo às relações, nós percebemos que ele contém quatro
perigos específicos:
Evitar a nigredo
Uma vez que está consciente dos perigos implícitos nas experiências de campo, o
analista pode abrir-se de modo mais confiante aos processos imaginários
necessário para compreender as dinâmicas de campo. Tais processos, no interior
do campo, cobrem um espectro que se estende entre a vida espiritual e a material,
84
sexual. Era como se o corpo sutil fosse possuído por um espírito obscuro que
chegava a dominar o nosso campo interativo.
Então ela teve um sonho notável: vestia uma velha camisola negra e devia
levantar-se para iniciar o seu trabalho cotidiano. Mas não conseguia tirar o
indumento, que malgrado todos os seus esforços, permanecia grudado nela.
Pensava em tomar um banho, mas sabia que isso a tornaria mais pesada. Acordar
seria o único modo para conseguir dar fim àquilo que sentia como uma tortura.
O estado terrível no sonho foi gradualmente clarificando. Em vez de entender
a imagem da camisola como, por exemplo, a Sombra do analisando, uma
focalização encarnada sobre o campo fez emergir um ponto de vista diferente: a
indumentária era a imagem do corpo de sua mãe, e trazia consigo loucura,
depressão e desespero como resposta ao fato de que sua mãe tinha sido vítima de
um incesto. A mãe tinha constantemente forçado a analisanda a identificar-se com
ela durante toda a vida. Por exemplo, a analisanda lembrava como sua mãe lhe dizia
que ainda eram semelhantes, no fato de não amar os homens. Mesmo que a
analisanda sabia que aquilo não era verdadeiro, temendo a violência imprevisível de
sua mãe, não dizia nada e, às vezes, também concordava com ela. Havia
numerosos exemplos de semelhantes projeções diretas e impostas, em que a
analisanda não conseguia dizer não, pois estas projeções eram a única forma de
contato que tinha com sua mãe, além disso, ela temia sentir profundamente raiva de
sua mãe, caso ousasse separar-se dela. Assim, a analisanda literalmente vestia a
loucura de sua mãe com a finalidade de sentir-se fundida com o corpo dela. Quando
a imagem do corpo de sua mãe revivia nela, eu me tornava incapaz de aproximar-
me dela afetivamente.
Tendo trabalhado com o inconsciente psíquico e havendo reconhecido o seu
setor psicótico e um sentido de si mental-espiritual, finalmente conseguimos acessar
este material. Mas a analisanda podia começar a agir para separar-se dos fatores
estranhos ao ego, representados pela loucura de sua mãe, somente fazendo a
experiência do inconsciente somático e tornando-se consciente dos seus dois
corpos. Podia reconhecer como o estado do seu corpo modificava o campo entre
nós. Agora eu podia estar encarnado com ela e sentir a morte e a escuridão que
invadiram o campo que ocupávamos. E também ela. Só o corpo pertence a uma
experiência direta deste gênero. Como observou Jung, nós fazíamos experiência do
encontro através do corpo sutil, de modo mais direto, muito mais tangível do que
através do inconsciente psíquico.
Como consequência desse trabalho, a analisanda finalmente conseguiu
rejeitar completamente as projeções de sua mãe, também quando sentia o quanto a
amedrontava ter a coragem de realizar tal separação. Essa rejeição foi para ela um
ato surpreendente, e foi uma parte do esforço final conseguido para tirar a
indumentária da vergonha e da loucura de sua mãe. Esta forma do corpo sutil
começou também a reduzir-se no campo entre nós.
Trabalhar com o inconsciente psíquico e o inconsciente somático, quando a
informação de tais formas do inconsciente se manifesta através do campo interativo,
tem um efeito indutivo sobre a psique de ambas as pessoas. Os processos
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Desta passagem podem ser retiradas muitas ideias chave. Antes de tudo, é
necessária uma forma acidental, e esta forma é uma mistura do vermelho e do
branco. Esta mistura alude à coniunctio de Rei e rainha, de Sol e Lua, ou, na
análise, ao matrimônio consciente dos aspectos do inconsciente de cada pessoa,
em que uma psique fornece a substância vermelha ativa e a outra uma substância
branca, mais receptiva, com esses papeis também intercambiáveis. A forma é
definida ‘acidental’, o que significa ‘acausal’; a sua existência não é causada por
alguma operação anterior. Depois, a passagem afirma que a forma que emerge da
elaboração do material, atua sem o poder da forma acidental, e com o poder de uma
substância ativa, como o fogo. Está implícito que a ‘forma acidental’, que é gerada
pela união dos opostos, não media necessariamente, as suas propriedades através
do fenômeno energético. Na teoria de Rupert Sheeldrake (1991, p. 111) uma ideia
similar representa a relação e a estabilidade da fonte, e os seus ‘campos mórficos’,
não são transmitidos pela energia, mas eles próprios transmitem as informações.
Mas, de qualquer modo, a forma acidental é, portanto, essencial? O texto responde
que o segredo da transformação é a putrefação, é pré-requisito para a morte criativa
da estrutura. Está envolvido também um processo ativo, que consome energia,
como na alegoria do calor da galinha choca. Esse processo é semelhante à energia
empregada para lidar com as intensas reações, geralmente negativas, de
transferência e contratransferência descritas anteriormente, estando incluídas as
91
analista verá este estado de união, e a nigredo que dela resulta, como parte do ritmo
essencial da transformação. Por sua vez, produzirá uma relação com estes estados
e com a sua contenção, diferente daquele que produziria um analista que interpreta
em termos evolutivos.
Em vez de atribuir os problemas do analisando à posição depressiva, aos
problemas da reaproximação, aos medos de ser engolido, o analista deveria
observar e experimentar as dinâmicas de campo envolvidas. Esta percepção pode
possuir a mesma qualidade de conexão que existe em muitos casos de ansiedade
extrema quando o analista sabe, por experiência, que tais estados fazem parte de
um processo mais amplo, potencialmente positivo. Aceita neste modo, a nigredo
pode começar a atuar com o objetivo de destruir as velhas estruturas, sobretudo
introjeções estão de acordo com a essência do analisando. De certo modo, este é
um processo em que se criam novas formas no analisando, talvez também no
analista e também no espaço que esses ocupam juntos. Assim, formas que podem
conter e elaborar os estados altamente perturbadores, afetados anteriormente,
podem vir à tona através da experiência do campo e das suas dinâmicas.
Portanto, o modo com que nós pensamos sobre os campos é muito
importante. Como simples metáfora para uma subjetividade conjunta, os campos
são úteis para espelhar a história do analisando, assim como se desvela no decorrer
do processo analítico. Mas a ideia de um campo interativo pode conduzir a modos
simplesmente diferentes de conceber o processo analítico quando ele é conceituado
arquetipicamente através da subjetividade conjunta de ambas as pessoas e quando ,
ao mesmo tempo, se compreende que as suas dinâmicas se estendem para além de
tal subjetividade.
93
Nas coisas naturais há certa verdade que não pode ser vista com o olho exterior,
mas é percebida apenas pela mente (...) Nesta [verdade] reside toda a arte de
libertar o espírito de suas correntes (...) (Jung, Psicologia e Alquimia, p. 276).
Esta visão percebe estruturas que não são guiadas por um princípio de
localização e pela sua diferenciação entre ‘dentro’ e ‘fora’.
Em Psicologia e Alquimia, Jung refletiu sobre o significado psicológico da
afirmação da obra alquímica De Sulphure que “a alma atua no corpo, mas a maior
94
parte da sua vida se desenvolve fora do corpo” (Jung, Psicologia e Alquimia, p. 295).
Naquela época, Jung interpretou essa condição ‘externa’ como o resultado da
projeção. No entanto, após reflexão adicional em 1955, Jung escreve em Mysterium
Coniunctionis:
‘Eu sou um corpo que não tem túmulo’ refere-se à projeção dos conteúdos
sem o espaço do campo. 'Eu sou um túmulo sem um corpo' refere-se à atividade do
campo em si sem referência às subjetividades individuais. 'Corpo e túmulo são a
mesma coisa', refere-se à sua combinação paradoxal que só pode ocorrer como um
estado situado entre opostos dentro em uma qualidade de campo das relações per
se. O mistério que o analista e o analisando devem abranger é que, o recipiente e o
conteúdo são idênticos. Para experimentar esta identidade, eles devem fazer a
experiência da vida existente entre os opostos; eles devem chegar a conhecer esta
‘vida intermediária’, o reino que os tibetanos chamam de um estado bardo e que os
alquimistas chamaram de corpo sutil.
De modo geral, a imaginação é a chave para toda a opus alquímica (Jung,
Psicologoa e Alquimia, p. 285). Neste espírito, e estendendo o uso de Jung da
imaginação ativa como um diálogo interior, podemos aplicar este ato ao próprio
campo. A conjunção da imaginação e do campo demonstra possuir um notável
poder de contenção.
A realidade parece ser revelada como nunca antes, e o mundo visual parece
peculiar e misterioso, estranhamente belo, tentadoramente significativo, ou talvez,
aterrorizante e ameaçador, mas inefável (Sass, 1992, p. 44).
repete ao longo de uma sessão - pode revelar um tipo de ordem como um par de
opostos, mesmo que tais estados mentais têm a qualidade destrutiva de se anular
total e mutuamente: a consciência de um estado tende a oscilar para o outro e, no
processo, aniquilar qualquer memória ou significado do que acabara de aparecer. O
estado Dois que o analista pode perceber neste caso é, portanto, muito diferente do
que é nos processos normais, em que cada estado alimenta o outro para criar um
todo maior, um terceiro estado. Em vez disso, quando os opostos se combinam, eles
criam um objeto excêntrico, um estado que produz um sentimento de estranheza a si
mesmo, bem como, um sentido de que o analisando é estranho também. Este
estado misto também tende a ser experimentado como uma morte interna do
pensamento, um estado que é desprovido de significado e que não produz um
estado simbólico. No processo psicótico, esta forma de Três pode nos permitir ver
mais profundamente para além, e vislumbrar outro estado, o Quarto, que, neste
caso, é um amedrontador ‘Objeto de segundo plano’. No processo psicótico, o Um,
em vez de se tornar o Quarto como positivo em nível numisoso, se torna algo mais
demoníaco. Aqui vemos o lado sombrio de Deus. Por exemplo, vemos imagens de
abuso e abandono tão intoleráveis fundindo-se com imagens arquetípicas
profundamente negativas que aprisionam o indivíduo no desespero e na
desesperança.
O campo interativo pode ser um notável receptáculo dos estados mentais
caóticos. Por exemplo, outro agente da bolsa de valores me consultou sobre sua
dificuldade em se tornar disciplinado no mercado. Embora ele tivesse a habilidade e
a inteligência de ser um comerciante de sucesso, ele mal sobrevivia
economicamente nesse esforço. Para ele, a bolsa de valores era um ‘auto-objeto’,
ou seja, a estabilidade de sua identidade estava ligada às flutuações descendentes
do mercado. Em termos analíticos, ele teve um transtorno narcisista do caráter.
Quando o via, ele geralmente estava desiludido, ansioso, retirado e desesperando
porque não conseguia avaliar, com precisão, o desempenho do mercado. Em tais
estados, ele me contava sobre suas dificuldades, mas era difícil ouvi-lo atentamente
por mais de um minuto de cada vez, porque a minha atenção invariavelmente
vagava por causa da sua dissociação interna. No entanto, quando recuperava o meu
foco e recordava o que ele tinha dito, percebia que, se eu tivesse lido o que ele me
dissera em vez de ter escutado isso, minha atenção não teria divagado. Com efeito,
o campo afetivo que ele partilhou envolveu a sua narrativa fragmentada e de tédio,
para comigo, e, na verdade, para ambos.
No início de uma seção específica, deixei minha atenção pairar dentro do
espaço entre nós, e depois de alguns momentos, comecei a imaginar que
estávamos em uma tempestade violenta. Concentrei-me nesta imagem durante toda
a sessão, com a ideia de que tudo o que ele dissesse seria fácil de ouvir e
simpatizar. A tempestade estava claramente relacionada à sua inveja e ansiedade
intensa; todavia fornecer uma interpretação não teria sido útil. Vendo que a
tempestade teve uma influência de contenção, não só para mim, mas também para
ele, para deleite durante esta sessão, refleti em voz alta, sobre sua vida como uma
luta terrível para sobreviver a uma tempestade após a outra. Ele terminou a sessão
99
contando-me sobre uma transação que tinha concluído com sucesso no mercado de
ações e sobre as suas esperanças para a eficácia de um novo sistema de
negociação que estava planejando programar. Ele parecia estar me comunicando
inconscientemente, que estava se sentindo emocionalmente mais contido e mais
esperançoso para empreender um novo começo.
Outro exemplo sobre como o campo foi útil na contenção de processos
psicóticos, diz respeito a uma mulher com quem já havia diagnosticado a existência
de uma forte parte psicótica. Às vezes, conseguia perceber como a sua parte
psicótica atacava-a tão violentamente, ou ainda, eu a auxiliava para ver sua angústia
interior como resultado de uma fúria reprimida em si pelo seu processo paranóico.
Mas essa parte psicótica ainda não tinha nenhuma contenção. Então, eu tentei me
concentrar no campo entre nós, mesmo que a minha atenção tivesse tendência à
fragmentação sob o impacto do material psicótico. Ela começou a falar sobre o seu
namorado e de certos aspectos de seu comportamento que a preocupavam. Depois
que ela terminou, perguntou-me, de modo todo particular, se suas preocupações
eram ‘uma loucura’. Embora a alusão à transferência fosse clara, eu não me
concentrei nisso, pois isso teria impedido a experiência do campo. Em vez disso,
expliquei que achei o seu pensamento claro, mas não sabia o porquê ela sentiu
tanta ansiedade e fragmentação. Ao longo desta experiência, manter a atenção no
campo entre nós era como estar perdido em um nevoeiro. Ainda assim, eu poderia
compreender o seu processo com bastante consistência. A sensação de um
nevoeiro entre nós permaneceu até que ela me contou sobre seu sonho envolvendo
um homem que, para sua surpresa, conseguiu controlar sua mãe. Na realidade, a
mãe poderia ser psicótica. Novamente, observando, mas não interpretando a
transferência, comecei a perceber que, talvez, o campo entre nós estivesse
dominado pela psicose de sua mãe. A analisanda incorporou esse processo
psicótico que, por sua vez, viveu dentro dela como um fator estranho e dominou o
campo entre nós. Se eu tentasse escutá-la, essa loucura fragmentava o meu
pensamento e o dela. Voltar-se ao campo como a um objeto, foi um instrumento de
ajuda, enquanto ela terminou a sessão de uma forma que lhe era incomum: falou
sobre a energia que ela sabia que tinha.
Estes breves exemplos ilustram o que entendo para voltar-se ao campo como
um objeto. Geralmente, o campo entre duas pessoas, no início, é sentido como
vazio, como no caso da noção científica moderna do espaço. Se o analista se dirige
ao campo interativo como um objeto, o que significa que ele tem a coragem de
realizar este ato aparentemente absurdo – imaginar-se num espaço vazio e assumir
que algo pode estar lá – ele pode descobrir que a forma de comunicação do
analisando se torna mais coesa. O espaço pode, então, deixar de se sentir vazio.
Uma imagem do processo de campo não aparece necessariamente clara, mas
muitas vezes, o analista e o analisando podem imaginar um sentido de solidez e de
plenitude, ou um sentido de fragmentação e tessitura rasgada. Claramente, estas
são apenas duas das intermináveis metáforas possíveis para a experiência do
espaço interativo. Quando os processos psicóticos são constelados, torna-se
extremamente difícil se concentrar sobre o campo como objeto analítico. O campo
100
está presente, mas, como a área psicótica ou louca não está contida e não possui
estruturas ou imagens funcionais ou viáveis, não se pode atuar. A experiência deste
tipo de campo é dominada pelas rupturas das conexões, e por afetos extremos, tais
como a apatia e a ausência de sentido. Às vezes, o analista pode processar esse
material através da identificação projetiva, e esta atividade pode ter um efeito de
contenção que, por sua vez, permite com que o campo se torne o objeto da análise.
Por exemplo, uma vez uma analisanda entrou em meu consultório, jogou a
bolsa e a certeira, caminhou rapidamente até um canto da sala e sentou-se no chão.
Enquanto eu olhava para ela, percebi que era melhor dizer alguma coisa ou então
ela explodiria como tinha feito no passado. Senti-me enervado por esta
possibilidade, tentei entreter-me e aguardei até eu poder perceber algo mais
espontâneo e pertinente para o momento. Mas eu perdi a contenção por um
momento e comecei a combater o seu intenso desespero e a sua autopiedade por
ter perdido o emprego, exortando-a de que ela não deveria atuar em sua histeria. No
entanto, eu também, no momento tornei-me histérico. O ar estava tenso, e faltava
um sentimento de contenção. Então, comecei a refletir sobre os meus sentimentos.
Eu queria me livrar dela. Eu queria que ela parasse de me pedir para consertar sua
vida. Eu queria que ela ficasse bem e se tornasse mais otimista. Ficou claro que eu
me tornei sua mãe. Naquele instante, ela disse: “Você é igual a minha mãe”. E eu
respondi: “Isso é o que está se criando aqui, uma situação em que você está sendo
contida e é tratada como um problema terrível”. Em virtude de ter processado a
identificação projetiva (da imagem da mãe), eu poderia fazer essa afirmação e assim
mudar radicalmente o ambiente. Ela não estava mais sobrecarregada, nem eu.
Sentou-se no sofá e a sessão progrediu sem que eu ou ela atuássemos com
comportamentos encenados.
Neste caso, esta sessão nos introduziu no trabalho sobre a parte psicótica da
analisanda. Nunca havendo lhe enfrentado anteriormente, a interpretação através da
identificação projetiva foi necessária para estabelecer uma maneira de se aproximar
do campo perturbado. Concentrando-nos no campo compreendido enquanto objeto
analítico, poderíamos obter um sentido de contenção, bem como, a imaginação ou
percepção possibilitou perceber na analisanda, imaginariamente, uma divisão de
front-back, com um forte componente de fundo de um exibicionismo cindido. Como
cena de um ato imaginário para conter as suas partes psicóticas, eu a encorajei a
representar as suas fantasias exibicionistas através de desenhos. Ocupar-se com o
seu material inconsciente, de maneira imaginária, ajudou-a a diminuir o seu nível de
fragmentação psicótico.
Concentrando-se no campo interativo como objeto analítico, se pode dizer, à
luz da natureza da transferência e da contratransferência psicóticas, que sempre
está agindo utilmente nos bastidores, assim como pode ser vista à luz da divisão de
front-back que, muitas vezes, tende a esconder o processo psicótico. Da mesma
forma, o analista pode sensibilizar-se para com a existência de outras grandes
divisões, geralmente presentes: as divisões verticais que caracterizam a dissociação
e as divisões horizontais que caracterizam a repressão, isto é, a divisão mente-
corpo. Concentrar-se sobre o campo, torna possível a consciência dessas divisões
101
Talvez eu sinta que só aceito o que recebo e não tenho direito a nada mais. É
como se eu vivesse com os vários pedaços, sem nada entre eles. Eu vivo de
pedaço em pedaço e nunca perguntei sobre o que existe entre eles. Fazer isso é
muito ameaçador. Eu posso perder o que eu já tenho. Não tenho sentido o que
conecta um estado a outro, eu apenas me seguro em cada um deles, como se
cada um fosse uma ilha no mar, completamente isolada até aparecer o próximo
estado, mas não tenho como chegar de um para o outro. É assustador pensar em
como eles se conectam, porque qualquer coisa que eu quisesse saber, eu poderia
perder o que eu tenho. Cada estado é uma catástrofe em potencial.
desejo, seguido por um rápido recuo na privação de qualquer contato afetivo. O ato
de cada um de nós em reconhecer esses estados mentais e o sofrimento a eles
associados teve um efeito muito libertador sobre suas necessidades de defesa
narcisista. No caso dela, essa defesa assumiu a forma do que eu chamo de bolha
narcisista; ou seja, o analisando atua como falante e ouvinte simultaneamente.
Nesse caso, o mundo objetal está, de fato, completamente excluído. Ouvindo-a, eu
normalmente me sentia desatento e amortecido, como um observador sem contato
real com ela. Percebi que estava fazendo perguntas incontroláveis sobre questões
que não tinham absolutamente nada a ver com o assunto em questão. Em uma
ocasião, saí bruscamente do estado de quase transe induzido pela transferência de
‘bolhas narcísicas’ da analisanda, quando ela afirmou assustada: "Mas de que coisa
você está falando?" Tendo, finalmente, feito contato comigo dessa maneira, ela
emergiu de sua ‘bolha narcísica’, mas eu fui obrigado a confrontar a bagunça que,
inadvertidamente, ela tinha provocado. Foi, então, possível reconstruir a interação
anterior e a estrutura ‘bolha narcisista’.
A partir dessa experiência, aprendi a controlar meu esforço quase compulsivo
para conversar através da ‘bolha’, com a intenção de conseguir entender o meu
estado mental interior. Estes enigmas perturbadores e, por vezes, excêntricos,
tiveram o propósito de permitir-me escapar de um estado de dor interior e vazio
mental. Tais reflexões sobre o meu esforço, quase compulsivo de falar, muitas
vezes, ofereceu uma boa maneira de começar a classificar a natureza dos opostos
psíquicos envolvidos, opostos do tipo atração-evitação que anteriormente, era
impossível registrar.
Entrando no campo, com seus opostos experimentados e mutuamente
percebidos, tive um efeito dissolvente sobre a transferência rígida, ‘bolha narcísica’,
e sobre este tipo de estrutura de personagem na analisanda. A questão dos opostos
é especialmente significativa para compreender as qualidades dinâmicas da
transferência do tipo ‘bolhas narcísicas’. Se o analista consegue se concentrar o
suficiente para que ele chegue a algum significado na comunicação do indivíduo
(que eu gostaria de enfatizar, não é uma tarefa mínima dada de modo quase insular,
em que o analisando se comunica, e os concomitantes processos dissociativos), e
se o analista se apega a esse significado, como é típico dos processos psicóticos,
outro possível significado logo surgirá e aniquilará o anterior.
Em outra ocasião, com esta analisanda, eu pude vislumbrar a natureza
delirante do processo que vivia na estrutura ‘bolha narcisista’. Ela começou sua
sessão com o que chamava de dilema de que se sentia confusa e sobrecarregada.
Recentemente, ela conheceu uma mulher na rua, alguém que ela realmente não
gostava muito, mas que foi muito útil para ela, profissionalmente. No momento,
sentiu que queria fazer uma permuta com esta mulher, e ela sugeriu que a mulher
poderia ser capaz de obter o cargo de consulesa no local onde ela estava
empregada. Mas logo depois, ela percebeu que tinha um bom amigo, alguém que
realmente a ajudara em muitos aspectos pessoais, que também precisava de
trabalho e também gostaria do trabalho. Então, a analisanda se perguntou a quem
deveria "dá-lo’.
105
sou eu?" Assim, ela permanecia presa pelo tipo de espelhamento que recebia, e
este estado, geralmente, é muito perigoso para apresentar-se ao mundo.
A questão que se coloca é como dissolver este receptáculo narcísico e
permitir uma forma mais cheia de vida. Percebi que a descoberta da imagem do
campo interativo, obtida pelos opostos, que se manifesta, muitas vezes, como
divisão psicótica em antimundos, pode levar ao surgimento de uma nova forma de
transferência, que está mais relacionada e muito menos psicótica. Heinz Kohut
chama esse desenvolvimento de uma transferência de espelho no sentido mais
estreito, em que o analista se torna um objeto para o analisando, mas é importante
para o analisando apenas "no âmbito das estruturas das necessidades geradas pela
eu grandioso terapeuticamente reativado" (1971, 116). O analisando torna-se capaz
de encarnar a imagem do analista enquanto faz uso dela como fonte de identidade
de uma maneira mais ampla. Mas quando este estado de encarnação é muito
perigoso para admitir, o analisando se sente totalmente indesejável, cheio de ódio
em seu interior, tornando-se, assim, incapaz de conservar algo de bom dentro sem
destruí-lo ou ser destruído pela rejeição do objeto. Em vez disso, a transferência de
‘bolhas narcísicas’ toma seu lugar, e o analisando torna-se sujeito e objeto.
Transformar este estado de ‘bolha’ torna-se, então, a tarefa analítica.
Essa estrutura narcísica é comum, até certo ponto, em todos. Quem, às
vezes, não assume o papel, tanto de falar, quanto de escutar? Todos nós fomos
criados, até certo ponto, pelo nosso objeto de relações primárias. Qualquer pessoa
que lida com o desenvolvimento infantil, poderá perceber que a maneira com que
uma criança pequena responde e reflete sobre suas qualidades reais é essencial
para o desenvolvimento posterior de um ego espontâneo e um sentido de essência.
Mas quem está totalmente espelhado? As áreas secretas do Self que não podem
ser comunicadas, sempre existem. E quando o analista se aproxima dessas áreas,
as formas de comunicação se movem prontamente em direção à qualidade de
‘bolhas narcísicas’. Com algumas pessoas, essa estrutura narcísica pode ser o
substituto de uma relação genuína, em que o ‘outro’ tem um significado percebido e
um processo que está gravado; mas raramente percebi que essa estrutura está
sempre presente. Em vez disso, o indivíduo é capaz, em certos momentos, de uma
grande empatia e contato emocional. Em outras vezes, esta capacidade está
totalmente ausente, e a transferência de ‘bolhas’ domina. É possível que se passem
anos de trabalho analítico em que ambos os estados estejam presentes na mesma
sessão. No entanto, antes que se chegue a elaborar a estrutura de defesa da
‘bolha’, seções inteiras são dominadas por ela. Então, com a transferência dissolve a
‘bolha’, apenas segmentos da sessão são dominados por ela, até que, nos
momentos de angústia na vida do analisando, novamente emergem. Mas
geralmente, a ‘bolha narcísica’ pode diminuir cada vez mais e as capacidades da
pessoa para o contato emocional, consciência e empatia podem surgir. De certo
modo, essas pessoas não se encaixam em um simples esquema de diagnóstico.
Elas certamente exibem características narcísicas e esquizóides; mas elas também
possuem uma qualidade competente e empática.
107
consciência, ele se tornou um pouco menos encantado pela mulher que ele
idolatrava e reconheceu que sua paixão não estava sob seu controle, mas foi
altamente dependente de suas ressonâncias incestuosas, tanto com o pai, quanto
com a mãe. Sua capacidade de entrar no mundo de forma mais completa começou
a se expandir e se desenvolver. Por exemplo, se dissolveu em parte, o seu estado
de rejeitado ou de estranhamento negativo.
No decorrer deste processo, eu lidei com minhas reações subjetivas, de
contratransferência, que consistiam tanto em uma tendência a ser crítico em relação
a ele, quanto uma tendência oposta de idealizar o seu pensamento e as suas
atitudes em relação à importância da paixão. Fazendo uso dessas reações de
contratransferência, eu poderia ser um guia para ajudá-lo a integrar o próprio
material inconsciente. Era o suficiente para eu processar seu material dessa
maneira? Caso eu agisse impecavelmente neste sentido, constantemente
perguntando sobre minha própria contratransferência, usando as informações
adquiridas dessa maneira, tentando ouvir as referências inconscientes nos seus
discursos em relação ao meu papel em nossa relação, e inquirindo metodicamente
sobre como o seu material onírico respondeu ao nosso trabalho, então eu estava
agindo como qualquer analista. Tais atitudes eram necessárias, mas não suficientes
para atender às suas exigências terapêuticas para a contenção dos seus elementos
psicóticos. Isso exigia uma abordagem alquímica, a ativação de uma visão alquímica
que indagasse sobre a natureza do campo que ambos constelamos.
Apenas gradualmente, ambos começamos a nos tornar conscientes da
presença de um campo. Ao longo do nosso trabalho, aos poucos foi ficando claro
que ele estava aborrecido devido à raiva em relação a essa mulher. Às vezes, sua
raiva assumia proporções psicóticas, tendo pouca contenção, levando a uma
fragmentação considerável, e continuamente, embora sutilmente, distorcia a
realidade. Grande parte do nosso trabalho teve como foco nesta distorção da
realidade, especialmente porque ela separava a relação com a sua parceira nos
estados alternados, em que ele a percebia como uma bruxa enganadora ou como
uma amante maravilhosa. Muitas vezes, percebemos o quão inconscientemente ele
continuava a negar suas percepções sobre os traços de caráter negativos reais da
mulher, aspectos do seu comportamento que não eram éticos e nem honestos. Às
vezes, essa negação o mantinha em um estado perigosamente fundido com ela e
afastava de outras pessoas e coisas. Ele temia que ela perdesse a sua paixão, caso
visse nela algum aspecto escuro: a sua paixão se tornaria em ódio e sadismo
envolvente. Essa perda o teria jogado na parte da sua psique que criou essa
distorção da realidade, isto é, na área psicótica dentro de sua psique. Além disso,
suas áreas psicóticas foram tipicamente estruturadas por ‘mundos contrários’ em
que tudo o que foi dito sobre a mulher, levaria a uma visão totalmente oposta que
anulava (a sua e a minha) consciência do oposto anterior. A fusão destes opostos
poderia levar à excentricidade que caracteriza o processo psicótico. Eu costumava
ter a impressão de uma excentricidade sutil ao escutar seus comentários sobre suas
relações. Sentia como se algo estivesse sempre sendo retido, e caso fosse
revelado, seu discurso se tornaria menos compreensível.
110
conhece’ (1977, 230). Como resultado, eu teria negado o campo entre nós com sua
expressiva qualidade, mas basicamente desconhecida. Essencialmente, eu teria
desconstruído e despotencializado o campo entre nós de forma particularmente
sedutora. Eu teria, inconscientemente, transmitido a experiência da supremacia do
poder ao lidar com a relação colocando-me para além da experiência da relação e
do sofrimento, tudo sob o pretexto de que era para o seu próprio bem.
Mas tendo permitido a verdade, isto é, que eu não sabia de quem era a raiva,
o discurso passou para outro nível. Agora poderíamos tolerar a presença imaginativa
de uma forte raiva, de raiva mesmo, e com ela veio uma consciência respeitosa do
mistério da imaginação. Se, a este ponto, eu tivesse lidado com ‘sua raiva’, eu
estaria projetando nele a minha própria raiva conectada a este padrão arquetípico.
Ele teria levado consigo, além da sua raiva, também a minha. Em vez disso, a
presença imaginária foi tolerada sem que soubéssemos de quem era. E com este
movimento para o imaginário, uma sensação corporal foi ativada. Nesse caso,
ambos experimentamos um sentido de energização do corpo e de sua vivacidade; e
nos tornamos conscientes de nossos corpos como campos energéticos. Talvez seja
só esse tipo de experiência do corpo - os alquimistas pensariam nisso como uma
experiência do corpo sutil - que pode criar um sentimento de contenção das paixões
perigosas.
Então, a experiência de campo entre nós mudou. Ele sentiu que seu corpo
queria abraçar o meu, e eu também poderia experimentar esse sentimento de
abraço, de um desejo real em relação a ele. Mas mesmo com essa nova
experiência, a fúria não desapareceu. Ela oscilava com o sentido de desejo no
campo energizado entre nós. E então, agora tivemos um par de opostos que definia
o nosso espaço interativo: raiva e desejo. A raiva aniquila, o desejo une. Em termos
alquímicos, a substância quente que aniquila, era conhecida como ‘enxofre’,
enquanto a substância que une e deseja fundir, era conhecida como ‘sal’. No
processo de experimentação, estávamos criando uma espécie de vaso para a
relação que era tão preciosa, quanto destrutiva para a sua vida. O ato de conter e
objetivar os seus afetos conflitantes lhe possibilitou começar a perceber a sua
parceira de maneira muito mais real.
Como os outros analistas com quem ele tinha trabalhado antes de mim,
analisei a sua relação com a mulher, relacionando-a com a transferência e à
resistência de transferência, interpretei os seus desejos edipianos e pré-edipianos, e
refleti sobre seus medos de separação. Mas foi somente quando conseguimos
adentrar no campo entre nós - e isso continuou acontecendo ao longo de um
período de tempo - que a qualidade magnética dessa relação começou a perder sua
natureza compulsiva e mágica. A beleza da relação não foi destruída, mas a
qualidade do desejo, que constituís uma parte importante dela, foi movida para fora
do padrão incestuoso da paixão destrutiva. A transferência desta mulher foi desviada
para mim e de volta para ela, depois para os outros e depois para o desejo de um
Self interno. A sua relação com ela não foi menos real porque tinha raízes anteriores
nas relações genitoriais que antecederam a sua relação comigo. Ambas as relações
tiveram uma realidade; tampouco foram funções de ilusão que dissipasse com a
112
consciência. De forma lenta, mas eficaz, ele começou a ser capaz de envolver o
mundo ao seu redor de maneira mais individual e significativa. Ele pôde arriscar
maior vulnerabilidade e testar a sua criatividade.
Dos vários estados mentais encontrados nos exemplos anteriores - inveja,
ansiedade, medo, caos, paranóia, raiva, histeria, divisão (frente-verso, mente-corpo),
dissociação, abandono, trauma, paixão, desejo incestuoso, desespero, entre outros -
podemos reconhecer inúmeros pontos de partida para descobrir o potencial
transformador do campo.
Mas um ponto de partida é melhor do que o outro? A contenção do caos, ou o
que eu tenho chamado ‘as partes loucas das pessoas sãs’, parece ter um significado
especial na alquimia. O caos, ou a prima materia, era um ponto de partida vital para
a opus, o processo de transformação material e pessoal. Na verdade, a ênfase
assegurada ao caos e à sua contenção na abordagem alquímica, pode fornecer
informações às abordagens modernas para o processo analítico, especialmente se e
quando a prima materia é experimentada como um aspecto do campo interativo.
113
vara com duas serpentes entrelaçadas, terminando no topo com as duas cabeças
voltadas uma para a outra. Até hoje, esse símbolo é usado pela medicina para
simbolizar a cura, embora seja frequentemente confundida, talvez através de uma
tradição misteriosa, com a vara de Mercúrio, o caduceu. Além disso, a imagem do
deus grego, Hermes, é apresentada com as duas cabeças em direções opostas.
Entre os astecas, a serpente de duas cabeças era um símbolo do deus Tlaloc, o
poderoso e benéfico deus da chuva (Burland, 1980, 30, 110). A imagem da serpente
de duas cabeças também pode simbolizar o Self que contém os opostos que o ego
não pode acolher, sobretudo, os opostos que têm a qualidade aniquiladora
encontrada nas instâncias loucas da personalidade.
Esta característica particular do Self pode ser encontrada explicitamente
descrita no Capítulo LXXIV do romance de Moby Dick Herman Melville (1962), que
trata da natureza da visão da baleia:
Uma questão curiosa e enigmática poderia ser aberta em relação a este aspecto
da visão de Leviatã. Mas devo me contentar com uma dica. Enquanto os olhos de
uma pessoa estão abertos à luz, o ato de ver é involuntário, ou seja, esta pessoa
não pode impedir-se de ver mecanicamente todos os objetos que estão à sua
frente. No entanto, qualquer experiência irá ensiná-lo que, embora possa ver
sinteticamente todas as coisas com um só olhar, é impossível, para ele, examinar
com atenção e completude, duas coisas quaisquer, ao mesmo tempo – ainda que
sejam pequenas ou grandes, não importando se estão lado a lado ou tocando-se
uma à outra. Mas caso esses objetos fossem separados e circundados, cada um
por um círculo de profunda escuridão, então, para que se possa ver de modo a
concentrar-se sobre a mente, o outro deverá ser completamente excluído da sua
consciência contemporânea. Como ocorre, então, com a baleia? Ambos os seus
olhos, verdadeiramente, em si mesmos, devem agir simultaneamente, mas o
cérebro será muito mais compreensivo, combinado e sutil, do que o do homem,
que pode ao mesmo tempo examinar atentamente por duas perspectivas distintas,
uma por um lado e a outra, exatamente na direção oposta? (Trad. Cesare
Pavese).
do próprio ser vacila, em que reina o pânico, e em que um deles vaga sem
esperança, como uma alma perdida que implora para que o medo pare.
Mas podemos aprender a permanecer firmes e a combater o medo,
mantendo-nos apegados à nossa humildade antes de sobrecarregarmos – não por
outra pessoa, mas pelo fenômeno de duas cabeças falantes e pelo medo que
engendram. Aprendemos a ficar firmes aceitando o nosso medo. Aprendemos que a
confiança - mesmo que apenas um pouco - é crucial. Tudo o que sabemos sobre a
psique pode ajudar, desde que não permitamos que tais ‘palavras protetoras’
signifiquem demais. De fato, essa falta de julgamento, seguramente, nos tirará para
fora do nosso corpo e nos fará ‘girar’ novamente. Como permanecemos firmes,
gradualmente começamos a ver os opostos separadamente, e da ‘água, saíra
primeiramente uma cabeça e depois a outra’. Essa experiência causará medo
porque cada face poderá deformar a realidade ao ponto de vermos a pessoa de
modo radicalmente diferente do que estamos vendo no drama. Através de ‘cada
cabeça’, vemos de forma diferente, e com essa mudança repentina vem a ameaça
da perda da realidade, de sermos atacados verbalmente, ou então fisicamente. Mas
se nos mantivermos firmes e conscientes, uma mudança pode ocorrer. Pois, como
diz o mito, cada face pode ver a outra, e os opostos poderão unir-se e deixar de
existir como estados de tudo ou nada, com cada um dos que disputam pela
supremacia completa. O mito pede que mantenhamos a confiança, que reneguemos
a fuga diante de um único oposto, e de acreditarmos, que também nesta condição,
um mundo maior, compensatório - um mundo de unidade - prevalecerá e mostrará a
outra face antes de sermos devorados. Uma verdade parcial, então, se torna
possível; torna-se possível a capacidade de trabalhar em conjunto para conhecer
gradualmente a verdade. De fato, quando as duas faces se vêem, a verdade
aparece. A verdade, uma consciência do que realmente aconteceu, ou talvez, o que
não aconteceu na infância, ou em uma situação de vida atual, pode ser terrível. Mas
a rigidez paranoica finalmente passou. Sentimos ter sobrevivido a uma provação que
poderia ter durado por muitos anos.
A busca da verdade torna-se uma alavanca, mesmo nos níveis mais
psicóticos de cada um. De fato, a nossa alma se esconde nesses níveis psicóticos,
pois a loucura é o melhor esconderijo. A loucura pode confundir completamente a
todos, fazendo com que nos fiquemos sozinhos. Somente a pessoa que aceita a
entrada no mundo da loucura é digna de ver a própria alma. Só então, ela pode
confiar o suficiente para ter a chance de sentir que não será violentada
posteriormente.
Através desta experiência, é possível obter certa estabilidade com base em
uma crença na própria Verdade. E esta verdade deve ser encontrada atrás de seus
próprios olhos, de acordo com o mito de Sisiutl, o que significa a imaginação que vê
‘através’ dos nossos olhos, não ‘com’ eles. Então, nunca estaremos sozinhos, o que
significa que estamos em contato com o Self.
As imagens mitológicas da serpente de duas cabeças atuam como um mapa
que pode guiar a experiência dos opostos de destruição da consciência e da
estrutura psíquica para um ato criativo da visão que potencializa a estrutura. Os
122
mitos nos ilustram o modo como o ego não pode conter os opostos, como uma
presença de contenção provém do Self, e como a interação ativa e corajosa com o
campo, engendrada pelos opostos divididos, deve ser um ato intencional que luta
pela visão em meio a campos fortemente dissociativos.
Por exemplo, um homem que eu estava tratando de uma crise de meia idade
que foi adversamente com episódios de ansiedade e medo de abandono, pela sua
situação de trabalho e casamento, estava falando com grande elogio sobre o
sucesso financeiro de sua esposa. Ele também observou como ela estava sendo
contraposta por forças negativas em seu local de trabalho. Na noite anterior, ela lhe
pediu para postar uma carta importante para ela. Ele saiu a casa para fazer um
trabalho e não enviou a carta. Quando ele contou esta história, que lhe deixava
muito envergonhado, e enquanto me contava que verdadeiramente gostaria de
saber o motivo pelo qual tinha agido tão mal, eu me senti confuso. Tempos atrás, eu
evitava esse estado e, em vez disso, mantive a atenção, com um grande esforço,
enquanto o ouvia. Mas agora, reconhecendo que isso não agir não é frutuoso, eu
escolhi focar no sentido de confusão à qual eu estava resistindo. Assim, perguntei-
lhe se ele se sentia de qualquer forma um pouco fragmentado, e ele reconheceu
sentir-se.
Ao examinar posteriormente o que estava em jogo nos negócios de sua
mulher, eu sugeri que talvez ele tivesse ficado com raiva por uma perda financeira,
motivo pelo qual a carta de sua mulher tinha a ver com os negócios com que ela
tinha se comprometido anteriormente e que não tinham terminado bem. Esta
sugestão atingiu o alvo e, depois de uma pausa, ele disse: "Então, os meus nobres
sentimentos em relação à sua nobre habilidade são somente uma farsa." Por que
você pensa assim?", perguntei. "Talvez ambas as atitudes estejam presentes". Essa
consciência evaporou-se rapidamente entre nós; ele disse: "Claro, isso faz sentido".
Mas depois comecei a me concentrar mais profundamente sobre a existência de
ambas as atitudes, pois eu estava começando a perceber que ele estava exibindo
dois estados opostos realmente incompatíveis. Em resposta ao seu "Claro, isso faz
sentido," tinha a tentação de apenas prosseguir adiante, e foi preciso um ato
voluntário para não ser arrastado. Em vez disso, permaneci firme sobre o modo
estranho em que esses dois estados se estruturavam, pois quando me concentrei
em seus sentimentos hostis em relação à sua esposa, esses sentimentos eram os
únicos que estavam presentes: não era fácil lembrar qualquer sentimento positivo.
Por outro lado, quando seus sentimentos positivos foram todos atendidos, os
negativos foram completamente aniquilados. Os opostos neste campo não foram
divididos, como ocorre na identificação projetiva. Eu não identificava um oposto
enquanto o analisando se identificou com outro. Em vez disso, para ambos
dominava completamente a presença de uma parte do par de opostos; depois era a
outra a dominar completamente.
Ele disse que sempre usou sua bondade para aniquilar o lado obscuro de sua
psique, mas eu apontei que tinha acabado de ocorrer o inverso. Desta forma,
conseguimos estabelecer um par de opostos dentro de sua vida caótica. Durante
este processo, a névoa desapareceu; entre nós havia uma clareza de contato, que
123
não estaria presente caso tivéssemos nos limitado a atender a claridade durante os
períodos de confusão mental e de fragmentação. Ele começou a sentir uma raiva
profunda dentro de si, para com a esposa que perdia dinheiro, e depois pela mãe,
que o controlava, usando-o como uma criança. Ele percebeu, com algum medo, que
estava identificando sua esposa com a sua mãe e, neste momento, ele também
percebeu que estava com respiração presa, e sentindo medo de respirar. Assim,
pode reconhecer que uma fúria esmagadora contra a sua mãe habitava em uma
divisão fron-back que habitava nele e que lhe inseria nos processos dissociativos
para aniquilar a consciência dessa raiva. Mas estabelecia também uma restrição
geral de sua vida, de suas capacidades e suas recompensas. Como todas as
pessoas na área de loucura, ele estava limitado por isso. Mas não aceitava
conscientemente essa limitação. Prevalecia, em vez disso, uma espécie de auto-
imposição masoquista, um estado fortemente não criativo.
Ele me perguntou: "Porque você está explorando isso tudo agora, hoje e não
o fez antes?" Esta pergunta, de certo modo, me surpreendeu. Senti-me relutante em
dizer que estava escrevendo um artigo sobre a teoria do caos e dos estados
psicóticos, mas o fiz. Então lhe falei sobre o valor desses estados mentais, dizendo-
lhe que eles eram a prima materia alquímica e ele se sentiu aliviado. Poderia ter se
dividido novamente; voltou o estado de confusão mental. O meu comportamento
maníaco - falar sobre pensamentos que me interessavam - abriu a porta para uma
divisão mente-corpo; mas consegui capturar essa divisão, e retornamos aos opostos
na sua instância de loucura. Eu lhe sugeri que escrevesse a sessão e aproveitasse o
tempo para reconstruí-la. Diante dessa sugestão, sua ansiedade voltou. Ele sabia
que tinha de enfrentar esta área, e percebeu que sua vida tinha sido administrada
pela tentativa de evitá-la. Ele viu que seu medo subjacente consistia em ser
psicótico, por exemplo, que sua esposa era, na verdade, a sua mãe. Eu também
senti que ele estava me protegendo de uma transferência delirante e da raiva que
isso implicava. Mas atuar nos processos dissociativos dentro os estados de loucura
não era uma opção viável para ele. Deveria encontrar seu próprio caos de forma
criativa.
O analista, muitas vezes, pode ser orientado, em tais processos, pela reflexão
sobre as formas com que as civilizações anteriores lidaram com a loucura,
especialmente as formas que eles consideravam como um componente necessário
e funcional da transformação da personalidade. Como tal, a capacidade alquímica
de penetração e de compreensão sobre o a prima materia, particularmente como
está descrita no Rosarium Philosophorum, é uma guia indispensável para calcular as
ambiguidades e o potencial de transformação dos aspectos de loucura das pessoas
sãs.
modo louco, não se faz, como descobriram muitos que, no mito grego
enlouqueceram pela rejeição dos seus ritos. Nos mitos, aqueles que rejeitam
Dionísio cometem atos horrendos como o assassinato dos próprios filhos.
Posteriormente são desmembrados, literalmente despedaçados pela loucura.
A consciência por parte do analista, de seus graves fracassos, contaminação
da alma e a capacidade de reger essa história, de falar e permanecer vivo junto a
ela, dentro dele, lhe fornece o tom de voz adequado e o sentimento através do qual
a parte psicótica de um analisando pode ser conhecida e aceita. O analista pode,
através de entendimentos racionais que se voltam ao lado neurótico normal do
analisando, negar Dionísio, e perceberá que a loucura exigirá o seu pedágio sob a
forma de uma severa dissociação e um ataques brutais sobre a própria vida interior,
estados mentais geralmente sentidos pelo analisando quando o analista se retira
sutilmente e envia a mensagem de que ele não quer a loucura do analisando na
sala. Dionísio não é um tipo para perdoar desavenças, mesmo quando
transformamos rapidamente uma atitude. As defesas maníacas emergem, e o
analisando, muitas vezes, se volta para drogas ou alimentos a fim de acalmar a raiva
interior que é tão insuportável e destrutiva.
Dionísio é uma pessoa que gera uma invasão que se espalha entre as
pessoas em larga escala. É contagioso, tal como é a parte psicótica. Ele nos faz
tropeçar, o que, por sua vez, cria uma nova visão da vida. Convida-nos a reconstruir,
novamente, as nossas imagens psicóticas, e a não esperar por um longo período de
tempo. Quando conhecemos os opostos em sua forma dividida, conhecemos
Dionísio em sua natureza mais parecida com a natureza mortal, como diz Camille
Paglia, ‘na lama e no esterco do elemento ctônico' (1990, 6). Quando o analista o
encontra no campo interativo com o analisando, a conexão de coração e a
espontaneidade são inexistentes. Ambos sentem uma sensação de alienação, de
apatia, de vazio e um sentido de estranheza sempre presente. Pode-se abordar
esse desenvolvimento a partir de um ponto de vista apolíneo e falar de uma
‘sequência desordenada-despersonalizada’. Embora esta conversa Apolínea seja
clara, nos deixa um sentimento de desconforto: o analisando se torna estranho para
o analista e o analista se torna estranho para si mesmo.
Em Dionísio e na parte psicótica se esconde um assassino. A psicopatia de
uma pessoa reside na parte psicótica, na forma de uma crueldade que conhece
pouca compaixão pelos outros. No entanto, o analista jamais conhecerá essa parte
interpretando-a no analisando? Não importa o que o analista faz ao longo do
caminho, não importa como ele possa experimentar internamente o contágio do
‘deus’ e não importa como ele possa enquadrar essa experiência em uma
interpretação: o analista, em vez, mudou de nível, tendo passado de Dionísio ao
Apolíneo. A interpretação, muitas vezes, produz uma consciência repressora, não
uma consciência viva do modo em que se é, enfim, limitado pela loucura.
O analisando deve chegar a conhecer esta parte apenas pelo fato de ser
‘visto’ pelo analista, apenas por ser visto em sua estranheza e percepção do campo
interativo do momento. Além disso, o analisando verá a psicopatia do analista e
conhecerá nele aquela parte, e quando o analista souber reconhecer as percepções
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O seu corpo transmite uma mensagem e a sua mente outra, e juntos, eles
conduzem a um estado de confusão e loucura. Não é ela que deve se tornar
esquizofrênica sob o impacto de tais mensagens, mas a alma certamente tende a
perder-se e, interiormente, a reação é de manter as duas mensagens distintas.
Como acontece geralmente com defesas semelhantes, esta separação então se
torna uma divisão radical e as duas mensagens se tornam totalmente separadas, ou
seja, cada uma delas tenta ser toda a história. Quando o mecanismo dissociativo é
psicótico e leva aos opostos existentes como antimundos, esse mecanismo produz
grande angústia para a pessoa e para qualquer um que tente se comunicar com ela.
A imposição para ‘não notar’ o duplo vínculo, para negar sua existência, é
exemplificada por um analisando que estava falando sobre suas visitas ao seu pai
idoso. Durante a noite, seu pai estava ‘segurando um banco’, como de costume, e
criando uma atmosfera muito difícil de tolerar. Por exemplo, seu pai insistiu que ele
nunca tinha se preocupado com nada, o que deixou o filho estupefato e confuso.
Algo estava destoante; ele se sentiu irritado, mas não sabia o que dizer. Ele sabia
que seu pai não estava sendo sincero, mas também se sentiu inibido para falar.
Oscilou entre as duas polaridades, como se houvesse uma liminar secreta para não
dizer nada. Seu pai estabeleceu uma atmosfera em que ‘tudo estava bem’, e em que
não existiam conflitos. No entanto, havia claramente muitos conflitos. Ambas as
mensagens eram proeminentes. Ouvindo seu pai, ele de repente começou a sorrir,
não intencionalmente, mas de modo evidente, pelo qual seu pai lhe perguntou o que
estava sendo tão divertido. Esta pergunta quebrou o encanto e ele disse: “Porque o
que você disse não é claramente falso. Muitas vezes, de noite, você acorda às
04h00min e não consegue dormir por causa da sua ansiedade”. Seu pai ficou
chocado e estupefato. Naquela noite, o filho teve o sonho seguinte:
enlouquecer. Num certo sentido, a luta entre eles evidenciava que um dos dois fosse
louco. De fato, pelas regras do jogo de duplo vínculo, um deles tinha que estar
louco. Qualquer coisa que o pai estivesse tentando elaborar com a sua própria
mensagem psicótica, os estados mutuamente aniquiladores faziam com que o filho
sentisse que estava ficando louco.
Geralmente, as mensagens de duplo vínculo nascem de uma área louca do
projetor, o que torna muito difícil ter o que fazer com aquela pessoa. A relação com a
loucura de outro é, muitas vezes, uma opção inaceitável. Em vez disso, o medo e
sentimentos de impotência se transformam em fúria impotente. Talvez a lição mais
difícil de aprender ao enfrentar um duplo vínculo é que não se pode vencer. É
preciso aprender a sair do campo de batalha sabendo que a própria alma está em
perigo. Às vezes, este ato permite que alguém tenha alguma experiência imaginária
que movimenta o duplo vínculo em outro nível em que desaparece a imposição do
'não prestar atenção’ às mensagens opostas. Em outras ocasiões, se permanece
com a necessidade de reconhecer e afirmar algo que não é bom para mim. A
qualidade de tal resposta aparentemente infantil é, muitas vezes, percebida como
humilhante para uma pessoa enfraquecida pelo impacto do duplo vínculo, que
acredita que ele deve ser um herói e superá-lo. Geralmente, esse heroísmo assume
a forma de uma tentativa de obter o projetor da mensagem de duplo vínculo para
entender como ele está sendo contraditório. Não poderia ser mais inútil.
Nesse caso, um analista, é claro, não saberia como o pai do analisando
realmente era. O analista deve aprender a apoiar a experiência do analisando e não
se identificar com efeitos induzidos, irritantes e confusos de duplo vínculo. Para fazer
isso, o analista deve aprender a respeitar seus próprios limites, que lhes são
impostos por sua própria área psicótica. Por exemplo, dentro dessa experiência
específica, pode-se começar a aprender esses limites, se pudermos processar os
próprios estados mentais e, talvez, a própria experiência com o próprio pai. Outra
pessoa pode ser objetiva, mas o analista não deve acreditar automaticamente que
ele está fazendo isso. Tolerar essa subjetividade é a coisa mais difícil para um
analista que foi traumatizado, porque a reação diante de ser re-traumatizado é a de
lutar, de se retirar ou de tornar-se condescendente. Sustentar-se a si mesmo por
parte do analista, de modo honesto do, ‘as coisas estão assim’, em que sente os
próprios limites e assume a autenticidade e a importância, é um passo necessário,
porém extremamente difícil. O analista pode sentir como se ele se abrisse a si
mesmo para ser ainda mais traumatizado, e muitas vezes, o único aliado parece ser
o poder. Mas a lição que o analista pode aprender em tal processo é apenas o
quanto são tolas e, finalmente, quão impotentes são essas respostas de poder.
O impacto do duplo vínculo é visto mais detalhadamente no seguinte caso de
um homem que teve uma história crônica de seu temperamento e assustou sua
família. Ele nunca conseguiu entender realmente essas erupções, e se sentiu
impotente quando ocorreram. Ele começou a sessão falando sobre como se
machucou jogando futebol. Perguntou-me se eu acreditava em acidentes que
apenas ocorressem, ou se eu acreditava que eles sempre tinham um significando
mais profundo. Fiquei interiormente irritado com a pergunta. Eu não respondi
134
enquanto tentava resolver meus próprios sentimentos. Sua pergunta parecia ser tão
pesada, que me fez sentir um pouco amortecido. Se eu tivesse respondido aos
fatos, - por exemplo, dizendo: "Sim, os acidentes acontecem", ou talvez "Sim, eu
acho que tais eventos, muitas vezes, têm significado", eu teria me sentido vazio e
punitivo. Perguntei-me:
situação em que me colocou, como se qualquer coisa que eu lhe dissesse, seria
uma maneira de escapar de algo mais fundamental.
Neste ponto, a sessão poderia ter desencadeado em resolução de problemas
ou refletido sobre como se este conflito estivesse relacionado aos problemas iniciais
da sua primeira infância. Eu vaguei novamente em pensamentos sobre suas
grandes dificuldades com a separação de sua mãe e suas experiências igualmente
traumáticas com a aproximação. Veio-me a tentação de ver seu conflito como uma
repetição das velhas feridas que remontavam ao tempo crítico de vida de 2 a 3 anos.
Nós tínhamos lidado com essas questões muitas vezes em nossas sessões, e
recordá-las naquele momento teria sido para escapar de algo muito desconfortável,
e quanto mais me voltava aos meus sentimentos atuais, mais eu me sentia
desconfortável. Tinha um estranho abismo entre o estado mental caracterizado pelo
seu desejo de alienar-se e o seu sentido de culpa para com a família. Primeiramente
este abismo me parecia como um estado sutil, e fui tentado a ignorar a qualidade da
divisão e tomar parte, ora por um, ora por outro lado do estado, procurando conectá-
los entre si. Mas quanto mais eu aceitava o desconforto de não saber o que fazer ou
dizer, tornou-se mais claro que tais estados realmente representavam mundos
diferentes: estados mentais totalmente em oposição um ao outro, cada um
completamente fechado em si e dominando o outro. Assim, se eu tendesse a pensar
em um estado, como o treinamento, e para pedir-lhe que tomasse uma posição
heroica e fosse de encontro às próprias necessidades individuais, um estado
igualmente válido – ou igualmente pouco válido – teria seguramente prevalecido.
Porque entendi que estas mudanças teriam provocado tensão e confusão, escolhi,
em vez disso, lidar apenas com o estado dos mundos opostos. Eu então perguntei
se ele experimentou esses estados da maneira que eu descrevi, e ele ficou aliviado
ao saber que eu tinha consciência do seu processo interno. Esta consciência é
importante porque as pessoas em geral, se envergonham por haver divisão deste
tipo, que às vezes podem ser afastadas, mas que retornam com um efeito
paralisante. No entanto, tendo conseguido essa consciência, o que então se pode
fazer nesses dois mundos?
A sua mente não podia lidar com o conflito. Ele não tinha forças para manter
os opostos, e durante anos, quando se confrontava com dilemas deste gênero, caía
em um turbilhão de fúria impotente, e depois disso, ele se sentia terrivelmente
culpado. Ele parecia estar sendo confrontado com duas escolhas impossíveis, e não
conseguiu reuni-las. Eu me perguntei sobre o papel de sua esposa na criação de
seu estado mental, e novamente perguntei como ela tinha se relacionado com o
conflito entre treinamento e família. Ele disse:
Ela sempre diz que me apoia cem por cento, mas então ela vai e faz um jantar e
planos de teatro na noite anterior ao dia do jogo mais importante. Se a questiono
em relação a isso, ela dirá que estou apenas sendo rígido, e se eu não mantiver a
minha posição, eu nunca mais o farei. Isso parece certo. Porque eu tenho que
treinar até o último minuto? Por que eu sou tão compulsivo? Mas, eu sinto que
estou fazendo a coisa certa. No entanto, ela me explica com muita compreensão
psicológica. Assim, eu sinto que devo relaxar, ser menos tenso, ainda assim eu
136
também sinto-me chateado com isso e não posso pensar com clareza. Torno-me
confuso e zangado e sei que isso não está certo. Eu sou um desastre!
Perguntei-lhe, então, o que teria acontecido se ele tivesse falado com sua
mulher sobre o processo que estava atravessando. Por exemplo, perguntei por que
não fazê-la perceber que ela apoia totalmente o treinamento, mas também faz um
enorme jantar e outros planos para a noite em que chega o treinador? Perguntei
ainda como a esposa do analisando responderia à sua explicação em que ele se
sentiu em um duplo vínculo, e especificamente, se ela reconheceria ser parte desse
processo. Ele riu, explicando que não havia chance de que ela reconhecesse o
próprio papel. Ela só lhe dizia que ele estava ficando louco e que, de jeito nenhum,
ela estava transmitindo uma dupla mensagem. Não, ela realmente se importava com
seu treinamento, mas certamente seu jantar de aniversário também era importante,
e era somente a sua rigidez a responsável por criar problemas.
Ele sentia-se realmente preso. O que poderia fazer com a fúria assassina que
sentia? Eu reforcei a sua atenção sobre os opostos que estava vivendo, os
antimundos, e decidi experimentar uma abordagem diferente. Claramente, como ele
não conseguiu processar o duplo vínculo com sua esposa, era necessário superar
isso, movendo a análise para um nível diferente. Nesse caso, este movimento foi
facilitado pela reflexão sobre o paralelo mitológico de Sisiutl dos índios Kwakiutl que
amplificaram o conflito que ele estava experimentando.
Eu não tinha certeza se a narração do mito ajudou a ele ou a mim, mas
quebrei o feitiço do duplo vínculo, e uma solução começou a aparecer. Ele não
conseguiu encontrá-la sozinho e eu sugeri que poderia dizer para sua esposa que
ele havia decidido o que ele queria para o seu aniversário. Ele disse:
Esta abordagem era óbvia uma vez que tinha sido formulada. Ele não
conseguiu desconstruir o duplo vínculo, mas poderia ganhar alguma força da Sisiutl
interior, a força que ele nunca sentiu quando ficou enfurecido e impotente e desviou
o controle, e agora poderia simplesmente afirmar o que desejava em termos
completamente diferentes dos dela. Ele foi capaz de encarnar a sugestão, e
funcionou o suficiente para superar o conflito sobre o que ele iria fazer. Então,
aquela noite ele teve o seguinte sonho:
Duas tribos primitivas estão em guerra. Um chefe está falando com um xamã.
Disse-lhe que a sua tribo não tem a supremacia tecnológica de seu oponente, que
não pode competir com eles e que perderão. Mas o xamã lhe diz que ele tem os
feitiços certos para empregar, e que com estes vencerá a sua batalha.
Enquanto o bruto estava dormindo, Dionísio, sóbrio, vai escondido dele e com um
cordão robusto amarra os órgãos genitais de Agdistis em uma árvore. Ao acordar,
Agdistis 'se priva do que lhe tornava um homem (Vermaseren,1977, 91).
Do seu sangue nasce uma árvore. Quando a filha do rei, Nana, passa por lá,
fica surpreendida pela beleza do fruto da árvore. Ela escolhe alguns e coloca-os em
seu colo. De repente, uma das frutas desaparece e Nana fica grávida. Seu pai,
Sangarios (nome também de um rio da Frígia), quer assassinar a filha para evitar a
desonra. Mas a deusa intervém e organiza o nascimento prematuro de Átis. A
criança é abandonada, mantida viva por uma cabra e criada pelos pastores. Ao
crescer, se torna um pastor muito atraente que nem mesmo a poderosa Mãe dos
Deuses consegue resistir.
Nesta história, a paixão desenfreada na forma de Zeus leva a uma estrutura
destrutiva do Self, a hermafrodita Agdistis, que na realidade, é uma forma de Cibele.
Em outras palavras, a paixão leva-a diretamente ao aspecto destrutivo da deusa, à
140
Num primeiro olhar, pode parecer que o mito de Átis e Cibele, sobretudo
porque retrata o filho-amante da grande deusa, representa os esforços de separação
do mundo materno, e especialmente a separação dos machos de suas mães. Nesta
perspectiva limitada, tanto a deusa mãe, quanto uma mulher real são vistas como
perigosas para um homem que deve desenvolver a capacidade de se separar.
Quando as energias do mito são interpretadas dessa maneira em um homem, ele
tende a relegar as mulheres a uma função limitada: elas deveriam ser qualquer
coisa, exceto Cibele. Equivale a dizer que deveriam ser compreensivas, amorosas,
doadoras, mas não pessoas com suas próprias necessidades e padrões de
existência. Este tipo de visão concreta do mito reduz o seu significando, com um alto
custo para ambos os sexos.
De modo mais produtivo, pode-se entender que este mito representa tanto um
drama intra-subjetivo, quanto às vicissitudes dos estados de união entre duas
pessoas. O gênero não limita a aplicabilidade do mito a uma relação qualquer; tanto
o macho ou a fêmea podem fazer a experiência das dinâmicas que o mito Átis-
Cibele apresenta como um drama intra-subjetivo. Um homem fará a experiência da
própria consciência e da capacidade de penetrar e desvelar novas habilidades
psíquicas, como se a sua consciência estivesse presa em outra força que impedisse
tais descobertas. Ele pode projetar essa força sobre a mulher, ou pode experimentá-
la como um conflito interno, o que naturalmente é preferível. Uma busca agressiva e
atos novos ou independentes desencadeiam a ansiedade, porque implica em deixar
o mundo da fantasia das eternas possibilidades. Além disso, em um nível intra-
subjetivo, ele experimentará a separação como medo de tornar-se abandonado em
uma relação. Uma mulher, no controle desse tipo de complexo de Átis-Cibele,
experimentará um campo intra-subjetivo semelhante. Uma força interna, que é
experimentada como ‘outra’, obriga-a a se envolver e a se fundir com os outros. O
próprio desejo de separação e autonomia e a própria capacidade ativa de separação
são terrivelmente impedidas porque as pulsões de individuação são ‘semelhantes a
Átis’. A cultura dominada pelo masculino quer que o aspecto Cibele da mulher seja
controlado. Mas o fator Cibele também pode encontrar-se nos homens e
especialmente em seus lados femininos, nos seus estados de humor irracional que
eles podem projetar nas mulheres. E uma mulher pode projetar sobre um homem o
seu lado Átis não desenvolvido e assustador. Ambos se manterão secretamente no
desprezo mútuo. Então, a mulher, em certo sentido, torna-se como uma Cibele para
o homem, e ele como um Átis para ela. O mito é projetado para fora e torna-se
especialmente destrutivo.
Outra possibilidade, mais alinhada com o modo de pensar alquímico, é a que
consiste em considerar que a díade Átis-Cibele domina, como uma força de campo,
o modo de interagir de um casal, como se outro casal invisível dominasse a
interação consciente. Esse casal invisível e inconsciente é, naturalmente, aquele de
Átis e Cibele. Esta díade cria um campo que duas pessoas podem participar no
143
sentido de serem movidos por suas correntes de energia e pelo seu modelo
intrínseco de comportamento. Eles experimentam este campo como um vaso
hermeticum, isto é, como um espaço que as contém, mas que contém também as
relações objetais observáveis como uma ‘terceira coisa’ entre eles. A forma primitiva
do campo Átis-Cibele, como evidenciado no mito, tende para a fusão e para a
literalização, uma forma de atuar ou concretizar os afetos e os sentimentos de
desejo. A partir deste campo, as pessoas realizam abordagens sexuais
inadequadas, ou fazem promessas que não são realistas em seu melhor interesse.
Alquimicamente, este campo é representado por uma hermafrodita negativa ou por
um dragão.
Esta forma primitiva, literalizada do mito está em oposição à ‘terceira coisa’
experimentada como um ‘outro’, com as suas próprias dinâmicas ligadas às
projeções e à imaginação de ambas as pessoas. Uma experiência semelhante da
‘terceira coisa’ acontece quando ambas as partes sentem o mistério a que
pertencem e estão dispostos a experimentar o estado de fusão sem literalizá-lo,
conquistando, assim, um novo nível de intimidade que também pode ser
internalizada como intimidade para consigo mesmo. Alquimicamente, esta condição
é retratada por um casal consciente em coito, mostrado na décima primeira imagem
do Rosarium, deitado sobre as águas e dotada de asas (Fig. 21). Os alquimistas
trabalharam sobre tais campos para transformá-los de uma dinâmica de fusão
dominante (em que uma pessoa teme ou está sobrecarregada pelas emoções da
outra) em um campo que possui uma dinâmica rítmica de separação e fusão, em
que nenhuma polaridade leva vantagem sobre a outra. O famoso ditado alquímico
de ‘matar o dragão’ representa este tipo de transformação. O objetivo desta
transformação era o lápis, aquela estrutura do Self, cujo ritmo de base consistia na
coniunctio purificada de todas as dinâmicas negativas de fusão, bem como, o seu
outro lado, o distanciamento sem alma.
O desejo, com sua qualidade poderosa e compulsiva, é o elemento mais
dominante que impede a purificação do campo Átis-Cibele. A qualidade esmagadora
compulsiva do campo adormece a consciência e induz todas as outras faculdades
em uma fusão com o objeto. Em seu estado transformado - a transformação
expressa em uma imagem alquímica do corte das pernas de um leão – o desejo é o
ingrediente chave. É o fogo que conduz o processo. O psicanalista francês Luce
Irigaray nos oferece um profundo insight do desejo e do espaço ou ‘intervalo’ em que
a união pode ser experimentada, quando afirma:
os pólos positivos e negativos se dividem entre os dois sexos (...) criando um elo
ou um duplo ciclo em que cada um pode mover-se para o outro e voltar para si (...)
A fim de manter a distância, não se deve, talvez, saber, como se comportar?
Como falar? No final se chega à mesma coisa. Talvez a capacidade de comportar-
se requer um espaço ou um receptáculo permanente, talvez, uma alma ou uma
mente? (1987, 121).
2
O vento é o pneuma oculto na prima matéria.
145
É preciso aprender como entrar e sair do campo de união; e até que não se
adquiriu experiência suficiente para lidar com a área, ou não se entra por nada e se
permanece narcisicamente isolado, ou tenta entrar e é imediatamente engolida pelas
energias magnéticas do campo e fundida com elas. Todo o empreendimento é
extremamente doloroso, pois se abrem feridas antigas, colocando sal no decorrer do
processo. Mas se encontra o próprio caminho apenas através de excursões
repetidas nesse território, e através da reabertura de feridas suturadas para que
possam, com o tempo, curar corretamente.
A imagem da Turba é um exemplo de uma qualidade extremamente fundida
da coniunctio que conduz à transformação do dragão, a qualidade compulsiva de
concretização/divisão da qualidade da psique. A mulher foi assassinada pelo
‘Filósofo’ isto é, pelo alquimista. Ele matou o desejo de se retirar para a
inconsciência e também o desejo de destruir a união dentro de si ou do seu metal.
Tendo morrido, ela agora está transformada. Ela está acorrentada ao dragão que
representa tanto a tendência para a fusão, quanto a tendência de fugir da
experiência de campo. Esta imagem arcaica da qualidade do campo interativo
146
perece ‘semelhante à morte’. Cada um que faz essa experiência interativa do campo
pode sentir-se como se estivesse em uma sepultura, sempre sob a vantagem de ser
devorado pela morte da inconsciência. Este estado extremamente enervante desafia
constantemente a confiança do indivíduo. Neste estado, as ‘armas e o veneno’ estão
sempre prontos para reaparecer, o que significa que se sente em perigo e se tenta
buscar alívio através da dissociação do perigo de ataque que se percebe. Tratando-
se do perigo de ser acometido pelo ódio, pela raiva ou pela inveja, nesta experiência
de campo se está sempre no fio da navalha. Quase todos têm áreas de trauma em
suas estruturas da própria personalidade, e todos, portanto, têm reações quase
instintivas para evitar ser re-traumatizadas. Retroceder para a inconsciência através
da retirada ou dissociação é um meio ponto para evitar a re-traumatização. Muitas
vezes, a regressão deve ser evitada, e assim o dragão está acorrentado à mulher.
Esta imagem representa um envolvimento com o processo.
O assassinato do dragão significa que começou a transformação do impulso
para concretizar a paixão ou o oposto, para fugir dos estados de fusão. O ponto de
transformação ocorre quando o dragão é ‘transformado inteiramente em sangue’.
Em outras palavras, ele se torna uma tintura sentida como paixão, mas a tintura
ainda não é utilizável, ainda não é segura. Necessita ser feito algo a mais, e 'deixá-lo
alguns dias no sol, até que sua suavidade seja consumida, e o sangue seque e eles
encontram esse veneno’ (Jung, Obras, vol. 14, p. 26).
A ênfase é após a secagem, o que significa que toda inconsciência deve ser
exposta - sendo a água representativa de inconsciência. Esta tarefa desafiante
solicitará de qualquer um, até o limite, enquanto requer que se faça a experiência de
tais estados amedrontadores de fusão e se saia modificado por eles enquanto
experimenta a tentação de recair na inconsciência - o veneno - de modo que ou se
funde com as energias do campo que conduz ao acting out, ou então, se separa da
experiência. Mas se for bem sucedido, aparece o ‘vento escondido’. Em outras
palavras, uma maior experiência espiritual surge do devastador campo de fusão.
Este aspecto da Turba (como toda a passagem) não é simplesmente uma
imaginação fantástica, mas uma metáfora de uma experiência real. Pode-se fazer a
experiência de ser quase devorado pelos estados de paixão, sejam de ódio ou amor;
e, ao mesmo tempo, pode-se experimentar o campo que, continuamente quase
mata qualquer conexão, com o resultado de desejar simplesmente evitar toda a
provação. A última coisa que se espera é que tudo isso tenha um propósito espiritual
escondido. No entanto, isso é exatamente o que pode acontecer.
Assim, a Turba, um dos textos alquímicos conhecidos mais antigos, pode ser
visto como a descrição de uma forma perigosa da prima materia semelhante à
descrita no mito Átis-Cibele. O dragão é o componente Átis que é transformado com
sucesso, assim como é a mulher, Cibele, de modo que emerge uma orientação
espiritual.
O vento escondido é a atitude espiritual que é necessária se alguém deve
lidar com o impossível dilema de fusão-distanciamento que caracterizou a prima
materia no mito de Átis-Cibele. Na Turba, como na alquimia em geral, o vento, o
espírito, sai da matéria - no décimo primeiro quadro do Splendor Solis (Fia 7). O
147
O mito Átis-Cibele, e com ele as formas terríveis da Grande Deusa que ele
encarna foram realmente um problema para a humanidade à medida que evoluiu a
partir da cultura neolítica através da Idade do Bronze. O ‘vento escondido’ realmente
se mostrou muito escondido, e a qualidade devoradora do inconsciente, simbolizada
pelos aspectos destrutivos de Cibele, superou qualquer potencial para o
desenvolvimento da consciência. O Antigo Testamento e a religião patriarcal de
Israel nasceram naquele período (cerca de 1200 a.C.) quando a Grande Deusa tinha
uma forma extremamente destrutiva. Esta nova religião monoteísta se baseava
sobre as experiências do numinosum. Mas, aparentemente, era impossível para a
emergente religião patriarcal utilizar essa visão para se relacionar com os mistérios
da união, o hieros gamos. Esse era o centro religioso dos cultos da Grande Deusa.
O impulso obscuro e regressivo do inconsciente era muito forte; não tinha ‘vento’ o
suficiente que pudesse relacionar-se com o tipo mais antigo de visão e com os
mistérios da união. Em vez disso, o deus do Antigo Testamento, Yawheh, cuja forma
simbólica era, entre outras, a ruach, o vento, foi criado no contexto da supressão do
culto da Grande Deusa, fazendo dela um objeto de desprezo, escárnio e ódio.
Era necessário, essencialmente, matar Cibele, para reprimi-la totalmente, de
modo que um ego patriarcal, com base no desejo de ordenar a natureza, pudesse
surgir? Em Símbolos da Transformação, Jung considera o aspecto positivo da libido
instintiva e explica que o sacrifício é visto mais claramente na lenda cultural de Átis.
Jung considera o motivo da libido instintiva, e explica o sacrifício é visto mais
claramente na lenda cultural de Átis, o amante-filho da mãe dos deuses de Agdistis-
Cibele.
Tornado demente pela mãe desesperada em loucura, incendiado de amor por ela,
ele se castrou sob um pinheiro, árvore que tinha desempenhado um papel
importante em seu culto; uma vez por ano um pinheiro era enfeitado com
guirlandas, dependurando-se nele uma efígie de Átis-Cibele e, portanto, ele foi
espancado. Cibele então pegou o pinheiro, levou-o para a caverna e chorou sobre
ele. Neste contexto, a árvore, obviamente significa o filho; de acordo com outra
versão, Átis foi, na verdade, transformada em um pinheiro, que a mãe Cibele leva
de volta à sua caverna, o que quer dizer, o útero materno. Ao mesmo tempo, a
árvore também tem um significado materno, a união do filho ou a efígie na árvore
mãe e filho (...). O corte do pinheiro corresponde à castração e é uma
reminiscência direta disso. Nesse caso, a árvore teria, mais do que qualquer coisa,
significando fálico. Mas uma vez que a árvore significativa principalmente a mãe, a
sua queda tem o significado de um sacrifício da mãe. É possível desembaraçar
essa intrincada sobreposição de significado somente reduzindo a um denominador
comum. O denominador é a libido: o filho personifica o desejo da mãe, desejo que
existe na psique de cada indivíduo que se encontra em uma situação semelhante.
A mãe personifica o amor (incestuoso) pelo filho (...). O corte do pinheiro, ou seja,
148
uma consciência de não ter sido visto ou amado. E quando temos a coragem de nos
encaminhar na individuação, surge o drama de Átis e Cibele. Todos, em diferentes
níveis, estamos presos nesta rede pela qual a separação leva à morte, isto é, a
morte da paixão e do vínculo relacional que motivou a separação, assim o
entusiasmo e a paixão se transformam em desânimo. Nessa mesma rede, estamos
presos também pela demanda da individuação e pela exigência – igualmente grande
ou maior – de permanecer com um objeto interior de amor, conhecido ou mais
provavelmente, nunca conhecido o suficiente. Nesta luta, na maioria das vezes,
escolhemos uma solução de compromisso, uma espécie de castração parcial
através da obediência coletiva em que o coletivo ganha a projeção da mãe
desejada. Aqueles que estão presos pela luta entre as suas pulsões individuais e
uma fraqueza de ego, baseada em medos ou traumas, muitas vezes,
inconscientemente, projetam a Terrível Mãe em uma situação externa, e depois
sutilmente ou não tão sutilmente, atacam-na. Por sua vez, eles são atacados e
enquanto os atacantes podem ter seu próprio material sombrio, o próprio material-
sombra, de fato, a pessoa atacada atua internamente no mito Átis-Cibele e é
crucificada pela sua dinâmica, bem como, pelo ataque emocional externo.
Qualquer que seja a forma assumida no drama, ele existe em cada um como
um estado ontológico, não apenas como uma imagem dos fluxos profundos da libido
no próprio inconsciente. Ao envolver-se com estes fluxos, não só em um nível
individual, mas como um drama entre duas pessoas, a alquimia encontra a própria
força e o mistério.
Na prática clínica, o analista encontra duas reações principais ao processo
dinâmico representado pelo mito de Átis-Cibele, isto é, os estados com estrutura
narcisista e os estados borderline. Ambas são reações ao que aparece como o
impossível drama, fusão-separação. No caráter narcisista, a fusão é mantida através
do controle do objeto, enquanto na separação também é mantida através da defesa
narcisista que afasta todo envolvimento afetivo. No transtorno borderline, o dilema
fusão-distanciamento é resolvido com deslocamentos radicais em direção à fusão
com um objeto, sentindo o medo pela perda da identidade, com um retrocesso para
um estado de distanciamento, com o objeto que agora carrega sobre si uma
projeção de medo e perigo extremo. Às vezes, estas oscilações se combinam,
levando ao estranho sentido de excentricidade que pode permear o trabalho com
pacientes borderline. Lá onde essas defesas caracterológicas falham, emergem as
áreas psicóticas; caso contrário, elas permanecem escondidas, em um grau ou
outro, na estrutura do caráter. O processo psicótico é uma reação ao fato de não se
estar em grau de lidar com os impulsos de fusão, de não conseguir nem separar-se,
nem permanecer na fusão.
A ligação de Jung entre Penteu e Átis é digna de nota, pelo fato de que
Penteu foi despedaçado porque rejeitou Dionísio. Mas reconhecer dentro de si o
‘deus louco’ é a única maneira de lidar com o drama Átis-Cibele, ao passo que
rejeitar a loucura é uma maneira de aumentar o drama. Por esta razão, a prima
materia alquímica, muitas vezes, foi comparada como caos, e o caos é um dos
melhores sinônimos para os estados internos de loucura.
151
CAOS E CONIUNCTIO
O filósofo Petasios afirma: “O líder (...) é tão possuído pelo demônio e impensado
que aqueles que querem investigar a realidade, tornam-se vítimas da fúria ou
perdem a razão” (Jung, Obras. vol. 14, p. 358).
Vênus, rainha do sexo feminino, menina virgem (...). A prima materia é, sobretudo,
a mãe do Lápis, do filius philosophorum (Obras, vol. 14, p. 23).
Tal casamento, que começou com grande alegria, acabou com a amargura do luto
(...). De fato, se o filho dorme com a mãe, ela o mata com um golpe de uma víbora
(Obras, vol. 14, p. 24).
Mais adiante, Jung discute ainda sobre a ligação entre a prima materia, a
morte e o filho. A prima materia
estruturas podiam ser dissolvidas e depois se tornar uma prima materia adequada.
Mais uma vez, Jung comenta:
O que para nós é essencial na definição da prima materia é o fato de que ela foi
designada como a massa confusa e ‘caos’, referindo-se ao estado original de
hostilidade entre os elementos, à mistura desordenada que o aurífero
gradualmente conduzia à ordem, pouco a pouco, por meio de suas operações
(Obras, vol. 14, p. 391).
Diz-se que a prima materia possui um corpo imperfeito, uma alma transparente e
constante, uma tintura penetrante e um claro mercúrio transparente, volátil e
móvel. Contém o sentido do ouro dos filósofos e o mercúrio dos sábios (1973, 10).
Mas o ‘corpo imperfeito’ - o que significa o corpo na sua forma em que não é
um veículo de consciência, que não é sentido como uma presença viva em que o
indivíduo está ‘dentro’, e também não é percebido como fonte de instinto e paixão
que podem ser controlados conscientemente - necessita ser transformado em um
veículo sutil de consciência. Pois só então pode ser feita a Pedra dos Filósofos, isto
é, um Self em que espírito e corpo estão unidos, com ambos funcionando como
fonte de consciência e nenhum dos dois é considerado mais importante do que o
outro.
Do ponto de vista alquímico, a prima materia que se revela em um estado de
união é um nome para certo padrão de energia psíquica e de estruturas associadas
que constituem uma experiência em que um nível numinoso de vida psíquica - como
na iluminação espiritual ou na coniunctio – encontra o mundo dos eventos
separáveis espaços-temporais. Qualquer tipo de afeto ou de estado mental, ou de
padrão pode ser a prima materia, desde que ocorra na interface onde o numinosum
encontra a vida encarnada.
A prima materia é, neste contexto, um conjunto de padrões e de energia a ela
associada que emergem quando a alma faz uma experiência transcendente e depois
retorna ao mundo da consciência do ego. O Splendor Solis identifica o material
primário a ser trabalhado como um ‘mineral', uma substância formada onde o céu e
a terra se encontram (McLean, 1981, 100). O caos que é desejado e procurado
nesta união é, muitas vezes, carinhosamente chamado ‘o nosso Caos’. Não é
simplesmente um estado desordenado, mas sim segue uma união anterior.
O Musaeum Hermeticum (1678) inclui um tratado alquímico intitulado 'Entrada
ao Palácio fechado do rei’, escrito por um anônimo “Sábio amante da verdade’: Foi
escrito por volta de 1645 e o autor diz possuir 23 anos:
157
Deixe o aluno inclinar seu ouvido ao veredicto unido dos Sábios, que descrevem
esta obra como análoga à Criação do Mundo. No princípio Deus criou Céu e
Terra; e a Terra estava sem forma e vazia, e o Espírito divino se moveu sobre a
superfície das águas. E Deus disse: ‘Que haja luz ‘, e a luz se fez. Estas palavras
são suficientes para o estudioso da nossa Arte. O Céu deve estar unido à Terra no
jazigo da amizade; assim ele deve reinar na glória para sempre. A Terra é o corpo
pesado (...). O Céu é o lugar onde as grandes luzes giram, e através do ar
transmitem suas influências para o mundo inferior. Mas, no início, existia um caos
confuso. O nosso caos é, como era, uma terra mineral (em virtude de sua
coagulação), e ainda assim, volátil, no centro da qual está o Céu dos sábios, o
Centro Astral, em que a sua luz irradia a superfície da terra (...). Eu agradeço a Ti,
ó Deus, porque escondestes estas coisas do sábio e prudente, e as revelastes aos
pobres de espírito! (Waite, 1973, vol. 2, p. 167-68),
Seja duplamente prudente (...) e descobrirá que a terra tornou-se bastante seca e
profundamente escura. Esta é a morte do composto; os ventos cessaram e há
uma grande calma. Este é um grande eclipse simultâneo do Sol e da Lua, em que
o Mar também desapareceu. Nosso Caos está pronto, do qual, por vontade divina,
todas as maravilhas do mundo emergem sucessivamente (Waite, 1973, vol. 2, p.
188).
O ponto básico de Jung é que o mito Átis e Cibele indica uma mudança
fundamental na consciência, uma mudança que desde os tempos pré-cristãos foi
bloqueada ou está falida. A tentativa do cristianismo de uma resolução resultou na
transcendência. A alquimia, no entanto, a corrente subterrânea da cristandade,
chegou mais próxima de um resultado. A sugestão de Jung de que a alquimia
funciona como um fator de equilíbrio para o cristianismo em um plano transpessoal,
da mesma forma que o sonho funciona para o nosso Self consciente no nível
pessoal é um exemplo de sua extraordinária amplitude de visão. Este modo de ver,
de acordo com von Franz, resultou em uma descrição da relação entre os dois
mundos da alquimia e da cristandade ‘que é insuperável’ (1975, 216). No entanto, a
alquimia foi uma compensação não só para a cristandade, mas também para todo o
159
8
160
Uma natureza é misturada com a outra natureza, uma natureza conquista a outra
natureza, uma natureza domina a outra natureza.
natureza, uma natureza conquista outra natureza, uma natureza domina outra
natureza”. Grande foi a nossa admiração pela maneira como ele se concentrou,
em poucas palavras, toda a Escritura (Lindsay, 1970, 102).
Lindsay observa:
Graças ao Self como agente de contenção que mantém vinculada a rede dos
opostos e, graças e esta mesma vinculação ‘vista’ no campo, uma nova natureza se
tornava perceptível, como na próxima etapa do ‘Axioma de Ostanes': ‘uma nova
natureza supera a natureza’. Neste processo, a nova natureza assumiu a forma
terrível que o analisando percebia como objeto de segundo plano. Ela se sentia
constantemente atacada por essa forma de segundo plano, que reconheceu como
apresenta de sua experiência materna.
Esta ‘presença’ de um objeto de segundo plano negativo - um oposto total à
experiência positiva de um ambiente de espera, de ‘ser apoiado’ - foi crônica na
analisanda. A existência de tais divisões front-back entre o que está diante e o que
está no fundo, é um padrão arquetípico da psique. Muitos sistemas meditativos
tentam constelar um objeto positivo em segundo plano. Quando eu consegui ‘ver’
esse objeto de segundo plano, e ela também pode reconhecê-lo, emergiu uma nova
e mais estável consolidação. Essa ‘nova natureza’ superou a natureza anterior. Até
que o objeto de segundo plano poderia ser 'visto', outras formas de divisão não
ocorreram. Mas esse estado da consciência imaginária era altamente instável; por
este motivo, a última fase, ‘uma natureza domina outra natureza’, ainda não havia
ocorrido. Em vez disso, eu e a analisanda passamos, repetidamente, através dos
dois primeiros estados, vivendo muitas experiências de transferência, na esperança
de adquirir mais estabilidade, assim como ela tinha feito com sua filha. O que,
muitas vezes, é notável em processos semelhantes, é que, apesar da instabilidade
da ordem do tipo fugaz que aparece, ocorre um processo de mudança de estrutura
em transformação, em geral, é uma verdadeira surpresa, e que certamente nos
surpreendeu.
Os antigos princípios essenciais do processo de transformação estão
descritos no conto de ‘Isis a profetisa ao seu filho Horus’, em que Isis revela o
segredo da alquimia. De acordo com Lindsay, “Isis desempenha apenas uma
pequena parte na literatura alquímica além desse trabalho (...). Existem duas
versões que não diferem substancialmente. As passagens da segunda versão foram
adicionadas entre parênteses:
Você, meu filho, você decidiu partir para a batalha com Tufão, de modo a disputar
com ele o reino de seu pai. Quanto a mim, depois da tua partida, eu fui para
Hormanouth, onde a Arte Sagrada do Egito é praticada em segredo. E depois de
ter ficado lá por muito tempo, eu desejei voltar.
Bem, quando eu estava prestes a sair, um dos profetas ou anjos que habitam o
primeiro firmamento me viu (graças a uma estação favorável e de acordo com o
movimento necessário das esferas). Ele veio em minha direção e queria acasalar-
se comigo, em uma união amorosa.
(Eu estava prestes a fazer o que ele queria), mas recusei-me. Eu exigi que antes
ele me contasse sobre a preparação de ouro e da prata.
No entanto, ele exibiu certo sinal de que tinha na cabeça e um vaso que segurava
entre as mãos e que não continha peixes, cheio de água transparente. Mas ele se
recusou a me dizer a verdade.
No dia seguinte, tendo voltado a mim, Amnael estava tomado pelo desejo em
relação a mim e (incapaz de conter a sua impaciência) apressou-se em pedir para
obter o objeto pelo qual tinha vindo.
Mas, quanto a mim, eu deliberadamente não tomei conhecimento (e não perguntei
nada sobre tudo isso).
165
No entanto, ele não parou de tentar me conquistar e me convidar para o ato, mas
recusei-me a me deixar levar. Eu recusei a sua luxúria até que ele estivesse
pronto para me mostrar o sinal em sua cabeça e me revelar, generosamente, e
sem esconder qualquer coisa, o mistério sonhado.
Então ele decidiu me mostrar o sinal e revelar os mistérios. Começou enunciando
os detalhes e os juramentos - e aqui está o que ele expressou:
"Jura no céu e pela terra, na luz e na escuridão. Juro no fogo, na água, no ar e na
terra. Jura no topo do céu e nos abismos dos Tartaros. Jura por Hermes e Anubis,
e pelo rugido da serpente Ouroboros e de Cerbero, o cão de três cabeças,
guardião do Hades. Jura pelas Três Deusas do destino, em seus chicotes e na
sua espada".
Quando ele me fez jurar por todas essas palavras, prosseguiu solicitando-me para
jamais comunicar a ninguém a revelação, exceto você, meu filho amado e legítimo
(para que ele pudesse ser você, e você, ele).
Então, vá então, meu filho, a um determinado trabalhador (Achaab) e pergunte o
que ele tem semeado e recolhido, e aprenderá com ele que o homem que semeia
o trigo também colhe trigo e o homem que semeia cevada, também colhe cevada.
Agora que você ouviu esse discurso, meu filho, e aprenda a compreender a
fabricação inteira, (demiurgia) e a geração dessas coisas, e saiba que a condição
do homem consiste em semear um homem, de um leão, semear um leão, de um
cão, semear um cão, e se acontecer que um desses seres seja produzido contra a
ordem de natureza, será gerado no estado de um monstro e não pode subsistir.
De fato, uma natureza se alegra com outra natureza, e uma natureza conquista
outra natureza.
(Então, tendo compartilhado este poder divino e tendo sido favorecido por essa
presença divina, iluminados graças ao pedido de Isis) devemos preparar a matéria
com o auxílio apenas dos minerais, sem usar outras substâncias (e conseguir o
nosso objetivo graças ao fato de que a matéria adicionada é da mesma natureza
daquela que foi preparada). Assim como eu lhe disse, o trigo gera o trigo, o
homem gera o homem, e do mesmo modo, o ouro gera o ouro. Veja, o mistério
está todo aqui (1970, 195).
A batalha entre Horus e Seth é a antiga luta desses deuses egípcios em que
Horus arranca os testículos de Seth enquanto Seth arranca um dos olhos de Horus.
Em um homem, esta batalha representa a clássica ‘luta com a sombra’ entre
atitudes alternativas: uma emocional e violenta, e muitas vezes, malvada,
representado por Seth; a outra espiritual e relacional, boa, representado por Horus.
Em uma mulher, a batalha entre Horus e Seth representa um conflito entre as
atitudes internas: uma posição espiritual, geradora de vida, e uma força demoníaca,
de morte. De acordo com Ogden, o conflito encarna a dinâmica da identificação
projetiva:
não existe verdadeira vida, é uma espécie de estado abstrato, ideal. Para torná-lo
vivo, deve ter ‘sangue’, deve ter o que o os alquimistas chamavam a rubedo, a
‘vermelhidão’ da vida. Somente a experiência total de todos os estados do ser,
pode transformar o estado ideal de albedo em um modo de existência plenamente
humana (Mcguire e Hull, 1977, 295).
168
Porque foi dito, que a Lua contém em si o enxofre branco (...), todavia, a forma do
fogo ainda está escondida embaixo da brancura. Portanto, apesar disso, é
possível que da Prata seja feito o ouro. Depois disso, o Filósofo diz: 'Não se
tornará ouro, a menos que tenha sido prata por primeiro (McLean, 1980, 80).
transcendente, um Self que não pode ser encarnado, mas que se encontra também
em grau de criar um eu. Estes dois aspectos do Self, imanente e transcendente, não
estão confusos na tradição alquímica. Se bem que essas fontes de benção e
significado têm uma semelhança substancial, são experimentadas em âmbitos com
diferentes escalas. Com essa consciência, o alquimista nunca deixa de conhecer o
seu lugar no Cosmos, e a inflação já não poderá traí-lo.
Geralmente, o Rosarium, em seu estado de Rubedo, consolida um eu que
pode viver sem fusão com os outros e que faz experiência de uma paixão pelo
vínculo - com os outros e consigo mesmo - que não é repudiado de um dia para o
outro pelo medo de ser engolido e contaminado.
A transformação dos processos interativos favorece este resultado, em que se
obtém um eu sensível, tanto do modo ‘lunar’, quanto do ‘solar’ de relações e de
experimentar o numinosum, como o pergaminho desta imagem da ‘coroação’ afirma:
Verdadeiramente, a lua é a mãe; e o pai, do filho foi criado; o seu pai é o filho. O
dragão não morre sem o irmão e a sua irmã; e não por um somente, mas por
ambos.
Se alguém intuir que o outro tem certo pensamento, provavelmente este será
levado a pensar aquele pensamento. A intuição parece funcionar através do
sistema simpático, e sendo uma função semi-inconsciente, permite também
emergir um efeito inconsciente no objeto da intuição. Ao tratar com os intuitivos,
percebemos que eles podem intuir uma coisa de tal modo que ela vem como
lançada na nossa espinha dorsal, na nossa medula espinhal, e nós devemos
reconhecer que estávamos pensando nisso, mesmo se, na sequência,
percebermos que aquele pensamento não era certamente o nosso (...) (1988, 616-
17).
Uma projeção é uma coisa muito tangível, uma espécie de coisa semi-
inconsciente que produz uma carga, como se ela tivesse peso real. É exatamente
assim que os primitivos a entendem, um corpo sutil (...). É interessante que os
alquimistas tenham descrito a fabricação da pedra como uma projeção. Ou seja, é
algo que está separado do indivíduo: separamos algo e estabelecemos que ele
possui uma existência independente, colocando-a fora de nós. Agora, isso pode
170
irmão e irmã: pares vistos como qualidades opostas do corpo sutil, ou no interior de
um campo interativo.
O Rosarium oferece ainda outro ponto de vista sobre a serpente de duas
cabeças, que é especialmente importante na fase da rubedo, caracterizada pelas
últimas dez xilografias. De fato, a serpente existe no nível do chakra da testa, o que
significa que o Binarius está centrado em um nível de visão espiritual.
A visão transcendente que o alquimista Albertus acreditava ser necessária
para a sua obra - "enquanto a alma não sair do corpo para acederá ao Céu, jamais
chegará a esta Arte” (McLean, 1980, 110) – inevitavelmente se encarna novamente
uma vida de espaço e tempo comuns. Em seu vínculo com o numinosum, a alma,
que se torna capaz de experiência espiritual e física, chega além de sua
temporalidade existencial; mas ao retornar à vida encarnada e ao ego, a alma
encontra ansiedades esmagadoras. Como resultado, a pessoa experimentará um
intenso estado de confusão e divisão de opostos, como se ocorresse uma
lembrança da ordem e a luz da unio mystica, mas se encontra totalmente perdida
em um estado oposto de medo e total desorientação. Se o indivíduo não for muito
sobrecarregado nesta conjunção ao ponto de se tornar extremamente psicótico,
essas oscilações entre os mundos contrários se acalmarão, e como resultado,
poderá iniciar o processo de encarnação do numinosum, que pode eventualmente,
levar à criação de um eu interior estável e espiritual. Essa estrutura psíquica do eu é
uma dos pontos de partida dos alquimistas, como está descrita na sua visão de que
é preciso o ouro para fazer o ouro. Quando Jung (1988) lida com o corpo em sua
análise da obra Assim falou Zaratustra de Nietzsche, ele afirma que um indivíduo
necessita ter um espírito para colocar no corpo antes de poder entrar no corpo e
fazer a experiência da sua natureza sutil. Se não tiver a presença deste início
espiritual, entrar no corpo não conduz a uma experiência transformadora, como do
corpo sutil e da união mente-corpo.
Portanto, as angústias psicóticas representadas pela serpente de duas
cabeças, ou as mesmas angústias da loucura do reino dionisíaco, não devem ser
consideradas dentro de um paradigma evolutivo como, por exemplo, uma defesa
contra a perda de identidade em estados de fusão. Essas angústias certamente
podem servir à função de evitar níveis mais profundos de dor, mas o Rosarium
reconhece que esse nível de angústia é necessariamente concomitante à
experiência de iluminação. Quando um indivíduo está passando por níveis
psicóticos, como as intensas oscilações entre opostos no Binarius, ele pode ser
acalmado e o estado pode se tornar criativo se o outro indivíduo a ele relacionado
cria um sentido de contenção. Um apoio positivo semelhante pode ocorrer se esse
indivíduo conhece o nível de angústia psicótica como o resultado da iluminação, e se
torna capaz de empatizar com quem sofre o estado da intensa angústia, mas esta
empatia deve vir acompanhada pela lembrança da iluminação anterior a esta
experiência de perda atual. O sujeito que sofre não está consciente deste nível
espiritual, mas a suposição que se pode fazer, de modo alquímico, é que ele existe
como precursor do caos que está sendo experimentado. Assim, na sétima xilografia
profética do Rosarium, conhecida como Impregnatio (Fig. 15), a alma ascende ao
173
céu e deixa para trás um ser hermafrodito morto. Do ponto de vista consciente, um
indivíduo ou um casal experimentando a dinâmica representada por esta xilografia,
conhecerá apenas um estado terrível de desorientação e perda de qualquer forma
de conexão interna ou externa. No entanto, de um ponto de vista mais profundo,
afirma-se que essa conexão perdida, a alma, se encontra no processo de ser
impregnada por uma forma mais elevada de consciência.
Essa abordagem alquímica é ‘não-redutora’ e espiritual, no sentido de que os
estados mentais não são vistos como fantasmas de falhas evolutivas da
personalidade. O papel de consciência espiritual revela-se especialmente importante
quando o analista e o analisando encontram as últimas dez xilografias da rubedo. De
fato, então eles devem ‘acrescentar’ não só paixão e encarnação, no sentido de
viver o Self no mundo real (o que ainda não é parte da opus na fase da albedo das
dez primeiras xilografias), mas também devem acrescentar a consciência espiritual,
cuja experiência foi um tanto embotada ou perdida no processo de encarnação. O
nível lunar da albedo, a ‘Pedra branca’ criada através da décima xilografia (Fig. 18),
em que uma estrutura do Self que une os opostos foi alcançada (embora de forma
‘aquosa’ ou instável, ainda sujeito à perda temporária através de afetos intensos),
deve se juntar com a consciência espiritual. Esta inclusão da vida espiritual pode se
tornar um problema, pois pode ser empregada para fugir do mundo, das relações e
do corpo. A vida espiritual pode se tornar um refúgio seguro contra conflitos
intensos, de perda e abandono, como acontece em muitas disciplinas espirituais que
o Ocidente assimilou. Então, quando a vida do espírito é reincorporada, deve ser
feita sem perder a visão encarnada, lunar, e o sentido do eu criado na albedo. Esta
incorporação do espírito de modo encarnado é realizada no estágio da rubedo
através de uma consciência aguda da necessidade de sacrificar a consciência solar,
ou seja, aquele tipo de iluminação e de consciência que a alma adquire em seu
modo intuitivo ou espiritual. Durante o processo deste sacrifício, o indivíduo, mais
uma vez, anima a ‘Pedra Branca’ até que ela se transforme em sua forma final,
‘Vermelha’ que integra espírito, paixão e vida encarnada, incluindo o comportamento
no mundo.
como a sua raiva intensa também está relacionada às suas experiências iniciais e
com as mulheres em geral. Desta forma, ambos poderiam começar a elaborar as
qualidades da sombra.
Essa descoberta mútua é o início de um processo alquímico de
transformação. Mas como eles entram no reino do corpo sutil, em um lugar onde a
transformação pode acontecer? Inicialmente, eles se encontram em um estado de
lidar com as emoções que cada um sentia como sendo repugnante. Certamente eles
não se suportariam mutuamente de modo consciente aos estados destrutivos de
raiva e aos estados corrosivos de desprezo. Os alquimistas falavam de uma
‘repulsividade’ nesse início ou o Caos e que não é necessariamente óbvia. A
insistência do marido em parar, esperar e sentir, foi um ato de penetrar em um caos
que poderia ter sido facilmente evitado. A disposição da esposa para ouvir, refletir,
reconhecer e perceber o próprio desdém foi uma reação que poderia ter sido
facilmente evitada. Se um dos dois não estivesse disposto ou incapaz de estar
consciente de seu lado sombrio, eles não poderiam ter entrado no reino do corpo
sutil. Na alquimia, a opus poderia começar a partir de um estado de repulsão. No
texto alquímico 'Novum lumen, a ignição da arte', é explicado da seguinte maneira:
Ao filósofo inteligente Deus permite por meio da natureza (per naturan) tornar
visíveis as coisas escondidas na sombra, para tirá-las da sombra. (...) Tudo isso
acontece, e os olhos dos homens comuns não as vêem, mas os olhos do intelecto
(intellectus) e a força da imaginação as percebem com verdade, verdadeira visão
(Jung, Psicologia e Alquimia, p. 261-262).
Assim, agora pode ocorrer um ato imaginal. Eles podem agora, ‘decidir’ ir
além. Eu enfatizo ‘decidir’ porque um deles deve assumir a liderança para fazer as
perguntas: "Em que consiste agora, a nossa díade inconsciente? '' O que está nos
movendo?” Este ato sempre é acompanhado por alguma resistência. Ambos devem
desistir do controle neste momento. Pois já não é a ‘minha raiva’ ou o ‘meu
desprezo’, ou a ’sua raiva’ ou o ‘seu desprezo, mas agora ambos devem perder tais
pontos de vista projetivos e, em vez disso, entrar em um campo com uma vida
própria. Mas ainda tem mais, pois este ato também é uma entrada em um espaço
liminar onde existe igualdade e falta a relação hierárquica. Neste espaço
desaparecem as normas coletivas, tais como o tabu do incesto e, de acordo com
Victor Turner, "nasce um uma quantidade considerável de afeto – ainda que de afeto
ilícito” (1974, 257). Este modo de espaço revela paixões, especialmente aquelas
conhecidas através de movimentos incestuosos. No seu interior, a ‘raiva dele’ e o
‘desprezo dela’ estão associados às figuras parentais e aos primeiros sentimentos
incestuosos. Estes aspectos tornam o ‘movimento’ para uma díade inconsciente um
ato que geralmente, tem em si, certo sentido ilícito, juntamente com uma perda de
poder e de controle.
Se eles escolhem entrar neste espaço, ambos podem então considerar que
existe dois estados entre eles, raiva e desprezo. E se eles tentassem imaginar que
entre eles, metaforicamente falando, existe um casal - uma mulher com desprezo
por um homem e um homem com raiva intensa em relação a uma mulher? Isto é,
176
eles podem tentar se separar de sua identificação individual com esses afetos, e
podem, em vez disso, movimentá-los imaginalmente para o espaço entre eles e
começar a senti-los como um par de afetos em que ambos se encontram, mas que
ambos podem observar.
Se um casal permitir que tal díade exista, cada um pode sentir que está em
um ‘espaço relacional’ em que é movido por energias não experimentadas
anteriormente. O espaço torna-se vivo. Não só ambos mantêm o ritmo da coniunctio,
mas também cada um pode se identificar com os lados da díade. O homem pode
começar a sentir o seu profundo desprezo pelo lado masculino da mulher, e a
mulher pode sentir uma raiva intensa pelo lado feminino do homem. Assim, a
sensação de um campo entre eles permite com que experimentem uma fluidez de
identidade e de papeis ativos e passivos. Além disso, a consciência individual de
ambos se expande porque devem perceber o quanto as suas estruturas profundas
são dotadas de atitudes poderosas. E todo o tempo eles podem experimentar como
o campo em si existe e também como ele transporta os seus pensamentos
conscientes como o mar transporta as suas ondas. Através dessa experiência, eles
podem começar a reconhecer que são partes de um mistério, enquanto a raiva e o
desprezo são apenas palavras, apenas formas que revestem um mistério muito mais
profundo de opostos. Os alquimistas falariam de Sol e Lua, e seria claro, como é o
caso no Splendor Solis e no Rosarium Philosophorum, o casal transforma os
próprios papeis ativos e passivos.
Assim, de uma simples observação - uma crítica que poderia facilmente ser
evitada, sem dúvida, como foi feito anteriormente com centenas de observações, por
esse casal hipotético – pode-se penetrar em um reino misterioso que pode
aproveitar a vida e convidar a relação a um confronto. De fato, o campo tem seus
próprios fluxos, os próprios desejos e movimentos para a união, e o poder magnético
da coniunctio com as suas dinâmicas, coloca em jogo muitas facetas da vida
inconsciente que cada um pode desejar manter inconsciente. De um encontro árido,
a sua ‘terra’, como os alquimistas diriam, tornou-se ‘frondosa’, revitalizada, e assim
seus os corpos agora se atraem; e sentem-se envolvidos por um mistério que
sempre esteve presente, ainda que escondido em sua simplicidade.
Ao entrar em um campo com suas formas diádicas determinantes e fluidas,
ambos, de certo modo, não apenas se submetem a uma autoridade superior, mas
também devem também confiar no fato de que o outro não usa indevidamente o
próprio poder. Caso consigam alcançam sucesso no processo, geralmente se
sentirão mais próximos, como nunca antes. Com efeito, eles compartilharão um
mistério; em um sentido restrito, mas significativo, eles terão sido iniciados juntos no
mistério da sua relação.
que são especialmente importantes, pois elevam a transição para o espaço liminar
da coniunctio. A terceira xilografia, a 'Verdade nua', retrata o casal despido de suas
roupas, e suas paixões incestuosas são mais evidentes (Fig. 10). O Sol diz: “Oh Lua,
deixe-me ser seu marido”, enquanto a Lua exclama: “Oh Sol, com certeza que eu lhe
obedeço”. E a pomba descendente traz consigo a inscrição: "É o espírito que
vivifica". A variante da imagem afirma: "É o espírito que une" (Fabricius, 1976, 34).
Em vez de serem diretamente conectados pela mão esquerda, o contato
incestuoso potencialmente esquerdo, Sol e Lua estão agora conectados por uma
rosa que cada um, respectivamente detém na mão - Lua, a rosa branca e o Sol, a
vermelha. Assim eles foram separados da paixão incestuosa, cujas energias agora
podem ser mostradas mais abertamente, umas para as outras. As inibições de Sol e
Lua estão superando a resistência para entrar em relação.
Enquanto no ‘Contato com a mão esquerda’ cada uma das rosas termina com
duas extremidades, e na ‘Verdade nua’, cada uma delas têm somente uma
extremidade. Sol e Lua estão superando a sua ambivalência e sua tendência para a
divisão. As duas rosas da pomba se tornaram a rosa mystica, a rosa que simboliza a
unio mystica do amor no nível ‘espiritual’ do incesto. O texto que acompanha a
terceira xilografia do Rosarium descreve:
Aquele que for iniciado nesta arte e nesta sabedoria secreta deve deixar a vício da
arrogância e deve ser devoto, justo e de espírito profundo, humano para com seus
semelhantes, de um semblante alegre e uma disposição feliz e respeitosa para
com isso. Da mesma forma, deve ser um observador dos segredos eternos que
lhe são revelados. Meu filho, eu exorto-te, acima de tudo, ao temor a Deus, o qual
conhece a tua disposição e, junto ao qual, encontra auxílio todo aquele que está
abandonado (Jung, Obras, vol. 16, p. 243).
através da qual pode olhar para baixo, enquanto o corpo é apenas uma forma de
organização de elementos naturais, uma forma que se desintegraria
imediatamente sem a vitalidade assegurada pela alma. Finalmente, só a alma
pode transmitir ao corpo todas as atividades vitais, incluindo o movimento, por
meio do proton organon, o aparelho espiritual localizado no coração (...). O corpo
abre à alma uma janela para o mundo através dos cinco órgãos sensoriais, cujas
mensagens vão para o mesmo aparelho cardíaco que agora está envolvido em
codificá-las para que possam tornar-se compreensíveis. Chamadas de fantasia ou
sentido interior, o espírito sideral transforma as mensagens dos cinco sentidos em
fantasmas perceptíveis para a alma. De fato, a alma não consegue entender nada
que não seja convertido em uma sequência de fantasmas; em suma, não pode
entender nada sem fantasmas; o sensus interior, sentido interior ou o senso
comum aristotélico, que se tornou um conceito inseparável não só da escolástica,
mas também de todo o pensamento ocidental até o século XVIII, mantem a sua
importância mesmo para Descartes e reaparece, talvez pela última vez, no início
da Crítica da razão pura de Kant. Entre os filósofos do século XIX, ele já perdeu a
credibilidade, e foi transformada em uma mera curiosidade da história, limitada
aos livros especializados no assunto, ou se tornando alvo exposto ao ridículo (...)
(1987, 4-5).
O dragão não morre, a menos que seja assassinado por seu irmão e sua irmã, e
não por um só, mas por ambos de uma só vez. Sol é o irmão e a Lua é a irmã
(McLean, 1980, 49).
opostos que compõem uma díade inconsciente entre dois indivíduos e a sua
sucessiva relação com a união desses opostos. O estado de união da quinta
xilografia, seguida pela morte dessa união, representada na sexta e sétima
xilografias (Fig. 12, 14, 15), constitui a sequência essencial da coniunctio-nigredo, a
dinâmica central de transformação através da qual um Self é eventualmente criado.
No processo desta evolução, o campo interativo pode mudar de formas que tendem
a uma literalização de seus conteúdos, em formas que estruturam ritmicamente a
união e a separação e mantém esta estabilidade em meio a uma variedade de
distúrbios relacionais, internos e ambientais.
O caminho alquímico da transformação, representado nas xilografias do
Rosarium, descreve um padrão de transformação que ocorre continuamente no
inconsciente, na luta de toda a vida para criar um Self. Segundo Jung:
(...) Esta morte é um estágio transitório a ser seguido por uma nova vida.
Nenhuma nova vida pode surgir, dizem os alquimistas, sem que antes tenha
morrido a antiga. Eles comparam a sua arte ao trabalho do semeador, que enterra
o grão de trigo na terra: ali ele morre para despertar para uma nova vida (Obras,
vol. 16, p. 262).
184
Saibas meu filho, que esta a nossa pedra, que possui muitos nomes e várias
cores, é organizada e composta pelos quatro elementos. Devemos separá-los e
dissecar os membros, dividindo-os em fragmentos menores, mortificando as
partes, e transformando-as na natureza que já está nela (a pedra) (McLean, 1980,
45).
"O orvalho que cai", afirma Jung, "é um sinal do iminente nascimento divino".
Para Jung, o orvalho
O mesmo pode ser dito do campo; ele é renovado e assume uma forma
purificada. A décima xilografia, 'Rébis', representa a realização da 'coniunctio
branca', isto é, a conjunção para a qual tende todo esforço nas xilografias anteriores
(Fig., 18). Pode-se compreender que a hermafrodita representa uma qualidade de
186
campo em que existe um estado estrutural que permite uma conexão entre mente e
corpo, ou entre consciente e inconsciente, mesmo em meio a estados de perda e
abandono iminentes. A conexão com o próprio coração e o vínculo imaginário com a
outra pessoa através da imaginação do coração (Corbin, 1969, 219-22) já não
desaparece. A figura hermafrodita está em pé sobre a lua crescente, significando um
fundamento que está enraizado na mudança, mas também supera o estado mortal
de abandono.
Jung apresentou uma posição muito negativa sobre a imagem do 'Rébis'
como apareceu no Rosarium (Obras, vol. 16, p. 315). Ele acreditava que era uma
monstruosidade e que representava o modo em que a mente alquímica ignorava a
projeção e a sexualidade. Em outro lugar, eu argumentei (Schwartz-Salant, 1984,
1989) que Jung se equivocou sobre este ponto e que estava reagindo à ênfase de
Freud sobre a sexualidade, o que é evidente em suas observações sobre o 'Rébis'.
Mantenho sempre esta visão, mas penso também que a intuição de Jung tem valor,
pois a sexualidade e a paixão ainda não foram negociadas com a fase da albedo do
Rosarium. Estes incêndios da vida humana começaram o processo de
transformação no ‘Contato com a mão esquerda’ da segunda xilografia (Fig. 9), mas
eles estimularam a criação de um Self psíquico, a ‘Pedra Branca’, com falta de
paixão e de uma sexualidade integrada. Ou como afirmou Jung, a fase da albedo da
transformação ainda carece de ‘sangue’, que simboliza uma paixão pela vida:
Mas neste estado de ‘brancura’ não existe vida verdadeira, é uma espécie de
estado abstrato, ideal. A fim de torná-lo vivo, necessita-se infundir o ‘sangue’, a
rubedo, a ‘vermelhidão’ da vida. Somente a experiência de todos os estágios do
ser pode transformar este estado ideal da albedo em um modo de existência
plenamente humana. O sangue sozinho pode reanimar um estado glorioso da
consciência em que o último traço da escuridão é dissolvido, no qual o demônio já
não tem uma existência autônoma, mas está integrado reconstituindo a profunda
unidade da psique. Então, a opus magnum está concluída: a alma humana está
completamente integrada (McGuire e Hull, 1977, 229).
O filho hermafrodito (...) está infectado desde o seu berço devido à mordida do cão
raivoso corasceno; por isso ele fica enlouquecido de raiva e com uma hidrofobia
perpétua. No entanto, apesar de todas as coisas naturais, a água é a mais
próxima dele, mas ele fica amedrontado com isso e foge. O destino! No entanto,
no bosque de Diana há, porém, um casal de pombas, que alivia sua loucura
delirante. Então, o cão raivoso, rabugento e grosseiro, para que ele não sofresse
mais com as recaídas de sua hidrofobia, mergulhando nas águas, para não
permanecer no fundo, veio à superfície meio semi-asfixiado (...). Mantiveram-no à
distância e a escuridão desapareceu. Quando a lua resplende ao máximo do seu
fulgor, dá-lhe asas e ele voará como uma águia (Jung, Obras. vol. 14, p. 148-49).
certamente, ser explorada, mesmo que tivesse começado a aparecer muito imaterial,
não concreta, e eu voltei a uma visão de identificação projetiva, partes psicológicas
que eu projetava nela e ela em mim. Por sua vez, essa abordagem de identificação
projetiva perece muito restrita, uma vez que impedia uma percepção de significado.
Desta forma, possibilitou o surgimento da consciência da oscilação entre os níveis
evolutivos e míticos. Estas oscilações caracterizam a experiência de campo
interativo quando é ativada. Modifica o sentido do espaço, como no ditado alquímico:
"Esta pedra está embaixo de ti, ao teu lado, acima de ti e ao seu redor "(Jung,
Obras, vol. 14, p. 53).
Podemos entender que nossa interação incluía uma ‘terceira coisa’, um reino
mítico que estava ordenando e tecendo juntas as partes psicóticas de nossa psique.
Para revelar este reino, poderemos olhar nos bastidores dos nossos episódios
psicóticos. Eles eram sempre precedidos por um estado de união inconsciente,
geralmente (eu descobri ao examinar seus sonhos) indicado por temas nupciais.
Então, se instaurava uma nigredo devastadora. Por exemplo, o sonho de um
casamento precedeu a sessão em que eu insisti que entre nós tinha uma conexão.
Eu reconheci que meus tempos periodicamente difíceis com esta analisanda foram
precedidos por tais sonhos; neste momento, descobri que eu poderia elencar quatro,
e poderia haver mais.
O simbolismo da coniunctio é extremamente variado e sutil, geralmente não
tão evidente como o casamento e as imagens nupciais, neste caso particular. Em
vez disso, é preciso lidar com as imagens obscuras de união, e às vezes é fácil
ignorar as imagens que podem implicar a existência da coniunctio, como os animais
em luta, ou motivos oníricos, um fogo começando na adega, um ladrão entrando, ou
o pai do analisando morrendo. Jung também se refere à imagem de um relâmpago
em um raio e o nascimento da pedra. Mas essas imagens podem ser facilmente
consideradas como representações da existência intrapsíquica do analisando, ou
como o reflexo do material infantil emergindo através da transferência. O que, muitas
vezes, é visto como um freio na evolução é, na verdade, o resultado de uma
coniunctio ocorrendo entre duas realidades psíquicas e a transferência-
contratrasnferência negativa é um estado de união que leva o analista a tentar evitar
ou interpretar defensivamente.
Nesse caso, a metáfora alquímica ‘nossa’ nigredo foi encontrada e
gradualmente contida. Poderíamos, então, ter encontrado nosso rumo, lidar
imaginariamente com o material que tinha nos devorado, e conseguir fazer isso sem
perder o sentimento? Às vezes, diante da sua solicitação, a analisanda e eu,
voltávamos para a fatídica sessão em que procurava lidar com a nossa relação em
termos de qualidade sadomasoquista. Fiquei perplexo e, às vezes, senti-me
perseguido pela sua insistência de que ainda tínhamos questões sem solução,
embora já tivesse aprendido a respeitar sua resistência e continuar até que se
esclarecesse de modo satisfatório, o que tinha ocorrido naquela sessão.
Mesmo se ela tivesse se rebelado anteriormente diante da minha formação de
que ‘ela me ouviu dizer o que eu havia dito’, agora também estava profundamente
perturbada com o conteúdo. Estava convicta de que eu realmente pensava que ela
193
era uma prostituta desagradável. Senti-me ansioso pela sua queda mais profunda
em um estado psicótico me que se desencadeavam impulsos suicidas devido ao seu
desespero pela perda da capacidade de pensar e pelo seu medo de ser psicótica.
Ela sentiu que nunca mais iria sair desse estado. Eu tentei lembrar-lhe que naquele
momento eu acreditava que estávamos em sintonia e que ela necessitava entender,
pois eu estava desempenhando um papel e não estava, por nada consciente, ao
dizer que ela era desagradável. Na verdade, eu acreditava que deveria prevalecer
um estado totalmente contrário, um estado em que sentisse uma profunda afinidade
com ela, um efeito comum da coniunctio (Jung, Obras, vol. 16, p. 241), como se ela
fosse uma irmã intimamente conhecida com quem eu tinha o direito de dizer ou
sentir qualquer coisa que fosse. Só então compreendi que esse pensamento era só
meu e não compartilhado por ela. No entanto, ela ainda sentia não ter nenhum
direito e, se alguma coisa, sentia-se totalmente em meu poder. Ela poderia advertir,
mas apenas sentia uma profunda raiva. Através destes sentimentos - denominados
de parentesco - nossas partes psicóticas dominavam secretamente o campo
interativo, e uma díade sado-masoquista estava sendo bem mais ativada, do que
expressa. Então eu tive que perguntar-lhe: "Ma eu estava convencido de que você
fosse uma prostituta nojenta?" Eu precisava reconhecer que, de alguma forma, eu
poderia dizer ‘sim’, porque na medida em que sentia que era seu irmão no incesto,
eu também sentia que ela me seduzia.
As imagens da prostituta são encontradas na alquimia. A nigredo emerge
desta imagem; a prostituta como o lado escuro da lua, fere o sol (Jung, Obras. vol.
14, p. 30). No entanto, fui levado a reconhecer que essa imagem também se referia
ao meu setor psicótico, estruturado por formas míticas como o mito Átis-Cibele.
Quando o estado do meu ego normal foi fortemente afetado por esse padrão
arquetípico, senti-me em perigo de ser dominado pelas necessidades e desejos da
analisanda. De modo bem mais real, me parecia estar sendo engolido e de ter
perdido a minha autonomia; era bem possível que eu estivesse me dividindo da
minha realidade psíquica e tivesse deposto toda a confusão e a angústia nas mãos
da minha analisanda. No entanto, ao ser capaz de me relacionar imaginariamente
com a presença dessa instância arquetípica e com o estado do ego a ele associado,
eu poderia agora começar a perceber a minha projeção sobre ela, mesmo que eu,
conscientemente, não a tinha como sedutora e perigosa. Então ficou claro para mim
que, através da constelação deste padrão arquetípico, eu a vi como uma prostituta e
a tinha odiado pelo poder que ela tinha sobre mim e também pelo desejo se fundir-
me com ela para neutralizar esse poder e para recuperar a sensação de amor.
Assim, começou a esclarecer-se uma díade inconsciente, análoga à fusão Átis-
Cibele.
Em termos do Rosarium, esta díade estava presente durante a sessão inicial;
era um ‘contato com a mão esquerda’ (segunda xilografia, Fig. 9) em que nossa
psique inconsciente estava fundida através do desejo, enquanto simultaneamente,
lutavam contra qualquer contato afetivo. Então, caso eu tivesse mais experiência
naquele momento, eu poderia ter conseguido manejar bem melhor com esta
194
qualidade de campo, porque teria tido mais consciência de que a nigredo tem as
próprias dinâmicas que são muito fortes e que induzem a estados de loucura.
Uma vez que esta loucura foi elaborada, nosso processo poderia continuar
em uma maneira menos estressante e conflituosa. O Rosarium indica a condição de
'Verdade Despida' como qualidade de campo da terceira xilografia. Eu deveria
reconhecer e assumir a responsabilidade pelos meus erros subjetivos para com esta
analisanda. Naquele momento este modo de proceder foi narcisicamente
humilhante: fiquei chocado diante do modo com o qual eu tinha sido e ainda
continuava inconsciente. Mas aquele procedimento permitiu-nos continuar de
maneira útil e de experimentar a natureza da nossa conexão emocional.
O analista pode entender o analisando de várias maneiras, através da
empatia, através das reflexões sobre a própria experiência e através da consciência
dos padrões evolutivos ou arquetípicos. O analista pode fazer intervenções e
interpretações baseadas em tais compreensões. Mas a visão imaginária - o pilar da
modalidade alquímica - só será disponível para o analista quando ele vê
conscientemente através dos olhos dos próprios complexos. Foi este o modo de
confrontar a qualidade da inconsciência mútua neste caso e, como resultado, eu
cheguei a níveis de minha própria psique que eu costumava encontrar, mas não com
a qualidade arquetípica e autônoma. As percepções imaginárias que o analista pode
ter são confiáveis somente se ele as elaborar assim que fizerem algum sentido,
tanto do ponto de vista evolutivo, quanto arquetípico. Este duplo ponto de vista será
sustentado pela percepção do analista. Neste caso, tive que perceber a extrema
angústia e a loucura que abrangia a parte dividida da minha analisanda, como
defesa das suas experiências de ter sido violada incessantemente. Por exemplo, eu
poderia me concentrar sobre a posição esquizoparanoide Kleiniana e sobre a
dificuldade da minha analisanda de assumir a posição depressiva, mas também era
importante perceber a sua loucura interna como um resultado da coniunctio que
ocorreu no processo analítico.
Enquanto eu não reconheci e assumi a responsabilidade por níveis dentro de
mim, em que estava atuando um mito do tipo Átis, a minha analisanda foi deixada
com os seus sentimentos delirantes, a sua visão negada. Como consequência, ela
não poderia ter uma ideia clara do que estava ocorrendo entre nós. Em vez disso,
sua visão manifestava-se através de dores corporais e da angústia em relação e
essa sessão particularmente sadomasoquista. Necessitou uma coragem
considerável para ela poder conter a própria confusão e o próprio desconforto, em
vez de se desprender da própria visão e tornar o seu Self complacente, árido e eu
competente. A consciência deste nível arquetípico e da sua natureza avassaladora
foi para mim a chave para entrar com ela em uma fusão centrada no coração, a
ponto de perceber o seu processo. Inspirada em suas preocupações, que poderiam
ser facilmente reduzidas à paranóia eu também tive que reconhecer que eu
realmente falava sobre ela como uma prostituta, não apenas como um ator no seu
drama. Ao desvirtuar meus sentimentos desta maneira pessoal e vulnerável, eu fui
capaz de sentir a dinâmica arquetípica subjacente que poderia tecer esses estados
de desejo e fusão, distanciamento e ódio.
195
torturava, e a falta de contenção era, às vezes, muito irritante para mim. A pesquisa
de Jung sobre a alquimia sugere que estava no lugar também um processo
inconsciente, em que se estava procurando, ou talvez, elaborando a cobiçada
conexão através do coração (Obras. vol. 16, p. 274-75).
Alguns meses depois, ela teve outro sonho de casamento; esta coniunctio e a
consequente nigredo foi ainda mais devastadora. Ela falou agora de se sentir
‘totalmente dispensável’. No entanto, apesar da intensidade dos sonhos, e ainda a
presença de pensamentos suicidas e de isolamento emocionais, agora ela estava
muito menos esquizoide. Sentia-se como se a sua parte jovem, que tinha se
escondido quando criança, na esperança de não ser encontrada, agora também
fazia parte do material do seu processo. Anteriormente, essa parte só era percebida
através de um campo interativo de não vínculo. Esta nova espiral descendente
continha o material anterior, mas incluía também uma importante mudança
estrutural. Sentimentos de distanciamento e falta de relação ainda a atormentavam,
mas eram menos intensos em geral, e eram particularmente menos intensos
enquanto ela estava comigo.
Na sessão seguinte, ela disse que durante a sessão anterior estava diferente.
Quando eu disse-lhe que também sentia que ela estava diferente agora, introvertida
e reflexiva em vez de distanciada, respondeu-me dizendo que também notou essas
mudanças. Quando saiu do consultório, disse adeus. Anteriormente, nunca dizia
nada, simplesmente saía.
O estado da união, portanto, atua como um ímã que atrai estados mentais
divididos, níveis de abuso da alma que, muitas vezes, podem ser muito horríveis de
serem contemplados. A coniunctio evidenciou um processo que limpa a díade
analista-analissando como se fosse uma corrente em um vasto mar, e as realidades
psíquicas individuais balançavam-se subindo e descendo juntas como partes do
inconsciente há pouco integrado. Às vezes, o analista se engana quando apenas
presta atenção a este movimento mais profundo, especialmente quando a
contratransferência, como no caso da fatídica sessão com a qual comecei este
estudo de análise clínica. No entanto, se não tivéssemos abordado o movimento
maior entre nós, a contenção que foi criada teria sido muito pequena para o
processo da analisanda. Este foco mais estreito a teria impulsionado em direção à
consciência ou então às acusações, e a teria distanciado da sensação de que nós
estávamos juntos, tecendo nossa história que, de certa forma, correspondia ou
recriava sua história de vida precoce, mas que também era a sua criação pessoal.
Nesse caso, pudemos reconhecer gradualmente o propósito da nigredo de
dissolução das defesas rígidas da analisanda (e as minhas) contra a loucura e, mais
importante, a dissolução das defesas contra a dor subjacente e a vulnerabilidade
que sua alma abusada sofreu. Como consequência, gradualmente ficou claro que
esse processo não era apenas o dela, mas também nosso, através do qual
estávamos mudando juntos.
Na medida em que a analisanda, gradualmente se tornou mais capaz de se
conectar com sua alma dividida, o seu distanciamento diminuiu, e uma imaginação
centrada no coração tornou-se possível. Eu pude sentir uma vitalidade no meu
197
pode se dissolver, sob o impacto das paixões; e sem a integração de uma ampla
gama de desejos, esta imagem pode degenerar em um perigoso estado de fusão.
transformação do Sol (Fig. 23). O texto que a acompanha fala do enxofre vermelho
digerido pela lua prateada. A condição da hermafrodita morta é chamada de
nutrimentum. Em outras palavras, o estágio da nigredo agora é sentido de forma
mais consciente na sua função de transformar o potencial da natureza invasiva e
compulsiva da consciência. O desconforto e a dor do abandono, não são mais o foco
principal.
A importância da transformação da consciência não pode ser excessivamente
enfatizada. O mundo moderno valoriza altamente o ‘fazer’ em detrimento do ‘ser’.
Para o analista possuir um verdadeiro estado de consciência sobre o processo de
seu analisando – uma consciência obtida, por exemplo, da transferência ou da
interpretação dos sonhos - e sacrificar essa consciência está longe de ser uma
questão simples. Um ato de sacrifício semelhante desaparece em a face dos valores
coletivos e a um incremento narcisista provocado por um ato de ‘conhecimento’.
Além disso, sacrificar a consciência sobre o processo do outro pode conduzir a uma
regressão para um estágio ‘aquoso’, a menos que o analista saiba que está
desistindo de algo que lhe pareça muito precioso, para um objetivo ainda maior.
Quando se possui esta consciência, o campo interativo é posteriormente vivificado
ao serviço da relação, um mistério em que o analista sabe que o analisando pode se
tornar consciente sobre o analista, do mesmo modo em que ele possui consciência
do analisando.
Na décima quarta xilografia, denominada ‘Fixação’, a hermafrodita já não é
alada, e, em vez disso, uma mulher nua ascende ao céu (Fig. 24). Na sétima
xilografia que é a sua correspondente da fase do albedo do Rosarium, a alma
ascendente era masculina, e a qualidade do campo transmitia a perda de qualquer
capacidade de penetração sólida, deixando ambos os indivíduos em um estado de
vazio e morte. A décima quarta xilografia significa o fim da vida totalmente lunar das
qualidades de campo anteriores, especialmente da fase da albedo, e indica o início
de uma nova vida solar da hermafrodita. A consciência, juntamente com o seu
elemento potencialmente compulsivo e assassino da alma, é transformada. O Self
que, eventualmente ressuscita, requer essa transformação para sua estabilidade
final em meio à mudança.
Semelhante à oitava xilografia (Fig. 16), a décima quinta xilografia do
denominada 'Multiplicação', apresenta uma descida de chuva do céu (Fig. 25). Nela,
como observa Fabricius, o enxofre solar já não está ‘fermentando’ na pedra que o
‘nutre’, mas a ‘fixa’, ‘multiplicando-a’ em sua terra. Essas xilografias são, portanto,
todas as transformações do elemento masculino, o ‘enxofre’ ativo e agressivo que é
penetrante, mas que também pode ser corrosivo. Os alquimistas compreendiam que
sofrendo a consciência dessas qualidades negativas, poderia surtir o efeito na queda
do orvalho, uma chuva que causa um efeito multiplicador sobre o produto, a pedra
(Fabricius, 1976, 154).
Este estado de multiplicação não é um desejo fantástico, mas um resultado
da experiência, pois quando a qualidade do Self do analista foi forjada no calor dos
processos, como os que foram descritos pelo Rosarium, terá tal efeito. Este efeito
pode ser chamado de ‘introjeção’; mas a introjeção é apenas um termo abstrato para
205
Eu sou a lua crescente, úmida e fria, e tu, o sol, é quente ou úmido (ou também
seco). Quando nos unimos em igualdade de hierarquia em nossa casa, o que não
pode ocorrer, exceto por meio de um fogo suave, que carrega consigo uma
206
elevação, devemos estreitar-nos nele e nos tornar como a nobre mulher que o
marido levou para casa.
Se tu desejares fazer isso e não me fizer algum mal, então o meu corpo deverá
mudar novamente; em seguida, eu lhe darei um novo poder de penetração, graças
ao qual tu te tornarás poderoso na luta do fogo da liquefação e da purgação. E tu
sairás de tudo isso sem diminuição, nem escuridão (...) e não serás combatida,
porque não te rebelarás (McLean, 1980, 101-02).
Self solar, sabendo que esse risco é uma maneira pela qual se honra a alma e a
verdade. Somente enfrentando e superando os perigos do ‘Leão Verde’, pode-se
evitar tornar-se rígido ou invulnerável no processo de negar o ‘mundo objetal’ no seu
poder de ferir. Este nível de força pode experimentar as paixões representadas pelo
estado de fusão impossível de Átis e Cibele, sem ser emocionalmente dominado por
eles.
Na décima nona xilografia, 'Assunção e coroação', a alma é representada
pela união com a Santíssima Trindade (Fig. 29). A alma não é apenas coroada por
imagens maiores do que ela, mas em outras versões do Rosarium, a coroa é muito
grande para a alma, o que significa que o indivíduo deve reconhecer que a fonte da
iluminação se encontra fora do seu ser (McLean, 1980, 129). Esta questão é
importante em termos do modo como se faz a experiência do numinosum. O
numinosum sempre tem um aspecto transcendente, um Self que não pode ser
encarnado, sentido dentro, mesmo sendo também capaz de criar um Self imanente.
Estes dois aspectos do Self, imanente e transcendente, são simbolicamente
evidentes na décima nona xilografia, juntamente com uma vida lunar do corpo sutil.
A experiência mostra que os dois aspectos do Self têm uma substancial
semelhança, mas estas fontes de bênção e de significado são experimentadas em
âmbitos de escala muito diferentes. Conhecendo esta diferença entre imanência e
transcendência, o alquimista nunca erra em saber qual é o seu lugar no cosmos, e a
grandiosidade já não pode mais tentá-lo, nem traí-lo. Na vida espiritual da relação, é
essencial o mesmo nível de consciência.
Ao longo de todo o Rosarium, trabalhar em um processo interativo promove a
criação de um eu Self que é sensível, tanto ao modo ‘lunar’, quanto ao ‘solar’ de
relacionar-se e de experimentar o numinosum. Embora o Rosarium mostre
experiências de transcendência que ultrapassam as noções de campo, o processo
de transformação que realiza os mistérios da fase solar do numinosum prospera
continuamente dentro de um campo de relações.
A vigésima e última xilografia do Rosarium representa a ‘Ressurreição’ do
corpo glorificado e incorruptível de Cristo (Fig. 30). Embora este seja o objetivo final,
me ocorreu-me de perceber esta imagem do corpo da ressurreição, também em
sonhos, surgidos próximo ao início da análise. Uma imagem destas chamou a minha
atenção no seguinte sonho, trazido por um homem:
perdeu a paixão e o interesse genuíno pelo pai; ele sentiu isso como uma traição
terrível porque o havia amado profundamente.
Toda a sua vida de relação com homens e mulheres sempre foi esquizoide,
coberta de intelectualizações (os livros no sonho), de masoquismo (a submissão às
pedras no sonho) e de sedução (mergulhada no feminino no sonho). Em sua vida
real, ele estava com duas mulheres por um determinado período de tempo, ou
permanecia junto a uma somente com a modalidade ‘dentro e fora’.
O corpo da ressurreição, o corpo luminoso do sonho permitiu que um campo
interativo existisse entre nós em que ele poderia ‘usar-me’ no sentido de Winnicott
(1971) de ‘uso objetal’, isto é, sem o medo de destruir-me. Ele poderia realizar os
seus espelhamentos, e eu os meus, sem o impedimento das deformações dos
mecanismos projetivos e introjetivos. Este estado estava presente desde o início do
nosso trabalho, apesar das muitas camadas do processo psicoide, que de outra
forma, negaria a existência do corpo luminoso. Neste caso, a qualidade do campo
apareceu no início, certamente na transferência, talvez indicando o potencial em
nosso processo para recuperar a paixão que ele, tão desesperadamente,
necessitava. Às vezes, o inconsciente mostra um objetivo possível muito cedo em
um processo, e então, é preciso trabalhar para alcançá-lo de forma estável.
Envolver-se nas profundidades irracionais da relação no estágio da rubedo é
transformar a paixão de um perigo imanente para a alma em um fogo criativo de
mudança para maior intimidade e individualidade. No contexto de uma consciência
espiritual que conhece tanto uma forma imanente, quanto uma forma transcendente,
o campo interativo entre os indivíduos se torna uma fonte de um Self que é tanto
individual, quanto compartilhado, um estado que constitui um paradoxo bem vindo
que ajuda a superar o narcisismo, flagelo da relação e de toda a cultura.
A vigésima e última xilografia do Rosarium é diferente de todas as anteriores,
porque a 'Ressurreição' representa o surgimento do túmulo de um único humano
(Fabricius, 1973). Antes desta xilografia, quando uma imagem como a 'Rébis' da
décima xilografia (Fig. 18) define o campo interativo, um indivíduo alcançou uma
conexão entre consciente e inconsciente que pode existir em meio às ameaças de
perda do objeto e de abandono. Mas essa criação ainda não é uma imagem do Self
no sentido da vigésima xilografia. Enquanto em ambas, tanto na décima, quanto na
décima sétima xilografias (Fig. 18, 27), a imagem hermafrodita surge como resultado
de um processo de união e morte, esta imagem representa principalmente um
vínculo que conecta. Mesmo que se trate de um vínculo entre consciente e
inconsciente ou entre mente e corpo - em um indivíduo ou como uma qualidade de
campo entre indivíduos - as realizações da décima e décima sétima xilografias não
são ainda representantes de um centro orientador, o Self. Essa é a conquista da
última xilografia da série.
Uma estrutura do Self também existe dentro de todo o processo - por
exemplo, os alquimistas insistem em que é preciso ouro para fazer ouro - mas o Self
é perdido e obtido quando os diversos estados qualitativos do Rosarium são
encontrados. Na ‘Ressurreição’, um novo tipo de estabilidade finalmente é
alcançada, um Self que é imanente e transcendente. Qualquer que fosse a
209
10
formas de ser que, para ser transformadas, devem morrer, renascer e morrer
novamente. Esta sequência de morte-renascimento no processo alquímico de
transformação constitui a destilação contínua com a finalidade de criar uma
consciência purificada e uma estrutura do Self.
A sequência de um novo tipo de ordem e, portanto, a morte dessa ordem é a
dinâmica de transformação alquímica. O pensamento alquímico reflete o fato de que
não importa o quão exaltado seja o estágio de qualquer processo na vida; esse
estágio vive no contexto de todo o desespero e os fracassos que acompanharam a
sua criação. Assim, na última imagem do Splendor Solis, dois estados - um Self
criado e a sua consciência purificada - não se juntam apenas com a vida e o corpo,
mas também com uma história de desespero e fracassos.
A combinação no primeiro plano da pintura, de uma qualidade de morte com a
vida emergente das plantas – que significa novo crescimento - caracteriza uma
consciência madura do presente. O aqui e agora da existência não é idealizado em
termos de ‘o que pode ser’. Em vez disso, as experiências de fracasso, morte, perda
e de oportunidades, nunca são esquecidas. Ao mesmo tempo, o novo crescimento
que emerge no aqui e agora também é reconhecido. Porque as formas antigas da
existência estão muito desenvolvidas, a experiência de sua devastação e da sua
excessiva utilidade excessiva, impregna o presente de profunda maturidade. Como
evidência de que se pode conseguir desejando a transcendência, atrás de todas as
outras coisas representadas na pintura, existe uma cidade celestial – a verdadeira,
transcendente morada do Self.
As relações não são somente formas de troca de energia e de função entre
indivíduos, mas também estruturas vivas que harmonizam o sentido da identidade e
o bem-estar de uma pessoa. Dois indivíduos, ou um único que faz do trabalho
criativo, ou uma pessoa com uma organização coletiva criam, inevitavelmente, uma
relação dotada de caráter e dinâmica própria. Uma vez que se entra
conscientemente nesta relação, a autonomia de cada uma é reduzida a tal ponto
que os interesses e os sentimentos do outro devem, agora, ser considerados
juntamente com os próprios. Este ingresso consciente em uma relação pode ser
experimentado como um ato de liberdade no sentido de uma intenção expressa de
amar a outra pessoa ou de ser leal a uma organização ou ao próprio processo
criativo. No entanto, quando as partes interessadas não têm um sentido suficiente
de identidade individual para permanecer separadas e vitais nos próprios direitos, o
ingresso consciente em uma relação pode ser vivido como um perigo e uma
armadilha, ou mesmo como uma forma de escravidão.
Sendo formas vivas de troca, as relações fazem mediação entre uma pessoa
e sua psique inconsciente, realidade espiritual, sistema familiar, local de trabalho e
vida cultural. Todas estas formas de troca são as bases das relações que abrangem
um amplo espectro da experiência, do extremo do comportamento ‘profano’ ou
compulsivo, automático, até o outro extremo da vida ‘sagrada’ ou reflexiva de
envolvimento com a alma. Se a forma de troca for, antes de tudo, uma forma em
que dois indivíduos se exploram mutuamente para satisfazer as demandas
narcisistas, então a relação se reduz a proporcionar uma arena para realizar
212
no caso da psique, a caça não se volta para uma ‘coisa', por exemplo, uma imagem,
ou para uma atmosfera ao redor da imagem. O objeto da caça - e na alquimia se
encontra a metáfora de caça a um leão - pode tornar-se invisível com a mesma
rapidez com que aparece, novamente, como se fosse pela primeira vez. Do ponto de
vista alquímico, o valor de caçar uma ‘coisa’ ou ‘animal’ misterioso, não consiste
tanto na caça em si, mas na capacidade da atividade de diminuir a intensidade do
foco e de incluir o espaço que circunda a percepção, em torno da ‘coisa’ ou ‘animal’
procurado. Neste ato imaginal de diminuir o próprio foco ‘solar’ e aumentar, em seu
lugar, um tipo de visão ‘lunar’, o próprio campo interativo em si, se torna objeto de
atenção. Quando a área explorada se torna o espaço entre as percepções, a
aceitação da confusão e da perda do foco se torna uma parte natural do processo
em questão.
Na procura da vida e do processo de uma ‘terceira área’, é melhor dirigir-se
sob um percurso intermediário entre a objetividade do método científico e a
subjetividade da imaginação, isto é, entre ocupar-se, exclusivamente com as
projeções e ocupar-se, exclusivamente com os campos interativos. Esse ‘duplo
foco’, exige que um indivíduo esteja disposto a vislumbrar a vida da ‘terceira área’ e
refletir sobre o seu processo caótico ou ordenado em termos de projeções
consideradas em um esquema evolutivo, e também com a imaginação focada no
campo em si. Nenhum dos dois focos deve dominar o outro, pois ambos são
necessários e têm o próprio lugar. Mas se o foco que é inserido em uma relação
consiste em penetrar no desconhecido, ‘olhar sem ver’ ou ‘ver sem olhar’, então a
abordagem científica – que enfatiza como as falhas evolutivas e as ‘fixações’
associadas são evidenciadas no aqui e agora - pode ser limitado pela sua própria
metodologia. O caminho científico, com a sua tentativa de certeza objetiva, pode
atuar como um escudo contra a retraumatização pelas projeções do parceiro e
contra a visão quando nega reconhecer a validade das partes loucas da psique.
Então, o caminho alquímico de perceber os estados interiores no parceiro ou
imaginar a sua existência percebendo imaginalmente a própria inferioridade, torna-
se o foco de um esforço consciente para transformar a ‘o chumbo em ouro’. Mas
sem a abordagem científica, o caminho imaginário da alquimia se degenera em uma
generalidade que perde a particularidade dos indivíduos envolvidos.
Se o processo de descoberta contém tanto o ritmo ‘científico’, quanto o
'imaginário', e se existe confiança na natureza fugaz das percepções imaginativas
sem materializá-las, então dois indivíduos experimentam a sua relação como um
vaso que contém ambos. Ambos, ao procurar vislumbrar o mistério de sua relação
são, alternativamente, cientistas e alquimistas, percebendo, por um lado, com
objetividade e, por outro, com a visão da imaginação. Quando estão conscientes
reconhecem do que cada um é, tanto racional, quanto louco, estão preparados para
entrar na ‘terceira área’ que possui seu próprio mistério e que é muito mais ampla do
que o todo dos dois.
Uma pessoa que se ocupa com as ‘terceiras áreas’ deve aprender a ‘ver’ de
forma diferente, para ver através dos olhos do inconsciente, e especialmente,
através da visão do Self. Se dois indivíduos, no seu processo interativo, reconhecem
218
O principal desafio aos limites das relações não analíticas é que cada um dos
parceiros deve respeitar a relação o suficiente de modo a se abster em compartilhá-
la em certos âmbitos que a colocam em jogo, enquanto se busca, em outros lugares,
outros níveis de intimidade. Tais limites liberados nunca criam um espaço seguro o
suficiente para o ato de descoberta de um campo interativo comum. Mas mesmo
que os limites do compromisso sejam seguros, é necessário vontade e desejo para
explorar áreas sensíveis em que qualquer indivíduo pode estar emocionalmente,
fora de controle, e claramente louco. Mesmo se o foco da exploração pode ser um
parceiro, é necessária uma convicção implícita de que tudo o que for descoberto
sobre sua psique inconsciente, afetará brevemente também o outro parceiro.
Somente dessa maneira, ambos podem aprender que vivem em um domínio mais
amplo de relações.
De certo modo, as relações analíticas podem ser as precursoras das relações
pessoais. A relação analítica, mais segura e delimitada, pode ser um campo de
treinamento para outras relações. É possível que indivíduos, dentro das relações
pessoais, se tornem conscientes da ‘terceira área’ e empenham-se nela, mesmo
sem beneficiar-se da experiência analítica, mas podem encontrar muito mais difícil
manter um sentindo da própria identidade ao estabelecer a existência de uma
‘terceira área’ em que ocorre grande quantidade do processo recíproco.
As relações que não estabeleceram uma ‘área de processo recíproco, não
conseguem aceitar estados de não-conexão radical – em que se revela impossível a
autêntica empatia pelo outro - sem julgar negativamente esta ausência e sem
prefigurar um desastre da relação. A vantagem das relações analíticas é que o
analista pode suportar a consciência do potencial significado e propósito destes
estados mentais de total não relação. Com efeito, o analista pode ‘estar atento e
colocar provisoriamente à parte’, enquanto em uma relação não analítica, é mais
provável que ambos os indivíduos possam ficar submersos em sentimentos de
desespero e abandono. Mesmo na relação analítica, o analista, muitas vezes,
necessita da ajuda do analisando quando se apresentam estes estados tão difíceis,
como uma falta total da conexão. Em última análise, o sucesso nas relações
analíticas ou não analíticas - depende da coragem e da capacidade dos indivíduos
envolvidos. Com coragem e capacidade adequadas, qualquer relação voltada a
experimentar as profundidades e o mistério presentes nela, pode potencialmente,
alcançar níveis de compromisso e de foco semelhantes aos do esforço analítico.
A fim de construir uma contenção suficientemente forte para envolver a
loucura pessoal e mútua que é invariavelmente ativada no campo interativo, uma
relação – seja ela analítica ou não analítica - deve seguir os três passos a seguir.
O primeiro passo exige que os parceiros levem as percepções uns dos outros
a sério e reconheçam a verdade ou a falácia destas percepções através de um
processo sério de busca de almas. Cada um deve sentir-se livre para articular
queixas específicas sobre ações e atitudes do outro que possam ser consideradas
prejudiciais ou irresponsáveis; e cada um deve comprometer-se a ouvir atentamente
as queixas sem reagir defensivamente. Essa receptividade requer de ambos os
parceiros, uma vontade que vai além da atitude de culpar e de criar um bode
220
que caracteriza a não-relação pode ser entendido por ambos os indivíduos como
parte de um processo de transformação; e é exatamente este sentimento de
parentesco que nutre, sustenta e gradualmente fortalece o casal e a relação em si.
Esse processo transformador pode ser realizado somente se existe a confiança,
imaginação e se formos educados para isso. O poder penetrante da imaginação,
necessário para apreciar o potencial transformador da relação em uma experiência
de campo interativo, é comparável à iluminação espiritual que é essencial para o
processo transformador da alquimia.
A combinação do sol e da paisagem devastada na vigésima segunda e última
pintura do Splendor Solis é fundamental para a compreensão alquímica da
transformação das relações. Todas as relações e todos os processos interativos
compartilham a experiência de um estado de união em que são forjadas novas
estruturas relacionais para si mesmos e para os outros, seguidas pela experiência
da morte desta criação. Esta sequência coniunctio-nigredo, inspirada por uma lei
fundamental da natureza em que a nova vida não é possível sem a morte das
formas antigas, é a essência da transformação segundo o pensamento alquímico.
A morte de um estado de união pode assumir várias formas, como o término
de um emprego, a traição de uma relação conjugal, uma doença ou a morte de um
parceiro, a conclusão de um trabalho criativo ou a incapacidade de terminar esse
trabalho. Em cada caso, os sintomas da nigredo incluem desespero, depressão,
perda da auto-estima e raiva. As tentativas de lidar com tais sintomas podem incluir
fugas maniacais para restaurar a relação como era antes, a loucura do auto-engano
e a arrogância que nega qualquer motivo ou significado de sombra, ou ainda os
pressupostos grandiosos de que, se o parceiro apenas mudasse sua atitude, o
sentimento catastrófico de perda desapareceria. Tais preocupações narcisistas não
somente tornam os estados de união inadmissíveis para a vida consciente, mas
também estão diretamente contra o potencial transformador da experiência da morte
estrutural inerente às relações.
Enquanto base da transformação, o estágio da nigredo assume muitas formas
diferentes quando emerge nas relações. Pode parecer como se fosse do nada,
seguir um período intenso de paixão e proximidade, quando de repente e sem razão
aparente, o interesse pelo outro diminui. Ou então, a nigredo pode fluir ao longo do
tempo, minando gradualmente a doçura da esperança e da conexão que já existiam.
Em ambos os casos, se verificará uma experiência de morte em qualquer relação
que, para o bem ou para mal, a transformará.
Esta transformação desafia seriamente os indivíduos envolvidos em uma
relação a tornar-se conscientes da falta de conexão. O medo da nigredo, muitas
vezes, impulsiona o casal a mostrar, de modo forçado, a aparência de estar
conectado, quando, de fato, se cada um deles ousasse olhar profundamente para
dentro de si, reconheceria que não existe conexão. Ambos vivem em universos
paralelos, e podem também falar línguas estrangeiras um para o outro. Para aqueles
que sofrem a nigredo sem se culparem mutuamente pelos problemas do desespero,
de loucura e da falta de relação que lhe persegue e é fonte de abandono, uma nova
vida pode, então, entrar na relação.
222
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ANEXOS
(Imagens que constam no livro)
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